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UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ

DEPARTAMENTO ACADÊMICO DE MATEMÁTICA


Campus Apucarana

Prof. Dr. Márcio Hiran Simões

Apostila de Cálculo Diferencial e Integral 3 -


Funções de uma Variável Complexa.

Apucarana - PR
2017
O Plano Complexo
1
1.1.Os números complexos
Os números complexos têm sua origem na dificuldade encontrada em resolver
certas equações algébricas tais como x2 = −1. Como não existe número real cujo
quadrado seja −1, esta equação só terá solução se introduzirmos um novo conceito de
número com a propriedade
√ de que seu quadrado seja −1. Esse número, comumente
designado por i ou −1 é chamado de unidade imaginária.
Combinando-se a unidade imaginária com números reais a e√b, somos √ levados aos
números complexos da forma a + bi como, por exemplo, −1 + 3i, 5 − 9i.
Definição 1.1.1
Um número complexo é qualquer número da forma z = a + bi, onde a e b são
números reais e i é a unidade imaginária.

Terminologia: O número real x em z = x + yi é chamado de parte real de z e


o número real y é chamado de parte imaginária de z. As partes real e imaginária
de um número complexo z são abreviadas como Re(z) e Im(z), respectivamente. Por
exemplo, se z = 4 − 9i, então Re(z) = 4 e Im(z) = −9. Um múltiplo constante real
da unidade imaginária é denominado de número imaginário puro. Por exemplo,
z = 5i é um número imaginário puro.
Definição 1.1.2
Os números complexos z1 = x1 + y1 i e z2 = x2 + y2 i são iguais, z1 = z2 , se
x1 = Re(z1 ) = Re(z2 ) = x2 e y1 = Im(z1 ) = Im(z2 ) = y2 .

Um número complexo x + yi = 0 se x = 0 e y = 0.
Operações aritméticas Números complexos pode ser somados, subtraı́dos, mul-
tiplicados e divididos. Essas operações são definidas a seguir, considerando z = a + bi

- 1 -
Capı́tulo 1. O Plano Complexo

e w = c + di:

Adição: z + w = (a + bi) + (c + di) = (a + c) + (b + d)i;

Subtração: z − w = (a + bi) − (c + di) = (a − c) + (b − d)i;

Multiplicação: z · w = (a + bi)(c + di) = (ac − bd) + (ad + bc)i;

z a + bi ac + bd bc − ad
Divisão: = = 2 2
+i 2 .
w c + di c +d c + d2
As leis comutativa, associativa e destributiva se aplicam aos números complexos.

z1 + z2 = z2 + z1 ;
Lei comutativa:
z1 · z2 = z2 · z1

z1 + (z2 + z3 ) = (z1 + z2 ) + z3 ;
Lei associativa:
z1 (z2 z3 ) = (z1 z2 )z3

Lei distributiva: z1 (z2 + z3 ) = z1 z2 + z1 z3


Em vista dessas leis, não há necessidade de se memorizar as definições de adição,
subtração e multiplicação. Para somar (subtrair) dois números complexos, simples-
mente somamos (subtraı́mos) as partes reais e imaginárias correspondentes. Para
multiplicarmos dois números complexos, aplicamos a lei distributiva e o fato de que
i2 = −1.
Os exemplos a seguir ilustram o uso dessas regras.
Exemplo 1.1.1 (Adição e multiplicação)
Se z1 = −5 + 7i e z2 = 3 − 12i, determine z1 + z2 e z1 z2 .

Solução: Somando as partes real e imaginária dos dois números, obtemos:

z1 + z2 = (−5 + 7i) + (3 − 12i) = −2 − 5i.

Usando a propriedade distributiva da multiplicação e o fato de que i2 = −1,


obtemos:

z1 z2 = (−5)(3) + (−5)(−12i) + (7i)(3) + (7i)(−12i)


= −15 + 60i + 21i − 84i2 = −15 + 84 + 81i = 69 + 81i.

Não há a necessidade de se memorizar a definição de divisão, porém, antes de


discurtirmos isso, precisamos introduzir um outro conceito.
Conjugado de um número complexo. O complexo conjugado de z = x+yi (ou
simplesmente o conjugado de z) é definido com sendo o número complexo z = x − yi.

