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CAPíTULO

A EXPERIÊNCIA DE. EMPRESAS


DE ELETRÔNICA DE CONSUMO,
1
MOTOCICLETAS E BICICLETAS

7.1 INTRODUÇÃO
o propósito deste capítulo é o de examinar o processo de acumulação de capacidades
tecnológicas (com ênfase na maneira e velocidade dessa acumulação) ao longo de diferentes
modelos de industrialização no Brasil: do modelo à base de substituição de importações ao
modelo à base de economia aberta. Diferentemente do capítulo anterior, neste capítulo a
ênfase recai sobre um conjunto de empresas baseadas em produtos (eletrônica de consumo,
motocicletas e seus fornecedores). Além de examinar a trajetória de acumulação tecnológica
dessas empresas, este capítulo escrutina as principais estratégias de aprendizagem tecnoló-
gica usadas pelas empresas para construir e acumular suas capacidades tecnológicas para
atividades de produção e de inovação ao longo do período de 1970 a 2006, como representa-
do de maneira simplificada na Figura 7.1 a seguir.
Ademais, as empresas aqui examinadas localizam-se no Pólo Industrial de Manaus, como
mostrado na Figura 8.2.

Aprimoramento de
Mecanismos de Acumulação de
indicadores de
aprendizagem capacidades
performance
tecnológica tecnológicas
competitiva

\...
v
t
Foco deste capítulo

FIGURA 7.1

'Este capítulo deriva de Ariffin & Figueiredo (2001, 2004); Figueiredo (2008a, 2008b).
A Experiência de Empresas de Eletrônica de Consumo, Motocicletas e Bicicletas 179

FIGURA 7.2 Localização das empresas deste estudo

o foco recai sobre 46 empresas (brasileiras e multinacionais): 22 brasileiras e 24 estran-


geiras, conforme detalhado na Tabela 7.1 a seguir.
Estabelecido em 1967 e embora localizado em uma região estratégica para o Brasil, trata-
se de uma área que tinha recebido até 1999 pouca atenção por parte de pesquisadores no
campo da gestão da inovação. A partir desse ano, quando da criação do Programa de Pesqui-
sa em Gestão da Aprendizagem Tecnológica e Inovação Industrial no Brasil, da EBAPE/FGV,
teve início um projeto de pesquisa, que posteriormente se desdobrou em versões subseqüen-
tes de pesquisa, sobre a dinâmica do processo de acumulação tecnológica e de inovação em
uma área industrial de grande importância para a economia brasileira.

Breve panorama do Pólo Industrial de Manaus


Em 2007, a receita do Pólo Industrial de Manaus (PIM) atingiu R$ 32 bilhões, represen-
tando um crescimento real de 54% em relação a 2000, ou 6% ao ano. Os produtos eletroele-

TABELA 7.1 Tipos e nacionalidades das empresas estudadas neste capítulo

li"
Subsidiárias de EMNs(a)

Tipos das !' Coréia do Subtotal Empresas


empresas - EUA Europa(b) Japão Sul EMNs brasileiras(c) total

Eletroeletrônicas (EE) 6 3 3 1 13 5 18 I
Motocicletas e 1 O 2 O 3 6 9 I
bicicletas (MCB) I
Fornecedores 2 O 6 O 8 11 19 j
principais !

Total 9 3 11 1 24 22 46 !
Notas: (a) Apenas empresas estrangeiras; (b) Finlândia, Alemanha, e França; (c) Empresas de Manaus ou do Sudeste e Sul do Brasil.
180 Capítulo 7

trônicos e o setor de motocicletas e bicicletas foram responsáveis por 52,4% do total. Cabe
ressaltar que o PIE do Pólo Industrial de Manaus corresponde a mais de 50% do PIE do Es-
tado do Amazonas, e cerca de 2% do PIB nacional.
Com o estabelecimento de uma grande área industrial no coração da floresta Amazônica,
o governo federal buscou não somente estimular o desenvolvimento econômico daquela re-
gião, mas também integrá-Ia às demais regiões do país. Enquanto outras iniciativas interna-
cionais implementadas por diversos governos àquele período eram baseadas em um modelo
orientado para a exportação (tais como os relativos à Índia, Malásia, Coréia do Sul e Taiwan),
o Pólo Industrial de Manaus foi originalmente concebido para suprir o mercado interno.
Embora tendo sido originalmente criado como uma zona de livre comércio, ao longo dos
anos o PIM transcendeu suas funções comerciais e tornou -se um pólo industrial. Dois níveis
de incentivos fiscais - federal e estadual- apóiam as atividades do PIM. No âmbito federal,
estes incentivos incluem: (i) redução de até 80% nos impostos sobre insumos importados
necessários ao processo de manufatura; (ii) isenção de impostos sobre produtos manufa-
turados internamente; (iii) redução de até 75% dos impostos sobre rendimentos baseados
no lucro líquido; e (iv) isenção dos impostos de integração social (PIS) e segurança social
(COFINS) para transações ocorridas no contexto do Pólo Industrial de Manaus. No âmbito
estadual, os incentivos dizem respeito a compensações - de 55% a 100% - no imposto de
valor agregado. Em 2004, o regime fiscal de Manaus, incluindo estes incentivos, foi prorro-
gado até o ano de 2023.
A existência desta estrutura de incentivo fiscal levantou diversas controvérsias e desa-
provações no Brasil. Entretanto, um estudo cuidadoso- mostra que o volume de recursos
financeiros transferidos ao governo federal, sob a forma dos impostos coletados no estado
do Amazonas, é mais elevado do que aquele recebido pelo estado na forma de incentivos
fiscais.
Além desta estrutura de incentivos fiscais, há um regime de imposto baseado na lei das
tecnologias da informação e das comunicações (Tf.C)do início dos anos de 1990. Ao contrá-
rio da estrutura genérica de incentivo-imposto que esteve vigente em Manaus desde os anos
de 1960, o regime de imposto sob a lei da nc é um tipo de incentivo relacionado à perfor-
mance, especificamente para atividades inovadoras.
O Pólo Industrial de Manaus abriga cerca de 500 empresas, das quais aproximadamente
140 de investidores internacionais, de 17 diferentes setores industriais. Sete desses setores
respondem por 90% de suas receitas totais: química, descartáveis, eletroeletrônico, informá-
tica, termoplásticos, motocicletas e bicicletas e relojoaria. As receitas anuais combinadas
cresceram de US$ 8,3 bilhões em 1990 para US$ 18,9 bilhões em 2005. Em 1990, as exporta-
ções representavam somente 1,5% das receitas totais do Pólo; entretanto, desde a desregula-
mentação e abertura da economia brasileira no início dos anos de 1990, essa proporção tem
crescido sistematicamente, tendo atingido 5,2% em 1999 e 13% em 2006. Durante o período
de 1992-2004, as exportações cresceram, em média, 20,5% ao ano, comparadas ao cresci-
mento anual de 3,8% para o período de 1988-1992.
A partir desta seção introdutória, a Seção 7.2 descreve brevemente a evolução das princi-
pais fases do Pólo Industrial de Manaus à luz dos modelos de industrialização no Brasil. A
Seção 7.3 apresenta evidências sobre a acumulação de capacidades tecnológicas nas empre-
sas estudas. As estratégias de aprendizagem para o desenvolvimento dessas capacidades são
examinadas na Seção 7.4. As conclusões do capítulo são apresentadas na Seção 7.5, seguidas
de sugestões de questões para professores e estudantes.

7.2 EVOLUÇÃO DAS PRINCIPAIS POLíTICAS DO GOVERNO RELATIVAS


A MANAUS
Durante alguns séculos passados o estado do Amazonas, e especialmente Manaus, expe-
rimentou diferentes tipos de políticas de governo (ou falta delas) que afetou seu progresso
econômico e industrial de diferentes maneiras, como revisto brevemente a seguir.

2Veja Correa (2002).


A Experiência de Empresas de Eletrônica de Consumo, Motocicletas e Bicicletas 181

7.2.1 O Período da Exploração do Recurso Natural


Até meados do século XVIII, a área hoje conhecida como a Amazônia Legal Brasileira
(que envolve nove estados) pertencia à América Hispânica. Depois do Tratado de Madrid
em 1750, a área inteira foi dada a Portugal. Entretanto, até 1850, nem os colonizadores es-
panhóis nem os portugueses procuraram desenvolver a região, simplesmente exploraram as
"drogas da Amazônia": madeira, resinas, ervas, especiarias, animais e látex.
Em 1832, o então governo imperial do Brasil criou a província do Amazonas e, em con-
seqüência do crescimento da demanda pela borracha natural, em 1866 o rio Amazonas foi
aberto para a navegação internacional. O crescimento do mercado de borracha natural atraiu
não somente diversas empresas estrangeiras para o Amazonas, mas igualmente milhares de
trabalhadores do nordeste do Brasil. Durante o pico do crescimento de borracha, entre 1890
e 1910, o Amazonas contribuiu com quase 40% da produção da borracha natural do mundo
e 27% das exportações do Brasil.
A partir de 1920, entretanto, como resultado da competição dos países asiáticos e da emer-
gência da borracha sintética, o preço da borracha começou a cair, conduzindo a um declínio
dramático no negócio da borracha no Amazonas: em 1933, a participação do Amazonas
no mercado de exportação mundial caiu para menos de 1%. No início dos anos de 1950, o
governo federal brasileiro procurou minimizar a severa estagnação econômica que seguiu
o declínio "do crescimento de borracha" e também integrar a região do Amazonas com o
resto do país. Isto envolveu a definição dos limites geográficos da Amazônia Legal Brasileira
e projetar o Plano de Desenvolvimento Econômico e Promoção da Região Amazônica. A fim
de executar tal plano, a Superintendência de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA)
foi criada. Entretanto, estas iniciativas políticas falharam em seus objetivos.

7.2.2 Engajamento no Processo de Industrialização


No início dos anos de 1960, devido à construção da estrada Belém-Brasília, quase 95% de
todos os investimentos do governo no norte do Brasil foram concentrados no estado vizinho
do Pará. Conseqüentemente, um incipiente desenvolvimento no oeste da Amazônia Brasilei-
ra logo tornou-se óbvia e começado a chamar a atenção do governo federal.
Em conseqüência, o governo federal lançou a "Operação Amazonas". Esta nova política
envolveu um conjunto de leis e foi baseada em dois pilares: (i) geopolítico, procurando ocu-
par o território da Amazônia Legal Brasileira; e (ii) econômico, buscando suportar e promo-
ver a industrialização na região com base na substituição de importação. Isto conduziu à
criação de uma área de livre comércio (importações e exportações) em colaboração com um
conjunto de incentivos fiscais federal, do estado e locais para atrair empresas manufatureiras
para Manaus. A política também procurou enviar uma mensagem à comunidade interna-
cional que o Brasil era responsável por seu território amazonense. Foi também considerada
como uma resposta do governo aos argumentos de uma política de desenvolvimento econô-
mico que poderia garantir a autonomia econômica para a região do Amazonas no Brasil. A
Tabela 8.3 apresenta algumas das principais mudanças nas políticas industriais do governo
no Brasil, nos anos de 1960, e como foram refletidas em Manaus.
A fim de representar o governo federal em Manaus, a Superintendência da Zona Franca
de Manaus (Suframa) foi criada em fevereiro de 1967. Foi colocada sob o Ministério de De-
senvolvimento da Indústria e do Comércio Exterior para trabalhar como um órgão regulador
e uma agência de desenvolvimento regional (para os setores industriais, comerciais, do ne-
gócio agrário e do turismo). Para a Suframa foi dada também as seguintes responsabilida-
des específicas: gerência do regime de imposto-incentivo; atração de investidores nacionais
e estrangeiros; estimular a base local dos recursos humanos e facilitar a interação entre
empresas e organizações de apoio locais; promover investimentos na infra-estrutura física;
estimulação das exportações; e a disseminação do desenvolvimento industrial através dos
estados da Amazônia brasileira.
Durante os anos de 1980, a política de industrialização à base de substituição de impor-
tação foi enfraquecida enquanto o Brasil atravessou uma série de crises que combinaram a
recessão e a hiperinflação com uma seqüência de falhas dos planos de estabilização macro-
182 Capítulo 7

TABELA 7.2 Algumas das principais mudanças no regime. de. política industrial no Brasil

