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Curso de

APERFEIÇOAMENTO EM
SAÚDE MENTAL
PARA A ATENÇÃO
PRIMÁRIA À SAÚDE

Unidade de Aprendizagem 3

Gestão do Cuidado
em Saúde Mental
3.1 - Atuação em Equipes no Cuidado em Saúde Mental no
Contexto da Atenção Primária a Saúde

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Secretaria de Estado da Saúde do Paraná.
É permitida a reprodução total ou parcial desta obra, desde que citada a fonte.

ESPP - Escola de Saúde Pública do Paraná - Centro Formador de Recursos Humanos.


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Secretário de Estado da Saúde do Paraná


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Diretora de Atenção e Vigilância em Saúde


Maria Goretti David Lopes

Presidente da FUNEAS
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Coordenação de curso
Aline Pinto Guedes - ESPP
Denise de Castro - SESA/ESPP/Residência Multiprofissional
Emerson Luiz Peres - SESA/ESPP/DES
Wladmir Cid Bastos Gonçalves - ESPP

Docente
Fernanda Carolina Capistrano

Revisão
Camila Del Tregio Esteves - SESA/ESPP/DES
Emerson Luiz Peres - SESA/ESPP/DES
Vanessa Carvalho de Souza Leal - SESA/DAV/DVSAM

Supervisão
Aldiney José Doreto - ESPP/DTAES
Emerson Luiz Peres - SESA/ESPP/DES

Edição / Editoração do conteúdo


Fabiano Amaral - ESPP

Concepção Gráfica e Diagramação


Rodrigo Adauto da Costa - ESPP

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação – CIP


Biblioteca da Secretaria de Estado da Saúde do Paraná (BIBSESA)

P223 Paraná. Secretaria da Saúde. Escola de Saúde Pública do


Paraná. Centro Formador de Recursos Humanos

Caderno da Unidade de Aprendizagem 3 - Gestão do


Cuidado em Saúde Mental. Módulo 3.1 - Atuação em Equipes
no Cuidado em Saúde Mental no Contexto da Atenção
Primária a Saúde. Curitiba : SESA, 2022.

35 p.

1. Gestão do Cuidado em Saúde Mental. I. Título. II. Autor

CDD362.1068

Rodolpho Luiz D. Lorenzi - CRB9/2008

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO..................................................................................................................................................04

INTRODUÇÃO........................................................................................................................................................ 06
Atuação em Equipes de Trabalho no Cuidado em
Saúde Mental na Atenção Primária à Saúde ................................................................................... 06

INTEGRALIDADE DO CUIDADO EM SAÚDE MENTAL ...................................................................... 09

ACOLHIMENTO E ESCUTA QUALIFICADA ............................................................................................ 10

CLÍNICA AMPLIADA .......................................................................................................................................... 14

APOIO MATRICIAL ............................................................................................................................................. 18

TIPOS DE MATRICIAMENTO .......................................................................................................................... 21

ARTICULAÇÃO INTERSETORIAL .............................................................................................................. 25

COMPARTILHAMENTO DO CUIDADO, ÉTICA E SIGILO.................................................................. 29

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................................................... 33

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APRESENTAÇÃO

Prezado aluno,

Nesta unidade nós iremos compreender um pouco mais sobre as possibilidades de


atuação em equipes no contexto da Atenção Primária à Saúde (APS) no que tange o cuidado
em saúde mental. Para tanto, é preciso ampliar o conceito de adoecimento, bem como de
tratamento em saúde mental.
Sendo assim, nesta unidade, compartilho com você os diferentes conceitos e
ferramentas relacionadas ao cuidado em saúde mental na APS que irão instrumentalizá-lo na
prática profissional. É sabido da complexidade que envolve uma pessoa com sofrimento ou
transtorno mental, entretanto, quando o trabalho é articulado em rede, bem como subsidiado
pelo paradigma psicossocial, é possível minimizar o estigma, o medo e o preconceito e assim,
proporcionar um cuidado com excelência na APS.
Acredito que a compressão das possibilidades de manejo a pessoas com sofrimento
ou transtorno mental na APS, bem como seu empoderamento a partir desse curso de
aperfeiçoamento, permitirá reflexões que você poderá transpô-las para o seu cotidiano como
cidadão e para todas as pessoas que vivem em sociedade.
Portanto, espero contribuir para seu crescimento pessoal e profissional e que você
tenha um importante aproveitamento do conteúdo.

Abraços,

Drª Fernanda Carolina Capistrano1

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Endereço para acessar o currículo lattes do autor: http://lattes.cnpq.br/7455688260930364

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Unidade de Aprendizagem 3

Gestão do Cuidado em
Saúde Mental
3.1 - Atuação em Equipes no Cuidado em
Saúde Mental no Contexto da Atenção
Primária a Saúde

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INTRODUÇÃO
Vamos iniciar esse conteúdo/módulo com a Vídeoaula 1 - “Atuação em Equipes de Trabalho no
Cuidado em Saúde Mental na Atenção Primária à Saúde”

Como visto nas unidades anteriores, o cuidado em saúde mental foi se modificando ao longo do
tempo, sendo influenciado por diferentes épocas e contextos, fato que se intensificou principalmente a partir
do Movimento da Reforma Psiquiátrica Brasileira iniciado no final da década de 1970 (SILVA, et al., 2016).
A busca por uma estruturação de cuidado organizado e humanizado, com respeito aos direitos
humanos, a autonomia e a liberdade, que transpõe o modelo biomédico, o qual visava principalmente
contenção do comportamento por meio de estratégias agressivas e excludentes, se dá pelo trabalho em rede
(PUPO, et al., 2020).
Por isso a APS é essencial para o cuidado humanizado em saúde mental, pois na maior parte da
história não se considerava a possibilidade de cuidado extra-hospitalar. Atualmente isto só é possível devido
à proximidade com o território, permitindo que os profissionais da saúde conheçam melhor a vida dos
usuários, favorecendo o vínculo contínuo, o qual permite a melhor gestão das doenças crônicas, entre elas o
transtorno mental (PUPO, et al., 2020).

A APS tem um papel fundamental na Linha de Cuidado em Saúde Mental, principalmente porque

Você pode se perguntar: Por que a APS é tão importante


no cuidado em saúde mental?

propõe um cuidado com base territorial, integral, horizontal e multiprofissional, o qual desloca o foco na
doença para o indivíduo, que por sua vez vive em um complexo contexto social.
Nesse contexto social encontram-se também as famílias, que possuem um papel muito importante
na identificação de sintomas psíquicos de forma precoce e podem assim contribuir para uma trajetória
terapêutica diferente da convencional. Somando esse apoio ao trabalho dos profissionais da APS, que devido
ao vínculo construído com o indivíduo, principalmente pela proximidade com o território, estabelecem um
importante dispositivo para a prevenção, promoção e tratamento da saúde mental.
A partir dessa lógica, compreendemos que como as demandas de saúde mental são comumente

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identificadas de forma precoce pelas equipes da atenção primária é possível evitar uma intervenção mais
invasiva, ou encaminhamentos para serviços especializados de forma desnecessária. Mas para que isso seja
possível é preciso que as equipes obtenham e desenvolvam um olhar apurado, com práticas de cuidados
mais ampliadas, para a garantia do acesso à saúde de forma integral (SILVA FILHO et al., 2020).
É preciso ter em mente que o cuidado compreende mais que um ato, mas sim uma atitude de
preocupação. É uma ação de atitude de ocupação, com responsabilidade de trazer para si a função de
responder uma determinada situação, assumindo assim, um ato como sendo seu (SILVA, et al., 2020. BOFF,
1999).
E nesse contexto a APS tem muita vantagem, pois possuem condições de estabelecer parcerias e
utilizar recursos existentes na própria comunidade, a exemplo, as redes de apoio como igrejas, associações,
a própria família, equipamentos sociais, entre outros. (SILVA, et al., 2016).

E é nesse sentido que precisamos compreender como cuidar em saúde mental


e
Precisamos entender quais são essas dimensões de cuidado possíveis na APS.

A continuidade de cuidado é o elemento mais importante na APS, pois resulta em uma oferta de
possibilidades terapêuticas com maior qualidade devido ao relacionamento contínuo entre o profissional e o
paciente. A APS possui uma característica peculiar pois geralmente é mais aceita pela comunidade e acessível
aos usuários.

