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O Artista-Cronista
I.
Viajante e a
Tradição Empírica
na América Latina
Pós-I ndependência
por Stanton L. Catlin

A ARTE da moderna América Latina, agora perto de completar duzentos


anos, nasceu em plena efervescência do Ilurninismo europeu e de lutas,
quase sempre de forças antagônicas, no interior dos movimentos de inde-
pendência latino-americana; ela foi, logo de saída, um fenômeno nativo e
ocidental. Seu advento leva-a não só a separar-se dos pais adotivos colo-
niais ibéricos e dos ortodoxos preceitos da fé cristã, como também am-
plia os horizontes da percepção, sobretudo no que diz respeito às obriga-
ções, recentemente descobertas, de uma sociedade ocidental para com o
mundo da razão. Em pouco tempo, a arte da América Latina tornou-se
consciente das antigas fontes de sua herança ameríndia como, simplesmente,
uma extensão da existência "natural. Quando, nas primeiras duas décadas
de nosso século, somou suas forças com outro fenômeno desse mundo em
expansão - os esforços que vinham empreendendo os precursores da van-
guarda européia do modernismo internacional para revitalizar a arte no
Ocidente -, ela percebeu estar esse movimento ligado a seus próprios ele-
mentos indígenas que, inevitavelmente, relacionou à forma e aos valores
artísticos. Mesmo hoje, a maneira de sentir de certos artistas e as circuns-
tâncias físicas da vida nos continentes americanos continuam fazendo com
que ela tenha um lugar à parte e lhe dão,junto com seu particular caráter
de liberdade, uma presença de realce cada vez mais distinta que modifica
a cena artística mundial.

Os territórios americanos, sob os regimes português e espanhol nas dé-


cadas que precederam a independência dos países latino-americanos, eram
formados por quatro vice-rei nos espanhóis (Nova Espanha, Nova Grana-
da, Peru e Rio da Prata) e um português (Brasil). A arte e a arquitetura
em todas essas cinco áreas refletiam as tradições predominantes e, até cer-
to ponto, as correntes em voga nas duas metrópoles peninsulares. Por exem-
plo, o gosto francês na corte dos Bourbons em Madri refletia-se nos re-
tratos dos vice-reis feitos em Santa Fé de Bogotá (Nova Granada) na metade 3.1 Detalhe da ilust. 3.59.

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o ARTISTA-CRONISTA VIAJANTE

.do século; o estilo neoclássico italiano, como aquele em que se inspirara


Mengs, pintor alemão da corte de Carlos I I I, foi transportado pelos va-
lencianos Tolsá e Jimeno y Planes ao México, para vigorar na Academia
San Carlos; e o estilo neoclássico puro dos seguidores franceses de Jacques-
Louis David tornou-se mod 10 para o ensino na Academia Imperial de
Belas-Artes, fundada no Rio de Janeiro, sob o regime português de O.João
VI, pelos componentes da missão chefiada por Lebreton. No entanto, a
influência no clima das artes que mais se difundiu e mais se fez sentir foi,
sem dúvida, a observação direta, a análise racional e experimental em que,
doravante, deveria fundamentar-se a realidade, nascida do I111111il/.iSIIIO eu-
ropeu que dera início, antes da Revolução Francesa, ao processo de secu-
larização na arte.
Muito antes disso, durante os anos que se seguiram ao descobrimento
e à gradual conquista dessa imensa parte do Novo Mundo, o papel da arte
fora servir a Igreja na evangelização das populações indígenas. Isso não
apenas incluía o ensino da doutrina da religião católica e seu ritual, mas
também. a organização hierárquica do Estado e da vida civil e, através da
arquitetura, a configuração do ambiente físico. Qualquer que fosse o meio
utilizado - pintura, escultura, arquitetura, ornamentos confeccionados com
ouro, prata ou mescla de materiais - e qualquer que fosse o contexto re-
ligioso ou secular, a razão primeira da arte era a de ser devocional. Como
manifestações da presença de Deus e da fidelidade humana ao Criador, e
de acordo com a fé dos poderes peninsulares reinantes, as obras de arte,
por toda a parte, simbolizavam e serviam como guia para uma visão da
vida sobrenatural e do outro mundo. Dessa forma, ao mesmo tempo que
punha seu pensamento e atenção numa essência mística da realidade, a arte
também dotava futuras gerações coloniais de ibero-americanos de um pa-
trimônio comum: a forma artística na qual a existência encontrava senti-
do através da divindade manifestada.
Com a redefinição da arte pelo Concílio de Trento em 1541, segundo
a qual ela não deveria ser uma história contada, mas uma interpretação
simbólica do catolicismo, a propagação da fé no Novo Mundo tomou nova
direção: o individualismo e o empirismo nascente da época áurea do Re-
nascentismo italiano foram substituídos pela onipotência e pela autorida-
de universal do Deus revelado. Nas novas terras do hemisfério ocidental,
"não estraga das pela civilização", essa rígida doutrina, que iria imperar por
dois séculos e meio, canalizou formidavelmente as energias criativas da co-
munidade secular e das ordens religiosas para sistemas de referência so-
brenaturais.
Na Europa, contudo, a ênfase dada pelo Renascencimento ao estudo
do mundo tangível e a um saber que é gradualmente obtido, não sob a
forma de revelação, mas encontrado pela observação e pela experimenta-
ção, prosseguem através da busca do conhecimento pelo conhecimento.
A partir da época das observações de GaJileu, no século XVI, o método
científico, como meio de determinar os princípios que governam o uni-
verso fisico, foi sendo aos poucos acatado pelas autoridades seculares eu-
ropéias. A realidade de um mundo que estava além dos horizontes euro-
peus conhecidos foi gradativamente despertando a atenção das principais
nações navegadoras e, depois, no século xvn I, começou-se a buscar seria-
mente informações que fossem confiáveis, capazes de proporcionar a posse

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e o comércio das riquezas americanas. Aproveitando de maneira pragmá-


tica as oportunidades que agora entreviam, essas nações passaram a enviar
expedições marítimas que combinavam a exploração geográfica com um
trabalho cuidadosamente planejado por artistas a fim de que, com objeti-
vidade, fossem registradas formas desconhecidas da vida vegetal, animal e
humana. Entre a aristocracia esclarecida, havia um interesse pela natureza
que beirava as raias da paixão, ao mesm.o tempo que o estudo de terrenos,
geleiras, recifes de coral, portos e arquipélagos - de importância tanto
militar como econômica - prometia vantagem geopolítica e, conseqüen-
temente, o controle estratégico por parte das potências que expediam as
embarcações.
Dessas aventuras nos pouco conhecidos espaços oceânicos do planeta,
as que mais duraram e que mais longe foram, embora não tenham sido as
primeiras, foram as três viagens através do Pacífico, entre 1768 e 1776, feitas
pelo capitão James Cook para a Royal Society e para o Estado-Maior da
Armada britânico. Para documentar suas descobertas, Cook levou consi-
go artistas que fossem capazes de representar os fenômenos naturais com
objetividade e precisão de detalhes e não segundo a ma ne ira clássica e
idealística que advogava a Royal Academy, então recentemente fundada.
No entanto, a ciência teórica e aplicada progredia pouco no continen-
te europeu, e a transmissão de seus métodos e resultados à América Lati-
na era impedida pelas políticas isolacionistas dos regimes peninsulares, com
suas estratégias militares defensivas, seus sistemas mercantis centralizados
e sua ortodoxia religiosa reforçada pela inquisição. Foi somente com a des-
coberta do desconhecido que estava além da experiência européia e face
à difícil situação de verem-se obrigados a aceitar a existência e legitimi-
dade dessa experiência que a arte e a ciência se tornaram objeto de inte-
resse para questões relativas à identificação, na natureza e nos seres huma-
nos, e também que começou a emergir a função descritiva da arte para,
junto com a ciência, facilitar a percepção do mundo visível e, com isso,
também a compreensão da natureza. A linha divisória entre a arte como
um ideal e a arte como meio de definir o particular na natureza começou,
neste ponto, a rom.per-se, e novas realidades que pudessem servir de base
a criativas invenções passaram a ser plenamente valorizadas.

A carreira americana do grande médico e horticultor espanhol José Celes-


tino Mutis, discípulo de Carolus Linnaeus e organizador da expedição
botânica em terras de Nueva Granada (futura Grã-Colômbia), deixa já
entrever uma mudança nas atitudes que acabaria trazendo a independên-
cia ao mundo ibero-americano. Instituída por decreto real em 1784, a ex-
pedição produziu em seus 33 anos de existência mais de 5.300 estudos,
meticulosamente detalhados, sobre espécies até então desconhecidas da flora
do planalto colombiano, apresentados em fólios com uma economia, fi-
delidade e delicadeza sem precedentes em ilustrações desse gênero. Os de-
senhos originais foram preservados, embora permanecessem pouco conhe-
cidos por quase um século e meio; a expedição fora interropida quando
se achava na trilha da campanha de Bolívar contra as forças espanholas no
norte da América do Sul. Recentem.ente, os desenhos começaram a ser pu-
blicados graças a um trabalho em conjunto das Academias de Ciência Es-
panhola e Colombiana. Entre os artesã os empregados pela expedição ha-

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1..\,\1. 37

Passiflora mollissima (J I. B. KJ Bailey


lorr{. &,,, M(1Jrid: 2051
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via índios equatorianos que já tinham trabalhado nas oficinas da escola de


escultura de Quito, famosa pela pureza de seus sentimentos religiosos. Sob
a direção de Mutis, esses arquivistas da flora viva inventaram novas técni-
cas de cópias que reproduzissem as espécies tal como elas se apresentavam
aos olhos. Os materiais e as cores empregados eram produzidos com plantas
e minérios do lugar, apropriados às exigências de uma representação co-
lorida com extremo cuidado e minuciosamente detalhada, de modo que
a fidelidade à natureza fosse garantida e mostrada tal como era encontra-
da in loco [ilust. 3.2].
Devido à extraordinária variedade, exatidão e qualidade artística do re-
gistro que fez dos recém-descobertos fenômenos naturais do norte andino,
a Expedição Mutisiana (como ficou conhecida) ajudou a arte latino-ame-
ricana a cruzar os umbrais de uma religiosidade a serviço exclusivo do além
para ir em busca de novas metas, pois ao identificar o mundo que a rodeava
ela se tornava parte dele. Ela o fez tanto através dos temas que abordava
como dos exemplos estéticos que escolhia, e ainda através da influência
que sua atividade exerceu sobre as grandes transformações dessa época.
Neste período de transição, o sentimento de pátria bem como a auto-
percepção do indivíduo como pessoa começaram a emergir e a ganhar
forma como consciência latino-americana.
No final do século XVI 11, cerca de vinte expedições foram despacha-
das pelas potências européias rivais que, em nome do interesse nacional,
haviam começado a encontrar na natureza - diretamente pesquisa da - uma
fonte de inform.ações séria e, na modernização da produção e do comér-
cio, o caminho mais seguro para o progresso material. Essa nova orienta-
ção, conhecida na história espanhola como "Ilustración " (e chamada por
alguns na América do Sul de "el despotismo ilustrado"), deu-se no reina-
do de Carlos 111, o monarca Bourbon de espírito progressista; ela abriu os
domínios hispano-americanos para o comércio livre de direitos, promo-
veu outras refor mas liberalizantes e criou as missões científicas que foram
1
enviadas à Nova Espanha, a Cuba, à Venezuela, ao Peru e ao Chile.
Entretanto, foi devido principalmente ao conde Alexander von Hu rn-
boldt, naturalista alemão e pioneiro em viagens de exploração, durante as
primeiras décadas pós-independência do século XIX, que os umbrais ar-
tísticos franqueados por Celestino Mutis se tornaram base para um mo-
derno ressurgimento da arte latino-americana. Humboldt (com seu cole-
ga, o jovem botânico francês, Aimée Bonpland) foi autorizado pela coroa
espanhola a visitar Cuba, a atravessar o centro e o norte dos Andes e, em
seguida, o México (posteriormente, homônimo de Espanha e a mais fa-
vorecida de suas extensões territoriais) para estudar o aspecto físico da terra
- grandes rios, montanhas, vulcões e tipos de vegetação -, coletar espéci-
mes, dados sobre a atmosfera e correntes oceânicas, e ainda avaliar as con-
dições gerais da sociedade ibero-arner icana [ilust. 3.3]. O pormenorizado
relato, de primeira mão, de seus cinco anos de viagem (1799-1804), que
3.3 Alexander von Humboldt, "Passage dans le
manteve uma publicação seriada ao longo de três décadas e acompanhava Cordillêre des Andes" (c.1814) in Vo)'age de.Humboldt et de
o Ilurninismo europeu em seu interesse pela ciência e pelas culturas pri- Boupland, Paris: Schoell, 1814-3-l, lbero-Amerikanisches
l nstitut, Preussischer Kulturbesitz, Berlirn.
mitivas, alvoroçou a iutelligentsia européia quase tanto quanto uma nova
descoberta de outro Novo Mundo, cujas maravilhas ficaram por muito 3.2 Escobar yVillaroel, "Passiflora Mollisima", aquarela,
tempo escondidas pela política protecionista espanhola. Por essa ocasião, ilustração in José Celestino Mutis y Bossio, Flora de Ia
Real Ex pediciou Botânica dei Nuevo Revuo de Crauada, vol.
a Revolução Francesa havia direcionado as cabeças em todas as partes do 27: Passijloraceas )' Beooniaceas.

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mundo para questões relativas à transformação social e ao aumento da li-


berdade política e intelectual, para a travessia de novas fronteiras do co-
nhecimento, para a aventura e, inevitavelmente, para a busca do poder -
através da política ou do enriquecimento pessoal.
A conseqüência imediata da missão de Humboldt foi a ânsia que se apos-
sou dos artistas, loucos por seguir-lhe os passos. E atrás de um punhado
de patronos ou aficionados, como o cônsul-geral da Rússia no Rio de Ja-
neiro, o barão Georg Langsdorff, seguiram homens cheio de coragem, como
o bávaro Johann Moritz Rugendas que, com largas passadas iam de uma
região a ou tra, percorrendo enormes distâncias por terra e por mar. Ou-
tros, pertencentes às companhias de navegação, cobriam distâncias meno-
res, indo de porto em outro. Outros mais, ilustradores e desenhistas, que
integravam expedições oficialmente patrocinadas pelo Estado, viajavam pela
posta e depois embarcavam prosseguindo suas viagens pelo mundo; é o caso
do francês Debret, integrante da Missão Lebreton no Brasil e de Conrad
Martens que vierajunto com Darwin e Fitzroy no Beagle. Quase todos via-
javam sozinhos (Emeric EssexVidal, na Argentina, Claudio Gay, no Chile,
3.-l Daniel Thomas Egerton, Vista do vale do México Edward Mark, na Colômbia, Daniel Egerton, no México [ilust. 3.4,5,6)],
(1837), óleo sobre tela, Ministério de Obras e Edificações
Públicas, Cidade do México. mas havia os que, como Stephens e Catherwood, no Yucatán, formaram

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uma parelha de patrão e artista. Eles se locomoviam entre o litoral e as mon- 3.5 Edward Walhouse Mark, Plaza Mavor, Bogotá (1846),
tanhas e através das selvas à procura do desconhecido ~ marcos de pedra aguarela sobre papel, 24,5x56,9 cm; Biblioteca Luis Angel
Arango, Bogotá.
primitivas, ruínas antigas, diferentes formas de habitats e uma infindável
3.6 Emeric Essex Vidal, Capataz da estância da época de
variedade de grupos tribais e tipos de mestiços camponeses, além de for- Artigas (1811-1820), aguarela, Museo Histor ico y Archivo
mas da vida na natureza que em geral surpreendiam o educado olho eu- Municipal, Montevidéu.

ropeu como se fossem alguma singularidade ou característica da nova e


misteriosa redescoberta do mundo ibero-arner icano.ê
Como era de esperar, no início, o repertório dos trabalhos desses artis-
tas itinerantes, cujo propósito era documentar os fenômenos naturais, tanto
na prática como na teoria, foi constituído por obras que seguiam os pa-
drões predominantes nas academias de belas-artes européias. Como mos-
trou Bernard Smith em seu livro European Vision andtlie South Pacific 1768-
1850 (1960), as academias européias não treinavam seus artistas para tra-
balhar com modelos vivos, para descobrir-Ihes as características intrínse-
cas, mas C0111vistas a destilar e pur ificar-Ihes as formas em busca de um
"ideal". Isso não bastava para o capitão Cook ou para a Royal Society que
precisavam de informações específicas sobre as formas vistas na natureza,
fosse a configuração de uma linha litorânea ou de uma baía, fossem as ca-
racterísticas de uma tribo pr imitiva ou da flora e fauna de alguma ilha tro-
pical. C0111 isso, um novo padrão surgiu como parte da busca do ltuininis-
1110 europeu por autenticidade ou "tipicidade ", para usar a palavra do Pro-
fessor Smith. Seus antecedentes talvez possam ser encontrados na história
das belas-artes, na pintura holandesa do século XVII, por exemplo, com
suas cenas retratando costumes carnpesinos ou as maneiras das classes mais
baixas, as "bambochatas", que acabaram levando ao mundo ibérico e lati-
no-americano o que, um tanto pejorativamente, ficou conhecido por "cos-
turnbr ismo " .
Dos primeiros a seguir Humboldt e um dos mais metódicos de todos
foi o príncipe Maximilian Wied, de Neuwied, pequ~no principado no
Reno. Sua documentação dos fenômenos naturais brasileiros irucro u-se,

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em 1815, com uma série de esboços arranjados em forma de diários. Mais


tarde, ele seguiria o itinerário de Lewis e Clark através do território da
Louisiana, nos Estados Unidos, acompanhado, desta vez, pelo artista suíço
Karl Bodmer que fez uma série de brilhantes ilustrações do continente
norte-america n o.
Possivelmente, o mais enciclopédico de todos os europeus que inven-
tariararn a vida no continente sul-americano foi jean-Baptiste Debret, que
trabalhou no Brasil de 1816 a 182-1-lilust. 3.7,8,9]. Sua formação parisiense,
tanto na École des Beaux Arts como estudante de engenharia, preparou-
o, depois da queda de Napoleão, para participar da Missão Lebreton: o
grupo de projetistas, artistas e arquitetos franceses contratados em 1816
pelo rei português D.joão VI para fazer do Rio de janeiro uma capital ao
estilo neoclássico, digna do status imperial.
No Rio, Debret tornou-se o pintor da corte dos Braganças e foi fun-
dador, em 1826, da Academia Imperial de Belas-Artes, onde ensinou pin-
tura; como desenhista, fez o registro de temas que abrangiam tanto o lado
humano da família imperial como o material proveniente de seus domí-
nios no Novo Mundo. Como um Diderot da última fase, descreveu vi-
sualmente os aspectos econômicos, arquitetônicos, cerimoniais e étnicos
da vida, não só em lugares já colonizados como também em sítios in-
3.7 jean-Baptiste Debret, "Índios guianenses" in VOJ'age terioranos quase selvagens. O aucien régiu:« português, nos tempos pré-in-
pittoresque et historique ali Brésil (183~-1839), vol. 1; The
Br itish Library Board. dependência, tinha modernos projetos que visavam a promover, além da
própria grandeza, suas progressistas perspectivas, uma dicotomia que Debret,
melhor do que qualquer outro cronista viajante de seu tempo, exemplifica.
Seus estudos sobre a vida natural nessas terras, contudo, são mais apreciá-
veis do que os quadros retratando a grandeza rígida da corte, feitos ao es-
tilo neoclássico, o preferido para retratos e cerimônias da realeza e típico
da pintura de David.

