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07/02/2019 A teoria do "gatekeeping" - Flavio Gordon

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Flavio Gordon
   

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Flavio Gordon » A teoria do “gatekeeping”

A teoria do “gatekeeping”
por Flávio Gordon [ 06/02/2019 ] [ 15:39 ] Atualizado em [ 06/02/2019 ] [ 15:39 ]

I S R C F ... 57 Beta

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07/02/2019 A teoria do "gatekeeping" - Flavio Gordon
XVIII Encontro do Foro de São Paulo, em 2012. Cancillería Ecuador/Wikimedia Commons
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“A relação dos jornais com a vida é mais ou menos a mesma das


cartomantes com a metafísica” (Karl Kraus, Aforismos)

Confrontados com minhas críticas ao que tenho chamado de


provincianismo da imprensa, manifesto na tendência a excluir
do noticiário vastas e generosas porções de realidade, alguns
amigos jornalistas, bem como profissionais de imprensa com
quem já dialoguei em redes sociais, costumam vasculhar nos
arquivos dos grandes jornais em busca da cobertura que aleguei
inexistir. Então, com ar triunfal, mas sem perder a ternura
jamais, deliciam-se com esfregar-me nas fuças a dita cuja: “Aqui,
ó! Saíram essas quatro linhazinhas no cantinho direito da
página 12 do jornal tal”.

Meus interlocutores têm alguma razão, admito. O problema por


mim apontado de maneira tão insistente (uns dirão
obsessivamente) não é tanto a completa ausência do fato
noticiado, embora também isso seja mais usual do que eles
gostariam de reconhecer, mas a frequência com que aparece e,
sobretudo, o tratamento que lhe é dispensado. É o que já
ensinava Walter Lippmann nos anos 1920: “Um jornal, quando
alcança o leitor, é resultado de toda uma gama de seleções de
quais itens serão impressos, em que posição serão impressos,
quanto espaço cada um deverá ocupar, e a ênfase a ser dada”.

Fazendo uma analogia com a física, pode-se dizer que os


mecanismos pelos quais a imprensa estreita o horizonte de
consciência de uma sociedade inteira (quer intencional, quer
acidentalmente) têm natureza menos corpuscular que
ondulatória. Ou seja, dizem menos respeito à informação em si
(ou a partículas suas) do que ao fluxo de informação. É
controlando esse fluxo que, ao longo da história, a imprensa
tem obtido algum sucesso em formatar a realidade social e
moldar a opinião pública. Como escreveu o jornalista armênio
Ben Bagdikian: “O poder de controlar o fluxo de informação é
uma peça majoritária no controle da sociedade. Dar aos
cidadãos a oportunidade de escolher entre ideias e informações
é tão importante quanto lhes dar a oportunidade de escolha
política”.

Um bom modo de entender esse fenômeno é recorrendo à


chamada teoria do gatekeeping. Quem quer que se interesse por
sociologia da imprensa certamente já topou com a expressão.
Metáfora concebida pelo psicólogo teuto-americano Kurt Lewin
em sua pesquisa sobre hábitos alimentares de famílias norte-
americanas no primeiro pós-guerra, e introduzida nos estudos
de mídia por David M. White (assessor de pesquisa de Lewin na
universidade de Iowa), designa o processo de seleção e
transformação de um sem número de fragmentos de
informação numa quantidade limitada de mensagens que chega
à audiência sob a forma de notícia. São esses fragmentos os que

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logram passar pelos “portões” (donde o nome da teoria)


CO LU
interpostos pelos operadores de mídia N I S TA S São estes
(gatekeepers).
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que, com base numa série de critérios de ordem subjetiva, tanto
pessoais quanto corporativos, definem o que conta ou não
como realidade.

Quando, como hoje, as versões da realidade difundidas pela


grande imprensa estão todas de acordo umas com as outras –
configurando um padrão de unanimidade que a cientista
política Elisabeth Noelle-Neumann chamou de “versão
consoante da realidade” –, a audiência passa a receber uma
variedade muito limitada de informações para formar suas
opiniões. Isso tem um efeito cognitivo claro, ao formatar a
compreensão da audiência sobre o modo como o mundo
funciona. Uma informação que atravessa todos os portões
tende a incorporar-se à realidade social do receptor, ao passo
que uma informação barrada num dos portões restará excluída
da composição de sua visão de mundo.

Quando, ademais, mediante um processo que Rolf Kuntz


chamou de “autofagia jornalística” – o vício de só escrever nos
jornais aquilo que se leu nos jornais –, os receptores passam a
ser os próprios gatekeepers (ou mediadores), as organizações de
mídia tornam-se homogêneas, selecionando as mesmas
notícias e, portanto, reduzindo brutalmente, tanto para si
quanto para a sociedade em torno, a base factual para a
formação da opinião pública. Cria-se, assim, um verdadeiro
ouroboros desinformativo. A imprensa corre atrás do próprio
rabo.

