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Dr. Bruno Pontes - Direito Constitucional PDF
Dr. Bruno Pontes - Direito Constitucional PDF
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AULAS 01 E 02 – CONSTITUCIONALISMO, DIREITO CONSTITUCIONAL E CONCEITO E SENTIDOS DE CONSTITUIÇÃO
Sumário:
I. CONSTITUCIONALISMO E DIREITO CONSTITUCIONAL
I.1 Considerações gerais
I.2 Sentidos de constitucionalismo
I.3 Origem e divisão histórica do constitucionalismo
I.4 Neoconstitucionalismo
I.5 Direito constitucional
I.6 Origem do direito constitucional
I.7. Características do Direito Constitucional
I.8 Direito constitucional e teoria geral da Constituição
I.9 Divisões do direito constitucional
2.0 Direito constitucional processual e direito processual constitucional
II. CONCEITO E SENTIDOS DE CONSTITUIÇÃO
II.1 Definindo Constituição
II.2 Sentidos de Constituição
II.3 Outros sentidos de Constituição
II.4 Conceito de Constituição
II.5 Classificação de constituições
II.6 Outras classificações
II.7 Classificação da Constituição de 1988
Capítulo I:
CONSTITUCIONALISMO E DIREITO CONSTITUCIONAL
“Por trás de todo direito há um rasto de sangue”.
I.1. Considerações gerais
As primeiras conquistas do homem foram contra o próprio homem. O bando que tinha mais
força dominava as propriedades, a comida e as fêmeas do outro bando. Por isso, os homens resolveram
criar algo poderoso, que pudesse resguardar suas propriedades e gerar, assim, um mínimo de segurança
para viver: criaram o Estado, concentrando nele toda a força disponível, transformando-se na primeira
grande conquista do homem, enquanto ser social.
Se os homens resolveram delegar poderes para o Estado, concentrado nele toda a força
necessária para manter a paz social, era de se supor que o Estado acabasse abarcando a tudo e a todos; que
acabasse sendo absoluto. A intenção era esta mesma: o Estado deveria ser absoluto, não podendo ser a ele
oposto outro poder, outra força, sob pena de balbúrdia, insegurança e fragilidade do próprio Estado. Por
isso é que o inglês Thomas Robbes (05.04.1588 – 04.12.1679) chegou a comparar o Estado ao monstro
bíblico “Leviatã”, no livro Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil, de 1651,
enfocando que seria necessário um contrato social entre os povos para celebrar a paz, porque os homens
são egoístas e caminham inevitavelmente para a guerra. Seria necessário, portanto, algo poderoso e
soberano para limitar esta fraqueza humana e impor medo aos homens, afastando os problemas que esta
fraqueza pode ocasionar, como guerra, caos, injustiças, desordem e insegurança. Era uma época em que o
Estado precisava ser forte, daí porque Hobbes afirmou: “Esta é a geração daquele enorme Leviatã, ou antes
– com toda reverência – daquele deus mortal, ao qual devemos, abaixo de Deus Imortal, nossa paz e
defesa”.
O absolutismo estatal deveria, portanto, ser canalizado unicamente para gerar paz,
segurança e justiça social. Não foi, entretanto, o que ocorreu. Na verdade, nos primórdios da criação do
Estado a humanidade não conhecia o recado do francês Montesquieu (18.01.1689-10.02.1755): todo
homem que tem o poder sente inclinação para abusar dele, e segue abusando até encontrar limites. Foi por
isso que os homens não imaginaram, originalmente, que o Estado, que é uma ilustração simbólica cuja força
se efetiva pelas mãos do homem, se voltaria contra os próprios homens, tornando-se opressor e violento.
Não se imaginava que a vontade por mais segurança e justiça acabaria trazendo outras formas de
insegurança e injustiça, forjando a humanidade a lutar contra o próprio Estado. Porém, se a conquista do
homem contra o próprio homem, criando o Estado, apesar de natural, foi difícil, as conquistas contra o
próprio Estado foram ainda mais penosas.
Muito mais sob a insígnia do ódio do que propriamente do amor, a humanidade passou a
lutar com intensidade em busca de cada direito, dando razão à concepção realista dos direitos
fundamentais. Até um dos primeiros direitos do ser humano, o direito ao sepultamento, foi conquistado a
duras penas. Não foi à toa que a espada – ou cornucópia - foi parar em uma das mãos da Deusa Têmis, o
símbolo da Justiça, porque na verdade não quer representar apenas a força do Direito, mas também as lutas
que o antecederam: se foi preciso a utilização da força bruta para conquistar um direito, a Deusa Têmis
deixa claro que a mesma força será utilizada para efetivá-lo.
O constitucionalismo, ao lado, antes e depois de muitos outros movimentos, surgiu neste
momento de assombro da sociedade para com um Estado desvirtuado dos verdadeiros e razoáveis motivos
que o fizeram surgir. A sociedade, estupefata, porém mais crítica, organizada e corajosa, começou a se
insurgir contra o leviatã, para que fosse preservada a liberdade individual e a propriedade privada,
comumente devassadas pelo Estado. É que o Estado absolutista, especialmente o Estado absolutista
monárquico, começou a eliminar o espaço individual dos homens, restringindo suas vontades pessoais e
inevitavelmente causando a deflagração do movimento liberal: era preciso conter a atividade estatal para
dar segurança ao círculo subjetivo do ser humano, por meio da maximização da liberdade individual e
limitação legal da vontade estatal.
Muitos movimentos, revolucionários ou não, marcaram a história da humanidade. Porém,
um deles, o Iluminismo, surgiu forte no Século XVIII, exultando a razão para explicar as coisas e servindo de
grande impulsionador do constitucionalismo. Herdeiro do renascimento e do humanismo, o Iluminismo
valorizava a razão e o homem, inserindo este como centro do universo (antropocentrismo). Teve a seu favor
o gênio de grandes pensadores da humanidade: John Locke (1632-1704), que enfatizou a aquisição de
conhecimento do homem pela experiência empírica; Voltaire (1694-1778), ardo defensor da liberdade de
pensamento e contumaz crítico da intolerância religiosa; Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), que defendia
a igualdade de todos por meio de um Estado democrático; Montesquieu (1689-1755), que massificou e deu
cientificidade à divisão do poder político em Legislativo, Executivo e Judiciário; e Denis Diderot (1713-1784)
e Jean le Rond d’Alembert (1717-1783), que, juntos, reuniram em uma enciclopédia o conhecimento e o
pensamento filosófico da época.
Após o transcurso de uma longa estrada contra o Estado Leviatã, transcurso muitas vezes
marcados por lutas terríveis e sanguinolentas, não demorou para que se sobrepujasse na sociedade o
sentimento de que o poder político deveria ser legalmente limitado, não podendo estar livremente solto na
cabeça daqueles que detêm o poder, sob pena de inevitáveis arbitrariedades e prejuízos para a liberdade
individual. Este sentimento generalizado acabou encontrado um método inteligente de controle do Estado,
ao enfatizar a necessidade de um documento superior contendo regras de contenção da atividade estatal e
direitos e garantias básicas para que os homens tivessem uma existência digna. Todo o conjunto de forças
da sociedade, então, começou a se engajar contra o Estado e contra a falta de cientificidade que imperava.
Tanto a sociedade quanto os Conselhos Parlamentares, e até os grandes juristas e filósofos, começaram a
lutar para que, em cada país, fosse construído documentos vistosos e suficientemente capazes de limitar e
regular o Estado. Era o constitucionalismo, nascendo em prol do homem e de sua liberdade individual e
contra as arbitrariedades estatais, e por isso mesmo muitas vezes taxado de subversivo.
Portanto, o constitucionalismo significou uma conquista da humanidade, e pode ser
considerando um movimento político, ideológico e jurídico que ocorreu durante o Iluminismo, por oposição
ao absolutismo, e que tinha por fim estabelecer o regime constitucional em um determinado país para
limitar e tornar razoável a atuação estatal, protegendo, assim, a liberdade individual do ser humano. Foi, na
verdade, uma técnica jurídica encontrada pelo mundo, que se iniciou precipuamente para que o Estado não
violasse os direitos dos cidadãos, e foi avançando para regulamentar cada vez mais a atividade estatal, e
com o tempo passou a ter maiores contornos científicos, com é o caso da ideia de superioridade hierárquica
em relação às demais normas, força normativa, separação dos poderes, criação de sistema de freios e
contrapesos, aumento das previsões constitucionais e concretização da jurisdição constitucional.
Necessário enfatizar que o constitucionalismo não nasceu junto com a democracia. Pode-se
dizer que o constitucionalismo abriu as possibilidades para se criar a democracia, mas no início o
constitucionalismo não tinha a intenção de determinar as formas de participação da sociedade no poder,
mas apenas conter este poder. Depois que se fixou a ideia de que o poder estatal deveria ser limitado pela
Constituição, logo a humanidade passou a se preocupar com as fórmulas de concretização das
constituições, e aí sim houve a grande preocupação de que estas fórmulas incluíssem diretamente a
vontade do povo, para efetivação da soberania popular.
I.4. Neoconstitucionalismo
Hoje se fala em neoconstitucionalismo, para enfocar um novo movimento, surgido após a 2ª
Guerra Mundial, para que as constituições fossem mais abrangentes, aumentando a jurisdição
constitucional, incluindo normas programáticas de cunho social e com superioridade hierárquica em relação
às outras normas. É dizer: não basta apenas a Constituição limitar a atuação estatal, exigindo da mesma
uma abstenção, porque é preciso que a Constituição exija uma ação estatal para melhorar as condições de
vida do povo, passando ela a ser o ponto de partida para obrigar a todos, com possibilidade dos atos
inferiores serem nulos. O neoconstitucionalismo confunde-se com o constitucionalismo contemporâneo.
As constituições surgiram sintéticas, muitas vezes como símbolos de um momento histórico
de ruptura. Portanto, natural serem pouco carregadas de matérias, porque bastava a inserção de um ou
dois assuntos essenciais, como divisão do poder e direitos e garantias individuais, até porque o importante
era a revolução e o sentimento social expressado na Constituição. O mundo, porém, assustou-se com a
capacidade malévola do Estado, em especial após as calamidades da 2ª Guerra Mundial, e enxergou nas
constituições um porto seguro para despejar todas as suas ansiedades.
