Você está na página 1de 82

CADERNO ESPECIAL AMAZÔNIA

OFTA-SAEI 2008

Artigos produzidos pelo Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas


relacionados ao tema sugerido para pesquisa e análise pela Secretaria de
Acompanhamento e Estudos Institucionais em 2008
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

2
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

Agradecimentos

Primeiro gostaríamos de reconhecer a excelência, o entusiasmo a boa


vontade dos membros do Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
(OFTA), autores e organizadores deste caderno especial Amazônia.

Orgulhamo-nos muito da parceria com a Secretária de Acompanhamento e


Estudos Institucionais (SAEI) que proveu o tema para a pesquisa e análise do OFTA e
somos gratos em especial a Srta. Paula Lima, Secretário José Alberto Cunha Couto e o
Secretário-Adjunto Ministro José Antônio de Castello Branco de Macedo Soares.

Agradecemos a Faculdades de Campinas (FACAMP) pela específica e


constante dedicação ao OFTA e sobretudo pelo sofisticado sistema de ensino que nos
incitou a pesquisa e ao pensamento crítico num complexo Zeitgeist. Somos gratos em
especial a nosso coordenador e principal incentivador, Professor Lício da Costa
Raimundo, ao Prof. Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo e a direção da FACAMP, nas figuras
dos Professores João Manuel Cardoso de Mello e Liana Aureliano.

Gostaríamos de agradecer em especial ao Dr. Evaristo Eduardo de Miranda,


chefe geral da Embrapa Monitoramento por Satélite pela nova parceria realizada
junto a FACAMP e OFTA.

Por último, dedicamos este trabalho ao pai do nosso querido Alcides e ao pai
da nossa estimada Érika que recentemente nos deixaram. Sabemos que ambos estarão
num plano mais elevado orientando, trabalhando e guiando nossos amigos até o
reencontro.

3
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

ÍNDICE

APRESENTAÇÃO: AMAZÔNIA EM UMA NOVA PROBLEMATIZAÇÃO................................ 5


A ABORDAGEM SOBRE A AMAZÔNIA LEGAL E SEUS NOVOS ATORES ........................... 10
1. Introdução ........................................................................................................ 10
2. Índios ................................................................................................................ 11
3. Ambientalistas.................................................................................................. 13
4. ONGs................................................................................................................. 17
5. Considerações finais......................................................................................... 19
6. Referências Bibliográficas ................................................................................ 20
AMBIENTALISMO E A ATUAÇÃO DAS ONGS NA AMAZÔNIA ......................................... 22
1. Introdução ........................................................................................................ 22
2. Formas de Ambientalismo a partir da formação do Direito Internacional do
Meio Ambiente........................................................................................................... 23
3. O ambientalismo no Brasil ............................................................................... 26
4. Intervenção Ambientalista e Internacionalização da Amazônia...................... 27
5. Considerações Finais ........................................................................................ 31
6. Referências Bibliográficas ................................................................................ 31
BIOPIRATARIA E A QUESTÃO DA NORMATIVIDADE DOS PROBLEMAS AMAZÔNICOS .. 33
1. Introdução ........................................................................................................ 33
2. As definições de biopirataria............................................................................ 34
3. O problema da normatividade da exploração dos recursos ambientais ......... 36
4. Considerações Finais ........................................................................................ 37
5. Referências Bibliográficas ................................................................................ 38
OS CENÁRIOS DE INTERVENÇÃO DIRETA E INDIRETA NA AMAZÔNIA: UMA ANÁLISE
CRÍTICA ........................................................................................................................... 40
1. Introdução ........................................................................................................ 40
2. Primeiro cenário: intervenção direta ............................................................... 41
2.1. A intervenção direta e suas limitações........................................................ 44
3. Segundo cenário: a intervenção difusa ............................................................ 48
3.1. A intervenção, as ONGs e o desenvolvimento ............................................ 50
4. A Intervenção difusa: suas possibilidades e limitações ................................... 52
5. Considerações Finais ........................................................................................ 56
6. Referências Bibliográficas ................................................................................ 59
OS CONTORNOS POLÍTICOS DO ESTADO BRASILEIRO NA AMAZÔNIA E A RELAÇÃO COM
OS MILITARES E AS ONGS ............................................................................................... 61
1. Introdução ........................................................................................................ 61
2. Os Contornos Políticos do Estado Brasileiro .................................................... 63
3. Dinâmica da Ação Estatal frente a Outros Atores............................................ 67
3.1. O caminho traçado pelo Estado .................................................................. 67
4. A Dinâmica Política na Amazônia ..................................................................... 70
4.1. O plano de defesa militar da Amazônia ...................................................... 70
5. A Presença Dos Atores Sociais.......................................................................... 73
6. Considerações Finais ........................................................................................ 76
7. Referências Bibliográficas ................................................................................ 79

4
APRESENTAÇÃO: AMAZÔNIA EM UMA NOVA
PROBLEMATIZAÇÃO

Alcides Eduardo dos Reis Perón

Tida como a maior floresta tropical do mundo e berço da maior bacia de água
doce do planeta, entendida ainda, como possuidora de um potencial genético, mineral
e agropecuário inimaginável, a Amazônia é – desde as primeiras explorações e
ocupação – um território marcado por disputas de interesses entre os mais diversos
grupos e países em momentos distintos. Com o objetivo de entender esses problemas,
poder-se-ia realizar uma análise meramente causal, expondo os conflitos mais comuns
da região e emulando soluções imediatas para situações eminentes à luz de teorias
estruturalistas, as quais pouco contribuiriam para a compreensão dos problemas
essenciais relativos ao objeto de análise. Entretanto, este trabalho busca realizar uma
análise mais abrangente e histórica da Amazônia, com um enfoque em seus
“problemas atuais”, retornando para isso, à definição de certos conceitos, e ao
entendimento não apenas do território em si, tão pouco das conseqüências dos
problemas observados, mas sim das várias perspectivas assumidas – bem como de sua
relevância – por diferentes grupos e atores, que configuram a Amazônia como um
conjunto de interesses e entendimentos, muitas vezes, dúbios e conflitantes.
A opção por uma perspectiva histórico-humanística – em detrimento de uma
perspectiva cientificista, a qual tende a privilegiar análises de causa e efeito, que aqui
serviria como uma mera forma de acumulação de informações, sem uma discussão
mais profunda sobre o tema – se deve a dois aspectos específicos do nosso objeto: o
seu distanciamento geográfico, que não permite um estudo de base empírica capaz de
expor, em sua totalidade, a essência dos problemas em torno do território, invalidando
esse tipo de estudo em sua capacidade de compreensão e explicação da realidade em
que o objeto se insere; se deve ainda a ausência de demais estudos relativos ao tema e
ao enfoque aqui utilizado, dada a sua atualidade. Dessa forma, tanto o distanciamento
quanto o relativo desconhecimento que se tem sobre a Amazônia e seus “problemas”,

5
nos convida a um estudo aprofundado que resgate o significado de certos conceitos e
permita um julgamento racional da relevância entre o que nos são apontados como
problemas, e o que de fato são.
O objetivo ao assumir esse enfoque é demonstrar como a Amazônia,
historicamente, tem sido entendida de diferentes maneiras, por grupos variados e em
momentos diversos, o que tem determinado a forma como foi “concebida” e “gerida”
até o período atual. A partir disso, busca-se demonstrar as dificuldades derivadas
dessas concepções truncadas para o entendimento da essência dos “atuais”
problemas. Consideramos nesse trabalho que, muitos dos problemas atualmente
apontados na Amazônia têm origem a partir do anacronismo entre perspectivas e
fatos, isto é, determinados fenômenos contemporâneos – com biopirataria, formação
de associações indígenas, a criação de reservas indígenas, presença de ONGs
estrangeiras – têm sido entendidos a partir perspectivas histórico-conceituais frágeis e
defasadas, relativas a um momento anterior, o qual aqui denominaremos “Ciclo de
preocupação” – estrutura essa que nos auxilia a compreender o momento atual,
colocando em uma perspectiva histórica as diversas formas de percepção do território.
Tais ciclos se relacionam a momentos da história da Amazônia, os quais vão da
“Fixação do território”, perpassando pela “Ocupação”, e pela “Exploração econômico-
estratégica”, vislumbrando a emergência de um quarto ciclo, que se relaciona com ao
momento atual, o qual ainda não se formou totalmente, e que esse trabalho pretende
versar. Considera-se um ciclo de preocupação o período da história amazônica em que
há, em determinados contextos histórico-econômicos e histórico-sociais, uma relação
de interesses regida por atores que concebem o espaço amazônico de uma maneira
consonante aos seus objetivos, e toda essa interação configura uma forma de
entendimento e atuação sobre o território. Trata-se como um ciclo, pois, são
momentos que se repetem ao longo do da história, porém, com mudanças de
perspectivas e atores em cada um deles, conservando, ainda, elementos de momentos
anteriores, seja na definição de perspectivas, ou na estruturação dos atores.
O primeiro “Ciclo de preocupação” versa sobre a expansão e demarcação do
território português – ainda que este estivesse sob controle espanhol até meados do
século XVI – abrangendo o período que segue do início do século XVII, até meados do
século XVIII, quando as questões territoriais entre Espanha e Portugal são

6
parcialmente resolvidas. Esse momento se caracteriza pela disputa entre ingleses e
holandeses, no território das guianas, e os franceses que defendiam seus interesses no
território onde atualmente é o Maranhão – ademais, observa-se no período um
crescente conflito entre jesuítas e bandeirantes escravagistas pela “aquisição” de
índios na região da floresta. Todos esses impasses ocorriam com base na forma em
que o território era compreendido, como um espaço inóspito e passível de controle e
ocupação, o que levou a uma configuração específica de atores e interesses na região.
A partir da segunda metade do século XVIII, com as fronteiras do território
amazônico relativamente definidas – pela imposição do Tratado de Madri entre
Espanha e Portugal de 1750 – o novo debate que urge é sobre a forma de ocupação e
administração, configurando um novo ciclo de preocupação com o espaço amazônico.
Nesse momento a Amazônia é dividida entre os estados do Grão-Pará, Maranhão,
Piauí e Rio Negro, buscando uma regionalização da administração o que evitaria o
surgimento de conflitos entre as metrópoles pelo controle territorial na região. Nesse
momento, a Amazônia é compreendida apenas como um território pertencente à
metrópole lusitana, e dessa forma, o interesse imediato dos atores seria a sua
ocupação, e o estabelecimento de um controle burocrático nesse espaço colonial, o
que evitaria a tentativa de alguma ocupação não autorizada.
Somente no século XIX é que o estado do Amazonas é criado, tendo como
capital a vila de Manaus (fundada em 1848), quando a dinâmica de ocupação passa a
seguir uma progressão contínua, encerrando – porém, não completamente – o ciclo
que configura a ânsia pela ocupação do espaço amazônico. Por volta de 1900, quando
já se existe um Brasil republicano e independente, novos objetivos são almejados,
surge a necessidade de estruturar a sua economia de modo compatível com um
território “autônomo”. Um novo ciclo se instaura, pautado na compreensão positivista
da Amazônia como fonte de riquezas, detentora de um potencial econômico-
estratégico incomensurável, o que justificaria a exploração do território ao longo do
século, sob as mais diversas formas – como o ciclo da borracha, do ouro, a exploração
agrícola na segunda metade do século XX. Por possuir riquezas desse porte, e
necessariamente, por figurar como parte de um Estado soberano, criou-se um
alarmismo quanto à possibilidade de invasão e exploração “indevida” dos recursos
desse território.

7
Há, ainda, elementos para se vislumbrar um quarto ciclo de preocupação em
formação. No final do século XX, começa a tomar peso na agenda global discussões,
como o aquecimento global – tendo como resultados o derretimento das calotas
polares, alterações nos ciclos sazonais e catástrofes ambientais, dentre outros – que se
apresenta como elemento crítico para o futuro da humanidade e passa a fazer parte
da agenda dos principais atores globais. Tíbios ou não, surgem os primeiros tratados –
legitimados internacionalmente – que objetivam o controle da emissão de poluentes
causadores do efeito estufa e a preservação ambiental, essencialmente das florestas,
como o protocolo de Kyoto. Nesse sentido, de uma preocupação global com o meio
ambiente, a Amazônia assume importância global e projeta-se novamente como
objeto de interesse de diversos atores, os quais, independente de sua origem,
advogam em favor da sua preservação ou conservação.
Assim, é pressuposto desse trabalho a existência de uma nova configuração de
interesses e atores, nos âmbitos interno e externo, que vêm moldando um
entendimento sobre a Amazônia, definindo quais são os problemas e ordenando-os
hierarquicamente com base em uma perspectiva própria carregada de ideologias e
simbolismos. Contudo, os entendimentos sobre essa nova configuração de interesses e
atores têm sido formadas com base em uma perspectiva defasada, que não incorpora
elementos reais de sua constituição e, portanto, induz tanto a comunidade de
pesquisa como a sociedade a um a uma concepção errônea acerca da estrutura de
relações que moldam o objeto. Além disso, o distanciamento geográfico do nosso
objeto de análise contribui para a formação de um entendimento coletivo sobre a
Amazônia e seus problemas, no sentido que apenas poucos têm acesso a ele, sendo
estes – com o devido auxilio dos meios de comunicação – os únicos capazes de
formular um entendimento legitimado pela sociedade, o que seguidamente dificulta a
compreensão em sua essência dos problemas do território.
O trabalho, então, se divide em uma série de artigos desenvolvidos com base
em uma perspectiva metodológica comum acerca da temática aqui apresentada sobre
a Amazônia. Contudo, os artigos mantêm o seu foco nos novos problemas que
emergem a partir de perspectivas defasadas sobre o território amazônico. O primeiro
artigo, “A abordagem da Amazônia Legal e seus novos atores”, busca não apenas
sintetizar os novos atores da Amazônia, a saber, os índios, as ONGs e os

8
ambientalistas, mas principalmente destacar quais as redes de interesses que
envolvem esses atores por meio de uma crítica às análises midiáticas. Já o segundo
artigo, “Ambientalismo e a atuação das ONGs na Amazônia”, busca aprofundar a
questão do ambientalismo como um tema na agenda internacional e como o debate
preservacionismo X conservacionismo afeta o problema da Amazônia e influencia nas
novas propostas políticas para a região. O terceiro artigo, “Biopirataria e a questão da
normatividade dos problemas amazônicos”, busca enfatizar como a multiplicidade,
sobreposição e a disparidade das leis e normas acerca da Amazônia impõem
dificuldades e limitações consideráveis no que tange à uma atuação efetiva do Estado
na região. O quarto artigo, “Os cenários de intervenção direta e indireta na Amazônia:
uma análise crítica”, trata do discurso sobre a intervenção da Amazônia e analisa suas
reais possibilidades pela construção de cenários de intervenção”. Finalmente, o artigo
“Os contornos políticos do Estado brasileiro na Amazônia e a relação com os militares
e as ONGs”, busca concluir esse caderno especial analisando os limites e
potencialidades de atuação do Estado brasileiro como articulador e organizador dos
interesses e do desenvolvimento na Amazônia.
Cada artigo foi escrito por um membro pesquisador do OFTA com a orientação
de um membro coordenador, e apresenta uma opinião distinta sobre o problema que
aborda, sem, contudo, perder a essência do trabalho, e da tipologia de pesquisa em
grupo que é uma característica desse Observatório.

9
A ABORDAGEM SOBRE A AMAZÔNIA LEGAL E SEUS
NOVOS ATORES

Aline Lara Serafim Penatti


Orientação: Érika Laurinda Amusquivar

1. Introdução

O entendimento político, social e econômico sobre a Amazônia não pode ser


apreendido sem o levantamento das demandas e dos atores sociais que estão
envolvidos na promoção desses interesses. De tal forma, pretende-se questionar
algumas percepções dos agentes midiáticos sobre os novos atores que geram uma
problematização mais complexa acerca da Amazônia, a saber: indígenas,
ambientalistas e ONGs. Assim, como primeira análise, faz-se importante apresentar
quais seriam, de forma geral, os critérios para a classificação de determinados grupos
sociais como atores pertinentes dentro da diversidade de interesses da Amazônia, o
que significa perceber: a) a forma de interação com o meio em que vivem ou possuem
interesse; b) com a política da região; c) e com outras categorias sociais, inclusive o
Estado, aos quais grupos acima citados se vinculam.
Dessa forma, mais do que questionar o senso comum sobre a falta de soberania
e o risco quanto à porosidade das fronteiras brasileiras na região da Amazônia Legal,
buscar-se-á uma compreensão dos limites das ações que circunscreve os índios,
ambientalistas e as ONGs, os quais, como está justificado nessa pesquisa, podem ser
considerados atores de grande influência na agenda política do Estado, mas, e até
mesmo por isso, não podem agir livremente dento do território nacional que diz
respeito a soberania do Brasil.

10
2. Índios
Os índios, por conta das transformações políticas e sociais que a Amazônia está
sofrendo, passam a apresentar maior poder de decisão efetivo no que tange à defesa e
reivindicação de seus interesses junto ao Estado e a sociedade civil. Desse modo, estão
recebendo apoio de grupos não-índios como também de diversos povos indígenas que
se inter-relacionam para garantir tal finalidade. Além de possuírem tratamento
especial garantido pelo Estado brasileiro como por convenções internacionais de que o
Brasil faz parte, os povos indígenas não estão apenas sendo objetos de decisão de
outras instâncias de poder, eles próprios estão participando de assuntos que influem
em seus interesses no processo de integração com a sociedade civil.
O conceito analítico da expressão índio não deveria ser homogêneo, pois
envolve uma distinção entre a cultura de diferentes povos e também o grau de
integração com o resto da sociedade (seja ela a brasileira ou a fronteiriça). Contudo, a
Constituição de 1988 reconhece os direitos desses povos de forma genérica, como
explica Sílvio Coelho dos Santos:
“(...) consignada na CF [Constituição Federal] a manifesta intenção dos
constituintes de projetar para o campo jurídico normas referentes ao
reconhecimento da existência dos povos indígenas e a definição das pré-
condições para a sua reprodução e continuidade. Ao reconhecer os “direitos
originários” dos povos indígenas sobre as terras tradicionalmente ocupadas,
a CF incorporou a tese da existência de relações jurídicas entre os índios e
1
essas terras anteriores à formação do Estado brasileiro” .

Afora a Constituição, e ainda anteriormente a esta, os índios possuem um


Estatuto que aborda, para efeito de lei, uma única definição do que seriam os índios e
as comunidades indígenas. Tanto na Constituição como nesse Estatuto – para explicitar
alguns direitos específicos desses povos – aos índios é dado o direito de usufruto das
terras que são de propriedade exclusiva da União e o reconhecimento de que eles
podem reivindicar a defesa de seus interesses e direitos, mas é principalmente no
Estatuto que se expressa a questão de que os índios em caso de condenação terão sua
pena atenuada.
Somam-se ainda a essas garantias algumas convenções internacionais das quais
o Brasil participa, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho

1
SANTOS, 2005.

11
(OIT) e a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, aquela garantindo
tratamento especial aos povos indígenas e esta reconhecendo como sujeitos de direito
os índios que, portanto, podem reivindicar seus direitos tanto em âmbito nacional
como internacional.
Com essa possibilidade jurídica de ação – como visto anteriormente, garantido
pela Constituição Federal, pelo Estatuto do Índio e pela Declaração dos Povos
Indígenas, assinada pelo Brasil em 2007 – formou-se em 1989 a Coordenação das
Organizações dos Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), majoritariamente
composta por índios, que vem sendo uma representação de grande alcance e uma das
formas de reivindicação em favor dos interesses dos povos indígenas.
Esses interesses, de acordo com o site da Coiab, seriam aqueles relacionados à
fiscalização, defesa e promoção dos direitos dos povos indígenas:
“Na luta pela garantia e promoção dos direitos dos povos indígenas, a COIAB
tem como objetivos e fins promover a organização social, cultural,
econômica e política dos povos e organizações indígenas da Amazônia
Brasileira, contribuindo para o seu fortalecimento e autonomia. Também
formula estratégias, busca parcerias e cooperação técnica, financeira e
política com organizações indígenas, não indígenas e organismos de
cooperação nacional e internacional para garantir a continuidade da luta e
2
resistência dos povos indígenas.”