E considerando os usuários, é importante você também saber o que eles pensam


sobre o cuidado em saúde mental na APS. Desta forma indico a seguinte leitura
complementar: FRATESCHI, M. S.; CARDOSO, C. L. Saúde mental na atenção
primária à saúde: avaliação sob a ótica dos usuários. Physis Revista de Saúde
Coletiva, n. 24, v. 2, p. 545-565, 2014. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/
S0103-73312014000200012.

A opinião dos usuários é de extrema importância para o cuidado em saúde mental na APS e, conforme
o texto sugerido aponta, há pontos negativos e pontos positivos. Nesse sentido, precisamos fortalecer os
pontos positivos e melhorar os negativos, mas de uma maneira geral, há muitos ganhos na saúde pública
com a integração da saúde mental na APS, vejamos:
De acordo com a Organização Mundial da Saúde, há sete razões principais para a integração da saúde
mental na APS (OMS, 2008). Vamos então conhecê-las:

Principais Razões para a integração da Saúde Mental na APS


1. Elevada carga de doença dos transtornos mentais
2. Conexão entre problemas de saúde física e mental
3. Enorme gap terapêutico dos transtornos mentais
4. Aumento do acesso
5. Promoção dos direitos humanos neste campo
6. Disponibilidade e custo-efetividade
7. Bons resultados clínicos

Em geral, há três motivos que nos levam a entender a necessidade de cuidar em saúde mental na
APS:
1° Não há profissionais especializados suficientes para atender todas as demandas de sofrimento ou
transtorno mental, nem mesmo em países desenvolvidos.
2° Como os profissionais conhecem a realidade do paciente o cuidado integral se torna mais efetivo,
pois problemas físicos, mentais e sociais são abordados em conjunto por uma equipe multiprofissional, e

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3° O cenário da atenção primária é mais atrativo a pessoas que possuem transtornos mentais devido
ao estigma e preconceitos que sofrem por estarem em serviços especializados (WENCESLAU; ORTEGA, 2015).
Entretanto, apesar de compreendermos a importância do cuidado na APS, não podemos considerar
que os profissionais desse dispositivo por si só podem gerenciar todo o cuidado em saúde mental, há
situações que os profissionais da APS necessitam de apoio matricial e de ações intersetoriais com vistas ao
cuidado compartilhado (WENCESLAU; ORTEGA, 2015; LIMA; AGUIAR; SOUSA, 2015).
O cuidado compartilhado é validado a partir da ótica psicossocial, no qual prevalece a troca de
saberes e de experiências, corresponsabilizando os atores envolvidos no processo de cuidar. Entre esses
atores podemos citar as famílias, a comunidade, os profissionais da saúde e de outros setores, como da
educação, da assistência social, entre outros (LIMA; AGUIAR; SOUSA, 2015).
Veremos a atuação de um trabalho compartilhado sobre as duas ferramentas supracitadas (apoio
matricial e ações intersetoriais) mais adiante na nossa aula, porém antes disso, precisamos compreender
um pouco mais sobre a integralidade do cuidado e a clínica ampliada, pois são pontos fundamentais para o
cuidado em saúde mental na APS.

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INTEGRALIDADE DO CUIDADO EM
SAÚDE MENTAL
Vamos iniciar esse conteúdo/módulo com a Vídeoaula 2 - “Integralidade do Cuidado em Saúde
Mental”

A integralidade é um objeto a ser alcançado na prática do cuidar e faz parte de todos os níveis de
atenção, entretanto na APS tem um enfoque mais rigoroso devido ao espaço privilegiado para a condução da
prática assistencial (CARNUT, 2017).
Sabemos que o cuidado é um somatório de decisões e de articulações profissionais direcionadas a um
determinado indivíduo ou família. Entretanto, quando pensamos na integralidade do cuidado, precisamos
refletir sobre as diferentes necessidades produzidas nos diferentes contextos que o indivíduo está inserido,
ou seja, há um conjunto de necessidades expressadas e vividas que vão além da queixa trazida no consultório.
O que ocorre em geral é uma composição técnica de trabalho baseada em procedimentos prescritivos,
no qual há superposição dos saberes entre os profissionais em detrimento das relações entre os envolvidos,
ao acolhimento e produção de vínculo com resolutividade e fortalecimento da autonomia (SILVA FILHO;
BEZERRA, 2018). E quando um profissional da saúde compreende as questões além da doença propriamente
dita, abre-se um leque de práticas e saberes que podem ser ofertados aos usuários.
A integralidade do cuidado, consiste em identificar o contexto econômico e social em que indivíduo
está inserido, considerando questões como alimentação, moradia, trabalho, renda, lazer, educação, entre
outros fatores que influenciam diretamente o processo de adoecimento do indivíduo.
A integralidade é tão importante no cuidado pois inclui o estabelecimento de vínculos, a
responsabilização pelo usuário, o acolhimento, a escuta e assim, acontece a indicação terapêutica mais
adequada. Evita-se tão somente a prescrição de medicamentos ou de tarefas a serem cumpridas pelo
paciente. É uma dimensão técnica que possibilita um alcance de uma prática coerente com o SUS, incentivado
pela interação, inter-relação e compartilhamento de saberes (SILVA FILHO; BEZERRA, 2018).

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ACOLHIMENTO E ESCUTA
QUALIFICADA
Vamos iniciar esse conteúdo/módulo com a Vídeoaula 3 - “Acolhimento e Escuta Qualificada”

Especificamente quanto ao acolhimento, precisamos entender que é uma ferramenta norteadora para
a garantia do cuidado integral ao usuário, representa um encontro em ato, mediado pela escuta qualificada
com vistas ao estabelecimento de vínculos (SILVA FILHO; BEZERRA, 2018).
Trata-se de uma postura prática relacionada às ações e gestão do cuidado na APS, proporcionando
uma relação de confiança e compromisso entre o usuário e a equipe de saúde, ou seja, é uma atitude
humanizada (PRADO, 2021).
Em qualquer especialidade, mas especificamente na saúde mental, quando os usuários e seus familiares
são bem acolhidos, proporcionamos um sentimento de valorização, de apoio, fato que sabidamente reduz
o sofrimento pois produz bem-estar. O acolhimento está presente em todas nossas relações, porém, por
vezes no cotidiano do nosso ofício esquecemos dessa importante ferramenta que compõe a humanização do
cuidado (RAMOS, 2021).
O acolhimento é uma diretriz da Política Nacional de Humanização (PNH) e, de acordo com a definição,
compreendemos que acolher é o ato de reconhecer as necessidades de saúde dos outros como legítima
e singular. Deve ser construído de forma coletiva, considerando as relações de confiança, compromisso e
vínculos entre os profissionais e o usuário (BRASIL, 2013).
Mas afinal o que é acolhimento? Alguns profissionais entendem que o acolhimento trata-se de uma
atitude de bondade, outros entendem que é uma sala específica na qual se efetua a triagem. Mas será que o
acolhimento é isso mesmo? Vejamos:
O acolhimento está pautado na responsabilização do profissional de saúde pelo usuário desde a
chegada até a sua saída. E desta forma é preciso ouvir as queixas, as preocupações e as angústias analisando
as demandas por meio da escuta qualificada, indicando os limites que irão garantir a atenção integral (RAMOS,
2021).

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Deste modo, de acordo com (RAMOS, 2021) considera-se que o acolhimento é uma diretriz ética,
estética e política capaz de reordenar o processo de trabalho a partir das relações sob a prerrogativa dos
seguintes itens:

1) É um ato de inclusão: sempre respeitando o modo de existência e as demandas de cada usuário.


Nesse contexto, precisa-se tomar cuidado quando associamos o acolhimento à triagem. A
triagem historicamente constitui-se como um modo de exclusão, pois segrega pessoas pela
necessidade de estar no serviço ou não, e caso não for incluída e, portanto, encaminhada a
outro dispositivo de saúde, mantém-se o usuário em uma busca pelo acesso sem ter realmente
feito o acolhimento. Nesse caso o acolhimento reflete uma habilidade e competência que os
profissionais podem adquirir a fim de potencializar a técnica para a avaliação e classificação de
riscos e vulnerabilidades do usuário e, portanto, é diferente de uma triagem.

2) Não é uma atitude voluntária de bondade: é preciso ressaltar que o acolhimento expressa-se
na relação entre o usuário e o profissional de saúde e é fundamentado em diversas legislações,
portarias, resoluções, entre outros, portanto não é um ato de bondade e sim, política pública.

3) Não é uma vocação de uma determinada categoria profissional: não há um perfil vocacional
para se fazer um acolhimento, pois acolher é uma ferramenta que exige habilidade e
competência a todos os profissionais de saúde.

