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Brasília – DF
2018
MINISTÉRIO DA SAÚDE
Secretaria de Atenção à Saúde
Departamento de Ações Programáticas Estratégicas
1ª edição - 1ª reimpressão
Brasília – DF
2018
2018 Ministério da Saúde.
Esta obra é disponibilizada nos termos da Licença Creative Commons – Atribuição – Não Comercial –
Compartilhamento pela mesma licença 4.0 Internacional. É permitida a reprodução parcial ou total desta obra,
desde que citada a fonte.
A coleção institucional do Ministério da Saúde pode ser acessada, na íntegra, na Biblioteca Virtual em Saúde
do Ministério da Saúde: <www.saude.gov.br/bvs>.
Projeto editorial:
Carolina Pasquali – Instituto Alana
Erika Pisaneschi – Instituto Alana
Laura Leal – Instituto Alana
Luiza Esteves – Instituto Alana
Raquel Franzim – Instituto Alana
Ficha Catalográfica
_____________________________________________________________________________________________
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas.
Guia para orientar ações intersetoriais na primeira infância / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde,
Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. – Brasília : Ministério da Saúde, 2018.
44 p. : il.
ISBN 978-85-334-2568-2
CAPÍTULO 1
A primeira infância7
O que é primeira infância? 8
Criança: sujeito de direitos 9
Saúde: atenção integral e intersetorial 11
Educação: cuidar agora, colher no futuro 13
Cultura: valorização da diversidade e das múltiplas linguagens 14
Assistência social: proteção e prevenção de violações de direitos 16
CAPÍTULO 2
O que é importante para o desenvolvimento na primeira infância17
Vínculo: a criança precisa perceber que é amada 18
Ambiente seguro, protegido e afetuoso 21
Nutrição: aleitamento materno e alimentação adequada 26
CAPÍTULO 3
Unindo forças pela primeira infância27
Intersetorialidade: associa competências e multiplica resultados 28
Caderneta da Criança: passaporte para a cidadania 33
CAPÍTULO 4
Famílias fortalecidas para a promoção do desenvolvimento infantil37
Orientações aos pais e cuidadores de crianças de primeira infância 39
Referências 41
Bibliografia 42
Apresentação
As experiências vividas pela criança duran- Este documento também se propõe a orien-
te a primeira infância, período que vai da tar os profissionais a se articularem em rede
gestação aos 6 anos de idade, têm impac- no território, unindo pessoas, ações e ser-
to significativo na formação do adulto que viços para garantir uma atenção integral e
ela será no futuro. São nos primeiros anos qualificada aos adultos de amanhã.
de vida que ocorrem o amadurecimento do
cérebro, a aquisição dos movimentos, o de- Este Guia surge no contexto do Programa
senvolvimento da capacidade de aprendi- Criança Feliz, de caráter intersetorial, criado
zado, além da iniciação social e afetiva. Es- pelo Decreto nº 8.869, de 5 de outubro de
tudos mostram que quanto melhores forem 2016, com o objetivo de promover o desen-
as experiências da criança durante a pri- volvimento integral das crianças na primeira
meira infância e quanto mais estímulos qua- infância, considerando suas famílias e seu
lificados ela receber, maiores são as chan- contexto de vida. Entre as atividades do pro-
ces de ela desenvolver todo o seu potencial. grama constam visitas domiciliares periódi-
Por isso, nada mais importante do que cui- cas, realizadas por profissional capacitado,
dar hoje para garantir um futuro mais pro- e ações complementares de apoio a gestan-
missor a ela. E os cuidados passam, neces- tes e famílias para o desenvolvimento das
sariamente, pelas políticas específicas e in- crianças. O programa fortalece, ainda, a tra-
tersetoriais, que são responsáveis por ga- jetória brasileira de enfrentamento da pobre-
rantir ações de promoção a um desenvolvi- za com redução de vulnerabilidades e de-
mento infantil adequado em todos os seus sigualdades e potencializa a integração do
aspectos. acesso à renda com inclusão em serviços e
programas.
Nesse contexto, o Ministério da Saúde (MS),
em parceria com o Ministério do Desenvol- Esperamos que o conteúdo deste Guia con-
vimento Social (MDS), Ministério da Educa- tribua para que cada vez mais crianças pos-
ção (MEC) e Ministério da Cultura (MinC), sam desfrutar de uma infância plena, com
apresenta o Guia para Atenção Intersetorial o livre direito de brincar e se desenvolver,
na Primeira Infância, destinado aos profis- plantando, hoje, a semente de um futuro me-
sionais das diversas áreas que compõem lhor e mais digno para todo o Brasil.
os serviços disponíveis para a comunida-
de no território, com o objetivo de mostrar
como o contato direto com a população no
seu dia a dia pode ser aproveitado para tra-
balhar o desenvolvimento de crianças e o
empoderamento das famílias, principalmen-
te nos casos em que há vulnerabilidade.
5
CAPÍTULO 1
A primeira infância
O que é primeira infância?
É o período que vai desde a gestação até os Por que investir na primeira infância?
6 anos de idade. Pesquisas têm demonstra- Nos últimos anos, governos e sociedade en-
do que esta fase é extremamente sensível tenderam que priorizar a infância é uma es-
para o desenvolvimento do ser humano, pois tratégia inteligente que permite maiores ga-
é um período importante para construção de nhos sociais e econômicos. O investimento na
competências emocionais e socioafetivas e primeira infância mostra potência para reduzir
o desenvolvimento de áreas fundamentais do iniquidades, enfrentar a pobreza e construir
cérebro relacionadas à personalidade, ao uma sociedade com condições sociais e am-
caráter e à capacidade de aprendizado. bientais sustentáveis. Diversos estudos vêm
demonstrando que quanto mais se investir em
A importância da primeira infância saúde, educação e na construção de ambien-
A ciência tem comprovado que a primeira in- tes seguros e livres de violência para as crian-
fância é uma janela de oportunidades para ças, menos será necessário gastar no futuro
que o indivíduo desenvolva o seu potencial, para frear os efeitos que a falta desses recur-
pois é nos primeiros anos de vida que a ar- sos traz.
quitetura do cérebro começa a se formar.
Esse processo continua ao longo do tempo,
moldado pelas experiências positivas ou ne-
gativas vividas e compartilhadas, principal-
mente, com seus pais, parentes e cuidadores
em geral. Por isso, a proteção é essencial:
problemas graves logo no início da vida, como
violência familiar, negligência e desnutrição,
podem interferir no desenvolvimento saudá-
vel do cérebro. Por outro lado, vínculos fortes
e o estímulo adequado geram benefícios que
vão desde o aumento da aptidão intelectual
– que favorece o acompanhamento escolar
e diminui os índices de repetência e evasão
– até a formação de adultos preparados para
aprender a lidar com os desafios do cotidiano.