Algumas implicações
para a política no Pólo
Período Características-chave ~os regimes políticos Industrial de Manaus
Final dos anos de Introdução de um regime protecionista com base
1950: configuração em tarifas ad vaIarem. O governo federal teve um
da política poder arbitrário para controlar o nível de importações
protecionista. e estabeleceu a Lei do Similar Nacional (a "Lei do
Similar"), sob a qual um produto poderia somente ser
importado se pudesse ser provado que um produto
similar não era produzido no Brasil.
Década de 1960 - Expansão das barreiras não-tarifárias baseadas sobre: Início das atividades
início da década de (i) uma lista de 1.300 produtos que não foram manufatureiras.
1980: permitidos para ser importados (o assim chamado
intensificação "anexo C"); (ii) foi exigido a todas as empresas a
da política submissão prévia de seu plano anual para importações
protecion ista. ao governo federal; (iii) o acesso aos subsídios fiscais
Política e ao crédito subvencionado foi condicionado ao
protecionista conteúdo doméstico de um projeto de investimento.
e voltada para As importações eram feitas sob os regimes especiais
dentro do país concedidos aos exportadores (drawback) ou eram bens
de capital não-competitivos e intermediários.
Período de 1985- As novas políticas procuraram (formalmente) reduzir a Estabelecimento da política
88: a "nova política redundância na estrutura tarifária para baixar as tarifas baseada num grau mínimo
industri-al" . da fabricação de 90 para 43%, e reduzir o número de de nacionalização de
regimes especiais. Entretanto, na prática, tais medidas componentes de produtos
tiveram pouco impacto: (i) as tarifas e os impostos fabricados em Manaus.
continuaram a conduzir a uma proteção redundante Definição dos limites
em virtualmente todos os setores; as barreiras não- máximos de importação
tarifárias e a "Lei do Similar" permaneceram. anual.
Certamente, tais reformas não foram tão radicais
como anunciado formalmente, em particular devido à
forte oposição dos grupos de interesse de produtores
locais.
Industrialização Início da década de As reformas introduzidas pela administração Collor A política de "mínimo
à base de 1990: consolidação em março de 1990 representaram a principal ruptura conteúdo nacional" de
economia aberta, da política de com o regime protecionista do passado. Tais reformas componentes de produtos
exportadora liberalização cobriram três áreas: (i) o anexo de C (a lista de 1.300 foi substituída pela
e exposta à comercial sequida produtos com proibição de importação) foi eliminado; "política de processo de
competição global pela estabilização (ii) todas as barreiras não-tarifárias relevantes foram produção básico (mínimo)".
macroeconõmica de removidas; (iii) introdução de um programa de 4 anos Forte preocupação
meados da década da redução de tarifas para trazer todas as tarifas para com a performance na
de 1990. uma faixa de 0-40%. As reduções foram realizadas exportação. Todas as
como programadas até o outubro 1992, quando o empresas foram forçadas
governo federal-decidiu avançar o calendário por 6 a obter a certificação na
meses. Em 1994, o "Plano Real" foi introduzido a 1509000. Emergência
fim de conseguir a estabilização macroeconõmica. ou fortalecimento dos
Esta política, até agora, provou ser bem-sucedida institutos de pesquisa
no controle da inflação e em estabilizar a economia e laboratórios das
brasileira. Início da implementação da nova lei de TIC universidades estimulados
(1991). e suportados por
recursos originados da
implementação da lei de
TIC.
A Experiência de Empresas de Eletrônica de Consumo, Motocicletas e Bicicletas 183

econômica. Em março de 1990, quando a administração do presidente Collor tomou posse,


a inflação no Brasil tinha alcançado uma taxa mensal de 81%. Medidas antiinflacionárias
xediceis foram tomadas através do "Plano ColIor". Embora contribuindo a um temporário
declínio da inflação, conduziu a uma queda de 4,4% no PIE daquele ano. A liberalização
gradual e constante da taxa de câmbio foi adotada, combinado com um conjunto de ações
para desregulamentar e abrir a economia à competição estrangeira. Em meados dos anos de
1990, as tarifas de importação de diferentes setores industriais foram reduzidas dramatica-
mente, caindo em alguns casos de 116% em 1987 para 14% em 1997.
O ano de 1990 é considerado um marco decisivo no Brasil no que se refere aos regimes
de política industrial. De um lado, diversas empresas, de diferentes setores e de diferentes
tamanhos, foram varridas para fora da economia brasileira porque não foram capazes de en-
frentar a competição estrangeira. Por exemplo, em torno 20 empresas eletrônicas, algumas
delas de Manaus, foram fechadas em conseqüência desta abertura do comércio. Por outro
lado, diversas outras empresas procuraram se reestruturar ou reinventar-se, especialmente
suas capacidades tecnológicas, para sobreviver a esta reforma econômica e para enfrentar
até competidores estrangeiros ferozes. Antes de avançarmos para o período liberalização
comercial da década de 1990, convém levarmos em conta alguns pontos importantes da evo-
lução da indústria eletrônica no Brasil, como mostrado no Boxe 7.1 a seguir.
A Política Industrial e de Comércio Exterior (PICE), executada em abril 1990, procurou
estimular o desenvolvimento da capacidade industrial e preparar a economia para a com-
petição mundial. Envolveu diversos programas e incentivos fiscais e de crédito. O Programa
Brasileiro da Qualidade e Produtividade (PBQP) consistiu na disseminação de novas técni-
cas de gerenciamento e organização da produção (p. ex., controle de qualidade total/gerência
(TQC/M), just-in-time (JIT)) e a criação e o melhoramento das instituições e organizações
para o controle da qualidade de fabricação (p. ex., uma lei para os direitos dos consumidores

BOXE 7.1

Alguns pontos-chave na evolução da indústria eletrônica no Brasil

A indústria de bens de consumo eletrônicos no Brasil surgiu durante a década de 1960 sob a política de substituição de im-
portações (Psl) e um mercado pesadamente protegido. Este mercado se expandiu durante a década de 1970 como resultado
do crescimento econômico e a expansão de consumo de bens duráveis no Brasil.

Como foi o caso na maioria dos países em desenvolvimento, o Brasil começou a receber um considerável número de subsidi-
árias de empresas multinacionais (ETNs)a partir da década de 1960. Ao final da década de 1960, havia cerca de 20 empresas
de produtos eletrônicos no Brasil, das quais três eram estrangeiras. A implementação da política de "reserva de mercado"
(Lei nº 7.232, 1984) estimulou o surgimento da indústria local de produtos eletrônicos no Brasil. Ao final da década de
1980, havia perto de 23 empresas de semicondutores no Brasil, com algumas localizadas em Manaus. Todavia, as medidas
de liberalização comercial adotadas pelo governo federal em março de 1990 conduziu a uma drástica redução nas tarifas de
importação historicamente altas no Brasil (de 114% em 1966 para 21 % em 1993). Adicionalmente, houve a decretação da
nova lei da tecnologia da informação e da comunicação (TIC) (Lei nº 8.248,1991) que proporcionou incentivos fiscais para
os produtos finais em vez dos componentes.

Conseqüentemente, 20 das 23 empresas de semicondutores que estavam em operação durante a década de 1980 desapare-
ceram da indústria no início da década de 1990. A receita da produção de semicondutores no Brasil caiu de US$ 200 milhões
em 1989 para US$ 54 milhões em 1998, refletindo uma ausência Giecoordenação e de políticas industrial e de tecnologia
suplementares, e mesmo uma divergência entre elas, em relação ao complexo de eletrônicos.
No final da década de 1980, o Brasil foi ficando para trás na indústria eletrônica, especialmente na produção de semicon-
dutores e outros componentes, enquanto países como Malásia, Coréia do Sul e Taiwan, que tinham adotado uma estrutura
institucional caracterizada pela convergência entre ações do governo e da indústria. durante a década de 198CJ,tomavam à
dianteira. Isto ocorreu apesar do fato de essespaíses terem iniciado de um estágio relativamente baixo de desenvolvimento
na indústria eletrônica. Como resultado, o segmento de componentes eletroeletrônicos (semicondutores, por exemplo) no
Brasil tornou-se permanentemente enfraquecido.
184 Capítulo 7

- que até essa data tinha sido ausente no Brasil- e o fortalecimento de organizações rela-
cionadas a metrologias). Diversas empresas no Brasil, e em Manaus, contrataram empresas
de consultoria para responder a esta política governamental introduzindo um número técni-
cas de gestão da produção e de inovações organizacionais .
. Reconhecendo os impactos das reformas da liberalização do comércio nas empresas em
Manaus, no início dos anos 1990, a Suframa procurou transformar-se de um mero regulador
fiscal em uma ativa agência de desenvolvimento para a região amazônica. Desde então, a
Suframa pode ser vista como parte de uma iniciativa a longo prazo do governo para desen-
volver esta região do Brasil e faz parte da estrutura institucional (e macroorganizacional)
para o desenvolvimento industrial na região.
Como uma de suas respostas à política industrial federallançada em abril de 1990, a Su-
frama tomou medidas para forçar às empresas a obter a certificação da ISO 9002 até 1992.
Esta política levou as empresas a rever suas atividades tecnológicas, Os resultados deste
estudo sugerem que esta medida compulsória contribuiu para mover diversas das empresas
da amostra para o Nível 2 de acumulação de capacidade em 1993, especialmente para as
atividades de organização e processo da produção e centradas em produto.
De fato, as mudanças políticas no início da década de 1990 varreram do mercado várias
empresas que não foram capazes de enfrentar a competição globalizada trazidas por tais
mudanças. Por exemplo, com mencionado anteriormente, todas aquelas 20 empresas de
componentes eletrônicos que foram fechadas o fizeram em conseqüência da abertura da
economia brasileira. Outra empresa que foi duramente atingida pelas mudanças foi a Sharp
Brasil, uma das empresas de sucesso em eletrônica em operação nas décadas de 1970 e 1980
no país. Após as reformas políticas, as empresas passaram por um drástico processo de de-
terioração durante meados da década de 1990.
É certo, no entanto, que durante a década de 1980, havia empresas brasileiras inovadoras
na indústria eletrônica em Manaus (p. ex., Sharp Brasil, Gradiente e Itautec), Com base na
métrica de capacidade utilizada neste estudo, ao final da década de 1980 tais empresas cons-
tituíram capacidade de Níveis 2 ,e 3 para processos e organização da produção e atividades
relacionadas a produto. Por exemplo, um estudo de caso baseado numa cobertura de longo
prazo indica que a Sharp Brasil foi capaz de desenhar e desenvolver o primeiro videocassete
no Brasil baseado em sua própria capacidade inovadora relacionada a produto (Níveis 4 e
5). A empresa operou quase independentemente de sua empresa-mãe no Japão. Em meados
da década de 1980, a Sharp Brasil tinha criado uma respeitável estrutura organizacional em
Manaus para desenho e desenvolvimento de produtos.
Todavia, durante meados da década de 1990 a Sharp Brasil começou a deteriorar e foi
permanentemente fechada em 2001: a empresa foi debilitada por uma violenta luta de poder
e má administração após a morte de seu fundador em meados da década de 1990. Surpreen-
dentemente, nove entre 10 gestores de alto nível e líderes industriais entrevistados na reali-
zação do trabalho de campo deste estudo sobre a percepção das reformas estruturais, apon-
taram a reforma de 1990 como uma das melhores medidas políticas tomadas pelo governo
brasileiro. Conforme uma associação de líderes industriais em Manaus apontou:
"Se o Brasil não tivesse tomado essas medidas durante o início da década de 1990,
a indústria brasileira e de Manaus estaria hoje desatualizada e não competitiva. E os
consumidores estariam pagando um alto custo em termos de variedade, qualidade e
preço de produtos".
A evidência das entrevistas com líderes industriais, empresariais e acadêmicos em Ma-
naus e São Paulo também sugeriram que um mercado interno fechado e aprisionado e a
ausência de toda a estrutura institucional para proteger os direitos do consumidor até 1990
abasteceriam os fabricantes com um baixo nível do interesse para a qualidade do produto
final. Como um gerente superior indicou:
"Até O final dos anos de 1980 a maioria das indústrias no Brasil geralmente sofria
da preguiça tecnológica; quando a economia foi aberta, diversas empresas acorda-
ram para a realidade da competição real e começaram a funcionar para sua sobre-
vivência; a indústria brasileira teve que ser agitada até acordar para a realidade do
mundo".
A Experiência de Empresas de Eletrônica de Consumo, Motocicletas e Bicicletas 185

7.3 ACUMULAÇÃO DE CAPACIDADES TECNOLÓGICAS NAS EMPRESAS


PESQUISADAS
7.3.1 Métricas para Aferição das Capacidades Tecnológicas
o exame da trajetória de capacidades tecnológicas nas empresas das indústrias eletro-
eletrônica e de motocicletas e bicicletas (e fornecedores de ambas) são apresentadas nas
Tabelas 7.3 e 7.4.

TABELA 7.3 Métrica para aferição de capacidades tecnológicas da indústria eletroeletrônica (em empresas de
economias emergentes)

Níveis de
capacidade Processo e organização da Atividades relacionadas a Atividades relacionadas a
teçnológica produção produto equipamentos
Capacidades tecnológicas inovadoras
Nível 6 Design avançado para produtos Desenvolvimento de processos Líder regional ou internacional
Inovador e equipamentos de ponta. Líder e software para produzir e em P&D, desenvolvimento de
(baseado em regional ou global de equipamento testar chips e produtos HDD produtos, centros àSICs ou
pesquisa) CNC, protótipos, estampagem, e miniaturizados e de alto de design de software. P&D
moldagem e instrumental de alta desempenho. Produção time-to- em novas linhas de produtos
precisão. volume. Pesquisa em materiais usando tecnologia de ponta,

,..
- avançados e novas especificações wafers maiores, chips e HDD de
melhor desempenho. P&D em
para fabricar produtos de ponta.
cristalografia, magnetologia e
materiais avançados.
Nível 5 P&D para especificações e Inovação radical na organização. Prototipia rápida, design VLSi.
Inovador design de novo instrumental CIM com clientes, vendedores Design elétrico de embalagem.
- avançado de alta precisão, equipamento ou grupo. Análise detalhada Design de substrato e
automatizado ou sistemas de de defeitos. Desenvolvimento componentes. Análise de materiais
produção. Patentes. Criação de manufatura, FA e software e superfície. Aperfeiçoamento para
de centros de treinamento em TestCAD. Patentes. centros de design regionais ou
moldagem e instrumental de internacionais. Serviços de design
precisão ou moldagem em plástico para grupo de ETNsou clientes.
de precisão, com universidades.
Nível 4 Implementação de equipamento Processos de automação, produção Centro de design aperfeiçoado
Inovador automatizado. flexível e multiqualificada. para firma separada. Design
intermediário Centro de design de equipamento Reengenharia. Desenvolvimento de próprio de produto para mercados
aperfeiçoado para empresa novas especificações. Capacidade locais ou regionais. Design
separada. Design de prensagem e para passar à produção, para testagem e solução de
moldagem. Instrumental de alta diretamente de P&D ou através de problemas DFT/DFD. ISO 9001,
precisão, estampagem em metal HQ. desenvolvimento de software,
progressiva, moldagem por injeção engenharia de sistemas.
de plástico.
Nível 3 Reparação de defeitos no Criação de departamentos Criação de departamentos
Inovador básico equipamento. Cópia e mera de processos, produção ou de engenharia de produtos e
adaptação de projetos/ engenharia industrial. Melhoria design de produtos. Design de
especificações existentes. de layout e solução de problemas produto para manufatura (DFM).
Instalação de equipamento. para otimizar a produção. ISO Desenvolvimento de produtos
Centros de desenvolvimento 9002, SPC, QCC, TQM, Testagem eficientes em termos de custo para
para prensagem, moldagem in circuit, burn-in. Sistemas MRP mercados locais ou diferenciados.
e instrumental. Engenharia/ ou JIT. Design cosmético e mecânico.
componentes de metal e plástico
de alta precisão.
(continua)
186 Capitulo 7

TABELA 7.3 Métrica para aferição de capacidades tecnológicas da indústria eletroeletrônica (em empresas de
economias emergentes) (continuação)

Níveis de
sapacidade Processo e organização da Atividades relacionadas a Atividades relacionadas a
tecnológica produção produto equipamentos
Capacidades tecnológicas de produção
I
Nível 2 Manutenção rotineira de Fluxo de processos, ajuste de Reprodução de especificações fixas
Operacional ferramenta ria e equipamentos. linha. Montagem de' componentes de controle de qualidade rotineira
renovado Manutenção Preventiva Total separados para montagem para manter padrões vigentes:
(TPM) Manutenção Produtiva completa. CKD: montagem controle de qualidade in-line.
Total. Reprodução de itens completa: PCBA e montagem de Pequenas modificações de design
invariáveis de equipamento. produto. para atender a produção ou o
Melhoria da eficiência a partir da mercado.
experiência com tarefas existentes.
Testagem rotineira. I
Nível 1 Manutenção básica, mas SKD: montagem de componentes, Controle de qualidade rotineira I
Operacional fornecedores de equipamento somente montagem final para manter padrões básicos:
básico estacionados na fábrica. Montagem de kits: desmontagem inspeção de produtos entrantes e
e remontagem PPC: planejamento acabados, inspeção de produtos
e controle da produção. expedidos.
Organização do fluxo básico de
processos. Somente testagem
visual.