Entre os muitos tentas tratados pelos artistas-cronistas viajantes, durante


meio século de atividade, de 1810 e 1860, em todas as partes da América
Latina - do México ao Chile, e também nas Caraíbas -, pelo menos qua-
tro categorias principais podem ser distinguidas: científica, ecológica, topo-
lógica e social (esta última, que abrange um enorme leque de costumes e
tipos de indivíduos observados nas atividades do dia-a-dia e em diferen-
tes regiões, é em geral conhecida na Espanha como costuinbres, usos e tipos,
ou C0l110 aqui anteriormente dito, C051111110ris/llo.) Os temas científicos in-
cluíam os novos fenômenos descobertos ou desconhecidos no mundo
animal e vegetal; os habitantes nativos que, como os indígenas, eram pes-
soas de cor (ambos, exemplos do bom selvagem de Rcusseau, em sua al-
mejada versão do Velho Mundo); as formas terrestres mostrando tanto as
originais espécies arbóreas como a riqueza da vegetação - esta, quase sempre
relacionada com as atividades exercidas pela gente do lugar. Dentro da
categoria "topológica " poder-se-iam agrupar: vistas de cidades, lugarejos
e praças, cenas portuárias e sítios de importância militar ou geográfica. A
mais variada e abrangente das categorias, entretanto, era a social, onde se
achavam englobados as atividades e os trajes típicos de toda espécie de
gente: da sociedade da classe alta urbana aos barrios, das praças de merca-
do, campos rn ili tares, fazendas de gado, docas portuárias às florestas e sei-
vas em paragens ainda não exploradas. Soldados a pé e homens a cavalo,

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pelo que parece sempre presentes durante as guerras de bloqueio travadas


pelas potências navais européias, bem como ambiciosos generais e caudi-
lhos rivais, faziam parte dos temas preferidos pelos pintores da região do
rio da Prata. Essa categoria também incluía retratos não oficiais que, em
muitos sentidos, beiravam um for malismo artístico, m.ais ou menos segundo
os moldes europeus da época.
Johann Moritz Rugendas, cujos antepassados medievais eram originá-
rios da Catalunha, mas cuja família, durante gerações, se tinha distingui-
do nas artes em Augsburgo, provavelmente, de todos, é o que melhor exem-
plifica a tradição do cronista viajante nas partes da América Latina de fala
portuguesa e espanhola, durante a era pós-independência. Rugendas via-
jou mais longe e por mais tempo do que qualquer de seus contemporâ-
neos e desenvolveu um estilo expressivamente harm.onioso em mais de
cinco mil pinturas e desenhos produzidos entre 1821 e 1847, no México
e na América do Sul. Sarmiento costumava prestar-lhe tributo, dizendo:
"Humboldt com a pena e Rugendas com. o pincel são os dois europeus
que mais fielmente retrataram a América."}
Rugendas, primeiro, passou dois anos no Brasil (1821-1823) retratan-
do a natureza e a vida dos colonizadores e escravos de maneira extrema-
mente abrangente e fiel: a documentação desses anos, que saiu com o tí-
tulo de Voyage pittoresque dans le Brésil (1835), está entre as obras mais lu-
xuosas que foram publicadas nesse período.Voltando à Europa, Rugendas
passou oito anos avaliando os méritos de sua experiência e sua carreira
como artista. Foi, então, que se encontrou com Hurnboldt e se tornou um
de seus protegidos graças a sua obra brasileira que iria fixar os modelos
para aquilo que "iniciará unta nova época na pintura da paisagem"." Du- 3.8 Jean-Baptiste Debret "Toque para guerra" in Voyage
rante esse tempo, Rugendas parece tam.bém ter entrado em contato com pittoresque et historique ali Brésil (1834-1839), vol. 1;The
British Library Board.
os precursores da escola de pintura paisagística de Barbizon, e tudo indi-
ca que também deve ter conhecido Eugêrie Delacroix, cuja obra, dado o
envolvirnenro do pintor francês com a causa da independência grega, deve
ter visto em Roma.
Em 1830, a Revolução de Julho reviveu a liberdade de pensamento na

3.9 Jean-Baptiste Debret, O regresso dos escravos do


naturalista (c. 1820), aguarela; coleção particular.

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França e o romantismo lá emergiu com a mesma força que manifestava


no resto da Europa, vale dizer, como a principal reação ao estilo clássico
que tinha aprovação oficial. Antes de completar um ano de revolução,
Rugendas partiu para sua segunda viagem de trabalho no Novo Mundo,
levando consigo sua experiência com os jovens vanguardistas de Barbizon
e o conselho de H umboldt: "Evite as zonas temperadas, Buenos Aires e
Chile. (... ) Vá aonde haja muitas palmeiras, samambaias, cactos, aonde exis-
tam l11.ontanhas cobertas de neve e vulcões, vá à cordilheira dos Andes (... )
Um grande artista como você tem de sair em busca do monumental."
Apesar de nunca ter renunciado à amizade de Rugendas, Humboldt "não
poderia imaginar o quanto seu protegido se afastaria do aviso dado":' Sem
evitar vulcões ou os desolados desfiladeiros da cordilheira, nem as áridas
clareiras dos planaltos ou a densa vegetação dos trópicos, Rugendas aban-
dona a descrição precisa de espécimes tipológicos (embora sempre no
contexto natural deles) como as que fizera no Brasil, deixa os grandiosos
e luxuriantes aspectos da natureza, para ir ao encontro dos costumes e da
gente nos assentamentos humanos, mostrada contra um fundo mais ge-
neralizado da natural grandeza onde o humano era mais enfatizado que o
monu mental.
Seus quatorze anos de viagens e trabalhos levaram-no, desta vez, a sete
países: foi do México ao Chile, das regiões costeiras ao remoto interior,
onde se movia entre pessoas de todos os níveis da sociedade pós-indepen-
dência, retratando a cena humana em seu ambiente cotidiano e os fenô-
menos naturais em seu cenário geográfico. Escolheu muitos tipos de pes-
soas surpreendendo-as em suas ocupações, e não foram poucas as vezes em
que correu perigo protegendo amigos que fugiam para não ser presos no
México, ou quando foi testemunha de violentos acontecimentos como el
málon, um ataque de índios ocorrido na Argentina, quando foram destruídos
assentamentos brancos e feitos prisioneiros. Rugendas passou dez anos no
Chile, viajando entre as cidades e os íngremes desfiladeiros andinos do Peru,
da Bolívia e da Argentina, tendo-se tornado praticamente um cidadão de
Santiago, cuja intelligentsia, por essa época, no final dos anos de 1830, es-
tava apenas começando a sentir e a expressar as particularidades culturais
do país.
Galasz e Ivelic, em sua história da pintura chilena que vai desde o pe-
ríodo colonial até o ano de 1981, destacam na obra de Rugendas três ti-
pos de abordagem:

a do historiador - como um cronista que narra acontecimentos e des-


creve os costumes de uma época, mostrando toda uma galeria de figu-
ras ilustres com passagens marcantes pela vida social, política ou mili-
tar; a do cientista - como o explorador que extrai os elementos que ca-
racterizam os espécimes de uma fauna e flora; e a do geógrafo - que
sabe privilegiar o espaço geográfico em toda a sua natural plenitude,
ainda não transformado pela mão do homem."

Na Argentina, onde trabalhou no interior e nas imediações de Buenos


Aires durante três meses, logo depois de ter deixado o Chile em 1845, os
temas de Rugendas podem ser agrupados nestas mesmas três categorias:
3.10 Johann Moritz Rugendas, Estudo de polmeiras (c.
1831-1834), esboço a óleo; Ibero-Amerikanisches Institut, como historiador, ele focaliza as pessoas e os seus hábitos e costumes como
Preussischer Kultu rbesi tz, Berlirn. fazendeiros, peões, soldados, gaúchos, ou então, cenas onde aparecem emas

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3.11 Johann Moritz Rugendas, Vista dos arredores de Lima caçadas com boleadoras; carruagens particulares e carretas de estivadores;
(1843), óleo sobre tela, 34,7x45 crn.
uma incursão de índios em assentamento de brancos, figurando o momento
do ataque, o lugar em chamas, destruído, o rapto de uma prisioneira e o
seu retorno. Como cientista, dá o retrato da tipologia humana que encon-
trou, como índios vivendo tribalmente na Patagônia ou figuras específi-
cas da sociedade, na visão, por exemplo, de um batalhão de sargentos e
soldados a pé (no caso, a sanguinária infantaria colorada de Rosas). Como
geógrafo, registra picos montanhosos, colinas, pontes, rochedos, choupa-
nas, penínsulas, rios, baías, pores-do-sol, vistas panorâmicas de cidades.
Sob outro ângulo, no entanto, um inventário de tal ordem - que pode-
ria ser repetido em muitos dos países visitados por Rugendas em sua se-
gunda viagem americana -, transcende a função documental, servindo
como uma primeira ponte ligando a reportagem factual à arte expressiva.
Isso porque, antes de mais nada, seu estilo não muda muito radicalmente
de um país para outro ou de uma época para outra - ele é mais a manifes-
tação da visão pessoal e harmoniosa de como observa o artista os seus te-
mas, do que um registro literal daquilo que é enxergado, embora a fideli-

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o ARTISTA-CRONISTA VIAJANTE

dade, objetiva e fundamental, para com a perspectiva científica e a missão


artística seja preservada. A característica ou o "toque" na execução da obra
torna-se, depois de ter Rugendas conhecido, na França, a obra de Delacroix
e dos paisagistas de Barbizon, uma extensão do ideal preto-romântico, en-
tào, começando a declarar sua independência do neoclassicismo, o estilo
privilegiado pela pouco convincente restauração dos Bourboris. Por não
limitar-se à paisagem ou por não isolar o ambiente e as circunstâncias de
determinado país, o artista mostrava sua crença na universalidade do ideal
romântico e emprestava vida a todo o continente sul-americano, com isso
aumentando o repertório temático da arte (como o faria Delacroix, em
1831,ao transpô-Ia para o norte da África) e levando as fronteiras da cr iati-
vidade para além dos convencionais horizontes europeus e americanos.
Se Rugendas chegou ou não a fazer escola nos países sul-americanos é
difícil de dizer. Alunos conhecidos não os teve, nem. mesmo no Chile,
durante os dez anos gue lá ficou. Mas era uma presença, seja lá onde esti-
vesse trabalhando, e sua figura sentada diante de um cavalete ou em pé
olhando para alguém, na sala de desenho de algum de seus muitos clien-
tes, certamente, deve ter encorajado outros gue gostariam de tentar in-
cursões em seu terreno. Talvez isso fosse especialmente verdade no gue diz
respeito à arte popular, onde pintores autodidatas da vida nas ruas, como
o mulato peruano Pancho Fierro e índios anônimos ou comerciantes mes-
tiços se viam estimulados a reproduzir o próprio ambiente e suas ocupa-
ções por uma rne ra questão de impulso, não fazendo com isso mais do gue
seguir velhas tradições artesanais. Sob esse aspecto, pode-se considerar gue
R.ugendas influenciou as formas nativas da arte latino-americana, ou por
causa, simplesmente, de uma proximidade delas com ele, ou através da
observação de seus trabalhos ou dos estudos de sua obra publicada , ou então
por causa da notícia passada de boca em boca, tanto na América Latina
como nos círculos europeus gue tinham conexões com a América Latina.
Era quase certo gue sua Voyage pittoresque dans le Brésil fosse conhecida dos
autores do Atlas da Venezuela, o italiano Agustin Codazzi e seu colabora-
dor venezuelano, Car melo Fernández. De fato, parece gue depois da vol-
ta de Rugendas à Europa, o ideal romântico, até o século XX, custou a
pegar na arte latino-americana e, posteriormente, ele seria executado em
formas de arte gue não fossem representativas.
O predecessor de Rugendas na América, o francês Debret, talvez tenha
sido até mais produtivo gue seu contemporâneo bávaro em muitas de suas
incumbências como pintor de corte. Mas, apesar de a missão de Debret es-
tar confinada a um único país (suficientemente grande, no entanto, por suas
dimensões, variedade e condições únicas para o trabalho de guinze anos do
artista) e sua obra ser mais variada do ponto de vista estilístico - por exi-
gência mesmo da natureza diversa de seus muitos trabalhos - do gue a de
R.ugendas, não se pode deixar de estabelecer um paralelo entre essas duas
figuras exponenciais da arte de documentar a vida primitiva do mundo lati-
no-americano e a importância dela para seus seguidores já nascidos no país.

Na Argentina, os artistas-cronistas viajantes ou "costurnbristas", como va-


gamente ficariam conhecidos, dominaram a cena pós-independência du-
rante as décadas da ditadura de Rosas (1833-1852) e passaram, realmente,
a formar uma comunidade residente a partir da segunda e terceira gera-

53
o ARTISTA-CRONISTA VIAJANTE

3.12 Prilidiano Pueyrredón, Descanso 110 campo (c. 1860), ção de artistas nativos. Cada um tinha sua própria maneira de reproduzir
óleo sobre tela 0,76xl ,66111;Museo Nacional de Bellas
o pitoresco e muitas vezes o não tão pitoresco da vida portenha: as carre-
Artes, Buenos Aires.
tas de rodas absurdamente altas, o rude gaúcho, tipos de soldados, bazares
arrumados sob tendas, a elegante vida social nos teatros e nas festas, a ri-
validade das mulheres expressa nos vestidos e nas peinetas, os piqueniques
campestres, corridas de cavalo, caçadas de e ma, rodeios de gado e mata-
douros a céu aberto. A produção desses artistas - onde também se inclu-
em retratos em tamanho natural e em miniatura - estabeleceu uma nor-
ma essencialmente representativa e realista que enfatizava o particular, o
típico e o nativa mente característico, sem esquecer o irônico e o ridículo.
Esse modo de percepção e expressão continuou na Argentina, até a segunda
metade do século XIX, a influenciar a maneira de observar das novas ge-
rações genuinamente argentinas, bem como o sentido de pátria recém-
descoberto por elas. Foi também o que estabeleceu as bases para uma tra-
dição representativa e socialmente consciente na arte que antecipava, como
fez outra obra latino-americana desse gênero, a emergência, na Europa da
segunda metade do século XIX, de tendências fortemente nacionalistas,
como a vista nas obras, inspiradas em cenas típicas da vida espanhola, de
Sorolla, Zuloaga, Zubiaurre e Fortuny.
A partir do precedente desses primeiros trabalhos de inspiração realis-
ta, fartamente vistos através dos olhos daqueles que chegavam da Europa,
surgiram os primeiros exemplos que irão claramente diferenciar a arte na-
cional argentina: os retratos pintados por Carlos Morei e suas cenas de ba-
talha reproduzi das com muita sensibilidade, os retratos intirnistas, de Garcia
dei Molino, as panorâmicas vistas de formações militares na guerra no
Paraguai, de Cándido López, e os majestosos retratos e paisagens dos pampas
argentinos, de Prilidiano Pueyrredón [ilust. 3.12].
Morei e García dei Molino, os dois primeiros desses importantes artis-
tas argentinos, haviam sido alunos do pintor suíço JosefGuth que se esta-
belecera em Buenos Aires. Guth chegou de Paris em 1817 e, em um ano,

54
o ARTISTA-CRONISTA VIAJANTE

já tinha criado uma academia de desenho em Buenos Aires; ensinou de-


senho, de 1822 a 1828, na Universidade de Buenos Aires, onde granjeou
grande respeito como professor. Naturalizou-se argentino e continuou a
viver no país até morrer, na província de Entre Rios, em data incerta.
Segundo a Historia de Ia Pintura eu Venezue!a - Epoca Nacional (1968),
pesquisada com extremo cuidado por Alfredo Boulton, os primeiros ar-
tistas-cronistas a chegar à Venezuela, depois da independência, eram in-
gleses.Alguns estavam em Caracas só de visita e outros residiam lá ou no
porto de La Guaira, não muito distante, e eram quase todos pintores de
retratos. Sir Robert Ker Porter, o cônsul geral da Inglaterra e encarrega-
do dos negócios em Caracas de 1826 a 1841, que havia estudado a técni-
ca da pintura de retratos na Royal Academy, fez, num caderno de aponta-
mentos, uma série de esboços dos arredores de Caracas, observados com
cuidado e com aquele mesmo vigor do final do século XVIII que apon-
tavacom precisão os detalhes da natureza. Era, contudo, o aveludado esti-
lo neoclássico dos retratos do georgiano tardio que prevalecia, e nos pe-
quenos círculos da alta sociedade, formados por nativos e estrangeiros que
cultivavam um gosto artístico cosmopolita, esse estilo, apesar de pautar-se
pelos convencionais padrões do gosto inglês, era excepcionalmente ele-
vado,para a época e o lugar. É verdade que o estilo logo se tornou parte
da tradição venezuelana, modificando, a partir da metade até o final do
século, o proceder aristocrático dos temas retratados por Tovar y Tovar e
Herrera Toro. Contudo, havia uma dicotomia nos retratos da época pós-
independência venezuelana: a refinada maneira neoclássica dos antigos ex-
teriores contrasta vivamente com aquela, por exemplo, do excepcional
retratista venezuelano Juan Lovera, cujas imagens dos pais fundadores me-
tidos em trajes sombrios e das figuras republicanas de proeminência têm
quase que o mesmo rigor, moralista e puritano, da Nova Inglaterra.
Entre 1842 e 1846, depois que o lado oriental da Grã-Colômbia foi re-
partido para formar o soberano estado da Venezuela, o versátil paisagista
prussiano Ferdinand Bellermann percorreu o país como o primeiro dos
grandes artistas-cronistas que lá aportaram.Acompanhado por seu conter-
râneo, o naturalista Karl Moritz, Belllermann foi do leste para o oeste pin-
tando em vigoroso estilo, de rico empastamento, carregado de cores vi-
brantes e cheio de luz." Embora o método de compor - passando dos tons
3.13 Ferdinand Bellermann, Vista de La Cnaira (c. 1842-
sombrios para os claros até chegar aos mais brilhantes, valendo-se de uma 1846); coleção Alfredo Boulton, Caracas.
paleta inteira do marrom-esverdeado - coloque a obra de Bellermann na
última fase da tradição barroca continental, como diz Boulton, o artista
capta,pela primeira vez, a individualidade da paisagem venezuelana, abrindo
os olhos nativos, acostumados com a tranqüilidade pastoral, para seus di-
nâmicos aspectos [ilust. 3.131
Seis anos depois, chegaram à Venezuela dois artistas provenientes da ilha
de Saint Thornas, o marinheiro dinamarquês e pintor de paisagens Fritz
Georg Melbye, e Camille Pissarro, então com 22 anos, a quem Melbuye
havia encontrado fazendo desenhos em Charlotte Amalie, convencendo-
o a deixar para trás a casa e o futuro no negócio de importação-exporta-
ção da família.
Os dois homens passaram dois anos desenhando e pintando paisagens
da costa e do interior venezuelanos [ilust. 3.14]. Pissarro, decidido a tor-
nar-se um artista [ul! time, logo depois de ter retornado a Saint Thomas

55
o ARTISTA-CRONISTA VIAJANTE

3.14 Camille Pissarro, Vista de La Cuaira (1851), aquarela


sobre papel; coleção particular.

em 1854, partiu de vez para a França, tornando-se, mais tarde, o "pai do


impressionisrno ". O comentário de Cézanne, segundo o qual Pissarro le-
3.15 Car melo Fernández,frontispício para o A tlasfísico e vava vantagem sobre seus colegas impressioriistas por ter aprendido a de-
político da República (1841), de Agustín
da Ve/lezllela senhar olhando diretamente para a natureza e não desaprendendo com
Codazzi, 27x32 cm; Divisão de mapas, Library of
Congress, Washington, D.c. lições acadêmicas, resume bem. o resultado de suas viagens com Melbye
pelas cidades e lugarejos, planícies e matas da Venezuela na segunda meta-
de do século passado. Isso também ~eva à tradição dos cronistas viajantes
na América Latina e em outras partes do mundo, quando eles põem à prova
o método empírico como meio capaz de fomentar os procedimentos ar-
tísticos que têm a intuição ·e a expressividade como fundamento.
A despeito da viagem e dos trabalhos de Humboldt, de seu entusiasmo
pela grandeza dos agressivos contornos das montanhas do norte-andino
da Grà Colômbia, sobretudo por aquelas extensões equatoriais entre Bo-
gotá e Quito, de enorme altitude, poucos artistas, na condição de cronis-
ta, viajante e explorador, apareceram na região antes da metade do século
XIX. Devido aos trabalhos de Hurnboldt, no entanto, antes do fim da dé-
cada de 1830, a imensidão da área, como parte ainda não explorada de um
território nacional tripartido, tornou-se um desafio e uma tentação tanto
para naturalistas e geógrafos como para artistas - estrangeiros e nativos
Com a independência, surgiu a necessidade de conhecer para poder go-
vernar e também de compreender objetivamente as terras nativas recém-
libertadas; isso levou às primeiras grandes iniciativas tomadas no continente
latino-americano que visavam a uma sistemática exploração geográfica,
onde se incluía o trabalho do artista. A comissão corográfica da década de
1850, em sua organização, fez-se - talvez deliberadam.ente - segundo os
moldes de outra anterior a ela, a expedição botânica de CeIes tino Mutis,
no século XVIII. O organizador e a principal figura da comissão, o enge-
nheiro e geógrafo italiano Agustin Codazzi, enquadra-se na categoria do
cronista viajante. Sob a direção de Codazzi - cujo trabalho de mapear as
vastas áreas do continente sul-americano fora uma das razões do enorme
sucesso alcançado pelo Atlas Físico )' Político de Ia República de Veneruela,
de autoria dele e de Fernández (1841) [ilust. 3.15]-, a comissão corográfica

