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OFTA-SAEI 2008
2
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA
Agradecimentos
Por último, dedicamos este trabalho ao pai do nosso querido Alcides e ao pai
da nossa estimada Érika que recentemente nos deixaram. Sabemos que ambos estarão
num plano mais elevado orientando, trabalhando e guiando nossos amigos até o
reencontro.
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Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA
ÍNDICE
4
APRESENTAÇÃO: AMAZÔNIA EM UMA NOVA
PROBLEMATIZAÇÃO
Tida como a maior floresta tropical do mundo e berço da maior bacia de água
doce do planeta, entendida ainda, como possuidora de um potencial genético, mineral
e agropecuário inimaginável, a Amazônia é – desde as primeiras explorações e
ocupação – um território marcado por disputas de interesses entre os mais diversos
grupos e países em momentos distintos. Com o objetivo de entender esses problemas,
poder-se-ia realizar uma análise meramente causal, expondo os conflitos mais comuns
da região e emulando soluções imediatas para situações eminentes à luz de teorias
estruturalistas, as quais pouco contribuiriam para a compreensão dos problemas
essenciais relativos ao objeto de análise. Entretanto, este trabalho busca realizar uma
análise mais abrangente e histórica da Amazônia, com um enfoque em seus
“problemas atuais”, retornando para isso, à definição de certos conceitos, e ao
entendimento não apenas do território em si, tão pouco das conseqüências dos
problemas observados, mas sim das várias perspectivas assumidas – bem como de sua
relevância – por diferentes grupos e atores, que configuram a Amazônia como um
conjunto de interesses e entendimentos, muitas vezes, dúbios e conflitantes.
A opção por uma perspectiva histórico-humanística – em detrimento de uma
perspectiva cientificista, a qual tende a privilegiar análises de causa e efeito, que aqui
serviria como uma mera forma de acumulação de informações, sem uma discussão
mais profunda sobre o tema – se deve a dois aspectos específicos do nosso objeto: o
seu distanciamento geográfico, que não permite um estudo de base empírica capaz de
expor, em sua totalidade, a essência dos problemas em torno do território, invalidando
esse tipo de estudo em sua capacidade de compreensão e explicação da realidade em
que o objeto se insere; se deve ainda a ausência de demais estudos relativos ao tema e
ao enfoque aqui utilizado, dada a sua atualidade. Dessa forma, tanto o distanciamento
quanto o relativo desconhecimento que se tem sobre a Amazônia e seus “problemas”,
5
nos convida a um estudo aprofundado que resgate o significado de certos conceitos e
permita um julgamento racional da relevância entre o que nos são apontados como
problemas, e o que de fato são.
O objetivo ao assumir esse enfoque é demonstrar como a Amazônia,
historicamente, tem sido entendida de diferentes maneiras, por grupos variados e em
momentos diversos, o que tem determinado a forma como foi “concebida” e “gerida”
até o período atual. A partir disso, busca-se demonstrar as dificuldades derivadas
dessas concepções truncadas para o entendimento da essência dos “atuais”
problemas. Consideramos nesse trabalho que, muitos dos problemas atualmente
apontados na Amazônia têm origem a partir do anacronismo entre perspectivas e
fatos, isto é, determinados fenômenos contemporâneos – com biopirataria, formação
de associações indígenas, a criação de reservas indígenas, presença de ONGs
estrangeiras – têm sido entendidos a partir perspectivas histórico-conceituais frágeis e
defasadas, relativas a um momento anterior, o qual aqui denominaremos “Ciclo de
preocupação” – estrutura essa que nos auxilia a compreender o momento atual,
colocando em uma perspectiva histórica as diversas formas de percepção do território.
Tais ciclos se relacionam a momentos da história da Amazônia, os quais vão da
“Fixação do território”, perpassando pela “Ocupação”, e pela “Exploração econômico-
estratégica”, vislumbrando a emergência de um quarto ciclo, que se relaciona com ao
momento atual, o qual ainda não se formou totalmente, e que esse trabalho pretende
versar. Considera-se um ciclo de preocupação o período da história amazônica em que
há, em determinados contextos histórico-econômicos e histórico-sociais, uma relação
de interesses regida por atores que concebem o espaço amazônico de uma maneira
consonante aos seus objetivos, e toda essa interação configura uma forma de
entendimento e atuação sobre o território. Trata-se como um ciclo, pois, são
momentos que se repetem ao longo do da história, porém, com mudanças de
perspectivas e atores em cada um deles, conservando, ainda, elementos de momentos
anteriores, seja na definição de perspectivas, ou na estruturação dos atores.
O primeiro “Ciclo de preocupação” versa sobre a expansão e demarcação do
território português – ainda que este estivesse sob controle espanhol até meados do
século XVI – abrangendo o período que segue do início do século XVII, até meados do
século XVIII, quando as questões territoriais entre Espanha e Portugal são
6
parcialmente resolvidas. Esse momento se caracteriza pela disputa entre ingleses e
holandeses, no território das guianas, e os franceses que defendiam seus interesses no
território onde atualmente é o Maranhão – ademais, observa-se no período um
crescente conflito entre jesuítas e bandeirantes escravagistas pela “aquisição” de
índios na região da floresta. Todos esses impasses ocorriam com base na forma em
que o território era compreendido, como um espaço inóspito e passível de controle e
ocupação, o que levou a uma configuração específica de atores e interesses na região.
A partir da segunda metade do século XVIII, com as fronteiras do território
amazônico relativamente definidas – pela imposição do Tratado de Madri entre
Espanha e Portugal de 1750 – o novo debate que urge é sobre a forma de ocupação e
administração, configurando um novo ciclo de preocupação com o espaço amazônico.
Nesse momento a Amazônia é dividida entre os estados do Grão-Pará, Maranhão,
Piauí e Rio Negro, buscando uma regionalização da administração o que evitaria o
surgimento de conflitos entre as metrópoles pelo controle territorial na região. Nesse
momento, a Amazônia é compreendida apenas como um território pertencente à
metrópole lusitana, e dessa forma, o interesse imediato dos atores seria a sua
ocupação, e o estabelecimento de um controle burocrático nesse espaço colonial, o
que evitaria a tentativa de alguma ocupação não autorizada.
Somente no século XIX é que o estado do Amazonas é criado, tendo como
capital a vila de Manaus (fundada em 1848), quando a dinâmica de ocupação passa a
seguir uma progressão contínua, encerrando – porém, não completamente – o ciclo
que configura a ânsia pela ocupação do espaço amazônico. Por volta de 1900, quando
já se existe um Brasil republicano e independente, novos objetivos são almejados,
surge a necessidade de estruturar a sua economia de modo compatível com um
território “autônomo”. Um novo ciclo se instaura, pautado na compreensão positivista
da Amazônia como fonte de riquezas, detentora de um potencial econômico-
estratégico incomensurável, o que justificaria a exploração do território ao longo do
século, sob as mais diversas formas – como o ciclo da borracha, do ouro, a exploração
agrícola na segunda metade do século XX. Por possuir riquezas desse porte, e
necessariamente, por figurar como parte de um Estado soberano, criou-se um
alarmismo quanto à possibilidade de invasão e exploração “indevida” dos recursos
desse território.
7
Há, ainda, elementos para se vislumbrar um quarto ciclo de preocupação em
formação. No final do século XX, começa a tomar peso na agenda global discussões,
como o aquecimento global – tendo como resultados o derretimento das calotas
polares, alterações nos ciclos sazonais e catástrofes ambientais, dentre outros – que se
apresenta como elemento crítico para o futuro da humanidade e passa a fazer parte
da agenda dos principais atores globais. Tíbios ou não, surgem os primeiros tratados –
legitimados internacionalmente – que objetivam o controle da emissão de poluentes
causadores do efeito estufa e a preservação ambiental, essencialmente das florestas,
como o protocolo de Kyoto. Nesse sentido, de uma preocupação global com o meio
ambiente, a Amazônia assume importância global e projeta-se novamente como
objeto de interesse de diversos atores, os quais, independente de sua origem,
advogam em favor da sua preservação ou conservação.
Assim, é pressuposto desse trabalho a existência de uma nova configuração de
interesses e atores, nos âmbitos interno e externo, que vêm moldando um
entendimento sobre a Amazônia, definindo quais são os problemas e ordenando-os
hierarquicamente com base em uma perspectiva própria carregada de ideologias e
simbolismos. Contudo, os entendimentos sobre essa nova configuração de interesses e
atores têm sido formadas com base em uma perspectiva defasada, que não incorpora
elementos reais de sua constituição e, portanto, induz tanto a comunidade de
pesquisa como a sociedade a um a uma concepção errônea acerca da estrutura de
relações que moldam o objeto. Além disso, o distanciamento geográfico do nosso
objeto de análise contribui para a formação de um entendimento coletivo sobre a
Amazônia e seus problemas, no sentido que apenas poucos têm acesso a ele, sendo
estes – com o devido auxilio dos meios de comunicação – os únicos capazes de
formular um entendimento legitimado pela sociedade, o que seguidamente dificulta a
compreensão em sua essência dos problemas do território.
