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Sylvia Messer1
Resumo:
O objetivo deste artigo é analisar o pensamento de Nietzsche e sua aplicação à educação.
Busca problematizar a concepção universalista de educação que a escola moderna instituiu,
potencializando as características comuns dos sujeitos, em detrimento de suas singularidades
e capacidade criativa. Procura analisar a educação atual no ritmo de uma dança universal,
onde valores absolutos determinam o culto e a reprodução da tradição, objetivando formar
dançarinos que saibam mover seu corpo para a manutenção do sarau social. Traz, através da
música do pensamento nietzschiano, um novo ritmo de dança para a educação, onde o
movimento seja em direção à ascendência da vida, à criação, a “chegar a ser o que tu és”.
Iniciando...
O filósofo alemão Nietzsche pode ser ouvido em sua sinfonia, de duas maneiras: como
um sujeito que auxiliou o corpo de baile da história a construir a filosofia, e então, pertencente
ao passado; ou como uma música instigante, inquietante, que transforma o nosso pensamento
em uma força viva de filosofar, tirando-nos da inércia, e assim, podemos acompanhar seu
ritmo em direção ao devir, ao vir a ser.
Neste sentido, este artigo procura discutir e refletir sobre o abismo 2 em que se
encontra a educação atual e, segundo o pensamento nietzschiano, em que ritmo devemos
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Professora de Geografia, graduada pela UNIJUÍ, pós-graduada em Metodologia do Ensino da Geografia pela
UNIJUÍ, e mestranda em Educação nas Ciências da UNIJUÍ.
sylviamesser@yahoo.com.br
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Quando utilizamos a expressão abismo, estamos querendo nos referir a uma situação limite, onde o vazio que
se estabelece pode proporcionar os momentos de criação, de novas interpretações, de novas perspectivas.
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dançar esta música chamada educação, essencial à humanidade, para que não caiamos no
precipício sem fim da formatação de indivíduos, mas, que possamos resistir ao
enquadramento, através do movimento em direção a pluralidade e às diferenças, onde cada
um possa potencializar suas forças criativas, encontrando-se e tornando-se o que se é. Este, o
maior desafio da educação.
Nietzsche foi um pensador crítico de seu tempo, mas que pode ser tomado como um
filósofo atual, pois sua dança3 sempre se direciona no sentido de questionar a cultura, a moral,
a religião, os valores dados, postos, como universais, regra geral para toda a humanidade.
Seu pensamento é passível das mais diversas abordagens, mas sem dúvida esse
pensador traz reflexões profundas e amplas em suas obras, no sentido de questionar até que
ponto nossos conhecimentos, nossas posturas e atitudes, são indicadores de ascensão ou de
decadência da vida, e, por isso, sua filosofia, seu pensamento, está imbricado com a educação,
que é uma das questões fundamentais da humanidade. Ou seja, nos instiga a pensar, a
questionar sobre o valor do valor do conhecimento, da moral e da religião.
O que Nietzsche propõe é, justamente, questionar as produções humanas como
imposição de sentido e valores. Ele critica o estabelecimento de um valor como absoluto,
enquanto expressão de um modo de ser e de viver. No pensamento nietzschiano, a tradição, os
costumes, o hábito, estabelecem um valor como “o valor”, como uma universalidade a-
histórica, com uma validade incondicional, negando a oportunidade de crítica, pois desta
forma o valor vale para tos ou em si mesmo. O filósofo critica essa imposição, por nivelar
todos os homens, por ser esta apenas uma forma que a sociedade encontrou para manter a
ordem.
Nietzsche faz a inversão crítica de sentido e de valor, quando introduz a questão da
interpretação sobrepondo os fatos. Para o filósofo o valor do mundo está na nossa
interpretação, o que ocasiona a não possibilidade de explica-lo, mas de vê-lo sob diversos
ângulos, perspectivas. Quando ele aniquila com a noção de fato, introduzindo a interpretação,
nos diz que quaisquer critérios de “ver” o mundo, já são decorrência de uma avaliação, sendo
assim, os valores que introduzimos nos domínios do mundo são a imposição de uma
perspectiva, da visão como avaliador, o que significa a introdução de uma interpretação. Para
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Ao utilizarmos os termos dança e bailar, estamos nos referindo ao pensar, pois a dança é sempre o resultado de
uma preparação, de um remoer.