4) Não se trata de um local ou serviço: o acolhimento não é direcionar o usuário a um local


específico, pois acolher não fica restrito a um local, isso porque se trata de uma competência
que deve ser realizada em toda e qualquer relação e partindo desse contexto, ressalta-se ainda
que o acolhimento não ocorre somente no primeiro encontro entre o usuário e o profissional
de saúde, mas sim a qualquer demanda emergida.

5) É uma estratégia de intervenção nos processos de trabalho: o acolhimento é um modelo


de saúde centrado no sujeito e no coletivo, o que exige dos profissionais reflexões sobre as
ofertas de cuidado disponíveis na APS, devendo ser moldados de acordo com as características
e demandas do território.

Reflexão:
Como acontece o acolhimento na sua unidade de saúde? E como é a sua atuação com os usuários no
que tange o acolhimento?

Para que o acolhimento seja efetivo, é necessário que o profissional disponha tempo e disposição
para atender o usuário. De acordo com Rodrigues e Brognnoli (2014), o acolhimento deve ser preconizado
por três dimensões singulares, a saber:

1) Dimensão técnica: Nessa dimensão utiliza-se o conhecimento científico para que seja possível
entender e interpretar a demanda trazida pelo usuário. Esta dimensão exige base teórica para
responder com resolutividade e assertividade as questões de saúde mental bem como para
auxiliar na construção do Projeto Terapêutico Singular. Nesse caso, é necessário interesse do
profissional em buscar o conhecimento e independente da formação de base, a educação
permanente, supervisão de equipe e discussões de casos devem estar presente de forma
institucional, para que não haja contradições no cuidado a partir de concepções teóricas
divergentes as quais poderão prejudicar o usuário.

2) Postura: Compreende a forma como profissional ou a equipe atende ao usuário ou seu familiar,
quando adentram ao serviço, bem como a relação entre os membros da equipe que por sua

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vez, deve ser democrática e respeitosa, estimulando a autonomia profissional e a decisão
coletiva. A postura deve permear pela relação de interesse mútuo, pela confiança e pelo
apoio. Como o acolhimento é um momento de encontro, possibilita uma troca de olhares,
atenção aos detalhes, aos gestos, e também ao silêncio para que possa ser oferecido o apoio
e o suporte que o usuário necessita.

3) Reorientação do serviço: A última dimensão é o princípio de organização do trabalho, esta


por sua vez pode ser compreendida inicialmente por meio do desenvolvimento de protocolos,
documentos institucionais, manuais, legislação, entre outros que servirão de guia para que
os profissionais da saúde possam inserir no seu cotidiano o que o gestor preconiza acerca
do modo de fazer o acolhimento. Apesar de haver um direcionamento nacional por meio
do Ministério da Saúde cada local tem sua particularidade e suas especificidades, como por
exemplo o acesso, características específicas da comunidade e, portanto, a reorientação do
serviço se faz necessária para adequar tais questões particulares para que possa ser promovido
o acolhimento de forma efetiva.

Como porta de entrada, a APS é o principal serviço a proporcionar o primeiro acolhimento. Nesse caso
precisa ser feito com muita atenção considerando todas as questões faladas e não faladas pelo usuário. Deste
modo, o acolhimento na APS torna-se determinante pois ultrapassa os conceitos de doença e diagnóstico,
fluindo um cuidado fundamentado na individualidade e singularidade do usuário (SILVA FILHO; BEZERRA,
2018).

O acolhimento não deve ser compreendido somente como um momento


de triagem, pois assim, restringe-se a um evento fragmentado, isolado e
descomprometido com a criação de vínculos. Em outros modos, entendemos
que o acolhimento é um ato de aproximação, de estar perto, expressando, assim,
uma relação. Mesmo quando houver a necessidade de encaminhamento.

Porquanto, o acolhimento tem um papel importante no cuidar em saúde mental, pois possibilita
um olhar ampliado do profissional, o qual se permite enxergar demandas biopsicossociais, econômicas e
culturais (SILVA FILHO; BEZERRA, 2018).
No que tange a escuta qualificada, sabe-se que é uma ferramenta do acolhimento para se proporcionar
a integralidade. Nesse contexto, espera-se que o profissional da APS acolha toda a queixa e o relato do usuário,
e não pense somente em dados que subsidiem o diagnóstico em saúde mental. Assim é possível auxiliá-lo a
reconstruir e respeitar os motivos que levaram ao adoecimento, bem como entender as correlações que o
usuário estabelece para o desenvolvimento do sofrimento ou transtorno mental.
Nesse sentido, a escuta qualificada, nada mais é que identificar as demandas dos usuários, as
que ele está relatando e as implícitas, a fim de se pensar em atitudes terapêuticas equânimes, que sejam
interdisciplinares e intersetoriais.
A escuta e o diálogo são habilidades próprias dos seres humanos, sendo comum a concepção da
escuta como apenas o ouvir, levando a acreditar que é um ato instintivo. No entanto, é uma ferramenta
essencial para que o usuário seja atendido na perspectiva do cuidado como ação integral. Por meio da escuta,
é possível a construção de vínculos, a produção de relações de acolhimento, o respeito à diversidade e à
singularidade no encontro entre quem cuida e quem recebe o cuidado.
A escuta qualificada permite adquirir informações sobre cada usuário, que possibilita escolhas e
resoluções de suas necessidades, tornando-se uma forma de prestar uma assistência de qualidade, pois, por
meio dela, é possível reconhecer e acolher, empaticamente, as necessidades do paciente, bem como de seus
familiares, auxiliando assim na assistência prestada.

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Mas o que isso quer dizer?

Que o cuidado integral em saúde mental não se faz sozinho. É necessário articulação e trabalho
em rede, principalmente porque estamos considerando um agravo de saúde crônico, que pode agudizar
ou agravar e, desta maneira, é preciso acionar os diferentes pontos da rede de atenção à saúde e de outros
setores, a fim de garantir a continuidade do acompanhamento mesmo que em outro nível de atenção.
Essas articulações são essenciais e vão além de simples trocas de informações, são práticas de trabalho
que permitem que todos os profissionais envolvidos saibam das ações terapêuticas utilizadas nos diferentes
dispositivos de saúde.

Reflexão:
Como é o trabalho em Rede no seu local de atuação?
Como ocorre a articulação com outros serviços da Rede de Atenção à Saúde?

Para aprofundar um pouco mais sobre a integralidade do cuidado na Atenção


Primária à Saúde vamos realizar a seguinte leitura complementar: ESLABÃO, A. D.;
SANTOS, E. O.; SANTOS, V. C.F; et al, Saúde mental na estratégia saúde da família:
caminhos para uma assistência integral em saúde. Journal Nursing Health, n. 9, v.1,
2019. Disponível em: file:///C:/Users/307M/Downloads/11106-52433-1-PB.pdf.

Agora que entendemos mais sobre a integralidade e o trabalho em equipe, vamos compreender
sobre outras dimensões do cuidado em saúde mental na APS, vamos iniciar pela Clínica Ampliada.

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CLÍNICA AMPLIADA
Vamos iniciar esse conteúdo/módulo com a Vídeoaula 4 - “Clínica Ampliada”

Para darmos continuidade no conteúdo e conseguirmos alcançar o entendimento da atuação em


equipe no cuidado de saúde mental na APS, precisamos também compreender o conceito de clínica ampliada.

E agora? O que isso significa?

A Clínica Ampliada tem um significado muito importante no contexto da Reforma Psiquiátrica


Brasileira, principalmente porque contrapõe a clínica tradicional apoiada na construção biológica da doença
e foca no sujeito.
Teorias tradicionais, em geral, consideram o indivíduo a partir de três grandes enfoques, sendo eles:
o biológico, o social e o psicológico, e dependendo da abordagem terapêutica do profissional haverá uma
tendência em supervalorizar determinado enfoque. E é nesse sentido que a Clínica Ampliada propõe uma
atuação diferente, que visa a articulação e inclusão desses três enfoques juntos no conceito de cuidado
(BRASIL, 2009).
É importante deixar claro que de forma alguma a clínica ampliada nega a existência da doença, mas
como o próprio nome diz, amplia a visão, ou seja, há mais coisas envolvidas nos sinais e sintomas que, como
profissionais da saúde no contexto da saúde mental, precisamos considerar (TRAJANO; BERNARDES; ZURBA,
2018).
A doença por si só é uma parte do contexto da vida da pessoa, não podemos negar as dificuldades
concretas e materiais que envolve o viver com um sofrimento e ou transtorno mental, mas se entende que o
olhar somente para a doença, ou seja a clínica tradicional, possui um alcance limitado (TRAJANO; BERNARDES;
ZURBA, 2018).