Nota: PPC (Production Planning and Controti, SKD (Semi-Knocked Down); CKD (Complete Knocked Down); SCP (Statistic Control of
Process); QCC (Quality Control Circ/es); TQM (Total Quality Management); MRP (Manufacturing Requiring Planning); JIT (Just-in-Time);
PCBA (Printed Circuit Board Assembled); ASIC (Application Specific Integrated Circuit); VLSI (Very Large-Scale Integrated).
\

TABELA 7.4 Capacidades tecnológicas da indústria de motocicletas e bicicletas (em empresas de economias
emergentes)

Níveis de
capacidade Processo e Grganizaçãa da Atividades relacionadas a Atividades relacionadas a
tecnológica produção produto equipamentos
" .... Capacidades tecnológicas inovadoras
Nível 7 Pesquisa em materiais avançados e Líder regional ou internacional em P&D para projeto e especificação
Inovador novas especificações para fabricar P&D. Projeto e desenvolvimento de novas fábricas e máquinas.
avançado produtos de ponta. Pesquisa local de todos os produtos. P&D para especificações de design
em novos processos a partir de Lançamentos de produtos de ferramenta ria de alta precisão,
engenharia e P&D. inovadores (" conceito"). equipamento automatizado ou
P&D em materiais avançados. sistema de produção. Patentes.
Centro de treinamento em
moldagem e ferramenta ria de
precisão ou moldagem, com
universidades.
Nível 6 Envolvimento em desenvolvimento Lançamento de produtos de classe Manufatura de linhas de produção
Inovador de novos processos e software, mundial, via P&D e engenharia. completas e/ou partes para outras
intermediário em nível mundial, via~~squisa Criação de centro de design e indústrias assistindo fundição,
superior e engenharia. Envolvimento em desenvolvimento de produtos. usinagem, solda, estamparia,
introdução de novos projetos. Prototipagem rápida. Design de pintura e montagem. Assistência
Desenvolvimento sistemático de componentes. Serviço de design técnica contínua a outras
fornecedores locais (90-100%) para o grupo. empresas do grupo.
para produção de insurnos (rede
-;- - - --
supply chain).
(continua)
A Experiência de Empresas de Eletrônica de Consumo, Motocicletas e Bicicletas 187

TABElA 7.4 Capacidades tecnológicas da indústria de motocicletas e bicicletas (em empresas de economias
emergentes) (continuação)

Níveis de
capacidade Processo e organização da Atividades relacionadas a Atividades relacionadas a
tecnológica produção produto equipamentos

NíveiS Programa de Quality Assurance Lançamento próprio de novos Contínua engenharia de


Inovador junto a fornecedores. produtos. Envolvimento em equipamentos, básica e
intermediário Reestruturação da organização da projeto (desiqn). prototipagem detalhada. Manufatura
empresa (planta ~ administração). e desenvolvimento local de própria de componentes para
Implantação de CIM (Computer alguns projetos. Certificação para equipamentos, ferramentas,
Integrated Manufacturing). desenvolvimento de produtos (ISO dispositivos e moldes. Design
Aplicação de TestCAD, Catia 9001). Prestação de serviço de de prensagem e moldagem.
ou Pro Engineering na planta/ design para empresas do grupo. Engenharia de desenvolvimento
empresa e também com clientes, de componentes para novos
vendedores ou grupo. Certificado produtos. Desenvolvimento de
do sistema ambientallSO 14000. software para automação de
equipamentos. Envclvirnente em
design de moldes. i

Nível 4
Inovador pré-
Processos de automação para
inovação (p. ex., sistema de
Aprimoramento sistemático das
especificações. Licenciamento
Autonomia para revisão das
máquinas (sem assistência
I
intermediário controle junto ao processo, de novas tecnologias. Produção técnica). Engenharia de processo
, automação para acelerar fluxo própria de partes das peças. reversa básica e detalhada.
de processo), produção flexível Desenvolvimento de fornecedores Manufatura de JIGs, ferramentas
e multiqualificada. Capacidade locais com diminuição de de estamparia e dispositivos.
-
de passar para a produção importação de insumos (80-90% Manutenção própria completa.
diretamente de P&D ou da matriz. de fornecimento local). DesigJl de Ferramentaria de alta precisão,
Análise detalhada de falhas (p. ex., produto para manufatura (DFM). estampagem por injeção de
FMEA). plástico.

Nível 3 Criação de departamento Criação de especificações Equipamentos de fundição,


Inovador de processos, produção ou próprias. Diversificação dos usinagem, soldagem e pintura.
extrabásico engenharia industrial. modelos em produção. Criação Manutenção produtiva total.
Melhoria de layout e solução de departamento de engenharia Reprodução de itens invariáveis
de problemas para otimizar a de produtos. Design cosmético de equipamento. "Tropic:alização"
produção ISO 9002, SCP,QCC, e mecânico. Rotinização de de equipamentos adequando-os a
TQM, MRP ou Kanban/JIT. pequenas adaptações ao design insumos nacionais e à organização
Ampliação da capacidade e da ("tropicalização") dos modelos de processo produtivo. Ajuste de
versatilidade produtiva. para atender exigências do ferramentas, dispositivos e moldes.
mercado local e/ou condições Confecção de JIGs. Usinagem de
locais. precisão via CNC.

Capacidades tecnológicas operacionais

Nível 2 Fluxo de processos, ajuste de Aumento do número de modelos Manutenções em JIGs e


Operacional linha. Montagem de componentes em linha de produção para dispositivos de montagem/teste.
renovado separados para montagem mercado nacional. Produção CKD. Participação na instalação e
completa - CKD. Fluxos de Reprodução de especificações nos testes de desempenho.
processos, ajuste de linha. fixas de controle de qualidade Manutenção preventiva total
Melhoria da eficiência a partir da rotineiro para manter padrões (TPM).
experiência com tarefas existentes. vigentes. Controle de qualidade
Testagem rotineira. in-line. Produto com condições
de qualidade para atender ao
mercado externo.
(continua)
188 Capítulo 7

TABELA 7.4 Capacidades tecnológicas da indústria de motocicletas e bicicletas (em empresas de economias
emergentes) (continuação)
Níveis de
capacidade
tecnológica
Processo e organização
produção
da Atividaáes relacionadas a
produto
Atividades relacionadas a
equipamentos
I
I
Nível 1 Disposição da tecnologia Produção de número limitado Manutenção básica, mas
Operacional adquirida em forma de rotina de modelos. Produção somente fornecedores de equipamentos
básico na planta. Organização do fluxo para o mercado nacional. presentes na fábrica para prestar
básico de SKD: montagem Compra de projetos em kits auxílio. Domínio básico em
de componentes, somente semidesmontados. Produção SKD. manutenção de ferramentas e
montagem final. Montagem Controle de qualidade rotineiro equipamentos.
. de kits: desmontagem e para manter padrões básicos:
inspeção de produtos entrantes e inspeção de produtos entrantes e
remontagem. Implantação de ppc. acabados, inspeção de produtos
Testagem somente visual. expedidos.

Nota: PPC (Production Planning and Controti; SKD (Semi-Knocked Down); CKD (Complete Knocked Down); SCP (Statistic Control of Process); QCC
(Quality Control Circ/es); TQM (Total Quality Management); MRP (Manufacturing Requiring Planning); JIT (Just-in-Time).

7.3.2 Tipos e Níveis de Capacidades Tecnológicas Encontradas nas


Empresas Estudadas
A Tabela 7.5 apresenta o número de empresas examinadas neste caso (locais e subsidiárias
de empresas transnacionais) que alcançaram tipos e níveis de capacidades tecnológicas. Tal
avaliação é feita à luz da métrica contida nas Tabelas 7.3 e 7.4. As evidências na Tabela 7.5
mostram que todas as 46 empresas da amostra acumularam Níveis 1 e 2 de capacidade para
pelo menos uma das três funções tecnológicas examinadas: processos e organização da pro-
dução, produtos, e atividades relacionadas a equipamentos. A grande maioria das empresas
moveu-se para o acúmulo de capacidades tecnológicas em Nível 3 (inovação básica) para
essas três funções examinadas.
Por exemplo, para as atividades de processo e organização da produção, 61% das em-
presas eletroeletrônicas, e cerca de 5% das empresas fornecedoras alcançaram Nível S de
capacidade tecnológica. Na amostra de empresas de motocicletas e bicicletas, 22% das em-
presas alcançaram Nível S e uma empresa (11 %) chegou ao Nível 6 (ainda que de maneira
incompleta). Em termos de atividades de produto, 17% das empresas eletroeletrônicas e
5% das empresas fornecedoras atingiram Nível 4 como seu mais alto nível de capacidade
tecnológica, enquanto na amostra de empresas de motocicletas e bicicletas o nível mais alto
alcançado foi o Nível 6, ainda que de maneira incompleta. Portanto, contrariamente às ge-
neralizações negativas comumente feitas em relação ao PIM, nenhuma empresa da amostra
foi encontrada confinada em níveis meramente básicos (ou irrelevantes ou triviais) de capa-
cidade tecnológica.

7.3.2.1 Tipos e níveis de capacidades tecnológicas nas empresas


eletroeletrônicas
A Figura 7.3 mostra a incidência de tipos e níveis de capacidade tecnológica nas empresas
eletroeletrônicas. Em termos de capacidade para atividades relacionadas a equipamentos
(ferramentaria, dispositivos, software, manutenção), cerca de 50% das empresas da amostra
encontram-se entre os Níveis 3 e 4 (numa escala de 1 a 6). Com relação às capacidade rela-
tivas às atividades de produtos, 73% das empresas da amostra encontram-se entre os Níveis
3 e 4 (numa escala de 1 a 6). No que se refere às capacidades para atividades de processos e
organização da produção (escala de 1 a 6), perto de 80% das empresas da amostra acumula-
ram Níveis 4 e 5 de capacidades tecnológicas.
TABELA 7.5 Tipos e níveis de capacidades tecnológicas encontrados nas empresas pesquisadas no PIM

Empresas eletroeletrônlcas i Empresas de motocicletas e bicicletas Empresas fornecedoras


,"
Tlpos é níveiS
de capacidade Processo e
J Atividades Atividades
,I ,Afiv,idacles
Processo e I centraclas Atividades Processo e
I
Atividades
I

Atividades
tecnológica por organização da centradas em relacionadas a organização em relacionadas a organização da centradas em relacionadas a
setor produção produtos equipamentos da produção produtos equipamentos produção produtos equipamentos

Inovação ,
baseada em O O O 1· 1· 1· O O O
pesquisa (não alcançado) (não alcançado) (não alcançado) (11 %) (11%) (11%) (não alcançado) (não alcançado) (não alcançado)
Nível 6

Inovadora
11 O O 2 1 1 1 O O II
avançada j :'
(61%) (não alcançado) (não alcançado) (22%) (11%) (11%) " (5%) (não alcançado) (não alcançado)
NíveiS »
r-rt
X
"O
Inovação ~
14 3 2 3 1 2 7 1 1 ;:;;;
intermediária :::>
(78%) (17%) (11 %) (33%) (11 %) (22%) (37%) (5%) (5%) r»
Nível 4 n I õõ'
a.
ro
Inovação básica 18 13 9 8 3 3 14 9 5 r-rt
:3
Nível 3 (100%) (72%) (50%) (89%) (33%) (33%) (74%) (47%) (26%) I
I
"O
(b
'"'"
Operação '"a.
18 ,I 18 18 9 8 4 18 18 15 ro
renovada !, I r-r-r
(100%) I (100%) (180%) (100%) (89%) i~44%) (95%) (95%) (79%)
Nível 2 ~

:::>
;=;'
Operação I '"a.
18 18 18 9 9 9 19 19 19 (1)
básica
(100%) (100%) (100%) (100%) (100%) (100%) (100%) (100%) (100%) (")
o
Nível 1 :::>
'"c
:3
Nota: (*) Desenvolvimento incompleto do nível de capacidade tecnolóqica. 9
:s:
o
~
o
(")
;=;'
~
Cll

'"ro
co
;=;'
;=;'
rD
<ir
'"
co
(O
190 Capítulo 7

/1 72%
80%
70% E64,3% 61%
....., • Processo e produção
60% 50%
f- empresariais
50% f----
40% V f---- • Produtos
~',~

te m -=
30% V
20°1<o l2l Equipamentos e
10°1<o 0% 0% 0% 0% 0%0%0%0%0% atividades relatadas
O"lco
./~ L:. ~
Nlvel 1 Nível 2 Nlvel 3 Nível 4 Nlvel 5 Nlvel 6

FIGURA 7.3 Número de empresas eletroeletrônicas que acumularam tipos e niveis especificos de capacidade
tecnológica

7.3.2.2 Empresas de motocicletas e bicicletas


Antes de mostrarmos as evidências sobre acumulação de capacidades tecnológicas nas
empresas dessa indústria é importante mostrar alguns pontos de sua evolução no Brasil e em
Manaus, como no Boxe 7.2 a seguir.