O marco histórico deste novo direito constitucional é a Lei Fundamental de Bonn
(Constituição Alemã de 1949), com a consequente criação do Tribunal Constitucional Federal em 1951, e a
Constituição da Itália de 1947, e a também consequente criação da Corte Constitucional em 1956. A partir
de então, foi gerado um amplo movimento com novas características, que desembocaram especialmente na
redemocratização e da expansão da jurisdição constitucional, como ocorreu em Portugal em 1976 e na
Espanha em 1978. É possível dizer que o neoconstitucionalismo desenvolveu-se na Europa, ao longo da
metade do século XX, e no Brasil tardiamente após a Constituição de 1988.
Como não poderia deixar de ser, o termo neoconstitucionalismo pode ser contestado, na
medida em que a nova onda de ver e sentir as constituições pode muito bem ser chamado de uma nova
fase do constitucionalismo, ou então apenas a ratificação do desenvolvimento do constitucionalismo. É até
possível falar em constitucionalismo primitivo, antigo, moderno e pós-moderno, ou contemporâneo, mas o
importante, de todo modo, é destacar que a sociedade mundial elegeu a Constituição para nela
desembocar os anseios e valores que vão se cristalizando, e enxergar nela o local correto de depositar uma
“esperança civilizada”. Por certo que não basta descarregar as ansiedades na Constituição, mas é, sem
dúvida, um ótimo começo, porque demonstra cada vez mais a necessidade de concretizar sentimento
constitucional, para integrar a sociedade em um compromisso nacional estampado no documento supremo.
Pode-se dizer, também, que o neoconstitucionalismo caracteriza-se pelo pós-positivismo,
isto é, certa confluência entre o jusnaturalismo e o positivismo. Isto ocorreu porque o jusnaturalismo
procurava dar proximidade entre lei e razão, sempre baseado na filosofia e nos princípios universalmente
aceitos, mas pecava por ser metafísico e anticientífico, dando margens a excessivas subjetividades, daí a
insegurança. Era baseado no direito livre: o aplicador do direito deve vislumbrar primeiro uma decisão justa,
e depois buscar um fundamento para a decisão. O jusnaturalismo, portanto, se preocupava com a limitação
com o direito naturalmente considerado pelo grupo social, e acabava influenciando as decisões, no sentido
de não haver um vínculo inicial e intenso do julgador com a lei, daí porque seu principal método era o
casuísmo (decisão de acordo com o caso e a ética pessoal do julgador). Por outro lado, o positivismo
buscava a objetividade científica e acabava por colocar o Direito, a justiça e a filosofia, na lei,
supervalorizando-a e criando uma legalidade estrita. O positivismo deu ensancha a injustiças e
autoritarismo, como ocorreu no fascismo e no nazismo, que sempre agiram sob a proteção da lei, porque
sempre havia o risco de colocar toda a ideologia política, as vaidades pessoais dos governantes, na lei, sem
que ninguém pudesse discordar, interpretar ou tê-la por inválida (decisão de acordo com o silogismo).
Qual das possibilidades deveriam ser extirpadas: a insegurança do jusnaturalismo ou a
possibilidade de injustiça do positivismo? Se de um lado a lei poderia ser usada para limitar as mentes e
colocar, à ferro e fogo, a ideologia de quem está no poder, por outro lado o jusnaturalismo deixa passear
em mares desconhecidos, a liberdade do julgador. Diante desta confessada divergência, deste antagonismo
angustiante, surge o pós-positivismo como forma de suplantar os defeitos do positivismo e do
jusnaturalismo, buscando enfatizar suas vantagens para, sem nunca desprezar o direito posto, valorizar uma
nova interpretação baseada na justiça, na ética, sem autoritarismo e sem excesso de subjetividades. É um
meio-termo entre o folgazão e o severo, entre o chiste e o hirto: nem tanto ao céu e nem tanto à terra.
A verdadeira intenção do neoconstitucionalismo é a mudança de paradigma,
especialmente para: a) reconhecer a força normativa da Constituição; b) expandir a jurisdição
constitucional; e c) forçar novas elaborações de interpretação constitucionais:
a) Reconhecer a força normativa da Constituição.
A Constituição não é mais um documento meramente político, para somente organizar os
Poderes e deixar para a conformação discricionária legislativa e política, a concretização do seu espírito,
porque passa a ter força normativa para ser aplicada na vida social, uma vez que cria mecanismos próprios
de coação e cumprimento forçado. É dizer: a Constituição não é mais um depósito de promessas vagas e
sugestões sem aplicabilidade.
b) Expandir a jurisdição constitucional.
As Constituições criaram mecanismos judiciais para sua real efetivação, em especial a
criação de Cortes Constitucionais em quase todos os países europeus, dando ao Poder Judiciário o poder
para fiscalizar o cumprimento das normas constitucionais, que passaram a abarcar várias questões que
antes não constavam dos textos constitucionais, chegando mesmo a ser prolixa em alguns casos.
No Brasil, já em 1965 foi a CF/46 emendada para criar a ação direta de
inconstitucionalidade, ou chamada de ação genérica naquela época, e com a CF/88, foram criados outros
diversos mecanismos, como a ação direta de inconstitucionalidade por ação e por omissão, a ação
declaratória de constitucionalidade (EC 03/93), a arguição de descumprimento de preceito fundamental,
além da quebra do monopólio do Procurador-Geral da República para propositura das ações diretas;
c) Forçar novas elaborações de interpretação constitucional.
Em relação às normas infraconstitucionais, um modelo tradicional de interpretação já era
conhecido e amplamente utilizado, que se baseava na interpretação gramatical, histórica, sistemática e
teleológica, com os critérios hierárquico (lei superior prevalece sobre lei inferior), temporal (lei posterior
prevalece sobre lei anterior) e especial (lei especial prevalece sobre lei geral).
Neste modelo tradicional para as normas infraconstitucionais, existia um processo de
subsunção dos fatos às normas, onde estas oferecia uma solução abstrata para os problemas jurídicos, sem
muita indagação minuciosa, e o juiz, seu aplicador por excelência, cabia apenas identificar tecnicamente a
norma para ser aplicada ao problema, já que se pressupunha que os problemas estavam todos resolvidos
abstratamente pelas normas.
A interpretação constitucional, entretanto, deveria ir além deste modelo tradicional, mesmo
sem desconsiderá-lo, porque a norma constitucional é o ápice do sistema, e tem estrita relação com os
maiores valores e princípios de toda a nação, daí porque é preciso complementação do método tradicional
com a inclusão específica de princípios, como é o caso da simetria, da supremacia e da unidade da
Constituição, do efeito integrador, da máxima efetividade, da concordância prática, da relatividade e da
conformidade funcional, além de métodos próprios (jurídico, tópico-problemático, hermenêutico-
concretizador, científico-espiritual e normativo-estruturante) (vide adiante: Interpretação e Aplicação da
Constituição) .
Assim, a função da norma é outra, assim como a do juiz, porque nem sempre ela consegue
relatar abstratamente a solução para os casos concretos, vivos e cheios de detalhes, e o juiz, por isso, já não
pode mais ficar adstrito à legalidade estrita e à técnica, porque adentra no próprio processo de criação do
Direito, valorando-o para encontrar a solução possível e justa.
Não por outro motivo, a interpretação tradicional não se adéqua, por exemplo, aos novos
fatores constitucionais, como é o caso da colisão de princípios e direitos fundamentais (antinomia jurídica
imprópria), exigindo a técnica interpretativa da ponderação, para que o intérprete faça concessões
recíprocas entre as normas, para mantê-las vivas e operantes, o que possibilita prevalecer uma delas, que
tenha “maior valor para o caso concreto”, realizando mais adequadamente a vontade constitucional, assim
como a técnica interpretativa da argumentação, para, quando o conflito for difícil de resolver, dar vazão a
uma razão prática, isto é, prevendo sempre as consequências da decisão e a possibilidade de utilizar um
fundamento jurídico que possa ser utilizado genérica e universalmente para os casos similares.
As consequências mais visíveis, provocadas por tais fatores característicos da quebra de
paradigma, são:
A constitucionalização dos direitos (o que implica em tornar as constituições cada vez
mais analíticas)
A irradiação da Constituição para todos os Poderes
A valorização do Judiciário para adequar as relações de poder, ponderando-as
A aplicabilidade direta da Constituição a diversas situações
A intensificação da importância da interpretação conforme a Constituição
As constituições estão sofrendo nítida influência das teorias materiais, ao largo das teorias
processuais, porque a insegurança que as guerras, o poder do Estado e a frivolidade das relações humanas
dos dias atuais, parecem forçar um movimento retilíneo e intenso de sobrecarregamento das constituições,
inserindo nelas todos os assuntos possíveis. Nela se insere questões econômicas, políticas, sociais e
jurídicas, e ela não se basta como simples instrumento de governo; as constituições não servem mais para
manter o status quo, porque elas hoje são frutos da esperança do povo para que o status seja alterado a
partir delas.
Por isso, o movimento hoje em voga, diante de um mundo cada vez mais inseguro, onde a
percepção de injustiça assola até as mentes sãs, é de expandir a jurisdição constitucional, até como forma
de prevenção e de defesa da sociedade.
Este movimento ressalta que o paradigma de Constituição-protetora, de Constituição-
garantia, desvinculada da política e do Estado, deve ser mudado, uma vez que é a partir deste supremo
instrumento da sociedade – a Constituição -, é que a felicidade deve ser buscada. Mesmo reconhecendo a
impossibilidade de se mudar os fatos reais da vida humana simplesmente através da lei, o movimento
ressalta que a Constituição, muito mais que uma mera lei, é uma caixa onde se depositam as esperanças e
que tem força para iniciar a mudança do status quo, dando razão e eficácia à existência do próprio Estado,
no sentido de forjá-lo a cada vez mais distribuir justiça.