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Capı́tulo 1. O Plano Complexo

Por exemplo, se z = −3 + 2i então z = −3 − 2i. A partir da definição de adição


pode-se mostrar facilmente que o conjugado da soma de dois números complexos é a
soma dos conjugados, isto é,
z1 + z2 = z1 + z2 .
Além disso, valem as seguintes propriedades:
 
z1 z1
z1 − z2 = z1 − z2 ; z1 z2 = z1 z2 ; = .
z2 z2

As definições de adição e multiplicação mostram que a soma e o produto de um


número complexo e seu conjugado resultam em números reais.

z + z = (x + yi) + (x − yi) = 2x. (1.1.1)

zz = (x + yi)(x − yi) = x2 − i2 y 2 = x2 + y 2 (1.1.2)


A diferença entre um número complexo e seu conjugado resulta em um número
imaginário puro:
z − z = (x + yi) − (x − yi) = 2yi. (1.1.3)
Como x = Re(z) e y = Im(z), (1.1.1) e (1.1.3) resultam em duas fórmulas úteis:
z+z z−z
Re(z) = e Im(z) = .
2 2i
Entretanto, (1.1.2) é a relação que nos permite calcular a divisão de uma forma
mais prática: para dividir z1 po z2 , multiplicamos tanto o numerador quanto o deno-
minador de z1 /z2 pelo conjugado de z2 .
Exemplo 1.1.2
z1 1
Se z1 = 2 − 3i e z2 = 4 + 6i, calcule (a) e (b) .
z2 z1

Solução:
z1 z1 z2 z1 z2 (2 − 3i) (4 − 6i)
(a) = = =
z2 z2 z2 z2 z2 (4)2 + (6)2

−10 − 24i 5 6
= = − − i.
52 26 13
1 1 z2 z2 (4 − 6i)
(b) = = =
z2 z2 z2 z2 z2 (4)2 + (6)2

4 − 6i 1 3
= = − i.
52 13 26

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Capı́tulo 1. O Plano Complexo

Interpretação geométrica A representação dos números complexos por pontos


do plano é muito útil e frequentemente utilizada. Com essa representação, um número
complexo z = x+yi pode ser identificado com o ponto de coordenadas x e y, ou com o
vetor Oz de componentes x e y (Fig. 1.1). As conhecidas regras do paralelogramo para
a adição e subtração de vetores se aplicam então para o caso de adição e subtração
de números complexos (Figs 1.1).

Figura 1.1: Representação geométrica

O módulo ou valor absoluto de um númeropcomplexo z = x + yi é definido


como sendo o número real não-negativo |z| = x2 + y 2 , que é também chamado
de distância do ponto z à origem.
A representação geométrica do conjungado do número complexo z = x + yi pode
ser vista na Fig. 1.2.

Figura 1.2: Complexo conjugado

Com a definição de módulo de um número complexo, é fácil verificar que, zz = |z|2 .

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Capı́tulo 1. O Plano Complexo

ˆ ˆ ˆ

1.1.1. Exercı́cios
1. Reduza à forma a + bi cada uma das expressões complexas seguintes:

(f ) (3i − 1) 2i + 13 ;

(a) (3 + 5i) + (−2 + i);
√ + 4i) − (1 − 2i);
(b) (−3 √ (g) 7 − 2i 2 − 2i5 ;
(c) ( 3 − 2i) − i[2 − i( 3 + 4)]; (h) (2 + 3i)2 ;
(d) (3 − 5i)(−2 − 4i); (i) (4 − 2i)2 ;
(e) 1 + 3i − 65 + 3i ;
 
(j) 1 + 2i + 3i2 + 4i3 + 5i4 + 6i5 .

2. Mostre que (x + yi)2 = x2 − y 2 + 2xyi.


3. Mostre que (x − yi)2 = x2 − y 2 − 2xyi.
4. Mostre que (1 + i)3 = −2 + 2i.
5. Mostre que 1 + i5 + 2i10 + 3i15 = −1 − 2i.
6. Mostre que (x + yi)2 (x − yi)2 = (x2 + y 2 )2 .
7. Reduza à forma a + bi cada uma das expressões complexas seguintes:
1 1−i
(a) . (e) .
2 + 3i 1+i

1 1+i
(b) . (f ) .
4 − 3i 1−i
 
1+i 1
(c) . (g) .
3 − 2i 1+i
30
3−i

(d) . 1+i
−1 + 2i (h) .
1−i
8. Verifique as seguintes relações:
√ " √ 2# √
2 1 − i 2 (1 − i 3) 2(1 + 2 3)
(a) Re[−i(2−3i) ] = −12; (b) √ = −1; (c) Im = .
2+i −2 + i 5

9. Demonstre que
|α + β|2 + |α − β|2 = 2|α|2 + 2|β|2
quaisquer que sejam os números complexos α e β. Faça um gráfico para verificar a se-
guinte interpretação geométrica: a soma dos quadrados do lado de um paralelogramo
é igual a soma dos quadrados de suas diagonais.