8
Criança: sujeito de direitos
9
Estatuto da Criança e do Adolescente Marco Legal da Primeira infância
A prioridade conferida pela Constituição Em 8 de março de 2016, foi publicado o
Federal é consagrada ainda pelo Estatuto Marco Legal da Primeira Infância, que es-
da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº tabelece, na Lei nº 13.257, princípios e dire-
8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe trizes para a formulação e a implementação
sobre a proteção integral à criança, além de de políticas públicas para a primeira infân-
assegurar-lhe todas as oportunidades que cia em atenção à especificidade e à rele-
facilitem seu desenvolvimento físico, mental, vância dos primeiros anos de vida no de-
espiritual e social em condições de liberda- senvolvimento infantil e no desenvolvimento
de e oportunidade, respeitando sua condi- do ser humano, considerando como ques-
ção peculiar de sujeito em desenvolvimento. tões prioritárias a saúde, a alimentação, a
educação, a convivência familiar e comuni-
O ECA determina que a criança e o adoles- tária, a assistência social, a cultura, o lazer,
cente tenham direito à liberdade, ao respei- o espaço e o meio ambiente.
to e à dignidade, por serem sujeitos de di-
reitos civis, humanos e sociais. O direito à Prioridade Absoluta
liberdade compreende, além do direito de Para dar visibilidade e contribuir para a efi-
ir e vir, a liberdade de opinião, expressão, cácia do artigo 227 da Constituição Federal,
culto religioso, liberdade de brincar, praticar foi criado, em 2013, pelo Instituto Alana, o
esportes e divertir-se, participar da vida em projeto Prioridade Absoluta, que coloca as
família, em sociedade e na vida política, as- crianças em primeiro lugar nos planos e pre-
sim como buscar refúgio, auxílio e proteção. ocupações da Nação, por meio de ações
Já o direito ao respeito é descrito no artigo que dão destaque às necessidades da pri-
17 do ECA como a “inviolabilidade da inte- meira infância. O projeto tem a missão de in-
gridade física, psíquica e moral da criança formar, sensibilizar e mobilizar pessoas para
e do adolescente, abrangendo a preserva- que sejam defensoras e promotoras dos di-
ção da imagem, da identidade, da autono- reitos das crianças nas suas comunidades.
mia, dos valores, das ideias e crenças, dos
espaços e objetos pessoais”. Reafirma o ar-
tigo 18 do ECA que é dever de todos zelar
pela suprema dignidade de crianças e ado-
lescentes, colocando-os a salvo de qual-
quer forma de tratamento desumano, aterro-
rizante, constrangedor, bem como qualquer
espécie de violência, seja física, psicológica
ou moral.
10
Saúde: atenção integral e intersetorial
1) atenção 2) aleitamento
humanizada e materno e
qualificada à alimentação
gestação, ao parto, complementar
ao nascimento e ao saudável
recém-nascido
ção Integra
7) vigilância e prevenção ten là
do óbito infantil, fetal e eA
ld
3) promoção e acom-
Sa
materno
ítica Naciona
úde
deficiência ou em
situações específicas
e de vulnerabilidade
11
Os sete eixos estratégicos da Pnaisc:
12
Educação: cuidar agora, colher no futuro
A criança que vive experiências positivas na crianças tenham direito a um ambiente acon-
primeira infância, ou seja, que tem acesso à chegante, seguro e estimulante. As equipes
saúde e à educação de qualidade, que cresce devem procurar desenvolver relações de tra-
em um ambiente seguro e recebe afeto e aten- balho cordiais e afetivas. É importante, ain-
ção, sofre menos estresse e tem melhores con- da, tornar o espaço acolhedor para receber e
dições de aprendizado. Nesse sentido, a edu- conversar com as famílias.
cação infantil, primeira etapa da educação bá-
sica, tem como finalidade o desenvolvimento O Marco Legal da Primeira Infância define
integral da criança de zero a 5 anos de idade que a expansão da educação infantil seja feita
em seus aspectos físico, afetivo, intelectual, lin- de maneira a assegurar a qualidade da ofer-
guístico e social, complementando a ação da ta, com instalações e equipamentos que obe-
família e da comunidade. É oferecida em cre- deçam a padrões de infraestrutura estabele-
ches, onde são atendidas crianças de zero a cidos pelo Ministério da Educação, com pro-
3 anos, e pré--escolas, para crianças de 4 a 5 fissionais qualificados conforme dispõe a Lei
anos. Esses locais se caracterizam como es- nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de
paços institucionais não domésticos que cons- Diretrizes e Bases da Educação Nacional) e
tituem estabelecimentos educacionais públicos com currículo e materiais adequados à pro-
ou privados. Com uma vida escolar plena de posta pedagógica.
oportunidades e relações sociais fortalecidas,
as crianças têm mais sucesso na alfabetização
e desenvolvem habilidades que as ajudarão a
enfrentar os desafios do futuro.
Atendimento em creches
Os educadores das creches devem assumir o
compromisso com o atendimento de qualida-
de, voltado para as necessidades fundamen-
tais da criança, assegurando-lhe seu bem-es-
tar e seu desenvolvimento saudável. Há cre-
ches nas quais as crianças ficam em tempo “As crianças, quando
integral, retornando para suas casas diaria-
mente. Como ali permanecem por longas ho-
bem-cuidadas, são
ras, a qualidade da educação e o cuidado de- uma semente de
vem respeitar a dignidade e os direitos bási- paz e esperança.”
cos das crianças, desempenhando um papel
vital no seu desenvolvimento psicológico, físi-
co, social e cultural. Dessa forma, os critérios Zilda Arns Neumann,
para unidade das creches assegura que as Última Conferência, Haiti, 2010.
13
Cultura: valorização da diversidade e das múltiplas linguagens
14
O adulto e a criança fazer parte da educação das crianças e da
O adulto, ao se deparar com a singeleza da convivência familiar, escolar e comunitária. O
infância, pode fazer despertar em si um novo lúdico e a arte, quando presentes nas relações
modo de viver no mundo. Para tanto, será pre- e nos vínculos, são promotores de saúde, de
ciso se voltar à curiosidade e ao interesse de liberdade, de igualdade social e de ética, fa-
conhecimento da criança em relação a si mes- vorecendo o desenvolvimento integral da crian-
mo, às pessoas de sua convivência, ao mundo ça e sua inserção sociocultural com fluidez e
físico e social, ao tempo, à natureza, às tecno- profundidade. É assim que se produz cidada-
logias, à sociodiversidade e biodiversidade e nia e compromisso social desde a infância.
