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Discente: Daniely Spinelli

1.Introdução
O presente trabalho discute o papel ativo do psicólogo dentro dos Centros de
Atenção Psicossocial, que tem como principal função compreender os sentidos
construídos e expressados pelos usuários deste serviço de saúde mental, bem como saber
que sua atuação ativa interfere diretamente na materialização dos sentidos atribuídos ao
sofrimento psíquico.
Este surge a partir de uma experiência do estágio supervisionado I: intervenção
no cotidiano em saúde mental, com duração de 1 semestre letivo. O estágio se constitui
por práticas ativas e de observação no campo escolhido.

2.A Atuação do Psicólogo nos Centros de Atenção Psicossocial para Álcool e outras
Drogas (CAPS-AD)
Visando uma atuação ética e coerente com os princípios da profissão faz-se uso
de referências que delineiam a prática nos mecanismos de atenção psicossocial. A prática
da psicologia tem se aproximado cada vez mais com as políticas públicas o que exige um
pensamento mais reflexivo e crítico por parte dos profissionais, e a psicologia é um
instrumento incentivador de novos sentidos, bem como, faz parte da luta para condições
mais humanas no tratar das questões psíquicas no cenário atual.
Os CAPS AD passam a existir de maneira a tornar principal o acolhimento à
pacientes que fazem uso prejudicial de álcool e outras drogas, visto que, anteriormente o
foco principal dos CAPS I, II e III eram pacientes com transtornos mentais moderados e
severos. Desse modo, Brasil (2004) destaca que os atendimentos em um CAPS AD devem
ser pautados em um planejamento terapêutico singular, observando a evolução contínua
do paciente, desenvolvendo também atividades terapêuticas individuais, em grupo ou
para a família, além de oferecer condições para repouso e local de desintoxicação
ambulatorial.
Segundo CFP (2013), o CAPS AD é um dos espaços de atuação do profissional
psicólogo, no qual o mesmo pode realizar atendimentos psicoterápicos, oficinas
terapêuticas, visitas e atendimentos domiciliares, assim como, atividades comunitárias
que visem à promoção de saúde e bem-estar. O psicólogo atuante em um CAPS AD deve
construir as estratégias de cuidado junto com os outros membros da equipe
multiprofissional, visando sempre as diretrizes da política pública de saúde que é ampliar
a autonomia e promover os direitos humanos dos pacientes acolhidos pela rede de atenção
psicossocial.
Um dos grandes desafios na atuação do psicólogo na rede de atenção psicossocial
perpassa as visões reducionistas e estigmatizantes da sociedade diante do usuário, cabe
então ao psicólogo trabalhar com esse indivíduo as noções de cuidado para consigo
mesmo, focando principalmente no que diz respeito aos cuidados psicológicos e
promoção de autonomia e emancipação desse indivíduo. Para o CFP (2013, p.65) “esse
resgate passa pelo rompimento da dicotomia indivíduo/sociedade, a partir de uma
concepção de subjetividade humana como resultado de um processo que se constitui ao
longo da história individual e coletiva”. É esse trabalho que fortalece o papel do psicólogo
junto as equipes de atenção psicossocial.
CFP (2013) ressalta que a essência da prática do profissional psicólogo no CAPS
é a construção de novos sentidos diante do cuidado com a saúde mental, o psicólogo é um
dos recursos que promovem a condição preliminar do tratamento, e constitui a relação
terapeuta/paciente. Ainda segundo CFP (2013) é na liberdade conquistada a partir da
Reforma Psiquiátrica que o cidadão pode decidir por si mesmo se deseja tratar-se,
buscando novos sentidos, laços sociais, fortalecimento e reconstituição de suas redes de
apoio. Ao dar ao individuo plena liberdade o psicólogo auxilia na constituição do
fortalecimento da autonomia. Outro importante recurso utilizado pelo psicólogo em sua
atuação no CAPS é a criação de vínculos, tanto com equipe, quanto com o paciente.
Uma das formas de atuação do CAPS AD é o sistema de Redução de Danos que
visa a prevenção do uso abusivo ou dependência de álcool e outras drogas. Por meio da
Redução de Danos é possível ampliar estratégias de políticas de saúde para a sociedade,
voltadas para a população intensificando a atenção de prevenção, promoção e proteção à
saúde, por meio de uma forma de interação comunitária e de participação social.
(BRASIL, 2004).