Por isso é que Pietro Sanchis resumiu bem as novas exigências do neoconstitucionalismo:
“Mais princípios que regras; mais ponderação que subsunção; mais Constituição que lei; mais juiz que
legislador”.
Aliás, a teoria unidimensional do ordenamento jurídico, que defende a ideia de que não há
mais divisão entre Direito Público e Direito Privado, acaba recebendo apoio do neoconstitucionalismo, na
medida em que este, ao sobrecarregar as constituições, leva para o Direito Público diversos assuntos que,
no passado, eram próprios do Direito Privado, como as relações familiares (arts. 226 e ss.), questões
relacionadas à Educação, Cultura e Desporto (arts. 205/217), ambiente de trabalho (art. 7º) e até regras
sobre a atividade econômica do empresariado (arts. 170 e ss.), sem esquecer que os direitos e garantias
fundamentais têm, hoje, eficácia horizontal (entre os particulares). Assim, o neoconstitucionalismo, ao
constitucionalizar direitos antes pertencentes apenas ao nível infraconstitucional, e muitos deles apenas ao
Direito Privado, acaba aproximando ainda mais o Direito Público do Direito Privado.
Não podemos esquecer que o neoconstitucionalismo, malgrado seus inegáveis fatores
positivos, apresenta alguns perigos, a seguir resumidos:
a) Banalização e descrédito da Constituição. Se todos os assuntos estão na Constituição,
estando ela cheias de promessas que não podem ou não são cumpridas, a sociedade começa a desacreditar
na sua força e na sua utilidade, o que é muito perigoso, porque dá oportunidade de diminuir o papel do
texto constitucional na construção de uma sociedade mais justa. Isto acaba criando, também, brechas para
que vários direitos e garantias individuais e sociais sejam retirados do texto constitucional, impedindo que a
rigidez seja uma garantia contra mudanças;
b) Falta de flexibilização2. Como uma grande quantidade de assuntos acabam parando na
Constituição, a sociedade acaba sendo impedida de mudar temas que devem ser adaptados às mudanças da
realidade social. Como a Constituição é rígida e analítica, vários assuntos que precisam ser modificados com
urgência ou com a necessária rapidez, à vista também da rapidez com que a sociedade muda, o Congresso
fica impossibilitado de adaptar a Constituição aos valores atuais da sociedade, inclusive não podendo dispor
na legislação infraconstitucional. Veja o que ocorreu no caso da exigência de separação judicial por mais de
um ano para tornar possível o divórcio. Como era uma exigência constitucional (art. 225, §6º, antes da EC
66, de 13.07.2010), vários casais se separavam e, mesmo não divorciados, passavam a viver maritalmente
com outras pessoas, demonstrando claramente que o texto aprovado em 1988 estava em descompasso
com a sociedade, e este descompasso não foi alterado antes em face da rigidez necessária para alterar a
Constituição. O mesmo pode ser imaginado quanto à regra imposta no §2º do art. 230, que garante
gratuidade dos transportes coletivos urbanos aos maiores de 65 anos: mesmo que a expectativa de vida da
população cresça vertiginosamente, o legislador infraconstitucional fica impossibilitado de adaptar a
questão à nova realidade, justamente porque é preciso modificar o texto constitucional por um processo
mais rígido, que nem sempre é possível efetivar. Não por outro motivo é que, vez por outra, surgem
propostas de reduzir o tamanho da CF/88, como ocorre com a PEC 341/2009, que pretende sintetizar a
Constituição brasileira para que nela constem apenas normas materialmente constitucionais, passando de
250 para 62 artigos, até porque, do jeito que está, ela se apresenta como um colcha de retalhos, cheia de
dispositivos que deveriam estar na legislação ordinária.
2
A respeito da plasticidade da Constituição, e sua adaptabilidade à realidade social, vide “Constituição Plástica”, na
Classificação das Constituições, e também “Plasticidade da Constituição”, no tópico referente à Interpretação e
Aplicação da Constituição.
I.5. Direito constitucional
Diversos são os conceitos de Direito Constitucional, porém todos na mesma índole
doutrinária de destacá-lo como o ramo que se estuda os elementos constituidores do Estado (daí Direito
“Constitucional”, isto é, que constitui o Estado). José Afonso da Silva, por exemplo, diz que o Direito
Constitucional é “o ramo do Direito Público que expõe, interpreta e sistematiza os princípios e normas
fundamentais do Estado” (Curso de Direito Constitucional Positivo, 32ª edição, Malheiros, 2009, p. 34 -
grifei). Uadi Lamego Bulos, por sua vez, enfatiza que “Direito Constitucional é a parcela da ordem jurídica
que compreende a ordenação sistemática e racional de um conjunto de normas supremas encarregadas de
organizar a estrutura do Estado e delimitar as relações de poder” (Direito constitucional, 2007, Saraiva, p. 2
- grifei). Alexandre de Morais também: “O Direito Constitucional é o ramo do Direito Público, destacado por
ser fundamental à organização e funcionamento do Estado, à articulação dos elementos primários do
mesmo e ao estabelecimento das bases da estrutura política” (Direito constitucional, Atlas, 2007, 22ª
edição, p. 1 - grifei). Afonso Arinos de Melo Franco diz que “O Direito Constitucional é o estudo metódico da
Constituição do Estado, da sua estrutura institucional político-jurídica” (Direito constitucional: teoria da
constituição; as constituições do Brasil, RJ, Forense, 1981, p. 4). Manoel Gonçalves Ferreira Filho trilha o
mesmo caminho: “Direito Constitucional é o conhecimento sistematizado das regras jurídicas relativas á
forma do Estado, à forma do governo, ao modo de aquisição e exercício do poder, ao estabelecimento de
seus órgãos e aos limites de sua ação” (Curso de direito constitucional, Saraiva, SP, 2005, p.4).
Por isso, hoje é comum afirmar que o Direito Constitucional é considerado como um ramo
do Direito Público - na verdade o Direito Público por excelência - porque visa o estudo das normas que
estruturam o Estado. O Direito Constitucional não teria, em princípio, por objetivo tratar das relações entre
os cidadãos, mas sim a ontologia estatal, muito embora a relação do Estado com os cidadãos seja algo, hoje
em dia, natural para o Direito Constitucional em face dos direitos e garantias fundamentais.
Entretanto, cabe uma observação, no sentido de que hoje o Direito Constitucional não pode
mais ser visto apenas como um ramo do Direito Público que tem normas destinadas única e exclusivamente
para regulação do tratamento cidadão-Estado e do próprio Estado, visto que os próprios direitos
fundamentais têm eficácia horizontal, isto é, uma eficácia que regula a relação entre os cidadãos, sem
esquecer que as normas constitucionais sobre a ordem econômica são destinadas para a regulação da
relação entre trabalhadores e a iniciativa privada. Além do mais, os conhecidos direitos sociais trabalhistas,
que estão tutelados na Constituição, visam proteger o trabalhador na sua relação com a iniciativa privada, e
não unicamente na sua relação com o Estado.
Isto é assim porque as constituições, objetos básicos do Direito Constitucional, nasceram
sucintas, e realmente com a intenção de regular apenas alguns aspectos da relação do Estado com o
cidadão. Eram as primeiras ondas de direitos fundamentais, consideradas de primeira geração, que visavam
limitar a atuação do Estado, exigindo uma abstenção. As constituições, então, nasceram “garantistas”, ou
“negativas”, e por isso se preocupavam apenas com a regulamentação do Poder Público. Porém, com o
neoconstitucionalismo e o sobrecarregamento das constituições com vários temas (e, claro, gerando
problemas, como a prolixidade e a maior dificuldade de adaptação das normas às novas realidades, apesar
da mutação constitucional, mas também soluções, como a maior garantia e segurança), está razoavelmente
cristalizado no mundo que as constituições não devem, apenas, tratar do Estado em si mesmo e sua relação
com a sociedade; deve ir além, para expandir suas normas para regular a relação entre os membros da
sociedade, sob o influxo de valores sensíveis, como é o caso da dignidade, do respeito ao meio ambiente e,
de resto, dos valores aceitos universalmente, que devem ser efetivados pelo Estado, pela sociedade e pelos
homens em geral.
3
Todas as garantias constitucionais podem ser enquadradas no Direito Processual Constitucional? Veja a importância
de se definir o “Direito Processual Constitucional”: se ele for definido, como foi anteriormente, como “ramo do direito
que estuda as normas da Constituição que visam efetivar os direitos constitucionais por meio da jurisdição
constitucional”, pode-se dizer que nem todas as garantias constitucionais são enquadradas no Direito Processual
Constitucional, porque existe uma delas, o “Direito de Petição”, que não busca na jurisdição constitucional uma forma
de efetivar o espírito constitucional. Como sabe, “Direito de Petição” (CF/88, art. 5º, XXXIV, “a”) é um direito
constitucional posto à disposição dos cidadãos para que eles possam levar ao conhecimento dos poderes públicos um
fato ilegal ou abusivo, contrário ao interesse público, para que as medidas possam ser tomadas, mas é exercido em
qualquer dos Poderes invocando suas funções administrativas, e não a função jurisdicional (assim, mesmo se exercido
perante o Judiciário, não se faz por meio da jurisdição, mas sim por meio da função atípica administrativa deste Poder).
Capítulo II:
CONCEITO E SENTIDOS DE CONSTITUIÇÃO
5
Esta concepção acaba dando ensejo à Dupla Finitude do Direito: o início do Direito se dá com a Constituição e
termina com a coisa julgada. A ordem jurídica tem dois extremos: o início, com a Constituição, e o fim, com a coisa
julgada, não podendo regredir nem progredir indefinidamente.