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E por que há essa limitação?

Porque possui uma base conceitual voltada para o biológico, a cura, observando o indivíduo de forma
fragmentada, cuja técnica de tratamento considera somente a ciência positivista e reducionista, de forma a
buscar a interrupção dos sintomas em detrimento ao cuidado em sua integralidade. A figura abaixo explica o
processo da clínica tradicional:

FONTE: Adaptado de Maeyama, Dolny e Knoll (2018).

Mas e a Clínica Ampliada?

A Clínica Ampliada por sua vez considera a vontade do usuário, volta o olhar do profissional ou da
equipe para o sujeito a partir da sua vivência social, história biológica e baseia-se na articulação e no diálogo.
Considera os diferentes saberes, buscando compreender o processo de adoecimento (BRASIL, 2009).

Mas então na clínica ampliada os sintomas


não são tratados?

São sim, mas não somente isso. Sabe-se que o diagnóstico é classificado a partir de critérios universais,
generalizáveis, o que propõe uma certa igualdade, entretanto, esse modo de atuação não sustenta a
complexidade do indivíduo em sociedade, pois cada pessoa é diferente da outra e o ambiente que está
inserido bem como, a forma com que enxerga o sentido da vida, torna-o único.

Vou dar um exemplo a você:

Uma pessoa que tem como diagnóstico o Transtorno Relacionado ao Uso de Substâncias, ou seja,
vamos supor que de acordo com a Classificação Internacional de Doenças (CID-10) um determinado indivíduo
que possui como diagnóstico o F10.2, Transtornos mentais e comportamentais relacionados ao uso do álcool
- Síndrome de dependência, categoricamente, essa pessoa terá as mesmas características que outra que
possui o mesmo diagnóstico, entretanto, questões como, por exemplo, a forma como se comportam, como
se relacionam, como são inseridos no âmbito familiar, se trabalham ou não, se possuem um temperamento
mais agressivo ou mais passivo, se há apoio ou suporte social, entre outros, tornam-os diferentes.
Essas questões supracitadas transformam-os em pessoas únicas, portanto, seus projetos terapêuticos

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devem ser construídos de maneira singular, considerando as diferenças ainda que possuam o mesmo
diagnóstico que tantas outras pessoas.
Trata-se de não mais diagnosticar e impor um tratamento, mas sim considerar a escuta, a observação, a
produção de sentidos através da reprodução social, buscando o protagonismo do indivíduo no seu tratamento
e sua autonomia. (TRAJANO; BERNARDES; ZURBA, 2018). Mas para que isso seja possível é preciso considerar
a singularidade do indivíduo e as diferenças que se sobrepõem aos sintomas para alcançar a integralidade,
como já falamos anteriormente.
É reconhecido que em um determinado momento poderá haver uma predominância no enfoque
biológico, ou no psicológico ou no social, como em uma situação de emergência. Entretanto, o que a Clínica
Ampliada ressalta é que, mesmo havendo tais predominâncias, não há negação dos outros enfoques (BRASIL,
2009).

De modo geral:
Quando pensamos em clínica ampliada, precisamos compreender além da prescrição de medicamentos
para inibir os sintomas, ou mesmo uma solicitação de exame ou uma hipótese diagnóstica. Precisamos pesar
que além disso, há uma pessoa que vive em uma família, inserida em um contexto social.
A partir disso, podemos compreender vários problemas relacionados ao processo de doença como a
baixa adesão ao tratamento, a cronicidade dos sintomas, a falta de eficácia do tratamento, entre outros. Tais
situações evidenciam a complexidade do indivíduo e exaltam a necessidade de uma visão ampliada da clínica
que vai além da tradicional.
Tendo como enfoque a baixa adesão ao tratamento, por exemplo, precisamos considerar que muitas
vezes o indivíduo não adere ao tratamento porque não tem recursos financeiros para mantê-lo, ou mesmo
porque possui desesperança com relação ao curso do seu transtorno mental, ou pode ter dificuldade de
acesso. Além disso, a cronicidade da doença pode estar relacionada a um baixo suporte familiar, a dificuldade
de compreensão do tratamento e do próprio diagnóstico, medo, vergonha, entre outras coisas que a clínica
tradicional não considera.
Isso porque, quanto mais longo for o tratamento, haverá uma maior necessidade de adesão, fato
que exige uma maior participação do usuário o que aumenta o desafio por parte das equipes de saúde e de
outros setores, portanto, há uma extrema necessidade do compartilhamento sobre as questões relacionadas
ao tratamento, de modo a empoderá-los e torná-los agentes ativos no processo terapêutico.
Nesse sentido, em muitas referências encontramos o conceito de clínica ampliada, como ampliada e
compartilhada pois tem como eixo central o desenvolvimento de uma gestão compartilhada do cuidado, o
que minimiza a desigualdade da relação profissional e usuário. Na clínica ampliada e compartilhada, tem-se
como princípio o diálogo para que seja produzida uma negociação de prática de cuidado, resultando em uma
maior adesão e consequentemente um melhor resultado clínico.
De um modo geral, ampliar e compartilhar a clínica é uma maneira de construir processos de saúde
que associam os dispositivos, os profissionais e a comunidade. Para elucidar melhor o que a clínica ampliada
e compartilhada propõe, o Quadro abaixo ilustra os eixos fundamentais dessas abordagens terapêuticas no
âmbito da APS em comparação a clínica tradicional:

Clínica ampliada Clínica tradicional


● Compreensão ampliada do processo saúde doença ● Compreensão do diagnóstico
● Privilegia vários conhecimentos ● Conhecimento centrado no médico
● Cuidado integral ● Cuidado fragmentado
● Construção compartilhada do diagnóstico ● Usuário recebe a prescrição dos cuidados
● Admite dúvidas ● Profissional da saúde é o detentor do saber
● Trabalho em rede ● Trabalho individualizado
Fonte: A autora (2021).

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Vale relembrar que a clínica ampliada é um princípio que orienta o
cuidado, buscando a integração de todas as abordagens terapêuticas a fim
de possibilitar um manejo eficaz a partir da necessidade real do usuário.

Deste modo, pode-se ressaltar que as relações interpessoais estabelecidas se sobrepõem aos
procedimentos baseados em protocolos e assim, exaltam-se mais uma vez as ferramentas como a escuta,
o acolhimento e o vínculo entre o ser cuidado e o cuidador, tendo como eixo norteador, a integralidade do
cuidado.
De forma resumida a clínica ampliada é:
1. Um compromisso com o indivíduo a partir de um olhar singular.
2. Assumir a responsabilidade sobre os usuários dos serviços de saúde.
3. Trabalho intersetorial em rede e multiprofissional.
4. Valorizar os diversos conhecimentos.

Por fim, ressalta-se que a clínica ampliada é um convite para o profissional de saúde ampliar o seu
objeto de trabalho. Trata-se de uma mudança cultural, interna e difícil, mas que traz resultados mais eficazes
e efetivos devido à possibilidade de uma maior autonomia e corresponsabilização do usuário.

Para aprofundar um pouco mais sobre a clínica ampliada vamos realizar a seguinte
leitura complementar: VIEIRA, M. M.; NOGUEIRA, C. C.C. A perspectiva da clínica
ampliada no contexto comunitário. ANALECTA - Centro Universitário Academia. v.
5; n.5; 2019. Disponível em: https://seer.cesjf.br/index.php/ANL/article/view/2355.

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APOIO MATRICIAL
Vamos iniciar esse conteúdo/módulo com a Vídeoaula 5 - “Apoio Matricial”

O matriciamento teve sua formulação constituída no ano de 1999 por Gastão Wagner Campos, mas
somente no ano de 2003 foi descrita como proposta de intervenção na Política de Saúde Mental, e criou
força com a criação dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) (BRASIL, 2011).
Desde então, o Ministério da Saúde posicionou-se pela implantação do apoio matricial como sendo
uma ferramenta de intervenção associada à Atenção Primária. Tal ferramenta pauta questões relacionadas
ao atendimento territorial, multiprofissional e intersetorial.

Mas afinal, o que é realmente o apoio matricial?