Segundo Bock (2008), o psicólogo é um profissional que atua na dimensão


subjetiva do indivíduo, capaz de transformar aquilo que pode vir a ser encarado como
sofrimento ou intervir quando há a necessidade de mudança para a melhora do paciente,
ou seja, o psicólogo é um agente que promove transformações e ressignificações, fazendo
com que os indivíduos sejam conscientes de si, de suas responsabilidades e de seus atos.
De acordo com Bock (2008), os psicólogos não atuam somente onde existe sofrimento,
eles também interferem em ações de planejamento na saúde pública e são peças chaves
para a humanização dessas políticas, trabalham em diversos lugares com diferentes
necessidades, estas sempre atreladas ao contexto que produz a realidade encontrada no
ambiente social de trabalho. Portanto o psicólogo trabalha como promotor de saúde,
responsável por fomentar a compreensão que cada indivíduo desenvolve sobre o seu papel
nas relações sociais.
A estratégia de redução de danos é composta por equipes multidisciplinares,
compostas por enfermeiros, técnicos em enfermagem, assistentes sociais, médicos,
fonoaudiólogos, fisioterapeutas, nutricionistas e o psicólogo. Dentro desta equipe o
psicólogo realiza ações de escuta dos usuários para reunir informações sobre seu
sofrimento que auxiliem no planejamento das ações, junto aos outros membros da equipe,
para que seu tratamento tenha melhor eficácia. Escuta essa que não se restringe apenas ao
atendimento individual, para que o usuário se sinta melhor acolhido. O principal foco da
escuta é reconhecer as particularidades do usuário, e identificar as possíveis causas que
levaram a busca pelo uso das substancias.
A redução de danos , segundo CFP (2013), significa para o psicólogo entender
que não podemos encarar da mesma maneira, e com os mesmos métodos e objetivos uma
situação que pode estar conectada com as características singulares encontradas em cada
um dos usuários de droga, então, seria necessário compreender a droga como um
significado que cumpre uma função particular para cada pessoa que utiliza, trazendo as
consequências da prática profissional para o âmbito individual e familiar de cada um dos
indivíduos atendidos, e claro, mantendo os conhecimentos e as práticas comprometidas
com a sociedade, de maneira que se possa utilizar também dessas medidas para
aproximar-se dos indivíduos não dependentes, mas que se inserem como figuras
importantes na percepção e na participação no desafio do dependente químico. Por isso,
se faz necessário que o psicólogo atue de forma próxima ao contexto do usuário, para
entender melhor sua realidade e reintegrar o usuário no convívio social. (CFP,2013).
Logo, além de compreender as características particulares presentes no uso da
droga, o psicólogo poderá também exercer o trabalho de intervir no significado social, e
na representação deste uso, de maneira que, se possa encarar um usuário como um
indivíduo que não apresenta características primeiras por se encontrar em uma situação
delicada que demanda atenção, cuidado e diálogo.

3.Metodologia
Batista, Bernardes e Menegon (2014) discutem as entrelinhas do discurso social
dentro do campo da pesquisa social, visto que, os diálogos dentro do campo de pesquisa
enriquecem ainda mais a produção do conhecimento do ambiente a ser estudado. Os
autores ressaltam ainda que o uso de conversas como uma metodologia de pesquisa é um
campo novo a ser desbravado e muito questionado pelos pesquisadores.
Para os autores Batista, Bernardes e Menegon (2014) se faz necessário romper a
lógica das metodologias rígidas e flexibilizar, cabendo ao pesquisador identificar a
importância dos saberes populares que constituem o dia-a-dia de uma pesquisa, dentro do
cotidiano atual. Ao citarem Menegon (2000) os autores Batista, Bernardes e Menegon
(2014) ressaltam que as conversas são produtoras de sentido, pois a linguagem utilizada
nos diferentes contextos sociais é que implica na produção de conhecimento sobre aquele
determinado campo. Finalizam questionando o pesquisador sobre as formas de romper
com a lógica das pesquisas tradicionais.
Spink (2008) citado por Batista, Bernardes e Menegon (2014) destaca a
necessidade de conhecermos o nosso próprio cotidiano, sabendo identificar os sentidos
expressos, não apenas como pesquisador/observador, mas sim como parte fundamental
do ambiente de estudo. Desse modo, faz-se necessário valorizar os encontros e as
especificidades de cada lugar, visto que,
O conhecimento produzido não está na cabeça do/a pesquisador/a ou de
um expert em determinado assunto. Nem está na natureza ou nos
fenômenos que o constitui. O conhecimento é algo que se faz junto,
sendo coletivamente produzido e tendo como matéria-prima a
linguagem em uso e outras materialidades que compõem as relações
cotidianas (BATISTA, BERNARDES E MENEGON, 2014, pág. 104).