BOXE 7.2

Breve nota sobre a evolução da indústria de motocicletas e bicicletas no Brasil

A indústria de bicicleta surgiu no Brasil durante o início da década de 1900, por um imigrante empreendedor italiano, en-
quanto a produção de motocicletas iniciou em meados da década de 1970, por grandes empresas japonesas. Em 1975, no
auge da política de SI, o governo brasileiro proibiu a importação de motocicletas. Esta medida forçou empresas com a Honda
e a Yamaha a rever suas estratégias e a iniciar atividades de produção no Brasil. Enquanto a Honda decidiu concentrar suas
operações em Manaus, as operações da Yamaha foram totalmente estabeleci das em São Paulo até 1985, quando transferiu
parte de suas atividades para Manaus.
A unidade da Honda em Manaus representa um dos mais altos investimentos privados naquela área. Em 1977, a Honda
fez 27 .000 das 34.000 motocicletas produzidas no Brasil. Refletindo sua forte capacidade de produção, este número evoluiu
para 3.600 motocicletas por dia em 2006 (100 a 600 cc) respondendo por 79% do mercado no Brasil. Em meados da década
de 1990, próximo de 80% dos componentes para motocicletas foram adquiridos em Manaus devido à presença de uma
cadeia de aproximadamente 25 fornecedores. Alguns desses fornecedores foram particularmente atraídos pela Honda e pela
Yamaha durante a década de 1990. Por um lado, esses fornecedores (tanto estrangeiros como locais) foram para Manaus
atraídos, em parte, pelo regime de impostos e em parte pela estabilidade macroeconômica e o crescimento da economia
brasileira (seguindo o Plano Real). Isto, por sua vez, resultou no impressionante crescimento da indústria de motocicletas e
bicicletas no Brasil. Por outro lado, durante a década de 1990, com resultado da recessão econômica japonesa, um grande
número de empresas foi encorajada pelo governo japonês a intensificar as suas atividades manufatureiras externamente,
particularmente em países em desenvolvimento. A partir de 2007, a Honda Manaus tornou-se a maior fabricante mundial
de motocicletas.

A redução sistemática da tarifa de importação durante meados da década de 1990 (de 115,9% em 1987 para 16,7% em
1997) também favoreceu o surgimento de novas empresas de motocicletas e bicicletas no Brasil. Por exemplo, quatro novas
empresas de motocicletas iniciaram suas atividades em Manaus - na base de um SKD (Semí-Knocked Down) e mais tarde
em um CKD (Complete Knocked Down). Uma terceira grande empresa de bicicletas foi estabeleci da em 1996 em Manaus.
Com dois anos esta terceira empresa tinha suplantado as duas tradicionais empresas brasileiras existentes, tanto em termos
de atividade tecnológica como em participação de mercado. Em 2002, ela se tornou a maior produtora de bicicletas na
América Latina.
---------------------------------------------

A Experiência de Empresas de Eletrônica de Consumo, Motocicletas e Bicicletas 191

A Figura 7.4 contém a incidência de tipos e níveis de capacidade tecnológica encontrados


na amostra de empresas da indústria de motocicletas e bicicletas. Em termos gerais - e
diferentemente da indústria eletroeletrônica - observamos que a maioria das empresas en-
contra-se entre os Níveis 1 e 3 de capacidade para atividades relacionadas a equipamentos.
Contudo, nenhuma empresa foi encontrada confinada no Nível 1 para a função de processos
e organização da produção.
No entanto, a empresa Moto Ronda da Amazônia moveu-se em direção ao Nível 6 nas três
funções tecnológicas. Embora o seu Nível 6 de capacidade para produtos ainda esteja em
processo de consolidação. Diferentemente da indústria eletroeletrônica no PIM, na indústria
de motocicletas e bicicletas as capacidades inovadoras (de Nível 4 acima) concentram-se em
duas empresas (Yamaha Motor da Amazõnia e Moto Ronda da Amazônia), onde no Nível 6
concentra-se apenas a segunda.

60%

50% • Processo e produção


empresariais
40%

30% • Produtos
20%
D Equipamentos e
10% atividades relatadas
O%~~~~~~~~~==~-===~~====~-===~~
Nível 3 Nível 4 Nível 5 Nível 6

FIGURA 7.4 Número de empresas de motocicletas e bicicletas que acumularam tipos e níveis específicos de
capacidade tecnológica

7.3.2.3 Tipos e níveis de capacidades tecnológicas nas empresas fornecedoras


pesquisadas
A Figura 7.5 contém a incidência de tipos e níveis de capacidade tecnológica encontrados na
amostra de empresas fornecedoras. Em geral, as evidências indicam uma diversidade de capa-
cidade tecnológica - tanto rotineiras como inovadoras - para atividades tecnológicas diver-
sas. Por exemplo, em termos de atividades de produtos, verifica-se que a grande maioria (95%)
concentra-se entre os Níveis 1 e 3, embora 42% já conseguiram se mover para o Nível 3.

50%
45%
40% • Processo e produção
35% empresariais
30%
25% • Produtos
20%
15% [] Equipamentos e
10% atividades relatadas
5%
O%~~~~-=~~~~~~~~~~~~~-===~~
Nível 1 Nível 2 Nível 3 Nível 4 Nível 5 Nível 6

FIGURA 7.5 Número de empresas fornecedoras que acumularam tipos e níveis específicos de capacidade tec-
nológica
192 Capítulo 7

Trajetória similar foi encontrada na função relacionada a atividades de equipamentos, em


que mais de 70% das empresas da amostra concentram-se entre os Níveis 1 e 3 - somente
21% encontram-se no Nível 3. Porém, em relação à função processo e organização da pro-
dução, cerca de 70% das empresas encontram-se entre os Níveis 3 e 4, enquanto apenas uma
empresa foi encontrada no Nível 1 e outra no Nível S.
Cabe lembrar que, como mostrado anteriormente no contexto das empresas de motoci-
cletas e bicicletas da amostra, foi encontrada uma concentração de capacidade tecnológica
inovadora em duas empresas apenas (Moto Ronda e Yamaha). No entanto, é importante
mencionar a disseminação de capacidade tecnológica para além da fronteira dessas duas
empresas: ao longo dos anos, emergiu um conjunto respeitável de fornecedores ao redor
delas, conforme mostrado na Figura 7.6.
O desenvolvimento dessa cadeia de fornecimento em nível local é uma forte evidência de
um processo de internalização da industrialização em nível local. Mais importante ainda é
constatar a incidência de empresas locais (de Manaus) como fornecedores, ainda que nas
camadas mais distantes das empresas produtoras de bens finais como Ronda e Yamaha.

FIGURA 7.6 Configuração da cadeia de fornecedores ao redor das empresas de motocicletas no Pólo Industrial de Manaus

7.3.3 Taxa (ou Velocidade) de Desenvolvimento de Capacidade


Tecnológica
A medida da taxa, ou velocidade, de desenvolvimento de capacidade tecnológica envolve
um período histórico que vai desde o início de operação das empresas até o ano de 200S. O
tempo que as empresas dos setores de eletroeletrônica, de motocicletas e os fornecedores le-
varam para aprender e realizar, independentemente, atividades de um nível de capacidade tec-
nológica antes de se mover para outro nível específico é apresentado nas Figuras de 7.7 a 7.9.

• Capacidades para atividades de processo e organização da produção


No Nível 3 de capacidade, as empresas foram capazes de realizar, independentemente,
atividades como transferência de desenho para a manufatura; otimizar processos de leiau-
A Experiência de Empresas de Eletrônica de Consumo, Motocicletas e Bicicletas 193

te e fluxos de produção; estudos de tempo, movimento e ergonométricos; implantar siste-


mas da qualidade (p. ex., ISO 9002, 14001), desenvolver controle de qualidade em linha;
sistemas de controle de produção integrados trabalhando em tempo real; planejamento de
requisição de material (MRP); realizar análise de falhas detalhada (FMEA), seis-Sigrna, e
CEP; sistema de entrega ITT (just-in-time) entre fornecedores de partes e componentes e
empresas eletroeletrônicas, e JIT dentro das operações de produção (Kanban). Todavia, uma
vez alcançando o Nível 4 de capacidade, elas se envolveram em realizar produção flexível e
de multi-habilidades (sistemas de robô e montagem baseado em células), processo de leiaute
flexível inovador; reengenharia de processos de outras indústrias em outros países (p. ex., um

Relacionadas a
equipamentos
1/
~ 1_4_,8_______
I 2,8
F11
L:J)