De acordo com a definição do Ministério da Saúde, trata-se do modo de produzir saúde por meio de
duas ou mais equipes que produzem uma proposta pedagógico-terapêutica de forma compartilhada (BRASIL,
2011). Ou seja, norteia as experiências de forma colaborativa entre a saúde mental e a atenção primária.
Vamos refletir um pouco sobre a prática de trabalho tradicional.

Como já falado anteriormente, em geral, os serviços são organizados de


forma vertical, hierárquica, no qual um profissional encaminha o usuário a um
especialista e assim transferindo também a responsabilidade sobre o caso.
Nesse modo de conduzir um caso, sabe-se que a comunicação entre os
profissionais se torna prejudicada, pois, ocorre por escrito, por meio de
formulários de contrarreferências.
Isso lhe soa familiar?

Mas como seria se os dispositivos de saúde trabalhassem a partir da perspectiva do apoio matricial?

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Com o apoio matricial, as ações terapêuticas, são delineadas de forma horizontal,
ou seja, todos os serviços têm a mesma importância.
A comunicação se torna mais estreita pois há uma troca de informações e
conhecimento, no qual gera reflexões sobre os desafios e conquistas, e assim
todos os dispositivos de saúde envolvidos no cuidado são responsáveis pelo caso.

Não parece ser uma intervenção mais adequada?

Sim, é a mais adequada pois estamos considerando a complexidade que envolve o sujeito. Portanto,
o apoio matricial configura-se como uma estratégia que rompe com a lógica tradicional do sistema de saúde
e estrutura-se a partir de dois tipos de equipe:
1. Equipe de referência e,
2. Equipe de apoio matricial.

No caso da equipe de referência, são aqueles que atuam na Atenção Primária, e a equipe de apoio
matricial são os profissionais da saúde mental. A relação entre essas equipes deve ser coesa, pois além de
serem arranjos organizacionais, também são uma metodologia de trabalho.

E quem são os profissionais que


podem dar o apoio matricial?

Psiquiatras Psiquiatras

Enfermeiros de Saúde
Terapeutas ocupacionais
Mental

Assistentes sociais e Outros

Quanto aos matriciadores, ou seja, os profissionais da saúde mental devem ser de nível superior,
podendo ser representados por diversas categorias profissionais, ressaltando o trabalho interdisciplinar.
Cada profissão pode contribuir com um olhar diferente, ampliando as potencialidades de atuação.

E quem são os profissionais de referência?

São todos aqueles que atuam na APS, com o usuário em questão, os quais conhecem e acompanham
diretamente o caso.

Médico Enfermeiro

Aux e Tec de
Dentista
enfermagem

Agentes Comunitários
de Saúde

E como fazemos acontecer o matriciamento?

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Em primeiro lugar é preciso entender que o trabalho no matriciamento é de suporte técnico, o qual
possui o intuito de ampliar o campo de atuação. Quando temos isso em mente sabemos que o apoio matricial
não é:

Encaminhamento ao especialista;

Atendimento individual do especialista na APS;

Intervenção psicossocial coletiva realizado somente pela


equipe da saúde mental.

Fonte: BRASIL (2011).

Assim, o matriciamento é uma ferramenta que proporciona retaguarda especializada, possibilitando


assistência adequada à pessoa com sofrimento psíquico na APS.

E como você pode solicitar o apoio matricial?


Vejamos algumas possibilidades:

1. Quando a equipe de referência da APS entender necessário um apoio da saúde mental na


condução de um caso, por exemplo ao precisar de esclarecimento diagnóstico, ou mesmo
para estruturar um projeto terapêutico (vamos abordar esse tema no módulo 4.1).
2. Quando a equipe de referência necessitar de apoio para realizar intervenções terapêuticas,
como os grupos para pessoas com sofrimento ou transtorno mental.
3. Quando necessita de integração entre as equipes de referência e de saúde mental para maior
resolutividade ao caso, como por exemplo, quando não há adesão ao tratamento no CAPS.
4. Para apoio a equipe de referência quando há dificuldade no desempenho de suas atividades
em saúde mental.

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TIPOS DE MATRICIAMENTO
Vamos iniciar esse conteúdo/módulo com a Vídeoaula 6 - “Tipos de Matriciamento”

Vamos conhecer agora algumas formas possíveis de realizar o matriciamento:

A Interconsulta

A interconsulta é o principal instrumento de apoio matricial e entendemos como uma prática


interdisciplinar com o intuito de construir um cuidado integral. Trata-se de uma ação colaborativa por meio
de diversas formas, podendo ser uma discussão de caso ou mesmo as intervenções propriamente ditas,
como consultas em conjunto, ou visitas domiciliares em conjunto. Na interconsulta sempre deve haver a
discussão de caso e deve ocorrer sempre a partir de uma visão biopsicossocial, considerando os diversos
saberes.

Na interconsulta precisamos compreender alguns detalhes importantes:

Inicialmente, precisamos ter ao certo o motivo que um determinado caso necessite de discussão. Ou
seja, é possível que a equipe de referência entenda a necessidade do matriciamento por algo que vai além
da queixa da família ou do paciente. E nesse caso solicita o apoio matricial para discutir a situação.
Outra questão que precisa ser levada em consideração é a situação atual em que o indivíduo com
sofrimento mental encontra-se, como por exemplo, para se ter uma intervenção terapêutica com excelência
é preciso firmar uma avaliação adequada e compreender o contexto que envolve o caso.
Os recursos disponíveis que a equipe de referência tem para colocar em prática o cuidado vão
além dos disponíveis na saúde, podem ser serviços da assistência social, como por exemplo, o Serviço de
Proteção à Família (PAIF), Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, projetos culturais, esportivos,
educacionais, economia solidária, entre outros. Quando se indica possibilidades terapêuticas inalcançáveis,
seja em decorrência da falta de estrutura da unidade de saúde, ou de dificuldades oriundas da pessoa com
sofrimento psíquico, pouca eficácia terá discussão de caso. Como por exemplo a indicação de uma medicação

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mais sofisticada e o usuário não ter recurso financeiro para comprar.
E, por fim, quando a equipe de saúde mental e a equipe de referência discutem o caso a partir do
entendimento que o principal objetivo é o apoio e alívio do sofrimento, há maiores chances de ter sucesso
na discussão do caso.

Vamos refletir sobre a discussão de caso:


Discutir um caso é a forma mais comum de interconsulta. Permite que seja observado determinada
situação por diferentes ângulos e diferentes saberes, ou seja, é um espaço de troca entre o profissional de
referência e o matriciador. E quando realizado por equipe interdisciplinar é ainda melhor, pois há uma visão
mais ampla do caso permitindo que a equipe construa estratégias terapêuticas de forma coletiva. Quanto
mais profissionais envolvidos e presentes na discussão interdisciplinar, maiores são as potencialidades dessa
ferramenta matricial.

Vejamos agora outra forma possível de apoio matricial:

A Consulta Conjunta

A Consulta Conjunta é uma possibilidade efetiva de apoio matricial. Traz uma resposta resolutiva a uma
determinada demanda de saúde. Na consulta em conjunto podem estar presentes diferentes profissionais, o
próprio paciente ou os familiares.
Nesse modo de apoio matricial o foco, além da construção do projeto terapêutico, também são ações
pedagógicas por parte do matriciador, uma vez que não há possibilidade de atender de forma individual
todos os casos de saúde mental na APS.
É preciso compreender que a consulta em conjunto não contempla todas as necessidades dos
profissionais de referência, mas podem com o tempo, gerar novas competências ao matriciando, uma vez
que as questões pedagógico-terapêuticas se dão principalmente a partir de questionamentos, dúvidas e
informações.
Quais profissionais podem estar em uma consulta em conjunto?

Pessoas envolvidas na Consulta Conjunta


Da saúde mental Psiquiatra; Psicólogo; Enfermeiro; Terapeuta Ocupacional ou outro
profissional de nível superior
Da Atenção Primária Médico; Enfermeiro; Dentista; Agentee Comunitário de Saúde.
Do Usuário Paciente; familiares e acompanhantes.
Outros Estudantes; estagiários, ou outros

Fonte: Brasil, 2011

Na consulta em conjunto, no que se refere à equipe de matriciadores, precisamos considerar alguns


aspectos importantes:
● Quanto maior a sua experiência em saúde mental no contexto da atenção primária, maior
será sua capacidade de gerar mudanças;
● A equipe matriciadora não deve apenas prescrever condutas;
● O matriciador deve dialogar, pedir opinião dos matriciandos, e assim instigar e estimular o
raciocínio dos profissionais da APS.