6
Hans Kelsen lutava pela autonomia científica do Direito, considerando este um sistema autopoiético, isto é, um
sistema com bases próprias bastante em si mesmo, porque tinha estrutura científica que não precisaria de apoio ou
fundamentação exterior, de modo que seus elementos seriam produzidos e reproduzidos internamente em uma
interação circular e fechada. Assim, quando uma norma não estava suficientemente clara, ou quando houvesse uma
aparente lacuna, o jurista não deveria procurar o esclarecimento ou a complementação em questões exteriores ao
Direito, como nas ideias e teorias filosóficas, econômicas e políticas, mas sim em outras normas dentro do próprio
sistema jurídico, continuando neste trajeto, de forma sucessiva, até uma causa finita, que era a Constituição.
d) SENTIDO CULTURALISTA - “Constituição Total”
A Constituição seria a expressão cultural total da sociedade, em determinado momento
histórico e influenciando na sua evolução cultural. Esta nova concepção reafirma que a existência de uma
Constituição Total, que envolve todos os sentidos, até mesmo os filosóficos, e acaba dando uma
perspectiva unitária. A Constituição é produto do fato cultural que influencia a sociedade naquele
momento, fato cultural este que deve ser tutelado pelo direito à cultura (normas constitucionais referente à
cultura, ao ensino e ao desporto). Se a Constituição deve reunir os mais importantes valores da sociedade, é
preciso entender, então, que a Constituição é aquilo que é adequado para determinada sociedade no
momento histórico em que a norma fundamental é elaborada.
Muito embora existam basicamente quatro sentidos, que doutrinariamente se tenta fixar
para a Constituição, a teoria do direito constitucional mostra-se ávida por vários outros sentidos, próprios
de estudiosos no tema. Muito embora exista a tentativa de dar um sentido unitário da Constituição,
envolvendo todos os outros sentidos (Constituição Total), existem outros tantos sentidos.
Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco (Curso de
Direito Constitucional, Saraiva, 2007, pp. 6 e ss.), resumem bem os diversos sentidos hoje em voga sobre a
Constituição, apresentados pelo constitucionalista português José Joaquim Gomes Canotilho:
Constituição como garantia do “status quo” econômico e social (Ernst Forsthoff). Neste
caso, a Constituição é indiferente à necessidade de mudança, porque tal mudança deverá ocorrer pela
Política. A Constituição é axiologicamente neutra e visa, apenas, manter o estado das coisas.
Constituição como instrumento de governo (Hennis). A Constituição é uma lei processual,
que regula e define os limites da atividade política, não podendo ser sobrecarregada com outros assuntos
(esse sentido, portanto, é adepta das teorias processuais da Constituição, no sentido de que ela não pode
estar sobrecarregada de muitos assuntos).
Constituição como processo público (Peter Häberle). A Constituição deve ser entendida e
ter um sentido após um processo público de interpretação, não podendo ficar limitada apenas à
interpretação de um único órgão (Corte Constitucional) diante do pluralismo da sociedade, isto porque ela é
destinada ao público, não sendo possível definir, de modo claro, seu real sentido sem antes passar por este
processo de publicidade (Constituição aberta à sociedade dos intérpretes).
Constituição como ordem fundamental e programa de ação que identifica uma ordem
político-social e o seu processo de realização (Bäulin). A Constituição não pode ser vista apenas como um
instrumento de governo ou de manutenção do “status quo”, e sim como um instrumento de transformação
social, com definição dos processos de conformação política em uma perspectiva sociológica.
Constituição como programa de integração e representação nacionais (Krüger). Para que a
Constituição dure, e não se banalize, ela deve conter apenas as questões que forem sedimentadas no
espírito da sociedade, não podendo, portanto, ser depósito de questões que são facilmente alteradas pelo
tempo. Por isso, Constituição é aquilo que contém o espírito de integração nacional sobre a totalidade
política da sociedade, isto é, somente as questões materialmente constitucionais, não incluindo aquilo que
se refere às questões econômicas e trabalhistas, por exemplo.
Constituição como legitimação do poder soberano, segundo a ideia de Direito (Burdeau). A
Constituição é a criadora do Estado de Direito e racionalizadora do poder e da atividade dos governantes. O
Poder, então, não está nas mãos de quem o exerce provisoriamente, mas sim está nas mãos da
Constituição, daí porque o Poder é de Direito, totalmente despersonalizado;
Esta classificação enfatiza a maneira como uma Constituição foi elaborada, as formas e
modos fixadas como base para que determinada Constituição pudesse surgir. Daí porque para esta
classificação, interessa a que Poder Constituinte deve a sua criação.
O que importa para este sentido formal é a formalidade que foi realizada para se produzir
a norma. Se esta formalidade por meio de um processo legislativo mais rígido e difícil que o processo
previsto para as leis infraconstitucionais, as normas serão consideradas formalmente constitucionais. É por
isso que este sentido conceitua a Constituição como um conjunto de normas produzidas através de um
processo mais formal que o processo das leis infraconstitucionais.
As maiores exigências para tornar o processo legislativo mais rigoroso podem variar: pode
ser exigido quorum qualificado, ou então um plebiscito ou um referendum popular. Também é possível falar
em sentido formal quando se exige um órgão especial só para aprovar a nova Constituição, com é o caso
das Assembleias Nacionais Constituintes. Deste modo, independentemente da importância da norma,
estando ela no corpo da Constituição, e passando pelo processo legislativo mais rigoroso, ela é formalmente
constitucional, e serve de base, inclusive, para controle de constitucionalidade.
No Brasil, as formalidades que diferenciam e caracterizam as normas constitucionais estão
no art. 60, e são especialmente relacionadas ao quórum (três quintos), à necessidade de dois turnos de
votação em cada Casa do Congresso Nacional, à impossibilidade de nova deliberação na mesma sessão
legislativa, se já rejeitada a matéria ou havida por prejudicada, além do respeito aos períodos de exceção
(intervenção federal, estado de sítio e estado de defesa) e às cláusulas pétreas.
Veja, então, que a aprovação de uma norma constitucional é muito mais difícil, do ponto de
vista jurídico, que a aprovação de qualquer outra norma infraconstitucional. Exemplos:
Um projeto de nova lei infraconstitucional pode ser iniciado por qualquer membro do
Congresso, ressalvados os casos em que há iniciativa privativa para determinadas matérias,
nos termos do art. 61, “caput” e parágrafo 1º9. Porém, um projeto de nova norma
constitucional (PEC – Projeto e Emenda Constitucional), só pode ser iniciado pelos
legitimados previstos no art. 60, I, II e III10.
Uma nova lei ordinária pode ser aprovada por maioria simples (art. 47)11, e uma nova lei
complementar pode ser aprovada por maioria absoluta (art. 69), ambas com votação em
turno único em cada Casa do Congresso Nacional. Uma nova norma constitucional,
entretanto, só pode ser aprovada por três quintos dos parlamentares de cada Casa, e ainda
em dois turnos de votação.
Se a matéria que consta em um projeto de lei infraconstitucional for rejeitada, ela poderá
voltar a ser deliberada na mesma sessão legislativa, desde que haja proposta da maioria
absoluta dos membros da Câmara ou do Congresso, como permite o art. 67, “caput”. E se a
8
Remeto o leitor, novamente, ao item “p” do capítulo IX, p. 166.
9
Veja os outros casos de iniciativa privativa, em especial dos Tribunais e do Legislativo, no capítulo referente à fase
introdutória do processo legislativo, em especial fase reservada (tópico Processo Legislativo).
10
Existe uma discussão a respeito da possibilidade de iniciativa popular de projeto de emenda constitucional, porque
a Constituição previu apenas a iniciativa popular para leis infraconstitucionais (art. 61, § 2º: “A iniciativa popular pode
ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do
eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores
de cada um deles”). Sobre o tema, veja em “Espécies de Normas Primárias”, “Emendas à Constituição” (tópico
Processo Legislativo).
11
O art. 47 prevê que a lei ordinária pode ser aprovada por maioria simples, desde que presentes a maioria absoluta.
Assim, considerando que a Câmara tem 513 Deputados, uma lei ordinária pode ser aprovada se estiver presente na
sessão de votação a maioria absoluta deles (257), e destes, a maioria simples (129) votar a favor da lei. No mesmo
sentido, o caso do Senado, pois basta o comparecimento da maioria absoluta (41) na sessão de votação, considerando
o total de 81 Senadores, e a maioria simples (26) venha a votar no mesmo sentido. Então, com 129 votos na Câmara e
26 votos no Senado, é possível aprovar lei ordinária, desde que presentes a maioria absoluta nas sessões de votação
(daí a artimanha utilizada pela minoria, que é obstrução: não se apresentam na sessão para que não seja possível
iniciá-la por falta do quórum de maioria absoluta). No caso de emenda constitucional, é preciso que 308 dos
Deputados (três quintos do total de 513) e 49 dos Senadores (três quintos do total de 81) votem no mesmo sentido
para que a emenda constitucional seja aprovada.
matéria constante da proposta de emenda constitucional - PEC for rejeitada ou havida por
prejudicada, pode ser novamente deliberada na mesma sessão legislativa? Não, não pode,
mesmo que haja proposta da maioria absoluta dos parlamentares, isto por expressa
determinação constitucional (art. 60, §5º).
Lei infraconstitucional pode ser aprovada, ou reformada, se estiver vigendo no Brasil
intervenção federal, estado de defesa ou estado de sítio? Sim, não há problemas quanto a
isto. E a Constituição, pode ser reformada nestes casos? Não, em face das limitações
circunstanciais previstas no art. 60, § 1º.
Quem promulga as leis infraconstitucionais? Via de regra, esta tarefa é do Presidente da
República (art. 84, IV). Porém, o ato de promulgação das emendas constitucionais é
composto, porque ele se opera em conjunto pelas Mesas da Câmara e pelas Mesas do
Senado (art. 60, §3º).
Além destas diferenças formais previstas na Constituição, ainda existe a diferença social e
política, porque é muito mais difícil haver uma mobilização da sociedade e dos parlamentares para que se
modifique valores já solidificados na Constituição. Daí porque é muito difícil que a sociedade e a imprensa
não saibam que determinado ponto da Constituição está prestes a ser alterado. Com exceção de algumas
leis que são de maior interesse da sociedade, convenhamos que a grande maioria das leis
infraconstitucionais são criadas e modificadas todos os dias, sem que seja necessário uma ampla
mobilização.
