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Transtornosalimentaresaspectospsicologicos PDF
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Transtornos Alimentares
e seus Aspectos Psicológicos
Alicia Weisz Cobelo, Ana Paula Gonzaga e Manoela Nicoletti
Introdução
Os transtornos alimentares constituem patologias graves lutos que se impõem ao jovem no que diz respeito à per-
e complexas, quer pela própria configuração do quadro da do corpo infantil, à perda dos pais da infância, à perda
clínico e suas conseqüências, quer pela incidência preva- da identidade infantil e à perda de um funcionamento
lente na adolescência, que pode comprometer o desen- da sexualidade próprio da infância. A maneira como cada
volvimento biopsicosocial do indivíduo. adolescente experimentará esses lutos irá configurar
saídas próprias a essa crise evolutiva e será expressivo na
A adolescência compreende um dos momentos mais im- construção de sua identidade.
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em relação àquela criança que não terão um desenlace mais ou menos
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Mas não é só isso, o crescimento, presente no comportamento de
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a mudança de status, o novo papel pacientes com transtornos alimen-
que ocupará na sociedade e na tares, que é a busca por um corpo
família despertam ansiedades que perfeito. E, podemos mais uma
também se farão presentes nos con- vez, compreender essa obsessão
flitos apresentados por esses pacien- como uma defesa aos lutos, pois as
tes. Toda a construção da identidade perdas sofridas promovem feridas
se faz presente como pano de fundo narcísicas importantes – “não sou
nos transtornos alimentares. mais a princesinha da casa”, “não
Como o adolescente promove sua param mais para me ouvir como
identidade? antes”, “não me olham como
antes” - ou seja, não se é mais o
Sabemos que nesse período o outro foco do olhar do outro. Esse olhar
é a referência mais significativa. agora recai sobre o corpo, que
Construir uma identidade, como o como apontamos, gera constrangi-
próprio conceito sugere, implica, mentos e aflições, e que encontra
em um primeiro momento, identi- na sintomatologia alimentar a
ficar-se com, para posteriormente transposição defensiva para o ideal
consolidar o que lhe é próprio. Aí estético que encobre o ideal narcí-
vislumbramos a importância que os sico ferido.
modelos de referência têm na vida
dos jovens. Infelizmente temos aqui a contri-
buição da sociedade enaltecendo
Voltemos às meninas, já que como o corpo descarnado das modelos
enfatizamos anteriormente, elas e atrizes, criando uma cultura
predominam nessas patologias. do corpo magro, em detrimento
Um dos aspectos emocionais mais do corpo saudável. O glamour
importantes, também discutido por do mundo fantástico da TV e da
Gonzaga e Weinberg (op. cit.), é moda parece determinar um papel
que “o temor dessas novas relações importante como possibilidade de
faz com que essa menina, já cres- restituição ao narcisismo dessas
cida, se aproxime da mãe de uma pacientes. O ideal faz sempre
forma ambivalente. Em um pedido parte do discurso: ser magra não
de socorro, busca aquela mãe nutriz é suficiente, o que está em jogo
e protetora dos momentos precoces é um corpo imaginário perfeito.
de sua infância”, revivendo com ela E o que observamos é que tudo
um vínculo próprio a etapas preco- na vida dessas meninas e mulhe-
ces do desenvolvimento. res sempre está atravessado pelo
perfeito, pelo ideal; diante de um
E nesse momento esse vínculo é olhar que flagra uma imperfeição
perigoso, justamente por precisar di- - “você está gordinha!” - vale tudo
ferenciar-se e separar-se de sua mãe. para alcançar o objetivo de um
Ela quer e não quer identificar-se corpo supostamente perfeito.
com esse modelo. Surgem aqui con-
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Funcionamento mental da anoréxica
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e da bulímica
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de abandono, desamparo, incapa- progenitores em busca do pró-
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cidade de enfrentar as exigências prio caminho, ou quando devem
da própria vida e de modelar o abandonar uma postura de vida
próprio destino. Como aponta até então confortável. Contudo, no
Ramalho (2001), a angústia do caso destas patologias, a sensação
abandono é central nestes casos, de vazio e solidão assume um ca-
nos quais a perda do objeto remete ráter devastador. Lawrence (2003,
a um estado de desamparo e, por- p. 175) coloca que “é como se o
tanto, a separação é vivida como sentimento sobre a possibilidade
um abandono. de relação com o objeto tenha se
perdido”, ou seja, o risco da perda
Se voltarmos à questão da constru- do objeto tende a ser sentido como
ção da identidade na adolescência a perda de si mesmo, o que impli-
como pano de fundo para a pro- ca na própria dissolução. Nesse
blemática dos transtornos alimen- sentido, a busca de sensações como
tares, essa angústia começa a fazer estar cheio ou vazio pode substi-
sentido. O processo de construção tuir os sentimentos intoleráveis de
da identidade e de crescimen- perda e funcionarem como último
to presume algumas perdas em recurso para fugir da dependên-
direção a uma maior autonomia cia e aniquilamento do objeto. O
do objeto. Todos os indivíduos comportamento alimentar é usado
sentem-se desamparados quando se como um recurso para dominar
faz necessário o desligamento dos esta relação com o objeto.