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Capı́tulo 1. O Plano Complexo

1.2.Representação polar
Considerando a representação geométrica de um número complexo z, chama-se
argumento de z ao ângulo θ formado pelo eixo Ox e o vetor Oz.

Figura 1.3: Representação polar

Como em trigonometria, a orientação dos ângulos é de Ox para Oz. Considera-se


positivo o sentido oposto ao dos ponteiros do relógio.
O argumento só fica determinado a menos de múltiplos inteiros de 2π. Como
x = |z| cos θ e y = |z| sin θ, temos a representação polar de z:

z = r(cos θ + i sin θ), r = |z|;

r e θ são designados as coordenadas polares de z.


De posse da representação polar, vamos deduzir uma regra muito conveniente para
a multiplicação. Sejam
z1 = r1 (cos θ1 + i sin θ1 ),
z2 = r2 (cos θ2 + i sin θ2 ),
dois números complexos quaisquer. Temos então

z1 z2 = r1 r2 (cos θ1 + i sin θ1 )(cos θ2 + i sin θ2 )

= r1 r2 (cos θ1 cos θ2 − sin θ1 sin θ2 ) + i(sin θ1 cos θ2 + cos θ1 sin θ2 ),

isto é,
z1 z2 = r1 r2 [cos(θ1 + θ2 ) + i(θ1 + θ2 )].
Vemos assim que o produto de dois números complexos é o número cujo módulo
é o produto dos módulos dos fatores e cujo argumento é a soma dos argumentos dos
fatores (Fig.1.4).

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Capı́tulo 1. O Plano Complexo

Figura 1.4: Multiplicação de dois complexos

Vamos deduzir resultado análogo para a divisão. Temos


z1 r1 cos θ1 + i sin θ1 r1
= = (cos θ1 + i sin θ1 )(cos θ2 − i sin θ2 )
z2 r2 cos θ2 + i sin θ2 r2
r1
= [(cos θ1 cos θ2 + sin θ1 sin θ2 ) + i(sin θ1 cos θ2 − cos θ1 sin θ2 )].
r2
Portanto,
z1 r1
= [cos(θ1 − θ2 ) + i sin(θ1 − θ2 )],
z2 r2
isto é, para dividir números complexos basta fazer o quociente dos módulos e a dife-
rença dos argumentos.

Figura 1.5: Divisão de dois complexos

A fórmula de multiplicação acima estende-se para um número qualquer de fatores.


Sendo
zj = rj (cos θj + i sin θj ), j = 1, 2, . . . , n,

- 7 -
Capı́tulo 1. O Plano Complexo

teremos, por indução finita,

z1 z2 . . . zn = r1 r2 . . . rn [cos(θ1 + θ2 + · · · + θn ) + i sin(θ1 + θ2 + · · · + θn )]

Em particular, quando todos os fatores são iguais e de módulo unitário, obtemos


a chamada Fórmula de De Moivre:

(cos θ + i sin θ)n = cos nθ + i sin nθ.

Esta fórmula é válida também para expoentes negativos. De fato,


1 1
(cos θ + i sin θ)−n = = = cos nθ − i sin nθ,
(cos θ + i sin θ)n cos nθ + i sin nθ

isto é
(cos θ + i sin θ)−n = cos(−nθ) + i sin(−nθ).
ˆ ˆ ˆ

1.2.1. Exercı́cios
1. Determine o argumento dos números complexos abaixo, escreva-os na forma polar
e represente-os geometricamente.
1
a) z = −2 + 2i e) z = √
−1 − i 3

b) z = 1 + i 3 f ) z = −1 − i

c) z = − 3 + i −3 + 3i
g) z = √
 5 1+i 3
i
d) z = −4
1+i h) z = √
3−i
2. Reduza os números z1 e z2 abaixo à forma polar e determine as representações
z1
polares de z1 z2 e .
z2

√ 3−i 3
a) z1 = 3 + 3i, z2 =
2

b) z1 = 1 + i, z2 = 3 + i

c) z1 = 1 − i, z2 = −1 + i 3

3. Mostre que cos 3θ = cos3 θ − 3 cos θ sin2 θ e que sin 3θ = − sin3 θ + 3 cos2 θ sin θ.
Sugestão: Desenvolva (cos θ + i sin θ)3 pela fórmula do binômio e pela Fórmula de De
Moivre.