Na nossa Constituição, entretanto, é possível encontrar alguns dispositivos constitucionais
que são apenas formalmente constitucionais, isto é, que passaram por um processo de elaboração mais
dificultoso que as leis infraconstitucionais, mas que não têm importância fundamental para a nação e para o
Estado. Veja o §2º do art. 242, que assim está disposto: “O Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de
Janeiro, será mantido na órbita federal”; também o art. 217, §2º: “A justiça desportiva terá o prazo máximo
de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final”12. Nestes casos,
pergunta-se: a manutenção do Colégio Pedro II na órbita federal, e o prazo para a Justiça desportiva proferir
decisão final, são matérias de fundamental importância para a nação e para o Estado? Evidentemente que
não. Por isso, estas normas não podem ser consideradas materialmente constitucionais; são apenas
formalmente constitucionais porque passaram por um processo diferenciado e mais rigoroso de produção,
e isso é o que interessa para lhe emprestar força normativa constitucional, inclusive para servir de
parâmetro de controle de constitucionalidade perante leis infraconstitucionais.
Além dos arts. 242, §2º, e 217, §2º, ainda é possível citar como normas apenas formalmente
constitucionais, o art. 230, §2º, que prevê a gratuidade dos serviços de transporte coletivo urbano para
maiores de 65 anos. No entanto, é preciso dizer que a identificação de normas apenas formalmente
constitucionais é uma tarefa das mais sensíveis, porque se elas lá estão é porque, no momento da
elaboração da Constituição, razões existiram para a inserção. Por outro lado, a depender da visão e da
sensibilidade do doutrinador, e até por questões de ideologia política, podem ser encontrados várias
normas de mesma índole, que seriam combatidos veementemente por outras formas de pensar. O
tratamento específico aos índios (arts. 231/232), por exemplo, deveria ser feito na Constituição? Para quem
pensa no constitucionalismo fraternal, na proteção das minorias e na garantia de permanência da cultura
12
Além dos arts. 242, §2º, e 217, §2º, ainda é possível citar como normas apenas formalmente constitucionais, o art.
230, §2º, que prevê a gratuidade dos serviços de transporte coletivo urbano para maiores de 65 anos. A identificação
de normas apenas formalmente constitucionais que estão no texto constitucional é uma tarefa das mais sensíveis,
porque se elas lá estão, é porque no momento da elaboração da Constituição razões existiram para a inserção. É difícil,
sem dúvida, identificar as normas que estão na Constituição e lá não deveriam estar porque não são fundamentais
para a sociedade brasileira. Por isso é que, a depender da visão do doutrinador e da sua sensibilidade, e até por
questões de ideologia política, podem ser encontradas várias normas de mesma índole, que seriam combatidos
veementemente por outras formas de pensar. O tratamento específico aos índios (arts. 231 e ss.), por exemplo,
deveria estar na Constituição? São normas materialmente constitucionais? Se nos limitarmos a conceber tais normas
como apenas aquelas atinentes ao Estado e aos direitos e garantias individuais, não seriam normas materialmente
constitucionais. Este ponto de vista, entretanto, retiraria a natureza de normas materialmente constitucionais todos as
normas que tratam da criança e do adolescente, da educação, do meio ambiente, da ciência e tecnologia etc. Apesar
deste subjetivismo, não há dúvida de que existem algumas normas que saltam aos olhos e que podem ser citadas
tranquilamente como exemplos de “desperdício da atividade constituinte”, como é o caso dos arts. 242, §2º, 217, §2º
e 230, §2º.
silvícola como assuntos de fundamental importância, não ousariam afirmar que tais normas não têm índole
material.
Com vimos, é comum determinar como norma materialmente constitucional aquelas que
digam respeito à organização do Estado, seus Poderes, suas atribuições e seus limites, e também aquelas
que definem os direitos e garantias individuais. Entretanto, esta identificação muitas vezes acaba sendo
vaga porque, no Estado de Direito, toda e qualquer norma que limita a atuação estatal poderia ser
enquadrada como “norma materialmente constitucional”, como aliás vinha disposto no art. 178 da
Constituição de 1824. Por exemplo: a previsão de necessário indiciamento do servidor, antes da sua
demissão, constante da Lei 8.112/90 (Estatuto dos Servidores Públicos Federais) (arts. 113, II, §2º e 161), se
enquadraria nesta ideia, na medida em que limita a atuação do Estado que deseja demitir um servidor de
seus quadros.
De todo modo, algumas normas que estão na Constituição saltam aos olhos e podem ser
citadas tranquilamente como exemplos de “desperdício da atividade constituinte” (arts. 242, §2º, 217, §2º,
230, §2º).
ASSIMETRIA SISTÊMICA
Apenas para destacar ainda mais esta diferença entre normas materialmente e
formalmente constitucionais, cito o escólio de Gastão Alves de Toledo13, que enfoca os problemas desta
diferenciação e da inclusão, no texto constitucional, de tantas normas, muitas delas sem importância
fundamental. O referido autor dá o nome de “assimetria sistêmica” quando ocorre a incompatibilidade
entre a Constituição formal e a Constituição material, é dizer, quando há várias disposições formalmente
incluídas na Constituição, porém sem relevância constitucional.
Esta assimetria acaba por limitar a força normativa da Constituição, além de causar
decepção generalizada quanto ao constitucionalismo, em face da banalização dos dispositivos
constitucionais. Cria, ainda, insegurança jurídica e enrijecimento do direito, porque não permite que várias
normas inexpressivas sejam modificado com mais flexibilidade, forçando a manifestação corriqueira do
Poder Constituinte Reformador, via emendas constitucionais. Ademais, a assimetria sistêmica acaba
prejudicando o processo de interpretação constitucional, porque a Constituição acaba perdendo sua
unidade (afinal, não se sabe, dentre tantas normas inexpressivas, quais são verdadeiramente aquelas que
interessam fundamentalmente à nação e ao Estado). Esta assimetria ainda dificulta a utilização da
ponderação, no caso de colisão de princípios e valores constitucionais, na medida em que nem sempre será
possível obtemperar e identificar os valores constitucionais.
De todo modo, a assimetria sistêmica é fato inevitável quando se depara com o
neoconstitucionalismo, que abarca as teorias materiais e sobrecarrega as constituições com diversos
assuntos, tornando-as analíticas.
Jorge Miranda14 ensina que a Constituição formal nuclear é aquela formada por normas
formalmente constitucionais primárias, que advêm diretamente do Poder Constituinte Originário, e
Constituição formal complementar é aquela composta por normas formalmente constitucionais que advêm
do Poder Constituinte Derivado (emendas constitucionais), ou de normas produzidas internacionalmente e
aceitas como normas formalmente constitucionais. As normas da Constituição de 1988 que surgiram, sem
nenhuma emenda, em 05.10.1988, seria o arcabouço da Constituição formal nuclear; já as normas que
surgiram posteriormente a 05.10.1988, seja por emenda ou revisão constitucional, seja por absorção de
normas de índole constitucional produzidas internacionalmente (Tratados Internacionais sobre direitos
humanos, na forma do art. 5º, §3º), formariam a Constituição formal complementar. Veja que, nestes dois
casos (nuclear e complementar), houve um processo de elaboração muito mais dificultoso que o processo
de elaboração das leis infraconstitucionais.
13
Artigo “Valores e antinomias”, publicado no livro Lições de Direito Constitucional em Homenagem ao jurista Celso
Bastos, Saraiva, 2005, André Ramos Tavares et al, pp. 24 e ss.
14
Teoria do Estado e da Constituição, Forense, 2005, p. 322.
Afinal, o que é mais difícil, sob o ponto de vista jurídico15: o processo de elaboração de uma
nova Constituição ou o processo de elaboração de um novo Código Civil? No mesmo tino, o que é mais
difícil, aprovar uma alteração na Constituição ou uma alteração no Código Civil?
A Constituição histórica é aquela que surge lentamente, pela concretização gradual dos
valores, depois de uma rotineira e permanente experimentação da vida social. Ao contrário da
Constituição dogmática, a nação abre possibilidade para a sedimentação da sensibilidade constitucional,
depois da certeza de que a Constituição é algo tão importante que não pode ser banalizada.
Por isso, as constituições históricas são não-escritas (inorgânicas), e só se forma depois da
certeza e da estabilidade dos dogmas da sociedade. As constituições momentâneas, ao contrário, são só
escritas, porque é preciso reunir em um documento, as emoções que influenciam a nação naquele
momento histórico, e, por refletirem um clamor momentâneo da sociedade, acabam sendo mais instáveis.
Imutável, granítica ou intocável, é a Constituição que não pode ser modificada, nascida
para permanecer inalterada “ad eternum”, daí porque é considerada apenas utopicamente. Ela não
admite lacuna oculta, como se o legislador constituinte originário pudesse prever todas as intempéries e as
necessidades que o futuro apresentaria para a sociedade e como se o povo pudesse ser privado do seu
próprio poder de revisar a Constituição. A Constituição imutável desconsidera que o Poder Constituinte
Originário pode prever o Poder Constituinte Derivado Reformador.
E.2) CONSTITUIÇÃO RÍGIDA
É a Constituição que só pode ser modifica por um processo legislativo especial, mais difícil
do que o processo de elaboração das demais leis, em face das exigências expressas no seu próprio texto
(prazos mais amplos e quorum qualificado, inclusive podendo prever matérias imodificáveis via emenda
15
Em tese, tanto do ponto de vista jurídico, quanto do ponto de vista cultural, político e social, é mais difícil aprovar
uma nova Constituição ou uma alteração no seu texto. Isto não significa que, em determinados momentos acabe
sendo mais fácil, do ponto de vista político e social, aprovar uma alteração na Constituição do que uma alteração em
determinada lei ordinária, até porque o cidadão comum sente-se mais atingido nas suas relações privadas. Relembro,
neste ínterim, que o Código Napoleônico (Código Civil dos Franceses, de 1804), atualmente com mais de 200 anos de
vigência, foi encarado por muitos, naquela época e considerando suas circunstâncias, mais importante que as
constituições da França, Código este que influenciou o mundo todo, ratificou o positivismo e a codificação e ainda
reuniu boa parte dos princípios da Revolução Francesa.
constitucional – cláusulas pétreas). É a rigidez que dá lógica e sustentação para o controle de
constitucionalidade de leis, porque faz pressupor que há uma hierarquia entre as normas
infraconstitucionais, cujo processo de criação e transformação é mais simplificado, e as normas
constitucionais, cujo processo de criação e transformação é mais rigoroso.