à sustentabilidade da vida na Terra. Caso ob-
serve bem os movimentos infantis, identificará
uma cultura própria da infância que merece ser
rememorada e incentivada em si e com a crian-
ça que ensina.
15
Assistência social: proteção e prevenção de violações de direitos
As ações da Assistência Social voltadas para cer suas potencialidades por meio de estra-
crianças de zero a 6 anos consideram todo o tégias que promovam o seu protagonismo
contexto familiar e comunitário em que estão e empoderamento.
inseridas. Nesse sentido, pautam-se na garan-
tia dos direitos sociais das crianças e dos de- Para prevenir a fragilização dos vínculos e
mais membros que integram as famílias, reco- protegê-los, o Sistema Único de Assistência
nhecendo a condição peculiar de dependência Social (Suas), previsto na Lei nº 8.742, de 7
da criança e as singularidades, inclusive quan- de dezembro de 1993, oferece à população
to aos aspectos que possam interferir nas di- uma série de serviços e benefícios, além do
nâmicas familiares nas demandas de cuidado. Programa Bolsa Família. Além disso, no Mi-
nistério do Desenvolvimento Social, foi cria-
A chegada de um novo membro demanda uma do o Programa Criança Feliz, que traz, entre
série de adaptações, o que inclui habilidades outras propostas, a visita domiciliar regular
para a convivência, a redistribuição de tarefas de uma equipe qualificada às gestantes e
e de funções domésticas, reajustes financei- famílias com crianças de até 6 anos, a fim
ros, a reorganização de espaços na residên- de promover o fortalecimento do seu papel
cia, além do conhecimento e do reconheci- de proteção e de cuidado para o desenvol-
mento entre o bebê e as pessoas que já com- vimento integral das crianças nessa faixa
punham a família. etária,de forma integrada aos serviços da
Assistência Social.
Em algumas situações, a chegada de um bebê
não planejado ou a frustração de expectati- Nos serviços da rede socioassistencial, as
vas, somadas à necessidade de promover ações realizadas com as crianças e suas fa-
mudanças nas dinâmicas familiares, podem mílias propõem reflexão sobre as questões
desencadear ou acentuar fragilidades nos vín- vivenciadas em seu dia a dia e estratégias
culos. A Contextos de vulnerabilidade social para potencializar os seus ativos. As ativida-
e territorial, aliados à fragilidade dos laços fa- des lúdicas, como a realização de brincadei-
miliares e comunitários podem contribuir para ras entre as crianças e os adultos, são algu-
tornar mais complexas as adaptações deman- mas dessas estratégias e auxiliam na aquisi-
dadas pela chegada de um novo membro. ção de repertórios de comunicação mais
efetivos, no desenvolvimento de relações de
O papel da política pública de Assistência afetividade construtivas, na valorização da
Social é intervir no contexto de vulnerabili- cultura local e dos conhecimentos tradicio-
dades em que essas famílias estão inseri- nais da comunidade, na socialização, no sen-
das, desenvolver ações que previnam a fra- timento de pertencimento, na construção de
gilização de vínculos e minimizem os riscos projetos de vida, na participação social,
aos quais possam estar expostas e fortale- entre outras.
16
CAPÍTULO 2
O que é importante
para o desenvolvimento
na primeira infância
O desenvolvimento saudável na primeira
infância depende basicamente de três pilares:
• vínculos afetivos estáveis;
• ambiente seguro e protegido;
• nutrição adequada.
18
Formação do vínculo no cuidado diário Sentimento que rende frutos
Quando a mãe e o pai (ou outro cuidador) O bebê é um ser totalmente dependente.
compreendem, interpretam e respondem Ele chega a um universo novo e diferente e
com carinho e sensibilidade às manifesta- experimenta sensações pouco agradáveis
ções do bebê (de fome, frio, calor, prazer, se comparadas às do ambiente quentinho
desamparo...), um vínculo forte vai se for- do ventre materno. Por isso, o relaciona-
mando. A criança percebe que existe uma mento estabelecido com quem cuida dele
base segura na qual pode confiar e se sente é fundamental para ajudá-lo a suportar e
confortável, aceita e protegida. Esse con- entender as mudanças no novo mundo em
junto de sensações, sentimentos e atitudes que sua personalidade vai se desenvolver.
fundamentais para o bebê vai além dos cui- O vínculo forte com seus pais e cuidadores
dados com sua sobrevivência física e in- tem a capacidade de ajudar na prevenção
fluenciará em todo o seu futuro. É um elo de problemas de comportamento na idade
invisível que se estabelece aos poucos, com pré-escolar e de favorecer a aprendizagem
pequenos gestos de afeto no dia a dia. da criança na idade escolar. A proteção do
corpo dos pais ou cuidadores, bem como
o calor, os gestos de delicadeza, a empatia
e a proteção, deixam o bebê seguro e con-
fortável emocionalmente para fazer novos
contatos com esse universo desconhecido.
19
A linguagem lúdica que a criança se constitui como sujeito. Nos
Brincar está entre as melhores ferramentas primórdios de sua existência, o eu, num pro-
para o alcance de uma educação integral. cesso criador de interpretação do mundo,
A atividade lúdica libera a criança das limi- criou um território interno para sua realidade
tações do mundo real, permitindo que ela psíquica. Interpretar o mundo é “inventar” e
crie situações imaginárias, possibilitando dar-lhe sentido. O lúdico é o primeiro movi-
explorar, reviver e elaborar cenários que mui- mento da criança em direção ao seu poten-
tas vezes são difíceis de entender. O ato de cial criador. A brincadeira é, para ela, um
brincar oferece às crianças oportunidades dos principais meios de expressão que pos-
para desenvolver suas competências e ha- sibilita a investigação e a aprendizagem so-
bilidades intelectuais, emocionais, sociais e bre as pessoas e o mundo. Valorizar o brin-
cognitivas de forma prazerosa e automoti- car significa oferecer locais e brinquedos
vadora. Desse modo, tornam-se mais resis- que favoreçam a brincadeira como atividade
tentes ao estresse e menos propensas a que ocupa o maior espaço de tempo
comportamentos violentos e antissociais. na infância.
Respeitar o direito de brincar é contribuir
para a construção de uma cultura de paz,
com base na harmonia e no prazer
da convivência.
