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Transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental |

Entrevista com Vanessa Neves (UFMG) e Mônica Baptista


(UFMG)
Enviado por Amanda de Oliveira em qua, 09/11/2016 - 11:35

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Relato de Vanessa Ferraz Almeira Neves, professora adjunta da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e professora do Programa
de Pós-Graduação em Educação na mesma instituição e Mônica Correia Baptista, professora e coordenadora da Linha Educação Infantil do PROMESTRE – Mestrado
Proœssional – Educação e Docência da Faculdade de Educação da UFMG.  A entrevista integra reportagem especial da ANPEd sobre a Educação Infantil.
(http://www.anped.org.br/news/educacao-infantil-desaœos-e-embates-da-area-em-contexto-de-crise-e-retrocessos-de-politicas)

Transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental: alguns apontamentos

As crianças que são atendidas em uma instituição de Educação Infantil são as mesmas que frequentam o Ensino Fundamental, mas nem sempre a trajetória
educacional  da criança é compreendida  como um contínuo. O projeto educacional deveria reconhecer as especiœcidades de cada etapa e, ao mesmo tempo, levar
em conta as semelhanças que fazem com que todas as três etapas educativas constituam um mesmo nível de ensino.

As Leis Federais 11.114/2005, 11.274/2006 e 12.796/2013 (que altera a Lei 9.394/96 em acordo com a Emenda Constitucional 59/2009) instituíram uma nova
organização do Ensino Fundamental. Algumas delas deœniram a antecipação do Ensino Fundamental, a ser iniciado aos seis anos de idade e ampliaram sua duração
para nove anos, e outras  ampliaram a obrigatoriedade escolar, estendendo-a dos quatro aos dezessete anos de idade. Essa nova organização traz inevitáveis
questionamentos, entre os quais aqueles relacionados à articulação entre as etapas educativas. 

Alguns documentos oœciais mencionam a necessária articulação entre as duas primeiras etapas da Educação Básica, mas não mencionam a forma como tal
articulação deveria ocorrer. Assim como nos documentos sobre a Educação Infantil há uma referência implicitamente negativa ao Ensino Fundamental, relativa às
práticas disciplinadoras, também nos documentos acerca do Ensino Fundamental revela-se uma referência igualmente negativa à Educação Infantil, relativa à pouca
sistematização do conhecimento. Há uma sutil construção discursiva que sugere a aœrmação de aspectos positivos de um nível de ensino (ludicidade, integração do
cuidar/educar e relação com as famílias na Educação Infantil e sistematização do conhecimento no Ensino Fundamental) em contraposição a aspectos percebidos
como negativos do outro nível. A documentação recente (DCNEI, 2009) questiona essa dicotomia e tenta explicitar uma aproximação entre as etapas.

A discussão sobre a relação entre a Educação Infantil e o Ensino Fundamental vem adquirindo destaque na produção acadêmica internacional buscando a apreensão
dos processos de transição entre os distintos espaços de socialização da criança (CORSARO e MOLINARI, 2005; MOSS, 2008; PETRIWSKYJ, THORPE e TAYLER, 2005;
RIST, 1970; ROSEMBERG e BORZONE, 2004; VOGLER, P., CRIVELLO, G. e WOODHEAD, M. 2008, por exemplo).

Peter Moss (2008), ao analisar a situação de países integrantes da União Europeia, indica quatro possibilidades de relacionamento entre a Educação Infantil e o
Ensino Fundamental, . A primeira caracteriza-se por uma subordinação da Educação Infantil em relação ao Ensino Fundamental. A Educação Infantil teria como
função, nessa perspectiva, preparar as crianças para um melhor desempenho no Ensino Fundamental. A segunda caracteriza-se por um impasse, em que ambos os
níveis de ensino recusam um diálogo entre si, deœnindo-se a partir de uma negação recíproca. A terceira situação, preparando a escola para as crianças, inverte o
modelo preparatório no sentido de adotar práticas da Educação Infantil no Ensino Fundamental, adaptando a escola desse nível de ensino às crianças. A visão de um
lugar de encontro pedagógico é a quarta possibilidade apontada e defendida por Moss. Nessa forma de relação, as práticas e as concepções de ambas as etapas
educacionais são integradas a partir do reconhecimento de suas diferentes histórias, valores e concepções. Ou seja, é necessário questionar as práticas educativas e
dos discursos construídos no contexto da Educação Infantil (e não apenas do Ensino Fundamental), e em que medida elas também contribuem para que a passagem
de uma escola para outra seja caracterizada por uma ruptura. Consideramos essa questão fundamental, uma vez que a passagem de uma etapa de ensino a outra
implica a consideração das práticas educativas realizadas em cada uma delas.