Centradas em
produtos
I
~
10,9
I
~~~
5,8
__ ~ __ ~ U
2,7--y
__

Processo e
organização da 10,3
produção

o 5 10 15 20 25
Anos (média)

D N1 aN2 DN2aN3 DN3a N4 N4a N5

FIGURA 7.7 Velocidade média de movimento através de níveis de capacidade tecnológica nas empresas ele-
troeletrônicas

Relacionadas a
18
equipamentos

Centradas em
12,9
produtos

Processo e
organização da 11,9
produção

o 5 10 15 20 25 30
Anos (média)

D N1 aN2 N2 a N3 DN3aN4 111 N4 a N5 D N5aN6

FIGURA 7.8 Velocidade média de movimento através de níveis de capacidade tecnológica nas empresas de
motocicletas e bicicletas
194 Capítulo 7

Relacionadas
equipamentos a _"_w
1..... ""_Ç_"_., 8,8 &i§iíiíi!íí --'-"-.•••.••.3,8..•...•.'--
_ L __InI)
.•.••.••
~ __ 2

Centradas em
produtos
I
~
7,8 ~
I
~
2,6 ~ __2 -yU
Processo e
organização da 7,1
produção

o 2 4 6 8 10 12 14 16
Anos (média)

o N1 aN2 N2 a N3 DN3aN4 N4aN5

FIGURA 7.9 Velocidade média de movimento através de níveis de capacidade tecnológica nos fornecedores

fornecedor local que adaptou um robô de uma fábrica de móveis italiana para obter uma alta
velocidade e precisão em revestimento e pintura de componentes plásticos para as empresas
eletroeletrônicas); reorganização do negócio e estruturas de gerenciamento inovadoras; e
desenvolvimento de software para controle de processos.
No Nível 5 de capacidade, há um fluxo reverso de conhecimento de Manaus para outras
subsidiárias estrangeiras (p. ex., fornecendo serviços de partida de fábrica, treinamento para :
a produção, sensores automáticos de tempo real para fluxo de processos para fábricas irmãs
no mundo). Isto parece sugerir que o alcance deste nível de capacidade, especialmente para
as subsidiárias transnacionais, significa que as empresas com tal nível de capacidade inova-
dora foram capazes de se envolver numa rede internacionalmente integrada de inovação.

• Capacidades para atividades relacionadas a produto


As empresas que desenvolveram níveis de capacidade inovadora entre o Nível 3 e 5 foram
capazes de realizar atividades tais como modificações para desenho de produto: interface
processo-produto, ISO 9000; empenho no esforço de desenvolvimento de novos produtos
com São Paulo, Cingapura, EUA, ou Japão; transferência de software para circuitos integra-
dos (CI), característica de desenho, desenho de CI personalizados; prototipação e transferên-
cia on-line de desenho de produtos.
No início dos anos de 1980, uma grande empresa eletrônica brasileira, a Gradiente, al-
cançou o Nível 3 de capacidade para produtos e foi capaz de realizar desenhos de aparência
de produtos e projetos mecânicos. Em meados da década de 1980, após uma reestruturação
organizacional, as unidades de projeto mecânico e eletrônico foram criadas para suportar
e agilizar o desenho de produtos e as atividades de desenvolvimento. Como resultado, o
número anual de produtos desenvolvidos internamente, o qual envolvia de 3 a 12 durante o
período de 1972-81, mudou para 21 a 49 durante o período de 1982-88.
Em meados da década de 1990, a estrutura organizacional da empresa foi novamente
mudada para intensificar as atividades de produto. Unidades específicas de engenharia fo-
ram criadas para áudio, videogames, sistemas, hi-ends, e acústica. Uma unidade dedicada
ao projeto de produtos. Adicionalmente, um comitê foi criado para dar a palavra final acer-
ca de estilos de desenho e arranjos de produto. Conseqüentemente, o número de produt
desenvolvidos dentro da Gradiente durante o período de 1989-2000 evoluiu de 40 para 9
e alcançou 122 em 1998. O número médio de meses levado para desenvolver um produ
diminuiu de 24 (no início dos anos 1970) para 10 (em 2000). Em meados da década de 1990
A Experiência de Empresas de Eletrônica de Consumo, Motocicletas e Bicicletas 195

aproximadamente 20 anos depois de seu início em Manaus, a empresa tinha acumulado


capacidade em produto de Nível 4 e capacidade em processo e organização da produção de
Nível S. Outra empresa brasileira, a Itautec-Philco, constituiu capacidade em processo e or-
ganização da produção de Nível S, mas Nível 3 em atividades de produto.
Uma pequena empresa local tornou-se fornecedora de produtos para outras grandes em-
presas locais e estrangeiras eletroeletrônicas e de motocicletas e bicicletas em Manaus. A
empresa iniciou em Manaus no início da década de 1990 no negócio de metalúrgica. Seu
proprietário, um engenheiro mecânico que tinha trabalhado na Embraer, se mudou para
Manaus para iniciar seu próprio negócio. A empresa começou fornecendo serviços de manu-
tenção de equipamentos para as empresas de eletroeletrônica e de motocicletas e bicicletas.
Durante o período de pesquisa para este caso, a empresa empregou 12 técnicos especiali-
zados (todos eles recrutados em Manaus) e tornou-se um respeitável fornecedor de braços
de robôs e outros componentes, além do envolvimento em projetos de auto mação com as
empresas eletroeletrônicas, de motocicletas e bicicletas e outras empresas em Manaus.
O comprometimento desta firma em atividades técnicas cada vez mais sofisticadas foi
associado com o estímulo dado pelos seus usuários: as empresas locais, e para uma extensão
significante, as empresas fornecedoras estrangeiras. Isto gradualmente aumentou os níveis
técnicos de seus pedidos, desafiando e empurrando a pequena empresa para realizar ativida-
des cada vez mais sofisticadas. Como o proprietário da empresa declara: "Hoje nós nos senti-
mos seguros e capazes de atender às rigorosas expectativas técnicas de nossos clientes".
De modo similar, uma pequena empresa local (com cerca de 20 trabalhadores), de pro-
priedade de dois engenheiros químicos, que se transferiram do Nordeste do Brasil para Ma-
naus durante o início da década de 1990, tornou-se um fornecedor-chave de partes galvani-
zadas para a Ronda. Como eles declaram: "No início foi difícil atender às expectativas de
qualidade, mas eles nos deram um grande encorajamento. Eles normalmente vinham aqui,
compartilhando problemas e ajudando a melhorar o nosso trabalho."

• Capacidades para atividades relacionadas a equipamentos

Em termos de capacidade relacionada a equipamentos (ferramentaria, moldagem e es-


tarnpagem), as empresas eletroeletrônicas que desenvolveram capacidade inovadora nos Ní-
veis 3 e 4 foram capazes de realizar, independentemente, o desenvolvimento de suas próprias
jigas de teste e equipamentos de burn-in, o desenvolvimento de sensores automáticos em
sistemas de transporte, visão para teste mecânico, dispositivos pneumáticos para agilizar o
fluxo de processos. Adicionalmente, eles têm sido capazes de realizar a movimentação au-
tomática de insumos, work-in-progress (WIP) e bens acabados, e patentearam seus próprios
equipamentos de teste desenvolvidos e ferramentas de software para teste multiprodutos.
Conforme as empresas de motocicletas e bicicletas são compreendidas, a Ronda fornece
um forte exemplo. Ela levou em torno de 25 anos para se mover do Nível 1 para o Nível 6
na capacidade em equipamentos (embora não completamente). Durante o levantamento de
dados para esse estudo, a empresa constituiu seu próprio desenho de produtos e um centro
de desenvolvimento em Manaus e uma unidade de manutenção de moldes. A idéia foi evoluir
de uma unidade para desenho de molde, Havia uma iniciativa prévia das associações da in-
dústria para constituir um centro de desenho e manutenção de moldes em Manaus de forma
a reduzir a dependência da Coréia do Sul e de Portugal. A idéia não foi materializada até a
época desta pesquisa.
Um dos gestores da Ronda descreveu a reação da empresa: "Nós não podíamos arcar
com o custo de esperar. Nós então decidimos ir em frente e construir nosso próprio centro
de moldes e ganhar autonomia." Entrevistas com altos gestores da Ronda em Manaus suge-
riram que esta idéia foi parte de um grande esquema corporativo que combina estratégias
de globalização e localização. Isto também sugere que a empresa constituiu uma base or-
ganizacional para suportar produtos mais avançados e atividades inovadoras relacionadas
a equipamentos. Conforme declarado por um dos gestores, a Ronda Manaus está em uma
posição estratégica que lhe permite se envolver em atividades inovadoras em produto para
fornecer produtos específicos aos consumidores nas Américas. Por outro lado, cinco empre-
196 Capitulo 7

sas do setor de motocicletas e bicicletas e quatro fornecedores não se moveram além dos
Níveis 1 e 2, durante o período da pesquisa. De fato, uma empresa local de motocicletas, a
qual entrou na indústria durante meados da década de 1990 estimulada por uma moeda fa-
vorável e baixas taxas de importação, experimentou uma séria crise financeira e de mercado
na época da pesquisa.
Até as duas antigas empresas nacionais de bicicletas observadas, ambas iniciaram em
Manaus em meados da década de 1970. Embora tenham sido as maiores e mais importantes
empresas no mercado brasileiro por décadas, ambas entraram na década de 1990 com ca-
pacidade de Nível 1 para as três funções tecnológicas. Seguindo a política de mudanças do
início da década de 1990, ambas as empresas quase quebraram por não conseguir enfrentar
a competição estrangeira. Um investidor brasileiro assumiu uma das empresas em meados
da década de 1990 e implementou uma ampla reestruturação corporativa para ajudar a em-
presa competitiva.
Não foi até o início da década de 2000 que esta empresa de bicicleta foi capaz de acumular
o Nível 2 de capacidade para processo e organização da produção. Somente em 2005, apro-
ximadamente 20 anos após sua entrada em Manaus, que esta empresa se moveu para o Nível
3 para esta função técnica e Nível 2 para as atividades relacionadas a produto e equipamen-
tos. O nível máximo de capacidade atingida pela segunda empresa foi o Nível 2 para as três
funções tecnológicas, e esta aparentemente falta de progresso pode ser devida em parte pela
erosão da participação de mercado da empresa.
Até o início dos anos de 1990, ambas as empresas de bicicleta operaram em um ambiente
altamente protegido, que não as estimulou a possuir atividades inovadoras e melhorar a
sua performance em relação aos competidores estrangeiros. Conforme um especialista da
indústria declarou:
"Quando a economia foi aberta, um grande número de bicicletas estrangeiras foi
despejado no Brasil. Nós então compreendemos o quão fraca as empresas locais es-
tavam em termos de eficiência técnica, qualidade de produto e preço, comparado aos
competidores internacionais."

7.4 FONTES PARA A ACUMULAÇÃO DE CAPACIDADES TECNOLÓGICAS


NAS EMPRESAS PESQUISADAS: O PAPEL DAS ESTRATÉGIAS DE
APRENDIZAGEM
7.4.1 Aprendizagem pela Busca de Conhecimento Externo
Até os anos de 1960, as atividades econômicas na região foram baseadas unicamente na
exploração de recursos naturais: apesar do crescimento demográfico na área de Manaus, a
grande maioria da população ativa existente não foi preparada nem qualificada para se en-
gajar em atividades de fabricação.
Durante os anos de 1950 e 1960, o analfabetismo e a falta de pessoas tecnicamente quali-
ficadas eram os problemas mais graves que afetaram a então incipiente indústria brasileira.
As evidências indicam que mesmo na Região Sudeste alguns trabalhadores literalmente cor-
riam quando viram uma fábrica. Este problema foi ainda mais agudo no norte do Brasil.
Durante os anos de 1970, um dos principais desafios para os gerentes em Manaus era fa-
miliarizar os trabalhadores locais com a disciplina das atividades de fabricação. Como um
gerente disse: "No começo, as pessoas dificilmente apareciam todo dia e no horário; e nossas
taxas de rotatividade eram demasiadamente elevadas".
Empresas como a Semp-Toshiba, Gradiente, Itautec, Philips e Ronda enfrentaram este
problema. Estas empresas começaram com um baixo nível de capacidades baseadas em
produção, principalmente na base da montagem de pequeno número de peças, ou atividades
semi-knocked down (SKD); mais tarde, evoluíram para a montagem de um grande número
de componentes individuais, ou atividades complete knocked down (CKD). Entretanto, havia
uma grande escassez de trabalhadores locais qualificados para realizar estas e outras tarefas
de apoio.
--------------------------------------

A Experiência de Empresas de Eletrônica de Consumo, Motocicletas e Bicicletas 197

Como conseqüência, muitos profissionais foram despachados a Manaus para realizar di-
ferentes tarefas, tais como o estabelecimento e balanceamento das fábricas, e a constituição
e organização de unidades de apoio (p. ex., controle de qualidade, manutenção, materiais,
engenharia e administração). Todas as posições administrativas e de supervisão foram assu-
midas por pessoal importado. Basicamente, as ligações de conhecimento com as empresas
de origem e irmãs foram concentradas no aprendizado de como organizar e realizar as ati-
vidades de produção.
Durante os anos de 1970, os níveis de automatização eram baixos e as fábricas tiveram
que empregar um grande número de operadores. As empresas recrutaram trabalhadores
para o chão de fábrica localmente ou de outras regiões no Brasil como o Sudeste e o Nor-
deste (p. ex., Ceará, Paraíba e Pernambuco). As sessões de treinamento eram realizadas por
técnicos e engenheiros experientes. Estas sessões envolviam, por exemplo, a montagem e a
desmontagem dos aparelhos de televisão, dos videocassetes, dos refrigeradores, e de partes
das motocicletas e de outros produtos até que os operadores tivessem aprendido os princí-
pios e a seqüência de operação relacionada.
Em paralelo, as empresas trouxeram para Manaus gestores, engenheiros, supervisores
e técnicos de suas empresas de origem e/ou irmãs de outros estados do Brasil ou de outros
países. Como o Brasil tinha se engajado na produção de produtos eletrônicos de consumo
e eletrodomésticos desde meados da década de 1950, especialmente nos estados do sudeste
como o Rio de Janeiro e São Paulo, a maioria das empresas em Manaus se voltou para esta
experiência de aprender com suas empresas de origem e/ou irmãs em como organizar suas
atividades de produção. Por exemplo, durante as décadas de 1970 e 1980, a Sharp Manaus
se engajou em uma série de visitas técnicas, programas de treinamento e atividades de co-
desenvolvimento com o Japão até que aprenderam a projetar e desenvolver produtos (p. ex.,
os videocassetes) construindo suas próprias capacidades. Durante a década de 1980, a brasi-
leira Gradiente estabeleceujoint-ventures como a JVC e a Nitendo, e mais tarde com a Nokia.
Através dessas parcerias, a Gradiente adquiriu conhecimento que foi crucial para constituir
capacidades inovadoras para atividades baseadas em produto.
Esta evidência sugere que durante o período da política de SI, algumas empresas se en-
gajaram numa variedade de processos de trazer conhecimento externo para acumular suas
capacidades. Entretanto, tais esforços de aprendizagem e as capacidades relacionadas não
eram suficientes para lidar com a competição feroz trazida pela abertura do início dos anos
de 1990. Em conseqüência, muitas empresas procuraram reorganizar seus processos de ne-
gócio e acumular novas capacidades para manter sua posição na indústria a partir de 1990.
Por exemplo, uma grande empresa de refrigeradores atravessou um processo de reestrutu-