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O filósofo da vida nos instiga, portanto, a questionar o valor dos valores, investigar as
condições de surgimento dos valores, de seu desenvolvimento e de sua modificação, para
verificar se estes valores obstruem ou promovem a vida e, a partir daí, nos questionarmos
sobre o ritmo em que queremos dançar a construção de nossa vida.
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Ruminar... é preciso!
Ruminar os pensamentos, as ações, o dia e a noite.
De boca aberta, degustar e sentir fome pelo que se fez e pelo que
ainda não se fez.
De olhos abertos, elevar os pensamentos à prova do alto e do baixo,
com leveza e gravidade.
Ruminar... é preciso!
Mal sabem os virtuosos, que, para que o sono nos venha, como a
leveza de uma eternidade, é preciso vigília, insônia, meditação.
Espreitar os pensamentos e, junto deles, seus atos de bravura e
coragem.
Assim falou Zaratustra:
- “Ruminando, eu me pergunto, paciente como uma vaca: quais
foram, afinal, as dez vitórias sobre mim mesmo?”
(Nietzsche)
Nietzsche, o filósofo da vida, não separa educação e cultura. Para ele não existe
cultura sem educação, nem educação sem uma cultura que a apóie. No entanto, educação e
cultura devem ser elementos de valoração da vida, onde os homens adquiram o hábito de
educarem-se a si mesmos, contra si, conta a educação que lhes foi imposta. O fundamental é
que a educação possibilite ao homem desenvolver suas potencialidades criativas, buscando
superar-se em direção a algo superior, no sentido de criar novos valores, ou promover a
metamorfose dos mesmos para ascender a vida. Para Nietzsche é necessário um rompimento
com os ritmos musicais a que estamos acostumados a bailar, é preciso nos desvencilharmos de
nossos pares (verdades) fixos, para podermos buscar novos caminhos, novos pés que nos
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conduzam a uma nova forma de dançar, pensar. Para isso, é necessário que rompamos,
abandonemos, combatamos o que já se é, para poder “chegar a ser o que se é”.
Para se chegar a isso o filósofo propõe que iniciemos a reflexão nos questionando
sobre: qual é o valor dos valores morais em curso? Qual é o valor dos valores morais que
norteiam à educação? Para que educar o homem? Que tipo de homem queremos “formar”? Os
valores morais, hoje em curso, obstruem ou promovem a vida? Qual é o objetivo de quem
cunhou, desenvolveu ou modificou estes valores? E, por fim, nos perguntarmos sobre: O que
quer a educação? Que valores ela busca?
Na perspectiva nietzschiana os valores não são entidades absolutas e imutáveis, mas
são produtos de avaliações humanas, são criados pelo homem no decurso da história. O
estabelecimento de valores morais apresentam-se sob dois aspectos: como ponto de partida
estabelecidos por uma avaliação e a partir de uma avaliação, ou seja, entendermos os valores
como criação humana requer que identifiquemos como os valores se originam, como foi
possível seu desenvolvimento e como eles se modificam, adquirem novas formas. E essa
concepção de valores remete ou tem uma influência direta sobre a música, o ritmo que
construiremos para a educação.
Se entendermos os valores como dados, postos, imutáveis, absolutos, a educação
moderna está contribuindo como deve para a educação do homem, pois, a partir desta
concepção o papel fundamental da dança educativa é formar um ser humano reprodutor,
passivo, assujeitado aos valores morais existentes, devendo ser treinado apenas para repetir e
cultuar os valores dados pela tradição, existentes. O homem só precisa memorizar e repetir.
No entanto, ouvir a música de Nietzsche, acompanhar o seu ritmo nos inquieta, nos
tira o sossego, nos impede de nos acomodarmos nessa visão reduzida, mínima de educação.
Nos deixa à beira do abismo... Nos faz refletir sobre os caminhos que nos estão sendo postos:
seguir bailando no ritmo do culto e da repetição dos valores existentes, caindo desta forma no
abismo e obstruindo a vida ou bailar em passos que nos levem no sentido contrário, de forma
leve, alegre, mas destruidora de ti mesmo, no ritmo de uma educação como ato criativo, de
novas interpretações e novas perspectivas, promovendo a vida?