56
o ARTISTA-CRONISTA VIAJANTE

reuniu uma turma de pintores, escritores, botânicos e cartógrafos que le- 3.16 Carmelo Fernández, Cultivadores mestiços de anis,
Província de OcaFia, Colômbia (1850-1859), aguarela;
varam dez (1850-1859 anos para mapear a geografia humana, fisica e po-
Biblioteca Nacional de Colombia, Bogotá.
lítica da vizinha república de Nueva Granada (posteriormente, Estados
Unidos da Colômbia), em cada uma de suas províncias, no litoral e nas 3.17 Carmelo Fernández, Notáveis da Capital, Província
de Santander, Colômbia (1850-1859), aguarela; Biblioteca
regiões montanhosas; eles deixaram um registro visual de cerca de duzentas Nacional de Colombia, Bogotá.
aquarelas desenhadas em perspectiva, sendo que entre as melhores figura-
vam muitas de Fernández [ilust. 3.16,17]. Apoiado pelo presidente colom-
biano da época, José Hilario López (1849-1853), o empreendimento foi
um descendente direto da missão de Humboldt, patrocinado pela coroa
espanhola cerca de cinqüenta anos antes. Ele também foi uma aplicação
mais aprofundada dos princípios do lluminismo europeu com relação à
investigação ernpir ica e à coleta de informações, agora associados ao con-
trole racional dos próprios assuntos por um gosto autônomo e, em parte,
levados a efeito por artistas locais para que se tivesse melhor compreen-
são do patrimônio nativo. Uma avaliação mais ampla do cenário dos ter-
ritórios e da diversidade de suas populações e, por fim, o reconhecimento
deste cenário como motivo de interpretação artística, foram o seu legado

57
o ARTISTA-CRONISTA VIAJANTE

à arte colombiana. As riquezas naturais do país tiveram esplêndido trata-


mento, nas décadas de 1940 e 1950, nos maugles, condores.flores caruivoras,
sottiiegios e outros temas similares na obra do modernista colombiano,
Alejandro Obregón.
Com a vinda para a América Latina das academias nacionais de arte
(ver capítulo 2) criadas segundo o modelo pós-Revolução Francesa, o
neoclassicismo tornou-se não só o padrão aceito em arte pelos crioulos
de classe alta que a patrocinavam, como também a base da instrução artís-
tica nos dois continentes americanos. Nas Antilhas, a Espanha forneceu
o modelo para a Academia San Alejandro de Cuba e a Royal Academy
da Inglaterra para o começo da instrução artística no Haiti, durante a mo-
narquia de Henri Christophe. A Academia San Carlos no México e a
Missão Lebreton no Brasil - que daria origem à Escola Nacional de Be-
las-Artes do Rio de Janeiro - estabeleceram os exemplos a ser seguidos,
sob regime republicano, pelas academias fundadas, durante a metade do
século, no Chile, na Colômbia e na Venezuela, e faziam parte da política
de continuação do patrocínio estatal das artes, segundo a tradição real
européia.
No México, os antecedentes de uma arte nacional estão numa insti-
tuição estatal estabeleci da no fim do período colonial. A casa real da
moeda, La Moneda, onde se desenhavam e se cunhavam moedas, bem
depressa se transformou na Academia Real das Três Nobres Artes: pintu-
ra, escultura e arquitetura, assim designada por decreto de 1785. Desde
o princípio, o curriculum daquela que seria mais tarde a Academia San
Carlos seguiu os princípios do neoclassicismo: os alunos aprendiam, pri-
meiro, a desenhar com modelos inanimados e, depois, ao natural, duran-
te um exigente curso de doze anos, talvez comparável, hoje em dia, ao
de medicina. Pedro Patino lxtolinque, considerado genuinamente índio,
mas graças às disposições notavelmente eqüitativas do governo espanhol,
sem qualquer impedimento e perfeitamente qualificado para a direção da
Academia, assumiu esta posição em 1825, depois da independência; ele
havia lutado antes - como também outros integrantes da Expedição
Mutisiana da Colômbia - ao lado dos guerrilheiros nos movimentos pela
independência. A Academia, entretanto, despojada do apoio real em con-
seqüência da revolução, viu-se forçada a fechar as portas. Patino, antigo
aluno do exigente mestre escultor e arquiteto Manuel de Tolsá, conti-
nuou do alto de sua respeitável posição a trabalhar em monumentos de-
dicados aos heróis da independência, sem largar o estilo clássico a que
era devotado. Contudo, introduziu temas e símbolos da nova nação me-
xicana, num espírito e maneira de trabalhar que refletia o neoclassicismo
e também a consciência da identidade pré-hispânica, plantando dessa for-
ma as sementes do indigenismo que iria, no final do século, polarizar o
sentimento da mexicani dad re nascenre". O monumento a Cuauhtémoc
(1887), do escultor Norena, no Paseo de Ia Reforma, ainda foi inspirado
no grandioso aspecto das obras neoclássicas.
Assim, para os partidários dos modelos e do rigor da Academia San
Carlos, a arte grega e romana foi, durante todo o decorrer do século, o
critério de excelência no México; e esse padrão neoclássico aplicava-se
igualmente a quase todos os outros países latino-americanos onde, da me-
tade do século para a frente, foram. criadas academias oficialmente patro-

58
o ARTISTA-CRONISTA VIAJANTE

cinadas pelo estado. Mas a norma prevalecente de estilo não impedia va-
riações sobre temas nem a expressividade no tratamento por parte dos
professores e alunos que sabiam o que queriam e cujo impulso criativo se
rebelava contra a imitação de modelos importados. Embora a instrução na
academia mexicana - durante o longo período que vai do seu começo,
no século XVIII, até o fim da era de Díaz - se situasse dentro de uma fai-
xa de práticas gerais acadêmicas, em períodos de declínio, como mostra
Charlot, as inflexões nacionalistas podem ser percebidas nas poses, feições
e clima dos antigos temas copiados e nas frias posturas dos modelos vivos.
Por outro lado, nos períodos em que o apoio estatal e o controle externo
do curriculum e da instrução (através dos artistas europeus indicados para a
faculdade) se achavam no auge, a necessidade dos artistas de expressar
valores enraizados na experiência nativa atingia explosivas proporções. Já
na primeira década depois de sua fundação, houve uma reação contra o
pessoalda Academia San Carlos original, formado exclusivamente por aca-
dêmicos espanhóis. Mais tarde, com a revolução social no presente século,
veio a greve dos estudantes que deixou a escola fechada de 1910 a 1913.
Ela só voltou a abrir quando o novo diretor geral, Ramos Martínez, co-
meçou a dar aulas nos bairros da periferia de Santa Anita; ali, numa onda
de plein airismo, nos alegres bairros populares, resplandecentes de cores e
luzes, seria erguido o manto que encobria os sombrios e gélidos interio-
res neoclássicos.
O rigor e a tenacidade da tradição acadêmica no México pode, às ve-
zes, ter sido maior neste país do que no Brasil, no Chile, na Venezuela e
em outros lugares que também rendiam homenagens aos protótipos ar-
tísticos europeus, depois da era napoleônica. No entanto, em todos os paí-
ses onde o neoclassicismo foi instituído corno um meio a priori para a
regeneração artística, para que fosse preenchido o vazio deixado pelo ani-
quilamento dos critérios de criação baseados exclusivamente no sobre-
natural, ele estava destinado, no fim, a pôr em xeque a consciência da rea-
lidade nas mentes dos artistas. Aqueles que se desenvolveram num meio
empiricamente definido, e que, através da independência, fizeram desse
meio o seu próprio, instituíram um processo de autoliberação que con-
tinua até hoje.
No curso de sua história, corno observa mais adiante Charlot, a acade-
mia mexicana serviu como pano de fundo e mola para o impulso dado na
direção da independência criativa. Entre os artistas que lá se formaram, as
censuras impostas, ou mesmo os ensinamentos que lhes eram transmiti-
dos, produziram, ao longo dos anos, a firmeza de caráter e o domínio de
uma técnica necessários ao sucesso do renascimento do muralismo mexi-
cano. É o que afirma Orozco em sua vigorosa defesa dos anos que passou
na Academia San Carlos.
Os efeitos do rigor neoclássico sobre a arte latino-americana do sé-
culo XIX, nos muitos países onde esse rigor na formação de artistas pro-
fissionais - aqui incluídos também os de fora - estava centrado nas aca-
demias com patrocínio estatal, ainda está para ser avaliado. Uma conse-
qüência disso talvez seja o fato de que a racionalidade na arte sempre
esteve presente nas criativas composições latino-americanas. Até o final
do século, ela foi um freio, mas nunca um impedimento às tendências
individuais românticas. E na década de 1920, voltou a emergir, na forma

59
o ARTISTA-CRONISTA VIAJANTE

e na estrutura, em países tão distanciados quanto Argentina e México, e


em movimentos tão aparentemente opostos como o indigenismo e o
construtivismo.
Igualmente, as limitações impostas pelo neoclassicismo à livre escolha
de temas e à maneira do tratamento afastavam-se cada vez mais da expe-
riência que tinha o artista de seu ambiente. Os artistas-cronistas viajantes
estavam construindo sistemas de referência mais autóctones em seus re-
gistros da realidade científica, ecológica e social. Sua atividade encontra-
se especialmente relatada na primeira dessas esferas, no registro arqueoló-
gico que compreendia cidades antigas, monumentos e artefatos, desde os
primeiros esboços amadorísticos de antigas estátuas nas selvas da Guatemala
e de Honduras até as bem detalhadas litografias da escultura e arquitetura
maia , de Frederick Catherwood [ilust. 3.56-9] e as minuciosas fotografias
de Desiré Charnay, no Yucatán. Os trabalhos destes e de outros artistas
trouxeram à consciência nativa, através de publicações populares sobre
arqueologia, as origens milenares e a enorme importância das primitivas
civilizações americanas. Dessa maneira, ressaltaram-se as novas diferenças
contrárias aos julgamentos artísticos que haviam feito da palavra "nativa"
sinônimo de inferioridade e fixado padrões externos para a aceitação ou
exclusão cultural.
As observações "ecológicas" dos cronistas viajantes transformaram-se
num objeto muito mais importante para a avaliação da diversidade na na-
tureza do que aquilo que fora notado antes da influência do Iluminismo
europeu; será assim que haverá grande interesse pelas vastas e panorâmi-
cas paisagens do vale mexicano, de José Maria Velasco (cujo primeiro tra-
balho publicado, ao estilo cronista-cientista, foi sobre a flora dos arredo-
res da Cidade do México); no final do século XIX, pelas paisagens intimistas
da savana do planalto colombiano, de González Camargo (em contraste
com outras que usavam. este natural cenário idílico para transportar o sen-
timento romântico essencialmente europeu); pelos humildes lugarejos para
os quais dois paisagistas venezuelanos do início do século XX, Federico
Brandt e Edmundo Monsanto, e seus seguidores se haviam voltado na des-
coberta de valores nativos, corno também o fizera o pintor impressionista
chileno Juan Francisco González, com suas vistas de pátios de fazenda e
cenas apinhadas de roseiras silvestres.
Com suas múltiplas e variadas descrições da vida popular no campo e
na cidade, dos costumes sempre iguais dos índios, das maneiras da alta so-
ciedade e da imitação que dela fazia a classe média que apenas começava
a engatinhar, os cronistas da cena social inauguraram uma infinidade de
temas que iam ao encontro do nativo e, portanto, também ao encontro
das aspirações nacionais. Atingindo todas as fases da vida latino-america-
na, sua obra incentivava os pretensos artistas do lugar a prosseguir nesse
gênero, e artistas e escolas dignos de nota não tardaram a aparecer: um cro-
nista mulato da vida nas ruas de Lima, Pancho Fierro, no Peru;J.G.Tatis e
Torres Méndez com suas caracterizações da vida colombiana no campo e
na cidade; o jovem artista itinerante Juan Cordero; os retratos de pintura
ingênua e os painéis em retablos e pulquerlas, de rica tradição no México,
que já antecipavam as fantásticas imagens de Hermenegildo Bustos; e, por
fim, as tremendas tensões sociais e os contrastes do mundo de Porfirio Díaz
vistos por José Guadalupe Posada.

60
o ARTISTA-CRONISTA VIAJANTE

o efeito cumulativo de todas as categorias da atividade do cronista-via-


jante sobre a tradição acadêmica neoclássica foi primeiro direcioná-la e,
depois,substituí-Ia. Foi principalmente na pintura de paisagens, onde se-
ria possível basear as composições nos meticulosos estudos da cena natu-
ralmexicana, que os temas clássicos puderam ser contornados, mas guar-
dando,ao mesmo tempo, os limites aceitáveis em relação à perspectiva, ao
equilíbrio e à cor. Bom exemplo desse tipo de abordagem são as paisa-
gensmexicanas de Velasco, que podem ser consideradas tanto como uma
realizaçãodos ideais clássicos e românticos da tradição paisagística ocidental
do fim do século passado, como o ponto culminante, nesse gênero, do le-
gado empírico do cronista viajante no hemisfério ocidental.
A grande conseqüência desse legado para os artistas do Novo Mundo
foi,naturalmente, a substituição do mundo ideal da tradição neoclássica
pelopróprio mundo deles, em todas as fases e elementos disponíveis à per-
cepção humana como um terna a ser, por eles, reordenado e recriado. Esse
processo de cem anos foi um corolário da gradativa substituição, na Amé-
rica Latina, de velhas formas provenientes de governos exteriores por uma
nova ordem social, ética e política que tinha como base a autodetermina-
çào em termos sociais e artísticos.

Segundo uma idéia bastante difundida, o estilo colonial da arte na Amé-


ricaLatina teria sobrevivido até o final do século XIX. 10 Isso, naturalmente,
não exclui a teoria de que o processo intuitivo e empírico da invenção
artística, que emergiu no começo do século XIX, fosse provocado pela
independência. A questão crucial, no entanto, é saber o que teria substi-
tuído os estilos que predominaram antes e quais as fontes dos artistas de
épocas mais recentes, sobretudo quando se sabe que quase todos os ele-
mentos de continuidade haviam sido removidos pela introdução de nova
postura filosófica, numa perspectiva inteiramente secular. A tradicional e
erudita abordagem de urna questão desse tipo é a que considera a evidência
histórica, ou seja, depois do surgimento de um novo estilo, que se retro-
ceda, então, no tempo e se passe a examinar sua evolução ex post Jacto. Mas,
para propósitos historiográficos, uma abordagem mais de acordo com o
interesse empírico no processo, com os estágios de desenvolvimento, e ba-
seada num conhecimento das fontes, o certo será considerar os estágios
de desenvolvimento tão legítimos para a avaliação artística quanto a soma
dos resultados finais da evolução e, dessa forma, alargar a base da investi-
gação crítica nas áreas onde surgiu a inovação criativa. De fato, se os mui-
tos estágios da arte de Picasso não tivessem sido acompanhados no mo-
mento de sua ocorrência, por onde, post mortem, se deveria começar a re-
construi-Ios e a que realmente se teria chegado se assim se procedesse?
Foi esse nosso propósito ao passar em revista alguns dos efeitos, na arte
do Novo Mundo, da nova atitude universal para com a experiência dire-
ta. Por exemplo: de que maneira os vários modelos trazidos foram usados
como base para um novo começo muito mais fiel às tradições indígenas
na arte do que quando estavam subordinados às condições coloniais - e
de que maneira esse processo constitui um claro renascimento das artes
no mundo moderno, nas várias regiões da América Latina.

61
3
11.Natureza, Ciência e
Pitoresco
NAS DÉCADAS que se seguiram à independência, o número de viajantes es-
trangeiros nas novas repúblicas cresceu fantasticamente. Na Europa, era
grande a curiosidade que aquelas terras ~ quase desconhecidas e em grande
parte ainda não mapeadas ~ despertavam em. cientistas e também em pes-
soas leigas ou ligadas ao comércio e à indústria; isso fez com que se pu-
blicasse uma avalanche de livros e álbuns magnificamente ilustrados que
iam desde minuciosos estudos sobre a flora e a fauna até pitorescas cenas
1
refletindo a vida dos lugares e seus habitantes.
Embora produzidos para consumo europeu, tanto os álbuns como as pin-
turas e gravuras dos artistas viajantes tornaram-se muito depressa conheci-
dos na América. A época em que apareceram, depois da independência, foi
de mudanças radicais na consciência política e social das novas nações ~ uma
época de autodescobrimento e de reformas, quando se passou a enxergar a
terra e suas oportunidades com novos olhos. Entre a "arte maior", de fei-
ção européia e praticada nas academias, e as tradições até certo ponto ocultas
da arte popular ~ retratos, ex-votos e imagens votivas pintados nas cidades
e vilarejos, durante o período colonial, por artistas locais quase sempre desco-
nhecidos=-, surgiu uma onda de criação de imagens condizentes com a nova,
ou recentemente percebida, realidade. A relação entre esta onda e a rique-
za tanto de informações como de um visual fora do comum, concretizada
na obra do cientista-artista viajante europeu, será explorada através de uma
série de confrontos visuais,através de" una conjrontacion de miradas" 2 Não
será pelo fato, ainda que verdadeiro, de o desenvolvimento da pintura paisa-
gística ~ para a qual não existiam muitos precedentes na América Latina ~
dever muito de seu caráter especial aos artistas viajantes e de o "costum.-
brismo ", que desde longa data fazia já parte do repertório de muitos artis-
tas latino-americanos, derivar do gosto europeu pelo exótico, que esta questão
poderá ser encarada como um simples caso de dependência. Há, sem dúvi-
da, uma diferença entre o instável viajante, que pinta ~ para ele ou ela ~ o
novo e estranho, e o artista residente, para quem. as coisas se apresentam sob
uma forma que sempre lhe foi familiar. Mas, ao mesmo tempo, esse mundo
familiar pode revelar seu potencial à investigação artística em resposta à visão
de um estranho e, nessa área, a adaptação dos modos europeus de represen-
tação à sensibilidade e às tradições locais ainda está por explorar.
A longa história das imagens da América segundo a visão do europeu
remonta aos primeiros contatos entre o Novo e o Velho Mundo." A inespe-
rada existência de outro continente, interrompendo a passagem ocidental
dos mercadores europeus para as ilhas do Oriente, ricas em especiarias,
tiveram profundo efeito sobre a consciência que tinha a Europa de si mesma
em relação ao resto do mundo. Os relatos sobre o novo continente ora
enfatizavam as semelhanças, ora as diferenças entre ele e. a Europa ~ em 3.1 íl Detalhe da ilust. 3.88.