A importância do brincar
Crianças brincam! Brincam sozinhas, acom-
panhadas, animam objetos, imitam sons, são
heroínas, choram e riem em suas brincadei-
ras. E porque estão brincando, podem amar
e odiar livremente, protegidas pelo círculo
mágico do jogo ou do ambiente lúdico. Cos-
tumamos ouvir que as crianças brincam na
infância, mas seria mais preciso dizer que
as crianças têm a infância para brincar. Ofe-
reça à criança um pedaço de pau ou papel
e logo haverá um maravilhoso mundo imagi-
nativo pronto para tomar forma. O lúdico é
fator constituinte da vida. É por meio dele
20
Ambiente seguro, protegido e afetuoso
Quando um bebê vem ao mundo, o que ele sensação espacial do bebê, e, por essa ra-
mais precisa é encontrar um ambiente hos- zão, o cuidado materno de segurar e aco-
pitaleiro. Segundo o pediatra e psicanalista lhê-lo em seus braços é essencial para dar
D. W. Winnicott (1996), a ideia de sustenta- a ele conforto e segurança.
bilidade envolve o modo como o bebê é se-
gurado e sustentado, de maneira confiável Em sua extrema dependência, é fundamen-
e acolhedora, por quem o recebe e dele cui- tal que o recém-nascido consiga demonstrar
da desde os primeiros minutos da vida. Es- seu bem-estar, bem como seus incômodos,
sas serão as primeiras marcas, os primeiros para ser atendido em suas necessidades.
registros de uma vida psíquica que ora se Nesse cenário, o choro tem um papel impor-
inicia. O ato do nascimento é importante tante enquanto forma de sinalização a ser
para o bebê porque é nesse momento em captada pelo outro. Mas outros sinais podem
que ocorre uma mudança radical da pas- surgir, como alterações do comer e
sagem de um ambiente para outro. Até en- do dormir.
tão, ele se desenvolvia e habitava o útero
materno, envolto na placenta, banhado pelo A adaptação do bebê está longe de ser tri-
líquido amniótico, respirando e se nutrindo vial e de caráter apenas fisiológico. É fun-
através do cordão umbilical que o ligava, damental incluir a dimensão relacional em
inexoravelmente, à sua mãe. seu desenvolvimento. Winnicott conceituou
esse ambiente como “ambiente facilitador”.
A partir do seu nascimento, é necessário A importância do contexto que envolve a
que se adapte à nova realidade. Existem experiência do nascimento de uma criança
duas situações inéditas com as quais o re- vai além da atenção e do cuidado que se-
cém-nascido precisa lidar logo que chega rão oferecidos pelos seus pais e familiares,
ao mundo: o contato com a ação da gravi- sendo relevante também que a equipe de
dade, que não existia na vida intrauterina, e profissionais envolvida seja consciente e
o início da respiração. Após o nascimento, sensível aos cuidados oferecidos, que de-
a configuração ambiental é totalmente mo- vem ir além da competência técnica, igual-
dificada. Essa mudança pode interferir na mente necessária.
21
Educação Positiva e métodos novas roupagens, mas têm sempre como
não violentos de educação pano de fundo a humilhação, seja quando
Educar é muito mais do que ensinar a obe- o pai grita com o filho ou quando o profes-
decer e dizer o que é certo ou errado. É sor dá castigo perante os demais alunos.
transmitir valores fundamentais que acom- Muitas pessoas manifestam apoio a pal-
panharão a criança por toda sua vida. É es- madas e outras formas de violência contra
timular um comportamento ético, empático, a criança, fazendo menção à própria ex-
solidário e reflexivo. É reconhecer e valorizar periência violenta de infância, dizendo que,
as boas condutas e, principalmente, é dar o mesmo tendo apanhado e até sido vítimas
exemplo. É importante pensar sobre o que de outras formas de abusos, não se torna-
queremos ensinar às nossas crianças em ram pessoas más. Vem daí a frase: “Apa-
longo prazo. Caso pretendamos ensiná-las nhei e sobrevivi”. Mas sobreviver não é o
a serem pacíficas, precisamos nos mostrar bastante. É preciso quebrar este ciclo e
seres pacíficos. Se quisermos ensiná-las educar nossas crianças, desde a primeira
como permanecerem em segurança, deve- infância, com respeito e afeto para que
mos explicar como devem agir. elas reconheçam sua própria dignidade e
tenham um futuro sereno, tanto em relação
à saúde mental como à inteligência emo-
cional e social (SENA; MORTENSEN, 2014).
“A paz não pode ser
mantida à força. Palmadas não educam
Os castigos físicos e as humilhações pro-
Somente pode ser atingida porcionam resultados distintos nas crian-
pelo entendimento.” ças, uma vez que têm relação direta com as
experiências vivenciadas por cada uma de-
Albert Einstein, físico. las em sua configuração familiar. Mas não
há dúvidas: transmitem sempre a mensa-
gem implícita de que a violência é uma ma-
neira possível e aceitável de resolver confli-
É preciso quebrar o ciclo tos e diferenças. Cedo ou tarde, esse apren-
Ao longo dos anos, aceitou-se a crença de dizado será replicado por ela em suas re-
que bater, impor castigos, lançar olhares lações cotidianas, como com o irmão mais
ameaçadores seriam formas adequadas de novo ou o colega da escola. Outra conse-
educar. Entretanto, tais atitudes são formas quência comum é a criança desenvolver um
sutis e veladas de violência, cuja gravidade perfil retraído, tímido e introvertido, apresen-
muitas vezes escapa ao juízo da sociedade tando baixa autoestima, medo e submissão
e expõe a desigualdade na relação entre e tornando-se insegura e passiva. Quando
adultos e crianças. Elas podem ganhar apanha, ela aprende que é batendo que
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comunicamos coisas importantes. E pior, físicas. Nosso bem-estar, como seres huma-
assimila a ideia de que deve ter medo de nos, está intimamente ligado à capacidade
seus pais ou educadores, ao invés de con- que nossos cuidadores têm de supri-las, se-
fiar neles para ajudá-la e ensiná-la. Palma- jam fisiológicas, de segurança, amorosas,
das só provocam dor, humilhação e confu- afetivas ou de autoestima e autorrealização
são mental. (HAGERTY, 1999). Assim, é fácil entender
porque pais, educadores, gestores de saú-
Quando a criança deixa de fazer algo por- de e de políticas públicas sociais devem se
que apanha, ela não aprende nada; ape- preparar para atender adequadamente às
nas se sente ameaçada, assustada e com necessidades fundamentais das crianças
medo. Por outro lado, quando deixa de fazer sob seus cuidados.