Segundo Batista, Bernardes e Menegon (2014), realizar uma pesquisa com


conversas é experienciar a amplitude das relações, e cabe ao pesquisador analisar a rotina
do lugar, buscando estratégias para um bom relacionamento e interação com as pessoas
que ali vivem. Portanto, conforme os autores reafirmam ao longo do texto, ao
compartilhar da rotina de um lugar, não se pode ignorar as modificações do ambiente de
acordo com o nível de interação do pesquisador com as pessoas, sendo assim, deve-se
ficar atendo aos resultados que irão nortear o sucesso da pesquisa.
Sendo assim, é importante analisarmos o diálogo nos espaços em que atuamos
como pesquisadores, pois, não há como controlar ou deduzir quais comportamentos irão
emergir ao longo de uma conversa no cotidiano do CAPS AD.

4.Descrição e análise do estágio


Á aproximadamente 2 meses, tenho desfrutado da oportunidade de acompanhar o
cotidiano do serviço realizado no CAPS-AD, construindo um novo olhar crítico sobre a
redução de danos e seus benefícios na melhora dos pacientes como uma aliada da saúde
física e metal. As reflexões que a vivência dentro do estágio me proporciona é de um
grande crescimento pessoal/profissional, vencendo medos, passando por cima de tabus
impostos pela sociedade, e consequentemente, conseguindo ajudar o outro de uma
maneira empática e exercendo nosso papel na promoção do cuidado em saúde Mental.
No dia 15 de agosto de 2018, compareci ao CAPS AD, me apresentei ao supervisor
de campo e aos funcionários da CAPS AD. Posteriormente no dia 22 de agosto de 2018,
observei os acolhimentos no CAPS AD e conversei com o supervisor a cerca das questões
que evolvem a aplicação da estratégia de redução de danos para os usuários do CAPS
AD. Os autores Grigolo e Pappiani (2014) discutem a reforma psiquiátrica no Brasil como
mudanças necessárias que promovam cidadania, inclusão social e autonomia dos sujeitos
que antes eram institucionalizados. Desse modo o conceito da clínica ampliada ao qual
temos dado prioridade se faz presente nos dispositivos da rede de atenção psicossocial.
Para Grigolo e Pappiani (2014) a clínica ampliada passa a enxergar o sujeito e sua
complexidade de maneira integral, bem como auxilia na atuação dos profissionais da
saúde para compreenderem as diversas singularidades e atravessamentos que compõe os
sujeitos que fazem uso de álcool, drogas ou possuem algum transtorno psiquiátrico.
Dia 29 de agosto de 2018 realizei entrevista com uma usuária do CAPS AD,
durante o acolhimento a mesma relatou ser portadora de sífilis, Aids e hepatite. Durante
o relato a usuária conta que procurou a rede pois se sente muito ansiosa e angustiada,
mencionou também que masca bitucas de cigarro na tentativa de aliviar a abstinência e a
ansiedade. A usuária relata ainda que faz uso de medicação para transtorno mental,
ansiedade e depressão. E ao buscar atendimento em outra unidade da rede, o CAPS II, a
equipe se recusou a atende-la, o que gerou a ela uma profunda ansiedade e angustia.
Durante o acolhimento e escuta psicológica foi proposto a ela acompanhamento em
psicoterapia individual para trabalhar suas questões subjetivas.
Neste caso percebe-se a dificuldade em encontrar as diretrizes das politicas de
humanização nacional que se regem pelos princípios da atenção integral ao usuário do
serviço de saúde. Quando se fala por humanização Brasil (2008) destaca que os valores
que devem nortear as práticas da política de humanização são a promoção de autonomia
e o protagonismo ativo dos usuários e gestores, de maneira que assumam
corresponsabilidades para com o processo de desenvolvimento pessoal do usuário.
No dia 05 de setembro de 2018 não foram realizados acolhimentos apenas
observação sobre as atividades propostas para este dia. Discuti e observei os colegas de