Assim, mesmo a parcela de índios que mantém uma sociabilidade isolada, não
participando efetivamente das escolhas políticas, sociais e econômicas, não são apenas
objetos passivos das decisões advindas das instituições do governo, mas acabam
também sendo representados por outros índios que se encontram, de forma
organizada, mais integrados à sociedade brasileira.
Destarte, percebe-se que os índios se tornaram atores efetivos tanto em
âmbito regional e nacional quanto internacional. Regionalmente, onde muitos desses
se encontram na Amazônia, promove-se pela Coiab, por exemplo, um preparo técnico
em Gestão Etnoambiental e Gestão de Projetos por meio do Centro Amazônico de
Formação Indígena (CAFI). Nacionalmente, têm-se exemplos de discussões que são
colocadas juntamente com a Funai e outras instâncias do governo, visto a crítica
elaborada pela Coiab contra o Programa de Aceleramento de Crescimento (PAC) que
alteraria o equilíbrio ambiental e prejudicaria a sobrevivência da população na região

2
COIAB, 2008.

12
em que se propõe a construção das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau3. Não
obstante essa crítica, a Coiab nem fora consultada, demonstrando assim ainda sua
dificuldade de articulação e influência nas altas instâncias decisórias. E
internacionalmente, dada à ida de líderes indígenas à Europa para reivindicar direitos
sobre suas terras, ou seja, buscando juntamente a instância internacional apoio para
as estruturações organizacionais indígenas dentro do Brasil4.
Os índios, portanto, paulatinamente foram configurando-se como atores
importantes para influenciar diretamente em ações dentro da região amazônica, tendo
para isso algum apoio do Estado: a Constituição e o Estatuto do índio. Nesse sentido,
os povos indígenas não agem apenas devido à influência de grupos externos a eles –
sendo ONGs, turistas, governo, entre outros – mas também começam a buscar
interesses próprios e a organizarem-se para reivindicá-los junto ao Estado.
Não obstante, reconhecem-se os inúmeros interesses que divergem na região
da Amazônia Legal, os quais muitas vezes possuem o apoio do governo mesmo quando
agridem a forma de vida dos indígenas, e, portanto, a Constituição e o Estatuto. E é por
tal fato que, a partir dos direitos que foram legados aos índios, esses se organizam e se
especializam em diferentes áreas para poder lutar pelas suas necessidades e direitos.
Luta essa, por sua vez, que se defronta com interesses específicos muito consolidados
na região para além do respaldo jurídico.
Dessa forma, conclui-se que o Estado brasileiro ainda é o ator soberano dentro
da Amazônia Legal, pois tem o poder de arbitrar esses distintos interesses, porém, não
pode mais tecer decisões e ações políticas sem levar em conta os inúmeros índios que
se tornaram atores e, por suposto, grupos de influência e pressão tanto por meio de
suas próprias organizações, como com o apoio de ONGs internacionais.

3. Ambientalistas
É recorrente a polêmica sobre a cobiça nacional e internacional pela floresta
amazônica; porém, esse senso comum deve ser questionado por meio de uma análise
quanto ao envolvimento de ambientalistas na Amazônia Legal e às condições de

3
Cf. INFORMATIVO TROCANO, 2008. p. 3.
4
EFE de Madri..., 2008.

13
atuação da soberania do Estado brasileiro, que permitirá constatar a dimensão dos
reais problemas da região.
Desde os anos 1960 os ambientalistas estavam se organizando principalmente
nos EUA e na Europa, mas só nos anos 1970 que a preocupação com o meio ambiente
ganha escala mundial: com o incremento nas tecnologias de comunicação que criaram
uma rede de fluxos globais, transformando o tempo e o espaço, os ideais dos
ambientalistas se difundem com forte apoio da opinião pública. Os questionamentos
quanto à preservação, o desenvolvimento sustentável, os direitos humanos e entre
outros temas ganham adesão, por exemplo, de algumas empresas (mesmo que seja
para apenas uma estratégia de marketing) e outros indivíduos ligados à política
nacional, assim como ressalta o sociólogo Manuel Castells:
“Nos anos 90, 80% dos norte-americanos e mais de dois terços dos
europeus consideram-se ambientalistas; candidatos e partidos dificilmente
conseguem se eleger sem ‘verdejarem’ suas plataformas [...] Grandes
empresas, inclusive as responsáveis por uma grande emissão de poluentes,
passaram a incluir a questão do ambientalismo em sua agenda de relações
5
públicas, e também em seus novos e mais promissores mercados”.

À exemplo dessa mobilização, tem-se a Conferência de Estocolmo que ocorreu


na Suécia em 1972. Dois dos resultados dessa participação de 113 países foi a
assinatura de um documento de 24 artigos em prol da preservação ambiental e a
criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), a primeira
agência ambiental global. Portanto, demonstrou-se que as relações internacionais
transformaram-se devido à preocupação com questões de preservação ambiental: por
exemplo, o crescimento econômico das nações deveria agora levar em consideração as
questões de cunho até então não-econômico, como a preservação do ar e da água.
Dado esse novo contexto internacional, alguns ambientalistas formam grupos
de atuação transnacional com apoio da mídia, das elites e de alguns governos para
financiar seus programas:
“Muitos projetos ambientais, como os de criação de áreas protegidas ou de
prevenção a incêndios florestais, na forma de sua produção e execução são
mantidos por capital externo. Isso ocorre diretamente, com o repasse de
verbas para instituições não-governamentais, e indiretamente, através de
projetos do governo brasileiro financiados com recursos do PPG-7
(Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil), Usaid

5
CASTELLS, 2002, p. 141

14
(Agência Norte-Americana para Desenvolvimento Internacional) ou Banco
6
Mundial e coordenados ou supervisionados pelo IBAMA” .

No entanto, os grupos ambientalistas - que não podem ser caracterizados como


uma organização homogênea, apesar do objetivo comum de preservação ambiental -
atuam de forma diversificada e sustentam idéias diversas face às prerrogativas dos
Estados. O movimento global em prol do meio ambiente gera uma nova situação a ser
contextualizada pelas instituições estatais e, portanto, cabe a essas perceber e
administrar essa lógica. Isso porque dada sua postura global, a idéia de Estado-nação é
vista como uma barreira à preservação ambiental, pois se entende que a idéia de
nacionalismo pode sobrepujar a preocupação com a preservação ambiental que
envolve um esforço de todos os humanos independente de suas localidades. O
Greenpeace, por exemplo, sendo uma das maiores organizações ambientais
internacionais, caracteriza-se por uma ação “não violenta” e utiliza-se da mídia para
popularizar as questões ambientais7.
Diante disso, de um lado há alguns ambientalistas que estão diretamente
ligados à formação de lobbies; e por outro, há aqueles que atuam como partidos
políticos, etc. Como é colocado por Castells, os ambientalistas não têm sido apenas um
grupo de conscientização, mas sim atores que exercem influência tanto em instituições
internacionais como em nacionais:
“[...] Desde o início, [o ambientalista] procurou exercer influência na
legislação e nas atitudes tomadas pelos governos. Na verdade, as principais
organizações ambientalistas (tais como as integrantes do Grupo dos Dez nos
EUA) concentram seus esforços para a formação de lobbies para obter
conquistas na legislação, e no apoio ou oposição a candidatos a cargos
eletivos com base em sua postura política em relação a determinadas
8
questões” .

Assumindo, por fim, a idéia de que os ambientalistas atuam diretamente na


questão da Amazônia legal, resta-se analisar a atuação do Estado brasileiro em seu
território, que permitirá melhor compreensão dos desafios relacionados a essa região.

6
COSTA, 2005 p. 161.
7
Segundo a filosofia do Greenpeace, essa postura recebe grande influência da profecia de uma
índia Cree, pela qual os participantes dessa ONG tornaram-se conhecidos como os “guerreiros do arco-
íris”: "Um dia, a Terra vai adoecer. Os pássaros cairão do céu, os mares vão escurecer e os peixes
aparecerão mortos na correnteza dos rios. Quando esse dia chegar, os índios perderão o seu espírito. Mas
vão recuperá-lo para ensinar ao homem branco a reverência pela sagrada terra. Aí, então, todas as raças
vão se unir sob o símbolo do arco-íris para terminar com a destruição. Será o tempo dos Guerreiros do
Arco-Íris."Cf. GREENPEACE BRASIL, 2008.

15
De acordo com algumas notícias da conjuntura atual, percebe-se que a atuação
do Brasil necessita de melhoria e mais comprometimento, tanto para se conquistar
maior prestígio internacional, como para confirmar o compromisso do Estado com sua
legislação, visto sua Constituição, promulgada em 1988, “em que se destacam dois
grandes princípios: (i) todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
e (ii) o poder público e a coletividade têm o dever de preservar proteger o meio
ambiente”9.
“Dezesseis anos depois de acumular US$ 402,383 milhões em doações de
países ricos, o governo brasileiro não gastou efetivamente cerca de 30%
desses recursos destinados a financiamentos de projetos pilotos de
10
preservação de florestas tropicais” ;
“O número de patentes solicitadas no Brasil caiu 13,8% em 2005 [...] Este
índice coloca o Brasil na 13ª posição no ranking dos 20 maiores escritórios
de patentes do mundo, ficando atrás de outros países emergentes como
11
Índia que registrou crescimento de 1,3%, Rússia, (6,8%) e México (9,8%)” .

A partir disso, conclui-se que não basta apenas receber recursos externos para
a preservação, mas é também necessária a participação do setor público para
organizar os investimentos e conceber suporte para aqueles grupos como as ONGs que
venham a atuar no país.
Assim, apesar do discurso de alguns grupos ambientalistas que possa envolver
uma conceituação negativa quanto ao Estado-nação, eles dependem, em muitas
questões, desse ator. As organizações ambientalistas surgiram dentro do sistema de
Estados que pressupõe decisões nacionais em que apenas o Brasil, no caso da
Amazônia Legal, pode tomar. Não obstante, não se podem descartar as influências de
diversos grupos dentro da região amazônica, como as inúmeras ONGs e outros
pesquisadores internacionais que se concentram, por exemplo, no Instituto Nacional
de Pesquisa da Amazônia (INPA).
Afora isso, desde 1988 já se vislumbra a preocupação entre os governos na
questão da preservação ambiental. Foi durante esse período que o G7 se reuniu
demonstrando a preocupação com a floresta amazônica:
“[...] na reunião do Grupo dos 7 realizada em Paris, as preocupações
ecológicas em relação à Amazônia deixaram de ser assunto de partidos e
organizações ambientalistas para se tornarem objeto de manifestações e

8
CASTELLS, 2002 p. 163.
9
COSTA, 2005 p. 154
10
PERES; CRUZ, 2008.
11
“PATENTES avançam...”, 2007.

16
ações de governantes e grandes partidos dos países industrializados, ‘os
quais absorveram, a partir daí, parte das bandeiras e questões até então
restritas aos movimentos e partidos ambientalistas’ (COSTA, 2000b, p. 96)”
12

Dessa forma, apesar dos interesses que possam vir a divergir entre grupos
ambientalistas e o Estado brasileiro, percebe-se que a pressão política e econômica em
relação à ecologia transpassa a questão nacional, o que faz com que o governo
brasileiro, tanto em respeito a sua Constituição, como em busca de prestígio
internacional – além da necessidade de se levar em conta os impactos que podem
sofrer aqueles que vivem em dependência com o meio ambiente - esteja apto a
negociar com os pertinentes atores na Amazônia Legal: os ambientalistas.

4. ONGs
As ONGs são atores pertinentes de conexão local, nacional e internacional no
modelo sócio-econômico que articula esses sistemas e modela internamente os
Estados. A saber, tem-se percebido uma relação entre o Estado e a sua sociedade -
assim como entre os sujeitos internacionais em um determinado território nacional -
de forma que a influência de grupos sociais (internacionais e/ou nacionais) sobre as
instituições do governo é, muitas vezes, associada à participação dos indivíduos em
grupos de pressão política sem ter ligação direta com a burocracia governamental, ou
seja, sendo atuantes por meio das instituições não-governamentais.
No entanto, como questiona o cientista político Joachim Hirsch, as ONGs não
estão necessariamente desarticuladas dos Estados. Ele afirma que muitas dessas
organizações são indicações de que os órgãos estatais estão se tornando privatizados,
ao passo que muitas delas também estão absorvendo as características antes
pertencentes apenas ao Estado13. Um exemplo disso é o financiamento de algumas
ONGs que advém de governos nacionais que as utilizam para promover os interesses
do país: à exemplo do que argumenta Hirsch, elas são financiadas por governos que,
por exemplo, corroboram com o Estado em questões de suporte para intervenções
humanitárias e militares.

12
CASTELLS, 2002, p. 158
13
“In a way NGOS indicate how formally private organizations take on the characteristics of a
state or how organs of the state become ‘privatized’”. HIRSCH, 2003, p. 8.

17
Dessa forma, pode-se afirmar que o termo ONGs é generalista e vago, pois,
além de não refletir as articulações com o Estado, na prática essas organizações
possuem inúmeras formas de atuação e organização. Contudo, apesar dessas
dificuldades para definir o que são14, não se pode deixar de levar em conta a
significante participação na definição e atuação em problemas sociais e ambientais
realizadas por elas.
Sem a pretensão de negar o Estado-nação, que é uma importante unidade de
centralização e decisão política, social e econômica, pode-se afirmar que ele passa por
uma redefinição, sendo que as ONGs assumem um papel de grande relevância: elas
influem em certos planejamentos de negociação política; representam interesses
daqueles setores sociais que antes não possuíam acesso as instituições de decisão;
monitoram as negociações; etc.
Afora isso, sabendo que as ONGs são um tipo de instituição que necessita
manter-se economicamente, muitas vezes, há uma tensão em relação aos propósitos
particulares dessa organização e os relacionados aos ideais humanistas. Além disso,
elas estão internacionalmente organizadas de forma hierárquica, em que aquelas
ONGs originárias de países do Norte são muito melhor equipadas tecnológica e
financeiramente do que as do Sul, o que leva a melhor eficiência e persuasão por meio
do “capital cultural” das organizações oriundas de países ricos mesmo em território
dos países subdesenvolvidos, que também possam ter suas próprias organizações não
governamentais nacionais.
Em relação às demandas sobre o meio ambiente, economia e outros dentro da
Amazônia, a “expertização”, sendo definida como a mobilização do conhecimento
técnico que está em grande parte em posse das ONGs - dados o conhecimento
científico e o suporte de recursos financeiros que essas possuem - vem assumindo
grande peso nos processos decisórios, como coloca o professor Marcelo Sampaio
Carneiro15. Dessa forma, essas organizações não-governamentais passam a ter grande
legitimidade e influência nas questões que envolvem a floresta amazônica.

14
Existem aquelas que são conhecidas por serem ambientalistas e socioambientalistas, como o
Greenpeace, o Instituto Socioambiental e o Projeto Saúde e Alegria; há outras que podem ser
classificadas como militantes, atuantes em causas bem definidas e com a função claramente política.
15
Cf. CARNEIRO, 2006.

18
Entretanto, o monopólio científico e a crescente importância que esse
conhecimento vem assumindo para a tomada de decisões geram uma exclusão dos
indivíduos que não possuem essa especialização técnica, como é o caso de
seringueiros, alguns índios, famílias de agricultores e outros. Tal situação afirma como
as ONGs podem encontrar-se afastadas de movimentos sociais, valorizando menos a
representação de tais grupos.
Em vista dessas análises, percebe-se que as organizações tidas como não-
governamentais são atores que fazem parte da estrutura organizacional dos Estados,
os quais também acabam por meio dessas a se diferenciarem em níveis de ação
regional e internacional. Contudo, não se pode deixar de reconhecer que os Estados
ainda são atores chaves no sistema internacional e podem subordinar, nacionalmente,
as ONGs – nem que em última instância seja usado para isso seu poderio militar, dada
a legitimidade do uso da força do Estado.
Enfim, sabendo que as ONGs são atores dentro da Amazônia, a preocupação
não deve circunscrever a questão da soberania do Brasil, pois é esta a unidade com
poderes plenos sobre o território nacional e legitimidade do uso da força para
subordinar todas as outras esferas sociais, sendo elas econômicas e tantas mais. A
problemática, portanto, situa-se em relação ao conhecimento científico que as ONGs
possuem e por meio desses, visto a necessidades de técnicos para as tomadas de
decisão, acabam por ter primazia dentro do governo em detrimento de outros
movimentos sociais que não estão representados por essas organizações e podem
acabar por ter suas demandas não atendidas.

5. Considerações finais
A Amazônia Legal, por ser um território de grande diversidade e recursos
estratégicos, também atrela a si inúmeros sujeitos que se tornam atores para
reivindicar seus interesses e necessidades que a floresta amazônica pôde e vem
propiciando, seja para grupos internacionais, nacionais ou regionais que buscam
representação política, social e econômica perante o Estado brasileiro e instituições
internacionais.

19
Os índios, ambientalistas e ONGs ganharam maior espaço na participação
pública, o que foi resultado de uma transformação decorrente de um processo
histórico em que o Estado e o sistema internacional foram se moldando e ao mesmo
tempo criando condições para essa “rede” de ações transnacionais desses atores.
Assim, os índios, ambientalistas, ONGs e até mesmo o Estado e a estrutura em que se
pauta a organização do sistema internacional não deixam de ser objetos e sujeitos, ou
melhor, atores pertinentes diante das inúmeras necessidades e vontades que resultam
dessa amalgama de agentes; porém, no que diz respeito ao Estado-nação, a este não
foi retirado sua qualidade de soberano, embora esta se encontre relativizada por essa
rede de interesses transnacionais: o Estado brasileiro ainda é um árbitro importante
pois atua nas diferentes esferas, sejam elas para aceitação ou reprovação das
reivindicações de grupos indígenas e ambientalistas ou atuações de uma ONG nacional
e internacional.

6. Referências Bibliográficas

CARNEIRO, Marcelo Sampaio. ONGs, expertise e o mercado do desenvolvimento


sustentável: a certificação florestal na Amazônia brasileira. In: Novos Cadernos
NAEA v. 9, n. 1, p. 131-160, jun. 2006. Disponível em: <www.naea-ufpa.org>
Acessado 29/08/2008.

CASTELLS, M. O “verdejar” do ser: o movimento ambientalista. In. O Poder da


Identidade. 2. Ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002. pp. 141.

COIAB. Quem Somos 10/12/2008 Coordenação das Organizações Indígenas da


Amazônia Brasileira, Coiab. Disponível em:< www.coiab.com.br > Acessado em:
10/12/2008.

COSTA, Luciana Miranda. “A formação do campo ambiental: um resgate histórico


do contexto nacional e amazônico”. Revista Tempo da Ciência, 2005 p. 161
Disponível em:

20
<http://200.201.8.27/index.php/tempodaciencia/article/viewFile/439/354>
Acessado em: 11/09/08

EFE de Madri, Índios de Roraima vão à Europa para reivindicar direitos sobre suas
terras. Folha de São Paulo, São Paulo, 18 de junho de 2008. Disponível em:
www.folha.com.br Acessado em: 08/07/2008.

GREENPEACE Brasil. Disponível em: <www.greenpeace.org/brasil> Acessado em:


27/07/2008.

HIRSCH, Joachim. The State’s New Clothes NGOS and the Internationalization of
States. In: Política y Cultura, otoño 2003, núm. 20, p. 7-25.

INFORMATIVO Trocano – Boletim Informativo Coiab Trimestral, ano 3 n° 01 de


2008. pág. 3.

“PATENTES avançam em emergentes e caem no Brasil”. BBC Brasil 10 de agosto de


2007. Disponível em: <www.bbcbrasil.com.br> Acessado em: 18/07/2008.
<http://200.201.8.27/index.php/tempodaciencia/article/viewFile/439/354>
Acessado em: 11/09/08.