Numa obra que retoma e atualiza a tese do gatekeeping – posta


sob suspeição teórica desde o advento da internet –, Pamela J.
Shoemaker e Tim P. Vos observam a esse respeito: “Se a
cobertura da mídia não assegura a aceitação de novas ideias –
especialmente se estas representam desvios e são, portanto,
tratadas como ilegítimas – a ausência de cobertura
praticamente as condena ao fracasso”. Para os autores, o
aspecto mais importante do gatekeeping é que assuntos e
eventos não cobertos acabam ausentes da visão de mundo da
maioria dos membros da audiência. “As pessoas não têm como
saber o que a mídia não lhes conta, a menos que experienciem
diretamente o evento” – escrevem. “Se os gatekeepers
restringem o fluxo de informação, esta pode não se difundir
completamente pelo sistema social, enquanto, se facilitam o
fluxo de informação, as notícias sobre o evento podem ser
difundidas mais rapidamente”.

Nas últimas duas ou três décadas, os portões erguidos pela


grande imprensa brasileira estreitaram-se enormemente, e uma
das causas é puramente sociológica: a baixíssima diversidade
social, cultural, ideológica e política dentro das redações e
estúdios. Em tal ambiente de homogeneidade de visões de
mundo, não espanta que o processo de gatekeeping tenha se
tornado mais rigoroso, não por qualquer rigor especial na

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fábrica da reportagem (deu-se precisamente o contrário), mas


CO LU N I Sde
porque os critérios de seleção dos fragmentos TAinformação
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tornaram-se idênticos em toda parte. Se, como gosta de sugerir
uma certa antropologia, a cultura funciona como um óculos a
delimitar o campo de visão dos indivíduos, resta que o foco da
cultura midiática se fechou em demasia, selecionando como
notícia fatos irrelevantes para a maioria das pessoas (como
exemplificam aquelas matérias praticamente semanais sobre a
“tendência” das saias masculinas), e barrando no portão
informações absolutamente decisivas para a compreensão da
realidade política e cultural do Brasil e, especialmente, do
mundo.

Já citei alhures este trecho do ensaio de George Orwell sobre


liberdade de imprensa (1945), em que o escritor reclamava da
autocensura, ou censura voluntária, praticada por formadores
de opinião na Inglaterra: “Quem morou muito tempo num país
estrangeiro saberá de exemplos de notícias sensacionais –
coisas que, por seus próprios méritos, deveriam ganhar as
manchetes – que ficaram de fora da imprensa britânica, não
porque o governo interveio, mas devido a um acordo tácito
geral de que ‘não seria conveniente’ mencionar aquele fato em
particular”.

Como, lendo isso, não lembrar da omissão quase unânime da


imprensa nacional em cobrir o Foro de São Paulo, reservando-
lhe, quando muito, umas linhazinhas aqui e ali, e diminuindo-
lhe sistematicamente a importância, justo quando os partidos e
movimentos políticos que o integravam (todos de inspiração
[352] comunista) ascendiam ao poder por toda a América Latina?
Como, nesse sentido, não lembrar deste diálogo ocorrido em 30
outubro de 2002 (apenas três dias depois da primeira eleição de
Luís Inácio Lula da Silva à presidência) numa conferência do
Council of Foreign Relations, o mais importante think tank
[0] americano?

“Espectador: – Quais são suas opiniões a respeito dessa


organização chamada Foro de São Paulo, da qual o PT, assim
como Chávez, assim como outros companheiros que também
[24]
são membros, incluindo o Coronel Gutiérrez no Equador? É um
fenômeno e um movimento que deve ser levado a sério? Ou,
como você percebe os riscos do Foro e sua relação com o PT?
Obrigado.

Luiz Felipe Alencastro (cientista político, então colunista da


revista Veja): – É interessante. Veja só, porque eu vivo, digo,
agora eu vivo na França. Vivi no Brasil por 12 anos. Nós nunca
ouvimos falar desse Foro de São Paulo no Brasil. Não sabemos
nada a respeito, e é engraçado como a coisa cresceu. Há um
jornalista conhecido por ser um cara muito conservador [Olavo
de Carvalho], da extrema-direita, que escreve semanalmente no
Rio, e que começou com essa coisa. Nós nunca ouvimos falar
disso”.

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07/02/2019 A teoria do "gatekeeping" - Flavio Gordon

Foi por meio do trabalho desinformativo


CO LUdeN“porteiros”
I S TA S ciosos T   
como Alencastro que, durante quase duas décadas, informações  

sobre aquela organização supranacional foram


sistematicamente barradas nos portões da opinião pública,
tidas por assunto “inconveniente” na imprensa brasileira e
norte-americana. Hoje, quando o escândalo do Petrolão e do
BNDESgate mostram o quanto o Foro responde pelas decisões
estratégicas tomadas pelo lulopetismo em detrimento dos
interesses nacionais – decisões que envolveram a transferência
de dinheiro público brasileiro roubado para financiar ditaduras
companheiras na América Latina e na África –, notamos o
aspecto nocivo do processo de gatekeeping, que, nesse caso,
conseguiu ocultar o elefante na loja de cristais. Quando os
porteiros vestem antolhos, o jornalismo converte-se em
antijornalismo: em lugar de exibir a realidade, suprime-a; em
vez de fiscalizar o poder político, acoberta-o.

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Nova condenação ameaça Fraudes no serviço público Morador de rua pede uma Controle seus "bolsok
‘soltura’ de Lula em 2020; têm morto com salário e lha lâmina de barbear e ganha presidente! | Rodrigo
agora ele pode car preso até solteira casada transformação Constantino
2022

 
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