O trabalho, então, se divide em uma série de artigos desenvolvidos com base
em uma perspectiva metodológica comum acerca da temática aqui apresentada sobre
a Amazônia. Contudo, os artigos mantêm o seu foco nos novos problemas que
emergem a partir de perspectivas defasadas sobre o território amazônico. O primeiro
artigo, “A abordagem da Amazônia Legal e seus novos atores”, busca não apenas
sintetizar os novos atores da Amazônia, a saber, os índios, as ONGs e os
8
ambientalistas, mas principalmente destacar quais as redes de interesses que
envolvem esses atores por meio de uma crítica às análises midiáticas. Já o segundo
artigo, “Ambientalismo e a atuação das ONGs na Amazônia”, busca aprofundar a
questão do ambientalismo como um tema na agenda internacional e como o debate
preservacionismo X conservacionismo afeta o problema da Amazônia e influencia nas
novas propostas políticas para a região. O terceiro artigo, “Biopirataria e a questão da
normatividade dos problemas amazônicos”, busca enfatizar como a multiplicidade,
sobreposição e a disparidade das leis e normas acerca da Amazônia impõem
dificuldades e limitações consideráveis no que tange à uma atuação efetiva do Estado
na região. O quarto artigo, “Os cenários de intervenção direta e indireta na Amazônia:
uma análise crítica”, trata do discurso sobre a intervenção da Amazônia e analisa suas
reais possibilidades pela construção de cenários de intervenção”. Finalmente, o artigo
“Os contornos políticos do Estado brasileiro na Amazônia e a relação com os militares
e as ONGs”, busca concluir esse caderno especial analisando os limites e
potencialidades de atuação do Estado brasileiro como articulador e organizador dos
interesses e do desenvolvimento na Amazônia.
Cada artigo foi escrito por um membro pesquisador do OFTA com a orientação
de um membro coordenador, e apresenta uma opinião distinta sobre o problema que
aborda, sem, contudo, perder a essência do trabalho, e da tipologia de pesquisa em
grupo que é uma característica desse Observatório.
9
A ABORDAGEM SOBRE A AMAZÔNIA LEGAL E SEUS
NOVOS ATORES
1. Introdução
10
2. Índios
Os índios, por conta das transformações políticas e sociais que a Amazônia está
sofrendo, passam a apresentar maior poder de decisão efetivo no que tange à defesa e
reivindicação de seus interesses junto ao Estado e a sociedade civil. Desse modo, estão
recebendo apoio de grupos não-índios como também de diversos povos indígenas que
se inter-relacionam para garantir tal finalidade. Além de possuírem tratamento
especial garantido pelo Estado brasileiro como por convenções internacionais de que o
Brasil faz parte, os povos indígenas não estão apenas sendo objetos de decisão de
outras instâncias de poder, eles próprios estão participando de assuntos que influem
em seus interesses no processo de integração com a sociedade civil.
O conceito analítico da expressão índio não deveria ser homogêneo, pois
envolve uma distinção entre a cultura de diferentes povos e também o grau de
integração com o resto da sociedade (seja ela a brasileira ou a fronteiriça). Contudo, a
Constituição de 1988 reconhece os direitos desses povos de forma genérica, como
explica Sílvio Coelho dos Santos:
“(...) consignada na CF [Constituição Federal] a manifesta intenção dos
constituintes de projetar para o campo jurídico normas referentes ao
reconhecimento da existência dos povos indígenas e a definição das pré-
condições para a sua reprodução e continuidade. Ao reconhecer os “direitos
originários” dos povos indígenas sobre as terras tradicionalmente ocupadas,
a CF incorporou a tese da existência de relações jurídicas entre os índios e
1
essas terras anteriores à formação do Estado brasileiro” .
1
SANTOS, 2005.
11
(OIT) e a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, aquela garantindo
tratamento especial aos povos indígenas e esta reconhecendo como sujeitos de direito
os índios que, portanto, podem reivindicar seus direitos tanto em âmbito nacional
como internacional.
Com essa possibilidade jurídica de ação – como visto anteriormente, garantido
pela Constituição Federal, pelo Estatuto do Índio e pela Declaração dos Povos
Indígenas, assinada pelo Brasil em 2007 – formou-se em 1989 a Coordenação das
Organizações dos Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), majoritariamente
composta por índios, que vem sendo uma representação de grande alcance e uma das
formas de reivindicação em favor dos interesses dos povos indígenas.
Esses interesses, de acordo com o site da Coiab, seriam aqueles relacionados à
fiscalização, defesa e promoção dos direitos dos povos indígenas:
“Na luta pela garantia e promoção dos direitos dos povos indígenas, a COIAB
tem como objetivos e fins promover a organização social, cultural,
econômica e política dos povos e organizações indígenas da Amazônia
Brasileira, contribuindo para o seu fortalecimento e autonomia. Também
formula estratégias, busca parcerias e cooperação técnica, financeira e
política com organizações indígenas, não indígenas e organismos de
cooperação nacional e internacional para garantir a continuidade da luta e
2
resistência dos povos indígenas.”
Assim, mesmo a parcela de índios que mantém uma sociabilidade isolada, não
participando efetivamente das escolhas políticas, sociais e econômicas, não são apenas
objetos passivos das decisões advindas das instituições do governo, mas acabam
também sendo representados por outros índios que se encontram, de forma
organizada, mais integrados à sociedade brasileira.
Destarte, percebe-se que os índios se tornaram atores efetivos tanto em
âmbito regional e nacional quanto internacional. Regionalmente, onde muitos desses
se encontram na Amazônia, promove-se pela Coiab, por exemplo, um preparo técnico
em Gestão Etnoambiental e Gestão de Projetos por meio do Centro Amazônico de
Formação Indígena (CAFI). Nacionalmente, têm-se exemplos de discussões que são
colocadas juntamente com a Funai e outras instâncias do governo, visto a crítica
elaborada pela Coiab contra o Programa de Aceleramento de Crescimento (PAC) que
alteraria o equilíbrio ambiental e prejudicaria a sobrevivência da população na região
2
COIAB, 2008.
12
em que se propõe a construção das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau3. Não
obstante essa crítica, a Coiab nem fora consultada, demonstrando assim ainda sua
dificuldade de articulação e influência nas altas instâncias decisórias. E
internacionalmente, dada à ida de líderes indígenas à Europa para reivindicar direitos
sobre suas terras, ou seja, buscando juntamente a instância internacional apoio para
as estruturações organizacionais indígenas dentro do Brasil4.
Os índios, portanto, paulatinamente foram configurando-se como atores
importantes para influenciar diretamente em ações dentro da região amazônica, tendo
para isso algum apoio do Estado: a Constituição e o Estatuto do índio. Nesse sentido,
os povos indígenas não agem apenas devido à influência de grupos externos a eles –
sendo ONGs, turistas, governo, entre outros – mas também começam a buscar
interesses próprios e a organizarem-se para reivindicá-los junto ao Estado.
Não obstante, reconhecem-se os inúmeros interesses que divergem na região
da Amazônia Legal, os quais muitas vezes possuem o apoio do governo mesmo quando
agridem a forma de vida dos indígenas, e, portanto, a Constituição e o Estatuto. E é por
tal fato que, a partir dos direitos que foram legados aos índios, esses se organizam e se
especializam em diferentes áreas para poder lutar pelas suas necessidades e direitos.
Luta essa, por sua vez, que se defronta com interesses específicos muito consolidados
na região para além do respaldo jurídico.
Dessa forma, conclui-se que o Estado brasileiro ainda é o ator soberano dentro
da Amazônia Legal, pois tem o poder de arbitrar esses distintos interesses, porém, não
pode mais tecer decisões e ações políticas sem levar em conta os inúmeros índios que
se tornaram atores e, por suposto, grupos de influência e pressão tanto por meio de
suas próprias organizações, como com o apoio de ONGs internacionais.
3. Ambientalistas
É recorrente a polêmica sobre a cobiça nacional e internacional pela floresta
amazônica; porém, esse senso comum deve ser questionado por meio de uma análise
quanto ao envolvimento de ambientalistas na Amazônia Legal e às condições de
3
Cf. INFORMATIVO TROCANO, 2008. p. 3.
4
EFE de Madri..., 2008.
13
atuação da soberania do Estado brasileiro, que permitirá constatar a dimensão dos
reais problemas da região.