PERES, Leandra; CRUZ, Valdo. Sem projetos para florestas, país deixa de usar US$
125 mi, Folha de São Paulo, São Paulo 30 de junho de 2008. Disponível em:
<www.folha.com.br> Acessado em: 09/07/2008.

SANTOS, Sílvio Coelho. Direitos Humanos e os direitos dos povos indígenas no


Brasil. In. Ilha: Revista de Antropologia, vol 7 n° 1, 2005. Disponível em:
<http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/ilha/article/view/1561/1357> Acessado
em: 08/07/2008.

21
AMBIENTALISMO E A ATUAÇÃO DAS ONGS NA AMAZÔNIA

Débora Oska
Orientação: Érika Laurinda Amusquivar

1. Introdução
A atual discussão acerca da internacionalização da Amazônia e o modo com
que esta sofre influência de grupos de interesses faz com que tenhamos de focar o
debate em quais são esses grupos de interesse, qual a forma com que o Estado lida
com estes e quais as formas com que a Amazônia é gerida pelo mesmo. E para tanto,
torna-se imprescindível compreender o real papel dos movimentos e discursos
ambientalistas que atuam na região, principalmente daqueles organizados sob a forma
de Organizações Não-Governamentais (ONGs).

A principal problemática levantada pela atuação do movimento ambientalista


na Amazônia relaciona-se ao problema de que as ONGs seriam responsáveis pela
perda de soberania por parte do Estado brasileiro e de que este deveria repelir essas
organizações. O motivo dessa acusação seria a de que as ONGs, por meio do discurso
ambientalista, na verdade encobririam interesses econômicos na Amazônia
relacionados com a extração e transferência de recursos biológicos estratégicos para o
exterior, trazendo limitações ao potencial de desenvolvimento do Brasil.

Nosso objetivo nesse artigo é, pois, o de discutir a formação do movimento e


do discurso ambientalista no mundo e no Brasil, de modo a problematizar seu papel na
região amazônica. Faremos isso primeiramente apresentando duas principais
concepções ambientalistas, a preservacionista e a conservacionista através da
formação do Direito Internacional do Meio Ambiente e do ambientalismo no Brasil.
Em um segundo momento, trataremos de analisar a atuação das ONGs ambientalistas
na região em relação à tese de vácuo de poder deixado pelo Estado na região e da

22
questão da soberania brasileira em um período em que os Estados passam a ser cada
vez mais amarrados por uma normatização internacional referente a questões
ambientais.

2. Formas de Ambientalismo a partir da formação do Direito


Internacional do Meio Ambiente
Ao se estudar os impactos do ambientalismo nas questões cruciais da agenda
internacional, é conveniente primeiramente perguntar se é possível tratar do
ambientalismo como um novo fenômeno. Isso porque muito embora a preocupação
com a conservação ambiental exista há mais de dois séculos, tal preocupação não
estava estruturada em concepções balizadoras, de modo a consolidar o ambientalismo
como um movimento articulado em termos de objetivos e ações políticas. O que nos
leva a constatar tal fenômeno como novo, haja visto que somente nas últimas décadas
do século XX tomou corpo, quando deixou de circunscrever-se a interesses localizados
e passou a interessar grupos sociais inteiros.

O estudo da formação do Direito Internacional do Meio Ambiente (DIMA) nos


mostra como o comportamento dos Estados em relação à causa ambiental foi se
modificando, culminando na formação de uma gestão voltada para a perspectiva dos
limites de regeneração da natureza. Entretanto, consolida-se no interior do DIMA um
debate que se polariza em duas abordagens, no que tange à amplitude desses limites,
a saber, o preservacionismo e o conservacionismo, conceitos que vão se formando ao
longo do tempo e que, paralelamente, vão ganhando força, se intercalando e
intercambiando. O termo preservação traz incutido em si a idéia de não explorar e
consumir os recursos naturais, independentemente do valor que possam produzir na
economia. Já a conservação pressupõe uma espécie de “ambientalismo auto-
sustentado” que nada mais é do que a continuidade da exploração em função de
interesses pré-determinados, massivamente sob uma ótica econômica, mas com a
diferença de que os interesses econômicos são conjugados com a renovação dos
recursos explorados. Esse é um debate crucial, pois a escolha da abordagem determina

23
o tipo de política ambiental a ser implementada pelos Estados. Veremos mais adiante
como esse debate repercute nas políticas para a Amazônia em relação à evolução das
diretrizes econômicas para o uso dos recursos ambientais amazônicos.

A formação histórica do DIMA é marcada por esse debate e se constitui por


quatro fases, as quais demarcam como o movimento ambientalista ganhou força. A
primeira se inicia ainda no século XIX, quando a utilização dos recursos naturais, que
eram aproveitados de forma extensiva e não planejada durante a Idade Média,
começa a exceder a regeneração natural no processo de Revolução Industrial.
Somando-se isso ao êxodo rural e à demanda que se formava nos grandes centros,
nota-se que problemas coletivos se deparam com um Estado sem estrutura para lidar
com tais problemas provenientes do processo produtivo. Nesta fase surge então a
preocupação com o esgotamento das matérias-primas enquanto os Estados passam a
adotar políticas de maior disciplinamento da economia. Sendo assim, a preocupação
estava diretamente ligada a motivos estritamente econômicos, referentes ao possível
estrangulamento econômico causado pelo esgotamento das matérias-primas,
enquanto a percepção de proteção ao meio ambiente em si ainda é inexistente. Esta
primeira etapa, conhecida como utilitarista, tem seu término com a fundação da ONU,
a qual possui algumas organizações que incluem indiretamente a questão do
esgotamento do meio natural. Um exemplo seria a UNESCO, que tem por objetivo
preservar o patrimônio da humanidade.

A segunda etapa, por sua vez, inicia um processo de institucionalização do


direito ambiental. Essa fase tem a poluição como a agenda principal das políticas,
mudando então o foco do problema ambiental, antes voltado para a escassez de
matérias-primas utilizadas no desenvolvimento produtivo. Entretanto, neste período
de desenvolvimento do chamado “Direito Cinza”, a abordagem também não se refere
à conscientização de um problema coletivo de gestão ambiental, mas sim, apenas um
combate ou diminuição de um problema colateral já existente. Outro fator importante
para a modificação na estrutura do movimento ambientalista nesse período consiste
nos movimentos de descolonização. Tal fato impõe a questão da gestão soberana dos
recursos naturais como uma forma de consolidação dos novos Estados nacionais. É

24
nesse sentido que as discussões na ONU acerca de desenvolvimento16, poluição e meio
ambiente ganham força e se tornam um marco no Direito Ambiental.

A Conferência de Estocolmo é o marco para a mudança de uma perspectiva dos


interesses individuais passando para o interesse de grupos, iniciando assim a terceira
etapa. Um dos principais resultados da Conferência foi o estabelecimento de um
conceito de meio ambiente17, sistematizando e organizando o pensamento
ambientalista até então. Isso ocorre através da sua Declaração de Princípios
(Declaração de Estocolmo), a qual concerne à junção da perspectiva de meio ambiente
com a de direitos humanos, gerando um documento pleno na defesa dos direitos
fundamentais. Estocolmo traz à discussão, assim, o papel da raça humana como um
todo em relação ao meio ambiente e a caracteriza como a principal causadora e, ao
mesmo tempo, principal vítima dos problemas decorrentes da exploração dos recursos
naturais em função de uma lógica econômica. Dessa forma, passa-se a pensar sob uma
perspectiva mais global do meio ambiente em relação à qualidade de vida. Após
Estocolmo, o “Direito Cinza” se transforma então em “Direito Verde”. Ao longo das
décadas subseqüentes, o fenômeno cresceu em adesão popular, essencialmente
através de outro fenômeno novo, a proliferação das Organizações Não-
Governamentais, as quais têm papel fundamental ao introduzir a idéia de
preservacionismo18.

A quarta fase tem início com o Eco- Rio em 1992, por conta de uma inovação na
percepção do conceito de meio ambiente em relação àquele definido na Conferência
de Estocolmo. As diferenças entre preservação e conservação do meio ambiente e,
conseqüentemente, entre os movimentos preservacionista e conservacionista ganham
maior distinção e o debate se acirra na Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento. A partir desta conferência estabeleceu-se a concepçã
de que a preservação do meio ambiente está conectada ao desenvolvimento e,
portanto, é possível pensar no meio ambiente submetido ao desenvolvimento.

16
Conectando duas questões fundamentais de desempenho do desenvolvimento e da poluição e
o meio ambiente, temos as resoluções da Assembléia Geral neste período, as quais se remeteram à
autodeterminação dos povos, repúdio ao colonialismo e, em 1969, reconhecem a soberania integral dos
Estados sobre os seus recursos, um marco para o Direito Ambiental.
17
Anteriormente era utilizado apenas o termo “natureza”.

25
3. O ambientalismo no Brasil
No Brasil, o movimento ambientalista tomou corpo na década de 1970 a partir
da interação entre os contextos interno e externo em relação ao Brasil. De modo a
compreender como as transformações no DIMA e nas abordagens ambientalistas
afetaram a conformação do movimento ambientalista no Brasil, enfocaremos como
esse movimento surge a partir de mudanças formais e informais no ambiente político,
através de três formas: a) aumento da permeabilidade das reivindicações da sociedade
por meio dos órgãos políticos e administrativos devido a crises de poder; b) mudanças
no estilo do Estado atuar junto a movimentos sociais e c) presença de aliados
potenciais, como partidos políticos, movimentos sociais, elites dissidentes19.

Isso posto, as forças que atuaram no sentido de permitir uma maior confluência
dos movimentos ambientais no Brasil podem ser consideradas as seguintes:
internamente, o processo de redemocratização, a qual abriu vias de mobilização
política; e externamente, a própria Conferência de Estocolmo, cujo impacto foi uma
discussão nacional sobre a questão ambiental no Brasil, abrindo caminho para
associações diversas. O processo de redemocratização também foi o responsável pela
amplitude do movimento conservacionista no Brasil, posto que trouxe maior liberdade
de discussão em questões de interesse público como o ambientalismo para a
sociedade

O ambientalismo no Brasil é formado por três ciclos de protesto20: pela


redemocratização, da Constituinte e a Rio-92. Dentre os protestos pela
redemocratização temos a Campanha em Defesa da Amazônia, ocorrida em 1978, e
que fazia oposição ao objetivo do governo brasileiro de criar contratos de exploração
da floresta amazônica, o que ínsita a discussão entre uma perspectiva de pura
preservação da região amazônica e a de alinhamento dos interesses econômicos com a
conscientização ambiental. A campanha, realizada por ambientalistas e com apoio do

18
Ponto retomado adiante.
19
Cf. ALONSO; COSTA; MACIEL, 2007..
20
Idem.

26
MDB, englobou 13 estados mais o Distrito Federal. Já a movimentação ambientalista
em torno das eleições constituintes significou maior união dentre as perspectivas
ambientalistas de conservacionismo e preservacionismo com o intuito de defenderem
juntos ao movimento ambientalista, além de permitir a aparição de partidos voltados
para esta causa. Por fim, o protesto do Rio-92 marcou a prevalência do
conservacionismo e sua proposta de desenvolvimento “auto-sustentado”. Além disso,
o embate entre as duas perspectivas trouxe o englobamento das questões indígenas e
das populações tradicionais.

Quanto a ação de ONGs pertencentes a cada grupo em especial, na região


Norte do país observa-se uma atividade prevalentemente conservacionista, tomando
por base o total de projetos relacionados ao preservacionismo e ao conservacionismo
no decorrer da década de 90. Foram executados 29 projetos de orientação
conservacionista em contraposição a 11 voltados para o preservacionismo, o qual é
mais intenso em regiões mais industrializadas como o sul e o sudeste21. Já sob a
perspectiva do Estado brasileiro podemos perceber que as políticas atuais giram em
torno de uma mistura entre os dois movimentos. A iniciativa de instituir uma Polícia
Ambiental Federal bem como a promoção do acordo com a Noruega de diminuição do
desmatamento da floresta Amazônica dão sinais de políticas ambientais voltadas para
o preservacionismo. Entretanto, com o potencial de pesquisa da região amazônica, os
projetos voltados para o desenvolvimento da região são cada vez mais implementados
e a tendência é de que continuem numa orientação conservacionista.

4. Intervenção Ambientalista e Internacionalização da


Amazônia

21
Cf. ALEXANDRE, 2005

27
A formação das perspectivas conservacionista e preservacionista é importante
para a compreensão da evolução do pensamento ambientalista e sua ligação na
relação entre o meio ambiente e os interesses econômicos. Tendo em vista que a
Amazônia é uma região muito rica seja como banco genético, fonte de material para
biotecnologia e reserva de materiais estratégicos, entre outros, sempre houve a
perspectiva de que os interesses na região fosse com seu potencial de valorização
econômica.

Dentro do movimento ambientalista as Organizações Não-Governamentais


podem ser consideradas os agentes que mais promovem discussão acerca do meio
ambiente, além de serem ativos na promoção da conscientização ambiental na
sociedade, introduzindo a perspectiva preservacionista e contribuindo para que o
pensamento conservacionista não seja perdido numa discussão estritamente
econômica. Entretanto, existem três principais discussões acerca do papel das ONGs.
Uma delas gira em torno da disseminação por meio da mídia de que as ONGs seriam
apenas um instrumento de países desenvolvidos para obterem ganhos econômicos
com recursos da região. Uma outra problemática seria na forma como as ONGs fazem
sua intervenção ativa na Amazônia, atuando onde existe um vácuo de poder do
Estado, tendo, conseqüentemente, um papel de destaque na região, suscitando a
discussão acerca do futuro da soberania do Estado brasileiro na Amazônia. Uma
terceira perspectiva é uma somatória das outras duas, culminando no debate sobre a
possibilidade de internacionalização da Amazônia ou não.

Desse modo, as ONGs sempre estiveram sob vigilância do Estado, através de


operações como a ‘Poseidon’22 e forças-tarefa. A imprensa também auxilia nesse
enfoque, fazendo contraposições entre o Estado e as ONGs. Não obstante, esse debate
midiático tem distorcido a questão e dificultado uma compreensão mais realista da
atuação, interesses e estratégias dessas organizações ao polarizar a discussão: ou
tratam as ONGs, por um lado, como mais eficientes – e portanto, substitutas – da ação
social do Estado; e por outro, tratadas como meras defensoras de interesses externos

22
Cf. SOUZA, 2001.

28
na Amazônia, além da visão também de serem fragmentadoras da soberania brasileira
na região23.

Uma das mais conhecidas ONGs, o Greenpeace, articula uma perspectiva dessa
discussão acerca da soberania brasileira em relação a Amazônia:

Segundo a Convenção sobre Diversidade Biológica ou


CDB (Convention of Biological Diversity), os recursos genéticos
de biodiversidade pertencem ao país que detém a soberania
sobre o território que ocupam, e que estes países podem
explorar esta biodiversidade desde que preservem seu equilíbrio
e integridade. No entanto, não é isto que vem acontecendo com
a Amazônia brasileira. (...) O maior problema é a ausência do
Estado na região amazônica, tornando essa imensa área uma
terra sem lei. Quase não há fiscais para proteger nossa floresta.
A verdadeira soberania só será alcançada com a atuação
efetiva do governo para garantir os direitos humanos das
comunidades tradicionais e povos indígenas, a aplicação das
leis florestais e ambientais e a implementação das áreas
protegidas como parques e reservas.”24

Observa-se que o termo soberania é muito utilizado neste discurso e reflete


uma parte de um pensamento muito disseminado de que se o Estado brasileiro não
oferece condições para que a Amazônia continue com o seu status de grande reserva,
logo, não deveria possuir o direito de deter soberania sob o local. Essa questão sobre a
soberania nacional na Amazônia leva o Estado a criar programas como o Calha Norte,
que visa aumentar a presença estatal no extremo norte do país que faz fronteira com
Colômbia, Venezuela, Guiana e Suriname e essa presença estatal estaria disposta de
modo a oferecer condições de desenvolvimento para a área.

23
Cf. SILVA,. 2006.
24
GREENPEACE, 2005.

29
A forma com que as ONGs ambientalistas são observadas através da mídia faz
com que a população em geral não consiga distinguir entre organizações realmente
sérias em termos de proteção do meio ambiente e as que tentam usufruir
economicamente de alguma forma das benesses da região, através da transferência
ilegal de material biológico para estudos, por exemplo.

A intervenção ambientalista na Amazônia nos leva, assim, a questão da


internacionalização da Amazônia, a qual é um fenômeno pouco definido quando se
fala das ONGs, como se estas fossem agentes ativos nesse processo por serem
representantes de países desenvolvidos interessados economicamente na Amazônia.
Entretanto, as próprias ONGs reconhecem que existem agentes não interessados com
o cuidado para com a região e que podem contribuir para o que chamam de
internacionalização da Amazônia:

“Não acreditamos na tal chamada internacionalização


da Amazônia. Além disso, tal conceito não existe tampouco no
âmbito do Direito Internacional Público.(...) Apesar de os meios
de comunicação constantemente se ocuparem com tal
discussão, ela é absurda e equivocada. Nenhuma organização
internacional (...) jamais reivindicou a "internacionalização" da
Amazônia - entendendo por isto a perda de soberania, por
parte do governo brasileiro, sobre aquela faixa do território,
para tal organização ou conjunto delas.25

Entretanto, para o Greenpeace, há a manifestação de que o Estado brasileiro


supostamente não teria o direito de explorar a biodiversidade da floresta amazônica
por não preservar o equilíbrio e integridade da biodiversidade da região por ser um
Estado ausente. Um problema decorrente seria o que eles chamam de
internacionalização dos recursos da Amazônia, alimentada conjuntamente por grupos
que desejam obter lucros com recursos da Amazônia e a falta da presença do Estado
na região. Porém, há sim uma internacionalização da Amazônia sobre a qual podemos
falar. Trata-se da internacionalização dos recursos da Amazônia. Grandes áreas de

25
Idem.

30
floresta são vendidas a empresas multinacionais ou a maior parte dos recursos
extraídos de forma predatória da floresta abastece o mercado externo sem
representar ganhos reais para o desenvolvimento da região e do País.

5. Considerações Finais
Com o aumento da significância das ONGs para a sociedade e, neste caso, na
Amazônia, começou-se a questionar o seu papel e o poder de intervenção na região,
por uma perspectiva de que muitas das ONGs atuantes na região amazônica são
apenas ferramentas de países desenvolvidos em busca de benefícios através de
pesquisas. Com isso, gera-se também a discussão de qual a relevância da atuação das
ONGs na região amazônica em detrimento da soberania nacional, num direcionamento
para uma internacionalização da Amazônia.

Entretanto, o movimento ambientalista, disseminado pelas ONGs, apesar de


por vezes atuarem em atividades que seriam estritamente do Estado, não possuem
força política para agirem de forma a dissolver a soberania interna do país sobre a
região Amazônica. Ainda que algumas26 ONGs não estejam realmente voltadas para a
causa ambientalista, mas sim para interesses de países desenvolvidos na região
amazônica, as ONGs apenas teriam o poder de diminuir a prevalência brasileira em
relação a pesquisa.

6. Referências Bibliográficas
ALEXANDRE, Agripa Faria, O papel dos atores sociais do ambientalismo na
reorganização das políticas públicas do Estado brasileiro. Civitas- Revista de Ciências
Sociais v. 5. n. 1, jan.-jun. 2005 Disponível em: <
http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/civitas/article/view/39/1611> Acesso em:
16/12/2008

26
É importante frisar que são apenas algumas ONGs que não tem um compromisso sério com a
região.

31
ALONSO, Ângela, COSTA, Valeriano, MACIEL, Débora. Identidade e estratégia na
formação do movimento ambientalista brasileiro. Novos Estudos-CEBRAP no.79 São
Paulo Nov. 2007. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
33002007000300008&lng=en&nrm=iso> Acesso em: 12/12/2008.

GREENPEACE Brasil. Disponível em: <http://www.greenpeace.org/brasil/tire-suas-


duvidas/campanhas/amazonia#4>. Acesso em: 05 de dezembro de 2008.