E.3) CONSTITUIÇÃO SEMIRRÍGIDA
Também conhecidas como “semiflexíveis”, porque contém uma parte rígida, modificável
apenas diante de um processo mais dificultoso, e uma parte flexível, modificável por um processo mais
fácil. A única Constituição semirrígida no Brasil foi a CF/1824, que em seu art. 178 dizia: “É só Constitucional
o que diz respeito aos limites, e atribuições respectivas dos Poderes Políticos, e aos Direitos Políticos, e
individuais dos Cidadãos. Tudo o que não é Constitucional, pode ser alterado sem as formalidades referidas,
pelas Legislaturas ordinárias”.
Constituição flexível, ou chamada por alguns de Constituição plástica, é aquela que pode
ser modificada pelo mesmo processo de modificação das leis infraconstitucionais. Geralmente isto ocorre
nas Constituições inorgânicas (não-escritas), porque sempre que o Parlamento se manifesta, produzindo
qualquer lei, esta vem com força de norma constitucional (é que, neste caso, como na Inglaterra, o
Parlamento só produz norma que efetivamente vai mudar a sociedade, elevando a importância desta Casa e
afastando sua banalização). Neste caso, não há controle de constitucionalidade de leis pelo Judiciário, já que
as leis são feitas com força constitucional. Nestas constituições flexíveis, o fato de serem inorgânicas e
serem mais simples sua modificação, não significa instabilidade, já que quase sempre são valores fixados
lentamente através da história.
Esta Constituição vai além da preocupação de apenas restringir a atitude estatal. Para ela, o
cidadão não estará protegido apenas pelo impedimento dos abusos estatais, porque é preciso ir além, para
garantir que o Estado use sua força para que o cidadão alcance a felicidade. Assim, impõe aos Poderes, uma
série de programas e tarefas, e define objetivos16. É própria para resguardar direitos fundamentais de 2ª
geração, que exigem uma ação do Estado para diminuir as desigualdades materiais dos cidadãos. A
preocupação desta Constituição é com a igualdade material (na lei).
Nesta oportunidade, vale citar a observação feita por José Afonso da Silva:
“O constituinte fez uma opção muito clara por uma Constituição abrangente. Rejeitou a chamada
constituição sintética, que é constituição negativa, porque construtora apenas de liberdade-negativa
ou liberdade-impedimento, oposta à autoridade, modelo de constituição que, às vezes, se chama de
constituição-garantia (ou constituição-quadro). A função garantia não só foi preservada com até
ampliada na Constituição, não como mera garantia do existente ou como simples garantia das
liberdades negativas ou liberdades-limite. Assumiu ela a característica de constituição-dirigente,
enquanto define fins e programa de ação futura, menos no sentido socialista do que no de uma
orientação social democrática, imperfeita, reconheça-se. Por isso, não raro, foi minuciosa e, no seu
compromisso com a garantia das conquistas liberais e com um plano de evolução política de conteúdo
social, nem sempre mantém uma linha de coerência doutrinária firme. Abre-se, porém, para
transformações futuras, tanto seja cumprida. E aí está o drama de toda constituição dinâmica: ser
cumprida.”
É aquela Constituição que seu texto realmente expressa a realidade social e as forças
políticas do país. As normas constitucionais respondem bem às diretrizes democráticas traçadas e
16
Geralmente, as normas da Constituição que impõe programas e metas para o Estado são chamadas de “normas
programáticas” (veja no capítulo Interpretação e Aplicação da Constituição, “Normas programáticas”).
desejadas pelo povo. A Constituição seria uma roupa que “caiu bem” para aquela determinada sociedade, e
suas normas dominaram, de fato, o processo político local.
Constituição que possui normas benéficas, próprias para a natureza de uma Constituição.
Estas normas benéficas seriam as normas garantidoras dos direitos e deveres, aquelas que preveem a
separação e controle dos poderes e ainda que garantem a representatividade do povo. Há “bondade
material” na Constituição.
“Ortodoxa” porque reúne em seu texto apenas uma ideologia política, traçando regras e
princípios dentro deste espírito ideológico. Geralmente estão presentes nos países socialistas e comunistas,
como a antiga URSS e as atuais Cuba e China.
J.2) CONSTITUIÇÃO ECLÉTICA
É aquela que reúne em seu texto duas ou mais ideologias, e que tenta conciliar, inclusive,
ideologias opostas. A Constituição do Brasil é um exemplo, porque tentou conciliar ideologia socialista, ou
pelo menos os ideais socialistas, ao prever várias normas programáticas desde ideal, como a previsão de
uma sociedade livre, justa e solidária, a valorização do trabalho, a busca do pleno emprego, a redução das
desigualdades sociais, a função social da propriedade e, ao mesmo tempo, engloba as ideias do liberalismo,
como livre iniciativa, desenvolvimento nacional, livre concorrência, propriedade privada (arts. 1º, IV, 3º, I, II
e III, 170, II, III, IV, VII, VIII).
L) CLASSIFICAÇÃO QUANTO AO SISTEMA: PRINCIPIOLÓGICA E PRECEITUAL
Finalmente, há, vez por outra, apontamento sobre uma classificação das constituições
quanto ao sistema. Avalia-se o sistema das normas inseridas na Constituição, levando-se em conta que
norma é dividida em princípios e regras.
CONSTITUIÇÃO DENSA :
É aquela cujas normas são densas, fechadas, em face da abertura vertical, com uma rigidez
que impede ao intérprete, ao aplicador e ao legislador infraconstitucional de adequar as regras
constitucionais às novas realidades econômicas e sociais que surgirem. Neste caso, as normas
constitucionais são impenetráveis, não dando liberdade para sua interpretação, causando o perigo de
inflexibilidade para resolver casos concretos variados, diante das suas normas fechadas, densas e
impenetráveis à ação dos seus intérpretes e aplicadores.
CONSTITUIÇÃO ABERTA :
Não é propriamente uma espécie de Constituição, mas sim uma tese no que tange aos
procedimentos de sua interpretação, mas que vale a pena um rápido comentário. É uma expressão
17
Vide tópico “Plasticidade da Constituição”, no capítulo Interpretação e Aplicação da Constituição.
18
Várias expressões da Constituição de 1988 podem ter significados diferentes, a depender do caso concreto, do
autor da interpretação e do momento histórico. Veja, por exemplo, os princípios como da moralidade, eficiência e
impessoalidade (art. 37, “caput”), proporcionalidade (art. 5º, LIV), dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), além de
expressões como “valores sociais do trabalho e da livre iniciativa” (art. 1º, IV), “intimidade”, “vida privada”, “honra”
(art. 5º, X), “ampla defesa”, “contraditório” (art. 5º, LV), “plenitude da defesa” (art. 5º, XXXVIII, “a”), “necessidade ou
utilidade pública, ou por interesse social” (art. 5º, XXIV), “iminente perigo público” (art. 5º, XXV), “funções públicas de
interesse comum” (art. 25, §3º), “assuntos de interesse local” (art. 30, I), “excepcional interesse público” (art. 37, IX),
“urgência ou interesse público relevante” (art. 57, §6º, II), “contrário ao interesse público” (art. 66, §1º), “interesse
público” (arts. 93, VIII, IX, 95, II, 114, §3º, 128, §5º, II, “b”, 231, §6º), “relevância e urgência” (art. 62), “interesse
social” (art. 182), “valores culturais e artísticos” (art. 210), “bens e valores culturais” (art. 216, §3º); “valores éticos e
sociais da família” (art. 221, IV). A união homoafetiva, em relação aos valores éticos da família; a marcha pela
liberação da maconha, em relação à liberdade de expressão; o nu em relação aos valores culturais e artísticos; o
financiamento ou subsídio público para o Carnaval, em relação à moralidade e à probidade; o aborto, em relação à
intimidade, à vida privada e a à integridade física; a honra, em relação ao agente público; a presunção de inocência,
para o candidato a cargo eletivo, são apenas alguns exemplos que forjam uma visão teleológica, social e sistemática do
hermeneuta que se arrisca a interpretar as normas constitucionais, daí porque surgem todos os novos métodos já
citados para dar maior segurança nesta difícil tarefa.
19
Esta plasticidade permite, por exemplo, esta enorme quantidade de leis que desemboca do Diário Oficial. Fosse
uma Constituição inteiramente fechada, cheia de regras e com tantos dispositivos, sem conceitos jurídicos
indeterminados e princípios, certamente diminuiria muito o trabalho do legislador infraconstitucional.
utilizada para dar ênfase à necessidade de ampliar os legitimados para a interpretação da Constituição
Federal, retirando este monopólio interpretativo de apenas um único órgão (Corte Constitucional – STF).
Daí se diz que a Constituição está aberta a todos os intérpretes, e não apenas a um só intérprete. O autor
desta ideia é o jurista alemão Peter Häberle, que enfatiza a importância da Constituição não ser
interpretada apenas por um pequeno círculo de intérpretes. Afinal, se ela é voltada para a sociedade deve,
cada vez mais, sofrer a influência de uma sociedade também pluralista e aberta, aí incluídos todos os órgãos
estatais, todas as potências públicas, todos os cidadãos e grupos, não sendo legítimo estabelecer apenas
alguns poucos privilegiados para interpretar a Constituição. A “sociedade dos intérpretes”, portanto, é
aberta, e não fechada. A Constituição está aberta à interpretação de todos e cabe às Cortes Constitucionais
controlar a participação dos diferentes grupos na interpretação da Constituição. Como se vê, não é
propriamente um tipo de Constituição, mas sim uma tese atinente à interpretação constitucional (vide
adiante).