63
NATUREZA, CIÊNCIA E PITORESCO

geral mais as diferenças, às vezes a ponto de declarar a América como produ-


to de uma Criação totalmente à parte. A idéia de que o continente ame-
ricano realmente fosse mais jovem que o Velho Mundo era muito comum
e subsiste ainda na obra do maior de todos os cientistas viajantes,Alexander
von Humboldt, no começo do século XIX. As próprias palavras "descobri-
mento", "Novo Mundo" ele nouveau continent sublinham a natureza euro-
cêntrica das descrições das terras que, para a Europa, completavam o globo,
além de passar certa idéia de passividade e imobilidade dessas terras, à es-
pera da ação dinâmica e vigorosa do explorador saído do Velho Mundo.
As histórias dos viajantes e as imagens que chegavam dessas terras e dos
povos que lá viviam tomaram conta da imaginação do Velho Mundo, su-
prindo-a com mitos que vieram substituir a velha lenda da Atlântida de-
saparecida. O Novo Mundo era um paraíso sobre a Terra, um lugar reple-
to de ouro e minas de prata, que tanto podia ser habitado por canibais,
corno por alguma raça que rivalizaria com os gregos antigos ou ainda pelas
tribos perdidas de Israel. Essas histórias, sobretudo as que falavam de um
povo vivendo em estado pré-adâmico, em toda nudez e inocência, desti-
tuído de governo ou leis, vieram lançar ainda mais lenha na fogueira de
certas preocupações que dominavam o pensamento europeu, especialmente
as relacionadas aos conceitos de natureza e civilização, e de liberdade e es-
cravidão. Um de seus mitos mais poderosos, o da utopia, assim referido
pela primeira vez por Sir Thomas More, é a história de um lugar gover-
nado pela harmonia e pela razão e baseada no que se dizia do Novo Mundo.
Enquanto as colônias espanholas haviam praticamente permanecido fe-
chadas ao estrangeiro, a situação na América portuguesa era algo diferen-
te. Durante a ocupação holandesa de boa parte do Brasil, entre os anos de
1630 e 1654, o governador colonial holandês, conde Maurício de Nassau,
incumbiu uma série de artistas e cientistas, entre eles Franz Post e Albert
Eckhout, de fazer o levantamento da história natural do país." As paisa-
gens de Post são extremamente inusitadas quando comparadas com ou-
tras representações da América da época, na medida em que nem são só
topográficas, nem só alegóricas. Ele pintou cenas rurais, vales cultivados
onde se vêem carros de bois e rios com canoas, às quais às vezes acrescen-

3.19 Frans Post, O carro de bois (1638), óleo sobre tela;


Musée du Lou vre, Paris.

64
NATUREZA, CIÊNCIA E PITORESCO

3.20 Albert Eckhout, Colheita tropical (1640-1643), óleo


sobre tela; Museu Nacional da Dinamarca, Copenhagen.

tava,em destaque na margem da tela, árvores tropicais, cipós e orquídeas.


Um quadro como O carro de bois [i1ust. 3.19], que se acha no Louvre, pro-
vavelmente ajudou a inspirar as selvas imaginárias de Le Douanier Rous-
seau.Eckhout pintou naturezas-mortas de frutos tropicais - goiabas, aba-
caxis, pimentas etc. - em escala avantajada, guardando equilíbrio entre a
precisão botânica e a sensualidade luxuriante - não incomum - das natu-
rezas-mortas da pintura holandesa desta época [ilust. 3.20]. Também dei-
xou detalhados estudos onde pintava figuras isoladas [ilust. 3.21] perten-
centes a diferentes grupos étnicos - índios, negros e mestiços brasileiros 3.21 Albert Eckhout, Mulher tarairiu (1641), óleo sobre
- que são variações daquelas populares gravuras que retratam costumes e tela; Museu Nacional da Dinamarca, Copenhague.
profissões,bastante conhecidas na Europa a partir da metade do século XVI.
A pintura dos habitantes do Brasil de Eckhout teve, segundo parece, pou- 3.22 Zacharias Wagener, "Marneluca ", in Livro dos
co sucesso na Europa," mas são importantes lembranças das imagens eu- animais (1643-1651); Gabinete de Gravuras e Desenhos.
Staatliche Kunstsarnmlungen , Dresden.
ropéias da América, onde desde longa data já se havia estabelecido um laço
entre a história natural, a etnografia e os "costumes" [ilust. 3.22]
Os dois outros grandes projetos científicos, imediatamente anteriores
ao de Humboldt, estavam destinados a não ser publicados até o presente
século. No início da década de 1780, Alexandre Ferreira, que estudara fi-
losofia natural na Universidade de Coimbra, fora encarregado, pelo go-
verno português e pela rainha Dona Maria I, de fazer um "estudo sobre
as possibilidades econômicas dos três reinos da natureza, bem como sobre
os modos de vida e os hábitos da população, mais especialmente sobre os
índios". Os desenhistas que acompanharam Ferreira foram Joaquín José
Codina e José Joaquim Freire; a riqueza do material coletado (inclusive
um bom número daquilo que, mais tarde, seria designado como "etno-
grafia": aquarelas que reproduziam moradias circulares dos índios curuto,

65
NATUREZA, CIÊNCIA E PITORESCO

3.23 Leandro Joaquim, Vista da lagoa do Boqueirão e do


aqueduto de Sal/ta Teresa (c. 1790), óleo sobre tela,
0,86xl,05 111; Museu Nacional de Belas-Artes, Rio de
Janeiro.
índios de Rio Branco ou tucuna com máscaras, vestes e com o rosto e o
corpo pintados), que deveria aparecer com o título de "Viagem Filosófica",
foi roubado por ocasião da pilhagem de Portugal pelas tropas napoleônicas
e permaneceria inédito até o século XX. Quase a mesma coisa aconteceu
com uma infinidade de belos desenhos de botânica feitos por Celestino
3.24 Alexander von Humboldt, "VlI ltu r Gryphus", in
Vo)'age de Humboldt et de Bonpland, Deuxiême partie: Mutis e seus seguidores, em Bogotá (ver capítulo 3: I), que durante os vio-
Observatious de zoologie et d'onatoinie coniparée, vol. 1,1811, lentos anos de lutas pela independência foram enviados à Europa para serem;
Paris; The British Library 13.oard.
finalmente, publicados na década de 1950.

Esse material era potencialmente de grande serventia para as ambiciosas


nações colonizadoras da Europa. O cientista desinteressado e o invasor aven-
tureiro tinham em COmUITla mesma necessidade de obter informações geo-
gráficas e geológicas precisas, de possuir mapas detalhados das costas e an-
coradouros, e de conhecer as distribuições dos habitantes e as possibilida-
des de cultivo. Foi, provavelmente, pensando nisso que o rei Carlos IV da
Espanha concedeu a Humboldt um passaporte, em 1799, para viajar livre-
mente pelos seus domínios americanos, pois Hum.boldt era formado em
geologia e especializado em minas.
Humboldt foi o maior de todos os da nova espécie de exploradores cien-
tíficos criados pelo Iluminismo, Apaixonado pela exatidão e armado dos no-
vos instrumentos capazes de satisfazê-Ia, inaugurou um período de inves-
tigação que foi, muitas vezes, comparado às primeiras descobertas de Co-
lombo. Embora sua viagem tivesse acontecido cinco anos antes da inde-
pendência, ele, em virtude de suas inclinações liberais, estava ligado à causa
tanto na Europa (onde conhecera Bolívar) como na América; seu nome,
mais tarde, seria invocado em contextos de reformas e de programas de
educação cultural e científica.
A paixão de Humboldt pela natureza era compartilhada por artistas e
poetas de seu tempo, como Goethe, Wordsworth, Constable e Turner, só
que no caso dele a paixão se traduzia em fidelidade a mapas, em medidas
e em registros. Com seu colaborador botânico, Bonpland, viajou pelo

66
NATUREZA, CIÊNCIA E PITORESCO

continente americano a pé, em lombo de mula e de barco, mapeando e


medindo enquanto ia de um lugar a outro, coletando milhares de espécimes
e, durante todo o tempo, fazendo esboços. Nos quase trinta anos gastos,
depois de sua volta, para compilar e publicar os 30 volumes da Voyage de
HlIlIlboldt et de Bonpland, foram preparadas cerca de 1.500 pranchas coloridas
e em preto e branco por artistas que trabalhavam a partir de seus esboços
e diretamente supervisionados por ele. Havia sete volumes de botânica, mais
os de zoologia e anatomia comparada, os atlas de geografia física, além dos
volumes dedicados à astronomia e outros que continham ensaios políticos
sobre a Nova Espanha (México) e Cuba." De todos, o que ficou mais
conhecido foi o Atlas pittoresque; Vues des Cordillêres et monuments des peuples
i/ldigenes de l'Amérique. Humboldt sabia perfeitamente que esse volume era
uma miscelânea, mas o justificava dizendo que, como "Atlas pittoresque",
ele não precisava do" discours soutenu " dos volumes mais nitidamente cien-
tíficos, além do que, sua variedade lhe garantiria o caráter ernpir icista.?
O Atlas contém as famosas vistas dos vulcões, entre os quais o Chim-
borazo [ilust. 3.25], desenhos de ruínas pré-colombianas, esculturas astecas
e peruanas, uma notável dissertação sobre os sistemas de calendário e da 3.25 Alexander von Humboldt, "Chirnborazo, visto do
escrita pictográfica, mitos nativos, além de análises lingüísticas com uma planalto 'Tapia ", in Voyage de Huniboldt et de Bonpland,
Premiêre Partie; Relatiou Historique: Atlas pittoresque: "Vires
tabela onde são comparadas as línguas americanas com o tártaro, provando de Cordillêres et monuments des peuples indigenes de
que as primeiras são tão distantes uma da outra quanto do tártaro. Os vesti- I' A mérique, Paris, 1810; The British Library Board.

67
NATUREZA, CIÊNCIA E PITORESCO

gios culturais dos primitivos habitantes tinham, em sua opinião, um valor histó-
rico independente de qualquer apreciação estética, mas por isso mesmo inte-
ressariam ao estudo "filosófico do homem"; com relação às paisagens, ele as
define como "pitorescas vistas dos lugares mais fantásticos do novo continente".
O projeto de Humboldt, que estabeleceu as bases para o moderno es-
tudo da geografia física e daquilo que, hoje, chamamos de ecologia, além,
naturalmente, da importância que emprestava à exatidão nos processos de
observar e medir, também promoveu a interligação do mundo natural com
sua estrutura, ou seja, da planta que é vista em seu liabitat (o mapeamento,
por exemplo, de todas as plantas do Chimborazo, segundo a altitude cor-
reta de suas localizações), e das culturas observadas dentro de seu ambiente
físico. Ele atribuía a superioridade das civilizações dos astecas e dos incas
ao fato de serem estes povos montanheses.
Embora haja relativamente pouco costumbrismo no Voyage ... , Humboldt
não deixou de retratar episódios que foi recolhendo durante suas viagens
e, no Atlas, encontramos um pequeno número de desenhos representati-
vos dos índios da região de Michoacán, em trajes típicos, que, na realida-
de, haviam sido desenhados em cima de figurinhas de madeira que trou-
3.26 Alexander von Humboldt, "Trajes desenhados por
xera consigo ao voltar para a Alemanha [ilust. 3.26]8
artistas mexicanos da época de Moctezuma", in Voyage de
Humboldt et de Bonpland, Premiêre Partie; Relation historique:
Atlas pittoresque: "v'les des Cordillêres et monuments des Muitos dos álbuns que apareceram depois do de Humboldt, no século XIX,
peuples indiyénes de l+Amérique", Paris, 1810;The British
Library Board. apesar de não terem tido o mesmo alcance universal que o seu, nem por
isso deixaram de abordar o lado pitoresco e matérias de cunho científico.
3.27 Alexander von Humboldt, "Trajes dos índios de
Michoacán", in Voyage de Humboldt et de Bonpland, Ramón de Ia Sagra, diretor dos jardins botânicos de Havana, publicou um
Premiêre Partie; Relation Historique: Atlas pittoresque: "Vues Atlas phvslque, politique et naturelle de Cuba [ilust. 3.28] e também uma
des Cordillêres et monuments des peuples indigênes de
l'Amérique'', Paris, 181 O;The British Library Board.
Histoire physique de I' Ile de Cuba em doze volumes. Claudio Gay, que morou
12 anos no Chile, publicou 24 volumes da Historia Física y Política de Chile,
acompanhados de um atlas de litografias (1854) em dois volumes. Um era
dedicado à fauna; o outro, com o título geral de Historia de Chile, não era
um livro de história no sentido convencional, mas uma seleção de pranchas
onde se misturavam paisagens, vistas de cidades, formas de recreação, reu-
niões sociais, tipos de profissões e indumentárias, inclusive os vestuários
usados pelos Índios araucanos. Como sucedera no caso de Humboldt, as
pranchas haviam sido feitas em cima do trabalho de vários artistas. Muitas
das litografias no atlas de Gay são de Lehnert, baseadas ou em esboços do
próprio Gay ou em desenhos daquele que foi o mais importante dos artis-
tas-viajantes, Rugendas. Gay utilizou não só paisagens mas também cenas
de gênero de Rugendas, como o quadro Costumes da gente do campo [ilust.
3.29], onde mostra um grupo de gaúchos. Essas pranchas, provavelmente,
serviram de fonte para o artista uruguaio Blanes, que pintou uma série de
quadros a óleo de pequena dimensão, mas de esmerada fatura, onde era
retratada a vida nos pampas. Seus gaúchos de ar melancólico, quase sempre
sós, são retirados de seu contexto costumbrista para ganhar significativos
títulos como Aurora, Crepúsculo, Amenecer e A tardecer [ilust. 3.31,32,33,34].
A coleção formada pelos três volumes do artista francês ]ean-Baptiste
Debret (ver capítulo 3: I), Voyage pittoresque et historique au Brésil, publicada
entre 1834 e 1839, até hoje é usada no Brasil como fonte de informações
etnográficas e sociais, independentemente de qualquer interesse artístico
que possa ter. Foi o próprio Debret quem fez todas as aquarelas e desenhos
para as pranchas da coleção. Elas constituem uma série extraordinária de

68
1];, {}(;'YOJ Y frmJUU'II.">'. (;'//////

1/1'1- 1['1Df{vR01IHJl.

3.28 Rarnón de Ia Sagra, gravura in Alias pltysiq/4e,poliliq/4c et naturelle de Cubat Atlas, Paris (s/d);The Br itish Library Board.
NATUREZA, CIÊNCIA E PITORESCO

3.29 Claudio Gay, "Costumes da gente do campo", in


Atlas de Ia Historia física y politica de Chile, Paris, 1854, vo l.
2; The British Library Board.

3.30 Benito Panunzi, Caúchos argentinos (1865), foto em


papel com albume, 22x30,5 em; coleção Hoffenberg.

imagens muito vivas da sociedade brasileira [ilust. 3.35-40] e, excepcional-


mente, sem a interferência de estereótipos costumbrist as. Debret, como
muitos de seus contemporâneos, acreditava que os índios estavam ainda
num estágio mais atrasado do que os "civilizados" europeus e a sociedade
crioula. "Je me suis proposé de suivre dans cet ouvrage le plan que me trace
Ia logique. C'est à dire, Ia marche progressive de Ia civilisation au Brésil.
Dês lors j'ai dú commencer par reproduire les tendances instinctives de
lindigcne sauvage, et rechercher pas à pas ses progrês dans l'imitation de
I'industrie du colon brésilien, héritier lui-même des traditions de sa mêre-
patr ie.?" Esses primeiros contatos, prossegue Debret, foram brutalmente
interrompidos pela cobiça dos soberanos europeus: os índios se viram traí-
dos, lutas sanguinárias se sucederam, foram abandonadas temporariamen-
te as tentativas de subjugá-Ias e introduziu-se a escravidão.
No primeiro volume do Voyage pittoresque encontramos cenas que re-
tratam índios das tribos dos botocudos ou coroados de maneira bastante
detalhada e em tal simbiose com frutos e legumes tropicais e a floresta

70
3.31 Juan Manuel Blanes, Aurora (s/d), óleo sobre 3.32 Juan Manuel Blanes, Crepúsculo (s/d), óleo sobre
papelão, 28x23 cm; Museo Municipal Juan Manuel papelão, 28x24 em; Museo Municipal Juan Manuel
Blanes, Montevidéu. Blanes, Montevidéu.

3.33 Juan Manuel Blanes, Amanhecer (s/d), óleo sobre 3.34 Juan Manuel Blanes, Entardecer (s/d), óleo sobre
tela, 38x30 cm; M use o Nacional de Artes Plásticas, tela, 36x30 cm; Museo Nacional de Artes Plásticas,
Montevidéu. Montevidéu.-

71
NATUREZA, CIÊNCIA E PITORESCO

3.35 jean-Baptiste Debret, Aldeia de caboclos em 3.36 jeari-Baptiste Debret, Coleta de óbulos para a festa do
Cantagalo (c. 1820-1830), aquarela sobre papel, 19,8x26,8 Espírito Santo nos primeiros dias de julho. Festa do Divino
cm; Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico (1826), aquarela sobre papel, 15,5x21,3 cm; Instituto do
Nacional!Museus Castro Maya, Rio de Janeiro. Patrimônio Histórico e Artístico Nacional! Museus
Castro Maya, R.io de Janeiro.

3.37 jean-Baptiste Debret, Banha de cabelos [sic] bem 3.38 jean-Baptiste Debret, Chefe dos bororenos partindo
cheirosa (1827), aquarela sobre papel, 15,8x21, 9 cm; para um ataque, (c. 1820-1830), aquarela sobre papel,
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional! 24,lx32,7 cm; Instituto do Patrimônio Histórico e
Museus Castro Mava , Rio de Janeiro. Artístico Nacional/Museus Castro Maya, Rio de Janeiro.

3.39 jean-Baptiste Debret, Goiaba (c. 1818), aquarela 3.40 Jean-Baptiste Debret, Negros vendendo galinhas e
sobre papel, 13x18,5 cm; Instituto do Patrimônio peru (c. 1820-1830), aquarela sobre papel, 18,8x27,6 cm;
Histórico e Artístico Nacional!Museus Castro Maya, Rio Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/
de Janeiro. Museus Castro Maya, Rio de Janeiro.
NATUREZA, CIÊNCIA E PITORESCO

r c.vi.

virgem que é como se eles fizessem parte da natureza. Debret também re- 3.41 e 42 Joseph Skinner, A Minerva do PCrlI (1805);
coleção A. Burton-Garbett, Londres.
trata tipos de índios já "civilizados", em trajes europeus, geralmente aju-
dando bandos de soldados a capturar outros "vivendo ainda como selva-
gens" nas florestas [ilust. 3.61J. Esses bandos de desbravadores, que fica- 3.43 Jean-Baptiste Debret, Vendedor de alho e cebola
ram conhecidos como "bandeirantes", iam pelo Brasil adentro à procura (1826), aquarela sobre papel, 15,5x20,9 'crn.: Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/Museus
de escravos, mas são, hoje, honrados como pioneiros. Os hábitos e costu-
Castro Maya, Rio de Janeiro.
mes dos moradores das cidade foram retratados com olhos sardônicos.
Os álbuns que se tornaram mais conhecidos, entretanto, foram os que
continham vistas paisagísticas e cenas costumbristas, situadas naquelas áreas
em que a conirontaciôn de miradas entre artistas europeus e latino-america-
nos melhor se deixa apanhar.]oseph Skinner publicou The Present State o]
Peru (O estado atual do Peru), em 1805, onde se encontram gravuras de Índios
com trajes da mitologia européia, como a que leva o título de The Minerva
of Peru (A Minerva do Peru) [ilust. 3.41,42J. Daniel Thomas Egerton, um
dos melhores paisagistas ingleses que visitaram. a América Latina, é o au-
tor de Egerton's Views o] Mexico (Vistas do México de Egerton), publicado em
1840.Tipo perfeito do artista amador da época foi Emeric EssexVidal, que,
quando tesoureiro a bordo do Hvacinth, estacionado no rio da Prata, fez
uma série de desenhos e aquarelas reproduzindo a vida na nova república
- gaúchos, corridas nos campos, ruas e mercados; desses trabalhos, 25 fo-

73
NATUREZA, CIÊNCIA E PITORESCO

rarn refeitos para sair na obra Picturesque Illustrations of Buenos Ayres and
Montivideo, de 1820.Augustus Earle, que se achava com Darwin no Beagle
em 1831, deixou certo número de esboços retratando a vida no Chile;
Edward Walhouse Mark é autor de aquarelas com motivos colombianos e
Chamberlain deixou cenas da vida brasileira. Claudio Linati, o artista ita-
liano que introduziu a litografia no México, é quem fez as ilustrações
costumbristas para a obra Travels in the Interior of Mexico 1823-1828 do te-
nente R.W. H. Hardy, publica da em Londres, em 1829.A própria obra de
Linati, Costumes civils, militaires et réligieux du Mexique, saída em Bruxelas
em 1828, é uma das mais expressivas e interessantes já publicadas no gê-
nero. Apesar do título, ela é mais do que um livro pitoresco sobre tipos de
indumentária, profissões e religiões (embora inclua também esses temas),
3.44 Henry Chamberlain, Ouitandciras da Lapa (s/d), pois contém retratos de personalidades históricas, cada uma acompanha-
aquarela sobre papel, 20,6x28 cm; Museu de Arte de São da de minuciosos comentários e escolhidas em função de seu claro com-
Paulo.
promisso com os ideais mexicanos de independência e com a reforma social.
A primeira das pranchas retrata Moctezuma e Hidalgo [ilust. 1.26) e in-
clui também as figuras de Morelos e Frey Gregório.