SILVA, Gilberto O ambientalismo tardio: a Amazônia como temática ambiental no


jornalismo impresso paulista. Faculdade Cásper Líbero. SP. 2006 Disponível em:
<http://www.facasper.com.br/pos/mestrado/pdf/gilberto_da_silva_o_ambientalismo
_tardio.pdf> . Acesso em: 12/12/2008.

SOUZA, Josias Exército usa Amazônia como pretexto para espionar ONG. Folha Online.
16 de agosto de 2001. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u23585.shtml>. Acesso em:
05/12/2008.

32
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

BIOPIRATARIA E A QUESTÃO DA NORMATIVIDADE DOS


PROBLEMAS AMAZÔNICOS

Lívia Maria Rufini


Orientação: Érika Laurinda Amusquivar

1. Introdução
O Estado brasileiro vem enfrentando muitos problemas com relação às políticas
para melhor aproveitar toda a sua riqueza em fauna e flora, particularmente no que
tange ao combate à biopirataria. Contudo, esse fenômeno se tornou uma real ameaça
a partir do último século, quando a transferência ilícita de recursos naturais de um país
para outro passa a levantar questões sobre as limitações da soberania do Estado que
detém tais recursos. O presente trabalho procura analisar melhor qual é a
problemática envolvendo biopirataria, porque ela seria considerada uma nova ameaça
ao Estado brasileiro e entender porque ela ainda não possui uma solução concreta.

Novos fenômenos na Amazônia emergem concomitantemente à busca de se


entender a região; tais fenômenos, por não possuírem uma definição imediata, são
vistas pelo Estado como ameaças à região amazônica. Tal indefinição é, antes de tudo,
oriunda de duas concepções sobre a Amazônia: uma delas é de um mercado promissor
e inexplorado de espécies de fauna e flora; e a outra de que a região deve ser
preservada. A primeira visão corresponde ao entendimento da região amazônica como
uma “economia potencial” que possibilitaria a transferência e o estudo de genes e
biomas amazônicos, visando com isso ampliar o conhecimento dos recursos e
benefícios existentes no mundo como no de medicamentos, por exemplo. A segunda
visão corresponde ao objetivo dos ambientalistas e de ONGs (nacionais e
internacionais) que visam proteger a região, evitando o seu desmatamento e a

33
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

transferência ilegal de genes e biomas para outros lugares. Essa última visão tem como
estrito objetivo preservar a fauna e flora amazônica.

Como a região possui uma grande biodiversidade, muitos países e empresas


transnacionais – farmacêuticas, de cosméticos, alimentícias e entre outras - se voltam
para a região com o intuito de explorá-la e conseguir transformá-las, pelas pesquisas
realizadas na região, em recursos estratégicos. Para o Estado brasileiro, tal interesse
pode ser considerado como uma ameaça à soberania do país. Isso porque é necessário
diferenciar a exploração desses recursos por países e empresas transnacionais no
marco do ordenamento jurídico brasileiro, por meio do qual o Estado pode impor
limites bem como angariar vantagens dessas relações econômicas; de uma exploração
que recorre a meios ilícitos de exploração espécies nativas da floresta.

2. As definições de biopirataria

Não há, entretanto, como afirmar, com exatidão, que todas as informações e
espécies que saem do país sejam uma forma de biopirataria, pois não existe
atualmente uma definição padrão do fenômeno. Assim, devido a essa falta de padrão
pré-determinado, cada ator tem a sua visão e entendimento do que se compreende
por biopirataria, o que dificulta enquadrar essas ações em termos de legais e ilegais, o
que por sua vez, reduz significativamente a capacidade de controle e efetividade das
sanções. Logo, por causa dessas diferentes visões, surgem lacunas nas leis brasileiras
de proteção à Amazônia, permitindo o avanço da biopirataria. De acordo com a CIPR
(Comissão sobre direitos de propriedade intelectual), não existe uma “definição
padrão” sobre o tema biopirataria, contudo, de uma maneira mais genérica, esse novo
fenômeno se caracteriza pela apropriação dos conhecimentos e de recursos genéticos
da região por instituições que visam o monopólio desses recursos e conhecimentos.

A partir dessa explicação genérica, as outras definições variam seguindo


aproximadamente os mesmos padrões, como o exemplo da determinação do Instituto
Brasileiro de Direito do Comércio Internacional, da Tecnologia da Informação e
Desenvolvimento (CII TED) que entende a biopirataria pela seguinte visão:

34
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

“Biopirataria consiste no ato de aceder a ou transferir recurso genético (animal ou


vegetal) e/ou conhecimento tradicional associado à biodiversidade, sem a expressa
autorização do Estado de onde fora extraído o recurso ou da comunidade tradicional
que desenvolveu e manteve determinado conhecimento ao longo dos tempos (prática
esta que infringe as disposições vinculantes da Convenção das Organizações das
Nações Unidas sobre Diversidade Biológica).

A biopirataria envolve ainda a não-repartição justa e eqüitativa - entre Estados,


corporações e comunidades tradicionais - dos recursos advindos da exploração
comercial ou não dos recursos e conhecimentos transferidos.”27; da Convenção sobre
Diversidade Biológica de 1992 em que “a biopirataria pode ser conceituada como a
exploração, manipulação, exportação de recursos biológicos, com fins comerciais, em
contrariedade às normas da Convenção sobre Diversidade Biológica, de 1992,
promulgada pelo Decreto n.º 2.519/1998.”28; e do relatório da CPI da Biopirataria
(2006, p.11) “que menciona a biopirataria como o acesso ao patrimônio genético e ao
conhecimento tradicional associado”29. Também existem visões jurídicas atreladas aos
tratados internacionais a atividade que envolve o acesso aos recursos genéticos de um
determinado país ou aos conhecimentos tradicionais associados a tais recursos
genéticos (ou a ambos) sem o respeito aos princípios da Conversão da Biodiversidade,
isto é, sem autorização do país de origem e de suas comunidades locais e a repartição
de benefícios”30.

Uma ressalva é que mesmo não existindo uma determinação padrão para
caracterizar o fenômeno, não é possível afirmar a existência de uma definição correta
e outra errada, haja visto que cada uma delas representa uma visão diferente e por
isso devem ser consideradas na análise. Entretanto, é necessário enfatizar que ao se
considerar várias definições diferentes, surgem grandes dificuldades quanto à punição
contra os atos de biopirataria. As sanções para punir os infratores acabam por serem
muito vagas, pois têm que abranger todas as definições do termo. Devido a esse fato

27
BIOPIRATARIA.ORG, 2008.
28
“O CONTROLE e a repressão...”, 2008.
29
Idem.
30
SANTINI, 2005. op.cit. “O CONTROLE e a repressão...”, 2008.

35
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

surgem várias brechas entre as leis ambientais brasileiras, impossibilitando a criação


de leis mais eficientes no sentido de conseguir evitar a transferência ilegal dos recursos
biológicos da Amazônia para outros lugares. Assim, de acordo com o cientista Enio
Candotti, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), as leis
brasileiras que deveriam proteger nossos biomas, especialmente a região amazônica
são “excessivas, vagas demais, outorgam um poder exagerado a autoridades que não
possuem nenhum conhecimento científico e sempre partem do pressuposto de que
todo cientista está envolvido em biopirataria31”. Outro problema que também surge
devido a essa falta de definição é a existência de fortes influências de outros Estados,
empresas transnacionais e organizações, fazendo com que a interpretação correta dos
fenômenos acabe sendo influenciada pela subjetividade das opiniões dos atores
envolvidos. Logo, a problemática se encontra na dificuldade de se determinar
exatamente o que seria um ato de biopirataria.

3. O problema da normatividade da exploração dos recursos


ambientais

Pelo fato da Amazônia ser um local com uma grande diversidade de fauna e
flora, muitas empresas transnacionais de vários setores, pesquisadores estrangeiros e
ONGs são atraídos para a região com o intuito de realizar pesquisas que se iniciam no
Brasil, através da coleta do material a ser analisado, e terminam nos laboratórios das
grandes transnacionais farmacêuticas, por exemplo, se tornando produtos que serão
vendidos a todo o mundo, incluindo o país origem da matéria-prima32. Em alguns casos
essas empresas recebem ajuda de ONGs que atuam na região para conseguir acesso
aos conhecimentos e recursos naturais, como foi o caso da CCPY (Comissão Pró-
Yanomami), que foi acusada de passar os conhecimentos indígenas à empresa
americana que trabalha no ramo de remédios, Shaman Pharmaceuticals, em troca de

31
“PARANÓIA antibiopirataria...”, 2008.
32
Deve-se lembrar que a biopirataria não se restringe apenas a transferência de genes, mas
também de animais como araras-azul e algumas espécies de insetos. Os lucros com a venda de tais
animais pode variar entre 8.000 – 60.000 dólares no mercado internacional. Cf. “BIOPIRATARIA:
crueldade...”, 2008.

36
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

assistência médica e dinheiro; e da ONG estadunidense ACT (Amazon Conservation


Team) que passava conhecimentos indígenas sobre plantas e animais para laboratórios
estrangeiros33.

Logo, a dúvida fica em como impedir que atos como esses continuem
acontecendo, já que os recursos existentes naquela região são do seu país de origem,
ou seja, que não devem ser retirados sem o consentimento do governo brasileiro ou
de algum órgão responsável pela proteção da região amazônica. Dessa forma, pode-se
dizer que o problema da biopirataria na Amazônia ganha um caráter nacional, pois
envolve a questão a soberania do Brasil exercida em seu território, ou seja, de acordo
com o relatório desenvolvido pelo Grupo de Trabalho da Amazônia (GTAM) e
coordenado pela ABIN (Agência Brasileira de Inteligência Nacional) em 2005 e 2006, as
ONGs, principalmente as controladas por governos estrangeiros, estão conquistando
cada vez mais influência entre os indígenas e conseguem com isso benefícios - como
acesso a conhecimentos tradicionais e plantas naturais da região - sem que o governo
brasileiro tenha conhecimento34. Segundo o coronel Gélio Fregapani, coordenador do
GTAM e representante da ABIN “se nós não ocuparmos a Amazônia, alguém a ocupará.
Nós somos brasileiros, então devemos ocupá-la35”. O relatório também denuncia que
os problemas indígenas encobrem sobretudo os atos de biopirataria feitos pelas ONGs
e para continuar agindo na região elas acabam por inibir ações do Estado Brasileiro,
visando os interesses de seus países.

4. Considerações Finais

Assim, pode-se afirmar que a biopirataria é um novo fenômeno em expansão


pelo país, pois por não possuir uma definição padrão e sofrer tantas influências
externas, continua-se tendo um amplo campo de atividade no Brasil sem que exista
alguma medida eficaz, até o momento da análise, para barrá-la. As sanções nesse
sentido são ineficazes, já que não há uma determinação única da infração e qualquer

33
“ONGs são investigadas...”, 2008.
34
“ABIN denuncia...”, 2008.
35
Idem.

37
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

medida criada para a punição dos infratores não serviria para todos os casos, tornando
necessárias novas medidas até que todas as lacunas existentes nas leis fossem
protegidas por sanções. Também existe a distância entre o governo e a região
amazônica, como foi exemplificado pela fala do coronel Gélio Fregapani, que acaba
sendo mais um modo dessa atividade ilícita se expandir.

Dessa forma, pode-se dizer que o país se mantém em uma posição de


“análise” e não em uma posição concretamente ofensiva, pois o conflito não possui
uma significação única e aceita por todos os envolvidos. Dessa forma, sem conseguir
impedir de uma maneira eficaz e definitiva a atuação dos atores internacionais - que
vão para a Amazônia para extrair sua riqueza natural - o Estado brasileiro tenta, a
partir da criação de novas leis e de ações - que visam proteger e preservar a região -
impedir que ilegalidade acabe se fixando e tome o lugar do Estado na conquista da
confiança indígena, conseguindo com isso dominar a região Amazônica.

5. Referências Bibliográficas

“ABIN denuncia que ONGs estrangeiras ameaçam soberania da Amazônia”. CUT –


Portal do Mundo do Trabalho Disponível em:
<http://www.cut.org.br/site/start.cut?infoid=7769&sid=22>. Acesso em: 07 ago. 2008.

“BIOPIRATARIA: crueldade e ousadia”. Mundo Jovem Disponível em:


<http://www.mundojovem.com.br/artigo-biopirataria.php>. Acesso em: 20 out. 2008.

BIOPIRATARIA.ORG. Disponível em: <http://www.biopirataria.org /index.htm>. Acesso


em: 19 ago. 2008.

“O CONTROLE e a repressão da biopirataria no Brasil”. Paranaonline. Disponível em:


<http://www.parana-online.com.br/canal/direito-e-justica/news/284498/>. Acesso em: 21 ago.
2008.

38
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

“ONGs são investigadas por biopirataria”. Terra Tv Disponível em: <


http://terratv.terra.com.br/templates/channelContents.aspx?channel=2481&contenti
d=199316>. Acesso em: 07 ago. 2008.

“PARANÓIA antibiopirataria atrapalha pesquisa”. G1. Disponível


em:<http://g1.globo.com/Noticias/Ciencia/ 0,,MUL96211-5603,00.html>. Acesso em: 01 jul. 2008

HOMMA, Alfredo. Biopirataria na Amazônia: ainda é tempo para salvar? Disponível


em: <http://www.atech.br/agenda21.as/download/amazonia2.pdf>. Acesso em: 07
ago. 2008.

SANTINI, Juliana. Sem título. Disponível em: <http://www.ambiente.sp.gov.br/ea/adm


/admarqs/Juliana S.5.pdf>. Acesso em: 21 ago. 2008

39
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

OS CENÁRIOS DE INTERVENÇÃO DIRETA E INDIRETA NA


AMAZÔNIA: UMA ANÁLISE CRÍTICA

Patrícia Tona de Lucas


Orientação: Patrícia Nogueira Rinaldi

1. Introdução

A Amazônia consiste em um tema que, por vários períodos, apresentou-se


como um dos focos estratégicos da agenda brasileira. A cada momento, contudo, este
tema esteve cercado de diversos problemas e questões distintas, de modo a ser
impossível até mesmo hoje compreender os debates que giram em torno da Amazônia
sem levar em conta suas várias facetas. É preciso se ter em mente, portanto, que tal
tema abrange uma complexidade de problemas, de modo que para ser possível tratá-
lo como um todo homogêneo, deve-se entender a Amazônia como a soma de diversas
questões que consistem em um produto de uma mesma ordem mundial.

Assim, a retomada do tema da Amazônia nos últimos tempos se dá agora em


um novo contexto de cunho neoliberal, cujas transformações estruturais trazem novos
contornos, que explicam o maior peso dado às questões relacionadas ao meio
ambiente e à pessoa humana. É sob este prisma que se faz possível compreender a
atuação e a interferência diretas de atores transnacionais nas mais diversas questões,
sejam elas relacionadas à preservação das terras e biodiversidade amazônicas,
desenvolvimento econômico ou proteção das populações indígenas e tradicionais da
região.

40
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

É nesse mesmo contexto, contudo, em que o debate político se volta para os


novos atores na região, como Organizações Não-Governamentais (ONGs)
ambientalistas e indigenistas, questões relativas à ameaça da soberania36 do Estado
brasileiro são trazidas para o debate nacional pelos militares, os quais passam a alertar
para possíveis intervenções no território amazônico. O cenário de uma possível
intervenção militar externa na região amazônica se tornou bastante divulgado pela
impressa a partir de declarações e discursos de diversos estadistas, trazendo um
estado de alerta e de discussões acaloradas, com pouca ênfase analítica. Assim, nosso
objetivo nesse artigo é tratar da possibilidade de intervenções relativas a dois cenários,
que não se excluem necessariamente: um relativo às intervenções diretas e o outro, às
intervenções difusas.

Assim, diante da maior relevância que passou a ser dada à questão de uma
possível intervenção externa na Amazônia, o presente trabalho buscará abordá-los,
tendo em vista como sua relação com esse novo contexto mais amplo coloca
limitações e potencialidades nas políticas do Estado brasileiro para a própria
Amazônia; sem essa análise concreta da manobra política brasileira em um sistema
mundial no qual se expandem as relações transnacionais, se tornaria impossível uma
compreensão mais precisa a respeito de tais fatos.

2. Primeiro cenário: intervenção direta


A questão relativa à possibilidade de uma intervenção no território amazônico,
como mencionado, apresenta-se no discurso militar como dois cenários possíveis,
sendo o primeiro deles referente à uma intervenção direta de um Estado estrangeiro
na região.

36
Diante das várias possibilidades de interpretação desse conceito, deve-se aqui entendê-lo em seu
sentido estrito, relativo, portanto, à dominação legítima do Estado sobre um determinado território e
população, de modo a conferir-lhe uma posição de autonomia diante da gerência das questões nacionais.
Deve-se ter em mente, entretanto, que o entendimento de fato sobre a problemática em torno da
Amazônia deverá levar em conta a questão da soberania não em seu sentido estrito, mas sim naquele
sentido que possui diante da nova ordem mundial em que se insere o Estado e que remete, portanto, às
próprias mudanças pelas quais este passou em seu papel no cenário político nacional e internacional.
Sendo de extrema importância, esta última questão será tratada mais adiante.

41
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

Tendo o conhecimento da importância estratégica dos territórios amazônicos, a


preocupação com sua defesa militar se intensificou no órgão responsável por essa
atuação, isto é, as Forças Armadas. Estas então passaram a desenvolver essa possível
ameaça de intervenção – aqui entendida mais propriamente como uma invasão militar
– a qual seria realizada por parte de alguma grande potência – ou até mesmo por uma
coalizão de grandes potências – sendo a principal suspeita, os Estados Unidos.

Tais ameaças seriam facilitadas, segundo as Forças Armadas, devido à ainda fraca
presença física do Estado, o qual, em sua visão, não promove a devida ocupação das
terras da região através da promoção do seu desenvolvimento econômico, de modo a
deixá-las susceptíveis a possíveis ameaças intervencionistas. O potencial de tais
ameaças, por sua vez, acabaria por se intensificar diante de discursos proferidos por
importantes figuras políticas: “Acabou a fase de contemporização. Agora é a vez da
ação militar, pois os países que têm a Amazônia dela não sabem cuidar”, afirmou, em
1999, o então vice-presidente dos EUA, hoje Prêmio Nobel, Al Gore. Não foi uma voz
isolada: do presidente francês François Mitterrand (“O Brasil precisa aceitar uma
soberania relativa sobre a Amazônia”) ao general Patrick Hughes, chefe do órgão de
informações do Exército americano (“Se o Brasil resolver fazer um uso da Amazônia
que ponha em risco o meio ambiente dos EUA, temos de estar prontos para
interromper esse processo”), passando por Mikhail Gorbatchov (“O Brasil deve delegar
parte de seus direitos sobre a Amazônia aos organismos internacionais competentes”),
sem falar em comentários similares de Henry Kissinger, John Major e Helmut Kohl, não
houve quem não insinuasse ou falasse abertamente sobre a suposta “incompetência
brasileira” de manter a região” 37.

Assim, sob propostas relativas à necessidade de gerência do território


amazônico por seus respectivos Estados, diante da ineficiência do Estado brasileiro de
administrar os recursos naturais da região, segundo a lógica da preservação ambiental,
guardariam, na realidade, interesses em relação ao controle de tais recursos naturais
estratégicos. Diante de tais cenários, como apontaram recentemente dois ministros,
“o Brasil considera uma invasão estrangeira de grande escala na Amazônia como uma

37
HAAG, 2008.

42
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

das possíveis ameaças à segurança, contra a qual as Forças Armadas precisam se


38
preparar” . Assim, faz-se clara a existência de uma preocupação relacionada à
possibilidade uma invasão estrangeira, que promoveria uma ocupação física por meio
de tropas militares na região. Seria este, portanto, o primeiro entendimento em
relação a uma possível intervenção no território amazônico: uma intervenção direta,
configurando-se como uma ofensiva militar ao Estado brasileiro, que traria, por sua
vez, implicações à sua soberania, uma vez que perderia o controle efetivo sobre seu
território e população.