Desde os anos 1960 os ambientalistas estavam se organizando principalmente
nos EUA e na Europa, mas só nos anos 1970 que a preocupação com o meio ambiente
ganha escala mundial: com o incremento nas tecnologias de comunicação que criaram
uma rede de fluxos globais, transformando o tempo e o espaço, os ideais dos
ambientalistas se difundem com forte apoio da opinião pública. Os questionamentos
quanto à preservação, o desenvolvimento sustentável, os direitos humanos e entre
outros temas ganham adesão, por exemplo, de algumas empresas (mesmo que seja
para apenas uma estratégia de marketing) e outros indivíduos ligados à política
nacional, assim como ressalta o sociólogo Manuel Castells:
“Nos anos 90, 80% dos norte-americanos e mais de dois terços dos
europeus consideram-se ambientalistas; candidatos e partidos dificilmente
conseguem se eleger sem ‘verdejarem’ suas plataformas [...] Grandes
empresas, inclusive as responsáveis por uma grande emissão de poluentes,
passaram a incluir a questão do ambientalismo em sua agenda de relações
5
públicas, e também em seus novos e mais promissores mercados”.
5
CASTELLS, 2002, p. 141
14
(Agência Norte-Americana para Desenvolvimento Internacional) ou Banco
6
Mundial e coordenados ou supervisionados pelo IBAMA” .
6
COSTA, 2005 p. 161.
7
Segundo a filosofia do Greenpeace, essa postura recebe grande influência da profecia de uma
índia Cree, pela qual os participantes dessa ONG tornaram-se conhecidos como os “guerreiros do arco-
íris”: "Um dia, a Terra vai adoecer. Os pássaros cairão do céu, os mares vão escurecer e os peixes
aparecerão mortos na correnteza dos rios. Quando esse dia chegar, os índios perderão o seu espírito. Mas
vão recuperá-lo para ensinar ao homem branco a reverência pela sagrada terra. Aí, então, todas as raças
vão se unir sob o símbolo do arco-íris para terminar com a destruição. Será o tempo dos Guerreiros do
Arco-Íris."Cf. GREENPEACE BRASIL, 2008.
15
De acordo com algumas notícias da conjuntura atual, percebe-se que a atuação
do Brasil necessita de melhoria e mais comprometimento, tanto para se conquistar
maior prestígio internacional, como para confirmar o compromisso do Estado com sua
legislação, visto sua Constituição, promulgada em 1988, “em que se destacam dois
grandes princípios: (i) todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
e (ii) o poder público e a coletividade têm o dever de preservar proteger o meio
ambiente”9.
“Dezesseis anos depois de acumular US$ 402,383 milhões em doações de
países ricos, o governo brasileiro não gastou efetivamente cerca de 30%
desses recursos destinados a financiamentos de projetos pilotos de
10
preservação de florestas tropicais” ;
“O número de patentes solicitadas no Brasil caiu 13,8% em 2005 [...] Este
índice coloca o Brasil na 13ª posição no ranking dos 20 maiores escritórios
de patentes do mundo, ficando atrás de outros países emergentes como
11
Índia que registrou crescimento de 1,3%, Rússia, (6,8%) e México (9,8%)” .
A partir disso, conclui-se que não basta apenas receber recursos externos para
a preservação, mas é também necessária a participação do setor público para
organizar os investimentos e conceber suporte para aqueles grupos como as ONGs que
venham a atuar no país.
Assim, apesar do discurso de alguns grupos ambientalistas que possa envolver
uma conceituação negativa quanto ao Estado-nação, eles dependem, em muitas
questões, desse ator. As organizações ambientalistas surgiram dentro do sistema de
Estados que pressupõe decisões nacionais em que apenas o Brasil, no caso da
Amazônia Legal, pode tomar. Não obstante, não se podem descartar as influências de
diversos grupos dentro da região amazônica, como as inúmeras ONGs e outros
pesquisadores internacionais que se concentram, por exemplo, no Instituto Nacional
de Pesquisa da Amazônia (INPA).
Afora isso, desde 1988 já se vislumbra a preocupação entre os governos na
questão da preservação ambiental. Foi durante esse período que o G7 se reuniu
demonstrando a preocupação com a floresta amazônica:
“[...] na reunião do Grupo dos 7 realizada em Paris, as preocupações
ecológicas em relação à Amazônia deixaram de ser assunto de partidos e
organizações ambientalistas para se tornarem objeto de manifestações e
8
CASTELLS, 2002 p. 163.
9
COSTA, 2005 p. 154
10
PERES; CRUZ, 2008.
11
“PATENTES avançam...”, 2007.
16
ações de governantes e grandes partidos dos países industrializados, ‘os
quais absorveram, a partir daí, parte das bandeiras e questões até então
restritas aos movimentos e partidos ambientalistas’ (COSTA, 2000b, p. 96)”
12
Dessa forma, apesar dos interesses que possam vir a divergir entre grupos
ambientalistas e o Estado brasileiro, percebe-se que a pressão política e econômica em
relação à ecologia transpassa a questão nacional, o que faz com que o governo
brasileiro, tanto em respeito a sua Constituição, como em busca de prestígio
internacional – além da necessidade de se levar em conta os impactos que podem
sofrer aqueles que vivem em dependência com o meio ambiente - esteja apto a
negociar com os pertinentes atores na Amazônia Legal: os ambientalistas.
4. ONGs
As ONGs são atores pertinentes de conexão local, nacional e internacional no
modelo sócio-econômico que articula esses sistemas e modela internamente os
Estados. A saber, tem-se percebido uma relação entre o Estado e a sua sociedade -
assim como entre os sujeitos internacionais em um determinado território nacional -
de forma que a influência de grupos sociais (internacionais e/ou nacionais) sobre as
instituições do governo é, muitas vezes, associada à participação dos indivíduos em
grupos de pressão política sem ter ligação direta com a burocracia governamental, ou
seja, sendo atuantes por meio das instituições não-governamentais.
No entanto, como questiona o cientista político Joachim Hirsch, as ONGs não
estão necessariamente desarticuladas dos Estados. Ele afirma que muitas dessas
organizações são indicações de que os órgãos estatais estão se tornando privatizados,
ao passo que muitas delas também estão absorvendo as características antes
pertencentes apenas ao Estado13. Um exemplo disso é o financiamento de algumas
ONGs que advém de governos nacionais que as utilizam para promover os interesses
do país: à exemplo do que argumenta Hirsch, elas são financiadas por governos que,
por exemplo, corroboram com o Estado em questões de suporte para intervenções
humanitárias e militares.
12
CASTELLS, 2002, p. 158
13
“In a way NGOS indicate how formally private organizations take on the characteristics of a
state or how organs of the state become ‘privatized’”. HIRSCH, 2003, p. 8.
17
Dessa forma, pode-se afirmar que o termo ONGs é generalista e vago, pois,
além de não refletir as articulações com o Estado, na prática essas organizações
possuem inúmeras formas de atuação e organização. Contudo, apesar dessas
dificuldades para definir o que são14, não se pode deixar de levar em conta a
significante participação na definição e atuação em problemas sociais e ambientais
realizadas por elas.
Sem a pretensão de negar o Estado-nação, que é uma importante unidade de
centralização e decisão política, social e econômica, pode-se afirmar que ele passa por
uma redefinição, sendo que as ONGs assumem um papel de grande relevância: elas
influem em certos planejamentos de negociação política; representam interesses
daqueles setores sociais que antes não possuíam acesso as instituições de decisão;
monitoram as negociações; etc.
Afora isso, sabendo que as ONGs são um tipo de instituição que necessita
manter-se economicamente, muitas vezes, há uma tensão em relação aos propósitos
particulares dessa organização e os relacionados aos ideais humanistas. Além disso,
elas estão internacionalmente organizadas de forma hierárquica, em que aquelas
ONGs originárias de países do Norte são muito melhor equipadas tecnológica e
financeiramente do que as do Sul, o que leva a melhor eficiência e persuasão por meio
do “capital cultural” das organizações oriundas de países ricos mesmo em território
dos países subdesenvolvidos, que também possam ter suas próprias organizações não
governamentais nacionais.
Em relação às demandas sobre o meio ambiente, economia e outros dentro da
Amazônia, a “expertização”, sendo definida como a mobilização do conhecimento
técnico que está em grande parte em posse das ONGs - dados o conhecimento
científico e o suporte de recursos financeiros que essas possuem - vem assumindo
grande peso nos processos decisórios, como coloca o professor Marcelo Sampaio
Carneiro15. Dessa forma, essas organizações não-governamentais passam a ter grande
legitimidade e influência nas questões que envolvem a floresta amazônica.
14
Existem aquelas que são conhecidas por serem ambientalistas e socioambientalistas, como o
Greenpeace, o Instituto Socioambiental e o Projeto Saúde e Alegria; há outras que podem ser
classificadas como militantes, atuantes em causas bem definidas e com a função claramente política.