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Capı́tulo 1. O Plano Complexo

1.3. Raı́zes n-ésimas


√ 1
As raı́zes n-ésimas n a = a n de um número complexo a 6= 0 são obtidas como as
soluções da equação z n = a. Pondo

a = r(cos θ + i sin θ),

z = ρ(cos φ + i sin φ)
e usando a Fórmula de De Moivre obtemos

ρn (cos nφ + i sin nφ) = r(cos θ + i sin θ).

Como a igualdade de números complexos exige a igualdade de suas partes reais e


a igualdade de suas partes imaginárias separadamente devemos ter

ρn cos nφ = r cos θ e ρn sin nφ = r sin θ.

Estas equações são equivalentes a

ρn = r, nφ = θ + 2kπ,

onde k é um inteiro. Segue daqui que ρ é a raiz n-ésima positiva de r e



 
n
θ + 2kπ θ + 2kπ
z = r cos + i sin . (1.3.1)
n n

Esta fórmula produz n raı́zes distintas, quando a k se atribuem os valores k =


0, 1, . . . , n − 1. Como é fácil ver, qualquer outro valor atribuı́do a k conduz a uma
raiz já obtida com um dos valores acima, precisamente aquele que é o resto da divisão
de k por n. Vemos assim que um número complexo p a 6= 0 possui n raı́zes n-ésimas
z0 , z1 , . . . , zn−1 , todas com o mesmo módulo ρ = |a| e com argumentos
n

θ 2kπ
φk = + , k = 0, 1, . . . , n − 1.
n n
No caso particular a = 1 obtemos as raı́zes n-ésimas da unidade: 1, ω, ω 2 , . . . , ω n−1 ,
onde
2π 2π
ω = cos + i sin .
n n
A Fig.1.6 ilustra o caso n = 6.

- 9 -
Capı́tulo 1. O Plano Complexo

Figura 1.6: Raı́zes da unidade

A fórmula (1.3.1) pode ser escrita na forma


  
n
θ θ 2kπ 2kπ
z = r cos + i sin cos + i sin ,
n n n n

ou seja,

 
θ θ
z= n
r cos + i sin ω k , k = 0, 1, . . . , n − 1.
n n
Esta expressão nos diz que as raı́zes n-ésimas de um número complexo podem ser
obtidas como o produto de uma raiz n-ésima do número, precisamente

 
n
θ θ
z0 = r cos + i sin ,
n n

pelas raı́zes n-ésimas da unidade, 1, ω, ω 2 , . . . , ω n−1 .


Por exemplo, suponha que queremos determinar as raı́zes cúbicas de a = 8. Uma
delas é z0 = 2. As raı́zes cúbicas de unidade são dadas por 1, ω e ω 2 , com

2π 2π 1 3
ω = cos + i sin =− +i .
3 3 2 2
Logo, as raı́zes cúbicas de 8 são (Fig. 11)
z0 = 2,
√ !
1 3 √
z1 = 2 − + i = −1 + i 3,
2 2
√ !

 
4π 4π 1 3
z2 = 2ω 2 = 2 cos + i sin =2 − −i = −1 − i 3.
3 3 2 2

- 10 -
Capı́tulo 1. O Plano Complexo


3
Figura 1.7: 8

No cálculo da raiz quadrada, muitas vezes é mais conveniente seguir o procedi-


mento do exemplo abaixo. Seja

−7 − 24i = x + yi,

logo,
x2 − y 2 + 2xyi = −7 − 24i,
donde
x2 − y 2 = −7, xy = −12
resolvendo essa última equação em relação a x e substituindo na primeira, obtemos
uma equação quadrática para y 2 , cuja solução é y 2 = 16 (como y é real, y 2 > 0).
Logo y = ±4 e x = ∓3,donde

−7 − 24i = ±(3 − 4i).
ˆ ˆ ˆ

1.3.1. Exercı́cios
1. Calcule as raı́zes abaixo.
√ √ √
a) −4; b) (1 + i 3)1/2 ; c) 3
i;
√ √ p √
d) −i e)(−1 + i 3)1/4 f) −1 − i 3.

2. Usando o procedimento do fim desta seção, calcule as raı́zes seguintes:


√ √ √
q
a) −5 − 12i; b) 3 + 4i; c) 1 + 2i 6.

3. Nos casos abaixo, resolva as equações P (z) = 0 e fatore os polinômios P (z):

a) P (z) = z 6 −64; b) P (z) = z 4 +9; c) P (z) = 3z 2 −i.