Distintos são, além do mais, os motivos que se apresentam à possibilidade de


concretização de uma intervenção deste tipo, sendo um deles a corrida imperialista
entre as Grandes Potências na América Latina, “devido aos recursos energéticos,
reservas minerais e hídricas [e] imensa capacidade de produção alimentar” da região,
mas “em particular, no caso do Brasil, que deverá ser – em breve – o maior exportador
mundial de alimentos, e um dos grandes exportadores de petróleo, além de ser o
39
principal "proprietário" das águas e da biodiversidade amazônica” . Esses últimos
motivos, por sua vez, são a que os militares mais se atentam, temendo “pela soberania
sobre o território, devido à ‘cobiça’ dos países ricos” 40. Além disso, aponta-se também
para a questão ambiental, devido aos desmatamentos e atividades econômicas
predatórias, que representariam uma ameaça à conservação de um dos principais
ecossistemas do globo.

Diante disso, uma maior mobilização militar foi promovida, nos últimos anos,
tendo por objetivo a promoção da segurança dos territórios amazônicos e,
especialmente, de suas fronteiras, de modo a buscar a proteção da soberania do
Estado brasileiro. A estratégia a ser adotada na região envolveria “não só os militares,
mas toda a sociedade brasileira, principalmente os que estão aqui na Amazônia, e nós
[militares] estamos difundindo isso para que todos tomem conhecimento, passem a se

38
COLITT, 2008.
39
FIORI, 2008.
40
SUGIMOTO, 2008.

43
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

preocupar e que assim possa haver o fortalecimento da vontade nacional em relação à


defesa do nosso território” 41.

As Forças Armadas, assim, passam a apresentar uma intensificação em sua


atuação, realizando, por exemplo, simpósios nas principais capitais da Amazônia, a fim
de promover a formação na sociedade civil e em autoridades políticas de uma vontade
nacional de proteção ao território amazônico e apoio às operações militares brasileiras
na região. Uma dessas operações, por exemplo, consiste na atuação militar pelo
Projeto Calha Norte de intensificação da ocupação e asseguração das fronteiras
amazônicas. Esta operação, juntamente com a declaração recente do ministro da
Justiça Tarso Genro sobre o aumento do número de postos de fronteira em regiões
ainda pouco protegidas e a proposta de Minc para a ampliação da atuação das Forças
Armadas para a defesa de parques nacionais, reservas indígenas e extrativistas na
Amazônia, consistem em exemplos que refletem o aumento da influência militar no
meio político.

Da mesma forma, a partir das preparações de estratégias de defesa, a partir da


formulação de possíveis cenários de invasão na Amazônia faz-se possível notar a maior
participação das questões de segurança nacional nas políticas públicas, evidenciando
como as preocupações concernentes à possibilidade de uma intervenção direta
estrangeira tomaram maior importância no debate público, assim como a burocracia
militar acabou por tomar para si o papel de promover a ocupação do território
amazônico, já que o Estado não se faz presente, segundo sua visão, de modo a
garantir, dessa forma, a segurança da soberania nacional.

2.1. A intervenção direta e suas limitações

Os alertas concernentes à ameaça de ocorrência de uma intervenção direta, ou


seja, de uma invasão militar na região amazônica, pondo em risco a soberania
nacional, embora possuam justificativas, como apresentado na sessão anterior, não

41
“MILITARES planejam...”, 2008.

44
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

levam em consideração algumas características com as quais se depara o Estado


brasileiro e, juntamente com ele, as questões relativas à própria Amazônia. Essas
características relativizam a questão da intervenção direta e colocam outras
problemáticas que altera a probabilidade da ocorrência dessa ação.

Segundo o General Ítalo Fortes Avena, embora não exista uma ameaça
concreta de um Estado contra o Brasil, mas “apenas algumas manifestações, boatos
que surgem na imprensa e que vêm sendo insistentemente difundidos pela internet”
42
, ainda assim é considerada a possibilidade de agressão, que se levanta justamente
diante das questões explicitadas na seção anterior. Por conta de tais fatos, como
43
afirma, “nós [militares] temos que estar preparados para a defesa” . Da mesma
forma, em recente entrevista, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, afirmou que "não
há nenhum país ameaçando o Brasil, mas precisamos de uma força dissuasiva para que
remova a possibilidade de que [uma invasão] aconteça" 44. A partir de tais declarações,
explicita-se a grande atenção dada às questões relativas à segurança militar do
território amazônico.

Contudo, é necessário que se chame a atenção para o fato de que a política


relativa à Amazônia não deve ter apenas na segurança militar seu principal foco de
preocupação. Na realidade, as questões concernentes ao território amazônico devem
ser tratadas e analisadas a partir de uma lógica não meramente militar, mas sim, a
partir da nova realidade em que se insere o Estado brasileiro, a qual se relaciona à
própria forma com que se configura a ordem mundial atual, em que as relações
político-econômicas são pautadas, em maior grau, em relações de caráter
transnacional e não apenas interestatal. Isso vem a consistir no produto do próprio
processo liberalização econômica, havendo a abertura das fronteiras nacionais, que
possibilitou o estabelecimento, internamente ao Estado, de interesses entre atores
nacionais e estrangeiros – não somente públicos como também privados – de modo a
intensificar o grau de interdependência estatal no âmbito internacional e a tornar

42
Idem.
43
Idem.
44
COLITT, 2008.

45
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

impossível a distinção precisa da linha divisória que separaria os interesses internos e


os interesses estrangeiros no interior do Estado.

Assim, diante dessa nova configuração muito mais dinâmica e fluida da ordem
mundial, uma intervenção, entendida como a limitação ou interrupção da ação
nacional, é passível de se dar não mais pela forma direta, através de uma clara
ofensiva de um Estado a outro, mas sim, por outros mecanismos mais sutis e
sofisticados de dominação, a partir da atuação de agentes transnacionais em
territórios nacionais, tais como organizações não-governamentais, assim como
também por meio de organizações multilaterais e fontes de financiamento
internacionais.

A partir do até então exposto, é possível claramente notar a existência de tais


mecanismos em território brasileiro, e em especial, no amazônico, enfatizando, dessa
forma, a baixa probabilidade de ocorrer uma invasão militar direta na região 45. Além
disso, nota-se que, diante de tais fatos, a própria questão relativa à ameaça à
soberania nacional exige uma reavaliação, devendo ser analisada sob a luz dessa nova
realidade, em que a autonomia do Estado diante das questões internas a ele se faz
limitada pela própria ordem neoliberal democrática em que está inserido.

O Estado, neste âmbito, é dotado de um novo papel: o de garantidor dessa


democracia, por meio da asseguração da liberdade dos atores que nele se encontram,
liberdade essa aqui entendida como a livre iniciativa privada, tanto de atores
estrangeiros como nacionais. Assim, a intensificação das relações transnacionais, que
elevam o grau de dependência do Estado em relação à dinâmica do sistema mundial, e
que, conseqüentemente limitam suas ações em seu território, consiste justamente no
produto desse processo de privatização, mediante o qual a ação estatal acabou por se
tornar negativa, a fim de garantir o espaço de atuação, e, portanto, uma maior
participação, dos poderes privados nas atividades econômico-sociais.

É nesse contexto então, que se desenvolve a própria internacionalização do


território amazônico, em que o Estado passa a ter muito mais dificuldades para uma

46
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

ação positiva na região enquanto a Amazônia passa a consistir em um espaço para a


valorização do capital tanto nacional quanto estrangeiro, de modo a tornar o próprio
crescimento da região dependente de atores externos. Diante disso, nota-se que a
questão da administração e aproveitamento do território amazônico passa a ter não
mais um caráter meramente nacional, mas acaba por se tornar algo concernente a
uma gama de interesses privados ou não, sejam eles brasileiros, internacionais ou
transnacionais.

Tendo em vista, pois, esses limites estruturais à própria soberania do Estado,


relativiza-se a questão referente às críticas quanto à ineficiência do Estado em gerir
seu próprio território. A própria capacidade de elaboração de um plano de
desenvolvimento integrado para a região, baseado na noção estreita de soberania –
isto é, de predominância dos interesses nacionais e expulsão dos interesses
estrangeiros – se faz limitada por conta da estrutura em que está inserido o poder
estatal, tornando-o incapaz de se impor como determinador de condutas em seu
próprio território sem levar em conta os distintos interesses que ali se encontram.

Sendo assim, apenas seria possível considerar uma alta probabilidade de haver
de fato uma intervenção direta por parte de algum Estado estrangeiro na região
amazônica, caso o Estado brasileiro viesse a agir justamente de forma a impor grandes
limitações a consolidação desses interesses estrangeiros ou até mesmo, impedir a
atuação dos atores privados na região. Levando em conta este hipotético cenário, ao
ignorar os distintos interesses que para ali se voltam – sejam eles privados ou
governamentais, mas com vínculos transnacionais (como seria o caso, por exemplo,
daqueles relativos às exigências em torno da conservação ambiental) –de modo a se
impor como determinador de condutas dos demais atores que nele se acham, o Estado
brasileiro acabaria por limitar justamente aquilo que se tornou uma prerrogativa desta
ordem mundial, que é a necessidade de resguardar a liberdade de atuação dos agentes
privados. Dessa forma, estaria adotando um posicionamento contrário aos postulados
liberal-democráticos impostos por essa nova ordem mundial. Isso, por sua vez,
acabaria por gerar uma percepção internacional em sua relação como um Estado cujas

45
Esta questão será trabalhada mais atentamente adiante, assim como as limitações que ela vem a
implicar.

47
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

ações apresentam um padrão não-democrático e, portanto, de caráter autoritário. Tal


fato seria capaz de tornar o Brasil – em particular, a Amazônia – um alvo grandemente
vulnerável a possíveis pretensões intervencionistas, as quais facilmente poderiam se
justificar em argumentos de prevenção e segurança ambiental. A região assim,
passando a ser tratada como um estado de exceção no sistema internacional, estaria
sujeita a tais intervenções diretas, em nome, por exemplo, da proteção dos recursos
naturais estratégicos ali encontrados. Esta posição de vulnerabilidade em que se
encontraria o Estado brasileiro, é válido frisar, seria intensificada por conta da
condição interdependente em que se encontra no sistema.

Sendo assim, é necessário que se compreenda que até mesmo a própria


segurança do território amazônico passa pela capacidade do Estado brasileiro de
promover a conciliação entre os mais diversos interesses, atendendo, de certa forma,
as demandas tanto nacionais quanto estrangeiras, as quais tendem a orbitar, de
maneira geral, em torno de interesses econômicos por desenvolvimento e novas
possibilidades à valorização do capital, assim como em torno de interesses
ambientalistas de preservação. O certo atendimento da gama de interesses ali
existentes e a busca por traçar objetivos comuns a todos, de modo a alcançar uma
conciliação são, portanto, de extrema importância à segurança e ao próprio
crescimento econômico regional. Devendo aqui ser lembrado, para que tais aspectos
se tornem mais claros, a própria condição de interdependência – tanto de atores
privados quanto governamentais, assim como de instituições internacionais – em que
se acha o Estado brasileiro em relação ao seu crescimento e desenvolvimento
econômico.

3. Segundo cenário: a intervenção difusa


Embora a ocorrência de uma intervenção militar direta, liderada por algum
governo estrangeiro na Amazônia seja pouco provável, dadas as atuais delineações
estruturais do sistema mundial, ainda assim não se esgotam as suas possibilidades. Tal
como anteriormente mencionado, há ainda um segundo cenário de possibilidade de
intervenção no território amazônico, relativo à ocorrência de uma intervenção difusa

48
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

na região, ou seja, uma intervenção realizada por atores caracteristicamente


transnacionais, mas associados a interesses de Estados estrangeiros. O principal
mecanismo para tanto, de que se valeriam tais Estados na Amazônia, como é
insistentemente apontado nos discursos militares, seriam as Organizações Não-
Governamentais, especialmente ambientalistas e indigenistas, as quais passam a
exercer domínio sobre as terras em que o Estado se faria ausente, representando,
segundo eles, mais uma vez, um perigo à soberania nacional justamente pela sua
associação a esses interesses estrangeiros.

Além disso, uma segunda possibilidade de intervenção deste tipo seriam as


possíveis relações estabelecidas entre empresas transnacionais e Estados estrangeiros,
por meio, por exemplo, de financiamentos envolvendo acordos que atendessem aos
interesses políticos e econômicos das partes46.

O presente trabalho, contudo, se atentará não à questão relativa às empresas


transnacionais instaladas na Amazônia como agentes interventores, mas sim às
Organizações Não-Governamentais, como executantes desse papel – ou seja, como
instrumentos que serviriam a supostos interesses de governos estrangeiros – uma vez
que essas se apresentam como objeto de críticas não apenas na sociedade civil, mas
também – e especialmente – nos meios militares, por conta do caráter de sua
atuação, passível de especulações e grande polêmica.

Para promover uma melhor compreensão a respeito de tal questão, portanto,


foi aqui realizada uma divisão simplificada entre três principais tipos de Organizações
Não-Governamentais, as quais devem ser levadas em conta para o entendimento das

46
É, contudo, necessário que se atente aqui para a importância de não serem estabelecidas
generalizações a respeito das empresas transnacionais presentes na Amazônia como simples mecanismos
de intervenção indireta por parte de Estados estrangeiros, como comumente é feito. Tal visão, presente
grandemente no meio da sociedade civil, ignora o fato de que embora tais empresas possuam suas sedes
no exterior, não necessariamente possuem algum tipo vínculo direto com seus respectivos governos,
como seria o caso de por eles serem financiadas, como acima apontado. A presença de empresas norte-
americanas ou provindas de qualquer outro Estado não significa, além disso, que não haja qualquer tipo
de interesse político de sua parte, mas sim que tais interesses não estão associados a uma relação política
de intervenção, de modo a estarem ligados, na realidade, à lógica puramente capitalista privada. Assim,
deve-se sempre se ter em mente que a instalação de empresas estrangeiras no território brasileiro – e,
portanto, não apenas na Amazônia – é, na realidade, resultado da própria abertura das fronteiras nacionais
e, embora representem o poderio econômico de seus países de origem, não consistem necessariamente em
instrumentos de intervenção. Da mesma forma, é necessário que se atente às limitações que a idéia de
intervenção difusa trás consigo no caso das ONGs, como será abordado na próxima seção.

49
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

discussões realizadas nas próximas seções. O primeiro grupo de ONGs que se faz
possível distinguir seria referente àquelas cujo financiamento é apresentado como
sendo baseado em doações provindas unicamente de pessoas físicas, podendo ser até
mesmo ONGs que se auto-financiam, por meio de doações de seus próprios
funcionários. Um segundo grupo seria aquele em que estão englobadas as ONGs que
possuem alguma ligação com empresas – nacionais ou não – e o terceiro, por sua vez,
referente a ONGs com possíveis relações estabelecidas com governos estrangeiros.

Tais características podem ocorrer simultaneamente, mas para os objetivos


dessa análise, o enfoque a ser dado tomará por base esse último grupo, uma vez que
tais ONGs, possuindo de maneira mais determinante uma ligação com Estados
estrangeiros, são aquelas que mais claramente se apresentariam como um possível
instrumento de intervenção indireta, possuindo, portanto, um maior potencial de
ameaça ao território amazônico. É perceptível, pois, que nosso critério de análise para
compreender a questão das ONGs como intermediárias de uma intervenção, não
enfoca meramente a condição de legalidade ou ilegalidade da ONG, o que é comum
nos estudos sobre essas organizações, mas sim relacionar como as origens de seus
financiamentos podem trazer limites estruturais aos objetivos e modo de atuação das
ONGs.

3.1. A intervenção, as ONGs e o desenvolvimento

Um dos principais perigos que representariam as ONGs no território


amazônico, segundo apontado especialmente no discurso militar, seria o de
impedimento ao desenvolvimento regional. Assim, tais organizações consistiriam em
vetores de que se valeriam governos estrangeiros, tendo por objetivo obstaculizar
qualquer atividade civilizatória nacional no território amazônico. A região, diante da
criação de reservas indígenas e por meio de atividades direcionadas à proteção
ambiental implementadas por tais organizações, acabaria por ser mantida despovoada

50
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

e impedida de se desenvolver economicamente, tornando-a ainda mais vulnerável ao


controle estrangeiro de seus recursos, de modo a facilitar, até mesmo, possíveis
invasões militares a longo prazo. Como aponta uma matéria publicada pela Revista do
Clube Militar, “com o grande poder que elas [ONGs] possuem na área, conseguiram
engessar a Amazônia, que representa 60% do Brasil, engessamento com a criação de
enormes reservas indígenas + áreas de preservação ambiental + corredores ecológicos
e outras servidões de usa da terra na margem dos seus rios e limitação de que cada
proprietário só use 20% da sua”47.

Dessa forma, a ação de ONGs para uma preservação draconiana do meio


ambiente e a criação das reservas ambientais e indígenas acabariam, como é
apontado, por constituir em obstáculos ao desenvolvimento de obras de infra-
estrutura necessárias ao desenvolvimento regional, assim como impediriam o
crescimento de atividades economicamente importantes para a região, como o cultivo
de arroz e soja, por exemplo. Tais empecilhos, portanto, são tidos como colaboradores
da manutenção do subdesenvolvimento amazônico, impedindo o aproveitamento de
seus recursos pelo Estado no objetivo de promover um maior crescimento e
desenvolvimento econômicos da região. Simultaneamente a isso, são mantidos tais
recursos intactos à disposição de um gerenciamento transnacional, envolvendo ONGs,
organizações internacionais e outros Estados, enquanto as prerrogativas de exploração
nacional seriam limitadas a essas diretrizes ambientais internacionais.

A condição das ONGs como intermediárias desses interesses estrangeiros na


Amazônia, podendo constituir mecanismos da intervenção velada, se daria justamente
pelas possíveis relações diretas estabelecidas entre elas e governos estrangeiros. Tais
relações, por sua vez, são definidas por meio de financiamentos, os quais acabam por
gerar relações de dependência que amarram o curso de suas atividades e objetivos;
assim como por uma ligação ainda mais direta, sendo a própria ONG criada por um
governo, de modo a atender claramente a seus interesses.

47
BENTO, 2008.

51
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

Um exemplo a ser dado e que é capaz de ilustrar ambas as possibilidades, seria


o caso da ONG World Wildlife Fund for Nature (WWF), a qual possui uma estreita
relação com o governo britânico ao ter entre seus fundadores: o até então consorte da
Rainha Elisabeth II, Príncipe Phillip; o ex-comandante-geral do Exército britânico, sir
Frank Chapell, assim como o marechal lorde Alan Brooke, ex-chefe de Estado-Maior do
Reino Unido. Além disso, a ONG recebe doações regulares de instituições, tais como a
Agência do Governo dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional
(USAID), o que evidencia, portanto, a forte existência de laços de dependência da
Organização em relação aos interesses políticos estatais.

A partir desse exemplo, portanto, é que se pode compreender o potencial das


relações entre as ONGs e o papel de agentes de governos estrangeiros, de modo que a
partir de tal prisma é que se busca trazer o entendimento das atividades por elas
realizadas. Entretanto, embora haja fatos que possam permitir tal coisa, como acima
apresentado com o caso da WWF, tal visão apresenta suas limitações e essas devem
ser certamente levadas em conta na seção seguinte.

4. A Intervenção difusa: suas possibilidades e limitações


O entendimento quanto à existência de uma intervenção difusa no território
amazônico, realizada especialmente por Organizações Não-Governamentais, passa
primeiramente à compreensão da própria origem dessas, em que seu surgimento e
proliferação no território amazônico consistem justamente no resultado das
transformações de privatização e internacionalização pelas quais passou o Estado
brasileiro, como exigências da ordem neoliberal, conforme explicitado na crítica
anterior. Assim, a maior atuação desses atores na região amazônica consiste no
produto da intensificação das relações transnacionais e, portanto, a existência de
interesses não apenas nacionais, como também provindos do exterior em relação à
Amazônia. Diante disso, afirmar a possibilidade de que seja realizada de fato uma
intervenção velada na região por parte de atores transnacionais, especialmente as
ONGs, não seriam de todo errôneo, como bem claramente se apontou na seção
anterior ao ser mencionado o caso relativo à ONG WWF.