15
Cf. CARNEIRO, 2006.
18
Entretanto, o monopólio científico e a crescente importância que esse
conhecimento vem assumindo para a tomada de decisões geram uma exclusão dos
indivíduos que não possuem essa especialização técnica, como é o caso de
seringueiros, alguns índios, famílias de agricultores e outros. Tal situação afirma como
as ONGs podem encontrar-se afastadas de movimentos sociais, valorizando menos a
representação de tais grupos.
Em vista dessas análises, percebe-se que as organizações tidas como não-
governamentais são atores que fazem parte da estrutura organizacional dos Estados,
os quais também acabam por meio dessas a se diferenciarem em níveis de ação
regional e internacional. Contudo, não se pode deixar de reconhecer que os Estados
ainda são atores chaves no sistema internacional e podem subordinar, nacionalmente,
as ONGs – nem que em última instância seja usado para isso seu poderio militar, dada
a legitimidade do uso da força do Estado.
Enfim, sabendo que as ONGs são atores dentro da Amazônia, a preocupação
não deve circunscrever a questão da soberania do Brasil, pois é esta a unidade com
poderes plenos sobre o território nacional e legitimidade do uso da força para
subordinar todas as outras esferas sociais, sendo elas econômicas e tantas mais. A
problemática, portanto, situa-se em relação ao conhecimento científico que as ONGs
possuem e por meio desses, visto a necessidades de técnicos para as tomadas de
decisão, acabam por ter primazia dentro do governo em detrimento de outros
movimentos sociais que não estão representados por essas organizações e podem
acabar por ter suas demandas não atendidas.
5. Considerações finais
A Amazônia Legal, por ser um território de grande diversidade e recursos
estratégicos, também atrela a si inúmeros sujeitos que se tornam atores para
reivindicar seus interesses e necessidades que a floresta amazônica pôde e vem
propiciando, seja para grupos internacionais, nacionais ou regionais que buscam
representação política, social e econômica perante o Estado brasileiro e instituições
internacionais.
19
Os índios, ambientalistas e ONGs ganharam maior espaço na participação
pública, o que foi resultado de uma transformação decorrente de um processo
histórico em que o Estado e o sistema internacional foram se moldando e ao mesmo
tempo criando condições para essa “rede” de ações transnacionais desses atores.
Assim, os índios, ambientalistas, ONGs e até mesmo o Estado e a estrutura em que se
pauta a organização do sistema internacional não deixam de ser objetos e sujeitos, ou
melhor, atores pertinentes diante das inúmeras necessidades e vontades que resultam
dessa amalgama de agentes; porém, no que diz respeito ao Estado-nação, a este não
foi retirado sua qualidade de soberano, embora esta se encontre relativizada por essa
rede de interesses transnacionais: o Estado brasileiro ainda é um árbitro importante
pois atua nas diferentes esferas, sejam elas para aceitação ou reprovação das
reivindicações de grupos indígenas e ambientalistas ou atuações de uma ONG nacional
e internacional.
6. Referências Bibliográficas
20
<http://200.201.8.27/index.php/tempodaciencia/article/viewFile/439/354>
Acessado em: 11/09/08
EFE de Madri, Índios de Roraima vão à Europa para reivindicar direitos sobre suas
terras. Folha de São Paulo, São Paulo, 18 de junho de 2008. Disponível em:
www.folha.com.br Acessado em: 08/07/2008.
HIRSCH, Joachim. The State’s New Clothes NGOS and the Internationalization of
States. In: Política y Cultura, otoño 2003, núm. 20, p. 7-25.
PERES, Leandra; CRUZ, Valdo. Sem projetos para florestas, país deixa de usar US$
125 mi, Folha de São Paulo, São Paulo 30 de junho de 2008. Disponível em:
<www.folha.com.br> Acessado em: 09/07/2008.
21
AMBIENTALISMO E A ATUAÇÃO DAS ONGS NA AMAZÔNIA
Débora Oska
Orientação: Érika Laurinda Amusquivar
1. Introdução
A atual discussão acerca da internacionalização da Amazônia e o modo com
que esta sofre influência de grupos de interesses faz com que tenhamos de focar o
debate em quais são esses grupos de interesse, qual a forma com que o Estado lida
com estes e quais as formas com que a Amazônia é gerida pelo mesmo. E para tanto,
torna-se imprescindível compreender o real papel dos movimentos e discursos
ambientalistas que atuam na região, principalmente daqueles organizados sob a forma
de Organizações Não-Governamentais (ONGs).
22
questão da soberania brasileira em um período em que os Estados passam a ser cada
vez mais amarrados por uma normatização internacional referente a questões
ambientais.
23
o tipo de política ambiental a ser implementada pelos Estados. Veremos mais adiante
como esse debate repercute nas políticas para a Amazônia em relação à evolução das
diretrizes econômicas para o uso dos recursos ambientais amazônicos.
24
nesse sentido que as discussões na ONU acerca de desenvolvimento16, poluição e meio
ambiente ganham força e se tornam um marco no Direito Ambiental.
A quarta fase tem início com o Eco- Rio em 1992, por conta de uma inovação na
percepção do conceito de meio ambiente em relação àquele definido na Conferência
de Estocolmo. As diferenças entre preservação e conservação do meio ambiente e,
conseqüentemente, entre os movimentos preservacionista e conservacionista ganham
maior distinção e o debate se acirra na Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento. A partir desta conferência estabeleceu-se a concepçã
de que a preservação do meio ambiente está conectada ao desenvolvimento e,
portanto, é possível pensar no meio ambiente submetido ao desenvolvimento.
16
Conectando duas questões fundamentais de desempenho do desenvolvimento e da poluição e
o meio ambiente, temos as resoluções da Assembléia Geral neste período, as quais se remeteram à
autodeterminação dos povos, repúdio ao colonialismo e, em 1969, reconhecem a soberania integral dos
Estados sobre os seus recursos, um marco para o Direito Ambiental.
17
Anteriormente era utilizado apenas o termo “natureza”.
25
3. O ambientalismo no Brasil
No Brasil, o movimento ambientalista tomou corpo na década de 1970 a partir
da interação entre os contextos interno e externo em relação ao Brasil. De modo a
compreender como as transformações no DIMA e nas abordagens ambientalistas
afetaram a conformação do movimento ambientalista no Brasil, enfocaremos como
esse movimento surge a partir de mudanças formais e informais no ambiente político,
através de três formas: a) aumento da permeabilidade das reivindicações da sociedade
por meio dos órgãos políticos e administrativos devido a crises de poder; b) mudanças
no estilo do Estado atuar junto a movimentos sociais e c) presença de aliados
potenciais, como partidos políticos, movimentos sociais, elites dissidentes19.
Isso posto, as forças que atuaram no sentido de permitir uma maior confluência
dos movimentos ambientais no Brasil podem ser consideradas as seguintes:
internamente, o processo de redemocratização, a qual abriu vias de mobilização
política; e externamente, a própria Conferência de Estocolmo, cujo impacto foi uma
discussão nacional sobre a questão ambiental no Brasil, abrindo caminho para
associações diversas. O processo de redemocratização também foi o responsável pela
amplitude do movimento conservacionista no Brasil, posto que trouxe maior liberdade
de discussão em questões de interesse público como o ambientalismo para a
sociedade
18
Ponto retomado adiante.
19
Cf. ALONSO; COSTA; MACIEL, 2007..
20
Idem.
26
MDB, englobou 13 estados mais o Distrito Federal. Já a movimentação ambientalista
em torno das eleições constituintes significou maior união dentre as perspectivas
ambientalistas de conservacionismo e preservacionismo com o intuito de defenderem
juntos ao movimento ambientalista, além de permitir a aparição de partidos voltados
para esta causa. Por fim, o protesto do Rio-92 marcou a prevalência do
conservacionismo e sua proposta de desenvolvimento “auto-sustentado”. Além disso,
o embate entre as duas perspectivas trouxe o englobamento das questões indígenas e
das populações tradicionais.
21
Cf. ALEXANDRE, 2005
27
A formação das perspectivas conservacionista e preservacionista é importante
para a compreensão da evolução do pensamento ambientalista e sua ligação na
relação entre o meio ambiente e os interesses econômicos. Tendo em vista que a
Amazônia é uma região muito rica seja como banco genético, fonte de material para
biotecnologia e reserva de materiais estratégicos, entre outros, sempre houve a
perspectiva de que os interesses na região fosse com seu potencial de valorização
econômica.
22
Cf. SOUZA, 2001.
28
na Amazônia, além da visão também de serem fragmentadoras da soberania brasileira
na região23.