As vistas e cenas "pitorescas", tanto na pintura como na gravura, de autoria


de viajantes europeus devem ser entendidas no contexto do gosto e pensa-
mento europeu da época; o apreço pela paisagem se tinha tornado, na
Europa da segunda metade do século XVIII, sinal de gosto apurado, fosse
para desenhá-la, descrevê-Ia ou simplesmente admirá-Ia. Os artistas e escri-
3.45 lJaniel Thomas Egerton, Viajantes atravessando o tores que dispunham de meios para viajar davam cada vez mais preferên-
arroio (s/d), óleo sobre tela, 25x36 cm; Banco Nacional de
México S.N.C., Cidade do México.
cia ao que lhes parecia selvagem e distante de seu mundo. (Cruzar os Alpes
como parte do clássico tour pela Europa tornou-se uma experiência váli-
da por si mesma em vez do risco necessário que era preciso correr antes
de chegar à civilização, em Roma.) Para fundamentar essas preferências
havia as idéias de Edmund Burke e William Gilpin. A obra Philosophical
Enquiry into the Origin of our Ideas on the Sublime and Beautiful (Investigação
da origem de nossas idéias sobre o sublime e o belo) dava uma nova leitura do
velho conceito de sublime em estética, que iria exercer influência por largo
tempo. 10 Argumentava Burke que, de todas as nossas emoções, a mais forte
é o medo (derivado do instinto de autopreservação) e que, por conseguinte,
qualquer coisa com poder para dominar-nos e provocar sensações de temor
e terror fará brotar em nós os sentimentos mais fortes que somos capazes
de experimentar, os quais poderão ser descritos como "sublimes". Burk
buscou seus exemplos na literatura e na natureza, numa linguagem que o
romantismo constantemente usa para descrever as aterradoras imagens do
mundo fisico - cataratas, montanhas escarpadas - e que poderia corres-
ponder, em pintura, a uma obra como Avalanche in the Alps, de Loutherbourg.
Entretanto, as qualidades que Burke diz contribuir para o "sublime"-
imensidão, trevas, obscuridade - não são em si, de forma imediata, apro-
priadas à expressão visual e é, nesse ponto, que as idéias de Gilpin, reco-
nhecidamente mais limitadas do ponto de vista teórico, intervêm. Elas
exerceram enorme influência sobre os artistas, pois Gilpin se achava en-
volvido especificamente com questões relacionadas à pintura. Escreven-
do tanto para artistas profissionais como amadores de sensibilidade apu-
rada, ele propôs em seus Three Essays on Picturesque Beauty, on Picturesque
Travei an d on Sketching Landscape (Três ensaios sobre o belo pitoresco) sobre a

74
NATUREZA, CIÊNCIA E PITORESCO

viagel/lpitoresca e sobre o desenho paisagístico) uma série de regras que os guiasse


na maneira de abordar o paisagismo e os ajudasse a selecionar aspectos que
pudessem ter interesse pictórico mais marcante. Sua opinião era que, es-
teticamente falando, se deveria dar preferência a contornos bem. defini-
dos e a superficies ásperas e não ao que se mostrasse uniforme e liso. Des-
sa forma, os objetos a ser preferidos seriam os rústicos, encarquilhados, em
ruínas, espe daçados, velhos e agressivos, tão importantes quanto contrá-
rios àquilo que, na natureza, se apresenta como monótono e harm.onioso;
isso satisfazia a dupla exigência de mostrar-se variado e ao mesmo tempo
"natural". Encostas arborizadas, riachos entre montanhas, chalés, castelos
em ruínas, ciganos, tornaram-se a moeda corrente do "gosto pelo pito-
resco". As conseqüências que tiveram as idéias de Gilpin para o artista se
acham satirizadas pelo pincel de Rowlandson [ilust. 3.46].
Embora, em termos de pitoresco, as atitudes com relação à natureza fos-
sem mais claramente definidas na Inglaterra - demasiadamente definidas,
segundo Wordsworth, que via a natureza sendo presunçosamente distin- 3.46 Thornas Rowlandson, O doutor Svntax eUI bl/sW do
guida pelos teóricos do pitoresco -, o sentido de que ela deveria ser bus- pictórico.
cada no mundo selvagem, ainda intocado, era compartilhado por toda a
Europa. Percebido em termos de uma dialética entre natureza e civiliza-
ção, esse gosto por formas de paisagens mais agrestes vai, pode-se dizer,
de par com a paixão pela história natural.
Esse foi o cenário de onde saíram muitos dos artistas-viajantes que, como
no caso de Egerton e Rugendas, influenciou a escolha dos temas de suas
obras: desfiladeiros e crateras vulcânicas ou vistas topográficas algo me-
nos agressivas [ilust. 3.+5,47, +8, +9, 50]. Ele também responde pelo enorme
fascínio exercido pelas cidades em ruínas das antigas civilizações indíge-
nas, sobretudo a dos maias em regiões de floresta tropical.
O artista inglês Frederick Catherwood acompanhou o escritor ameri-
cano John Stephens numa viagem de estudos às regiões dos maias. Incidents
~rll'avel in Yucatàn (Flagral/tes de unia viagem ao Yucat àu} é o título da obra
que saiu em 18+3, com 120 gravuras feitas a partir de "daguerreótipos e
desenhos executados in 10c14 por Catherwood e (... ) realizadas sob sua di-
reta supervi sâo ".!" O livro de Stephens, uma mistura de relato arqueoló-

3.47 Agostinho José da Mota , Fabrica do Barão de


(c. 1862), óleo sobre papelão, 35,2x52 cm;
Capnuenta
Museu Nacional de Belas-Artes, Rio de Janeiro.

75
3.48 José Grijalva, Tmbalhadores naferrovia de Chiguancán (1907), óleo sobre tela, 72x93,5
cm; Museo de Arte Moderno, Casa de Ia Cultura Ecuatoriana, Quito,

3.49 Daniel Thornas Egerton, Rajada de vento 110 cimo.l zt acciliuatl (s/d), óleo sobre tela,
41 x35 cm; Banco Nacional de México S,N,C, Cidade do México,
3.50 Johann Moritz R.ugendas, O vulcão de Colima (s/d), óleo sobre tela, 67x48 cm; Banco
Nacional de México S.N.C., Cidade do México.

3.51 E.E Schute, Cachoeira de Paulo Afonso (1850), 1,16xl,52 m , óleo sobre tela; Museu de Arte de
São Paulo.
3.52 Nicola Antônio Facchinetti, Panorama de São Tomé das Letras (1876), óleo sobre tela, 52,2x92 cm; Museu
Nacional de Belas-Artes, Rio de Janeiro.

3.53 Pedro Weingartrier, A derrubada (c. 1913), óleo sobre tela, 1, 17x1 ,48111; Museu Nacional de Belas-Artes,
Rio de Janeiro.
3.5-l R.afael Troya , Cotopoxi (187-l), óleo sobre tela, O,93x1 ,61 111;Museo "Guillermo Perez Chir iboga" deI
Banco Central deI Ecuador.

3.55 Andrés de Santa María, As ceifeiras (1895), óleo sobre linho, 0,80x1 ,06111; Museo de Arte Moderno de
Bogotá.
3.56-9 Frederick Catherwood, Vistas de monumentos
aI/figos América Central, Chiapas e Y//catáll (1844); Royal
I/a
lnstitute ofBritish Architects, British Architectural
Library, Londres.
NATUREZA, CIÊNCIA E PITORESCO

gico e histórias de viagens, defende a tese de terem sido as ruínas construidas


pelos ancestrais dos ma ias gue ainda viviam naguelas paragens, um ponto
de vista amplamente aceito na época e gue veio aumentar ainda mais o
interesse pela civilização maia durante o século XIX.
Catherwood, mais tarde, publicou UITl volume especial de suas Views of
Aucieut MOIIUlllwtS in Central A niérica, Chiapas au d Yucatán (Vistas dos antigos
monumentos lia América Central, Cliiapas e Yucatâti; (1844), gue incluía um
desenho da famosa cisterna em Bolonchén, por essa ocasião, ainda usada
pelos maias.Algumas das pranchas no livro referem-se estritamente a escultu-
ras e cidades em ruínas, elaboradas com preocupações mais românticas do
que argueológicas, em nostálgico clima de decadente grandeza, mas nem por
issodescuidando de fornecer uma série de minuciosos detalhes [ilust. 3.1,59].
Outras pranchas, entretanto, misturam ruínas com cenas costuinbristas. Duas
pranchas [ilust. 3.56,58] mostram uma sutil diferença na maneira de retra-
tar os "nativos" do lugar: na primeira, as mulheres, gue estão junto à cisterna
e retiram água, têm um lugar de evidência;já na outra, o grupo de homens
indígenas que, pachorrentamente está sentado sobre os degraus de uma casa
em ruínas, recebe tratamento bem menos proeminente. Como Catherwood,
Nebel misturava argueologia e costuinorisino; sua Voyage pittoresque et arcliéo-
/ogique dans la partie Ia plus iutéressante du Mexique (1836) inclui tanto paisa-
gens como alguns estudos dos mais surpreendentes sobre os costumes pito-
rescos das diferentes classes e em diferentes áreas do México [ilust. 3.62-9].
O viajante europeu vinha para a América com a expectativa do remo-
to e do diferente e acabava encontrando uma natureza tão mais vasta e
selvagem do gue aguilo a gue estava acostumado gue sua reação era exa-
gerar a selva e aguele cenário de desolação. Debret descreve o viajante
europeu como "stupéfait à l'aspect de chaos de destruction et de repro-
duction ..." diante da floresta virgem brasileira. O mundo selvagem como
entendia o europeu se achava ligado a uma natureza gue, cada vez mais
comprimida e ameaçada pela Europa em rápido processo de industria-
Iização,jamais se distanciava de uma acolhedora cena rural ou pastoral. O
pastoral, em certo sentido, não existia na América (somente entre os incas
3.60 Manuel de Araújo Porto Alegre, Floresta brasileira
houve alguma tradição do animal doméstico) e o gado pastando livre pelas
(1853), sépia sobre papel, 54,5x82 em; Museu Nacional
vastidões dos pampas, como descreve W.H. Hudson em Far Awa)' and LOlIg de Belas-Artes, Rio de Janeiro.

3.61 ]ean-Baptiste Debret, "Floresta virgem", in Fôrets


ViêlJzes du Brésil, 1834-1839, anexo a Vo)'age pittoresque et
liistorique ali Brésil (1834-1839), vol. 1; The British Library
Board.

81
3.62-5 C. Nebel, quatro pranchas de Vo)'age pittoresque et
archéolooique dans Ia portie Ia plus intéressante du Mexique,
Paris, 1836;The British Library Board. .
3.66 C. Nebel, "Indígenas
carvoeiros", in Vayage
pittoresque et archéoiooique dans
Ia partie Ia plus intéressante riu
Mexique, Paris, 1836;The
British Library Board.

3.67 C. Nebel, "Poblanas ", 3.68 C. Nebel "Rancheiros",


in VoyaRe pittorcsquc et in Vayage piuoresquc et
archéolooique dans Ia p artie Ia archéolooique dans Ia partie Ia
pllls intéressante du Mexique, plus intéressante riu Mcxique,
Paris, 1836; The British Paris, 1836;The British
Library Board. Library Board.

3.69 C. Nebel "Índios da


Sierra ", in Voyage pittoresque et
archéolooique dans Ia partie Ia
plus intéressante du Mexique,
Paris, 1836; The British
Librar y Board.
NATUREZA, CIÊNCIA E PITORESCO

3.7U Pancho Fierro, Doutor Valdé.: Busioni (s/d), aquarela


sobre papel, 23x18 cm; Museo de Arte de Lima.

3.71 Pancho Fierro, O comandante Castilla causinh ando


sobre il palite (s/d), aquarela sobre papel, 23x18 cm; Muse o
de Arte de Lima.

3.72 Pancho Fierro, Caixciro-viaiante (si d), aquarela


sobre papel, 23x18 cm; Muse o de Arte de Lima.

3.73 Pancho Fie rro, Fre» Tomate (s/d), aguarela sobre


papel, 23x18 cm; Museo de Arte de Lima.

3.74 Víctor Patricio de Landaluze, Engenlio de cana-de-


açúcar (1874), óleo sobre tela, 51x61 em; Museó Nacional,
Palacio de Bellas Artes, Havana.

••

Ago (Longe e há muito tempo) nada tinha a ver com os limitados terrenos
de pastoreio da Europa. Os termos em que a dialética entre natureza e
civilização era entendida na Europa de então, da qual o pitoresco era apenas
3.7~_ Eduardo Laplante, litografia, in O livro dos ençetilios um aspecto, não correspondiarn à realidade americana e, quando se tornava
(18Y)-1857), Muse o Nacional, Palacio de Bellas Artes, possível ao viajante encontrar cenas que correspondessem a suas predis-
Havana.
posições, estas se fundamentavam totalmente em sua experiência européia
e não encontravam de pronto uma resposta satisfatória nos artistas locais.
Foi somente mais tarde neste século que artistas americanos como Velasco
desenvolveram uma forma distintiva de representar suas próprias paisagens.

O lado costutnbrista do "pitoresco", o interesse pelos hábitos e costumes,


por outra parte, encontrou uma resposta muito mais imediata na América
Latina e incorporou rapidamente as tradições pictóricas existentes e os
interesses então dominantes, não só incorporou como passou a nutrir-se
desses. As obras costuinbristas de artistas europeus, em muitos aspectos, veio,
além. de fornecer modelos para ser copiados, dar ímpeto a um novo tipo
de observação social e também uma pronta resposta ao mundo que os ro-

84
NATUREZA, CIÊNCIA E PITORESCO

3.76 Víctor Patricio de Landaluze, UIII diabinho (s/d),


óleo sobre tela, 35,5x26,5 cm; Museo Nacional, Palacio
de Bellas Artes, Havana.

3.77 Víctor Patricio de Landaluze, Soldado e mil/ata (s/d),


óleo sobre tela, 35,5x26,5 em; Museo Nacional, Palacio
de Bellas Artes, Havana.

deava. No Peru, o autodidata Pancho Fierro (ver capítulo 3:1) fez uma série
de aquarelas [ilust. 3.70-73] não só de tipos como o vendedor de bilhetes
de loteria e o homem dos fogos de artificio, mas também de tipos da
moderna Lima que não podem ser enquadrados na tradição costuinbrist a. 3.78 Gustavo Lazarini, Dama de Alltiglla (1941), aguarela
sobre papel, 49,5x34 cm;The Museum of Modem Art,
Estes chegavam a beirar a caricatura; era comum o caso de gravadores satíri- Nova York; Inter-American Fund.
cos que, além de colaborar em jornais ilustrados, podem ser considerados
pintores costumbristas.
O pintor cubano Victor Patricio Landaluze, que foi também diretor e
caricaturista-chefe da revista ilustrada satírica DOII [unlpero, pintou colo-
ridas cenas de rua e de dias de festa, além. de flagrantes humorísticos su-
gestivos dos modos e procedimentos afrancesados [ilust. 3.74,76,77]. A
ligação entre a caricatura e o costumbrisnio nos diferentes países da Améri-
ca Latina é evidente. O álbum de gravuras pitorescas, por exemplo, que
acompanha a Historia de Chile (1854), de Claudio Gay, contém duas dife-
rentes cenas de "tertúlia": uma em 1796 e outra em 1840, sendo que na
primeira se nota leve intenção caricatura! das maneiras provincianas. Há
grande quantidad de gravuras na Argentina dos anos de 1830 que satiri-
zam as extravagantes modas da época, como os gigantescos pentes de tar-
taruga usados pelas damas de sociedade que eram mostrados bloqueando
vãos de portas ou emaranhados nas barbas dos amantes.
Torres Méndez é um artista colombiano sem formação acadêmica que,
em 1824, aos quinze anos já trabalhava como aprendiz numa oficina de
estamparia. Ele é autor de algumas das mais espirituosas sátiras sobre a socie-
dade e os políticos de sua época, além de ter regularmente colaborado em
Los Matacliines lllustrados; fundado em 1855. Foi não apenas caricaturista mas
também um desenhista com enorme talento para captar cenas da vida; algu-
mas litografias, feitas a partir de seus desenhos e publicadas como Costumbres
Neo-Cranadinas, foram impressas em Paris. Foi também bom pintor de pai-
sagens e de retratos; por sinal, um dos últimos que fez foi o de Simón Bolí-
var, em comemoração do centenário de nascimento desse herói em 1883.
A representação das figuras do lugar bem como de festas e procissões,
em geral fazia parte do repertório dos artistas profissionais, como no caso
de Torres Méndez. No Equador, Ramón Salas pintou retratos e temas re-

85
NATUREZA, CIÊNCIA E PITORESCO

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3.79 Rarnón Salas, Alcaide in dio COIII dos anjos (s/d), ligiosos ao lado de uma deliciosa série de aquarelas [ilust. 3.79,80,81] onde
aquarela sobre papel, 15,2xl1 ,5 cm; M useo de Arte reproduz tipos como o do Prefeito índio C0111 dois anjos e o do Vendedor de
Moderno, Casa de Ia Cultura Ecuatoriana, Quito.
água de Quito, que carregava seu fardo à tradicional maneira, com. uma
3.80 Rarnón Salas, Fantasia de inocentes: Beiermo, Mono e correia passando ao redor dos ombros.Joaquín Pinto que, como Salas, em
Baquero (s/d), aquarela sobre papel, 16,5x13,5 cm; Museo
de Arte Moderno, Casa de Ia Cultura Ecuator iana , Quito. época posterior da vida, se ligou à recém-fundada Escola de Belas-Artes
de Quito, mas que começara trabalhando no estúdio de outro artista, co-
3.81 Rarnón Salas, lndio a,{!/ladeiro de Q/lito (s/d),
aquarela sobre papel, 14,7x11 ,7 cm; Museo de Arte bre um largo campo de temas. Suas aquarelas retratam tanto "tipos" como
Moderno, Casa de Ia Cultura Ecuatoriana, Quito. costumes folclóricos e locais, além de temas religiosos, mitológicos e histó-
ricos [3.85]. Foi um dos pr imciros equatorianos a também. pintar paisa-
gens, sobretudo montanhosas, enquanto seu conterrâneo Rafael Troya de-
dicou-se principalmente a vistas tropicais [ilust. 3.54]. O brasileiro Miguel-
zinho Outra, em estilo muito 11 a 1, além de seus estudos sobre arquitetura,
deixou retratos e pinturas figurando tipos populares [ilust. 3.83,84].
Ao lado do costumbristno na pintura, havia também estatuetas feitas de
cera e papel, geralm.ente muito bem executadas e abrangendo uma grande

3.82 Anônimo, "Café de Escaurizá", in Historia Mulata,


1862, rótulo de caixa de charutos.

3.83 (primeiro à direita) Miguelzinho Dutra,josé Veloso


(1843), aquarela, 20,7x16,4 cm; Museu Paulista da
Universidade de São Paulo; Museu Republicano.