52
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

A partir do conhecimento de sua origem e fontes de financiamento é possível


compreender algumas de suas ações no país. Como apresenta o artigo organizado pelo
48
Movimento de Solidariedade Ibero-americana (MSIa) , a campanha internacional
realizada pela WWF, sob a bandeira da proteção do ecossistema do Pantanal, buscou
inviabilizar a construção da hidrovia Paraná-Paraguai, sendo esta de extrema
importância para o processo de interiorização do desenvolvimento sócio-econômico
da região. Tal obra, segundo o MSIa, seria um “elemento vital para a futura
interligação das Bacias do Prata-Amazonas-Orinoco, que, uma vez concluída,
representaria para a América um papel semelhante que a da hidrovia Reno-Danúbio,
por exemplo, representou e representa para a Europa”49, em que gerou uma espécie
de “corredor de desenvolvimento”, nas regiões que atravessava, de modo que hoje
encontram-se ali.os mais elevados índices de industrialização e proteção ambiental do
globo, assim como um alto padrão de vida dos habitantes da região.

50
Assim, diante desse posicionamento adotado pela ONG , o estudo do MSIa
identifica uma relação direta com a função estratégica por ela desempenhada no
momento de sua criação, em favor dos interesses do Governo britânico, durante o
período de independência das colônias africanas, em que assegurou a predominância
do controle das empresas da Commonwealth sobre os recursos naturais africanos, por
meio do seu controle sobre grande parte das reservas naturais e parques ambientais
do continente. Da mesma maneira, como apresentado no caso do Brasil, a ONG
acabou por impedir a exploração dos recursos naturais pela sociedade nativa, assim
como inviabilizou instalações infra-estruturais, necessários ao desenvolvimento
regional. Neste sentido, então, é que seria possível validar o argumento relativo às
ONGs como atendentes de interesses governamentais estrangeiros, constituindo
essas, portanto, em um tipo de mecanismo de intervenção velada.

Entretanto, é de extrema importância se atentar para o fato de que embora


possa haver Organizações ali instaladas cuja sede ou origem se encontram no exterior,

48
“RORAIMA no centro da internacionalização...”, 1999.
49
Idem.
50
É necessário ser dada a atenção para o fato de se estar aqui focando um exemplo concreto,
consistindo esse apenas em um dentre vários. A questão a ser tratada aqui, portanto, não é referente
apenas a uma organização em particular.

53
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

incorreto seria realizar generalizações, como normalmente é feito. Acima foi dado
apenas alguns exemplos da possibilidade deste tipo de intervenção de fato ocorrer,
sendo errôneo, contudo, a noção de que estariam todas ONGs, especialmente de
origem estrangeira, necessariamente associadas a interesses de governo, de modo a
consistirem realmente em instrumentos de intervenção e, portanto, um perigo à
segurança brasileira51. É importante frisar o problema trazido por essa generalização,
pois coloca todas as ONGs na ilegalidade, cuja extrapolação lógica seria uma política de
própria expulsão dessas organizações, enquanto o próprio governo brasileiro
estimulou sua criação nos anos 1990 como parte de sua política de desenvolvimento
dos programas de direitos humanos vinculados à tratados com a ONU.

Além disso, mesmo que houvesse algum tipo de coordenação das atividades a
partir do exterior, não necessariamente haveria uma relação direta entre a ONG e seu
governo, de modo que, mais uma vez, deve-se evitar a realização de generalizações a
esse respeito. Assim, as propostas de criação de reservas ambientais ou indígenas
pelas ONGs, por exemplo, embora possam ser tidas como propostas que impedem o
desenvolvimento regional, não podem ser apontadas como necessariamente sendo
estratégias de governos estrangeiros para a manutenção do subdesenvolvimento. Para
tanto, é necessária não apenas buscar a relação de legalidade dessas ONGs com o
ordenamento jurídico nacional, mas também e, mais atentamente, relacionar a
legalidade das ONGS a partir de uma análise mais profunda e específica de seus
propósito 52.

51
Devendo ser lembrado aqui, mais uma vez, a questão relativa à soberania do Estado tida como
ameaçada pela presença de tais atores em seu território, nos discursos militares. Entretanto, como já visto
anteriormente, a existência de atores de origem estrangeira no interior do Estado não representam de fato
tal ameaça; mas como explicitado, a instalação desses atores no país consiste justamente nas
conseqüências do maior processo de abertura das fronteiras nacionais, que possibilitou a consolidação de
distintos interesses, brasileiros ou não, no território amazônico. Assim, a simples presença de ONGs,
mesmo que de origem estrangeira, ali não pode ser vista como uma ameaça à soberania nacional, uma vez
que essa por si só já é estruturalmente limitada, justamente por permitir legalmente a atuação de tais
atores. Dessa forma, deve-se também levar em conta que a atuação dessas no território nacional, embora
apresentadas nos discursos como uma intervenção velada, por limitar a atuação do Estado por meio da
criação de reservas ambientais, por exemplo, é realizada com o respaldo da própria legislação brasileira.
Não se exclui aqui, contudo, a existência das diversas ONGs que operam na ilegalidade no território
amazônico e, diante disso, se coloca a urgente necessidade de maior controle das atividades
desenvolvidas na região para que seja assim, possível ter o conhecimento quanto aos interesses ali
existentes, trazendo possibilidades de negociação política.
52
Deve-se aqui fazer uma ressalva a respeito da própria legislação brasileira, a qual,
segundo MIRANDA, muito tem se atentado à proteção ao meio ambiente, convertendo grandes áreas em

54
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

É possível se dizer, então, que esse tipo de pensamento generalizado a respeito


das ONGs como mecanismos de dominação tão difundidos atualmente não apenas no
meio militar, como também na própria sociedade, por conta da intensa atuação da
mídia, vai de encontro justamente com a inexistência de um esforço claro em vincular
as ações de tais organizações a um projeto estatal de desenvolvimento para a região.
Isso, por sua vez, acaba por promover a manutenção da polarização de interesses
entre o desenvolvimento econômico e o Estado – apresentado sempre como ausente e
ineficiente – e os interesses de proteção ambiental, visado pelas ONGs, tanto de
origem nacional quanto estrangeira. Um projeto articulante nacional, por sua vez,
quebraria uma oposição entre os interesses das ONGs nacionais e os interesses
estrangeiros, havendo a criação de uma confluência cada vez maior entre ambos.
Dessa forma, a premissa de que haveria uma oposição entre o interesse nacional e o
interesse estrangeiro é falaciosa, uma vez que não leva em conta a possibilidade do
estabelecimento e consolidação de objetivos e interesses entre os distintos atores
privados, dada a maior fluidez das fronteiras nacionais, como já explicitado.

Tal questão é claramente visível ao se tomar por base o projeto lançado em


2006 pela Agência do Governo dos Estados Unidos para o Desenvolvimento
Internacional (USAID) denominado de “Iniciativa para a conservação da Bacia
Amazônica”, em que “dada a suposta debilidade dos países da região em cuidar desse
53
bem de importância global frente a ameaças também elas globais” , o projeto
propunha a construção de grupos de interesse efetivos voltados à conservação da
Bacia Amazônica, a partir do estabelecimento de redes institucionais em toda essa
região. Para isso, a Agência contava com o apoio de um grande número de
Organizações Não-Governamentais, as quais atuariam, portanto, segundo seus

reservas ambientais e impossibilitando, dessa maneira, o desenvolvimento de atividades econômicas e o


próprio atendimento da demanda por maiores áreas para isso destinadas. As leis promulgadas em favor da
conservação ambienta, além disso, não têm levado em conta a própria realidade sócio-economica do país,
assim como sua história, ao determinar a preservação de áreas em que já se encontrava o desenvolvimento
de atividades econômicas, de modo a torná-las ilegais. Este quadro, por sua vez, evindencia a atual
incapacidade da legislação brasileira em conciliar as demandas existentes por terras para fins econômicos,
assim como para fins de preservação da flora e fauna amazônicas. Nota-se, portanto, que a própria
legislação acaba por ser um importante fator limitante do desenvolvimento econômico na região
amazônica. Cf. MIRANDA, 2008.

53
SOUZA, 2008.

55
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

direcionamentos. Nota-se assim, que a existência de um interesse governamental


estrangeiro na base da promoção das atividades que ali se desenvolveriam, não
significaram que essas não possuíssem da fato um respaldo de grupos internos. Como
dito, diversas ONGs nacionais e até mesmo Universidades brasileiras optaram por
participar do projeto. Assim, fica clara a possibilidade de construção de uma
confluência de interesses de cunho nacional e estrangeiro.

Diante de todas as considerações acima expostas, deve-se chamar a atenção


para o fato de que mesmo que haja a possibilidade de intervenções difusas no interior
da Amazônia, esta não necessariamente se coloca em oposição aos interesses de
grupos internos. Na realidade, há a possibilidade de haver uma confluência de
objetivos por parte de ONGs nacionais e ONGs de origem estrangeiras – ou Agências
governamentais, como o caso da USAID – que possuam ou não uma direta relação com
interesses externos.

Sendo assim, coloca-se a necessidade de o Estado brasileiro buscar uma maior


regulamentação das atividades por tais organizações realizadas no território
amazônico, de modo a melhor compreender seus interesses para então, ser possível a
realização de negociações políticas e conciliação de objetivos relativos à preservação
ambiental e o desenvolvimento econômico. É necessário ao Estado, para que seja
quebrada a noção de oposição entre as ONGs e a atuação estatal, promover um
planejamento de desenvolvimento regional a partir da vinculação das atividades
dessas organizações às suas. Da mesma forma que governos estrangeiros são capazes
de se valer desse tipo de instrumentos a seu favor, o Estado brasileiro poderia optar
por cooptar tais organizações a trabalharem em conjunto com seus objetivos, de modo
a alcançar assim, resultados favoráveis a todos.

5. Considerações Finais
A partir da análise e das considerações realizadas a respeito das possíveis
intervenções estrangeiras no território amazônico, é possível então se compreender a
existência de uma probabilidade mínima de ocorrência de uma intervenção direta

56
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

liderada por algum Estado estrangeiro na região, uma vez que as novas condições
estruturais implementadas pela ordem mundial neoliberal acabam por tornar
desnecessário o uso de mecanismos explícitos de intervenção em países cuja
interdependência e ação é condizente com os rumos dessa ordem. Dessa forma, a
possibilidade de se valer de instrumentos mais sofisticados para tanto – sendo eles
próprios produtos dessa nova ordem – em detrimento do uso da força por parte dos
Estados estrangeiros, torna evidente a necessidade de que as políticas direcionadas ao
território amazônico não sejam prioritariamente baseadas em uma lógica cujo
principal foco seria relativo à segurança militar. É necessário sim, que as diretrizes de
tais políticas sejam dadas a partir da compreensão referente à dinâmica que se
estabeleceu a partir das transformações estruturais da ordem mundial com o
neoliberalismo, que tornou o âmbito transnacional o nível mais evidente de relações
no sistema mundial, de modo a alterar os padrões sob os quais se dariam as
intervenções. Essas passam a se dar potencialmente a partir da atuação dos atores
transnacionais no interior do Estado e é neste ponto que se compreende as
Organizações Não-Governamentais como possíveis intermediadoras de interesses
estatais estrangeiros na região amazônica.

Ainda assim, contudo, tal entendimento traz consigo certas limitações, sendo
então necessário frisar a necessidade que se coloca à formulação de avaliações
minuciosas sobre os diferentes casos relativos a tais Organizações, a fim de se alcançar
uma melhor compreensão a respeito de seus propósitos. Isto se coloca, uma vez que é
possível que suas ações reflitam meramente interesses particulares no
desenvolvimento de suas atividades e não interesses nacionais, que representariam de
alguma maneira um perigo à segurança do território amazônico; o que não invalida,
contudo, a possibilidade deste último caso ser uma realidade, e diante disso, são
colocadas as exigências de um maior controle e planejamento por parte do Estado
brasileiro sobre a região. Sendo assim, o que se faz de extrema importância no
entendimento das questões relacionadas à Amazônia é a impossibilidade de se
estabelecer uma generalização sobre os diferentes atores que ali se encontram.

A gama de interesses que para ali se voltam, tanto nacionais quanto


estrangeiros, e a própria possibilidade de articulação entre eles é que reforça a

57
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

necessidade do estabelecimento dessa maior regulação, por meio da articulação às


políticas estatais, da atuação das Organizações Não-Governamentais na região
amazônica, de modo a possibilitar o Estado brasileiro a obter um maior conhecimento
em relação aos seus objetivos, os quais, como bem apontado, sofrem grande
influência das próprias fontes de financiamento a que estão vinculadas. É neste
sentido que o caráter da legalidade ou não consiste em um parâmetro limitado para a
realização de políticas bem sucedidas, visando um maior controle por parte do Estado
no território amazônico.

Uma compreensão mais clara a respeito de tais aspectos, por sua vez,
habilitaria o poder estatal a construir políticas que promovessem a confluência dos
mais diversos interesses voltados à Amazônia, de modo a atender de certa forma as
demandas ali existentes. O Fundo para a Amazônia criado neste ano para o combate
ao desmatamento consiste, por sua vez, em um bom exemplo de política
implementada que possibilita, em certo grau, tal atendimento, ao articular as
arrecadações provindas de atores privados – em especial empresas – nacionais e
estrangeiros com as exigências postas no âmbito internacional de preservação
ambiental amazônica encabeçadas pelas ONGs ambientalistas. Tal fundo, entretanto,
consiste apenas em um primeiro esforço a essa conciliação, de modo a apresentar
ainda grandes desafios a serem superados, relativos, por exemplo, ao atendimento das
demandas por empregos no setor das atividades econômicas ali desenvolvidas,
convertendo as atividades de caráter predatório em atividades vinculadas a esse
projeto de desenvolvimento.

Entretanto, ainda assim, o Fundo se apresenta como um possível meio ao


alcance de certa confluência das demandas. Isto se faz de extrema importância, uma
vez que a própria segurança do território em relação a possíveis intervenções passa
justamente pela capacidade do Estado de promover articulação de tais interesses,
mais do que os esforços em intensificar a guarda militar na região, visto que as formas
como são passiveis de se darem as intervenções tornam limitadas a capacidade
coercitiva do Estado de impedi-las.

58
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

6. Referências Bibliográficas

BENTO, Cláudio Moreira. “As ONGs na Amazônia Brasileira”. Revista do clube militar.
Disponível em: <http://www.clubemilitar.com.br/site/pres/revista/429/9.pdf>
Acessado em: 10 de agosto, 2008.

COLITT, Raymon. Brasil prepara estratégia em cenário de invasão na Amazônia. Terra


Notícias, 09 de Abril, 2008. Disponível em:
<http://noticias.terra.com.br/brasil/interna/0,,OI2736059-EI1194,00-
Brasil+prepara+estrategia+em+cenario+de+invasao+da+Amazonia.html> Acessado em:
05 agosto, 2008.

FIORI, José Luís. “Escopeta não é chocalho”. Le Monde Diplomatique, 17 de Julho,


2008. Disponível em: <http://diplo.uol.com.br/2008-07,a2500> Acessado em: 07
agosto, 2008.

HAAG, Carlos. A floresta verde-oliva. Pesquisa FAPESP Online, fevereiro, 2008.


Disponível em: <http://www.revistapesquisa.fapesp.br/?art=3461&bd=1&pg=1&lg=>
Acesso em: 05 agosto, 2008.

MILITARES planejam defesa da Amazônia. Resistir. info. 21 de Maio, 2002. Disponível


em: <http://resistir.info/brasil/amazonia.html> Acessado em: 20 de Julho, 2008.

MIRANDA, Evaristo Eduardo de. Terras do Brasil: o alcance da legislação ambiental e


territorial. Rede de Tecnologia Social, 26 de novembro, 2008. Disponível em:
<http://www.rts.org.br/artigos/terras-do-brasil-o-alcance-da-legislacao-ambiental-e-
territorial> Acessado em: 1 de dezembro, 2008.

RORAIMA no centro da internacionalização da Amazônia. Movimento de Solidariedade


Ibero-americana. Novembro, 1999.

59
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

SOUZA, Israel Pereira Dias de. Iniciativa para a conservação da Bacia Amazônica
(IBCA): “cooperação internacional” ou “ecoimperialismo”?. Disponível em:
<http://www.anppas.org.br/encontro4/cd/ARQUIVOS/GT13-571-280-
20080509114537.pdf> Acessado em: 13 de agosto, 2008.

SUGIMOTO, Luis. Internacionalização da Amazônia é tema recorrente em escolas


militares. Jornal da Unicamp, novembro de 2007. Disponível em: <
http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/novembro2007/ju379pag05.html
> Acessado em: 01 agosto, 2008.

60
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

OS CONTORNOS POLÍTICOS DO ESTADO BRASILEIRO NA


AMAZÔNIA E A RELAÇÃO COM OS MILITARES E AS ONGS
Maria Renata dos Reis
Orientação: Patrícia Nogueira Rinaldi

1. Introdução

É notória a maior projeção da Amazônia como um tema da agenda


internacional, principalmente a partir da década de 1970, quando se desenvolve um
debate o qual avalia a Amazônia como um ecossistema importante e fundamental ao
equilíbrio ambiental global no que se refere aos seus impactos ambientais que
influenciariam os diversos ecossistemas do mundo. Em outros termos, a região passa a
ser definitivamente considerada estratégica não apenas para o desenvolvimento
nacional, mas também o mundial. Assim, não se pode deixar de considerar que a
Amazônia consiste em um espaço de tensões geopolíticas e econômicas que está
inserida num ambiente de decisão globalizado, o qual limita e constrange a atuação do
Estado devido às novas configurações da geopolítica mundial, que impõe conflitos,
articulações e empecilhos ao desenvolvimento de políticas públicas eficientes.

É a partir disso que devemos analisar os quadros que problematizam o


conjunto das relações não só políticas, como também sociais, econômicas e jurídicas
desta região, especialmente na porção amazônica brasileira. Isso deve, pois, ser visto
por meio de uma lente que reflita os múltiplos canais de conflito e de negociação
presentes no meio político contemporâneo da Amazônia. As fontes de informação
presentes atualmente na Amazônia, quando não transmitem um conhecimento
adquirido pela presença física na região, estão baseadas em certo senso-comum, pois
apresentam os interesses existentes no território de forma a colocá-los em extremos
que convivem em intenso conflito de legitimidade. Entretanto, esse tipo de análise não

61
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

compreende o que realmente acontece na região ou o que permitiu a presente


configuração desse território, porque não coloca as verdadeiras dinâmicas de convívio
entre os diferentes argumentos: isso, pois ambos não apenas se opõem, mas também
se interagem, colocando limites e modificando a maneira de agir de cada ator. Logo, é
necessário incluir a Amazônia num quadro muito mais amplo de discussão do somente
aquele problematizado pelas mídias nacionais e internacionais, cujo discurso é
basicamente no sentido de crítica ao papel do Estado brasileiro em governar a
Amazônia.

Para tanto, o cenário da Amazônia será aqui analisado a partir do papel do


Estado brasileiro na região, tratando as causas, limites e possibilidades ao que se
refere à questão da sua atuação política. Embora sua presença na Amazônia seja
fundamental, esse artigo busca, por sua vez, enfatizar que seu poder político encontra-
se modificado pela presença de outros atores. Em outras palavras, a prioridade, no que
tange ao estudo da Amazônia, deve ser a de uma discussão em que se considere a
presença estatal não somente como o único ator passível de ação, mas que
compartilha seu espaço de decisão nacional com outras forças sociais e transnacionais
que estão presentes no estado amazônico, a saber: Ongs, organizações internacionais,
empresas multinacionais, órgãos institucionais, grupos sociais, entre outros; as quais,
por sua vez, condicionam o Estado a agir sob novas formas e condições de
constrangimento, por conta das transformações que emergiram mais claramente nas
relações internacionais a partir dos anos de 1970.