Uma das mais conhecidas ONGs, o Greenpeace, articula uma perspectiva dessa
discussão acerca da soberania brasileira em relação a Amazônia:
23
Cf. SILVA,. 2006.
24
GREENPEACE, 2005.
29
A forma com que as ONGs ambientalistas são observadas através da mídia faz
com que a população em geral não consiga distinguir entre organizações realmente
sérias em termos de proteção do meio ambiente e as que tentam usufruir
economicamente de alguma forma das benesses da região, através da transferência
ilegal de material biológico para estudos, por exemplo.
25
Idem.
30
floresta são vendidas a empresas multinacionais ou a maior parte dos recursos
extraídos de forma predatória da floresta abastece o mercado externo sem
representar ganhos reais para o desenvolvimento da região e do País.
5. Considerações Finais
Com o aumento da significância das ONGs para a sociedade e, neste caso, na
Amazônia, começou-se a questionar o seu papel e o poder de intervenção na região,
por uma perspectiva de que muitas das ONGs atuantes na região amazônica são
apenas ferramentas de países desenvolvidos em busca de benefícios através de
pesquisas. Com isso, gera-se também a discussão de qual a relevância da atuação das
ONGs na região amazônica em detrimento da soberania nacional, num direcionamento
para uma internacionalização da Amazônia.
6. Referências Bibliográficas
ALEXANDRE, Agripa Faria, O papel dos atores sociais do ambientalismo na
reorganização das políticas públicas do Estado brasileiro. Civitas- Revista de Ciências
Sociais v. 5. n. 1, jan.-jun. 2005 Disponível em: <
http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/civitas/article/view/39/1611> Acesso em:
16/12/2008
26
É importante frisar que são apenas algumas ONGs que não tem um compromisso sério com a
região.
31
ALONSO, Ângela, COSTA, Valeriano, MACIEL, Débora. Identidade e estratégia na
formação do movimento ambientalista brasileiro. Novos Estudos-CEBRAP no.79 São
Paulo Nov. 2007. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
33002007000300008&lng=en&nrm=iso> Acesso em: 12/12/2008.
SOUZA, Josias Exército usa Amazônia como pretexto para espionar ONG. Folha Online.
16 de agosto de 2001. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u23585.shtml>. Acesso em:
05/12/2008.
32
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1. Introdução
O Estado brasileiro vem enfrentando muitos problemas com relação às políticas
para melhor aproveitar toda a sua riqueza em fauna e flora, particularmente no que
tange ao combate à biopirataria. Contudo, esse fenômeno se tornou uma real ameaça
a partir do último século, quando a transferência ilícita de recursos naturais de um país
para outro passa a levantar questões sobre as limitações da soberania do Estado que
detém tais recursos. O presente trabalho procura analisar melhor qual é a
problemática envolvendo biopirataria, porque ela seria considerada uma nova ameaça
ao Estado brasileiro e entender porque ela ainda não possui uma solução concreta.
33
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transferência ilegal de genes e biomas para outros lugares. Essa última visão tem como
estrito objetivo preservar a fauna e flora amazônica.
2. As definições de biopirataria
Não há, entretanto, como afirmar, com exatidão, que todas as informações e
espécies que saem do país sejam uma forma de biopirataria, pois não existe
atualmente uma definição padrão do fenômeno. Assim, devido a essa falta de padrão
pré-determinado, cada ator tem a sua visão e entendimento do que se compreende
por biopirataria, o que dificulta enquadrar essas ações em termos de legais e ilegais, o
que por sua vez, reduz significativamente a capacidade de controle e efetividade das
sanções. Logo, por causa dessas diferentes visões, surgem lacunas nas leis brasileiras
de proteção à Amazônia, permitindo o avanço da biopirataria. De acordo com a CIPR
(Comissão sobre direitos de propriedade intelectual), não existe uma “definição
padrão” sobre o tema biopirataria, contudo, de uma maneira mais genérica, esse novo
fenômeno se caracteriza pela apropriação dos conhecimentos e de recursos genéticos
da região por instituições que visam o monopólio desses recursos e conhecimentos.
34
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Uma ressalva é que mesmo não existindo uma determinação padrão para
caracterizar o fenômeno, não é possível afirmar a existência de uma definição correta
e outra errada, haja visto que cada uma delas representa uma visão diferente e por
isso devem ser consideradas na análise. Entretanto, é necessário enfatizar que ao se
considerar várias definições diferentes, surgem grandes dificuldades quanto à punição
contra os atos de biopirataria. As sanções para punir os infratores acabam por serem
muito vagas, pois têm que abranger todas as definições do termo. Devido a esse fato
27
BIOPIRATARIA.ORG, 2008.
28
“O CONTROLE e a repressão...”, 2008.
29
Idem.
30
SANTINI, 2005. op.cit. “O CONTROLE e a repressão...”, 2008.
35
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Pelo fato da Amazônia ser um local com uma grande diversidade de fauna e
flora, muitas empresas transnacionais de vários setores, pesquisadores estrangeiros e
ONGs são atraídos para a região com o intuito de realizar pesquisas que se iniciam no
Brasil, através da coleta do material a ser analisado, e terminam nos laboratórios das
grandes transnacionais farmacêuticas, por exemplo, se tornando produtos que serão
vendidos a todo o mundo, incluindo o país origem da matéria-prima32. Em alguns casos
essas empresas recebem ajuda de ONGs que atuam na região para conseguir acesso
aos conhecimentos e recursos naturais, como foi o caso da CCPY (Comissão Pró-
Yanomami), que foi acusada de passar os conhecimentos indígenas à empresa
americana que trabalha no ramo de remédios, Shaman Pharmaceuticals, em troca de
31
“PARANÓIA antibiopirataria...”, 2008.
32
Deve-se lembrar que a biopirataria não se restringe apenas a transferência de genes, mas
também de animais como araras-azul e algumas espécies de insetos. Os lucros com a venda de tais
animais pode variar entre 8.000 – 60.000 dólares no mercado internacional. Cf. “BIOPIRATARIA:
crueldade...”, 2008.
36
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Logo, a dúvida fica em como impedir que atos como esses continuem
acontecendo, já que os recursos existentes naquela região são do seu país de origem,
ou seja, que não devem ser retirados sem o consentimento do governo brasileiro ou
de algum órgão responsável pela proteção da região amazônica. Dessa forma, pode-se
dizer que o problema da biopirataria na Amazônia ganha um caráter nacional, pois
envolve a questão a soberania do Brasil exercida em seu território, ou seja, de acordo
com o relatório desenvolvido pelo Grupo de Trabalho da Amazônia (GTAM) e
coordenado pela ABIN (Agência Brasileira de Inteligência Nacional) em 2005 e 2006, as
ONGs, principalmente as controladas por governos estrangeiros, estão conquistando
cada vez mais influência entre os indígenas e conseguem com isso benefícios - como
acesso a conhecimentos tradicionais e plantas naturais da região - sem que o governo
brasileiro tenha conhecimento34. Segundo o coronel Gélio Fregapani, coordenador do
GTAM e representante da ABIN “se nós não ocuparmos a Amazônia, alguém a ocupará.
Nós somos brasileiros, então devemos ocupá-la35”. O relatório também denuncia que
os problemas indígenas encobrem sobretudo os atos de biopirataria feitos pelas ONGs
e para continuar agindo na região elas acabam por inibir ações do Estado Brasileiro,
visando os interesses de seus países.
4. Considerações Finais
33
“ONGs são investigadas...”, 2008.
34
“ABIN denuncia...”, 2008.
35
Idem.
37
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medida criada para a punição dos infratores não serviria para todos os casos, tornando
necessárias novas medidas até que todas as lacunas existentes nas leis fossem
protegidas por sanções. Também existe a distância entre o governo e a região
amazônica, como foi exemplificado pela fala do coronel Gélio Fregapani, que acaba
sendo mais um modo dessa atividade ilícita se expandir.
5. Referências Bibliográficas
38
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39
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1. Introdução
40
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Assim, diante da maior relevância que passou a ser dada à questão de uma
possível intervenção externa na Amazônia, o presente trabalho buscará abordá-los,
tendo em vista como sua relação com esse novo contexto mais amplo coloca
limitações e potencialidades nas políticas do Estado brasileiro para a própria
Amazônia; sem essa análise concreta da manobra política brasileira em um sistema
mundial no qual se expandem as relações transnacionais, se tornaria impossível uma
compreensão mais precisa a respeito de tais fatos.
36
Diante das várias possibilidades de interpretação desse conceito, deve-se aqui entendê-lo em seu
sentido estrito, relativo, portanto, à dominação legítima do Estado sobre um determinado território e
população, de modo a conferir-lhe uma posição de autonomia diante da gerência das questões nacionais.