algo indevido porque alguém se dedicou,
amorosamente e respeitosamente, a expli- Mas o que fazer quando os conflitos se tor-
car a ela as consequências de seus atos e nam constantes? Como formar e educar
escolhas, ela aprende a ter limites e está, de as crianças sem recorrer ao castigo físico?
fato, sendo preparada para a vida. A resposta está em utilizar estratégias de
educação positiva que, ao invés de casti-
O pediatra espanhol Carlos Gonzalez gos, palmadas e humilhações, estimulam o
(2005) afirma que crianças tratadas com desenvolvimento físico, emocional e social
carinho e respeito são carinhosas e respei- da criança de forma saudável e participa-
tadoras. Não durante todo o tempo, é claro, tiva. É essencial conhecer cada uma das
mas durante a maior parte dele. Essa é a fases do desenvolvimento infantil, compre-
tendência natural, pois, para o ser humano, ender o que se pode esperar da criança e
cooperação com outros membros do gru- aceitar o que ela é capaz de oferecer na-
po é tão natural como andar e falar! Para quele momento para poder entender as di-
que as crianças se tornem agressivas, te- versas situações na jornada da educação.
mos de afastá-las do que seria seu caminho
habitual. Crianças educadas com gritos: gri- Por exemplo, a criança de 1 ou 2 anos que
tam. Crianças educadas com palmadas são se joga no chão e faz birra age dessa for-
mais propensas a agredir os outros. ma porque está se sentindo frustrada e ain-
da não sabe o que fazer com tal sentimen-
Ferramentas construtivas to nem como expressá-lo de outra manei-
As crianças são essencialmente boas. ra. Sua intenção não é irritar seus pais ou
Nascem criativas, sedentas por estímulos, educadores. A birra, o famoso “chilique”, é
curiosas e espontâneas. Para que se man- apenas a resposta que ela encontra para
tenham assim, precisam que suas necessi- mostrar seu aborrecimento, seu cansaço
dades afetivas sejam supridas de maneira ou fome. É importante entender que não se
tão importante quanto suas necessidades trata de malcriação e que não é possível
23
exigir outro comportamento. Mas não igno- tal fazermos um lindo desenho nesta cartoli-
re essa reação! Dê um tempo para ela se na?”. Menos não, mais opções. Recurso efi-
acalmar e converse. Nessa fase, em mo- ciente, ainda, é corrigir da forma adequada:
mentos de angústia e irritação, muitas ve- ao invés da relação erro/punição, vale apli-
zes o contato físico, visual e o acolhimento car a lógica do erro/consequência. A ideia
emocional são tudo o que ela precisa. Em- de causa e consequência, tão comum na
bora as birras sejam desafiadoras e exijam vida adulta, já deve ser incorporada à re-
altas doses de paciência, elas representam alidade infantil, pois é ela que transmite a
grande oportunidade para ajudar a criança noção de limites. A punição geralmente en-
a desenvolver conexões essenciais no cé- volve duas situações inicialmente não rela-
rebro, que ajudarão a lidar com o estresse cionadas, como, por exemplo: “derrubou o
no futuro (SUNDERLAND, 2006). sorvete no sofá? Vai ficar sem seu brinque-
do predileto”. Não há relação entre os fa-
Uma ferramenta importante nessa jornada tos. Vale, também, utilizar os reforços positi-
da educação é o diálogo, que deve ser usa- vos à exaustão. Ao invés de criticar, procure
do sem moderação. Muitas vezes, uma con- elogiar os bons comportamentos da crian-
versa não é suficiente para que a criança ça. Essa atitude reconhece emocionalmen-
mude de comportamento. É preciso ter pa- te seu esforço e ensina que vale a pena agir
ciência, repetir quantas vezes forem neces- da maneira certa.
sárias, em linguagem acessível e de acordo
com a idade dela. Outra estratégia é econo- Perguntas importantes a se fazer em mo-
mizar no não e dar ênfase ao “sim”. Não se mentos como esses são: “Como eu gostaria
trata de permitir que a criança faça tudo o de ser tratada(o) se estivesse no lugar des-
que desejar, mas, sim, de oferecer opções. sa criança?”; “Como posso acolher o meu
Em vez de proibir algo, direcione sua aten- sentimento de irritação para cuidar melhor
ção para outra atividade. Em vez de “não da educação dela?”.
desenhe na parede”, você pode dizer: “que
24
É preciso superar a violência como forma de mental da criança. A criação de um ambien-
comunicação, pois esse padrão de convi- te seguro é possível com a adoção de atitu-
vência é prejudicial para o desenvolvimento des simples de proteção na esfera domésti-
da criança. Acompanhar e apoiar as famílias ca e ações educativas para evitar e preve-
no processo de construção de novos modos nir acidentes, especialmente durante as vi-
de agir e de educar crianças e adolescen- sitas domiciliares, avaliando-se aspectos
tes e orientar sobre a ressignificação das re- de segurança e orientando os responsáveis
lações em prol da tolerância e da formação em relação às medidas necessárias para as
de vínculos protetores são atitudes que cola- crianças, com linguagem acessível, sem jul-
boram para a prevenção da violência. gamentos e com utilização das recomenda-
ções da Caderneta de Saúde da Criança.
Prevenção de acidentes e violência
O comportamento exploratório natural da Acidentes podem ser prevenidos com a ins-
criança pode colocá-la em situações que talação de grades, redes, barreiras de pro-
apresentem risco à sua integridade física. teção, entre outras medidas. Alguns aciden-
Por isso, é importante que as famílias ado- tes, como afogamentos, sufocação, intoxica-
tem atitudes que promovam a segurança ção, choques elétricos e queimaduras, podem
das crianças, considerando os fatores de ser evitados com o cuidado no armazena-
risco, a vulnerabilidade e seu estágio de de- mento e uso de material de limpeza e medi-
senvolvimento. Atenção especial deve ser camentos e com a supervisão contínua de
dada à segurança das crianças no trânsito e um responsável. A educação no trânsito para
no ambiente doméstico. É importante que os as crianças e a utilização de equipamentos
profissionais desconstruam a ideia de que de segurança, mesmo em pequenas distân-
acidentes não podem ser evitados. É preci- cias, contribuem para diminuir os acidentes
so contribuir para a prevenção de situações ou a gravidade deles, caso ocorram.
que coloquem em risco a integridade física e
25
Nutrição: aleitamento materno e alimentação adequada
O aleitamento materno é muito mais que nu- amamentação acontecer, a rede social de
trir a criança. Ele também é capaz de promo- apoio é essencial, auxiliando a mulher a de-
ver vínculo, afeto e proteção. A amamentação dicar tempo e atenção para esse momento.