ração do negócio, centrado especialmente em atividades inovadoras de produto. Os enge-
nheiros recentemente graduados foram recrutados para aprender e disseminar a abordagem
do Seis Sigma: em 2006, a empresa tinha quatro black belts. Adicionalmente, baseado em
engenharia simultânea, o "Projeto Liberdade" envolveu a interação entre engenheiros de Ma-
naus, São Bernardo (São Paulo), China e Suécia, conduzindo ao desenvolvimento de novos
modelos de microondas de 27 e de 38 litros.
Reagindo diferentemente, as empresas como a Ronda não atravessaram uma reestrutu-
ração radical de suas estratégias de aprendizagem, mas procuraram reforçá-Ias e atualizá-
Ias. Durante os anos de 1990, a Ronda continuou com a política de ter grupos de engenheiros
e de técnicos japoneses que permaneceram em Manaus por três anos. A idéia era criar um
fluxo constante de conhecimento na planta de Manaus. Paralelamente, todo ano grupos de
engenheiros e técnicos brasileiros permaneciam por 6 meses no Japão. Eles aprenderam não
somente questões técnicas, mas também administrativas e culturais. Todavia, "há cerca de
20 anos era duro ter os japoneses e os brasileiros trabalhando juntos", disse um gerente.
Uma outra estratégia de aprendizagem fortalecida na Ronda Manaus durante os anos
de 1990 era a difusão de grupos técnicos. Usando seus jalecos brancos, diversos gerentes,
engenheiros, técnicos, supervisores e operadores se reuniam diariamente para conduzir se-
minários, reuniões, grupos de discussão, negociações informais e sessões de solução de pro-
blemas. Estas estratégias de aprendizagem na Ronda Manaus ajudam a explicar os níveis de
capacidades inovadoras conseguidos na empresa.
Deve ser lembrado que 11 das 46 empresas da amostra neste estudo são japonesas; e há
cerca de 27 empresas japonesas no Pólo Industrial de Manaus. A partir dos anos de 1980, e
198 Capítulo 7

especialmente durante os anos de 1990, o número destas empresas aumentou em Manaus.


Isto refletiu, de um lado, a decisão do governo japonês para incentivar grandes empresas
a intensificar o off-shoring de suas atividades de fabricação, particularmente em países em
vias de desenvolvimento, como uma maneira de lidar com a recessão econômica do Japão da
década de 1990. Por outro lado, isto foi uma conseqüência da estratégia de desenvolvimento
de fornecedores adotada pela Ronda e pela Yamaha.
Uma das estratégias usadas pelas empresas japonesas em Manaus para buscar experiência
de fora, especialmente desde o início dos anos de 1990, é repatriar os jovens nipo-brasileiros
que tinham deixado o Brasil para procurar trabalhos no Japão. Muitos desses "dekasseguis"
foram recrutados e treinados nas empresas de origem japonesa antes de se serem enviados
para Manaus. Como alguns deles se tornaram fluentes em japonês, ajudaram a facilitar uma
comunicação entre engenheiros e gerentes japoneses e brasileiros em Manaus. De acordo
com alguns gerentes entrevistados, eles pareciam se adaptar melhor a Manaus do que seus
colegas recrutados em São Paulo ou dos estados do Nordeste. Isto está provavelmente asso-
ciado com o fato de que muitos cidadãos japoneses imigraram para esta região no passado.
Apesar das dificuldades iniciais no início dos anos de 1970, e especialmente os vários
treinamentos, retreinamentos e das novas atividades de recrutamento que tiveram que ser
executadas no começo dos anos de 1990, no momento do trabalho de campo nove dos 10
gerentes entrevistados para este estudo indicaram que os trabalhadores locais em Manaus
alcançaram altos níveis de concentração e estão proativamente envolvidos nas sugestões
para melhorias nos processos (produção e organizacional), produto e em atividades relacio-
nadas a equipamento. "Gradualmente, eles aprenderam e começaram a produzir respostas
formidáveis", disse um gerente.
Por exemplo, a produtividade no trabalho (a quantidade de produtos produzidos por pes-
soa num período de 8 horas) em Manaus superou os padrões internacionais: 800 lentes fo-
tográficas contra 1600 em Manaus; 45 segundos para um aparelho de televisão contra 40 em
Manaus; 46 segundos para uma motocicleta (Japão) versus 20 segundos em Manaus. Esta
evidência parece refletir a acumulação de Níveis 1-3 das capacidades baseadas em produto,
segundo as indicações da Tabela 8.5.
Os fluxos reversos de conhecimento de Manaus para as empresas de origem e irmãs pare-
cem refletir as estratégias de aprendizagem bem-sucedidas adotadas por algumas empresas,
especialmente do início dos anos de 1990. Uma equipe na Philips Manaus encontrou uma
nova solução para acelerar o processo de produção de TV. Esta solução foi exportada mais
tarde para outras subsidiárias irmãs da Philips no mundo inteiro. Uma equipe de operado-
res, técnicos e de engenheiros da Sony Manaus projetou um novo dispositivo para realizar
testes multiprodutos. Esta inovação relacionada a equipamentos foi patenteada mais tarde
pela Sony Corp; e os engenheiros de um fabricante contratado em Manaus foram os respon-
sáveis pelo treinamento, instalação e a ativação de sua empresa irmã na Europa Oriental. No
início dos anos 2000, os engenheiros da Ronda de Manaus também participaram de fluxos
reversos de conhecimento às empresas origem e irmã. Durante o final dos anos de 1990, a
Ronda Manaus ajudou à unidade de automóvel da Ronda no estado de São Paulo em termos
de instalação da planta, da organização e de uma expansão adicional. Isto parece refletir a
maturidade tecnológica e administrativa conseguida em empresas diferentes no Pólo Indus-
trial de Manaus.

7.4.2 Aprendizagem por lnteraçâo com Fornecedores e Usuários


A história de aprendizagem baseada em interações entre produtores/usuários e fornecedo-
res em Manaus é remetida ao período da política de SI. Durante o início dos anos de 1970,
quando vários de gerentes, engenheiros e de técnicos foram deslocados para Manaus para
iniciar as operações de suas empresas, um "senso de isolamento" começou a se desenvol-
ver entre eles. Isto conduziu a interações informais para compartilhar dificuldades de orga-
nização e para resolver problemas técnicos e administrativos em suas linhas de produção
e unidades de apoio. Embora suas empresas fossem concorrentes, os gerentes da Evadin
(Mitsubishi), Gradiente, Philco, Semp-Toshiba e da Sanyo iniciaram a prática de emprestar
componentes, materiais e máquinas, compartilhando linhas de produção e, em grande parte,
A Experiência de Empresas de Eletrônica de Consumo, Motocicletas e Bicicletas 199

compartilhando o conhecimento para a resolução de problemas. Impressionante, é que este


"valor mútuo informal da cooperação" foi transmitido à nova geração de gerentes. Mesmo
hoje é comum ouvir histórias desta prática prevalecendo no Pólo Industrial de Manaus: os
diretores e os gerentes idosos mantiveram a prática de transmitir valores-chave, normas e
pedaços específicos de conhecimento tácito a seus sucessores.
No início dos anos de 1980, o Grupo de Gerentes de Fornecimento de Materiais de Ma-
naus foi criado. Sob esta organização informal, os gerentes e engenheiros realizaram reuni-
ões regulares para abordar os problemas relativos à logística, ao fornecimento de materiais,
à produção, a questões organizacionais e a problemas específicos relacionados à política de
governo. Em conseqüência, uma variedade de processos de compartilhamento de conheci-
mento foi desenvolvido entre os membros do grupo. Estes, por sua vez, envolveram diferentes
atividades tais como a eliminação de erros e descongestionamento de linhas e de melhoria de
produção no controle da qualidade do material, que, em algumas empresas, refletiu a consti-
tuição da produção e de algumas capacidades inovadoras básicas. De forma impressionante,
durante os anos de 1980, algumas interações relacionadas ao conhecimento foram derivadas
também da política do governo. Em 1984, um esforço conjunto feito pelo governo federal
(Suframa) e o governo do Estado do Amazonas procurou forçar as empresas a aumentar o
número de seus fornecedores locais. Seguindo a execução do "Programa de Regionalização
de Fornecedores", em 1988 havia cerca de 80 fornecedores que operavam em Manaus.
Embora todos esses esforços fossem realizados sob um regime industrial baseado pesa-
damente nas limitações do protecionismo e das restrições as importações, tiveram um efeito
colateral positivo. Provocaram diversos fluxos de conhecimento das empresas de origem e
irmã de outros países e estados para as empresas em Manaus: os gerentes e os engenheiros
foram despachados a Manaus para treinar gerentes locais no desenvolvimento de fornece-
dores, gerência da cadeia de fornecimento, organização da produção e técnicas de gerência.
A evidência do trabalho de campo sugere que, para algumas empresas, estas ligações de
conhecimento foram fontes-chave para a constituição e a acumulação de seus Níveis 2-3 de
capacidade tecnológica.
Durante os anos de 1980, devido às limitações de importação, a Ronda foi ainda forçada a
produzir os insumos requeridos (as peças e os componentes) em Manaus. Entretanto, como
havia uma escassez de fornecedores em Manaus e os potenciais fornecedores automotivos
no Brasil não estavam interessados em fornecer para empresas diferentes dos fabricantes de
automóveis, a Ronda teve que se engajar em atividades contracorrente sozinha. Para fazer
isto, a Ronda recebeu um forte suporte técnico e organizacional de seus fornecedores no
Japão. Os gerentes, engenheiros e técnicos de Manaus foram enviados ao Japão para realizar
visitas e cursos de formação técnica; e os engenheiros e técnicos especializados do Japão
vieram a Manaus para ajudar e treinar o pessoal da Ronda. Seguindo as reformas políticas
do início dos anos de 1990, entretanto, a Ronda procurou inverter sua estratégia de inte-
gração vertical que tinha sido imposta pela política de SI. Como conseqüência, a empresa
procurou desenvolver e reforçar uma cadeia local de fornecedores. Em 2003, de quase 100
fornecedores da Honda, cerca de 20 foram localizados em Manaus; mas atendiam quase 65%
das necessidades de fornecimento da Ronda. Eles são referidos pela Ronda não meramente
como fornecedores, mas como "parceiros".
As entrevistas do trabalho de campo sugeriram que a Ronda procurou alcançar uma re-
lação harmônica com sua rede local de fornecedores. No coração deste relacionamento en-
contra-se uma deliberada e orquestrada estratégia de transferência de conhecimento condu-
zida pela Ronda. Esta estratégia de compartilhamento de conhecimento varia de atividades
relacionadas à produção até as atividades inovadoras. Por exemplo, equipes de engenheiros
especializados são atribuídas para interagir com os fornecedores locais numa base diária.
Tais interações conduzidas por conhecimento ocorrem independentemente do tamanho
dos fornecedores, da origem de seu capital, ou de sua posição nas camadas da cadeia de
provisionamento (p. ex., da quarta para a quinta camada). Procurando falar a língua dos for-
necedores, o pessoal da Ronda participava das reuniões diárias dos fornecedores, se envol-
vendo em atividades de solução de problemas e fornecendo sugestões e também incentivos.
Da mesma forma, os fornecedores foram convidados e encorajados a visitar regularmente a
Ronda a fim de estarem mais próximos de seu pessoal, processos e procedimentos.
~-_._------------------------------

200 Capítulo 7

A unidade de manutenção da Ronda é conhecida em Manaus por seu elevado nível téc-
nico baseado em técnicas avançadas e na excelente experiência. Como alguns meios locais
e fornecedores de pequeno porte não têm os recursos para estruturar (ou melhorar) suas
próprias unidades da manutenção, a Ronda aloca seus próprios técnicos para realizar algum
trabalho de manutenção, mas principalmente treina e mantém os fornecedores atualizados
no processo de produção, de equipamento e utiliza ferramentas técnicas de manutenção.
Como o proprietário de uma empresa de tamanho médio local disse: "Com essas interações
freqüentes com eles [Ronda], nós estamos aprendendo sempre novas técnicas; mantendo
nossa fábrica atualizada sem ter que pagar por um consultor".
Similarmente, uma pequena empresa local (em torno de 20 trabalhadores), de proprie-
dade de um casal de engenheiros químicos, que tinham se mudado do Nordeste do Brasil
para Manaus durante o começo dos anos de 1990, transformou-se em um fornecedor-chave
de peças galvanizadas para a Ronda. Como eles comentaram: "No início foi difícil atender
às expectativas de qualidade deles, mas nos deram um incentivo tremendo. Eles geralmen-
te vêm aqui, compartilham problemas e nos ajudam a melhorar o nosso trabalho". Esta é
evidência adicional que ajuda a explicar os níveis inovadores de capacidade em produto
encontrados nas empresas locais em Manaus. A Yamaha utiliza muitos dos fornecedores de-
senvolvidos pela Ronda em Manaus. A um grau inferior, a Yamaha procura emular o tipo de
relacionamento da Ronda com seus fornecedores, e desde 2002, a empresa tem aumentado
seu volume de operações em Manaus.
Em uma mais ambiciosa frente, a Ronda procura envolver seus fornecedores locais em
atividades comuns de desenvolvimento de produto: são convidados a participar dos estágio
iniciais de projeto. Numa empresa fornecedora pesquisada neste estudo, havia um retrato
enorme pendurado na parede de um dos últimos modelos da Ronda. O proprietário da em-
presa era orgulhoso em dizer que sua empresa tinha participado no processo de desenvolvi-
mento dessa motocicleta.
O comportamento proativo e baseado em aprendizado da Ronda foi encontrado igual-
mente em seus fornecedores de primeira linha. Um deles é uma empresa japonesa que for-
nece sistemas da embreagem para Ronda e para a Yamaha. Durante meados dos anos de
1990, esta empresa procurava por um fornecedor local de manutenção de equipamentos e
de fabricação de algumas peças e componentes. O gerente identificou uma pequena empre
local (com cerca de 12 trabalhadores qualificados) de propriedade de um engenheiro e um
ex-empregado da Embraer. Primeiro timidamente, este fornecedor local aceitou o desafio
de trabalhar com a empresa japonesa. Inicialmente, realizaram uma série de operações con-
juntas de manutenção. Mais tarde, seu relacionamento evoluiu em co-projeto e co-desenvol-
vimento de componentes. Em 2004, esta empresa local fornecia tudo de alguns pequenos
equipamentos a seu usuário japonês. Em 2006, a pequena empresa local previamente tímida
transformou-se em um fornecedor respeitado tanto de empresas de motocicletas e bicicletas
como de eletroeletrônica em Manaus para atividades diversas (p. ex., projeto e manutenção
do braço dos robôs). Um resultado da estratégia de desenvolvimento de fornecedores locai e
dos fluxos de conhecimento relacionados, conduzidos pelas empresas de DR, especialmente
a Ronda, foi a emergência de uma rede interconectada de empresas estrangeiras e locais
como representado na Figura 7.6.
Esta evidência indica que as atividades tecnológicas inovadoras das empresas, tais como
a Ronda Manaus, não estão mais confinadas a seus limites, mas tem-se espalhado sobre -
fornecedores (pequenas e médias empresas estrangeiras e locais). A presença de tal rede d -
fornecedores significa que uma grande subsidiária de EMN como a Ronda criou um tipo