Deve-se ter em mente, entretanto, que o entendimento de fato sobre a problemática em torno da
Amazônia deverá levar em conta a questão da soberania não em seu sentido estrito, mas sim naquele
sentido que possui diante da nova ordem mundial em que se insere o Estado e que remete, portanto, às
próprias mudanças pelas quais este passou em seu papel no cenário político nacional e internacional.
Sendo de extrema importância, esta última questão será tratada mais adiante.
41
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Tais ameaças seriam facilitadas, segundo as Forças Armadas, devido à ainda fraca
presença física do Estado, o qual, em sua visão, não promove a devida ocupação das
terras da região através da promoção do seu desenvolvimento econômico, de modo a
deixá-las susceptíveis a possíveis ameaças intervencionistas. O potencial de tais
ameaças, por sua vez, acabaria por se intensificar diante de discursos proferidos por
importantes figuras políticas: “Acabou a fase de contemporização. Agora é a vez da
ação militar, pois os países que têm a Amazônia dela não sabem cuidar”, afirmou, em
1999, o então vice-presidente dos EUA, hoje Prêmio Nobel, Al Gore. Não foi uma voz
isolada: do presidente francês François Mitterrand (“O Brasil precisa aceitar uma
soberania relativa sobre a Amazônia”) ao general Patrick Hughes, chefe do órgão de
informações do Exército americano (“Se o Brasil resolver fazer um uso da Amazônia
que ponha em risco o meio ambiente dos EUA, temos de estar prontos para
interromper esse processo”), passando por Mikhail Gorbatchov (“O Brasil deve delegar
parte de seus direitos sobre a Amazônia aos organismos internacionais competentes”),
sem falar em comentários similares de Henry Kissinger, John Major e Helmut Kohl, não
houve quem não insinuasse ou falasse abertamente sobre a suposta “incompetência
brasileira” de manter a região” 37.
37
HAAG, 2008.
42
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Diante disso, uma maior mobilização militar foi promovida, nos últimos anos,
tendo por objetivo a promoção da segurança dos territórios amazônicos e,
especialmente, de suas fronteiras, de modo a buscar a proteção da soberania do
Estado brasileiro. A estratégia a ser adotada na região envolveria “não só os militares,
mas toda a sociedade brasileira, principalmente os que estão aqui na Amazônia, e nós
[militares] estamos difundindo isso para que todos tomem conhecimento, passem a se
38
COLITT, 2008.
39
FIORI, 2008.
40
SUGIMOTO, 2008.
43
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41
“MILITARES planejam...”, 2008.
44
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Segundo o General Ítalo Fortes Avena, embora não exista uma ameaça
concreta de um Estado contra o Brasil, mas “apenas algumas manifestações, boatos
que surgem na imprensa e que vêm sendo insistentemente difundidos pela internet”
42
, ainda assim é considerada a possibilidade de agressão, que se levanta justamente
diante das questões explicitadas na seção anterior. Por conta de tais fatos, como
43
afirma, “nós [militares] temos que estar preparados para a defesa” . Da mesma
forma, em recente entrevista, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, afirmou que "não
há nenhum país ameaçando o Brasil, mas precisamos de uma força dissuasiva para que
remova a possibilidade de que [uma invasão] aconteça" 44. A partir de tais declarações,
explicita-se a grande atenção dada às questões relativas à segurança militar do
território amazônico.
42
Idem.
43
Idem.
44
COLITT, 2008.
45
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Assim, diante dessa nova configuração muito mais dinâmica e fluida da ordem
mundial, uma intervenção, entendida como a limitação ou interrupção da ação
nacional, é passível de se dar não mais pela forma direta, através de uma clara
ofensiva de um Estado a outro, mas sim, por outros mecanismos mais sutis e
sofisticados de dominação, a partir da atuação de agentes transnacionais em
territórios nacionais, tais como organizações não-governamentais, assim como
também por meio de organizações multilaterais e fontes de financiamento
internacionais.
46
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Sendo assim, apenas seria possível considerar uma alta probabilidade de haver
de fato uma intervenção direta por parte de algum Estado estrangeiro na região
amazônica, caso o Estado brasileiro viesse a agir justamente de forma a impor grandes
limitações a consolidação desses interesses estrangeiros ou até mesmo, impedir a
atuação dos atores privados na região. Levando em conta este hipotético cenário, ao
ignorar os distintos interesses que para ali se voltam – sejam eles privados ou
governamentais, mas com vínculos transnacionais (como seria o caso, por exemplo,
daqueles relativos às exigências em torno da conservação ambiental) –de modo a se
impor como determinador de condutas dos demais atores que nele se acham, o Estado
brasileiro acabaria por limitar justamente aquilo que se tornou uma prerrogativa desta
ordem mundial, que é a necessidade de resguardar a liberdade de atuação dos agentes
privados. Dessa forma, estaria adotando um posicionamento contrário aos postulados
liberal-democráticos impostos por essa nova ordem mundial. Isso, por sua vez,
acabaria por gerar uma percepção internacional em sua relação como um Estado cujas
45
Esta questão será trabalhada mais atentamente adiante, assim como as limitações que ela vem a
implicar.
47
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48
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46
É, contudo, necessário que se atente aqui para a importância de não serem estabelecidas
generalizações a respeito das empresas transnacionais presentes na Amazônia como simples mecanismos
de intervenção indireta por parte de Estados estrangeiros, como comumente é feito. Tal visão, presente
grandemente no meio da sociedade civil, ignora o fato de que embora tais empresas possuam suas sedes
no exterior, não necessariamente possuem algum tipo vínculo direto com seus respectivos governos,
como seria o caso de por eles serem financiadas, como acima apontado. A presença de empresas norte-
americanas ou provindas de qualquer outro Estado não significa, além disso, que não haja qualquer tipo
de interesse político de sua parte, mas sim que tais interesses não estão associados a uma relação política
de intervenção, de modo a estarem ligados, na realidade, à lógica puramente capitalista privada. Assim,
deve-se sempre se ter em mente que a instalação de empresas estrangeiras no território brasileiro – e,
portanto, não apenas na Amazônia – é, na realidade, resultado da própria abertura das fronteiras nacionais
e, embora representem o poderio econômico de seus países de origem, não consistem necessariamente em
instrumentos de intervenção. Da mesma forma, é necessário que se atente às limitações que a idéia de
intervenção difusa trás consigo no caso das ONGs, como será abordado na próxima seção.
49
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discussões realizadas nas próximas seções. O primeiro grupo de ONGs que se faz
possível distinguir seria referente àquelas cujo financiamento é apresentado como
sendo baseado em doações provindas unicamente de pessoas físicas, podendo ser até
mesmo ONGs que se auto-financiam, por meio de doações de seus próprios
funcionários. Um segundo grupo seria aquele em que estão englobadas as ONGs que
possuem alguma ligação com empresas – nacionais ou não – e o terceiro, por sua vez,
referente a ONGs com possíveis relações estabelecidas com governos estrangeiros.
50
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47
BENTO, 2008.
51
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52
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50
Assim, diante desse posicionamento adotado pela ONG , o estudo do MSIa
identifica uma relação direta com a função estratégica por ela desempenhada no
momento de sua criação, em favor dos interesses do Governo britânico, durante o
período de independência das colônias africanas, em que assegurou a predominância
do controle das empresas da Commonwealth sobre os recursos naturais africanos, por
meio do seu controle sobre grande parte das reservas naturais e parques ambientais
do continente. Da mesma maneira, como apresentado no caso do Brasil, a ONG
acabou por impedir a exploração dos recursos naturais pela sociedade nativa, assim
como inviabilizou instalações infra-estruturais, necessários ao desenvolvimento
regional. Neste sentido, então, é que seria possível validar o argumento relativo às
ONGs como atendentes de interesses governamentais estrangeiros, constituindo
essas, portanto, em um tipo de mecanismo de intervenção velada.
48
“RORAIMA no centro da internacionalização...”, 1999.
49
Idem.
50
É necessário ser dada a atenção para o fato de se estar aqui focando um exemplo concreto,
consistindo esse apenas em um dentre vários. A questão a ser tratada aqui, portanto, não é referente
apenas a uma organização em particular.
53
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incorreto seria realizar generalizações, como normalmente é feito. Acima foi dado
apenas alguns exemplos da possibilidade deste tipo de intervenção de fato ocorrer,
sendo errôneo, contudo, a noção de que estariam todas ONGs, especialmente de
origem estrangeira, necessariamente associadas a interesses de governo, de modo a
consistirem realmente em instrumentos de intervenção e, portanto, um perigo à
segurança brasileira51. É importante frisar o problema trazido por essa generalização,
pois coloca todas as ONGs na ilegalidade, cuja extrapolação lógica seria uma política de
própria expulsão dessas organizações, enquanto o próprio governo brasileiro
estimulou sua criação nos anos 1990 como parte de sua política de desenvolvimento
dos programas de direitos humanos vinculados à tratados com a ONU.