traz repercussões no estado nutricional da
criança, na sua imunidade e capacidade de A recomendação da Organização Mundial
defender-se de infecções, contribui para o da Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde é
seu desenvolvimento cognitivo e emocional de que o aleitamento materno deve ocorrer
e tem impacto na sua saúde em longo prazo, até os 2 anos de idade ou mais da criança,
como a diminuição das chances de desen- sendo exclusivamente até o 6° mês de vida.
volver hipertensão arterial, colesterol alto e A partir dos 6 meses, deve ser introduzida a
diabetes. Além disso, é uma estratégia eco- alimentação complementar saudável, com
nômica e eficaz para a redução da morbimor- alimentos seguros, acessíveis e culturalmen-
talidade infantil. te aceitos na dieta da criança, sendo esse
um dos direitos humanos fundamentais e im-
A amamentação promove um momento de portantes na prevenção de distúrbios nutri-
troca de olhares entre a mãe e a criança, além cionais de grande impacto na saúde pública.
de poder fortalecer os vínculos afetivos entre A forma como os pais se comportam em re-
esse binômio e toda a família que incentiva lação à alimentação infantil pode gerar reper-
e apoia à amamentação. Essa relação com cussões duradouras no comportamento ali-
a amamentação, quando prazerosa, ou seja, mentar dos seus filhos até a vida adulta.
realizada com afeto e confiança, proporciona
a troca de sentimentos e gera a sensação de
segurança e de proteção na criança.
É importante reconhecer que para a
26
CAPÍTULO 3
Unindo forças
pela primeira infância
Intersetorialidade: associa competência e multiplica resultados
28
descontextualizados do conjunto complexo Um grande apelo que se faz hoje nas políti-
que constitui o ser humano, pode acarretar cas sociais é a reconstrução da visão holís-
riscos para sua integridade psíquica. tica da criança. E de que essa concepção
seja indutora da articulação dos diferentes
Políticas Públicas: setores para uma ação conjunta ou coor-
uma visão em conjunto denada. Os profissionais e serviços inte-
O que mais interessa e deve presidir qual- grados no território podem juntos formar
quer política pública na área dos direitos da redes. “O conceito de rede se transformou
criança é sua formação integral, como pes- em uma alternativa prática de organização,
soa e cidadã. Por isso, é necessário que as capaz de responder às demandas sociais
especialidades e as ações setoriais convi- no mundo contemporâneo” (MEIRELLES;
vam com a visão do todo e nele se articu- SILVA, 2007, p. 141).
lem. O sociólogo e filósofo francês Edgar
Morin, ao analisar a crise mundial da socie- “Rede é uma articulação política entre pares
dade de nosso tempo, afirma que os riscos que, para se estabelecer, exige: reconhecer
que a humanidade está vivendo provêm da (que o outro existe e é importante); conhe-
fragmentação dos olhares individualistas, cer (o que o outro faz); colaborar (prestar
interessados em particularidades, esque- ajuda quando necessário); cooperar (com-
cendo-se da unidade do Planeta Terra. O partilhar saberes, ações e poderes) e as-
caminho para sair da ameaça do abismo, sociar-se (compartilhar objetivos e projetos).
segundo Morin, é voltar à visão da unidade Estas condições preliminares resultam, res-
e da interdependência de tudo e de todos. pectivamente, em autonomia, vontade,
29
dinamismo, multiliderança, informação, des- Não há um setor mais importante que o outro.
centralização e múltiplos níveis de opera- É preciso entender que a integração das ações
cionalização” (OLIVEIRA, 2001, p. 78). é fundamental para o desenvolvimento das
pessoas e da cidade em geral. A intersetoria-
Para que uma articulação em rede se fortale- lidade requer uma nova cultura de desenvol-
ça, é essencial que os distintos atores das or- vimento das políticas sociais e públicas: um
ganizações envolvidas se integrem, não so- diálogo frequente e contínuo, uma prática cons-
mente para trocar experiências, mas, princi- tante de reflexão e decisão conjunta compre-
palmente, para enfrentar problemas concretos endendo as potencialidades de cada área e
e comuns, cuja solução não está ao alcance as habilidades de cada equipamento e suas
de um indivíduo ou de um serviço isoladamen- equipes.
te. O processo de estruturação dessa rede no
município deve considerar as características Desafio: crianças em situação
dos serviços ofertados no território e as espe- de vulnerabilidade
cificidades das políticas sociais (saúde, edu- Conforme diversas áreas do conhecimento,
cação, assistência, cultura, entre outras). há uma infinidade de conceitos e definições
para a expressão “vulnerabilidades”. Vulnera-
Nesse sentido, é fundamental que cada mu- bilidade implica risco, fragilidade ou dano. Re-
nicípio organize e estruture sua rede de aten- laciona-se à exposição a contingências e ten-
ção à primeira infância de forma articulada. sões e às dificuldades de lidar com elas.
30
Nesse sentido, pode ser uma condição dos Na perspectiva da política de assistência so-
indivíduos e grupos frente a acontecimentos cial, a vulnerabilidade não se trata de uma
de diversas naturezas: ambientais, econômi- condição fixa. Ela é, antes, uma zona instável
cas, fisiológicas, psicológicas, legais e sociais que as famílias podem atravessar, nela recair
(BRASIL, 2013). ou nela permanecer ao longo de sua história.
Trata-se de um fenômeno complexo e multifa-
A Política Nacional de Assistência Social (Pnas), cetado, que se manifesta de diferentes ma-
por exemplo, aponta que as situações de vul- neiras, o que exige uma análise especializada
nerabilidade podem decorrer da pobreza, da para a sua apreensão e respostas interseto-
privação, da ausência de renda, do precário riais para o seu enfrentamento. Caso não com-
ou nulo acesso aos serviços públicos, da in- preendida e encarada, há uma tendência de
tempérie, da calamidade, da fragilização de que a vulnerabilidade vivenciada pelas famí-
vínculos afetivos e de pertencimento social de- lias se perpetue por ciclos intergeracionais,
correntes de discriminações etárias, étnicas, afetando os diversos membros que as inte-
de gênero, relacionadas à sexualidade, à de- gram: crianças, adolescentes, adultos e ido-
ficiência etc., a que estão expostas as famílias sos. Além disso, quando as situações de
e os indivíduos e que dificultam seu acesso vulnerabilidade social não são prevenidas ou
aos direitos e exigem proteção do Estado enfrentadas, tendem a tornar-se situações de
(BRASIL, 2004). risco, que são situações de violação
de direitos.
