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Durante seis anos, em tos, um tempo que não deixou tempo
Fernando de Noronha e na Ilha Grande, para sentimentos de medo. Em sucessi
até a anistia de abril de 1945, o militan vos textos, encontros e declarações,
te comunista viveu nos cárceres do Es Marighella engrossa e fortalece as legi
tado Novo. Depois disso, veio o perío ões de dissidentes do PCB. Em dezem
do de destacada atuação na Assembléia bro de 1966, desligase da Comissão
Constituinte (Marighella foi eleito de Executiva e em agosto de 1967 vai à
putado pela Bahia com um terço dos reunião da Olas em Havana, onde fica
votos dados aos comunistas no Estado), sabendo que fora expulso do partido.
a cassação do mandato, a tenaz atuação Volta ao Brasil decidido a criar um agru
partidária semiclandestina como alto pamento revolucionário que evitasse a
dirigente em São Paulo, a viagem à Chi inflexibilidade e morosidade dos parti
na em 1953 e 1954, o impacto da reve dos comunistas: surge o embrião da
lação dos crimes de Stalin, em 1956. ALN. Mas não convém relatar em deta
Os fatídicos anos 60 se abrem com a lhe o conteúdo dessas páginas finais.
integral dedicação à militância e à luta Convido o leitor a trilhar ele mesmo o
interna no PCB até o golpe e a prisão percurso que, fechando o círculo inexo
subseqüente e a volta à liberdade, gra rável do destino, leva de volta aos
ças aos mecanismos liberais ainda vi instantes finais de Marighella. Comple
gentes. O imediato pósgolpe de 64 apa tase a longa viagem. Embora trágica,
rece como um turbilhão de acontecimen uma bela e digna viagem.
Antonio Carlos Mazzeo
Estado e burguesia no Brasil: origens da autocracia burguesa. 2ª ed.
(revista) São Paulo: Cortez Editora, 1997 144 páginas.
Marcos Del Roio (Professor de Ciência Política da FFCUnesp, Marília)
A reedição desse livro de Antonio Creio que a marginalização do tema
Carlos Mazzeo, numa corajosa e elo da origem e da natureza da dominação
giável iniciativa da Cortez Editora, é de classe no Brasil é devida a pelo me
muito bem vinda, até para evidenciar nos dois elementos interligados: um, a
ainda uma vez a atual carência de debate imposição de uma hegemonia liberal que
sobre a origem e a natureza da formação se pretende inserida na ordem imperial
social brasileira. E isso precisamente no global do capital e que prescinde de um
momento em que os clérigos das sem horizonte políticocultural, atendose a
pre mesmas classes dirigentes da nova falsa universalidade do mercado; dois, a
ordem liberal, se preparam para o espe convicção de que essa é uma questão
táculo de exaltação do início do sexto suficientemente resolvida ou mesmo su
século de uma nação que nunca se fez perada. Creio ainda que essa segunda
enquanto tal. proposição não pode ser dissociada da
142 RESENHAS
derrota cultural do marxismo e sua falta O ponto de partida para a fundamen
de perspectiva histórica revolucionária, tação dessa crítica e da busca de alterna
no momento que se descortina a globa tivas explicativas para a compreensão da
lização do capital. gênese e natureza da formação social bra
Por seus méritos e possíveis insufici sileira foi encontrado na obra de Caio
ências, o livro de Antonio Carlos Mazzeo Prado Jr. Como se sabe, para o historia
está aí para lembrarnos da necessidade dor paulista, a particularidade da forma
de disputar a identidade e o futuro do ção brasileira era localizável na sua ori
Brasil com multisseculares classes diri gem como empreendimento mercantil
gentes deste país. Para recordar que o lusitano voltado para o mercado euro
conhecimento científico do movimento peu. O Brasil seria desde sempre uma
do real é o fundamento de uma ação po grande empresa mercantil capitalista que,
lítica transformadora desse mesmo real. em busca de lucros exorbitantes, viase
Por esses mesmos motivos esse pequeno na contingência de apelar para relações
livro, na circunstância em que é repu de trabalho escravistas. Nessa leitura, o
blicado, serve também como meio de tema da revolução enquanto processo de
contraposição a uma certa historiografia tomada do poder político se esvanecia,
despolitizada que só faz afiançar o atual pois, no Brasil tratavase de superar as
estado de coisas. sobrevivências das relações escravistas
de trabalho e atualizar o capitalismo,
O trabalho de Antonio Carlos Mazzeo
lutando por aquilo que o atual senso co
apresentado como dissertação de
mum de certa esquerda chama de cida
mestrado em Sociologia na USP em 1986
dania. Embora não seja esse o local a
pode ser visto como um produto tar
adequado para essa discussão, pareceme
dio de um debate que foi muito rico no
inegável a proximidade da visão históri
interior da universidade na década de 70
copolítica de Caio Prado Jr. com certas
e início da década seguinte, embora com
proposições reformistas da Segunda In
raízes solidamente fincadas na conjun
ternacional, um particular economicismo
tura política e teórica localizada em tor
e o entendimento da revolução como
no da ruptura institucional de 1964 e da
algo que ocorre mas não se faz.