Além disso, mesmo que houvesse algum tipo de coordenação das atividades a
partir do exterior, não necessariamente haveria uma relação direta entre a ONG e seu
governo, de modo que, mais uma vez, deve-se evitar a realização de generalizações a
esse respeito. Assim, as propostas de criação de reservas ambientais ou indígenas
pelas ONGs, por exemplo, embora possam ser tidas como propostas que impedem o
desenvolvimento regional, não podem ser apontadas como necessariamente sendo
estratégias de governos estrangeiros para a manutenção do subdesenvolvimento. Para
tanto, é necessária não apenas buscar a relação de legalidade dessas ONGs com o
ordenamento jurídico nacional, mas também e, mais atentamente, relacionar a
legalidade das ONGS a partir de uma análise mais profunda e específica de seus
propósito 52.
51
Devendo ser lembrado aqui, mais uma vez, a questão relativa à soberania do Estado tida como
ameaçada pela presença de tais atores em seu território, nos discursos militares. Entretanto, como já visto
anteriormente, a existência de atores de origem estrangeira no interior do Estado não representam de fato
tal ameaça; mas como explicitado, a instalação desses atores no país consiste justamente nas
conseqüências do maior processo de abertura das fronteiras nacionais, que possibilitou a consolidação de
distintos interesses, brasileiros ou não, no território amazônico. Assim, a simples presença de ONGs,
mesmo que de origem estrangeira, ali não pode ser vista como uma ameaça à soberania nacional, uma vez
que essa por si só já é estruturalmente limitada, justamente por permitir legalmente a atuação de tais
atores. Dessa forma, deve-se também levar em conta que a atuação dessas no território nacional, embora
apresentadas nos discursos como uma intervenção velada, por limitar a atuação do Estado por meio da
criação de reservas ambientais, por exemplo, é realizada com o respaldo da própria legislação brasileira.
Não se exclui aqui, contudo, a existência das diversas ONGs que operam na ilegalidade no território
amazônico e, diante disso, se coloca a urgente necessidade de maior controle das atividades
desenvolvidas na região para que seja assim, possível ter o conhecimento quanto aos interesses ali
existentes, trazendo possibilidades de negociação política.
52
Deve-se aqui fazer uma ressalva a respeito da própria legislação brasileira, a qual,
segundo MIRANDA, muito tem se atentado à proteção ao meio ambiente, convertendo grandes áreas em
54
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53
SOUZA, 2008.
55
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5. Considerações Finais
A partir da análise e das considerações realizadas a respeito das possíveis
intervenções estrangeiras no território amazônico, é possível então se compreender a
existência de uma probabilidade mínima de ocorrência de uma intervenção direta
56
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liderada por algum Estado estrangeiro na região, uma vez que as novas condições
estruturais implementadas pela ordem mundial neoliberal acabam por tornar
desnecessário o uso de mecanismos explícitos de intervenção em países cuja
interdependência e ação é condizente com os rumos dessa ordem. Dessa forma, a
possibilidade de se valer de instrumentos mais sofisticados para tanto – sendo eles
próprios produtos dessa nova ordem – em detrimento do uso da força por parte dos
Estados estrangeiros, torna evidente a necessidade de que as políticas direcionadas ao
território amazônico não sejam prioritariamente baseadas em uma lógica cujo
principal foco seria relativo à segurança militar. É necessário sim, que as diretrizes de
tais políticas sejam dadas a partir da compreensão referente à dinâmica que se
estabeleceu a partir das transformações estruturais da ordem mundial com o
neoliberalismo, que tornou o âmbito transnacional o nível mais evidente de relações
no sistema mundial, de modo a alterar os padrões sob os quais se dariam as
intervenções. Essas passam a se dar potencialmente a partir da atuação dos atores
transnacionais no interior do Estado e é neste ponto que se compreende as
Organizações Não-Governamentais como possíveis intermediadoras de interesses
estatais estrangeiros na região amazônica.
Ainda assim, contudo, tal entendimento traz consigo certas limitações, sendo
então necessário frisar a necessidade que se coloca à formulação de avaliações
minuciosas sobre os diferentes casos relativos a tais Organizações, a fim de se alcançar
uma melhor compreensão a respeito de seus propósitos. Isto se coloca, uma vez que é
possível que suas ações reflitam meramente interesses particulares no
desenvolvimento de suas atividades e não interesses nacionais, que representariam de
alguma maneira um perigo à segurança do território amazônico; o que não invalida,
contudo, a possibilidade deste último caso ser uma realidade, e diante disso, são
colocadas as exigências de um maior controle e planejamento por parte do Estado
brasileiro sobre a região. Sendo assim, o que se faz de extrema importância no
entendimento das questões relacionadas à Amazônia é a impossibilidade de se
estabelecer uma generalização sobre os diferentes atores que ali se encontram.
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Uma compreensão mais clara a respeito de tais aspectos, por sua vez,
habilitaria o poder estatal a construir políticas que promovessem a confluência dos
mais diversos interesses voltados à Amazônia, de modo a atender de certa forma as
demandas ali existentes. O Fundo para a Amazônia criado neste ano para o combate
ao desmatamento consiste, por sua vez, em um bom exemplo de política
implementada que possibilita, em certo grau, tal atendimento, ao articular as
arrecadações provindas de atores privados – em especial empresas – nacionais e
estrangeiros com as exigências postas no âmbito internacional de preservação
ambiental amazônica encabeçadas pelas ONGs ambientalistas. Tal fundo, entretanto,
consiste apenas em um primeiro esforço a essa conciliação, de modo a apresentar
ainda grandes desafios a serem superados, relativos, por exemplo, ao atendimento das
demandas por empregos no setor das atividades econômicas ali desenvolvidas,
convertendo as atividades de caráter predatório em atividades vinculadas a esse
projeto de desenvolvimento.
58
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6. Referências Bibliográficas
BENTO, Cláudio Moreira. “As ONGs na Amazônia Brasileira”. Revista do clube militar.
Disponível em: <http://www.clubemilitar.com.br/site/pres/revista/429/9.pdf>
Acessado em: 10 de agosto, 2008.
59
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SOUZA, Israel Pereira Dias de. Iniciativa para a conservação da Bacia Amazônica
(IBCA): “cooperação internacional” ou “ecoimperialismo”?. Disponível em:
<http://www.anppas.org.br/encontro4/cd/ARQUIVOS/GT13-571-280-
20080509114537.pdf> Acessado em: 13 de agosto, 2008.
60
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1. Introdução
61
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Desse modo, esta análise visa focar nos novos contornos dos problemas
apresentados na Amazônia que são efeitos do processo de transformação da ordem
mundial, na qual as relações entre os Estados passam a compreender os mais diversos
interesses destes. Podemos observar isso por meio da agenda internacional que passa
a ser pautada por uma multiplicidade de temas e atores. Ademais, os atores
transnacionais não precisam necessariamente das relações intermediárias do seu
respectivo governo para se relacionarem com os demais atores.
62
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Para então alcançar tal objetivo explicativo, iremos analisar a Amazônia sob o
aspecto de dois atores que convivem numa intensa afluência de interesses articulados
dentro de um novo contexto mundial, a saber: as forças armadas e as ONGs, ambos
vistos sob uma conjuntura específica da Amazônia. Como a maioria dos textos
analíticos coloca ambos os atores em posições opostas, com interesses irreconciliáveis,
o objetivo desse artigo, ao contrário, é ilustrar uma análise mais compreensiva em
relação à dinâmica de ação dos diversos atores que agem legitimamente no território,
os quais fazem emergir um cenário montado sob forte busca de projeção de poder por
meio de mecanismos de barganha e em um contexto de contradições e sobreposições
de interesses.
63
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54
milhões de hectares” . Ou então: “Nem IBAMA encontra maior desmatador da
Amazônia” 55. Mas como veremos, o Estado tem uma lógica de ação política de acordo
com os contornos multilaterais a ele imposto pelas interdependências estatais dos
últimos anos. Portanto, a maneira como a ação do ator estatal está sendo executada
será analisada juntamente com a dinâmica da política internacional. Com isso
pretendemos demonstrar quão superficial é a crítica da mídia em geral ao Estado
Brasileiro.
54
“ GRILAGEM OFICIAL...”, 2008.
55
MAGALHÃES, 2008.
56
HELD; McGREW, 2001, p. 13.
57
BECKER, 2005.