86
NATUREZA, CIÊNCIA E PITORESCO

gama de tipos costutnbristas: os cltarros e cliarras vestidos a caráter, padres,


monges, Índios (quase sempre semi-nus e com cocares de penas na cabeça),
carregadores de água, vendedores ambulantes com as mercadorias espalhadas
diante deles. Muitos dos protótipos de estatuetas de papel, lata ou cerâmica
que são, hoje, encontrados em vários lugares da América Latina devem, em
parte, sua origem às imagens do Cristo feitas de cera nos tempos coloniais.
O mexicano Arrieta foi um artista extremamente inventivo na abor-
dagem de cenas que reproduzem o "pitoresco" em pintura [ilust. 3.901.
Formado pela Academia de Puebla, sua obra poderia ser comparada com
as da pintura de gênero holandesa do século XVII, especialmente sua pin-
tura de "bodegón", ou cenas de taberna. Seria interessante compará-Io,
por um lado, COI11 Pingret [ilust. 3.89,91J, e por outro, com Rugendas,
dois artistas que também trabalharam no México. Pingret, cuja obra até
recentemente era muito pouco conhecida, fez uma série de estudos em
óleo sobre papel, principalmente de cliarros em suas complicadas vesti-
mentas e de chiuas poblauas. Possui a técnica de um pintor realista acadê-
mico, mas suas personagens, às vezes, são largadas sobre a folha do papel
sem uma pintura de fundo, como figuras de um livro de texto ou sim-
ples estudos para um quadro acadêmico. Já Rugendas costumava colocar
suas figuras reunidas contra um fundo paisagistico [ilust. 3.86] ou em. al-
guma rua servindo-Ihes de cenário, afora as pinturas que deixou, à ma-
neira de estudos mais livres, onde retrata homens a cavalo e multidões
no Parque de Chapultepec. Arrieta, em muitos aspectos, lembra Rugendas,
sobretudo nas cenas deste onde figuram mercados e ruas que ele deve
ter conhecido. Todavia, as cenas de Rugendas, apesar de todo o seu rea-
lismo e riqueza de detalhes, permaneceram como molduras para os ti-
pos costsuubristas colocados centralmente. Arrieta integra suas figuras de
forma mais plena nos cenários urbanos ou quando reproduz interiores;
em vez de ficarem como espécimes costunibristas, tornam-se parte da vida '",.
das ruas e dos mercados, das pulquerlas e das [iestas [ilust. 3.90]. Ele orga-
niza suas composições com bastante agudeza visual e os flagrantes que
retrata têm algo de espetacular.

3.85 Joaquín Pinto, Fantasiado pam o Dia de Finados (si


d), aquarela sobre papel, 32,5x13,2 cm; Museo Jacinto
j ijón y Caamanõ, Quito.

3.84 (página ao lado, abaixo à direita) Miguelzinho Dutra ,


Pediuchão (s/d), aquarela, 20x14 em; Museu Paulista da
Universidade de São Paulo; Museu Republicano .

.3.86 JohannMoritz Rugendas, HOl/1e/1/ a cavalo COI/I dois


call/poneses cantinho de Valp araiso a Sal/tiago
1/0 (1843), óleo
sobre tela, 61,5x89 em; Baring Brothers & Co., Lirnited.

87
3.87 José Agustín Arrieta, EI chinaco y Ia cliiua (s/d), óleo sobre tela, 1, 14xO,89m; coleção particular.
3.88 José Agustín Arrieta, EI costeiio (s/d), óleo sobre tela, 91x71 em; coleção particular.
3.89 Edouardo Pingret, Aguadeira (1852), óleo sobre tela
69x59 cm; Museo Nacional de Historia, Cidade do
México (lNAH).

3.89a José Agustín Arrieta, A ojerenda (s/d), óleo sobre


tela, 68x91 cm; coleção Jorge Larrea Ortega e Sra.

3.90 José Agustín Arrieta, Cena de mercado: La Sorpreza


(1850), óleo sobre tela, Museo Nacional de Historia,
Cidade do México (INAH).
NATUREZA, CIÊNCIA E PITORESCO

3.91 Edouard Pingret, O aglladeiro (s/d), óleo sobre tela,


59x48 em; Museo Nacional de Historia, Cidade do
México (INAH).

3.92 jesús Liébana de Ozurnba, Natureza morta com cesta


óleo sobre tela, 46,5x74 cm; coleção Mariana
e jruteira,
Perez Amor.

3.93 Herm.enegildo Bustos, Naturexa morta CO/1/[nuas e rã


(1874), óleo sobre tela, 41x33,5 cm; Museo de Ia
Alhondiga de Granaditas, Guonajuato (INBA).

Outro artista de Puebla, Manuel Serrano, deixou cenas de interiores do-


mésticos que, como as pinturas de gênero holandesas, reproduzem encan-
tadoramente comidas e petrechos de cozinha, junto com flagrantes de
interesse humano. Suas cenas costumbristas têm, às vezes, um cenário pai-
sagístico e lembram os estudos que fez Goya para as tapeçarias com cenas
da vida do povo no dia-a-dia. As obras de Serrano, como as de Arrieta,
sào vistas pelo lado de dentro, diferentes das do costumbrista europeu que
via o exótico por fora. Eram pintadas para um público mexicano e não
europeu - para uma "nova e crescente classe média mexicana"."Nas pro-
víncias, pintores obscuros, amadores sem escolaridade ou simples artesões
supriam a demanda muito comum por retratos de pessoas da família, por
cenas que mostram crianças em seu leito de morte ou por quadros exi-
bindo convidativos pratos de comida para ser pendurados nas salas de vi-
sita ou de jantar das casas de classe média." 13
A pintura de Arrieta deve tanto às tradições populares quanto ao costum-
brislIlo. Ele também, como Apolinar Fonseca ou Liébana, pintou "apetito-
sas iguarias" e naturezas-mortas com frutos, esplendidamente apresenta-
das de diferentes maneiras: sobre um aparador ou uma mesa [ilust. 3.92],

91
NATUREZA, CIÊNCIA E PITORESCO

ou empilhadas em. alguma prateleira de mercado, numa tradição continuada,


hoje, na obra, por exemplo, de Olga Costa. O pintor autodidata Hermene-
gildo Bustos, da pequena cidade de Purism.a de Rincón, perto de Guana-
juato, que costum.ava assinar seus retratos escrevendo nas costas do qua-
dro "Yo ... indio de este pueblo " (Eu, índio deste povoado), deixou uma
obra que se compunha de retratos realistas de amigos e vizinhos, ex-vo-
tos, quadros reproduzindo fenôm.enos naturais como cometas e frutas e
legumes espalhados sobre folhas de papel como se se tratasse de um livro
de história natural. Em sua Natureza-morta com frutas e rã [ilust. 3.93], as
frutas se abrem corno bocas para mostrar seu tenro interior.
Como disse Raymond Williams, as artes populares tendem a preservar
formas tradicionais e, sem dúvida, os retratos, cenas onde figuram leitos
de morte e ex-voros de artistas como José María Estrada e de muitos ou-
tros que permaneceram anônimos [ilust. 3.94-99], mantêm tradições an-

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3.94 Anônimo, ex-voto (1885), óleo sobre bronze, t1c1 ali". ,to Ji9/'i, tU,,"'J libtll' á. ó"/ trrriÍlr mal. 't/'(~/'."ha.",j•. !r, nctit'ittad df 1m..
35x50 cm; M useo de Bellas Artes, Caracas. L- "-_ e...__
.•• JL)"J ~~ ·11 -"

3.95 Anônimo, ex-voto ("María Jacoba Gómez [... ]"),


(s/d), óleo sobre esmalte, 36x25,7 cm; Museo Nacional de
Arte, Cidade do México (TNBA).
92
3.96 Anônimo, ex-voto ("Hallándose Ma. Gregoria
Lozano muy grave [... )"), (s/d), óleo sobre esmalte,
17,8x25,5 cm; Museo Nacional de Arte, Cidade do
México (lNBA).

3.97 Anônimo, ex-voto (El día lunes 23 de abril afio de


1742 [... )"), (17-1-2), óleo sobre tela, 30,5x-1-2 cm; coleção
particular.

3.99 Anônimo, ex-voto ("Pueblo de Taxería 30 de


noviembre 1834 [... )"), (1834), óleo sobre tela, 38,5x30
cm; coleção particular.

3.98 Anônimo, Esta é a vida (s/d), óleo sobre tela,


O,77x1,19 m; Museo Nacional de Arte, Cidade do
México (lNBA).
NATUREZA, CIÊNCIA E PITORESCO

3.103 Anônimo, Moça de Puebla, com rosas (s/d), óleo


sobre tela, 87x65,5 cm.; Museo Nacional de Arte, Cidade
do México (INBA).

3.100 Anônimo,Jaguar (si d), óleo sobre tela, 62x83 crn;


coleção particular.

3.101 Anônimo (atribuído a Maestro Zuloaga), Retrato


do casal Migllel A !f0/1S0 Villasana e Gregoria Nuiiez Delgado
Villasana (c. 1850), óleo sobre tela, 70x84,5 cm; Galeria
de Arte Nacional, Caracas.

3.102 José Maria Estrada, Retrato de Dom Francisco Torres


(O poeta 1II0rto), (1846), óleo sobre tela, 44,8x33,2 crn;
Museo Nacional de Arte, Cidade do México (INBA).

teriores aos tempos coloniais, embora investidas de 'novo vigor quando, no


México, a estabilidade começou a voltar depois dos turbulentos anos de
lutas pela independência e a emergente classe média passou a favorecer
um mercado em franca expansão. Era enorme a demanda por imagens
visuais e, enquanto os proprietários de terra, especialmente durante o re-
gim.e de Porfirio Díaz no último quartel do século XIX, iam abastecer-se
no mercado de arte europeu, o resto das pessoas patrocinava artistas lo-
cais. A Moça de Pucbla, com Rosas, de artista anônimo [ilust. 3.103], mos-
tra-se em impressionante contraste com as versões feitas sobre o mesmo
tema por artistas visitantes. Enquanto estes últimos tinham propensão a

94
NATUREZA, CIÊNCIA E PITORESCO

3.104 Christiano Junior, Cartes de visite (década de


1860); Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro.

3.105 Anônimo, Mulher Iuneuha (s/d), fotografia;


Pinacoteca de Lima.

3.106 Anônimo, Mulher iimeuh a (si d), fotografia,


Pinacoteca de Lima.

reproduzir sempre uma mesma gama de poses "naturalistas que, estranha-


mente, está em desacordo com o caráter anônimo do modelo retratado,
mais um tipo do que uma pessoa, esta pintura apresenta a característica
pose, dura e frontal, dos retratos coloniais tendentes mais para o nai], e
mostra tal fascínio pelas particularidades e detalhes da roupa, delibera-
damente pintados com a intenção realista de um Douanier Rousseau.
É interessante a relação entre os artistas costumbristas europeus e as pri-
meiras fotografias aparecidas na América Latina. As cartes de visite, por
exemplo [ilust. 3.104], tão comuns no começo da segunda metade do
século XIX, em geral tinham suas ilustrações inspiradas em tipos, poses
e roupagens popularizadas pelos viajantes. Artistas e fotógrafos, por exem-
plo, viram-se atraídos pelas originais roupas usadas pelas mulheres de Lima
[ilust. 3.105,106]. Era um traje que se compunha de uma saia pregueada
e um manto preto que "cobre completamente o busto e quase toda a
cabeça, deixando apenas um dos olhos de fora". A socialista e feminista

3.107 Johann Moritz Rugendas, Vista de Lima COIII dantas


e cavalheiros passeando à margelll do rio Riniac (1843), óleo
sobre tela, 56x89,5 em; Baring Brorhers & Co., Limited.

97
3.108 Benito Panunzi , Família do chefe araucauo (1865),
impressão em albumina, 12,5x19 cm; coleção Hoffenberg.

3.109 Benito Pa nu nzi , Chefe araucano, Patagônia (1865),


impressão em albume, 18x12,5 cm (oval); coleção
HofIenberg.

3.110 Marc Ferrez, Ílldios botocudo (c. 1874), foto em


papel com albume, 16x22,5 cm; Museu de Arte Moderna
do Rio de Janeiro, doado por White Marrins S.A.

3.111 Heffer, Cemitério dos índios araucanos, Chile (c.


1880), foto em papel com albume, 19x26,5 cm; coleção
Chase Manhattan Bank.

3.112 Marc Ferrez, Viaduto sobre o rio São João (1879), foto
em papel com albume, 38x53,5 em; coleção Hoffenberg.
NATUREZA, CIÊNCIA E PITORESCO

3.113 Marc Ferrez, Ponte sobre o rio Layitna (1875), foto em


papel com albume, 25,5x49,5 crn ; coleção Hoffenberg.

3.114 Marc Ferrez, D. Pedro 11 inauçuran do o reservatório


qlle (1879), foto em papel com albume,
leva o sell nome
26,5x35,5 em; coleção Hoffenberg.

francesa Flora Tristan não deixou de observar o fascinante efeito que este
quase completo disfarce produzia e também a liberdade que permitia:
"Não há lugar no mundo onde as mulheres sejam tão livres ... "14 As "da-
mas lirriefias" que aparecem no quadro de Rugendas, Vista de ~i/11a [ilust.
3.107], bem como os gaúchos nos pampas argentinos, têm sua correspon-
dência em fotografia, o que vem mostrar até que ponto a arte de docu-
mentar fotograficamente elaborou seus temas a partir dos estereótipos
existentes. No entanto, a fotografia, ao mesmo tempo, achava-se aberta à
realidade de um modo que fugia às possibilidades das cenas pitorescas
C0l110 tais, permitindo, inclusive, que o indivíduo fosse apanhado em con-
dições que, até o surgimento dos muralistas mexicanos e dos gravuristas
do século XX, não se enquadravam nos propósitos das belas-artes. O fo-
tógrafo anônimo que registrou a humilhação de uma jovem indígena 3.115 Anônimo, Prisioneira lndia (1895), foto em papel
[ilust. 3.115], ou aqueles que deixaram fotos, como a do chefe índio des- com albume, 20x11 ,5 cm; coleção Hoffenberg.
tituído de sua dignidade [ilust. 3.109] e a do araucano de ar desafiador
no cemitério de seu povo [ilust. 3.111], oferecem uma sombria contra-
partida do pitoresco na pintura.

99
4
José María Velasco
As PAISAGE S de Velasco dominam a pintura do México nas últimas déca- 4.1 Detalhe da ilust. 4.5.
das do século XIX. A nitidez e o naturalismo em sua obra, bem como a
apurada observação e o tratamento dado à luz nos detalhes de prim.eiro
plano já sugeriram. uma comparação dele com Corot e outros artistas da
escola de Barbizon e, ainda mais apropriadamente, com o Pissarro da pri-
meira fase; no entanto, há outros aspectos que o distanciam bastante des-
ses artistas. O mais evidente de todos era o seu amor a o grande panora-
ma que envolvia uma atitude, para com a paisagem e a natureza, bem. di-
ferente daquela da maior parte dos europeus da época. Para estes, a natu-
reza era para ser "fielmente vista em toda a sua variedade e vivacidade", 1
livre dos tropas do Classicismo ou do Romantismo e com o acanhado
motivo pintado ao vivo: árvores, pátios de fazenda, ruas de vilarejos, cam-
pos de milho, margens de rio. Velasco precisava encontrar meios que o
levassem a representar uma paisagem muito mais vasta que a Europa, im-
possível à maneira como então se retratava o pastoral e o selvagem. Con-
seguiu-os desenhando segundo duas antigas tradições de representar a
paisagem, as duas de origem européia, e a sua genialidade estava justam.ente
no modo que encontrou para adaptá-Ias às condições essencialmente mexi-
canas [ilust. ..U-7,9,13,14,16].
Essas tradições referem-se às clássicas paisagens originalmente criadas
no século XVII por Claude e por Poussin e pelas cenas topográficas dos
artistas viajantes europeus, impregnadas (ver capítulo 3: lI) de atitudes re-
lacionadas ao pitoresco e ao Romantismo. Ambas eram condicionadas por
uma dialética especificamente européia entre natureza e civilização que
faziam parte, no entanto, da formação de Velasco como artista. A paisa-
gem clássica foi trazida ao México pelo italiano Eugenio Landesio, que

4.2 José María Velasco, Paisaoein mexicana, pico de Orizaba


(1876), óleo sobre tela, 30,5x45 cm; Národní M uzeU111,
Praga.

101
JOSÉ MARíA VELASCO

4.3 José María Velasco, Paisagem mexicana com pico de


vulcão(1887), óleo sobre tela, 0,76xl ,07111;Národní
Muzeum, Praga.

4.4 José María Velasco, O vale do México (1899), óleo


sobre tela, 15,2x23 cm; Národní Muzeurn , Praga.

estudara em Roma e fora chamado em 1855 para ensinar pintura paisa-


gística na Academia de San Carlos. Ela reproduzia uma natureza que era
essencialmente ideal, ao passo que os artistas viajantes trabalhavam par-
tindo do registro de UITlacena específica e da observação científica da
flora e da fauna - ou então, quando alentados pelo gosto ao pitoresco
do europeu, se tomavam de horror às selvas e aos vulcões. Velasco, em
vez de romantizar, aclimatou os objetos espetaculares dessa paisagem; pin-
tou rochedos, a vegetação tropical, vulcões, os imensos cactos candela-
bros, individualmente ou combinados com majestosas vistas. Mas, seu
4.5 José María Velasco O vale do México desde as lombas de grande tema foi o Vale do México, a mais de dois mil metros de altura
Tacubaya (1894), óleo sobre tela, 47x62,3 cm; Museo
Nacional de Arte, Cidade do México (INBA). nas terras do planalto central, rodeado por vulcões acima dos quais se.
erguem os dois picos gêmeos: Popocatépetl e Iztaccíhuatl. Lugar onde
4.6 José María Velasco, Hacienda de Chimalpa (1893), óleo
está situada a capital, ele foi o coração do império asteca e, anteriormente,
sobre tela, 1,04x1 ,59 111;Museo Nacional de Arte, Cidade
do México (INBA). das civilizações tolteca e teotihuacán.

102
-l.7 José Maria Velasco, O vale do México
(1875), óleo sobre tela, 35x48,8 cm;
Národní Muzeum, Praga.

4.9 (página ao lado, acima) José María


Velasco, Vista del valle de México desde Ia
colina de Santa Isabel (1877), óleo sobre
tela, 1,60x2,29 111; Museo Nacional de
Arte, Cidade do México (INBA).