Diante deste panorama Scazufca quando uma mãe condiciona a funções corporais levaria as pacientes
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(2002) resume a anorexia como alimentação de seu filho exclusi- com transtornos alimentares a um
uma forma de defesa contra tudo vamente como um agrado a ela, sentimento de perplexidade frente às
que é humano como sofrer, sentir o filho muito provavelmente não demandas do desenvolvimento. Estas
dor, perder, amar e odiar, sendo o aprenderá que se alimentar é pacientes pareceriam não poder re-
corpo vazio, oco, purificado de seus importante para o seu crescimen- conhecer nem sua sensação de fome,
pecados. Por outro lado, a bulími- to, sua saúde etc. Assim, se o filho nem seus sentimentos, sentindo-se
ca carrega a marca do pecado e a estiver bravo ou triste com ela, ele incompletas para poderem se fazer
vergonha por tê-lo cometido diante não comerá. Ao contrário, quando autônomas e independentes dos pais.
de sua impulsividade. quiser agradá-la fará todas as refei-
ções. É sob esse ponto de vista que Nos estudos sobre a dinâmica fami-
Assim, há um grande prejuízo a maior parte dos investigadores no liar Minuchin e col. (1978) observam
nas relações interpessoais dessas campo dos transtornos alimenta- que o transtorno alimentar reflete
pacientes que por esses temores, res concorda que a psicodinâmica a disfunção do sistema familiar, ou
pelos ideais, pela fragilidade da familiar é um elemento central na seja, seria um sintoma de seu funcio-
auto-estima se vêem tão pouco à determinação, desenvolvimento e/ namento problemático, destacando
vontade com seus desejos. ou manutenção destes transtornos. que a anorexia nervosa desempenha
um papel central no mecanismo de
As famílias No que diz respeito aos fatores evitar problemas e na tentativa de
etiológicos, alguns autores enfati- manter o equilíbrio familiar, descre-
Os pais têm papel fundamental zam principalmente os distúrbios vendo essas famílias configuradas por
no desenvolvimento dos hábitos primários na relação mãe-filha. algumas características como perfec-
alimentares de seus filhos: o tipo de Esses distúrbios ocorreriam em fases cionismo, superproteção, aglutinação
comida que oferecem, os mode- muito precoces do desenvolvimen- e preocupação com o peso e com
los de alimentação que mostram to, quando a filha ainda é um bebê dieta. Especialmente nas famílias das
e os conceitos alimentares que e gerariam perturbações na elabora- pacientes bulímicas evidencia-se uma
transmitem resultam no que a ção de fases primitivas do desenvol- excessiva preocupação pela gordura
criança aprende sobre o comer e vimento psíquico da criança. e dieta. Alguém na família faz regime
a alimentação. Nesse sentido, não e há um temor de engordar presente
constitui surpresa que as condutas Bruch (1978) afirma que a mãe predominantemente no casal de pais,
familiares possam, muitas vezes, vir a da paciente com anorexia nervosa o que poderia funcionar como um
ser condutas de risco para o desen- é uma pessoa que não consegue fator de identificação para a filha.
volvimento de transtornos alimen- perceber intuitivamente as neces- (Cobelo, 1998)
tares. Como pode ser o caso de pais sidades do bebê, pois reage a elas
obesos, pais superprotetores, ou pais segundo seu próprio desejo, dificul- Além dessas características, existem
e/ou outros familiares com transtor- tando qualquer expressão individual outras que parecem ser mais especí-
nos alimentares como anorexia ou da criança. Ademais, sua resposta ficas das famílias das pacientes bulí-
bulimia nervosa (Cobelo, 2004). é oferecer comida a qualquer tipo micas. A primeira delas é uma maior
de pedido, o que dificultaria para o freqüência de dinâmicas do tipo
É fundamental frisar, ainda, que bebê o processo de diferenciação de caótico, ou seja, com poucas regras
embora a forma como a família suas necessidades. de funcionamento estabelecidas, em
organiza sua dieta - qual tipo, quan- que cada membro tem seu próprio
tidade e qualidade dos alimentos A ausência de respostas da mãe, que ritmo e horário, e com muitas difi-
- constitua, certamente, um fator sejam apropriadas e ocorram de culdades de planificação. Também é
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de risco para o desenvolvimento de forma regular e consistente, prejudi- freqüente encontrar problemas de
transtornos alimentares, a relação caria o desenvolvimento da identi- comunicação, dificuldades para mos-
que ela estabelece com a alimen- dade corporal do bebê. A falta de trar afetos, impor limites e normas.
tação tem um papel central nesses uma conscientização adequada das Outra característica, que tem sido
distúrbios. Assim, por exemplo, percepções e concepções acerca de observada em muitos casos, são pais
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com antecedentes psicopatológicos
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(algum distúrbio ou transtorno
psiquiátrico) ou de alcoolismo.
Conclusão
e suas relações, podemos conside- E. Z. Anorexia e bulimia - o que são? Como Porto Alegre. 2001, junho, nº20, 37-56;
ajudar? Porto Alegre: Artes Médicas, 1998;
rar que o tratamento padrão deve Scazufca, A. C. M., Berlinck, M. T. Sobre o
ser multidisciplinar, pois só desta Corso, M., Corso, D. L. Game over – o ado- tratamento psicoterapêutico da anorexia e
lescente enquanto unheimlich para os pais. da bulimia. Psicologia Clínica Pós-Gradua-
forma é possível abarcar a comple- In: Adolescência. Entre o passado e o futuro. ção e Pesquisa (PUC-RJ), Rio de Janeiro, v.
xidade da patologia. NP Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1997; 14, n. 1, p. 115-129, 2002.
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