O conceito de eventos de preparação (CORSARO e MOLINARI, 2005) pode nos auxiliar a pensar a transição entre as duas primeiras etapas da Educação Básica. Tal
conceito se relaciona com a teoria dos ritos de passagem de Arnold van Gennep (1960). Teoricamente, esse autor analisou os rituais de passagem em três fases: (i)
separação/preparação, (ii) acontecimento/transição e (iii) adaptação/incorporação. A primeira fase se refere a uma separação da posição social anterior do indivíduo e
preparação para a nova posição a ser assumida. A segunda fase é relativa ao acontecimento das cerimônias de transição, quando os indivíduos se encontram em um
estado de liminaridade, ou seja, já não pertencem à posição social anterior, mas também não assumiram um novo lugar no grupo. A terceira fase caracteriza-se pelos
movimentos de ascensão à nova posição social por meio da incorporação do participante ao novo grupo. Os rituais de passagem representam, portanto, uma ruptura
e uma continuidade, mantendo preservadas as distâncias simbólicas que separam as diversas posições sociais possíveis dentro de um mesmo grupo cultural. Os
eventos de preparação são, nesse sentido, atividades simbólicas que permitem às crianças e ao seu grupo social contribuir ativamente para suas experiências de
transição, antecipando as mudanças eminentes em suas vidas e ajudando-as a construir signiœcados acerca desse processo. No caso das escolas italianas
pesquisadas por Corsaro e Molinari (2005), o  lugar de encontro pedagógico foi construído em diversos níveis, por meio dos eventos de preparação, tanto no contexto
especíœco das salas de aula, nas próprias escolas e nos eventos comunitários, quanto no sistema educacional.

No contexto brasileiro contemporâneo, algumas pesquisas sinalizam um processo de impasse na transição entre a Educação Infantil e o Ensino Fundamental (por
exemplo, CASTANHEIRA, 1991; MACHADO, 2007; MOTTA, 2010; NOGUEIRA, 2011; SANT’ANA e ASSIS, 2003; WILD, 2009). Tais impasses foram localizados,
principalmente, na entrada das crianças no Ensino Fundamental, uma vez que práticas relativas a um maior controle corporal, bem como atividades repetitivas e
descontextualizadas assumiram a centralidade no cotidiano das salas de aulas pesquisadas.
As pesquisas citadas aqui apresentaram elementos que contribuem para a reŒexão sobre a transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental. Tais
elementos podem ser agrupados em torno de alguns temas: (i) os rituais de passagem aparecem como uma importante categoria de análise, permitindo sinalizar que
a presença ou não de eventos de preparação têm consequências para a incorporação das crianças em um novo ambiente institucional; (ii) as culturas escolares das
duas etapas educacionais compreenderam diferentes organizações dos tempos e espaços escolares e diferentes posicionamentos dos sujeitos no interior das
instituições escolares;  (iii) as formas de interações entre os sujeitos no contexto das diferentes turmas constituíram-se como essenciais na compreensão das
diœculdades escolares vivenciadas por algumas crianças; (iv) as políticas públicas de educação e os impactos que têm nos sujeitos, dando os contornos daquilo que é
esperado das crianças e das instituições educativas nas duas etapas educacionais, igualmente compõem o contexto mais amplo em que as experiências de passagem
entre a Educação Infantil e o Ensino Fundamental se constituem.

Pesquisa realizada em Belo Horizonte (NEVES, 2010) reaœrma que a falta de diálogo presente na organização do sistema educacional brasileiro em relação às duas
primeiras etapas da educação básica reŒetiu-se no processo de desencontros vivenciados pelas crianças pesquisadas na passagem da Educação Infantil para o Ensino
Fundamental. Nesse sentido, a investigação, ao ter como foco o registro da experiência infantil na transição entre os dois segmentos, evidenciou a necessidade de
uma maior integração entre o brincar e o letramento nas práticas pedagógicas da Educação Infantil e do Ensino Fundamental, ambas dimensões fundamentais da
infância contemporânea. É desaœador enfrentar uma discussão que integre o lúdico, a leitura e a escrita na formação inicial e continuada das/os professoras/es de
crianças de zero a dez anos de idade.

Argumentamos que a importância da consolidação da identidade da Educação Infantil (com base nas especiœcidades da faixa etária das crianças, a construção de
práticas pedagógicas que integrem o educar e o cuidar, centradas nas interações e nas brincadeiras, e que considerem a relação com as famílias) necessita dialogar
com a continuidade do processo de escolarização da infância. Tal argumento se assenta na consideração de que o foco principal das práticas educativas, tanto na
Educação Infantil quanto nos anos iniciais do Ensino Fundamental, é o sujeito e sua relação com a cultura. Tal foco possibilitaria a construção de uma continuidade
educativa no processo de escolarização das crianças.

Referências citadas e complementares

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início do ensino fundamental aos seis anos de idade. 2005.

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diretrizes e bases da educação nacional, dispondo sobre a duração de 9 (nove) anos para o ensino fundamental, com matrícula obrigatória a partir dos 6 (seis) anos
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BRASIL. Lei n° 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da educação nacional. Presidência da República, Casa Civil, Sub-Cheœa para
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BRASIL. Ministério da Educação. Resolução CNE/CEB n° 02/98, de 07 de abril de 1998. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental. Diário
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