É como se Nietzsche estivesse parado à nossa frente, interrompesse nossa
tranqüilidade de educadores(as), a pensar sobre a qualidade de nosso trabalho e nos dissesse,
estendendo os braços:
- E então, queres dançar comigo no ritmo da educação que tem
como ponto de partida a concepção de formação do homem como
criador de valores?
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Este convite, com certeza, deixa a educação moderna sem solo, pois incita a destruição
dos valores estabelecidos, possibilitando que os sujeitos formem-se a si mesmos e contra si,
criando novos hábitos que lhes permitam desfazer-se daqueles adquiridos desde a infância.
Convida-nos a transvalorar os valores, a fazermos, cada um, o seu destino e sermos
responsáveis pelo nosso vir-a-ser. E ainda, esse é um caminho que vai potencializar o núcleo
criativo de cada um, sem homogeneização ou massificação, portanto, conforme Nietzsche, é
um caminho que temos que bailar sozinhos, apoiados por nossos instintos e pelos mestres,
mas o fluxo da vida somente poderá ser realizado por nós, individualmente. Por certo teremos
apoio, ajuda de algumas pessoas, mas teremos que cuidar a que custo isso se fará, pois só
existe um caminho, para o qual não devemos pedir aonde leva, mas segui-lo.
O fragmento tira o nosso sossego, nos sacode e nos incomoda, nos levando a refletir
sobre o para que educar: para a reprodução e a passividade ou para a crítica e a criação? Leva-
nos a questionar nosso agir e nosso pensar e a abandonar a aceitação incondicional do mundo
moral, para passar a questioná-lo e a criar novos valores singulares, que introduzam novas
interpretações, para, conforme Azeredo (2006, p.2), “educar-se o homem para ser um criador
de valores, enquanto entendimento de que o homem se faz humano pela criação e não pela
mera recepção e reprodução do existente.”
Nietzsche também nos provoca quando suspeita da neutralidade dos fundamentos
pedagógicos, quando considera que os sistemas de idéias são interpretações, são a expressão
da vontade de poder, devendo a educação pensar em superação e não em acomodação. Mas,
essa vontade de potência que é o superar, não representa o superar ao outro, mas superar a si
mesmo, “chegar a ser o que se é”.
O pensamento nietzschiano cria o espaço para a pluralidade e a diferença, cirando
obstáculos ao pensamento educacional moderno de nivelamento e homogeneização, fazendo
uma crítica contundente aos três egoísmos4 e nos leva a questionar os valores educativos
presente hoje, nos perguntando se eles representam a decadência ou a ascensão da vida? A
plenitude ou o declínio?
Enfim, nos perguntando que valores queremos com a educação? Nos desafiando a
incluir, sem negar a diferença, a modificar os valores educativos hoje postos, como
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Nietzsche faz uma crítica contundente a lógica utilitarista, de interesse de três âmbitos que deturpam a
educação, o Estado, os negociantes e os eruditos. Estas instâncias não precisam de homens criativos para a
excelência da vida. O Estado precisa mão-de-obra para incorporar a burocracia estatal, os comerciantes
necessitam empregados habilitados para realizarem com competência as trocas econômicas e as universidades
querem eruditos para transmitir conhecimentos e manter a estrutura existente, organizada, planejada.
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possibilidade de pensar, de criar, de bailar para longe do abismo através de passos desiguais
no corpus da dança, onde os bailarinos não pareçam um corpo de baile, e sim, um grupo
aparentemente sem interesses comuns, num ritmo totalmente descompassado, mas que ao
final da apresentação, chegará em seu conjunto, ao ponto máximo/chave de nosso baile: a
valoração, a ascensão da vida, não só individualmente, mas do coletivo de indivíduos que se
propõe a criar novos passos de dança em direção ao devir, ao chegar a “ser o que tu és”.
Referências bibliográficas
AZEREDO, Vânia Dutra de. Nietzsche e a dissolução da moral. São Paulo: Discurso
Editorial e Editora UNIJUÍ, 2000.
______. A interpretação em Nietzsche: perspectivas instintuais. In. Cadernos Nietzsche, nº
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______. Os juízos de valor em Nietzsche e seus reflexos sobre a Educação. Ijuí: mestrado
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______.Crepúsculo dos Ídolos ou a Filosofia a Golpes de Martelo. Tradução Edson Bini e
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______. Sobre o Futuro de nossas instituições de Formação. Seis Conferências Públicas.
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