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Partindo dessas questões que envolvem o matriciador e os matriciandos, podemos agora entender
quais são as etapas para que uma consulta em conjunto seja realizada:
1. Contato prévio entre as equipes
2. Discutir o caso antes do atendimento
3. Explicar ao usuário o que será feito
4. Solicitar permissão
5. Realização da consulta
6. Discussão de conduta compartilhada

Vejamos agora outra forma de apoio matricial:

A Visita Domiciliar Conjunta

A Visita Domiciliar em Conjunto é mais uma ferramenta de apoio matricial e tem muitas características
da Consulta Conjunta. As razões para a visita domiciliar em conjunto são diversas, entre as mais comuns
estão: a falta de adesão, a dificuldade do usuário de comparecer à unidade de saúde, entre outros.
É importante salientar que o foco da visita domiciliar em conjunto é diferente da visita domiciliar que
tanto a saúde mental como a APS fazem de forma isolada. Nesses casos, o CAPS tem o perfil de ir ao domicílio
de pessoas com transtornos mentais graves e persistentes, como uma extensão do serviço, possui um caráter
quase terciário.
Já na APS, a visita domiciliar é mais direcionada aos acamados e idosos, no entanto, há aqueles usuários com
maior complexidade psicossocial. Nesses casos, a equipe de apoio matricial deve atuar. Nessa modalidade,
a presença do Agente Comunitário de Saúde é de suma importância e sua ausência só deve acontecer se
houver uma justificativa plausível.
A discussão de caso na visita domiciliar em conjunto, em geral, é mais complexa. Necessita de um
maior número de participantes, deve-se explicar ao usuário ou à família o que está acontecendo. Não há
necessidade de responder às questões de forma imediata, há a possibilidade de explicar ao usuário que a
equipe de matriciadores e os matriciandos irão discutir os dados na unidade de saúde, o que permite uma
tranquilidade maior para refletir sobre os achados na visita.

E, por fim, o contato a distância:

Contato a Distância

O apoio matricial também pode ser feito a distância, por meio do telefone, o meio mais tradicional,
ou outras tecnologias Esse formato de matriciamento otimiza o tempo dos profissionais envolvidos e o custo
com deslocamentos.
Vale destacar que nem sempre as equipes de matriciadores estarão disponíveis e que esse formato
depende muito do vínculo entre as equipes e a complexidade do caso. O contato a distância tem ganhado
espaço nos serviços de saúde com a implantação da Telessaúde, o qual tem como referência um especialista
e enquadra-se na proposta do apoio matricial.

Vamos aprofundar um pouco mais a leitura sobre o apoio matricial na APS?, para
isso sugiro a leitura do seguinte texto: IGLESIAS, A.; AVELLAR, L. Z. Matriciamento
em Saúde Mental: práticas e concepções trazidas por equipes de referência,
matriciadores e gestores. Ciênc. saúde colet. v. 24; n. 4; 2019. Disponível em:
https://doi.org/10.1590/1413-81232018244.05362017.

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Outras Possibilidades de matriciamento

Considerando todo o conteúdo exposto, é importante ressaltar que é necessário que haja uma
periodicidade de Reunião de Matriciamento entre a Equipe de Referência e a Equipe de Apoio, pelo
menos uma vez ao mês, para que as questões de saúde mental possam ser problematizadas, planejadas e
programadas (BRASIL, 2014).
Tais reuniões são importantes para que seja possível discutir os casos e pontuar questões que
contribuirão de forma educativa (educação permanente em saúde mental) aos profissionais de referência,
bem como planejar e programar demandas em saúde mental, como as ações necessárias para a elaboração
do PTS, intervenções em grupo, ou individuais, visitas domiciliares em conjunto, monitoramentos dos casos,
entre outras. Entretanto, para que isso seja possível, é importante o gestor disponibilizar um horário protegido
nas agendas dos profissionais da equipe de referência, e que previamente as equipes já elenquem os casos
e/ou temas a serem discutidos.
Como outra maneira de matriciamento pode-se citar também a Atividade Coletiva Compartilhada.
Nesse caso a equipe de apoio pode auxiliar a equipe de referência no planejamento e na execução conjunta
de grupos de educação em saúde e em eventos temáticos na APS ou na comunidade (BRASIL, 2014).
Outra questão importante que a equipe de apoio pode auxiliar a equipe de referência é com a
Elaboração de Pesquisas e Materiais de Apoio. Como por exemplo, a elaboração de um fluxo de atendimento,
rotinas, elaboração de protocolos de atendimentos, de linhas de cuidado, entre outros (BRASIL, 2014).
A elaboração de pesquisas quantitativas é muito importante também pois têm o intuito de identificar
as principais demandas da área de abrangência. Entre os temas é possível citar o levantamento de pessoas
com ideação/tentativa de suicídio, quantitativo do uso de substâncias, substâncias químicas mais utilizadas e
assim elaborar ações de prevenção e de promoção da saúde de modo coletivo.

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ARTICULAÇÃO INTERSETORIAL
Vamos iniciar esse conteúdo/módulo com a Vídeoaula 7 - “Articulação Intersetorial”

A discussão até o momento foi acerca das ferramentas que permeiam as dimensões do cuidado em
saúde mental no âmbito da APS, e nenhuma delas é possível sem que haja a articulação intersetorial.
A articulação intersetorial ou intersetorialidade tem sentido quando o trabalho deixa de ser vertical
e hierárquico e passa a ser horizontal e compartilhado. Para tanto, indica-se a necessidade de envolvimento
dos trabalhadores, usuários e comunidade a fim de garantir a saúde e a cidadania como direito fundamental.
Conceitualmente, sabe-se da intersetorialidade como uma política complexa que objetiva articular
e unir os diferentes setores de atuação social, com o intuito de conquistar melhores condições de vida,
Entretanto, apesar do direcionamento da Política de Saúde Mental apresentar a necessidade de articulação
intersetorial e em rede, buscando a adequação e transformação das lógicas de cuidado, isso ainda não é uma
realidade na prática de atuação, o que torna o processo de cuidado em saúde mental um desafio.
O contexto social vem tornando-se cada vez mais complexo fazendo com que as resoluções de
problemas ou situação não se sustentam por meio de um trabalho fragmentado. Nem mesmo ações setoriais
possuem capacidade de resolver. Nesse modo de atuação por meio da intersetorialidade, o conhecimento e o
saber são expostos por meio do diálogo considerando os distintos interesses setoriais, diferentes perspectivas
e valores, com o intuito de buscar alternativas concretas, pois os problemas são reais.
Essa questão reflete principalmente na corresponsabilização do cuidado, pois muitas questões não
são específicas do eixo saúde. Essa corresponsabilização contribui com o aumento da participação dos atores
produzindo importantes reflexões e articulações assertivas pensadas de forma coletiva.
A intersetorialidade se faz necessária nesse ponto, pois quando há compreensão que o cuidado em
saúde mental não pode ser reduzido somente ao âmbito da saúde, há um desabrochar, tanto dos gestores
quantos dos trabalhadores, acerca da complexidade que envolve o indivíduo com sofrimento psíquico e a
necessidade de articular os serviços, os setores e as políticas torna-se essencial.
A incorporação da intersetorialidade nas políticas públicas trouxe articulação de distintos saberes
técnicos, que proporcionaram ganhos à população. Ao mesmo tempo, é preciso entender que as políticas
setoriais (como a saúde) não solucionam tudo e necessitam se comunicar para evidenciar aquilo que podem
ou não oferecer.
Desta forma, é preciso investir na realização de práticas de atuação intersetorial a qual se tem a