4.8 Eugenio Landesio, O vale do México


(s/d), óleo sobre tela; Museo Nacional de
Arte, Cidade do México (INBA).
JOSÉ MARíA VELASCO

Se compararmos o Va/e do México de Velasco, de 1875 [ilust. 4.7], com a


versão sobre o mesm.o tema de seu professor Landesio [ilust. 4.8], perce-
bemos o quanto Velasco se distanciou no uso e na transformação das es- 4.10 Claude Lorraine, A boda de Isac e Rebeca (O moinho},
1,49xl ,97 !TI, óleo sobre tela; reproduzida por cortesia dos
truturas da pintura clássica de paisagem. Apesar de bastante modificada, a Trustees, The National Gallery, Londres.
paisagem claudiana era ainda a base das cenas mexicanas de Landesio.
Claude pintara uma natureza ideal; embora seus esboços da campagna ro-
mana fossem tomados ao vivo, o quadro no todo era construído dentro
do estúdio segundo os invariáveis princípios de composição. Emoldura-
das por alguma colina ou massa de árvores, as vistas, do primeiro plano
até o horizonte, eram articuladas com alternadas zonas de escuro e claro,
ligeiramente angulosas, de modo a disfarçar a transição de uma para ou-
tra, geralmente com um rio serpenteando através delas, com o propósito
de conduzir o olhar à distância [ilust. 4.10]. Pastores e ninfas da Arcádia
ou figuras da mitologia clássica introduziam um elemento poético e enfa-
tizavam o caráter ideal da cena, e o conjunto dava urna im.agem de natu-
reza bem ordenada e ideal, em harmonia com o homem. A estrutura bá-
sica e a construção har moriiosa da perspectiva estão ainda presentes em
Landesio, apesar de suas figuras sugerirem uma cena mais real do que mi-

105
JOSÉ MARíA VELASCO

tológica ou histórica. Com Velasco essas mudanças foram muito mais longe:
ele eliminou as molduras de árvores e colinas,jogou a linha do horizonte
para zonas bem mais altas na tela, com o ponto central de fuga, em vez de
acima, bem abaixo do horizonte. Isso dá uma ênfase muito maior aos as-
pectos de interesse ou espetaculares do primeiro plano que, agora, parece
estar caindo mais na direção do observador do que se distanciando dele e
dá uma ligeira sensação de desconforto que é mais de amplidão do que
de clausura. Em vez da luz prateada ou dourada e bem disposta de Claude
(que, em Landesio, aparece como um brilho rosado), a Iurninosidade de
Velasco é naturalista. Como Constable, ele fez estudos de nuvens, que usava
então em suas pinturas, para obter efeitos chamativos.
Se, agora, prosseguirmos comparando o Va/e do México, de 1875, com a
mais famosa obra de Velasco, Vista do Vale do México [ilust. 4.9], de 1877, é
possível ver não só aquilo que veio substituir a natureza "ideal" da paisa-
gem. clássica, como também de que modo conseguiu Velasco guardar o
equilíbrio da vista como um todo, e ainda aqueles aspectos selvagens e
agrestes que resistem aos olhos desejosos de maciez e uniformidade. As
insignificantes figuras de caráter pitoresco do primeiro plano do Vale do
México desapareceram para dar lugar a uma águia, mais embaixo à direita,
e a um cactos. Embora faça, é claro, parte do cenário natural, esses dois
elementos lembram o mito da fundação de Tenochtitlán, a capital asteca,
4.11 Anônimo, AgI/ia e cactl/S (1834), de uma folha
volante, in Papeles Varios; The British Library Board.
no lugar onde atualmente está a Cidade do México. Em 1325, reza a len-
da, o errante povo mexicano, seguindo o conselho de seu deus tribal,
4.12 Codex Mendo z a, MS Arch. Seld. A.l foI. 2r; Huitzilopochtli, estabeleceu-se no lugar onde uma águia com uma cobra
Bodleian Library, Oxford.
presa nas garras pousou sobre um cactos. Essa imagem [ilust. 4.11,12], cuja
I\. ~Q 1<if-c-'5-'''-'fJ~--;::=-;'''=S./...f. =ci5j~~~iID tradição é anterior à chegada dos espanhóis, tornou-se o emblema do
!" v ~".t..,.. ..,
..+-- - México. Igualmente, a significação da estrada que se alteia, ligando-se à
que vai ziguezagueando rumo à cidade, não teria passado despercebido do
público de Velasco. Era uma daquelas vias construídas para ligar as ilhas,
onde se localizava Tenochtitlán, às praias do lago Texcoco. (Atualmente, a
Cidade do México estendeu-se, ocupando quase toda a área.)
Dessa forma, a pintura como um todo relata claramente o nacionalis-
mo historicista (descrito no capítulo 2) e, através dela, o passado pré-his-
pânico era invocado para fortalecer a idéia do México como nação. A
estrutura e a iconografia da pintura adquirem novo sentido nesse con-
texto. O primeiro plano, em vez de ir aos poucos afastando-se do obser-
vador, vai, livre e desimpedido, distanciando-se à esquerda, sugerindo a
vastidão da terra, mas, ao mesmo tempo, a escura massa de répteis da co-
lina indica claramente a direção da cidade. As rochas, a vegetação e as en-
costas escarpadas não se põem como sinais de uma região agreste con-
trária ao homem e à civilização, da maneira como poderiam ser vistas por
um viajante adepto do pitoresco, e tampouco estão subordinadas a tipos
de uma natureza ideal, mas se mostram, antes, como uma característica
do México. Outras pinturas de Velasco compartilham o sentido da his-
tória mexicana entrevisto nas paisagens, como as que retratam o Banho
de Netzahualcóyot/, as vistas das pirâmides em Teotihuacán ou A Sabiua de
Papal/a, mas nenhuma delas tem a sutil e alegórica grandiosidade de seu
quadro México.
Já em vida, Velasco foi um artista de sucesso e muito comentado. Em
geral, a crítica lhe era favorável, mas assim mesmo foi alvo de um famoso

106
JOSÉ MARíA VELASCO

ataque da parte do poeta e crítico Altamirano. O conservadorismo e ca- ..L 13 José María Velasco, EI Citlaltépet! (1879L óleo sobre
tela, 1,05x1 ,60111; Museo Nacional de Arte, CIdade do
tolicismo de Velasco eram antipáticos a Altamirano, mas não era isto que
México (INBA).
estava na base das acusações que fez em seu artigo "Salón 1879-80, Impre-
siones de un Aficionado". Nele, Altam irano critica Velasco, primeiro por
estar demasiado preocupado COITl. a localidade e não com a arte, e, segun-
do, por restringir-se a paisagens monótonas e repetitivas, corno as secas
colinas castanho-amareladas do vale do México, com sua vegetação sempre
igual.Altamirano conclamava-o a procurar, em vez disso, os majestosos picos
das serras altas, as regiões tropicais com sua tlora aveludada e as pitorescas
cabanas de índios." Também criticava as paisagens de Velasco que pareciam
pintadas através de um telescópio, "o que nada tem de narural "."
É possível que essa crítica tenha intluenciado Velasco, pois ele passou
a pintar algumas cenas tropicais. Mas, mesmo nelas, quase sempre tem co-
1110 preocupação dominante o enaltecimento de outro importante aspecto
do México nesse período: a modernização do país. O quadro EI Citlaltépetl
[ilust. 4.131 reproduz um dos maiores feitos de engenharia, a estrada de
ferro da Cidade do México - Veracruz, concluída em 1872, que consti-
tuiu o desenvolvimento econômico mais importante da época." As foto-
grafias desse tempo reproduzem praticamente a mesma cena. Nos qua-
dros EI Citlaltépetl e Ponte e/li Metlac [ilust. 4.14],Velasco acrescentou uma
exuberante folhagem tropical, delicadamente pintada e iluminada con-

107
JOSÉ MARíA VELASCO

4.14 José MaríaVelasco, Ponte em Metlac (1881), óleo


sobre tela; coleção desconhecida.

4.15 Anônimo, Fotografia da estrada de ferro na encosta


do Metlac, in Meyer e Sherrnan, EI C/./rso de /a histeria
mexicana, p.406;The Humanities Research Centre,
University ofTexas, Austin.

tra um fundo escuro: era a natureza e a tecnologia que se contrabalança-


vam. Em muitas de suas vistas, como a do Lago Ch alco [ilust. 4.16], uma
nuvem de fumaça marca a trilha por onde passa a estrada de ferro.

108
JOSÉ MARíA VELASCO

Quando Velasco foi a Paris para a Exposição Universal de 1889, onde 4.16 José María Velaseo, Paisagem mexicana COI/I vista do
lago Clialco (1885), óleo sobre tela, 49x71,6 em; Národní
estavam sendo exibidos 68 quadros seus, ele, pela primeira vez, deu de face Muzeum, Praga.
com o impressio nismo. Fascinado pela nova técnica, passou a pintar, en-
quanto estava na França, estudos que reproduziam árvores e paisagens mon-
tanhosas, totalmente de feição européia, e a usar a nova maneira, com to-
ques e pinceladas muito mais soltos. No entanto, será difícil encontrar
qualquer traço disso depois de sua volta ao México, e caberia a outros
artistas, como Clausell, levar o Irnpressionismo para lá.Velasco continuou
pintando vistas do vale que, apesar de serem, em sua maioria, telas meno-
res que as dos anos de 1870, não deixam de guardar a característica eorn-
binação de naturalismo com grandiosidade.
Para os contemporâneos europeus de Velasco, a "pintura de paisagem"
já não figurava mais na hierarquia acadêmica dos gêneros. Diferentes ati-
tudes para com a arte de retratar a natureza haviam produzido mudanças
radicais na própria pintura.Velasco, entretanto, permaneceu um pintor aca-
dêmico dentro do contexto mexicano (chegou, inclusive, a fazer cópias
de suas próprias pinturas). Contudo, transformou o gênero, ao manipular
as estruturas da paisagem clássica para reproduzir uma natureza cuja rea-
lidade está ligada a uma idéia do México.

109
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Posada e a
Tradição Gráfica
Popular
A ARTE GRÁFICA - sobretudo as gravuras satíricas e populares - tem, na Amé- 5.1 Detalhe da ilust. 5.22.
rica Latina, não somente uma tradição de continuidade conta também ex-
cepcional força. Pelo menos uma parte dessa força que lhe dá continuida-
de vem do trabalho do mexicano José Guadalupe Posada e da admiração
que sentiam os muralistas mexicanos por essa forma de arte. I Não fosse o
papel que tiveram em sua recuperação, essa obra talvez houvesse sido tão
efêrnera quanto o meio empregado originalmente para difundi-Ia - os
jornais satíricos ilustrados e a maciça produção de cartazes que tiveram
larga distribuição no século passado, mas que, no futuro, não passariam de
matéria para arquivo, com interesse apenas para historiadores políticos e
sociais. Será, pois, a obra de Posada que irá introduzir uma corrente do-
minante na pintura latino-americana e alimentar gerações de gravadores
- em especial a Taller de Gráfica Popular, fundada no México em 1937. A
mais recente curiosidade com relação a essa modalidade de expressão vi-
sual- a rica produção de gravuras pitorescas, satíricas e cômicas - tem ser-
vido mais para ressaltar do que diminuir seu singular papel.
Houve no século passado um considerável intercâmbio entre os jornais
e periódicos satíricos da Europa e da América. O Charivari, fundado em Paris
em 1833, e o Puucu, 01' tlie Loudon Cliarivari, fundado em 1841, ganharam
fama internacional e, reciprocamente, o mexicano EI Hijo del Ahuizote (1855-
1903), bem como o cubano Dou [unipero (1862) iriam tornar-se peças de
colecionadores." O mesmo pode-se dizer de La Orquesta (1861-1877), um
periódico liberal de grande influência para o qual alguns dos melhores li-
tógrafos da época, como Constantino Escalante, trabalharam. Fica eviden- 5.2 "Adeus 1862"1 (... )", Dali [uulpero, -I de janeiro de
1863; The Br itish Library Board.
te quando se vêem os cartuns de Escalante que ele conheceu o trabalho do
artista francês Grandville (Les Métamorplioses riu jour, por exemplo), cuja obra
Les Fleurs aniniées foi publicada no México em 1849. O trabalho dos cari-
caturistas europeus, principalmente dos franceses, podia ser visto em luga-
res como a Litografía en Ia Calle de Ia Palma:"Essa grande oficina litográ-
fica (... ), sem dúvida, possuía uma vasta e variada coleção de litografias e
de livros e periódicos ilustrados para serem usados como modelos ou fon-
te de inspiração" .:llntercâmbios desse tipo também se verificavam em outros
lugares. Em Cuba, o DO/l jlll1ípero, um "periódico satírico-jocoso con abun-
dância de caricaturas", incluía cartuns de outros periódicos, como o Punch,
além de criações espetaculares feitas por gente da casa, como a charge "adeus
ao ano velho" [ilust. 5.21, de autor desconhecido.
O artista italiano Claudio Linati estava entre os diretores de uma das
primêiras revistas editadas, EI lris (1826), "Periódico crítico y literário",

111
POSADA E A TRADiÇÃO GRÁFICA POPULAR

cuja intenção, conforme modestamente afirmava no primeiro número, era


mais de oferecer um agradável passatempo do que de buscar glórias lite-
rárias. No periódico, encontravam-se ensaios literários e biográficos, po-
emas, críticas de teatro e música, mas as ilustrações eram poucas, embora
Linati colaborasse com gravuras para álbuns sobre o México e fosse o autor
de Costumes civils, militaires et rélisieux du Mexique (ver capítulo 3: lI).
Mas de longe a tradição mais forte e inventiva, iniciada com os popu-
lares jornais ilustrados, por volta da metade do século, foi a sátira política
e social. O mexicano Don Siniplicio ("periódico burlesco, crítico y filosó-
fico"), fundado em 1845, estampava sempre a mesma gravura satírica em

DON SIjJIP·LI(JIO. sua primeira página [ilust. 5.3] e tinha relativamente poucas ilustrações nas
páginas internas.Já EI Calavera, fundado em 1847, "periódico joco-serio,
pcrió~ico Burlcsro, \Crítico U ..filosófico, por unos 5implrs. político y literario ", como anunciava em sua primeira página, dava mais
ênfase ao conteúdo visual. O esqueleto (calavera), responsável pelo título,
i;::\:;~~:, :~~;~?::2.::;:'::,,=:
:'~~;'::: I '~~::'~~~:;;:'i:~~~~~,~~ii:~:f.~I:~:;::~~:;:: que é mostrado, caricaturalmente, com roupas modernas, era a voz mo-
; TOM.III. : U:~~:!lDbJ _,r~I1::I~ 6 ~:ll ~s~~- ·~í Mf:S J. {
ral-crítica do jornal; figurado com a verdade e a justiça do lado, ele expu-
rOltRESPOXDE:-.'('L\ I'JiIV.\lH Dt; D. til \1I'UCW. ""'1_" Y"
P.lo!~hiw,po;l(I"",,_Pi~.lula~<l\ltlIoe'ndan
P
dt:1al''',.;O,COIII<lb..,.uLreque»<>1,''''''
,·i.'",
,-, "na d ••q_ •.""" ou fCU't nha as mentiras do governo ou, através de uma significativa metáfora, pran-
••• '''' ••••. dcu:.",.
",.nd.r No. mijlC-lOl_.
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Ax""", ••nun-ro: :qut"(>jtw:I_«h,,",ri~ura! C-'I<>"~(ot.-.dit.dd SaIlIO N,iIo
A1rabo,'I.IcI.bim
loeandso"",dM!ltf!<'.
n>eJ.cio, •• qller"'-"" ••.•.• !f;o,p<!<RWI q... •• 'konu.II'.l\ull ••.••
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teava o naufrágio do barco governamental. Esse jornal foi uma das muitas
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~" ••••••••• ,porqoa_oorta.'I""Ia"'lUI\OlIO_ :p'" n. po.•• I·uririo-.q •••• piro,.!;ce 'I"" ,-•• .., dtp""OO«lItll_.'/Y'>
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ck-je ·qooe•••••••OItO'Oporacatrwdcns.
1r"~/ ••,...,r.tX"••_l"""'..-.Io ••,JHIl,...,..._krl.~.
••• fontes que inspiraram as famosas calaveras de Posada." Suas litografias e
Alie•• Simpl;"io:~.""",,~

a...ib.,J •.••. ""IMK;od.'I""'pw...oe.,..lc>ri~(XIIIotieIlCÍOopU.- 1_.riiomodelll."icudQ""l"'"danv.r-nlin,,..,..._f";.leld!'


t.oep.
Sorde .•••••. ruieaIrM""do!.Iqwf'...,dip"àe"'.~ gravuras eram de artistas que, em sua maioria, preferiram ficar anônimos;
1"~p"fIUaf,_pIaD •••doeaolmJ"""""deAd ••••• ,que""lX1:e
te_lio>.porq· •• moeDUMno bar. C"_hlOt •.• ,_qUO'ldo_' __
"''!t-'mej«~;.loo.-D.S ••~.... _~. \o*'"'l" o......:..
•••••• .....,...t:lwnboJ;lo"""n me

C"1DdodH."~mph";",
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T"Y".befq.M:h""Y1
:":~r::::,=:~=:.:::~
I. DI' ,:.~).
•••• dOOdr: se _n_ ••••••••ln><~haq~'!n.i"''1
;.;..p~,:;: talvez para evitar perseguições,já que os diretores dos jornais satíricos iam
••• 0:.0sd..>1 pucl>lo_ un.cl,iIofI"
bII,\'CfO•. _pobl...,hoinf ••••"'loobc'l'pt.w..fln""'t..,tc:
oit, I"'"""' .•••. ~ Ilfopr un:t ~p<'Ieto de III~,. li~d.
•.•.,I<rJe....
mo"ir.nw.o;
Itq"; 1"~II"'''"<I'~~~
~i.,.,••
boon ~
constantemente presos. De uma maneira que lembra as pequenas revistas
lOol•••• y,"'iCJ'un ",....00 dfll"""'b....,.,.
'I"" n~<h di: .IIOI'r'" O!'>t~ _leal"" pri....:ro,
I'ore<:.il'!"".1\nm 'I'" 1'''''
oi "" .",ta ~'e tnob ••jcm"" &fj\l<:llo.I"'< ,. r.m w.••.•
"""" I~ tnlm ~n "'~ ""j to q'" '10 1"'1;<>'I"" "•••••r~n, e-
n•••••• ,TtOlloolo:>l""n_,,.,n.d.<
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políticas, de
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cunho dadaísta, em Weimar, na Alemanha, depois de Primei-
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\no indi~ IR .\hd", S,,,,II";,,," ti;- G".,lIlul~ li<) te ,k.jn h\lf",,"' Uno ai 'r'" "' •• Ie. gW'\aj ". dM:,r, Qq•••.•l" ..
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<'<""0" ra Guerra Mundial, os títulos eram trocados e os diretores estavam sem-
1;,,,.,1':\ COtI~•••••••••SiOlplidn; tú no I~ MflOU', 100 mil"";,, Ia me_
t••••rn IIn prinelp;: """1l"~ ~ 105 Intlao.. •• , I"" '-•• n(c",,*, 'mil

pre entrando e saindo da prisão. Depois de ter aparecido 31 vezes, os di-


retores de EI Calavera foram presos sob a acusação de "fomentar a desu-
nião, incentivar a revolução, enfraquecer o prestígio da suprema magistra-
tura, imiscuir-se na vida particular de personalidades públicas e fazer tro-
5.3 DOII Siniplicio, primeira página, 4 de julho de 1846;
The British Library Board. ça dos defeitos fisicos dessas personalidades.! EI Tío lonillo, seu sucessor
em 1849, foi publicado guardando o mesmo endereço, embora os direto-
res, dessa vez, permanecessem anônimos. Ele prosseguiu dentro do mes-
mo espírito de invectivas, principalmente com ataques ao clero e aos mo-
narquistas (veja a história em quadrinhos do abominável padre Hypolite)
[ilust. 5.5J. Injuriosas metáforas políticas aparecem em suas caricaturas,
como no caso da litografia do Sr. Tlachique, em que o monarquista com
5.4 Anônimo, "Conspiração nesta capital", panfleto
mexicano de 1834, in Papeles Varios, No. 17;The British asas de morcego e corpo de barril chupa uma agave, sedutoramente dese-
Library Board. nhada ao estilo de um códex asteca e representativa do México.
Os jornais ilustrados voltados para a sátira e a política também eram
'COSSPIRACION "
publicados em centros fora da capital. Em Mérida, Don Buliebulle, o mais
01
E N E S· T.A c s P , T .f " burlesco dos periódicos, fundado em 1847, durou um ano. Esse "periódi-
co burlesco y de extravagâncias", como ele próprio se definia, continha
l' pronunciamitn/" •ela Taoo..ei',
gravuras satíricas do artista Gabriel Vicente Gahona, que as assinava sob o
~'<.::..,
6..t< J]"
pseudônimo de "Picheta " [ilust. 5 .6J. Mais tarde, esse artista tornou-se
k-
objeto de interesse dos surrealistas mexicanos que publicaram um artigo
;Q}. ""'rI" sobre sua pessoa no Dyn, em 1943. Posada foi o principallitógrafo da pu-
,.eblos •.••• !
blicação semanal ELJicote (1871), em sua cidade natal,Aguascalientes. Esse
periódico chegou a publicar onze números antes de ser fechado, e é pos-
sível que as atividades políticas de Posada em EI Jicote lhe tivessem apres-
sado,junto com a de seu empregador, a saída de Aguascalientes para León,
)"' ••••• , .••:..••,.t•.••••.• _ •• "' •• ~ onde uma nova oficina foi aberta. As litografias de Posada para EL Jicote

112
POSADA E A TRADiÇÃO GRÁFICA POPULAR

CHANZAS DE CUPIDO. 144 EL TiO NONILLA.


(CO:;'CLUYE.)