31
o desenvolvimento da criança durante a pri- • Eles atendem à demanda?
meira infância, é preciso considerar que mui- • Como qualificar esses serviços e quais
tas delas estão em vulnerabilidade, não só recursos estão disponíveis para isso?
no que diz respeito à garantia de sua so- • Quais são as articulações intersetoriais
brevivência, mas também em outros aspec- possíveis?
tos que interferem em seu pleno desenvolvi- • Como fazê-las?
mento. São crianças que, por diferentes ra-
zões, encontram dificuldades de acessar os Crie espaços de discussão com represen-
seus direitos previstos em lei em decorrência tantes de cada um dos setores de seu mu-
de variadas situações: nicípio para responder às perguntas anterio-
res. Uma vez que tais questões estejam es-
• crianças indígenas; clarecidas no território, é possível criar pla-
• crianças negras; nos de ação ou linhas de cuidado para pro-
• filhas de mulheres privadas mover a atenção integral às crianças de pri-
de liberdade; meira infância.
• crianças em situação de rua;
• crianças ribeirinhas;
• crianças quilombolas;
• crianças com deficiência;
• crianças expostas ao uso abusivo de
álcool e outras drogas;
• crianças que trabalham;
• crianças em situação de violência.
32
Caderneta da Criança: passaporte da cidadania
33
desenvolvimento de 3 para 6 anos de idade,
acrescentou as Curvas Internacionais do
crescimento para crianças prematuras (In-
tergrowth) e pautou informações sobre crian-
ça e consumo e o acesso precoce aos meios
de comunicação.
Marcos do desenvolvimento
No componente do desenvolvimento na
primeira infância, mantém-se no conteúdo
da Caderneta o “Instrumento de Vigilância
do Desenvolvimento” que possibilita aos
profissionais e cuidadores o acompanha-
mento mês a mês do desempenho afetivo, e a obter informações que se sinta fortale-
psicomotor e emocional da criança. cida, uma vez que seu conteúdo oportuni-
za reconhecer os direitos sociais advindos
Além desses marcos, também é ofertado da maternidade/paternidade e identifica os
aos cuidadores, um conjunto de orienta- deveres no cuidado com a saúde da crian-
ções para a prática do diálogo afetivo na ça. Para a criança a Caderneta é mais que
convivência com a criança com vistas ao a expressão da cidadania, é a conquista de
favorecimento do desenvolvimento mental, seus direitos.
emocional e de socialização da criança e o
fortalecimento de vínculos. É um direito
Toda criança que nasce no Brasil tem direi-
Vale ressaltar que a observação contínua to a receber a Caderneta ainda na materni-
pelos cuidadores é muito importante, pois dade pública ou privada. É o passaporte da
subsidia e complementa a avaliação feita cidadania e deve ser levada em todas as
pelo profissional no momento da consulta. consultas e atendimentos da criança, pois
Por ser a Caderneta um documento que é por meio dela que os profissionais de saú-
permite registrar os fatos mais significativos de poderão acompanhar seu crescimento e
da saúde infantil, ela facilita a comunicação desenvolvimento, anotando as informações
entre os profissionais inter e intrasserviços e necessárias sobre seu estado de saúde e
favorece o diálogo com a família. orientando a família sobre o atendimento e
os cuidados necessários. A Caderneta In-
Para os cuidadores, a Caderneta é um ma- tersetorial traz espaços que comportam in-
terial de fácil manuseio que permite iden- formações sobre a situação educacional,
tificar as condições de crescimento e de- bem como o acesso aos programas sociais
senvolvimento socioafetivo de seus filhos da criança e/ou família, quando for o caso.
34
Estimulando o desenvolvimento De 2 a 4 meses
da criança com afeto • Brinque com o bebê, conversando e olhan-
A primeira infância, de zero a 6 anos, é um do para ele.
período muito importante para o desenvolvi- • Ofereça objetos para o bebê pegar com as
mento mental, emocional e de socialização mãos.
da criança. • Coloque o bebê de bruços, apoiado em
seus braços, e brinque com ele.
Por isso, o acompanhamento com um profis- • Observe que o bebê tenta “conversar”, fa-
sional de saúde é fundamental. Seguem orien- lando “aaa”, “qqq”, “rrr”.
tações propostas para pais e cuidadores.
De 4 a 6 meses
Do nascimento até • Ao oferecer algo para o bebê (comida, brin-
os 2 meses de idade quedo etc.), aguarde para ver sua reação.
• Para que o bebê se desenvolva bem, é Com isso, ele aprenderá a expressar acei-
necessário, antes de tudo, que ele seja tação, prazer e desconforto.
amado pela família e que ele procure com- • Acostume o bebê a dormir mais à noite.
preender seus sentimentos e satisfazer às • Ofereça ao bebê brinquedos a pequenas dis-
suas necessidades. tâncias, dando a ele a chance de alcançá-los.
• Converse com o bebê de maneira carinho- • Proporcione estímulos sonoros, fora do seu
sa, buscando contato visual. Lembre-se alcance visual, para que o bebê tente lo-
de que ele reconhece e se acalma com a calizar de onde vem o som.
voz da mãe ou do responsável pelos seus • Estimule-o a rolar, mudando de posição (de
cuidados. Nesse período, o bebê se as- barriga para baixo para barriga para cima
susta com sons ou ruídos inesperados e e vice-versa).
altos.
• Preste atenção no choro do bebê. Ele cho- De 6 a 9 meses
ra de jeito diferente dependendo do que • Demonstre à criança atenção aos seus pe-
está sentindo: fome, frio/calor, dor, neces- didos.
sidade de aconchego... • Dê à criança brinquedos fáceis de segurar,
• Estimule o bebê, mostrando-lhe objetos para que ela treine passar de uma mão para
coloridos a uma distância de, aproxima- a outra.
damente, 30 cm. • Converse com a criança, cante, use palavras
• Para fortalecer os músculos do pescoço que ela possa repetir (“dadá”, “papá” etc.).
do bebê, deite-o de barriga para baixo e • Coloque a criança no chão em cima de uma
chame sua atenção, provocando-o a le- esteira ou colchonete e estimule-a a sentar-
vantar a cabeça. se, arrastar-se e a engatinhar.
35
De 9 meses a 1 ano De 1 ano e 6 meses a 2 anos
• Brinque com a criança cantando músicas • Estimule a criança a colocar e a tirar suas
e fazendo gestos (bater palmas, dar tchau próprias roupas.
etc.), solicitando sua resposta. • Ofereça brinquedos de encaixe, que pos-
• Coloque ao alcance da criança objetos pe- sam ser empilhados, e mostre como fazer.
quenos para que ela possa apanhá-los, • Mostre à criança figuras nos livros dizendo
usando o movimento de pinça. Muito cuida- seus nomes.
do para que ela não coloque esses objetos • Brinque de chutar bola.
na boca, no nariz ou nos ouvidos. • A criança começa a juntar palavras e a fa-
• Converse com a criança e use livros com lar frases simples.
figuras. Ela pode falar algumas palavras e • A criança, nessa fase, demonstra ter von-
entender ordens simples, como dar tchau. tade própria, testa limites e diz muito não.