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presença da educação, da assistência social, da justiça, entre outros, por meio da interlocução com a equipe
da saúde responsável pelo cuidado em saúde mental. Vale dizer que esses setores muitas vezes agem de
forma isolada e desarticulada, centralizadora e hierárquica, o que fragiliza o cuidado do usuário que merece
toda a atenção.
Isso porque a parceria entre esses e outros diferentes setores, transcendem o modelo exclusivamente
biomédico, pois abrangem outras dimensões como o acesso à educação, a alimentação, a segurança, entre
outros. Por isso que a intersetorialidade deve contemplar, entre outros aspectos, os que regem a integralidade
já falada anteriormente.
Entretanto, o desafio é justamente a compreensão da importância da intersetorialidade na saúde
mental, bem como a ação propriamente dita, pois as práticas de atuação precisam sempre estar subsidiadas
pela complexidade que envolve o usuário e na busca pela parceria intersetorial e transdisciplinar. A
intersetorialidade é um desafio complexo por articular serviços, formar redes e unir pessoas de múltiplas
maneiras.
É importante ressaltar que o Movimento da Reforma Psiquiátrica é o grande responsável pelo
entendimento da importância da intersetorialidade e apesar de ter um marco histórico com a promulgação
da Lei n° 10.216, de 6 de abril de 2001, ainda não acabou, está em constante transformação e, mesmo sendo
um momento, também é um processo, portanto exige mudanças que impactam diretamente em todos os
dispositivos da Rede de Atenção Psicossocial, dentre eles os que pertencem a APS.
Nesse contexto, prioriza-se lo retorno do usuário no território, no meio social em que vive, ou seja, a
dinamicidade do território bem como suas características sociais influenciam de forma peculiar cada indivíduo
e suas relações. Portanto, o cuidado em saúde mental no território deve ser relacionado à singularidade da
pessoa com sofrimento psíquico por meio de projetos de inclusão, o que pode contribuir com a resignação
do transtorno mental, minimizando os estigmas e os preconceitos.
E, nesse contexto, ressalta-se ainda mais a importância dos trabalhadores da saúde, pois estes
formam os agentes transformadores do cuidado em saúde e ainda precisam manter seu protagonismo, pois
são fundamentais para que não haja regressão em todas as práticas já conquistadas.

Vamos analisar a intersetorialidade por um ângulo


importante
É importante esclarecer que a intersetorialidade é uma ferramenta de apoio ao cuidado de saúde
mental na APS e que não se pode considerar o transtorno mental como evento natural, mas pode incluir
outros setores na responsabilização do cuidado, consolidando os preceitos da Reforma Psiquiátrica.

Mas porque a intersetorialidade é tão importante na APS?

É porque a APS está localizada onde o indivíduo com sofrimento psíquico vive, é um dispositivo
privilegiado de suma importância para o tratamento dos transtornos mentais.
E então, como devemos construir a intersetorialidade? Por meio de proces-sos organizados e
coletivos, com respeito à particularidade dos envolvidos. É um processo que exige a interação permanente
dos diferentes setores, considerando a produção social e subjetiva que irá refletir no modo de atuação dos
trabalhado-res e das pessoas com sofrimento psíquico.
As redes intersetoriais devem sugerir ideias que as conectem e estimular vínculos, devem ser
parceiras. E considerando tudo o que foi explicado sobre in-tersetorialidade, o maior objetivo é criar políticas
que produzam efeitos mais signi-ficativos para as pessoas, superando a fragmentação de saberes com vistas
à re-solução de queixas amplas e complexas. Entretanto, ressalta-se que trabalhar de forma intersetorial não
implica necessariamente na resolução de um problema, mas sim na soma de forças e possibilidades de agir
de maneira mais assertiva.

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Vamos conhecer algumas ferramentas da intersetorialidade.

● Discussão de casos em rede intersetorial;


● Agenda de reuniões: por exemplo, reunir rede de proteção à infância e a adolescência, com
saúde, assistência social, educação e conselho tutelar do território;
● Participação de outros setores na educação permanente da unidade de saúde;
● Participação em conferências locais de políticas públicas: conferência municipal de habitação,
conferência municipal de criança e adolescente, pré-conferências distritais de saúde, etc.,
● Projetos intersetoriais, como horta comunitária e grupo de economia solidária;
● Colaboração da saúde nos dispositivos do território: realizar um grupo com crianças no serviço
de convivência e fortalecimento de vínculos () para promover a saúde mental

CONTROLE SOCIAL
Como função estrutural, o controle social busca a fiscalização, formulação e implementação de
políticas públicas com vistas a um serviço prestado com qualidade. Porquanto, sabe-se que projetos dos
quais há o envolvimento do controle social tendem a gerar resultados mais efetivos. Vale ressaltar que só
é possível quando há uma forte mobilização e participação popular nas decisões e na construção da saúde
(SANTOS, 2017).
Entre os mecanismos de controle social, destaca-se as conferências e os conselhos. No caso desse último,
trata-se de órgãos colegiados de caráter permanente podendo ser deliberativo ou consultivo que possuem a
incubência de avaliar, formular e supervisionar políticas públicas federais, estaduais e municipais (SANTOS,
2017).
Há também aqueles que fiscalizam e controlam a gestão principalmente sob o aspecto financeiro, como
no caso da Saúde. Desta forma, sociedade civil e o Estado adquirem uma corresponsabilização quanto a
formalização e aplicação de políticas públicas a fim de promover, garantir e ampliar os direitos (SANTOS,
2017).
O Controle Social tem um papel fundamental no que tange a inclusão usuários com sofrimento ou transtorno
mental pois potencializa e fortalece os espaços de cidadania e qualifica as ações de saúde mental e, além
disso, e constitui-se como um espaço político entre os profissionais da APS com a comunidade (OLSCHOWSKY
et. al., 2014).

PROJETOS INTERSETORIAIS
Há inúmeros projetos intersetoriais que são possíveis de desenvolver no âmbito da APS como forma
diferente do tradicional de fazer saúde e promover a reabilitação social de pessoas com transtornos mentais.
Um projeto intersetorial de suma importância no contexto da saúde mental é a Economia Solidária o
qual se refere a inclusão de pessoas em desvantagem social no mundo do trabalho, bem como na sociedade
(MAZARO, MATSUKURA, LUSSI, 2020).
Considerando a emersão da Reforma Psiquiátrica, a transição do internamento asilar para o convívio
com a família em meio a comunidade potencializou a ideia de inclusão e reabilitação social da pessoa com
transtorno mental por meio do trabalho através da economia solidária (MAZARO, MATSUKURA, LUSSI, 2020).
A associação entre a economia solidária e a saúde mental é de suma importância pois há uma proposta
de princípios cooperativos, autogestionários e solidários valorizando as relações interpessoais e o meio
ambiente, proporcionando ao usuário tornar-se o elemento central da atividade produtiva e econômica,
bem como, há de se destacar, a construção da autonomia da pessoa com transtorno mental (FRANZOLOSO;
FERRO, 2021).

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Como leitura complementar sugiro o seguinte texto: ROMAGNOLI, R.C. AMORIM, A.
K. M. A.; SEVERO, A. K. S.; NOBRE, M. T. Intersetorialidade em Saúde Mental: Tensões
e desafios em cidades do sudeste e nordeste brasileiro. Revista Subjetividades. v.
17; n. 3, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.5020/23590777.rs.v17i3.6075

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COMPARTILHAMENTO DO
CUIDADO, ÉTICA E SIGILO
Vamos iniciar esse conteúdo/módulo com a Vídeoaula 8 - “Compartilhamento do Cuidado, Ética e
Sigilo”

Caro aluno, neste momento vamos abordar um pouco sobre tudo o que foi falado anteriormente, mas
no viés da ética e do sigilo. Conforme vimos, a integralidade do cuidado, o apoio matricial, a intersetorialidade
que irão influenciar a formação do pensamento crítico do cuidado tradicional e emergir a clínica ampliada,
perpassa pelo compartilhamento de informações.

Mas e o limite ético disso tudo?

Antes de responder essa pergunta vamos entender sobre a ética, bioética e sigilo a partir de breve
contexto:
Ética é um direcionamento das condutas relacionadas aos deveres do código de ética profissional,
diferentemente da bioética que não se limita apenas a uma perspectiva legal, pois considera outros elementos
contextuais e subjetivos (BAYÃO; GOMES; SIQUEIRA-BATISTA, 2021).
Como estamos incentivando e expondo ao longo de todo esse módulo que o trabalho em equipe é
importante e necessário para uma melhor efetividade das ações é crucial pensar que bioética na APS pode
ser compreendida por um domínio teórico-prático, capaz de unir a clínica com a prática criando um elo entre
essas duas questões. (BAYÃO; GOMES; SIQUEIRA-BATISTA, 2021).
O sigilo profissional, a confiabilidade e a privacidade são direitos do usuário e são características
inerentes das diferentes categorias profissionais que atuam na área da saúde e a APS traz uma característica
peculiar nesse sentido pelo fato do território e a casa do usuário serem uma extensão do consultório. Para
tanto, exige-se do profissional da APS conhecimentos, habilidades e comportamentos éticos e bioéticos
devido a essa proximidade. (CHUENGUE; FRANCO, 2018).
Além do campo de atuação da APS com a comunidade, precisamos pensar também no viés bioético