Desse modo, esta análise visa focar nos novos contornos dos problemas
apresentados na Amazônia que são efeitos do processo de transformação da ordem
mundial, na qual as relações entre os Estados passam a compreender os mais diversos
interesses destes. Podemos observar isso por meio da agenda internacional que passa
a ser pautada por uma multiplicidade de temas e atores. Ademais, os atores
transnacionais não precisam necessariamente das relações intermediárias do seu
respectivo governo para se relacionarem com os demais atores.

62
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

Tal contexto limitou o espaço de ação do Estado dentro do seu território


nacional, uma vez que ele se viu obrigado a se moldar conforme as novas relações
estabelecidas com o processo de globalização, modificando as relações internacionais
de tal modo que nos permite afirmar que os atores presentes na região da Amazônia
não estão meramente opostos um ao outro. Assim sendo, analisaremos esses dois
atores de modo a apontar a interação adversa e ao mesmo tempo complementar de
ambos, para, então, enfim concluir que a problemática da Amazônia está inserida num
contexto político muito mais complexo do que simplesmente dependente de uma
decisão governamental.

Para então alcançar tal objetivo explicativo, iremos analisar a Amazônia sob o
aspecto de dois atores que convivem numa intensa afluência de interesses articulados
dentro de um novo contexto mundial, a saber: as forças armadas e as ONGs, ambos
vistos sob uma conjuntura específica da Amazônia. Como a maioria dos textos
analíticos coloca ambos os atores em posições opostas, com interesses irreconciliáveis,
o objetivo desse artigo, ao contrário, é ilustrar uma análise mais compreensiva em
relação à dinâmica de ação dos diversos atores que agem legitimamente no território,
os quais fazem emergir um cenário montado sob forte busca de projeção de poder por
meio de mecanismos de barganha e em um contexto de contradições e sobreposições
de interesses.

2. Os Contornos Políticos do Estado Brasileiro

O objetivo dessa seção é apontar os contornos políticos do Estado Brasileiro


quanto a sua ação na Amazônia, esclarecendo como o Estado age conforme as
mudanças nas relações internacionais. Tal ator não é simplesmente passivo como
mostra a mídia brasileira e estrangeira. Muitas das afirmações sobre a atuação do
governo seguiam a seguinte diretiva: “Na teoria, o governo federal tem o controle
sobre 502,2 milhões de hectares, mas o volume arrecadado e que pode ser destinado
à reforma agrária e projetos de desenvolvimento fica reduzido a algo em torno de 67

63
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

54
milhões de hectares” . Ou então: “Nem IBAMA encontra maior desmatador da
Amazônia” 55. Mas como veremos, o Estado tem uma lógica de ação política de acordo
com os contornos multilaterais a ele imposto pelas interdependências estatais dos
últimos anos. Portanto, a maneira como a ação do ator estatal está sendo executada
será analisada juntamente com a dinâmica da política internacional. Com isso
pretendemos demonstrar quão superficial é a crítica da mídia em geral ao Estado
Brasileiro.

É, portanto, importante essa análise da ação do Estado brasileiro perante as


condições impostas pela globalização, porque este fenômeno “[...] Refere-se a uma
mudança ou transformação na escala da organização social que liga comunidades
distantes e amplia o alcance das relações de poder nas grandes regiões e continentes
do mundo”56. Isso quer dizer que nos últimos anos o Estado sofreu um processo de
transformação na maneira de arbitrar não só em seu território, mas também no nível
do sistema de estados; pois as ações dos indivíduos e dos demais atores sociais não
mais dependem estritamente da intervenção governamental. Houve uma mudança na
geopolítica do território, ou seja, na influência mútua entre o poder e o limite
geográfico, de modo que a Amazônia não é mais vista somente como um imenso
espaço territorial passível de anexação estatal, mas está inserida num processo mais
complexo de desenvolvimento econômico e de informações. Como apontou Bertha K.
Becker:

“Com as resistências regionais os conflitos na região


alcançam um patamar mais elevado. Não se trata mais
apenas de conflito pela terra; é o conflito de uma região
em relação às demandas externas. Esses conflitos de
interesse, assim como as ações deles decorrentes
contribuem para manter imagens obsoletas sobre a
região, dificultando a elaboração de políticas públicas
adequadas ao seu desenvolvimento”57.

54
“ GRILAGEM OFICIAL...”, 2008.
55
MAGALHÃES, 2008.
56
HELD; McGREW, 2001, p. 13.
57
BECKER, 2005.

64
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

Então, com a globalização, emergiu uma nova política em que os Estados


despontaram como atores que cooperam na política internacional e não mais somente
se confrontam militarmente: como no caso do Brasil que trouxe para si a realidade de
auxilio no gerenciamento da Amazônia devido aos impactos ambientais e da facilidade
de transnacionalização das fronteiras pelos atores globais imposta pelo processo de
globalização;

“A Amazônia se tornou objeto de preocupação política


do governo brasileiro, decisivamente pela pressão
externa, ou seja, ao invés de soberanamente tomar
iniciativa em termos de políticas eficazes e de longo prazo
para a região, o governo brasileiro age de forma reativa
às demandas exógenas. Foi fundamentalmente através da
pressão internacional que o governo redefiniu a política
para a Amazônia, tentando sedimentar estruturas mais
eficientes no combate ao desmatamento e fiscalização”
58
.

No caso da Amazônia podemos notar esse processo no que tange seu padrão
de desenvolvimento econômico, social e político. Lá, a problemática da região envolve
os interesses e as influências políticas dos diversos atores globais, impondo, assim,
dificuldades quanto à adoção de políticas estatais. Nesse sentido, é interessante
contextualizar a problemática da Amazônia neste processo recente de globalização:
porque o Estado está inserido na globalização enquanto fenômeno social e coletivo,
dependente da influência dos agentes sociais na elaboração da sua estratégia de ação
e na consecução de seus objetivos políticos. Desse fenômeno é possível resgatar
quatro movimentos mais amplos os quais auxiliam a compreensão das condições
estruturais da problemática na Amazônia; são eles: a internacionalização, a
liberalização, a universalização e a ocidentalização59.

58
PINTO, 2005.
59
“A Internacionalização refere-se apenas ao incremento das transações e ao aumento do grau de
interdependência entre os Estados. A Liberalização, por sua vez, defende a diminuição do Estado a partir
de uma ideologia neoliberal, resultando na constituição de uma economia mundial sem fronteiras. A
concepção de Universalização está relacionada a uma possível homogeneização cultural, econômica,
jurídica e política. Por fim, a Ocidentalização aponta uma particular universalização do modelo
sociocultural aplicado na Europa Moderna, destruindo culturas pré-existentes e autodeterminações locais
dentro do Processo de Globalização.” Cf. SCHOLTE, 2002.

65
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

A internacionalização está intimamente relacionada ao liberalismo enquanto


fenômeno de mudanças no conceito do local e do global. Tal fenômeno está ligado à
lógica dada ao capital incorporada nas multinacionais que deram um caráter sem
fronteiras devido à sua dinâmica capitalista de ação global. A expansão das fronteiras
agrícolas e a exploração de recursos naturais por grandes multinacionais na Amazônia
é um bom exemplo dessa nova lógica do capital. Já a universalização ocorre
paralelamente à ocidentalização: a transferência de decisão política a órgãos
supranacionais permitiu que os direitos políticos fossem transnacionalizados e, com
isso, a questão da soberania estatal fosse relativizada devido à emergência dos atores
sociais legitimados pela aceitação dos direitos humanos sobre a soberania estatal.
Como afirmado no documento A Universalização dos Direitos do Homem e a Falácia da
Internacionalização da Amazônia 60:

“Idéia de patrimônio mundial traz a dimensão de


universalidade de um valor face ao tempo e ao espaço.
Universal face ao tempo, fala-se de proteção e da
conservação, a valorização e a transmissão às gerações
futuras. Universal face ao espaço, porque se trata de um
patrimônio de todos os povos, independentemente dos
aspectos geográficos dos limites de territorialidade. Trata-
se de uma perspectiva supranacional sem, contudo,
colocar em causa a soberania dos Estados. Esta
convenção traz, por sua vez, o reconhecimento do
patrimônio cultural e do patrimônio natural, como partes
do mesmo todo. Na Conferência de Estocolmo, em 1972,
o meio ambiente é um bem comum da humanidade”61.

Conseqüentemente novas políticas emergem com a aparência de estabelecer


parâmetros e possibilidades de gerência do espaço político nacional em nível mundial:
“Aparece a partir daí um conjunto de medidas legislativas, administrativas, técnicas ou
financeiras que visam ao encorajamento de uma participação ativa das comunidades
no meio ambiente, a integração do patrimônio na vida econômica e social do grupo
social”62. No entanto, a consciência da questão nacional em que a Amazônia é

60
CORREIA DA SILVA, 2006.
61
Idem.
62
SCHOLTE, 2002.

66
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

considerada um patrimônio brasileiro tão somente e não disponível ao bel-prazer


mundial ainda permanece.

Com isso, quisemos explicar a realidade internacional imposta ao Estado


brasileira a qual o condiciona a agir conforme o resultado político atingido na interação
e conflito entre os demais atores sociais na Amazônia. Apenas após essa análise das
transformações, podemos analisar as implicações na forma e na função dinâmica do
Estado brasileiro em um contexto de transnacionalização das relações, bem como
passar a discutir a dimensão do gerenciamento estatal e, a partir dele, analisar o
diálogo do Estado com dois atores sociais que estão presentes na região amazônica, a
saber, os militares e as ONGs.

3. Dinâmica da Ação Estatal frente a Outros Atores

Nesta seção vamos apontar as dificuldades e falhas na ação do Estado Brasileiro


na Amazônia. Para isso vamos, primeiramente, demonstrar o caráter das políticas
elaboradas pelo Estado, além do espaço político em que o país estava inserido. E,
posteriormente, vamos estudar como as forças armadas e as ONGs convivem dentro
do território da Amazônia, quão potenciais são suas forças políticas e sua interação
com as políticas do Estado.

3.1. O caminho traçado pelo Estado

Iniciaremos, então, relatando qual a importância da Amazônia estar inserida no


processo de reformulação da política global, no qual muitos atores tais como ONGs,
ambientalistas e agentes sociais passaram a adotar ações de gerenciamento na
Amazônia, paralelamente às políticas do Estado63. Um aspecto importante para
entender as críticas feitas de modo a apontar certa ausência do Estado brasileiro na

63
“Dessa forma, através da implantação de um programa de gestão ambiental é possível obter
redução do consumo de energia; redução de geração de resíduos; economia e redução de desperdício de

67
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

Amazônia, bem como os limites e potenciais de atuação deste na região, é entender a


Amazônia a partir da problemática de contraposição entre o desenvolvimento do
processo produtivo na região versus a utilização não-extensiva dos recursos naturais,
balizada pela normatividade das legislações ambientais64.

Um exemplo para ilustrar essa questão é a legislação elaborada pelo Congresso


Nacional o qual foi desenvolvido para formar a Amazônia Legal65. Essa área seria
formada mediante a preservação de 80% de cada propriedade na região; porém, de
acordo com o Código Florestal, essa medida não condiz com a realidade da Amazônia,
pois tal lei fora feita num momento posterior à ocupação da área produtiva da região.
Portanto, esse fato faz com que esta cota seja raramente respeitada. Tudo isso porque
são políticas governamentais sem um profundo conhecimento do processo de
ocupação do território e da falta de estruturação das políticas voltadas para a
Amazônia. Ao contrário dessa atitude, essas leis devem ser desenvolvidas a partir de
uma reflexão junto da dinâmica econômica e social do território, ao ver que a
economia da região gira basicamente em torno da indústria de extrativismo vegetal e
da agropecuária66. Portanto, uma saída para a região, como apontada pelo diretor da
Fundação Amazônia Sustentável, Virgílio Viana, é “ter coragem” para fazer uma revisão
profunda da legislação - sem excluir uma reserva legal, mas criando alternativas de
sustentabilidade econômica e social que valorizem a manutenção da floresta. “Temos
o costume de dizer que o Brasil tem as melhores leis do mundo, só falta cumpri-las. Eu
discordo (...) A partir do momento que a lei não serve para ordenar o comportamento

uso da água; criação de rotinas de reuso da água; reciclagem de resíduos sólidos e líquidos.” Cf.
GASPARINI; GASPARINI, 2005, p. 80.
64
A ISO 14001 é um exemplo dessa legislação ambiental, cuja é a de fornecer às organizações os
requisitos básicos de um sistema de gestão ambiental eficaz.
65
A Amazônia Legal foi estabelecida por meio de uma lei, visando o planejamento econômico da
região amazônica. Abrange os Estados do Norte, Acre, Amazonas, Amapá, Pará, Rondônia, Roraima e
Tocantins e mais o Estado do Mato Grosso, no Centro-Oeste e parte do Maranhão, no Nordeste.
66
Ainda temos atividades em outros municípios da região, fortemente impulsionadas por ser
Manaus uma zona de livre comércio: no Pará é encontramos a indústria de transformação de minerais
(alumínio). Em Manaus temos a indústria pesada e eletroeletrônica, sendo a economia deste município e
também do Estado, fortemente impulsionada por ser Manaus uma zona de livre comércio.

68
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

humano, ela deixa de ser inteligente, torna-se irreal. Precisamos de um choque de


bom senso.”67

Logo, essa questão referente à fragilidade das políticas do Estado Brasileiro, é


reflexo principalmente com fim da Guerra Fria, no final do último século, momento em
que os conceitos de estratégica política e articulação dos interesses estatais estão
baseados na noção de “inimigo externo”. Esse fato levanta, em primeiro lugar, o
problema de risco à integridade do território nacional. Essa dificuldade está
relacionada ao papel da burocracia militar, e das estratégias de defesa da Amazônia
produzidas ainda na época da ditadura, tudo porque sob a prudência da defesa da
região dos interesses privados, tanto dos demais Estados nacionais quanto dos
capitalistas internacionais, fez pressionar o Estado brasileiro em voltar sua atenção na
formulação de estratégias de defesa do território da Amazônia68. Por isso, como
resposta à ameaça dos países industrializados e da pressão de uma rede envolvendo
grupos ambientalistas e movimentos sociais e políticos, o Estado, então, se vê
obrigado a adotar uma nova postura de defesa da Amazônia. Para alcançar isso, ele
aumenta a presença do exército na região, atuando em pelo menos duas dimensões:
No Projeto Calha Norte (PCN) que foi extremamente criticado por Ongs, pois
protegeria a região dos inimigos externos, no Sistema de Vigilância Amazônico (SIVAN).

No entanto, esses planos baseados apenas na defesa da integridade territorial


não articularam um compromisso de longo prazo para a Amazônia, mas somente a
garantia física das fronteiras, traçar estradas ou adensar o povoamento, constituindo
formas pouco articuladas de desenvolvimento da Amazônia brasileira. Ou seja, a base
das políticas de prevenção e planejamento ecológico nacionais sempre foi muito
precária devido aos altos custos de financiamento dos projetos e políticas do Estado,
ao mesmo tempo realizados de forma não articulada quanto à exploração dos recursos
ambientais. Ademais, por não ser um contexto de intensa globalização, logo o que se

67
AURELIANO, 2008.
68
O estado, de certa forma, sempre buscou estabelecer sua presença na região. Como exemplo,
vemos em 1952, uma resposta do governo brasileiro às iniciativas internacionais, a criação do INPA
contra o interesse da ONU em estabelecer um Instituto Internacional da Amazônia.

69
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

via era um Estado preocupado na defesa das fronteiras nacionais e no adensamento


do povoamento na região, como uma forma de proteger a mesma. Logo, havia era
uma falta social do governo dentro da região, pois suas políticas para a Amazônia
exibiam um caráter de defesas exógenas voltadas ao controle das fronteiras, enquanto
internamente apresentava-se uma dinâmica extensiva sem planejamento, pois os
interesses que ali se consolidavam se expandiram de forma não assinalada por
políticas sociais estatais intensas.

Ao contrário disso, em 1989, o Estado já democrático e atuando sob novos


parâmetros políticos internacionais, criou o IBAMA, frente a um contexto de novos
atores, como os ambientalistas e ONGs, por sua vez, cuja atuação levantou uma
segunda problemática que é a discussão da má administração da Amazônia pelas mãos
do Estado brasileiro. Essa questão permitiu concluir que a presença dos militares na
região não foi suficiente para que cessassem o referido discurso da gestão política da
Amazônia. É importante mais uma vez observar que esses atores estão presentes na
região amazônica por conta da emergência de um complexo jogo político que emergiu
juntamente com a globalização, o que permitiu que eles operassem sem serem
constrangidos pelo limite territorial dos Estados. Esse contorno da realidade a partir
dos anos de 1990 permite uma análise que compreenda que o entendimento dos
interesses e a rede de conflitos e barganha na Amazônia não pode construir uma
imagem generalizada de atores, admitindo todos corruptos e interessados em seus
próprios benefícios, mas sim destacar esses mesmos interesses e como eles se
acomodam na política do Estado. E é o que faremos agora com o objetivo de melhor
explicar essa questão.

4. A Dinâmica Política na Amazônia


4.1. O plano de defesa militar da Amazônia

A Amazônia, como vimos explicando, está inserida num contexto muito mais
amplo e complexo daquele apontado pela mídia. Esta acaba construindo uma idéia
generalizada do ambiente político da Amazônia, mostrando-a a partir de um senso-

70
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

comum da existência de dois pólos que vivem em intenso confronto dos seus
interesses. Portanto, nesta seção, este artigo buscará explicar o que realmente
acontece nesta região através da dinâmica de ação de cada ator, a saber: as forças
armadas e as ONGs; e a partir disso evidenciar como o Estado Brasileiro se posiciona
conforme esse ambiente político.

Primeiramente, como uma fração do aparelho burocrático do Estado, as Forças


Armadas foram uma organização que precisaram se adaptar à nova estrutura política
mundial: não só continuaram inseridas na região amazônica, como também
preservando as estratégias de defesa da soberania e dos interesses internos em novas
bases, nas quais a defesa das fronteiras perante os demais Estados não eram mais as
únicas preocupações estatais. Logo, a globalização é observada pelos militares de
modo defensivo, como uma ameaça à soberania, “a ideologia fardada afirma que as
preocupações humanitárias e ecológicas dos países ricos do Norte não são sinceras e,
na verdade, ‘camuflam’ interesses e oportunidades econômicas, ou seja, camuflam a
cobiça desses países pela Amazônia” 69.

Logo, de acordo com os militares, a Amazônia deve ser, pois, a principal


preocupação do Estado Brasileiro, principalmente porque a região concentra os
recursos estratégicos riquezas naturais buscados pelos demais países. E mais, segundo
general Maynard Marques Santa Rosa, secretário de Política, Estratégia e Assuntos
Internacionais do Ministério da Defesa,

“…“O Brasil é o único país do mundo que não opõe


restrições à atuação de ONGs, e a base legal para isso é a
própria Constituição Federal” – a nossa famosa
Constituição Cidadã, elaborada ainda no calor da abertura
democrática do país em 1988, depois de mais de 20 anos
de autoritarismo (Golpe de 1964)”70.

69
HAAG, 2008.
70
ROCHA, 2007.

71
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

É necessário ressaltar que o pensamento das Forças Armadas sobre a Amazônia


é distinto ao das autoridades e entidades civis, da Igreja e das instituições de pesquisa.
“Enquanto os civis apontam ameaças pontuais – como tráfico de drogas, biopirataria,
desmatamento e poluição dos rios, além dos graves problemas sociais –, os militares
temem pela soberania sobre o território, devido à ‘cobiça’ dos países ricos”71. Para
eles, portanto, as regiões brasileiras devem estar integradas e que isso resulte em
políticas de defesa e prevenção do território amazônico e do seu ecossistema. “Trata-
se de ocupar a floresta e usar táticas de guerrilha, como os vietcongs, contando com o
apoio da população. Não é à-toa que os batalhões de fronteira recrutam tantos
indígenas. A idéia de integrar o nativo, o ribeirinho, está dentro da estratégia maior da
dissuasão72”. Todavia tem havido dificuldades para essa interação, porque embora
haja um grande efetivo militar presente na região, a falta de infra-estrutura e de
investimentos em armamentos acaba deixando os militares com pouca eficiência de
defesa do território. Por outro lado, o papel das Forças Armadas se mostra estratégico,
pois sua ação por vezes exige a articulação entre outros setores não-militares, gerando
atividades complementares:

“Os militares argumentam, no entanto, que as Forças


Armadas brasileiras não se destinam apenas às tarefas
estritamente militares. Há, ainda, as atividades
subsidiárias, como, por exemplo, o apoio à polícia ou a
distribuição de alimentos, por parte do Exército; a
segurança no tráfego aéreo e a administração dos
aeroportos, pela Aeronáutica; a segurança da navegação,
a assistência a populações ribeirinhas e as operações de
salvamento, por parte da Marinha. Em muitos pontos do
País, sobretudo na Amazônia, os militares são o único
braço do Estado, enfatizam todos eles”73.