I
'I'vniblc cembntc entre li. Geró~
I p. Gerõniruo. alar-nado con la fatal
. nucva que Ic diô Ia aparicion. descu-
Una apericiou a.runcia á D. Go.rÓ"\ n-o todo (>1in 'crnal proveeto llel pa~
nimo que t.l padre Hipclito no COIl Ire Hipélito y se apercibe á "{'ngar Ia
tento COIl hubcrlc rcbudo Ia novie freutu que le trama su terrf ble rival.
piensn robarlc Ia hcrmuna i E~liÍ.vis tn RI dia destinado ai rapto 10 acecha
D. Gcrónimo, es hombre de sucrte l tras de una pucrtu.

I
De esta tcrrihle lucha, el diablo se D. Ger6nimo os cxcomulgado y se
llCV:110 que ('~ suj-o. .va secundo al son de su violino
-'~iil>'-
AL PUBLICO.
Hnbieudc tornado por su cuenta esta rcdaccion una imprcnla litográfica
de Ias mas modernas, tenemos c] gusto de anunciar que nos encar~amos de
tcdu clave de trabujos de esta espécie, hacicndo una no tablc rcbaja en to-
dos los precios hasta aho rn nr-ostumbrndos.
Las pcrsonas que desccn oc uparnoe, pueden dirigir~e :i la primer a ealle
de San .luon núm. 11 todos 108 (lias, tio doce ;:l.dos de Ia tarde, ó bien á Ias
alaccnas de D. Antonio y D. Cristôbul de Ia. Torre, portal de Mercadores.
Tallluien autorizamos' (l uuestros enn-espo nsules para {lue por su c.mduc-
to se 1108 pueda CII('(ll'gar cualquier clasc de irnbajo , deoién~lose indic~r cn
el pedido Ia clasc de papel que se dcsea, y ti ernus advertenclas flue 105 m.te..
rosados creun necesarias; en la inteligencia que cl prccio de 105 trabajos
que hagamos hu de ser mas económico que en cualquier ou-o cstablecimiento.
Esta rcdaccion responde de Ia exact ituâ, economia y breocdad en el des-
~~~. ernpeüo de Ias obras que se Je cncornienden.' .
Para nuestros antig uos suscritores, serão mas notables aú n Ias rebejas
EI caritativo-padre lIipõlito, salva de Ias garra. deI demonio á Ia jó.ou
que haremos en 105 precioso
berro. na de D. GerÓnimo.

mostram que ele estava bem familiarizado com a linguagem visual dos 5.5 Anônimo, "Chanzas de Cup ido ", in EI Tío
caricaturistas da Cidade do México, como a de Escalante, por exemplo. Nonillo, 30 de outubro de 1850;Yale University,
Sterling Memorial Library, Coleção latino-americana.
Apesar da rigorosa censura do governo de Porfirio DÍaz,6 continuavam
a florescer os periódicos ilustrados satíricos e alguns jornalecos de publi-
cação menos regular. Em León, Posada gozava de excelente reputação como
litógrafo; ensinava litografia e executava muitos trabalhos por encomen-
da: alguns de caráter topográfico e outros referentes aos serviços normais
de tipografia ("[ ... ] formulários para recibos, anúncios impressos, cartões
de visita, embalagens para charutos, rótulos, caricaturas, etc.").? Em 1888,
ele mudou-se para a Cidade do México, onde durante 25 anos ma con-
tribuir para mais de cinqüenta diferentes jornais e panfletos.
O primeiro trabalho regular exercido na capital foi em La Pátria Ilus-
trada (1886-1890). Seu estilo gráfico e humor lembram os de Escalante,
mas ele tem características próprias. Diferente de outros cartunistas, está
também à vontade com cenas e figuras a que dá um tratamento mais na-
turalista e compreensivo, embora seus desenhos satíricos se mostrem par-

113
POSADA E A TRADiÇÃO GRÁFICA POPULAR

ticularmente enérgicos e vigorosos. Na borda da capa de Ln Patria llustra-


ria, as diferentes classes da sociedade mexicana, desde a índia carregando
o filho nas costas até a socialite com leque e enorme chapéu, eram vistas
através do seu desenho digno e de traço fácil. Como muitos outros cartu-
nistas da época, Posada contribuiu com quantidade de caricaturas políti-
cas para diferentes jornais ilustrados, satirizando os abusos governamen-
tais e as intrigas políticas, como no caso da luta pela vice-presidência do
país em 1904-"
Free-lauce na Cidade do México, continuou a oferecer seus serviços
"como Iitógrafo e também como gravador em metal e madeira para qual-
quer espécie de ilustração de livros e periódicos"." A adoção de outras
técnicas de gravura teve sua razão de ser. Já que a litografia era, de certo
modo, lenta e cara, além de não poder ser impressa simultaneamente com
o tipo, Posada passou, cada vez mais, a gravar em metal-tipo, depois do que
começou a usar um processo de água-forte em. zinco, marcando o traço
em relevo, que era extrem.amente rápido e cômodo. 111 Esta foi a última
técnica que ele, depois de 1900, procurou usar, apesar de não ser a única,
e é fácil diferenciá-Ia da gravura em metal, pois as linhas imprimem em
preto.
5.6 Picheta (Gabriel Vincente Gahona), O atnauuense A partir do início da década de 1890, houve um enorme aumento tanto
(18-17), gravura, 7,5x6,4 crn; Museo Nacional de Ia no número dos jornais ilustrados, que eram vendidos a preço muito ba-
Estampa. Cidade do México (I l3A).
rato, como também no das populares folhas volantes, e sem dúvida algu-
5.7 Manuel Manilla, O envenenamento c o júri (s/ d), ma Posada contribuiu para moldar o estilo vigoroso, simples e de grande
gravura em chapa de zinco Sx l-l cm; M useo acional de
Arte, Cidade do México (I NBA). efeito que veio caracterizar a linguagem visual deles. A maioria de seus

114
CALAVER4Ul LA PENITENCIARIA
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5.8 José Guadalupe Posada, Calavera de Ias eleaioues 5.9 Manuel Manilla, Calavera de Ia penitenciaria; coleção
presideuciates, 1919. Arsacio Vanegas Arroyo, Cidade do México.

5.10 José Guadalupe Posada, Calaveraferrocarrilera, 1919. 5.11 José Guadalupe Posada, EI Panteou de Zapata.

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5.12 José Guadalupe Posada, Uma morte maltratada -
trombada de bonde com carro [únebre, água-forte em relevo,
9,7x15,3 crn , publicada em 1889 e 1895;The Museum of
Modern Art, Nova York; Larry Aldrich Fund.

5.13 José Guadalupe Posada, Balada de Macario Romero,


água-forte em relevo, 9,8x13,4 em, publicada em 1889 e
1895;The Museum of Modern Art, Nova York; Larry
Aldrich Fund.

5.14 José Guadalupe Posada, Chegada do corpo do general


cidadão Ma/1l1e1 Cone àlez a esta capital, gravura em metal-
tipo, 11 ,6x19,7 em, pu blicada pela primeira vez em 1893;
The Museum of Modern Art, Nova York; Larry Aldrich
Fund.

116
POSADA E A TRADiÇÃO GRÁFICA POPULAR

trabalhos, nessa área, foi para Antonio Vanegas Arroyo, um editor de ca-
ráter decidido, que também empregara Manuel Manilla [ilust. 5.71. Além
da rotina de imagens devocionais da Virgem de Guadalupe e de outras
virgens e santos [ilust. 5.16J - tudo executado em papel fino e de acor-
do com o calendário de peregrinações e festividades religiosas -, Vanegas
Arroyo lançou folhas volantes e os chamados corridos, noticiando fatos sen-
sacionalistas - descarrilhamento de trem, incêndio em praça de touros,
trombada de bonde com carro fúnebre, catástrofe numa mina, mulher que
dá à luz três crianças e quatro iguarias, homem com corpo de porco, ete.
- que eram ilustrados por Posada, em estilo particularmente grotesco.
Havia corridos que versavam sobre a captura e execução de bandidos tipo
Robin Hood (exterminados por Díaz, mas exaltados como heróis an-
tigovernistas) e também sobre crimes monstruosos e mortes violentas
[ilust. 5.131. Posada fez numerosas gravuras em que figurava execuções
por pelotões de fuzilamento, que Vanegas Arroyo costumava usar mais de
uma vez, trocando apenas os nomes das vítimas [ilust. 5.151. O famoso

\JL F'USILADO DE HOY.)

5.16 José Guadalupe Posada, Coloouio para celebrar as


quatro aparições da Vi/~<zw, de Cuad atupe, 36,1 x26,8 em;
Museo Nacional de Ia Estampa, Cidade do México
(INBA).

5.15 José Guadalupe Posada, "A execução de hoje", in


La Caceta Callejera, 39,5x29,5 cm; Museo Nacional de
Arte, Cidade do México (INBA).

par de gravuras em metal-tipo, retratando as demonstrações contrárias à


reeleição de 1892 e mostrando a brutalidade do governo contra a mul-
tidão indefesa, foi impresso em La Gaceta Callejera de Arroyo e publica-
do no momento oportuno. Arroyo ressuscitou parte dessas gravuras, de-
pois da morte de Posada, mas para relacioná-Ias com a decena trágica de
fevereiro de 1913.11 Posada, algumas vezes, segundo parece, fazia in loco
os desenhos que produzia para Arroyo. As folhas volantes, calaveras e cor-
ridos costumavam ser vendidos nas esquinas de ruas para um público em
grande parte analfabeto.
Posada celebrou o próprio Arroyo numa calavera de 1907, aproximada-
mente [ilust. 5.17], que arrolava em versos as múltiplas facetas das publi-
cações:
Mil lecturas agradables
mil cuentos maravillosos
y versitos admirables

117
-..•..•"'--'
,P<X. $><><••.....
!>O<_t__
LA CAL VERA
~ DEL EDITOR POPULAR *
AiNTONIO
. VANEGAS ARROYO
Esta si e la cnlavera Y millares de Iolleto-,
dei Editor popular, y bibliotecas enteras,
más fachosa v silamer.i que Ilevó élos esqueletos
como otra nunca han de ha llar, y ãtodas Ias calaveras,
81 fu~ quica nos publicaba Lo que es de boy en adelante
mil primores ele poesia, .1 cementerio será
que nuestra viela endulzaba 10. invitación más g'a laute
y llenaba de aleg-ría. que cue lquier mortal hara.
Teuíi.l. preciosas histor ias AUã encontraréis g-ustoso::.
que al más triste hacían gOZar. mil lec turas ag radabtes,
y dejaba eu Ias memorins mil cuentos maravif losos
no recuerdo sing nlar. v veraitos admirables.
1,08 alegres sin medida. . Hi...tori as estravag aute
levendo 5US oracionea oracioues fervorosas;
se·Jltíao tan corta Ia vida sucesos es pel uznautes
que prendían SUl) coraaoues .. ,. y con edi ••• muy hermosas.
Las muchachns que alocadaa AlIá Dou .Toncho Vanegas,
por el novio ni dormir COmo en el mundo hizo igual;
pueden Ias ... _enamoradas sig-ue l1enando taleglui
y no I, saben decir. v aumentando su caudal
Que le quieren,que I. adoran- • Aqui dejó •• su hijo Blas.
no se saben e:rpresar . . . . t que entre los vivos rezumba,
Y Ias desdichadas lIoran .. pero que <emite más
eJ Editor Popular. para el país de Uttratumba,
Da colecciones preciosas Aliá compra basta 01 demonio
pa ra poder escoger para escribírte á su diabla,
de mil cartas amorosae, lns cartas que Dou Antonio,
Ia 'lue í5Uste á Ia mujer, 4e puros amores na bla,
Y 10s tra tos arreglados Y tambiénvende á Ia muerte
108 novios pronto tenían
"regla •• pa echar Ia baraja'
y prometeu que abogados que, élla aplica diligente
de Dou Antonio serían y á Ios médicos desgaja., ..
Los uiãos ag-r:1decid~~ ..
Y todo aquello es ganar,
SU$ cuentos leyercn ya,
a llf cualquiera trabaja,
que sou tan entretenidos y el Editor Popular,
que los Iee ha.ta SI> papá .... ni muerto jamás se raja.
POSADA E A TRADiÇÃO GRÁFICA POPULAR
5.1 H José Guadalupe Posada.t'Alguma coisa podre 110
reino da Dinamarca", in EI Popular, 1 H de janeiro de 1 H97,
University ofTexas, Austin; coleção latino-americana
Nettie Lee Uenson.

5.17 (página ao lado) José Guadalupe Posada, Calavem do


editor popular AI/tal/ia l/al/egas Arro)'o; Livraria do
Congresso, Divisão de Gravuras e Fotografias, coleção
Swann, Washington, D.e.

5.19 EI Popular, primeira página, 18 de janeiro de 1H97,


University ofTexas, Austin; coleção latino-americana
ettie Lee 13enson.

H istorias extravagantes
oraciones fervorosas
sucesos espeluznantes
y comedias muy hermosas.!?

As capas de Posada para romances sentimentais e álbuns de canções


populares são muito mais convencionais e refinadas - e de gosto ultra-
passado: uma viçosa musa [iu de siêcle, por exemplo, contra um exagera-
do fundo floral. Para o jornal EI Popular, em 1897, Posada fez uma espe-
tacular série de pin-ups onde conseguiu explorar suas fontes fotográficas
ressaltando as tonalidades escuras e fazendo especial "uso do buril de li-
nha múltipla para os planos de fundos e de uma técnica de linha branca
para definir os contornos de zonas escuras contra zonas de luz" [ilust.
5.18,19].'1

Foram, acima de tudo, as gravuras e águas-fortes de Posadas para as folhas


volantes e calaveras, e para a il~lprensa satírica - jornais como EI Parire Padriila
(1908): "fundado para combater a corrupção do clero", como dizia em sua
primeira página, ou EI Diablito Rejo ("Do povo e para o povo") de 1900-
1910- que tocaram mais de perto os muralistas. Pois foi aqui que Posada
deixou registrado o comportamento e os acontecimentos de seu tempo
para um público mais numeroso. Posada criou, desde o plano de fundo, à
moda do intricado e fantástico espírito de caricatura do século XIX, até

119
EL

E
r~R~AT~RW
~EL QUE \ ACE L
ARTI~TIm
S CAI~AVER
De 10sArtistas y Artesanos.
----~------ ~ ...••_ ------------
Eu este Pa,lrgat.oriosi•• segundo Los artistas se veu de todo JilBDdo.

dro que n re ta palpablemente 10 que I•••• el principio de


C8 8U ine:ianble üu. -"Ho)' por ti )' OUliipUU Iwr mi.

Coog.d"" ~a por UII .ndAri"


~ •••• ~ arti.tas ai millarco,

AGl:STI;\;If,1.I1.,1 ALUARIL E 'CUADEJl 'AOOlt DE FAMA.


GllABAOOR I~To;Llm:, 'r&.
Tt ftdii(e.'U hc1I ti ela btbl~e<"a "1«.
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Ta ~ I'o\lCt& craba •••.,
. I'ere t~ til dnIun:l
te hort\ 4c 'lU<' lUcras
r.at.Mcri tc~ mand •••,....lllf'l •••• t'fObt.k: cal-.c7JI,
Coe UnA 4eltrua ,.,.,. eo.J1'1I ••• ttot>riUf); ••V4Ir .DI •• pa-e14
Cat~Ç9JItll~'" Todo d munJo la li.ibt\ftó, dçja~ •••••. ..,que:aGlce..
AI PilMr íllll <ltra ,~!&,
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A li-$ Jwmbrf'a UpuklltM A cn btmbrc Ma.r nlpolul At! tlu te irá UUll'Ql1
\Iú de .ü tlmJrtI!Io~e FIUIlO$II) fI.> «t k b"m~
SI atá!> ea C!1,........ •••
\" en lodot 1ft\l,)' bitft ~te I'ues por tu "'1' j v t!Jn:.te
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De tal torr. l.II )" maru:ra,
A!lLno l4utdut", mal; l-.n 1&c.~ ••krnal.

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{)ue nirJt'IF:o 101t:rt"y<'1'll 1'0trndrAs tras&wDo
nD lU 110:1"-' r ~n.
J'IWI hv.r lida (:0 tu.1nUMII, Un fOIre m"rt.llJ cíõ. R"~ ••
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A t(KIus lU
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El que qlliercl baptael'Se de estes esqueletos


Ciaco ooltafoS ltanrá
5.20 José Guadalupe Posada "O purgatório artístico (... )", in La Cace ta Callejera, 59x37,3 CI11,;
Museo Nacional de Arte, Cidade do México (I NBA),
POSADA E A TRADiÇÃO GRÁFICA POPULAR

5.22 José Guadalupe Posada, Calavera dos jornais, gravura um novo tipo de imagem visual, espetacular, condensado e simplificado.
em metal-tipo, J 4,9x26,6 CI11, publicada em. 1889 e 1895;
Algumas vezes, usou recursos parecidos com os das primeiras caricaturas,
The M useurn of Modern Art, Nova York; Larry Aldrich
Fund. do tipo das rupturas de escala (posteriormente usado em fotomontagens
satíricas e cômicas), como no caso de A nietamorjose de Modero, na qual
comenta a súbita transição para o poder do novo presidente. Também trans-
formou a figura da tradicional cala/lera q.ue já havia, antes, representado
milhares de papéis numa série de imagens diretamente relacionadas com
a revolução. Numa das últimas gravuras que fez para a Cala/lera Revuelta.
ele introduz a figura de uma cala/lera segurando um bastão e indefesas hordas
que se viram apanhadas no meio de soldados em luta, possivelmente re-
5.23 José Guadalupe Posada, Encontro sal/gllil/ário dos
federais ((lI/IaS revolucionàrios (s/ d), gravura em chapa de presentativos da guerra civil, ou talvez da invasão estrangeira. Mas além
zinco, 9xl ~,5 em; Museo acional de La Estampa, dessa sombria visão, Posada fez muitas gravuras com imagens que mos-
Cidade do México (I NBA).
tram o custo humano da guerra civil [ilust. 5.23,241. As fotografias de
Casasola sobre a revolução foram, por ele, mais de uma vez diretamente
aproveitadas; entretanto, mais interessante do que qualquer dependência
de caráter externo foi o uso que fez da fotografia na construção de ima-
gens da revolução que caminharam paralelamente uma com a outra: o re-
pouso do Zapatista, a despedida do soldado, o soldado mulher, o recruta
garoto, o pelotão de fuzilamento.
Para os muralistas, que estavam à procura de uma maneira que os ligas-
se diretamente ao México revolucionário e os levasse à criação de uma
arte popular, Posada oferecia UI11.afonte diferente de tudo quanto existia
110 mundo da arte oficial. O ditador Díaz escolhera a Europa para impor-
tar de lá uma imensa exposição de arte, como parte dos muitos festejos

122
POSADA E A TRADiÇÃO GRÁFICA POPULAR

5.24 José Guadalupe Posada, Ruas da Cidade do México,


inanlui de 9 de [evereiro de 1913 (s/ d), gravura em chapa de
zinco, 11x8,5 cm; Museo Nacional de Ia Estampa, Cidade
do México (INBA).

5.25 José Guadalupe Posada, "Celebrações da


independência mexicana [...]", 1892, 60,5x38,3 cm;
Museo Nacional de Arte, Cidade do México (lNBA).

que iriam celebrar o centenário, em 1910, do início das guerras de inde-


pendência encabeça das por Hidalgo; os pintores mais jovens estavam dando
seus primeiros passos na paisagem impressionista, enquanto os acadêmi-
cos continuavam em sua peleja com a história e a alegoria. Mas Posada -
e outros artistas como ele - vinha fazendo imagens de relevância imedi-
ata, mostrando a corrupção e a ambição política, os efeitos da moderni-
zação do México e uma sociedade em conflito. Talvez não fosse intenção
de Posada marcar a divisão de classes no contraste que faz, em A metamor-
fase de Madero, entre os peões de chapéus de abas largas e a classe alta
encartolada, mas é fácil perceber o quanto puderam os muralistas fazer uso
dessas imagens e até onde foi Posada suporte para eles na ambição de uma
arte para o povo.

123

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