CONSTITUIÇÃO JUSNATURALISTA (CONCEPÇÃO JUSNATURALISTA):
É a Constituição concebida com base nos princípios do direito natural (jus + naturalista),
invocando os direitos naturais do ser humano, independentemente da questão jurídica. Para esta
concepção de Constituição, os direitos fundamentais, e as garantias a tais direitos, como “habeas corpus” e
mandado de segurança, se justificam porque são consequências naturais da existência humana, daí porque
são agrupados em normas constitucionais. A Constituição seria um meio de subordinação do Estado a um
Direito superior.
CONSTITUIÇÃO POSITIVA (CONCEPÇÃO POSITIVISTA) :
Em contraponto à Constituição jusnaturalista, a Constituição positiva seria aquela que
consta em um documento emanado do Estado. A Constituição seria, portanto, o que está posto no
documento, e seu conceito é redigido pelo Direito Constitucional, sem necessidade de auxílio em fatores
sociais, políticos, econômicos, culturais, éticos e/ou religiosos, já que tais fatores são metanormativos, e não
normativos. Daí a proximidade da Constituição positiva com o sentido jurídico de Hans Kelsen. Surgiu este
sentido após a 1ª Guerra Mundial, tendo como representantes, dentre outros, Laband, Jellinek, Caré de
Malberg e Kelsen.
CONSTITUIÇÃO-BALANÇO :
É a Constituição que descreve e registra a organização política que está estabelecida no
país. Ela, então, faz um “balanço”, uma análise, do que está ocorrendo no país. Refere-se à doutrina
soviética, que entende ser o objetivo da Constituição apenas registrar os estágios das relações do poder, daí
porque sempre, na então União Soviética, se conseguia estabelecer um novo estágio rumo ao socialismo,
era feita uma nova Constituição para analisar este novo estágio político (Constituições de 1924, 1936 e
1977). Bem por isso, há quem faça referência à Constituição marxista, que seria o produto da estrutura
ideológica que permeia o Estado, consequência da estrutura econômica. Na verdade, a Constituição
marxista seria a sintetização das ideias do marxismo (Karl Marx e Friedrich Engels), e que, portanto, seria
apenas uma retratação da vida social encetada pela dinâmica da luta de classes. Como o marxismo defende
a transformação das sociedades de acordo com as leis do desenvolvimento histórico do sistema produtivo
do país, a Constituição retrata o estágio das relações do poder.
CONSTITUIÇÃO INSTITUCIONALISTA (CONCEPÇÃO INSTITUCIONALISTA) :
Vê a Constituição como uma instituição permanente, que abarca os fins políticos e visa
cumprir os programas sociais. A instituição expressa os valores mais sensíveis e importantes da sociedade,
e tenta fazer delas algo duradouro. A Constituição é expressão da organização social, como expressão das
ideias duradouras da comunidade e do ordenamento resultante das instituições, das forças e dos fins
políticos (Hauriou, Renard, Burdeau, Santi Romano, Mortati).
CONSTITUIÇÃO ESTRUTURALISTA (CONCEPÇÃO ESTRUTURALISTA ):
A Constituição seria uma estrutura, montada para suportar as transformações da
sociedade e, assim, equilibrar, com base nela, as relações políticas e as estruturas sociais. A Constituição
estruturaria, portanto, a vivência social e estatal dentro de um pensamento diretor. A Constituição funciona
como uma estrutura global que equilibra as relações políticas, autorizando e encaminhando as
transformações (Spagna Musso, José Afonso da Silva);
CONSTITUIÇÃO BIOMÉDICA :
É a Constituição que se preocupa com a identidade genética do ser humano, daí porque
assegura e regulamenta, em suas normas, o processo de criação, desenvolvimento e utilização de novas
tecnologias científicas nesse sentido, como ocorre na Constituição portuguesa de 02 de abril de 1976, que
diz: “A lei garantirá a dignidade pessoal e a identidade genética do ser humano, nomeadamente na criação,
desenvolvimento e utilização das tecnologias e na experimentação científica” (art. 26º, 3).
CONSTITUIÇÃO COMPROMISSÓRIA :
Seria uma Constituição que, para ser construída, passou por um processo difícil e
tumultuado, onde várias correntes se digladiaram, de modo intenso, até se chegar a consenso, mas que
ao final todos se comprometem a cumpri-la. A Constituição compromissória, portanto, reflete a pluralidade
das forças políticas e sociais, que indica a existência permanente de conflitos, e pressupõe a barganha, o
jogo de interesses e a persuasão, sob pena de radicalismos e incontentamentos generalizados. O termo
“compromisso” tem razão de ser porque, diante das correntes divergentes e convergentes de pensamento,
e a possibilidade do processo descambar para os radicalismos, as partes se comprometem com o que foi
decidido, se comprometem com a Constituição (há um compromisso constitucional). No Brasil e em
Portugal, houve este processo de convergência de opiniões e correntes, antes da aprovação do texto
constitucional. Nas constituições outorgadas, não há compromisso, evidentemente, com a persuasão e
com o jogo de interesses.
CONSTITUIÇÃO SUAVE :
Seria a Constituição sem exageros ou radicalismos, que banalizariam a sua própria
existência, tornando-a cheia de normas impossíveis de serem realizadas. Nesta Constituição, os preceitos
passariam pela análise da viabilidade, antes de serem inseridas no texto constitucional. Não há, então,
imoderações baseadas na demagogia ou na passividade, mas sim moderação e equilíbrio. A Constituição-
garantia (que pretende garantir o indivíduo da ação do Estado, protegendo os direitos de 1ª geração), seria
uma Constituição suave, até porque os preceitos que exigem abstenção do Estado são mais fáceis de serem
efetivados. Por outro lado, a Constituição-dirigente não seria uma Constituição suave, porque cheia de
promessas, muitas vezes vazias.
CONSTITUIÇÃO EM BRANCO :
A Constituição em branco seria aquela que não há previsão de cláusulas pétreas, isto é, de
limites explícitos para a reforma constitucional, ficando os órgãos revisores com maior liberdade para
proceder à reforma. É dizer: o Poder Constituinte Reformador, Decorrente ou Revisional, não encontrariam
limites explícitos para alterar o texto constitucional. A Constituição do Brasil, de 1988, por exemplo, prevê
expressamente os limites, que são as cláusulas pétreas (art. 60, §4º), de modo que não é uma Constituição
em branco. As chamadas constituições fixas, já vistas, seriam constituições em branco, porque só poderiam
ser alteradas pelo mesmo poder que as instituiu, ficando, portanto, sem limitação expressa para assim
proceder. Pode-se dizer que a Constituição em branco é assim chamada porque nela “passou em branco” a
previsão de cláusulas pétreas.
CONSTITUIÇÃO EMPRESARIAL :
É a Constituição que estabelece uma organização para a comunidade, em um determinado
período da histórica, como aconteceu no período colonial, com o estabelecimento de regimentos e alvarás
para funcionamento de estabelecimentos. Um exemplo de Constituição empresarial, citado, é o caso das
normas expedidas para vigorarem enquanto os franceses, holandeses e portugueses estiveram no Brasil-
colônia, para regular a atuação das empresas exploradoras da intensa atividade comercial da época, à vista
da grande quantidade de matéria-prima que aqui se encontrou. Isto ocorreu com o Alvará Régio de
10.03.1647 e o Alvará Régio de 12.02.1682, que estabeleceu o Estatuto da Companhia Geral do Comércio
do Brasil, e autorizou o funcionamento da Companhia do Comércio do Maranhão. Até as sesmarias serviram
de ato normativo, que regulava a aquisição da propriedade das terras do Brasil-colônia pelos portugueses, e
que acabam regulando a atuação dos exploradores comerciais, porque eram, na verdade, um regime
jurídico básico sobre as terras brasileiras, expedidas pela Coroa portuguesa.
CONSTITUIÇÃO ORAL :
O exemplo citado deste tipo de Constituição, é o fato remoto que ocorreu na Islândia, ainda
no Século IX, quando os vikings tomaram o poder e seu chefe, de viva voz, proclamou, de forma oral e
solene, as normas que deveriam reger a vida da comunidade. Isto ocorria porque os vikings eram
guerreiros-marinheiros que saíam das suas cidades natais, pilhando e saqueando cidades, mas acabam
fundando povoados e estabelecendo comércio regular, daí porque tinham que estabelecer, mesmo que
oralmente, as normas fundamentais dos locais que eram explorados e fundados.
CONSTITUIÇÃO HISTÓRICA (CONCEPÇÃO HISTÓRICA):
A Constituição é expressão da estrutura histórica de cada povo, e se refere à legitimidade da
sua organização política. A Constituição é a lei que rege determinado povo, tendo-se em vista as suas
qualidades, tradições, religião, geografia e suas relações políticas e econômicas que foram conquistadas
com o tempo (Burke, De Maistre, Gierke).
CONSTITUIÇÃO DECISÓRIA (CONCEPÇÃO DECISIONISTA).
A Constituição é uma decisão política fundamental, válida por força do ato do poder
constituinte. A ordem jurídica é um sistema de atos preceptivos de vontade, verdadeiro sistema de decisões
fundamentais. Esta concepção se iguala à noção do sentido político da Constituição, de Schmitt.
CONSTITUIÇÃO SIMBÓLICA
Esta Constituição seria aquela que teria o objetivo de produzir apenas efeitos políticos,
como forma dar uma resposta estrutural e rápida, porém virtual, aos problemas da sociedade. Por isso, ela
serviria como um instrumento de persuasão social e política sem preocupação com a concretização jurídica
de seus dispositivos, verdadeiro álibi dos detentores do poder, porque cria uma imagem de ataque sério aos
problemas, mas se transforma, na verdade, em um símbolo de mascaramento da realidade e de adiamento
das necessárias soluções. Evidentemente que esta Constituição provoca descrença no sistema jurídico e
retrocesso ao tão esperado sentimento constitucional da povo. Deve-se a Marcelo Neves a inserção desta
Constituição na classificação das constituições.