"raiz regional".
Em termos da resposta de outras empresas às reformas políticas do começo dos anos •
1990, a Multibras (uma grande empresa de injeção plástica) se engajou em uma série de v .
gens internacionais para visitar as empresas de origem de seus usuários-chave (p. ex., a So _
a Panasonic, a Philips e a Ronda). A finalidade inicial era aprender deles sobre "a fabricaçã
classe mundial" (WCM). As entrevistas do trabalho de campo sugeriram que a execuçã
deste programa em Manaus, conduzida pela Multibras, disparou diversas ligações de apre
dizagem com fornecedores e empresas dos usuários. Adicionalmente, a Multibras ernpreg
uma empresa de consultoria para ajudar a rever seus processos de negócio. Paralelamen =
A Experiência de Empresas de Eletrônica de Consumo, Motocicletas e Bicicletas 201

através do programa "Bad Boy", conduzido pela unidade de engenharia de desenvolvimento,


todas as linhas de produtos sistematicamente foram examinadas e revistas: algumas que
eram ineficientes foram reestruturadas ou eliminadas. A partir de 1993, os programas de
treinamento externos foram integrados com um processo interno de compartilhamento e de
disseminação de conhecimento. Entretanto, o impacto negativo da crise asiática de 1996-97
em Manaus forçou grandes empresas de injeção plásticas (como a Multibras) a reduzir o nú-
mero de seus empregados. Alguns empregados criaram suas próprias empresas baseadas nas
máquinas que tinham recebido como o pagamento. Após a crise, três empresas tornaram-se
fornecedores especializados para seus empregadores anteriores. Construindo ligações com
seus usuários, estas pequenas empresas procuraram aprender deles sobre o processo e a
organização da produção, e atividades relacionadas a equipamento (p. ex., ferramentas e
manutenção do molde) e de gestão de negócios.
Outro exemplo de interação ativa de aprendizagem entre usuários e fornecedores em Ma-
naus é ilustrado pela Nokia. A empresa não somente atraiu um considerável número de for-
necedores para Manaus, mas também se engajou em várias atividades de compartilhamento
de conhecimento dentro delas. Essas foram baseadas em freqüentes encontros, visitas e pro-
jetos em conjunto. Em 2004, a Nokia tinha uma cadeia de fornecedores locais de aproxima-
damente 20 fornecedores atendendo aproximadamente a 60% de suas necessidades.
As empresas de eletrônica e de motocicletas passaram a compartilhar fornecedores e es-
pecíficos sistemas de distribuição de materiais (p. ex., JIT). Esta espécie de cooperação tem
benefícios concretos em termos de agilizar os processos de produção e de redução de custos.
Essas atividades em conjunto são suportadas, mesmo entre competidores, como os gestores
entendem que, até certo ponto, elas não representam risco imediato de vazamento de conhe-
cimento tecnológico.

7.4.3 Aprendizagem pela lnteração com Demais Organizações do


Sistema de Inovação (local e Nacional)
Talvez uma das ligações de conhecimento entre empresas e organizações de suporte em
Manaus iniciou com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI). O SENAI
começou suas atividades em Manaus em dezembro de 1957. Durante as décadas de 1970 e
1980, quando diversas empresas foram iniciar suas operações em Manaus, o SENAI traba-
lhou como fornecedor-chave para treinamento dos novos operadores recrutados. Como no
resto do Brasil, o SENAI estava operando em Manaus em cooperação não somente com a
indústria, mas também com o governo e outras organizações relacionadas à indústria.
Por exemplo, durante a implementação do Programa Nacional da Qualidade e da Produti-
vidade, no início dos anos de 1990, o SENAI Manaus forneceu várias espécies de programas
de treinamento para empresas em atividades relacionadas à metrologia e conformação e nor-
malização de parâmetros de produção. Durante o início dos anos 1990, quando a Suframa
forçou as empresas a obter a certificação da ISO 9002, o SENAI trabalhou como provedor-
chave de programas de treinamento para empresas de diferentes setores. Ao final da década
de 1990, mais de 95% das empresas no Pólo Industrial de Manaus tinham alcançado a certifi-
cação da ISO 9002 e algumas haviam buscado a aquisição de credenciais mais avançadas.
Durante meados da década de 1990, como resultado de uma parceria com a Siemens, o
SENAI Manaus criou um novo laboratório de eletropneumática e de tecnologia de montagem
em superfície (SMT) para aumentar o treinamento neste campo. No final da década de 1990,
com suporte do governo japonês, o SENAI Manaus criou um novo centro de treinamento em
solda. A evidência sugere que, passadas essas últimas três décadas, o SENAI tomou-se uma
fonte-chave para as empresas constituírem importantes partes de suas capacidades baseadas
em produção.
Adicionalmente ao SENAI, uma escola técnica federal começou a operar em Manaus, em
1937, como o Liceu Industrial de Manaus. Em 1942, foi atualizada para Escola Técnica de
Manaus e em 1959 para Escola Técnica Federal do Amazonas, mas não foi até março de 2001
que ela se tomou o Centro Federal de Educação Tecnológica do Amazonas (CEFET-AM),sob
o Sistema Nacional de Educação Tecnológica do Ministério da Educação, implementado a
partir de 1994.
202 Capitulo 7

Alguns gestores, todavia, expressaram alguma preocupação com a relativa baixa velocida-
de na qual o treinamento técnico e as organizações educacionais em Manaus (e no Brasil),
como o SENAI e o CEFET, tinham respondido as suas necessidades de treinamento. Para
alguns gestores, essas organizações necessitavam atualizar o programa de seus cursos e as
habilidades de seus instrutores, e assim atualizando suas facilidades técnicas. Por exemplo,
em Manaus havia uma escassez de técnicos qualificados em ferramentaria. "Como eles são
quase raros aqui, leva tempo para nós treinarmos nossos próprios técnicos", considerou um
gerente.
Considerando que as empresas são também geradoras de conhecimento, esta evidência
sugere que as empresas tendam a usar tais centros educacionais para suprir algumas de
suas necessidades básicas e genéricas de treinamento; mas elas projetam e executam seus
próprios programas da educação e formação para atender as suas necessidades específicas
de conhecimento.
Apesar da presença do SENAI em Manaus desde o final dos anos de 1950 e da demanda
para engenheiros pela indústria local, apenas a partir de 1973 que os primeiros cursos rela-
cionados à engenharia (p. ex., elétrico, eletrônico e mecânico) começaram a ser ensinados
em Manaus na Universidade Tecnológica do Amazonas (UTAM);e somente 13 anos mais
tarde a UTAMconseguiu realizar plenamente cursos de engenharia elétrica e mecânica. Em
1998, a Universidade Federal do Amazonas (UFAM)começou a oferecer cursos de engenha-
ria elétrica e de produção; e mais tarde ofereceu um curso de engenharia de computação.
Por estas razões, desde os anos de 1970 as empresas brasileiras e estrangeiras do Pólo
Industrial de Manaus têm buscado na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) novos en-
genheiros graduados para empregar. Durante a década de 1990, as empresas aumentaram
seu recrutamento de engenheiros das universidades no Nordeste do Brasil: UFPB, a Univer-
sidade Federal do Ceará (UFCE) e a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) para as
atividades tão diversas quanto manutenção, sistemas de qualidade, gerência da produção e
desenvolvimento de produtos. Em 2000, as universidades em Manaus começaram a ser aju-
dadas pela UFPE a projetar e executar programas de pós-graduação em engenharia.
No que diz respeito à educação em gestão de negócios em Manaus, o Instituto de Admi-
nistração e Economia do Amazonas (ISAE), relacionado à Fundação Getulio Vargas, abriu
caminho para a provisão de cursos de pós-graduação neste campo em Manaus em 1992.
Durante os últimos 15 anos, o ISAE teve quase 12.000 matrículas em diversos campos da
administração de negócios: das técnicas de gerenciamento do chão de fábrica e da produção
as de mercado, finanças, recursos humanos, TI, logística, gerência de custos, contabilidade
e gerência estratégica.
Esses cursos de pós-graduação em gestão, que duram normalmente 1 ano, são conside-
rados por gerentes como uma oportunidade para o compartilhamento informal de conhe-
cimento que às vezes pode evoluir em cooperação relacionada à tecnologia, conforme um
engenheiro comentou:
"Uma outra vantagem desses cursos é que nós passamos a conhecer o que outras
empresas em Manaus estão fazendo. Este ano (2006) nós começamos uma parceria
tecnológica com um fornecedor que evoluiu de uma interação informal durante o
curso de pós-graduação que eu estava fazendo".
Adicionalmente, o ISAE executou programas especiais baseados no desenvolvimento de
habilidades em TI para estudantes do nível médio. Há também programas para o desenvol-
vimento de habilidades de instrução para jovens e adultos nos Estados da Amazônia Legal.
Combinando a distância com o ensino frente a frente, tais programas envolveram aproxima-
damente 700.000 matrículas nos últimos 10 anos em diferentes estados do Amazonas. Foram
executados com base em parcerias entre o ISAE, os governos local e estadual e a indústria.
Até 2006, Manaus teve dois centros federais oferecendo instrução técnica de nível univer-
sitário (UFAMe CEFET), uma universidade de estado (UEA)e 14 universidades privadas for-
necendo tanto cursos de gestão de negócios como de engenharia e de nível de graduação e de
pós-graduação. Este é um conjunto respeitável de organizações de educação e treinamento.
Todavia, deve ser recordado que Manaus sofreu com uma severa falta de fontes locais de
educação de engenharia e de treinamento até pelo menos meados dos anos 1990. Além disso,
-------------------------

A Experiência de Empresas de Eletrônica de Consumo, Motodc\etas e Bic-Icletas 203

em 2006 o fornecimento local de capital humano, especialmente engenheiros, era ainda um


problema em Manaus, conforme sugerido por um gerente: "Nós tínhamos que continuar a
importar engenheiros de outros estados até que desenvolvêssemos uma massa crítica apro-
priada em Manaus". A despeito dos grandes esforços recentes, a limitada formação de capi:al
intelectual endógeno pode impedir empresas e outras organizações em Manaus de se engajar
em projetos tecnológicos mais ambiciosos.
As interações de aprendizagem entre empresas e institutos de pesquisa em Manaus co-
meçaram a ser desenvolvidas durante o período de SI. Em 1978, o Plano Diretor Industrial
foi elaborado pela Suframa para estimular a integração vertical da produção industrial e a
absorção de tecnologia dentro das empresas. Em 1983, esta política foi refinada com vistas a
induzir a criação dos institutos de pesquisa para proporcionar suporte tecnológico especiali-
zado e serviços às empresas e ajudá-Ias a substituir componentes importados. Por exemplo,
a Sharp criou um centro de desenho de produtos e a Gradiente intensificou as atividades de
adaptação de produto. Tais atividades parecem ter trabalhado como uma plataforma para
que algumas empresas se engajassem em projetos inovadores. Geralmente, as respostas a
essa política por empresas e por outras organizações eram limitadas.
Uma exceção, entretanto, era a resposta representada pelos esforços conjuntos feitos pela
Federação das Indústrias do Estado do Amazonas (FIEAM), o Centro das Indústrias do Es-
tado do Amazonas (CIEAM) e o Grupo Interministerial Executivo de Componentes e de
Matéria-prima (Geicom) do governo federal que conduziu à criação da Fundação Centro
de Análise, Pesquisa e Inovação Tecnológica (Fucapi) em 1982. Tendo se tornado uma das
organizações-chave de apoio em Manaus em termos de atividades tecnológicas e de provisão
de educação técnica (no nível de graduação e de pós-graduação). A Fucapi tem uma respei-
tável infra-estrutura para realizar testes, atividades de metrologia e atividades de pesquisa
no campo da organização da produção, automatização de equipamentos e desenvolvimento
da TIC.
Durante os anos de 1990, a Fucapi, em colaboração com algumas empresas (p. ex., Diebold
Procomp), foi uma das organizações-chave responsáveis pelo projeto e o desenvolvimento da
máquina de voto brasileira. Projetos em conjunto no desenvolvimento de software e de hard-
ware foram desenvolvidos com empresas tais como Philips, Siemens, Thomson e Ronda.
Apesar dos esforços precedentes, não foi até o começo dos anos 1990, seguindo a pro-
mulgação da nova lei da TIC (Lei nº 8387, de dezembro de 1991) - que substituiu a notória
"Lei da Informática" (de 1984), baseada pesadamente no protecionismo de mercado - que
as ligações de conhecimento entre empresas e organizações relacionadas à pesquisa come-
çaram a ser consistentemente constituídas em Manaus. Colocando de lado as limitações
iniciais sobre o capital estrangeiro, esta nova estrutura institucional, cuja aplicação é de
âmbito nacional, procurou estimular empresas relacionadas a TIC a investir pelo menos 5%
de seus rendimentos brutos em atividades de P&D. Fazendo assim, elas obtêm uma redução
no imposto sobre produtos manufaturados (IPI). Paralelamente, as empresas têm que cum-
prir com a orientação no processo de produção básico (PPB), que, no começo da década de
1990, determinou os estágios mínimos do processo de produção a ser realizado localmente.
A política de PPB substituiu o anterior "índice nacional mínimo" que foi adotado durante o
regime de SI.
Especificamente, a fim obter todos os benefícios da nova lei da TIC, dos 5% de seus ren-
dimentos brutos que as empresas têm que investir em atividades de P&D no Brasil, 2,7%
devem ser alocados às atividades internas de P&D; e os outros 2,3% devem ser investidos
nas universidades, nos institutos de pesquisa e nos laboratórios. Parte desta quantidade deve
ser alocada em instituições situadas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil.
As empresas situadas em Manaus devem alocar estes recursos dentro da região do Amazo-
nas. Entretanto, as empresas podem decidir em não investir em organizações relacionadas
à pesquisa, mas simplesmente por uma quantidade equivalente a 2,3% de seus rendimentos
brutos no Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).
A resposta das empresas a esta política em Manaus tem fortalecido os institutos existentes
e a emergência de organizações relacionadas a P&D. Por exemplo, a Faculdade de Tecno-
logia da UFAM teve um de seus laboratórios renovados com base em uma parceria com a
Samsung. Em outubro de 1998, a Fundação de Paulo Feitoza (FPT) foi criada, dedicada às
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204 Capítulo 7

atividades de desenvolvimento de software e de hardware. Este instituto se engajou em par-


cerias bem-sucedidas com empresas brasileiras e estrangeiras que operam em Manaus, tais
como a BenQ, Siemens, CCE, Nokia, Thomson Multimídia, Elgin, Diebold Procomp, Phitro-
nics, Flextronics, Philips e Sweda. Um grande laboratório de programação de software foi
criado com o suporte da Siemens.
Nascida de uma spin-off da Gradiente, o Instituto Genius de Tecnologia foi criado em no-
vembro de 1999 em Manaus, voltado a P&D em tecnologias inovadoras em eletrônica digital.
Em 2003, o Genius tinha 150 empregados, dos quais 10% com PhD, 50% com mestrado e