Esses argumentos militares devem, sim, ser levados em consideração pelo


Estado Brasileiro; visto que eles estão presentes fisicamente na região, o que permite
um aprendizado e conhecimento das especificidades do território, bem como sua

71
Essa questão sobre a “cobiça dos países ricos” na Amazônia será mais detalhadamente
trabalhada em outro artigo desse Caderno Espacial sobre a Amazônia. Cf. SUGIMOTO, 2007, p. 5.
72
HAAG, 2008.
73
SANT’ANNA, 1999.

72
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

cultura, hábitos e dinamismo. As Forças Armadas, portanto, podem descrever os


acontecimentos da Amazônia pela capacidade adquirida com sua permanência na
região. E o poder garantido pela sua personalidade de origem pública - ou
governamental - garante alguma imponência na região. Logo, como fração da
burocracia estatal, os militares podem ter uma modificação e integração no seu papel
de gerenciamento da região: a defesa das fronteiras da Amazônia pela integração no
dinamismo político, econômico e social do restante da nação.

5. A Presença Dos Atores Sociais

A análise de defesa dos militares perante os novos atores transnacionais


geralmente envolve o argumento de que esses atores estão vinculados a interesses
externos. Apresentam as ONGs como atores privados transnacionais que estão
próximos das estratégias globalistas de cooperação e integração de ações com a esfera
pública, limitando a soberania do poder estatal. Para eles, as maiorias das ONGs têm
objetivos distantes dos declarados, como pressionar o governo brasileiro a preservar a
floresta e a tornar cada vez mais inacessíveis grandes áreas, declaradas reservas
indígenas, parques nacionais ou áreas de proteção ambiental, o que levaria à

“Uma internacionalização silenciosa (biopirataria e


domesticação de produtos regionais) vai lenta e
progressivamente sugando o que de mais precioso e
estratégico as florestas e a diversidade ecossistêmica
amazônica pode oferecer: saber milenar e base de
substâncias ativas para a indústria de ponta do
capitalismo avançado. No mesmo contexto, a estratégia
dessas organizações seria usar a mídia para convencer a
opinião pública nacional e internacional de que a questão
amazônica é do interesse da humanidade, e não apenas
dos países sul-americanos, que não têm capacidade para
garantir sua conservação”74.

A grande problemática é que, embora as ONGs tenham sua legitimidade


fragilizada por conta de relações obscuras com interesses estrangeiros,

74
TEIXEIRA DA SILVA, 2008.

73
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

particularmente no que tange ao financiamento e seus objetivos, ao mesmo tempo


elas apresentam um papel significativo na condução de políticas sociais na região.
Muitas delas têm projetos sociais que visam suprir a falta social do governo, como a
relacionada à educação, saúde e moradia, auxiliando, mesmo que de forma extensiva
e pontual, a população local com estratégias sociais e projetos políticos que visam
defender o meio ambiente.

Por isso que as essas críticas às ONGs devem ser julgadas por meio de um
conhecimento processual, o qual possibilitou que elas conquistassem o direito de
influenciar politicamente na Amazônia por vias sociais. Elas agem, ao menos em
princípio, em conformidade com a lógica da defesa da cidadania, do meio ambiente e
dos povos que vivem na região amazônica. Esses pontos, de um lado, podem ser
denominados como os condicionantes externos fundamentais para entender que a
atuação das ONGs que está na grande liberdade de ação, devido aos mecanismos de
cooperação internacional que elas engendram. De outro, em relação aos
condicionantes internos, temos que:

“A proliferação de Organizações Não-governamentais na


Amazônia brasileira insere-se num contexto de
estagnação econômica e de alargamento do fosso social.
O efeito desintegrador das privatizações a toque de caixa
e o desaparecimento das grandes estatais destruíram
uma cadeia produtiva pensada para a região dentro do
projeto nacional de vocação nacionalista avesso a
interferências de Ongs subsidiadas do exterior” 75.

Há, portanto, certa legitimidade de atuação das ONGs no território pela


crescente interdependência entre a atuação política das ONGs, suas fontes de
financiamento, com efeitos multiplicadores de emprego e renda, e as políticas sociais
perpetradas, isso faz com que o argumento dos militares fique aquém do discurso
meramente econômico, o que apresentaria a Amazônia como a única vulnerabilidade
do Brasil. Tais atores podem, entretanto, usar essa liberdade de maneira adversa e

75
PROCÓPIO FILHO, 2007.

74
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

causar muitos constrangimentos ao país onde atuam. Como demonstrado num estudo
sobre a escrituração de dez ONGs, feito por auditores do Tribunal de Contas da União:

“Firmaram com o governo 28 convênios. Encontraram-se


irregularidades 15. Juntas, as entidades fiscalizadas
beliscaram dos cofres públicos R$ 150,7 milhões entre os
anos de 1999 e 2005. As liberações ocorreram em
ambiente de absoluto descontrole. Os auditores
encontraram “planos de trabalho mal elaborados, objetos
imprecisos, metas insuficientemente descritas, projetos
básicos ausentes, incompletos ou com informações
insuficientes”. “Em nenhum dos convênios analisados
houve a preocupação dos órgãos concedentes de avaliar
a qualificação técnica e as condições (administrativa,
técnica, operacional, experiência, pessoal qualificado,
etc.) das entidades convenentes para consecução dos
objetos propostos”76.

Na defesa contra esses escândalos, principalmente das críticas dos militares, as


ONGs afirmam que

“Além das armas, recursos e promoções, o que mais


ganharão os militares (…)? Ganharão a permissão de se
infiltrar, monitorar e reprimir os movimentos sociais e
indígenas em luta contra a devastação e ocupação
irracional da Amazônia. Estarão gritando contra as ONGs,
mas prendendo ou atirando em brasileiros pobres. O
Exército Brasileiro prepara-se para servir de Capitão de
Mato dos interesses estrangeiros, a perseguir
guerrilheiros (ou qualquer coisa que se assemelhe ou que
eles pensem que são) e membros dos movimentos sociais
que se organizam contra o imperialismo e contra a
entrega do país” 77.

76
IZAGUIRRE, 2006.
77
“DEGRADAÇÃO e ONGs...”, 2007.

75
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

6. Considerações Finais

É perceptível que a tensão causada pela defesa do direito de participação


política na região amazônica vista entre os militares e as ONGs é, deste modo, definida
por argumentos nacionalistas versus transnacionais: aqueles defendem seu direito
nacional e, para estes, tudo passa a ser justificado pela lógica do processo de
integração global dos países nas últimas décadas. Embora reconheçamos ser de
fundamental importância a permanência das forças armadas brasileira na região da
Amazônia, pois, o tráfico de drogas e outras atividades ilegais acabam se
desenvolvendo na região, como o tráfico de armas e o de animais, extração de
madeira e o tráfico de pessoas; devemos levar em consideração que o retorno do
discurso de ameaça de um “inimigo externo” encontra limites estruturais oriundos do
processo de criação de um mundo mais integrado e globalizado pela emergência de
atores os quais transnacionalizam suas ações de forma legítima, o que exige uma
redefinição da discussão de ameaça à soberania levantada pelos militares. Por outro
lado, não se pode negar que as ONGs promovem política social na Amazônia; sendo,
portanto, necessário incluir sua participação na definição das políticas de
desenvolvimento na região.

Podemos concluir, pois, que o espaço político da Amazônia não é somente


aquele apontado pela mídia: ele está permeado por uma dinâmica que demonstra
conflito, mas, ao mesmo tempo, há uma articulação entre as políticas devido ao
constrangimento imposto pelo convívio dos atores na região. Esse espaço político
deve, pois, ser pensado juntamente com a lógica de desenvolvimento nacional e com a
mudança de expressão política global no fim do último século. A assistência
estrangeira na Amazônia, por sua vez, exige que as políticas do Estado quebrem a
polarização do debate político e adote medidas conciliatórias: “O reconhecimento dos
sucessivos fracassos das políticas de desenvolvimento para a Amazônia deveria

76
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

conduzir a uma nova política do Estado Nacional, atacando problemas crônicos, o que
levaria a investimentos maciços em infra-estrutura social”78.

O Estado brasileiro deve buscar atender a região da Amazônia com políticas


embasadas nas necessidades da região. Em outras palavras, deve vê-la como um
território peculiar e vulnerável aos intensos debates políticos lá presentes. Pois, cada
ator político inserido no quadro de decisão da Amazônia exige um grau de legitimidade
de ação política que reflete a personalidade elaborada num processo histórico de
transformação do dinamismo da política mundial. Por mais nacionalistas que sejam os
militares, os demais atores não deixaram de compor o quadro político da Amazônia,
uma vez que tal presença já foi legitimada pelos novos arranjos políticos globais.
Porém, uma atitude racional é articular esses atores as políticas nacionais e estas
pensadas juntamente ao desenvolvimento econômico da região. Ou seja, englobar não
apenas a preservação dos recursos naturais da Amazônia, mas também conciliar a
exploração desses recursos em prol do desenvolvimento nacional e em compasso com
as transformações – e ingerências normativas – globais.

Como discutido desde o início desse artigo, a Amazônia está inserida em um


novo quadro de decisão política, orientado na lógica de mercado. Esse fato traz
consigo elementos ligados diretamente a globalização, como, por exemplo, a
liberalização econômica e a ocidentalização dos direitos sociais. Não se pode ignorar o
poder e a estabilidade dos diversos interesses capitalistas na exploração dos recursos
da região da Amazônia, o que justifica, em certa medida, a preocupação dos militares;
muito embora não seja com a defesa das fronteiras e da soberania que os interesses
deles serão articulados aos interesses nacionais. Ao mesmo tempo, foram fomentadas
atividades de originalidade social, como os ambientalistas, ativistas, atores
transnacionais, entre outros79.

78
PROCÓPIO FILHO, 2007.
79
“A noção de defesa nacional centrada na visão estadocêntrica no marco da soberania territorial
mostra-se insuficiente para garantir situações de estabilidade e desenvolvimento. A globalização está
erodindo a soberania dos Estados, expondo vulnerabilidades num contexto da nova arquitetura da
(in)segurança mundial. As formas clássicas de resolução dos conflitos pela via armamentista e

77
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

Em outras palavras, o sucesso do governo brasileiro em suas políticas depende


do equilíbrio das suas decisões para elaborar políticas regionais e municipais. E, por ter
que ponderar suas decisões de acordo com os demais atores presentes no contexto da
região amazônica, é de fundamental importância que o governo interligue suas
políticas, elaborando-as em longo prazo, para melhor controlar as atividades ilegais e
predatórias na Amazônia e articular o desenvolvimento econômico da região ao
desenvolvimento nacional. E que, a partir disso, sua presença possa ser sentida de
forma eficaz no desenvolvimento político, econômico, social e jurídico; e não como um
ator que tenha a obrigação de colocar limite nas ações de qualquer outro ator.

Torna-se perceptível notar, pois, que cada ator possui uma estratégia diferente
na dinâmica de negociação política na Amazônia; porém é possível compor e combinar
interesses em políticas para a região. Isso se torna evidente em acordos multilaterais,
projetos de pesquisa em parceria com universidades e governos, projetos de proteção
ambiental e de fronteira, desenvolvimento social e regional; estes constituem os vários
meios de ação e defesa na gestão da Amazônia. “O grande desafio do governo é
entender as diferenças da Amazônia, e não tentar moldá-la ao modo de viver sulista. É
levar a educação, por exemplo, não pensando em vale-transporte para estudantes,
mas em barcos-escola. É preciso mudar o paradigma, integrar para não entregar”80. Ao
mesmo tempo em que é possível fazer uma crítica ao inimigo externo no sentido de
que o Estado Brasileiro deve se voltar na defesa dos interesses nacionais deve-se
adotar mecanismos políticos de controle para que esses projetos não recaiam nas
políticas mal financiadas, resultando em simples povoamento ou na manutenção de
grande contingente de militares na região sem infra-estrutura adequada.

Por fim, é a nova estrutura de regulação da política mundial, a qual introduziu


novas relações na política interna da Amazônia, que é o ponto de partida para analisar

intimidação bélica já não respondem aos desafios e impasses contemporâneos. A segurança militar
continua relevante e decisiva, mas não é a única a ser garantida. Emergem ameaças e desafios que afetam
a segurança internacional, mostrando que novas configurações planetárias – interdependência econômica,
velocidade tecnológica e informacional e desequilíbrios ecológicos, irão conduzir políticas de segurança
para outras esferas não exclusivamente militares.” Cf. SILVA TEIXEIRA, 2008.
80
LEAL, 2007.

78
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

a problemática da região. Pois, a partir dela é que se percebe que as novas relações
políticas na região. E, são estas relações quem dão o tom intenso e tenso da dinâmica
política da Amazônia inserida nas preocupações mundiais com o atendimento social a
população, preservação recursos naturais, condições climáticas e biodiversidade.

7. Referências Bibliográficas

AURELIANO, Luis. Legislação não reflete a realidade na Amazônia. Espaço Público, 23


de novembro, 2008. <http://www.espacopublico.blog.br/?p=6950>. Acesso em 01 dez.
2008.

BECKER, Bertha K.. “Geopolítica da Amazônia”. Dossiê da Amazônia Brasileira I,


Jan./Apr. 2005. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142005000100005
&Lng=en&nrm=iso&tlng=pt>. Acesso em: 30 ago. 2008.

CORREIA DA SILVA, Monica Paraguassú. A Universalização dos Direitos do Homen a e


Falácia da Internacionalização da Amazônia. Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-
Graduação em Direito, 16 de novembro, 2006. Disponível em:
<http://conpedi.org/manaus/arquivos/anais/manaus/direito_intern_pub_monica_p_d
a_silva.pdf>. Acesso em: 04 dez. 2008.

“DEGRADAÇÃO e ONGs na América continental”. Rede Brasileira de Relações


Internacionais. América do Sul, Brasil, Política Internacional, 30 de maio, 2007. <
http://www.relnet.com.br/blog/?p=444>. Acesso em: 04 dez. 2008.

GASPARINI, Adriana Schinaider Rigoni; Gasparini, José Luiz Gouvêa. “Programas De


Gestão Ambiental: Uma Ferramenta Necessária À Implantação De Um Sga” In: In:
Scientia - Revista do Centro Universitário Vila Velha. Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2,
Jan./Dez., 2005. Disponível em:

79
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

<http://www.uvv.br/servicos/scientia/scientia_06_editado.pdf>. Acesso em: 23 out.


2008.)

“GRILAGEM OFICIAL: Mais da metade das cidades da Amazônia foi erguida sobre áreas
pertencentes à União”. Portal Ecodebate, 28 de novembro, 2008. Disponível em:
<Http:// http://www.ecodebate.com.br/index.php/2008/11/28/grilagem-oficial-mais-
da-metade-das-cidades-da-amazonia-foi-erguida-sobre-areas-pertencentes-a-uniao/>.
Acesso em: 04 dez. 2008.

HAAG, Carlos. A Floresta Verde Oliva. Humanidades: Edição Impressa 144 - Fevereiro
2008. Disponível em:
http://www.revistapesquisa.fapesp.br/?art=3461&bd=1&pg=1&lg=>. Acesso em: 03
dez. 2008.

HELD, David; McGREW, Anthony. Prós e contras da globalização. Rio de Janeiro:


Editora Jorge Zahar, 2001, pp. 11-13. Op.cit. “O DEBATE Modernidade e Pós-
modernidade e a questão da Globalização”. Disponível em:
<http://www.opandeiro.net/cursos/apostilas/pos-
modernidade_globalizacao/definicoes_globalizacao.pdf>. Acesso em: 12 set. 2008.

IZAGUIRRE, Monica. Requerimento do Senador Heráclito para Criação da CPI das


ONGs. Jornal Valor Econômico, 14 de novembro, 2006. Disponível em:
http://www.senado.gov.br/heraclitofortes/not%C3%ADcias468.htm>. Acesso em: 02
dez. 2008.

LEAL, Rafael Della Giustna. Amazônia, esta ilustre desconhecida. Amazônia por um
Sulista, 13 de março, 2007. Disponível em: <
http://amazoniaporumsulista.wordpress.com/2007/03/13/amazonia-esta-ilustre-
desconhecida/>. Acesso em: 05 dez. 2008.

MAGALHÃES, João Carlos. “Nem Ibama encontra maior desmatador da Amazônia”.


Agência Folha, 02 de outubro, 2008.

80
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

<http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u451175.shtml>. Acesso em: 02 de


dez. 2008.

PINTO, Walter. O PPG-7 e a Governança Global na Amazônia. Jornal da Universidade


Federal do Pará, setembro, 2005. Disponível em:
<http://www.ufpa.br/beiradorio/arquivo/beira18/noticias/noticia1.html>. Acesso em:
03 dez. 2008.

PROCÓPIO FILHO, Argemiro. Degradação ambiental e Ongs na Amazônia Continental.


Boletim de Análise de Conjuntura em Relações Internacionais, 15 de maio, 2007.
<http://meridiano47.info/2007/05/15/degradacao-ambiental-e-ongs-na-amazonia-
continental/>. Acesso em 03 dez. 2008.

ROCHA, Leonel. Correio Barra Projeto Amazônico. Correio Brasiliense, 27 de maio,


2007. Disponível em: <http://www.bioflorestal.com/usaid.htm>. Acesso em: 03 dez.
2008.

SANT’ANNA, Lourival. Interesses corporativos influem no efetivo, 14 de março, 1999.


Disponível em: <http://www.lourivalsantanna.com/mili0008.html>. Acesso em: 02 dez.
2008.

SCHOLTE, J. A. What is globalization? The definitional issue – again. Coventry:


University of Warwick, Center for the Study of Globalization and Regionalization, 2002.
Working paper n. 109/02. Op.cit. BRESCIANI, Danièlle De Oliveira; MOZINE, Augusto
Cesar Salomão. “O Processo de Globalização na Perspectiva das Relações
Internacionais: Uma abordagem acerca de seus impactos sobre o Estado Democrático
Brasileiro”. In: Scientia - Revista do Centro Universitário Vila Velha. Vila Velha (ES), v. 6,
n. 1/2, Jan./Dez., 2005. Disponível em:
<http://www.uvv.br/servicos/scientia/scientia_06_editado.pdf>. Acesso em: 23 out.
2008.)

81
Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas
OFTA

SILVA TEIXEIRA, Alberto da. A segurança da Amazônia no século XXI. Revista do Autor,
01 de novembro, 2008.
<http://revistaautor.com/index.php?option=com_content&task=view&id=309&Itemid
=38>. Acesso em: 04 dez. 2008.

SUGIMOTO, Luiz. Internacionalização da Amazônia é Tema Recorrente em Escolas


Militares. Jornal da Unicamp, 5 a 11de novembro, 2007, p. 5. Disponível em:
<http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/jornalPDF/ju379pag05.pdf>. Acesso
em: 03 dez. 2008

TEIXEIRA DA SILVA, Alberto. A Globalização da Amazônia. Boletim de Análise de


Conjuntura em Relações Internacionais, 18 de abril, 2008. <
http://meridiano47.info/2008/04/18/a-globalizacao-da-amazonia-por-alberto-teixeira-
da-silva/>. Acesso em 03 dez. 2008.

82

Você também pode gostar