HETEROCONSTITUIÇÃO
É a Constituição formada pela participação de outro povo diferente daquele para o qual ela
terá vigência. É dizer: ela aparece quando, no processo de sua formação, o povo do país para onde está
sendo produzida não tem o completo domínio das forças de sua produção. Por isso, é comum dizer que a
“heteroconstituição” ocorre quando uma Constituição é decretada fora do Estado em que terá vigência. Um
bom exemplo é a tentativa de se produzir uma Constituição para a União Europeia, vez que, na produção
desta nova Constituição, haverá participação de vários povos com culturas próprias (povo francês, alemão,
italiano, belga etc.). Também é citado como exemplo a Constituição do Chipre, uma vez que ela foi
construída por meio de acordos celebrados entre Grã-Bretanha, Grécia e Turquia, em 1960 em Zurique, na
Suíça.
II.7. Classificação da Constituição Brasileira de 1988
A Constituição de 1988 é:
1) Formal;
2) Escrita (orgânica, legal/codificada/reduzida);
3) Dogmática;
4) Promulgada (popular/democrática/dogmática/votada);
5) Rígida;
6) Analítica (prolixa/regulamentar);
7) Eclética;
8) Dirigente;
9) Expansiva.
Para a maioria da doutrina, é também plástica e nominal.
É comum entre os doutrinadores a afirmação de que a Constituição de 1988 é plástica.
Assim, ela deve ser classificada desta forma.
Faço alguns comentários para atiçar o senso crítico do leitor.
De fato, a Constituição de 1988 é plástica, porque tem muitos princípios e muitas
expressões com conceitos jurídicos indeterminados, que podem ser interpretados diferentemente a cada
momento histórico. Porém, não se pode perder de vista que a nossa Constituição apresenta-se totalmente
dedutível, isto é, toda ela com capacidade de ser adaptada ao sabor das realidades sociais, econômicas e
culturais, justamente porque, em boa medida, é densa ou fechada. Neste sentido, veja dois aspectos que
densificam nossa Constituição:
1º aspecto: existem muitos assuntos que não estão abertos ao legislador ordinário,
limitando sobremaneira sua liberdade de conformação. A maior prova disto é a quantidade
enorme de emendas constitucionais, que surgem para conformar o texto constitucional às
novas realidades sociais e econômicas, justamente diante da falta de “jogo de cintura” da
Constituição para determinados assuntos. Se a Constituição fosse plenamente plástica, não
haveria necessidade de reformar por meio de emendas constitucionais (Reforma
Administrativa, Reforma da Previdência e Reforma do Judiciário, por exemplo).
2º aspecto: a plasticidade é própria para Constituições sintéticas, onde há pequena
quantidade de dispositivos que acaba dando liberdade ao legislador ordinário, e a CF/88 é
analítica, chegando mesmo a ser prolixa, e em muitos casos locupleta toda a capacidade de
conformação, tratando de assuntos quase à exaustão.
É verdade que a doutrina, quando fala em Constituição que não é plástica, quer se referir às
constituições que realmente paralisam o legislador e o intérprete, formando quase uma “ditadura
constitucional”, em especial em países que adotam constituições ortodoxas. Daí porque a Constituição
brasileira seria plástica.
Entretanto, o conceito de Constituição plástica, no sentido de ser aquela própria para
permitir a adequação à realidade social, isto é, que permite ao legislador preencher as regras
constitucionais, tende a fazer com que a Constituição de 1988 seja vista em seus vários aspectos. Caso fosse
ela totalmente plástica, não seria necessária a grande quantidade, até assustadora, de emendas
constitucionais, uma vez que ela poderia ser modelada às exigências da modernidade sem alteração no seu
texto. Afinal, o legislador ordinário não poderia tocar nos diversos assuntos que foram tratados pelas
emendas constitucionais.
Também é importante enfatizar que a Constituição brasileira de 1988 não é
simultaneamente formal e material, daí ser incorreto afirmar que ela é material. Formal ela é, porque toda
ela é composta de normas que passaram por um processo de elaboração rígido, especial. Entretanto, ela
não é toda material, porque constam diversos dispositivos que não têm importância constitucional, como é
o caso, iniludível, dos arts. 242, §2º e 217, §2º. Daí porque é correto dizer que ela tem partes materiais e
partes não materiais, mas ela não é uma Constituição material.
A Constituição de 1988 é nominal, semântica ou normativa? É uma grande discussão.
Semântica ela não é, à toda evidência, porque não serviu apenas para perpetuar os donos do poder e servir
de mero fantoche. A dúvida surge em se saber se ela é nominalista ou normativa.
Uadi Lammêgo Bulos (op. cit., p. 40 e 44), entende que a CF/88 é nominal:
“No Brasil, considerando a classificação ontológica das constituições de Loewenstein, temos o
seguinte quadro: as Cartas de 1891, 1934 e 1946 foram nominais, enquanto os Textos de 1937,
1967, juntamente com a EC n. 1/69, semânticos. Note-se que, até hoje, não tivemos um texto
constitucional normativo. E a Constituição de 1988, seria normativa, semântica ou nominal? Sem
dúvida, nominal. Esperamos um dia, por uma Constituição normativa, em consonância com a
vida, com os fatores de transformação da sociedade, para valer na prática, produzindo resultado
concreto no plano de vida” (..) “Vimos que a Carta de 1988, do ponto de vista da sua essência,
classifica-se como nominal. Simples leitura do seu art. 3º e perguntamos: a pobreza foi
erradicada? As desigualdades sociais e regionais foram reduzidas? Em tese, a Constituição de
1988 foi pródiga ao consagrar os dois grandes tipos de democracia: a liberal e a social. Pela
primeira – a democracia liberal -, as liberdades públicas são protegidas contra os abusos de
poder dos governantes. Pela segunda – a democracia social -, busca-se eliminar desequiparações
entre as condições de vida dos homens. Oxalá, nos anos vindouros, possamos comemorar a
implantação dos dois modelos de democracia descritos, porque, nestes anos de Constituição, a
democracia social não saiu do papel e a democracia liberal está seriamente abalada. A fome,
remanescente da involução e do primitivismo, é o maior exemplo que se pode oferecer. E,
nunca sociedade civilizada, na qual alguém morre pela fome, o respeito ao vetor constitucional
da dignidade da pessoa humana, prestigiando, na forma, pelo constituinte de 1988 (art. 1º, III),
desaparece por completo, pois o mínimo direito que tem o ´cidadão´ é o de alimentar-se”.
Ouso fazer uma observação. A Constituição nominalista não pode ser vista apenas como
aquela em que suas normas não refletem a realidade do país. Claro que esta é a ideia central de
Loewenstein, mas não pode ser uma ideia exagerada, porque acabaria por ser uma ideia banal, nunca
realizável, uma vez que não há Constituição no mundo que retrate fielmente o que ocorre no país. Por
exemplo: ao se estabelecer o princípio da moralidade e eficiência da Administração Pública, quer dizer que
a Constituição só será nominalista se não houver imoralidade e ineficiência? Nenhum país do mundo, por
mais avançado que seja, tem uma realidade exatamente de acordo com o espírito da Constituição. O
mesmo ocorre quando a Constituição estabelece a harmonia e a independência entre os Poderes:
independentemente da maturidade política das instituições, órgãos e poderes públicos, sempre haverá
certa dependência, ou uma desarmonia aqui e acolá.
Assim, a Constituição nominalista seria aquela que não conseguiria retratar, razoavelmente,
a realidade do país, e esta realidade não é apenas a realidade social (no sentido afastamento das misérias
sociais), mas também a realidade das instituições, a maturidade política e o desenvolvimento da tripartição
dos Poderes.
A Constituição brasileira de 1988, por exemplo, quando dá a entender, no seu preâmbulo,
que a sociedade brasileira é fraterna, pluralista, sem preconceitos e que resolve seus conflitos de forma
pacífica, ela não está incorreta (neste caso, ela não está sendo nominalista, porque de fato estas
características pertencem ao espírito da sociedade brasileira). Então, não se pode vincular uma Constituição
nominalista apenas ao nível de desenvolvimento social e humano, para se afirmar que se o país estiver com
um desenvolvimento alto, a Constituição será normativa; se estiver com um desenvolvimento baixo, e a
Constituição prevê um alto desenvolvimento, a Constituição será normalista.
Da mesma forma, é preciso entender que a Constituição de 1988 não diz que a sociedade
brasileira é desenvolvida, que os parâmetros do IDH – Índice de Desenvolvimento Humano são altos. Diz,
isto sim, que os Poderes Públicos têm metas para serem atingidas, e devem sempre visá-las, porque o
princípio da dignidade humana é nuclear. Deste modo, a Constituição de 1988 seria nominalista se os
órgãos públicos, de fato, estiverem fazendo de tudo para conseguir as metas sociais. Neste ponto, é
nominalista, porque de fato os órgãos públicos não estão fazendo isto. Entretanto, quando a Constituição
de 1988 diz que deverá haver harmonia entre os Poderes, ela está sendo normativa, porque, de fato, no
Brasil, há harmonia entre os Poderes (meras verborragias entre Chefes dos Poderes não caracteriza
desarmonia, é bom que se diga, e até nisso o Brasil tem conseguido, razoavelmente, manter-se harmônico).
Da mesma forma, quando fala em independência do Ministério Público, e do Judiciário, a Constituição não
está sendo nominalista. De outra banda, quando fala que deverá haver independência entre os Poderes, a
história parece ser outra, diante da dependência do Legislativo em face do Executivo.
Não por outro motivo é que, repita-se, para saber exatamente se uma Constituição é
normalista ou normativa, é preciso analisar profundamente o país, suas instituições, seu povo, seus órgãos
e sua vida como um todo, com auxílio de sociólogos, juristas, cientistas políticos e até de antropólogos, para
então afirmar com segurança se há correspondência com a realidade material e se de fato ordena as
decisões políticas fundamentais.
Por isso, o melhor seria entender que a Constituição brasileira é nominalista, em relação à
maioria dos seus assuntos, mas é também normativa, em relação a alguns pontos, muito embora não seja,
como se viu, a posição da doutrina de Uadi Lammêgo Bulos.