40% graduados. Diversos mestres e graduados foram formados e recrutados de Manaus.
Muitos deles trabalharam para a Sharp Manaus (fechada em 2001). Em 2002, o Genius
começou um licenciamento conjunto e um acordo de desenvolvimento com a Speech Works
International (Boston, EUA) baseado no Speech2Go, um software de reconhecimento de voz
incorporado, um desenvolvedor de tecnologias e serviços de reconhecimento de voz. Este
projeto procurou acelerar o tempo de acesso ao mercado para dispositivos acionados por
voz no Brasil e na introdução das línguas portuguesa brasileira e espanhola latino-americana
no Speech2Go. Os dispositivos acionados por voz oferecem a funcionalidade do comando e
do controle usando a voz, para televisão, DVD, MP3, VCR, telefone celular e os outros dis-
positivos de consumo. Tais dispositivos podem também se conectar a serviços baseados em
rede, permitindo que os usuários naveguem por um guia da televisão ou baixem músicas da
Internet.
Sob as condições do acordo, o Genius licenciou o software Speech2Go da SpeechWorks,
um mecanismo contínuo, independente do locutor de reconhecimento de voz, projetado
especificamente para o uso em aplicações automotivas, dispositivos móveis e sistemas de
entretenimento doméstico. Usando o Speech2Go, o Genius foi capaz de criar soluções em
reconhecimento vocal em uma grande escala de dispositivos. "Esta e outras parcerias que
nós temos desenvolvido ajuda o Instituto Genius a fortalecer sua capacidade inovadora em
hardware e software incorporado em reconhecimento de voz; isto, por sua vez, ajuda a nos
engajar em desenvolvimentos adicionais de dispositivos habilitados por voz", disse um ge-
rente de desenvolvimento de negócios no Instituto de Tecnologia Genius. Em 2004, o Genius
transformou-se em um fornecedor de diversas tecnologias, tais como o reconhecimento de
voz, portal de voz para aplicações baseadas em telefonia, tecnologia de avaliação de canto e
entonação, plataforma de controle e leitura de mídia ótica, plataforma de decodificação de
áudio e vídeo digital, plataforma de transmissão de áudio sem fio, plataforma para a recep-
ção de TV digital via satélite, e aplicações para telefones móveis GSM, para empresas em
Manaus e em outras partes.
Respondendo à lei da TIC e ciente da falta de trabalhadores qualificados em Manaus, em
agosto de 2000, a TCE Eletrônica se aproximou da Fundação Paulo Feitoza e propôs um
programa educacional e de treinamento baseado no desenvolvimento de habilidades rela-
cionadas a TIC. O projeto se focalizou inteiramente em jovens de famílias de baixa renda
nos subúrbios de Manaus. Inicialmente, quatro "Centros de Treinamento em TIC" foram
construídos em diferentes locais de Manaus. O sucesso deste projeto atraiu outras empresas
para suportar novos centros: em 2001, a Nokia assumiu cinco centros da TCE; em 2002, a
Philips criou quatro novos centros; em 2005, a Siemens, e mais tarde a BenQ, suportaram
seis centros.
Em 2005, havia 15 centros financiados por estas parcerias e funcionavam por FTP. Comen-
tando este tipo de projeto, um especialista da indústria que foi entrevistado disse: "Projetos
como este são importantes para preparar a geração seguinte de trabalhadores que assumir
essas atividades industriais; se Manaus não tomar providências sérias para preparar os re-
cursos humanos futuros para garantir seu futuro econômico, todo este progresso industrial
conseguido até agora pode ser tornar apenas um outro "ciclo da borracha".
Outras organizações de P&D emergiram em Manaus em conseqüência da implementação
da lei da TIC: o Instituto Nokia de Tecnologia (INdT) e o Instituto de Tecnologia da Samsung.
Em 2002, os Laboratórios Philips do Amazonas foram criados para focarem em desenvolvi-
mento de software. Em 2004, aproximadamente US$ 2,5 milhões foram investidos em uni-
versidades locais e 25 mestres e PhDs foram treinados no uso da tecnologia de Nexperia. A
Universidade do Estado, UEA, recebeu um considerável suporte dos laboratórios da Philips
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A Experiência de Empresas de Eletrônica de Consumo, Motocicletas e Bicicletas 205

desde 2004. Todavia, como em outras partes do Brasil, alguns departamentos de universi-
dades mostraram uma grande resistência aos investimentos fornecidos pela indústria, es-
pecialmente por empresas estrangeiras, com base na lei da TIC. Enquanto alguns professores
deram as boas-vindas a tais investimentos, outros mostraram extrema resistência baseada
reações nacionalistas/xenofóbicas: alguns argumentam que, pelo engajamento neste tipo de
relacionamento com empresas, perderão sua autonomia acadêmica. As empresas também se
queixam que as universidades são demasiado lentas para entregar os resultados acordados
com as empresas ou para realizar novos projetos de cooperação.
Algumas empresas de consultoria em Manaus têm sido uma das fontes-chave para que as
empresas atualizem suas capacidades. Uma delas, a MAP Cardoso, tem uma elevada reputa-
ção em Manaus por seu trabalho em desenvolvimento em plantas e automatização de equi-
pamentos, desenvolvimento de software e hardware, e atividades inovadoras em processos e
nas atividades de organização da produção. Esta empresa de consultoria detém algumas pa-
tentes e presta serviços não somente para empresas em Manaus, mas também para grandes
empresas no Sul e Sudeste do Brasil, na Ásia e na Europa Oriental. Em Manaus, esta empre-
sa desenvolveu ligações com a maioria das empresas de EE e com Honda e a Yamaha.
No que diz respeito às organizações locais de planejamento em ciência e tecnologia e
organizações de financiamento, a Secretaria de Ciência e Tecnologia do Amazonas (SECT),
criada em abril de 2003, tem suportado as diversas interações entre empresas (não somente
do Pólo Industrial de Manaus) e organizações de apoio. Em 2006, sua agência do financia-
mento à pesquisa (Fapeam) abrangia 16 programas em implementação. Uma delas suporta
atividades de pesquisa em pequenas e médias empresas locais, em setores diferentes. A Tabe-
la 7.6 mostra alguns exemplos de resultados gerados para empresas em Manaus de suas in-
terações com organizações de apoio locais. Havia alguma associação positiva e significativa
entre estas ligações e as capacidades das empresas. Por exemplo, para empresas de EE, havia
uma correlação forte em termos de capacidade relacionada a equipamento (p < 0,05); dentro
das empresas de MCR havia uma correlação forte entre o número de ligações informais e os
níveis de capacidade para todas as três funções tecnológicas, especialmente para capacidade
relacionada a equipamento (p < 0,01). Com relação aos fornecedores, havia uma associação

Alguns resultados de ligações estabelecidas entre as empresas e demais organizações do sistema de


inovação

Empresas deMÇB
~==
O"~

Formal Intormaf 'RH Formal

16,7 NE NE NE
Provisã6de it'lfbrnnaçãe~ 17,7 13,3 30 14,8 10 NE
Relatórios 22,6 NE 36,7 3,7 3,3 NE 7,7

5,3,2 63,3 53,3 51,9 60 NE 30,8

",Melhoria~ técnicas e 15 22,5 NE 26,2 25,1 NE 49,7


orqanizacionais-

NE 10 NE NE NE NE
NE 3,3 3,7 3,3 NE NE
NE NE NE NE NE NE
Outros" 1,1 1,8 NE 1,6 1,6 NE 4,1 2,7 NE
Notas: (a): Solução compartilhada de problemas, projetos de automação, introdução de inovações organizacionais, co-desenvolvimento relativo à
melhoria de atividades centradas em produtos e processo e organização da produção, e treinamento técnico para equipes dedicadas (capacidades
intermediárias a altamente inovadoras)
RH: ligações com Recursos Humanos
NE: não encontradas
206 Capítulo 7

positiva e significativa entre as ligações baseadas nos recursos humanos e níveis máximos da
capacidade das empresas dos fornecedores (p < 0,01).
Embora haja resultados interessantes para as empresas que emergem de suas interações
de aprendizagem com as organizações de apoio, alguns destes resultados são ainda provi-
sórios. Não obstante, a evidência do trabalho de campo sugeriu que a demanda por empre-
sas para os serviços de organizações de apoio locais tenham crescido, embora lentamente,
durante estes últimos anos (p. ex., Fucapi, FTP, Genius). Entretanto, na maioria dos casos,
especialmente as universidades, tem sido somente uma interação de sentido único em que
as empresas têm injetado recursos nas universidades e em institutos de pesquisa (ou os têm
criado), através da lei da TIC. Não obstante, se controlados adequadamente, estes inves-
timentos recebidos pelas organizações de apoio locais podem transformar-se numa fonte
crítica de capacidades das empresas em Manaus no futuro.

7.5 CONCLUSÕES SOBRE A TRAJETÓRIA DE ACUMULAÇÃO DE


CAPACIDADE
A análise do desenvolvimento de capacidade tecnológica revela um dinamismo no pro-
cesso de desenvolvimento de capacidade inovadora. As evidências dos três segmentos in-
dustriais pesquisados indicam a consolidação da trajetória de acumulação de capacidade
tecnológica para a função de processos e organização da produção e, em alguns casos, para
equipamentos. À medida que essa trajetória se consolida e se aprofunda, abre-se espaço para
formação de uma base organizacional para a construção de capacidade para desenho e de-
senvolvimento de produto e equipamentos.
As evidências de uma diversidade de capacidade inovadora para funções tecnológicas di-
versas, encontradas nas três indústrias pesquisadas, tanto em empresas de capital nacional
como em subsidiárias de empresas transnacionais, indicam uma disseminação (ou globali-
zação) de capacidade inovadora - de economias industrializadas para economias emergen-
tes ou áreas em desenvolvimento - no contexto do Pólo Industrial de Manaus. Além disso,
encontramos evidências de um processo mais sistemático de globalização, a partir da expe-
riência da Moto Ronda, para capacidade avançada em produtos e equipamentos.
Os padrões ao nível da empresa de desenvolvimento de capacidade e, para uma certa ex-
tensão, a performance de exportação apresentou uma resposta positiva para as mudanças
no regime de política industrial como resultado das reformas estruturais da década de 1990.
Todavia, isto não significa que tal resposta positiva fosse uma mera conseqüência da aber-
tura comercial. Nem este estudo suporta a idéia que a liberalização por si seja uma medida
efetiva para o desenvolvimento industrial (ou um tipo de argumento como o Consenso de
Washington). É importante reconhecer a presença de um propósito da política governamen-
tal que permaneceu sobre o passado de 40 anos. Na ausência de tal política governamental,
todas essas empresas provavelmente nem mesmo estariam lá em primeiro lugar.
Todavia, as evidências quanto ao baixo padrão de desenvolvimento de capacidade no nível
da empresa, que precedeu as reformas do início da década de 1990, sugerem que tais polí-
ticas governamentais sozinhas não são suficientes para estimular o rápido desenvolvimento
industrial. De fato, uma combinação de política governamental, competição estrangeira e
esforços de constituição de capacidade intra-empresa provaram ser essencial para acelerar o
desenvolvimento de capacidade em algumas empresas examinadas neste caso.
A política para aceleração do desenvolvimento da capacidade tecnológica industrial numa
área de desenvolvimento tal como a examinada aqui, deverá envolver não somente medidas
de nível macro e incentivos (p. ex., estabilização econômica, estímulo à exportação, arranjos
baseados em tarifas) e competição, mas, muito importante, medidas que facilitem os esfor-
ços de constituição de capacidade intra-empresa. Isto pode envolver, por exemplo, o desenho
de incentivos para uma progressiva constituição de capacidade no nível da empresa aco-
plada como contínuos e construtivos exercícios de avaliação. Adicionalmente, agências de
desenvolvimento local podem também prover empresas com acesso a exercícios de prospec-
ção (tecnológico e de mercado), identificação de fontes de conhecimento (local e não local)
para diversas atividades técnicas e organizacionais, e também disseminação de experiências
de sucesso, particularmente dos fornecedores locais.
-_._---------

A Experiência de Empresas de Eletrônica de Consumo, Motocicletas e Bicicletas 207

SUGESTÕES DE QUESTÕES RELATIVAS AO TEMA E FOCO DESTE


CAPíTULO
Como empresas não operam no vácuo mas estão sujeitas aos impactos decorrentes das
condições institucionais que as cercam, comente a associação entre as alterações nos
regimes brasileiros de industrialização e as trajetórias de acumulação tecnológica nas
empresas do PIM.
s: Por que é necessária uma política de incentivos fiscais para apoiar o desenvolvimento
industrial (e econômico) em áreas não-industrializadas?
3. Compare as diferenças e similaridades entre as trajetórias de acumulação de capacida-
des tecnológicas nos três grupos de empresas examinados aqui.
4. Tente explicar essas diferenças e similaridades à luz dos conceitos apresentados nos
Capítulos 1 e 2.
5. Identifique as diferenças entre as empresas de motocicletas e bicicletas e eletroeletrôni-
cas em termos da acumulação de capacidades inovadoras em produto.
6. Por que a Ronda destaca-se das demais empresas de seu setor em termos de acumula-
ção de capacidade inovadora?
7. Comente o processo de aprendizagem da Ronda em relação aos fornecedores.
8. Por que é importante a emergência de uma cadeia de fornecimento em Manaus, como a
que emergiu ao redor do setor de motocicletas e bicicletas?
9. Quais foram os principais desafios enfrentados em termos de qualificação de pessoal na
década de 1970 pelas empresas pesquisadas no PIM para acumular suas capacidades
tecnológicas?
10. Como as empresas enfrentaram a competição a partir de 1990? Qual foi o papel da reor-
ganização das capacidades tecnológicas e como isto ocorreu?
11. Quais foram as estratégias de aprendizagem empreendidas pela Ronda na década de
1990 e de que forma isso impactou na acumulação de suas capacidades em processos e
produto?
12. Por que o mecanismo de compartilhamento de conhecimento teve um papel-chave para
o desenvolvimento das empresas do PIM?
13. Identifique e comente dois casos de como a interação com organizações de suporte im-
pactaram na acumulação de capacidades das empresas no PIM.

Questões para seminários:


14. Busque evidências de outros países que usam os incentivos fiscais como medida de
apoio ao processo de industrialização. Construa quadros comparativos e discuta os re-
sultados entre grupos de trabalho.
15. Até que ponto as evidências deste estudo sobre acumulação de capacidades tecnológicas
no PIM contraria os princípios do 'Consenso de Washington'? Por quê?
16. O processo de acumulação de capacidades tecnológicas nas empresas pesquisadas no
PIM decorreu apenas de "forças de mercado"? Até que ponto as políticas governamentais
foram cruciais neste processo? Os professores podem organizar dois ou quatro grupos
de trabalho e pedir que estes preparem argumentos e evidências para discussão. Poste-
riormente, podem realizar um debate no qual as perspectivas dos grupos são confronta-
das. Os professores podem servir de mediadores no debate e sintetizar as conclusões dos
grupos. Ganhará o grupo que apresentar evidências e argumentos mais convincentes
com base nos dados deste capítulo.

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