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3 - A Ciência Humboldt Na e A Gênese Da Geografia Moderna PDF
3 - A Ciência Humboldt Na e A Gênese Da Geografia Moderna PDF
Para Lenoir (1981) a questão da teleologia ou Para RISKIN (2002, p.1) esse seria o gérmen
finalidade é o conceito central para a noção de do pensamento do belo e do maravilhoso da
organismo e, conseqüentemente, para a biolo- natureza, que seria caracterizado por fenôme-
gia nascente – pensada através de Kant e de nos singulares da natureza. Desse processo
sua Crítica do Juízo (1790). evoluiria o pensamento sobre as emoções do
observador perante a beleza natural, sendo a
A finalidade é o produto da causalidade, para base para o surgimento de paisagem no século
os artefatos humanos, essa compreensão não XVIII.
suscita grande problema, mas para a natureza,
como pensar a finalidade? Ainda mais se con- De uma sensação física, a sensibilidade evolui
siderarmos que os fenômenos naturais estão para a noção de sensibilidade moral, permi-
no tempo e no espaço, submetidos a uma cau- tindo já no século XVIII a busca de relações
salidade mecânica. E, no entanto, a partir da entre o belo natural e o desenvolvimento mo-
experiência devemos construir leis universais ral das nações.
(a priori) e leis particulares (empíricas), uma
vez que os fenômenos naturais são desigual- A sensibilidade passou a guiar os trabalhos
mente distribuídos na superfície a Terra. científicos no campo da psicologia, da medi-
cina, da história natural e da geografia física;
A necessidade que se colocava então era a ne- interferindo nas metodologias de pesquisa,
124 • GEOGRAFARES, nº 7, 2009
nas epistemologias e nas estratégias de uso A partir de um considerável acumulo de nú-
das técnicas e experimentos. É assim, que du- meros e mensurações, a consciência de uma
rante a naturphilosophie alemã, a união entre enorme variedade de fenômenos, e, acima de
a sensibilidade e a ciência, gerou a concepção tudo, a consciência metafísica da unidade da
de uma visão estética da natureza, que guiou a natureza e da necessidade de se estabelecer
construção de uma interpretação geográfica da leis transcendentais, ou seja, gerais, Humbol-
superfície da Terra. dt, fundamentado ontologicamente nas no-
ções de estética da Terceira Crítica (KANT,
Há, assim, uma relação estreita entre as ci- 1995) e experiência estética de F. Schiller,
ências naturais e o romantismo (CUNNIN- desenvolverá o método da observação da pai-
GHAM E JARDINE, 1990), marcada por uma sagem como postura científica de se registrar a
forte introspecção, reflexão e pela sensibili- organicidade da natureza e estabelecer as suas
dade, cimentada pela forte relação entre arte, relações causais. Motivado pelo vitalismo de
natureza e ciência. Blumembach e de Schelling (RICHARDS,
2002) e pelos avanços na ciência newtoniana,
A geografia física, surgida no contexto da principalmente com os instrumentos de me-
naturphilosophie, foi o produto da união en- didas, Humboldt procederá a uma explicação
tre o sentimentalismo e o empirismo, donde física da natureza, a partir de uma precisão nas
as suas teorias científicas foram o produto de mensurações, com o desenvolvimento de ino-
uma relação complexa entre a sensibilidade e vações gráficas, cartográficas e no estabeleci-
o newtonianismo, representada pela ciência mento de relações causais entre os elementos
humboldtiana. da natureza e os processos da mesma, em um
contexto regional.
A Ciência Humboldtiana e a Geografia
Física. Essa posição epistemológica leva ao que Bru-
no Latour chamou de vida em laboratório, ou
No século XVIII, as pesquisas nas ciências seja, a ciência humboldtiana inovou e produ-
naturais foram fortemente impulsionadas pela ziu a modernidade na interpretação da nature-
faculdade estética e por uma forte crítica à za, pois conseguiu congelá-la, ou seja, trans-
concepção cartesiana-newtoniana de matéria, formar o que é móvel, dinâmico, em imóvel,
o que acarretou uma profunda reforma na fi- para com isso manipulá-la, ou seja, torná-la de
losofia natural, com o surgimento da geografia fato, objeto de pesquisa e intervenção.
física.