64
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No caso da Amazônia podemos notar esse processo no que tange seu padrão
de desenvolvimento econômico, social e político. Lá, a problemática da região envolve
os interesses e as influências políticas dos diversos atores globais, impondo, assim,
dificuldades quanto à adoção de políticas estatais. Nesse sentido, é interessante
contextualizar a problemática da Amazônia neste processo recente de globalização:
porque o Estado está inserido na globalização enquanto fenômeno social e coletivo,
dependente da influência dos agentes sociais na elaboração da sua estratégia de ação
e na consecução de seus objetivos políticos. Desse fenômeno é possível resgatar
quatro movimentos mais amplos os quais auxiliam a compreensão das condições
estruturais da problemática na Amazônia; são eles: a internacionalização, a
liberalização, a universalização e a ocidentalização59.
58
PINTO, 2005.
59
“A Internacionalização refere-se apenas ao incremento das transações e ao aumento do grau de
interdependência entre os Estados. A Liberalização, por sua vez, defende a diminuição do Estado a partir
de uma ideologia neoliberal, resultando na constituição de uma economia mundial sem fronteiras. A
concepção de Universalização está relacionada a uma possível homogeneização cultural, econômica,
jurídica e política. Por fim, a Ocidentalização aponta uma particular universalização do modelo
sociocultural aplicado na Europa Moderna, destruindo culturas pré-existentes e autodeterminações locais
dentro do Processo de Globalização.” Cf. SCHOLTE, 2002.
65
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60
CORREIA DA SILVA, 2006.
61
Idem.
62
SCHOLTE, 2002.
66
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“Dessa forma, através da implantação de um programa de gestão ambiental é possível obter
redução do consumo de energia; redução de geração de resíduos; economia e redução de desperdício de
67
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uso da água; criação de rotinas de reuso da água; reciclagem de resíduos sólidos e líquidos.” Cf.
GASPARINI; GASPARINI, 2005, p. 80.
64
A ISO 14001 é um exemplo dessa legislação ambiental, cuja é a de fornecer às organizações os
requisitos básicos de um sistema de gestão ambiental eficaz.
65
A Amazônia Legal foi estabelecida por meio de uma lei, visando o planejamento econômico da
região amazônica. Abrange os Estados do Norte, Acre, Amazonas, Amapá, Pará, Rondônia, Roraima e
Tocantins e mais o Estado do Mato Grosso, no Centro-Oeste e parte do Maranhão, no Nordeste.
66
Ainda temos atividades em outros municípios da região, fortemente impulsionadas por ser
Manaus uma zona de livre comércio: no Pará é encontramos a indústria de transformação de minerais
(alumínio). Em Manaus temos a indústria pesada e eletroeletrônica, sendo a economia deste município e
também do Estado, fortemente impulsionada por ser Manaus uma zona de livre comércio.
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67
AURELIANO, 2008.
68
O estado, de certa forma, sempre buscou estabelecer sua presença na região. Como exemplo,
vemos em 1952, uma resposta do governo brasileiro às iniciativas internacionais, a criação do INPA
contra o interesse da ONU em estabelecer um Instituto Internacional da Amazônia.
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A Amazônia, como vimos explicando, está inserida num contexto muito mais
amplo e complexo daquele apontado pela mídia. Esta acaba construindo uma idéia
generalizada do ambiente político da Amazônia, mostrando-a a partir de um senso-
70
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comum da existência de dois pólos que vivem em intenso confronto dos seus
interesses. Portanto, nesta seção, este artigo buscará explicar o que realmente
acontece nesta região através da dinâmica de ação de cada ator, a saber: as forças
armadas e as ONGs; e a partir disso evidenciar como o Estado Brasileiro se posiciona
conforme esse ambiente político.
69
HAAG, 2008.
70
ROCHA, 2007.
71
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71
Essa questão sobre a “cobiça dos países ricos” na Amazônia será mais detalhadamente
trabalhada em outro artigo desse Caderno Espacial sobre a Amazônia. Cf. SUGIMOTO, 2007, p. 5.
72
HAAG, 2008.
73
SANT’ANNA, 1999.
72
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74
TEIXEIRA DA SILVA, 2008.
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Por isso que as essas críticas às ONGs devem ser julgadas por meio de um
conhecimento processual, o qual possibilitou que elas conquistassem o direito de
influenciar politicamente na Amazônia por vias sociais. Elas agem, ao menos em
princípio, em conformidade com a lógica da defesa da cidadania, do meio ambiente e
dos povos que vivem na região amazônica. Esses pontos, de um lado, podem ser
denominados como os condicionantes externos fundamentais para entender que a
atuação das ONGs que está na grande liberdade de ação, devido aos mecanismos de
cooperação internacional que elas engendram. De outro, em relação aos
condicionantes internos, temos que:
75
PROCÓPIO FILHO, 2007.
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causar muitos constrangimentos ao país onde atuam. Como demonstrado num estudo
sobre a escrituração de dez ONGs, feito por auditores do Tribunal de Contas da União:
76
IZAGUIRRE, 2006.
77
“DEGRADAÇÃO e ONGs...”, 2007.
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6. Considerações Finais
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conduzir a uma nova política do Estado Nacional, atacando problemas crônicos, o que
levaria a investimentos maciços em infra-estrutura social”78.
78
PROCÓPIO FILHO, 2007.
79
“A noção de defesa nacional centrada na visão estadocêntrica no marco da soberania territorial
mostra-se insuficiente para garantir situações de estabilidade e desenvolvimento. A globalização está
erodindo a soberania dos Estados, expondo vulnerabilidades num contexto da nova arquitetura da
(in)segurança mundial. As formas clássicas de resolução dos conflitos pela via armamentista e
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Torna-se perceptível notar, pois, que cada ator possui uma estratégia diferente
na dinâmica de negociação política na Amazônia; porém é possível compor e combinar
interesses em políticas para a região. Isso se torna evidente em acordos multilaterais,
projetos de pesquisa em parceria com universidades e governos, projetos de proteção
ambiental e de fronteira, desenvolvimento social e regional; estes constituem os vários
meios de ação e defesa na gestão da Amazônia. “O grande desafio do governo é
entender as diferenças da Amazônia, e não tentar moldá-la ao modo de viver sulista. É
levar a educação, por exemplo, não pensando em vale-transporte para estudantes,
mas em barcos-escola. É preciso mudar o paradigma, integrar para não entregar”80. Ao
mesmo tempo em que é possível fazer uma crítica ao inimigo externo no sentido de
que o Estado Brasileiro deve se voltar na defesa dos interesses nacionais deve-se
adotar mecanismos políticos de controle para que esses projetos não recaiam nas
políticas mal financiadas, resultando em simples povoamento ou na manutenção de
grande contingente de militares na região sem infra-estrutura adequada.
intimidação bélica já não respondem aos desafios e impasses contemporâneos. A segurança militar
continua relevante e decisiva, mas não é a única a ser garantida. Emergem ameaças e desafios que afetam
a segurança internacional, mostrando que novas configurações planetárias – interdependência econômica,
velocidade tecnológica e informacional e desequilíbrios ecológicos, irão conduzir políticas de segurança
para outras esferas não exclusivamente militares.” Cf. SILVA TEIXEIRA, 2008.
80
LEAL, 2007.
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a problemática da região. Pois, a partir dela é que se percebe que as novas relações
políticas na região. E, são estas relações quem dão o tom intenso e tenso da dinâmica
política da Amazônia inserida nas preocupações mundiais com o atendimento social a
população, preservação recursos naturais, condições climáticas e biodiversidade.
7. Referências Bibliográficas
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“GRILAGEM OFICIAL: Mais da metade das cidades da Amazônia foi erguida sobre áreas
pertencentes à União”. Portal Ecodebate, 28 de novembro, 2008. Disponível em:
<Http:// http://www.ecodebate.com.br/index.php/2008/11/28/grilagem-oficial-mais-
da-metade-das-cidades-da-amazonia-foi-erguida-sobre-areas-pertencentes-a-uniao/>.
Acesso em: 04 dez. 2008.
HAAG, Carlos. A Floresta Verde Oliva. Humanidades: Edição Impressa 144 - Fevereiro
2008. Disponível em:
http://www.revistapesquisa.fapesp.br/?art=3461&bd=1&pg=1&lg=>. Acesso em: 03
dez. 2008.
LEAL, Rafael Della Giustna. Amazônia, esta ilustre desconhecida. Amazônia por um
Sulista, 13 de março, 2007. Disponível em: <
http://amazoniaporumsulista.wordpress.com/2007/03/13/amazonia-esta-ilustre-
desconhecida/>. Acesso em: 05 dez. 2008.
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SILVA TEIXEIRA, Alberto da. A segurança da Amazônia no século XXI. Revista do Autor,
01 de novembro, 2008.
<http://revistaautor.com/index.php?option=com_content&task=view&id=309&Itemid
=38>. Acesso em: 04 dez. 2008.
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