derrota das esquerdas. A característica de
fundo dessa discussão foi a busca de hi De todo modo a concepção de Caio
póteses explicativas alternativas àquela Prado Jr. foi explicitamente retomada na
identificada na chamada tradição tercei busca de novas luzes para a interpretação
rointernacionalista, na qual, sem qual da realidade brasileira por autores que
quer mediação ou dúvida cabível, foi atingiram uma influência significativa
jogada a extensa obra de Nelson Werneck como os casos de Fernando Novaes e João
Sodré (numa injustiça histórica que está Manoel Cardoso de Mello. Para esses, o
tardando a ser sanada). Essa tradição, Brasil na sua gênese se confundia com
como se sabe, identificava a presença de uma empresa mercantil inserida no antigo
aspectos feudais na formação social bra sistema colonial. Não é também o caso de
sileira, os quais, na marcha da revolução discutir a falta de rigor conceitual da
democrática burguesa deveriam ser eli importante tese (e livro) de Novaes, mas
minados pela ação convergente das for sim de reconhecer que essa interpretação
ças nacionalpopulares, incluídas aí par se tornou hoje hegemônica na academia e
celas da burguesia. em círculos culturais mais amplos.
CRÍTICA MARXISTA 143
Tanto que essa visão foi incorporada uma leitura que inverte Caio Prado Jr. da
e enriquecida por autores mais claramente direita para a esquerda. No entanto,
identificados com a tradição marxista, o texto de Antonio Carlos Mazzeo tem
como Carlos Nelson Coutinho, Leandro como referências teóricas importantes
Konder e Luíz Werneck Vianna, com a José Chasin e Florestan Fernandes, mui
proposição da categoria de origem to particularmente no que tange a tese
leniniana da via prussiana para expli central do livro que afirma existir no Bra
car o desenvolvimento capitalista e a ori sil uma autocracia burguesa. Para esses
gem do Brasil moderno. Ao contrário de autores, em busca de uma explicação da
Caio Prado Jr. que dava pesada ênfase no natureza da ditadura militar de 1964,
arcaísmo presente no Brasil, todos esses havia se configurado uma autocracia em
autores enfatizavam a modernidade ca função da gênese colonial do capitalis
pitalista e suas potencialidades, decor mo brasileiro, contra a qual a burguesia,
rendo daí a perspectiva política da ne estruturalmente determinada, não pode
cessidade de amplas alianças para a cons romper. Em decorrência dessa análise, a
trução da democracia, ainda dentro dos democracia no Brasil só poderia emergir
marcos do capitalismo. em função da ação das massas trabalha
Quase que em paralelo foi se confor doras, de modo que o regime que se des
mando uma nova hipótese alternativa de dobrou da chamada transição, nada
explicação da formação social brasilei mais seria que a institucionalização da
ra. Por obra de Jacob Gorender, Ciro autocracia burguesa.
Flamarion Cardoso e Décio Saes chegou O objetivo de Mazzeo é precisamente
se a uma elaboração teórica que percebia buscar a gênese ontológica dessa auto
no Brasil a existência de um particular cracia no período colonial, preocupan
modo de produção gerado pela expan dose com a questão do Estado que emer
são européia: o escravismo colonial. À ge nesse processo. Para tal utiliza o ins
parte a dificuldade em se explicar o nexo trumental teóricometodológico forneci
com o mercado mundial, poderseia do pelo último Lukács. Defendendo a
questionar, entre outras coisas, se há al natureza capitalista das formações soci
gum limite lógico e histórico para a con ais coloniais e debatendo com as expli
formação de novos modos de produção. cações alternativas, Mazzeo busca esta
Mas como, mais uma vez, essa não é belecer a particularidade histórica do
questão para ser respondida em poucas Estado brasileiro. A conclusão de Mazzeo
palavras, o objetivo é apenas localizar o é que a autocracia burguesa no Brasil é
contexto do livro de Antonio Carlos decorrência da via colonial do desen
Mazzeo e os interlocutores que ele não volvimento capitalista, segundo a hipó
se esquiva de estabelecer. tese aventada por Chasin.
Mazzeo se insere numa certa leitura Mas a via colonial incorpora tam
da obra de Caio Prado Jr., presente desde bém aspectos da via prussiana (vista
os anos 60, que observa a revolução como particularidade histórica do desen
como sendo inevitavelmente de caráter volvimento capitalista na Alemanha),
socialista, num país que esta inserido podendo então, num esforço maior de
desde sua gênese na dialética do merca concretização, ser qualificada como via
do mundial do capitalismo. Ou seja, é prussianocolonial, que se manifesta
144 RESENHAS
num regime político bonapartista e cuja ro, ainda na primeira metade do século
finalidade é a manutenção do nexo co XIX. Essa observação talvez sugira que
lonial e autocrático. Não deixa de ser o título original do trabalho que se refe
frustrante, porém, o fato do livro de An ria à gênese da autocracia burguesa no
tonio Carlos Mazzeo se deter cronolo Brasil fosse mais condizente com o con
gicamente no período imediatamente teúdo, do que o nome estampado na capa
posterior à formação do Estado brasilei do livro.
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ROIO, Marcos Del. Resenha de: MAZZEO, Antonio Carlos. Estado e burguesia no Brasil:
origens da autocracia burguesa. São Paulo: Cortez Editora, 1997, 144 p. Crítica Marxista,
São Paulo, Xamã, v.1, n.7, 1998, p.142-145.