Conseqüências epistemológicas e metodoló-
As pesquisas sobre a natureza e sua quali- gicas da ciência humboldtiana para a geo-
ficação resultaram no século XVIII de uma grafia física.
profunda correlação entre a sensibilidade, a
imaginação e a estética, que irão redefinir os A mensuração.
experimentos e a mensuração, uma vez que, a
partir das influências da filosofia-da-natureza A concepção de mensuração desenvolvida por
de Schelling (LENOIR, 1981), a natureza foi Humboldt, que será fundamental para o sur-
tomada com uma visão orgânica e de vitalis- gimento da cartografia temática, bem como
mo. para vários gráficos, isolinhas e perfis, que,
cada qual, demonstrando a noção de organici-
Nesse contexto, o esforço da ciência hum- dade e totalidade da natureza, fundamentado
boldtiana, situada na tensão entre a naturphi- em uma concepção transcendental de nature-
losophie romântica e a metafísica; foi o de za, não pode ser desconectada de sua época
estabelecer uma visão integral da natureza e e do contexto filosófico. Assim, não podemos
ao mesmo tempo leis particulares baseadas na deixar de considerar que os grandes tratados A Ciência humboldtiana e a
mensuração precisa e no uso da sensibilidade. de Alexander von Humboldt, foram gestados gênese da geografia física
moderna
Para Humboldt, as ciências naturais não deve- Para Humboldt, um instrumento de pesquisa
riam ficar presas apenas a conceitos antigos e tem a finalidade de, ao mensurar, influenciar
concepções desenraizadas da empiria. A ciên- a sensibilidade, e, a partir disso, a organizar a
cia deveria fazer uso de gráficos, linguagens matéria da natureza, que para Humboldt é uma
simbólicas universais que de tal maneira que força vital.
pudessem expressar resultados confiáveis.
A crença no vitalismo levou Humboldt a utili-
Em suas pesquisas de geologia, Humboldt zar uma série de instrumentos, desde aqueles
adotou a química e a termometria de Lavoi- que detectavam pequenas mudanças químicas,
sier, as técnicas de mensuração dos ângulos, até o barômetro. Para ele, isso era necessário
desenvolvidas por Coulomb. Durante a prepa- para “... analyze the total impression made
ração para a viagem para a América, comprou by nature on our organs” (LANGE E JAHN,
instrumentos modernos e de precisão em Vie- 1973, p.584).
na e Paris (DETTELBACH, 1990).
Assim, os gráficos expressavam as mensura-
Para Humboldt, o uso de instrumentos pre- ções precisas e procuravam representar a reali-
cisos, mensuração precisa, demandava o uso dade física, com que a natureza se manifestava
de uma linguagem precisa e uma sensibilida- ao observador, ou seja, marcado por uma forte
de especial para o registro da organicidade- sensibilidade, o observador poderia registrar
totalidade da natureza. Para isso, o trabalho as forças imateriais da natureza que plasmam
geográfico necessitava de um amplo realismo a paisagem.
matemático com equações algébricas desen-
volvidas, criações gráficas e cartográficas, de MAPEAMENTOS E CONSTRUÇÕES
tal forma que se pudesse “transcendentalizar” GRÁFICAS.
a existência de substâncias puras em compos-
tos, sempre utilizando a sensibilidade para a Os mapas, como o de isolinhas, talvez o mais
construção de arquétipos da natureza. famoso gráfico de Humboldt, expressava jus-
tamente o testemunho do poder e precisão da
A partir do cânone regional, a diversidade da observação da natureza. Para Humboldt, um
natureza é transcendentalizada e conjuntamen- gráfico ou um mapa possuía o poder de comu-
te com a experiência estética, as leis universais nicar a outros homens a beleza da natureza,
poderiam ser construídas, o que explicaria a tendo também um efeito educativo (RICOT-
distribuição geográfica das paisagens naturais. TA, 2003).
FELDMAN, T. “Late Enlightenment Meteoro- VITTE, A.C. “Da metafísica da natureza à gê-
logy.” In: HEILBRON, T.; FRANGSMAYER, nese da geografia física moderna”. In: VITTE,
T. & RIDER, R. (Edts) Quantifying Spirit. A.C. (org.) Contribuições à história e à epis-
Berkeley: University of California Press, temologia da geografia. RJ: Bertrand Brasil,
1990, p.164-177. 2007, p. 11-47.
O trabalho argumenta que a geografia física The study argues that the physical geogra-
surgiu a partir das reflexões e postulados da ci- phy emerged from the ideas and postulates
ência humboldtiana. Essa formada no contex- of science humboldtiana. That formed in the
to da naturphilosophie e no desenvolvimento naturphilosophie and the development of new
de novos instrumentos e avanços das ciências tools and advances in exact sciences, enabling
exatas, permitindo a construção de um modelo the construction of a model of nature and the
de natureza e superfície da terra baseado no earth’s surface based on the principle of trans-
princípio transcendental das leis universais da cendental universal laws of nature, material on
natureza, materializadas em princípios regio- regional principles.
nais.
Keywords: Humboldtian Science, Physical
Palavras-Chave: Ciência Humboldtiana; Ge- Geography; Naturphilosophie; Sensitivity;
ografia Física; Naturphilosophie; Sensibilida- Measurement.
de; Mensuração.
A Ciência humboldtiana e a
gênese da geografia física
moderna