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no campo da intersetorialidade. E nesse sentido precisamos refletir sobre os aspectos éticos envolvidos nesse
compartilhar de dados, pois sabemos que é um desafio para a prática dos profissionais de saúde. Por ser
coordenadora do cuidado, a APS é um dos dispositivos de saúde que mais está exposto ao compartilhamento
de informações, como nas discussões de caso, multidisciplinar e intersetorial, que vimos anteriormente
(BAYÃO; GOMES; SIQUEIRA-BATISTA, 2021).
O modelo atual de atenção à saúde proposto na APS preconiza a direção adequada das informações,
o que leva a uma boa prática de saúde. Sabemos que frequentemente os usuários trazem aos profissionais
questões éticas e sigilosas, buscando uma solução para seus problemas. E como lidar com isso?
Cilene Rennó Junqueira (2012) pontua sete desafios (Bio)éticos na atenção primária e vamos refletir
um pouco sobre cada um deles:

1. A postura do profissional nas relações com o usuário, família e equipe de saúde.


Nesse desafio precisamos compreender que todas as pessoas se relacionam, entretanto, com o modo
de vida atual, muitas vezes fazem perder o sentido desviando o foco da pessoa para a confiança em novas
tecnologias. E para resgatar o sentido das relações humanas torna-se importante discutir sobre os desafios
bioéticos da atualidade.
A postura do profissional diante do usuário e familiares é de suma importância nessas relações. Ter
uma atitude na qual o profissional entende-se como superior devido ao seu conhecimento técnico prejudica
essas relações.
O profissional precisa aproximar o usuário, compreendendo-o como único e merecedor do melhor
atendimento, e nesse caso o trabalho em equipe é essencial, desde aquele profissional que é responsável
pelo agendamento, pois também precisa estar coeso com as decisões da equipe. Nesse sentido, quando as
informações são devidamente compartilhadas será fornecido o melhor cuidado.

2. Humanizar e acolher
Outro desafio (bio)ético que precisamos compreender no trabalho multiprofissional e intersetorial é
a humanização do cuidado, que nada mais é que mudar a forma de atenção ao usuário, que era fragmentada
e biomédica, o que reduz a complexidade do ser humano em questões biológicas.
A superespecialização é um dos quesitos que possui muita responsabilidade no cuidado fragmentado.
Por um lado, produz um resultado direcionado à queixa e possibilita os aprofundamentos de partes, possui
o desafio do compartilhamento de informações e a harmonia entre o biológico, psíquico e social se perde.
Nesse ponto, o pensamento crítico se torna importante e o foco na integralidade é essencial.

3. O esclarecimento
O esclarecimento é um desafio bioético muito importante, pois é preciso que o usuário aceite o
tratamento que está sendo exposto. Esse esclarecimento não está relacionado ao fato de passar informações
ao usuário, mas sim que estas informações sejam compreendidas por ele.
No campo da saúde mental é ainda mais importante, e portanto o profissional deve se ater às
dificuldades de compreensão que porventura possam existir e estabelecer estratégias que certifiquem o
entendimento.
Nesse sentido precisamos nos permitir ouvir o paciente, como abordado na escuta qualificada, assim
podemos perceber se ele está compreendendo as informações e então temos a possibilidade de pedir seu
consentimento acerca do tratamento. Em geral, prescrevemos cuidados e medicamentos sem ao menos
perguntar o que o usuário acha disso, mas precisa-se deixar claro que ele tem a liberdade de decisão.
Ouvir o que o usuário deseja é um tema central do Movimento da Reforma Psiquiátrica, ou seja, não
é apenas um objeto do seu tratamento mas sim protagonista e precisa ser compreendido como tal, buscando
a autonomia e respeitando o que o sujeito deseja (BRASIL, 2013).
A autonomia da pessoa com sofrimento ou transtorno mental reflete dignidade, a qual tem um papel
fundamental na proteção da vida, na integridade física e psíquica, na liberdade e na personalidade do usuário.
Ao compreendermos que a autonomia se trata de um direito fundamental, promovemos a habilidade do
usuário em declarar sua vontade quanto às alternativas terapêuticas (MENDONÇA, 2019).
A autonomia se trata de um cunho ético mais valorizado no tratamento em saúde, e vale destacar

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que, todos são autônomos para agir da maneira que julgar interessante e conveniente ao seu projeto de vida.
E nesse sentido também estão incluídos aqueles com transtornos mentais (MENDONÇA, 2019).

4. A privacidade e o sigilo
A privacidade refere-se ao direito que o usuário tem de ser atendido em um espaço privado. Na APS o lugar
de atendimento pode variar, nem sempre será em um consultório, pode ser a casa, o quarto, entre outros.
Quando falamos de visitas domiciliares, falamos da presença do Agente Comunitário de Saúde que por vezes
é vizinho do usuário e então devemos nos perguntar:

Todas as informações devem ser compartilhadas com todos


os membros da equipe? Há algum limite?

Vamos pensar um pouco analisando o seguinte conceito:

Qualquer pessoa tem direito ao sigilo das informações obtidas durante um atendimento na saúde. A
confidencialidade das informações é tanto um dever do profissional da saúde como um direito do paciente.
A quebra do sigilo só é justificada nos casos de riscos à pessoa ou a terceiros. Nesses casos, a necessidade
da quebra de sigilo deverá ser comunicada à pessoa. Por isso, compartilhar informações com membros da
equipe de saúde só se justifica quando se espera um real benefício àquela pessoa (JUNQUEIRA, 2012).

Deste modo devemos manter sigilo das informações até mesmo com profissionais da saúde, contudo
em uma discussão de caso clínico, seja multiprofissional ou intersetorial, por vezes é necessário.

5. A Importância do prontuário
Os prontuários pertencem ao usuário e fornecem dados relativos ao tratamento, nesse caso é preciso
documentar todos os aspectos necessários para o controle e qualidade do atendimento.
Na APS deve-se manter uma certa preocupação por ser um dispositivo que atende a família, e as
informações não podem ser compartilhadas entre os membros familiares. E o manuseio do prontuário, seja
físico ou eletrônico, deve preservar as informações contidas de forma sigilosa.

6. A interferência na adoção ou não, de estilos de vida saudáveis.


Algumas ações de saúde geram confronto entre o que é indicado pelos profissionais da saúde e o
que usuário aceita e concorda, gerando conflitos de interesses. Em um contexto atual no qual preza pela
autonomia, mesmo quando prejudicam as pessoas como fumar, é preciso respeitar?
E quando um estilo de vida não saudável prejudica a vida de outra pessoa? É dever do Estado proteger?
A intervenção é necessária quando há prejuízo da coletividade. Muitas vezes a conduta do Estado, que
visa o benefício da coletividade, conflita com a autonomia do usuário. Mas há situações que essa intervenção
é necessária, como por exemplo: o controle de zoonoses, as ações de vigilância sanitária, vacinação, entre
outros.
Considerando esses casos supracitados, quando o estilo de vida interfere somente na pessoa, não
devemos discriminar ou culpabilizar, não é nossa função como profissional da saúde. Nesses casos podemos
trabalhar intensamente com ações educativas a fim de que o usuário reflita sobre seu estilo de vida.

7. A satisfação do usuário.
Tanto a preservação como a promoção da saúde são fundamentos da APS, mas nesse contexto
devemos acrescentar a satisfação do usuário. A insatisfação do usuário é muito importante, pois está
relacionado a ouvidorias e processos judiciais. Mas além disso, a satisfação do usuário precisa ser uma busca
por parte dos profissionais da saúde.
Para que possamos atingir essas satisfações, precisamos compreender aspectos como: as expectativas,
o estabelecimento de vínculos, conhecer o usuário, entre outros.
Por fim, considerando todos esses desafios éticos, ressalta-se que precisamos reconhecer o usuário
como um ser único, constituído por uma totalidade de aspectos que se interrelacionam, e os profissionais de
saúde atuam eticamente quando incorporam o respeito, o sigilo e a proteção.

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Vamos complementar o aprendizado com leitura? Sugiro o texto: FINKLER,
M.; CAETANO, J. C.; RAMOS, F.G.S. O cuidado ético-pedagógico no processo de
socialização profissional: por uma formação ética. Interface - Comunic., Saúde,
Educ., v. 16, n. 43, p. 981-93, 2012. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1414-
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APERFEIÇOAMENTO EM
SAÚDE MENTAL
PARA A ATENÇÃO
PRIMÁRIA À SAÚDE

Unidade de Aprendizagem 3

Gestão do Cuidado
em Saúde Mental

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