• Deixe a criança no chão para que ela possa
levantar-se e andar apoiando-se ao redor. De 2 anos a 2 anos e 6 meses
• Continue estimulando a criança para que
De 1 ano a 1 ano e 3 meses ela se torne independente em atividades
• Seja firme e claro com a criança, mostran- diárias, como se alimentar, tomar banho e
do-lhe o que pode e o que não pode fazer. se vestir.
• Afaste-se da criança por períodos curtos, • Comece a estimular a criança, sem exer-
para que ela não tenha medo da sua au- cer pressão ou repreendê-la, a controlar a
sência. eliminação de fezes e urina. Gradativamen-
• Estimule o uso das palavras ao invés dos te, estimule o uso do banheiro.
gestos, usando rimas, músicas e sons. • Incentive a criança a brincar com outras
• Ofereça à criança objetos de diversos tama- crianças.
nhos, para que ela aprenda a encaixá-los
uns nos outros. De 2 anos e 6 meses a 3 anos
• Crie oportunidades para a criança andar • Converse bastante com a criança, peça
sozinha com segurança. para ela contar sobre suas brincadeiras e
nomes de amigos.
De 1 ano e 3 meses a 1 ano e 6 meses • Coloque a criança em contato com livros
• Continue sendo claro e firme com a crian- infantis, revistas, papel, lápis, giz de cera.
ça, para que ela aprenda limites. Leia e conte histórias, brinque de desenhar,
• Conte pequenas histórias, ouça música recortar figuras, colar.
com a criança e dance com ela. •Mostre à criança figuras de animais, peças
• Dê ordens simples, como: “Dá um beijo na do vestuário, objetos domésticos e estimu-
mamãe!”; “Bate palminha!”. le-a a falar sobre eles.
• Dê à criança papel e giz de cera para es- • Envolva mais pessoas nas brincadeiras.
timular sua criatividade.
• Crie oportunidades para a criança andar não
só para frente, mas também para trás.
36
CAPÍTULO 4
Famílias fortalecidas
para a promoção do
desenvolvimento infantil
Cada família é única e tem sua própria histó- habilidades de comunicação para ouvir e
ria, suas características, crenças e valores. aprender sobre os valores dos pais e cuida-
A realidade social, o nível de instrução dos dores, seus níveis de conhecimento e suas
adultos, o histórico familiar, entre outras ques- práticas, fornecer informações e sugerir mu-
tões, podem variar muito de um lar para ou- danças caso sejam necessárias.
tro. Saber acolher a realidade de cada famí-
lia, com sensibilidade e sem julgamentos, é Alguns recursos podem ser utilizados em
fundamental para criar vínculos e estabelecer uma conversa, como:
uma relação de confiança.
• sentar no mesmo nível e próximo da
No cotidiano, profissionais que estão em con- pessoa;
tato com as famílias podem contribuir ativa- • remover barreiras físicas, como mesas ou
mente para o desenvolvimento de crianças outros objetos;
de primeira infância. Por menor que seja o • prestar atenção nela, evitar se distrair e
tempo disponível, é possível inserir, aos pou- mostrar que está ouvindo o que diz;
cos, conceitos e valores importantes para um • não apressar a conversa e não olhar para
desenvolvimento saudável, como respeitar o relógio;
os direitos da criança, dedicar alguns minu- • fazer perguntas abertas e que estimulem
tos do dia para brincar com ela e expressar a pessoa a fornecer mais informações, e
afeto e carinho. Os pais e cuidadores preci- não apenas responder com sim ou não;
sam saber que, embora existam caracterís- em geral, perguntas abertas começam
ticas gerais esperadas em cada etapa de com: como, quando, onde, por que;
desenvolvimento, cada criança tem seu ritmo • demonstrar empatia e evitar palavras que
próprio, que deve ser respeitado. A fala, o pareçam envolver julgamento;
olhar, os gestos, as informações transmitidas • aceitar o que a pessoa pensa ou sente;
em linguagem simples e acessível podem • reconhecer e elogiar os esforços da
fazer enorme diferença na construção do vín- família;
culo. Uma boa comunicação significa que • fornecer informações relevantes em
existe respeito aos pensamentos, crenças e linguagem adequada;
cultura das pessoas. • oferecer sugestões ao invés de dar ordens.
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Orientações aos pais e cuidadores de crianças de primeira infância
39
A ida para a escola Para ajudar pais e cuidadores em sua prepa-
A ida para a escola pela primeira vez é um ração para essa nova etapa, os profissionais
momento muito importante na vida da crian- podem orientá-los com as seguintes dicas:
ça. Surgirá uma nova pessoa de referência
em sua vida, que é o professor, além de no- • Falar da escola para a criança, muito
vos amigos com os quais deverá comparti- tempo antes, como um lugar agradável,
lhar, brincar e aprender. onde aprenderá muitas coisas novas.
• Falar dos novos amigos que vai fazer, da
professora, de como é a escola e o que
acontece por lá.
• Não ameaçar a criança, colocando a es-
cola como um lugar de castigo.
• Levar a criança para conhecer a escola
e sua futura professora ou professor, bem
como suas dependências (pátio, refeitó-
rio, salas de aula, biblioteca etc.).
40
Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.
Brasília: Senado Federal, 2016.
GONZÁLEZ, C. Bésame mucho: como criar seus filhos com amor. São Paulo:
Timo, 2005.
41
OLIVEIRA, F. Redes: o desafio da democratização dos saberes e poderes, limites e
possibilidades. In: SEMINÁRIO Combate à Violência Contra a Mulher. Minas Gerais:
Conselho Estadual da Mulher de MG, 2001.
SENA, L. M.; MORTENSEN, A. C. K. Educar sem violência: criando filhos sem palmadas.
Campinas: Papirus 7 Mares, 2014.
42
Bibliografia
______. Para além do princípio do prazer. 1920. In: OBRAS Completas. Madri:
Biblioteca Nueva, 1967. v. 1, p. 1097-1125.
43
SAINT-EXUPÉRY, A. Cidadela. São Paulo: Editora Quadrante, 1996.
Links
44
ISBN 978-85-334-2568-2
9 788533 425682