estágio na realização da terapia grupal que foi realizada as 14:00 horas deste dia, junto
com supervisor André. Também realizei contato com a paciente Debora e marquei
consulta para o próximo dia de campo 19/09/2018.
Leal e Delgado (2007) discutem as intervenções grupais como estratégias que
fornecem aos sujeitos um espaço de acolhimento e reconhecimento, onde através do
compartilhamento de experiencias há uma melhora nos sintomas antes percebidos de
maneira mais latente. É muitas vezes através desses espaços de reflexão que os sujeitos
passam a ressignificar o seu modo de lidar e conviver com seu adoecimento.
Na data posterior, dia 19 de setembro de 2018 o CAPS AD não realizou
acolhimentos. Utilizamos o dia de campo para discutir a respeito dos casos atendidos e
dos manejos a serem realizados.
Dia 03 de outubro de 2018 realizei acolhimento de um usuário, Mayke de 22 anos,
que faz uso de álcool e cocaína. O rapaz foi trazido pelo pai e tio após ser preso por
importunação sexual, o juiz do caso liberou o usuário com o critério de realização de
acompanhamento psicológico. Durante o acolhimento o usuário se queixa de dor nas
costas, apresenta comportamento inquieto e fala destoada da realidade. A assistente social
do CAPS AD fez encaminhamento para a UPA para um atendimento e agendou retorno
pra o CAPS AD com a psiquiatria, psicologia e enfermagem. Mayke faz uso de
medicamentos como risperidona e depakote, mas está à 3 meses sem medicação.
Grigolo e Pappiani (2014) trazem a importância de uma atenção ao projeto
terapêutico singular de casa usuário acolhido, pensando em condutas terapêuticas que
envolvam toda a equipe multidisciplinar que compõe o dispositivo. Como vimos na
maneira de conduzir os encaminhamentos pela assistente social do CAPS AD, que
solicitou apoio de outros mecanismos e profissionais da rede. Outro aspecto importante
discutido pelos autores é a articulação da rede com a família do usuário, e para que a
execução da proposta terapêutica seja efetiva é necessário que os profissionais da atenção
psicossocial entendam as limitações do modelo médico, afim de criar estratégias que
atendam as necessidades de cada sujeito, ampliando ainda mais as concepções na atenção
á saúde mental. (GRIGOLO E PAPPIANI, 2014).

5.Considerações Finais
Referências
BRASIL. Ministério da Saúde. Saúde mental no SUS: os centros de atenção
psicossocial– Brasília-DF, 2004.

BRASIL, Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Núcleo Técnico da Política


Nacional de Humanização. Clínica ampliada, equipe de referência e projeto
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BATISTA, Neiza Cristina Santos; BERNARDES, Jefferson; MENEGON, Vera Sônia


Mincoff. Conversas no cotidiano: um dedo de prosa na pesquisa. In: SPINK, Mary
Jane Paris; BRIGAGÃO, Jacqueline Isaac Machado; NASCIMENTO, Vanda Lúcia
Vitoriano do; CORDEIRO, Mariana Prioli - organizadoras. A produção de informação na
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BOCK, A. M. B.; A psicologia como profissão. In: BOCK, A. M. B.; FURTADO, O. ;


TEIXEIRA, M. L. T. Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. São Paulo:
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CFP, 2013.

LEAL, EROTILDES MARIA; DELGADO, PEDRO GABRIEL GODINHO. Clínica e


cotidiano: o CAPS como dispositivo de desinstitucionalização. Desinstitucionalização
na saúde mental: contribuições para estudos avaliativos. Rio de Janeiro: Cepesc, p.
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PAPPIANI, Camila; GRIGOLO, Tania Maris. Clínica ampliada: recursos terapêuticos


dos centros de atenção psicossocial de um município do norte de Santa
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