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Capı́tulo 1. O Plano Complexo

4. Resolva as seguintes equações:

a) z 2 − 2z + 2 = 0 b) z 2 + (1 − 2i)z + (1 + 5i) = 0.

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Funções Analı́ticas
2
2.1.Conjuntos no plano complexo
Daremos aqui as definições de alguns conjuntos e elementos do plano complexo
que serão usados na caracterização de funções complexas..
p
Consideremos z0 = x0 + iy0 . Como |z − z0 | = (x − x0 )2 + (y − y0 )2 é a distância
entre os ponto z = x + iy e z0 , os pontos que satisfazem a equação

|z − z0 | = ρ, ρ > 0,

estão localizados em um cı́rculo de raio ρ centrado no ponto z0 .


Exemplo 2.1.1
a) |z| = 1 é a equação de um cı́rculo de raio 1 centrado na origem.
b) |z − 1 − 2i| = 5 é a equação de um cı́rculo de raio 5 com centro em 1 + 2i.

Os pontos z que satisfazem a desigualdade |z −z0 | < ρ, ρ > 0, estão localizados no


interior de um cı́rculo, de raio ρ centrado em um ponto z0 . Esse conjunto é chamado
de vizinhança de z0 ou um disco aberto. Um ponto z0 é dito ser um ponto
interior de um conjunto S do plano complexo se existir alguma vizinhança de z0 que
esteja inteiramente contida em S. Se todo ponto z de um conjunto S for um ponto
interior, então S será denominado de conjunto aberto. Por exemplo, a desigualdade
Re z > 0, define um conjunto aberto chamado de semi-plano aberto. Por outro lado,
o conjunto S de pontos no plano complexo para os quais Re(z) ≥ 0 não é aberto, pois
toda vizinhança de um ponto sobre o eixo y contém pontos dentro de S e pontos fora
de S.

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Capı́tulo 2. Funções Analı́ticas

Exemplo 2.1.2
São conjuntos abertos do plano complexo:
(a) Im z < 0.
(b) −1 < Re z < 1.
(c) |z| > 1.
(d) 1 < |z| < 2.

O conjunto de números que satisfazem a desigualdade

ρ1 < |z − z0 | < ρ2 ,

é chamado de anel aberto.


Se toda vizinhança de um ponto z0 contiver ao menos um ponto que esteja em
um conjunto S e ao menos um ponto que não esteja em S, então z0 é um ponto de
contorno de S. O contorno de um conjunto S é o conjunto de todos os pontos de
contorno de S.
Se qualquer par de pontos z1 e z2 em conjunto aberto S puder ser conectado
por uma reta poligonal que esteja inteiramente contida no conjunto, então S é um
conjunto conexo. Um conjunto conexo aberto é chamado de domı́nio. O conjunto
de números que satisfaz Re z 6= 0 é um conjunto aberto mas não é conexo.
Uma região é um domı́nio no plano complexo com todos, alguns ou nenhum dos
seus pontos de contorno. Como um conjunto conexo aberto não contém quaisquer
pontos de contorno, ele é automaticamente uma região. Uma região contendo todos
os seus pontos de contorno é dita ser fechada.
Observação 2.1.1
A definição de domı́nio dada acima não se refere à definição de domı́nio de uma
função seja qual for o espaço topológico utilizado.

ˆ ˆ ˆ

2.1.1. Exercı́cios
1. Descreva geometricamente a região determinada por cada uma das seguintes
condições:

a) | Re (z)| < 2; d) |z − 4| > 3; g) |z − 1 + 3i| ≤ 1;

b)| Im (z) > 1; e) Re (z) > 0; h) 0 ≤ arg z ≤ π/4, z 6= 0;

c) − π < arg z < π, |z| > 2; f) 1 < |z − 2i| < 2; i) |2z + 3| > 4.

- 14 -
Capı́tulo 2. Funções Analı́ticas

2.2. Funções de uma variável complexa


Vamos considerar funções definidas em conjuntos complexos, cujos valores são,
em geral, complexos. Mais precisamente, seja D um conjunto de números complexos
e seja f uma lei que faz corresponder, a cada elemento z do conjunto D, um único
número complexo, que designamos por f (z). Nestas condições diz-se que f é uma
função com domı́nio D. O conjunto I dos valores w = f (z) correspondentes a todos
os valores de z em D é chamado a imagem de D pela função f . Nestas condições, o
número complexo z é chamado de variável independente e w é a variável dependente.

Figura 2.1:

É importante notar que, para caracterizar uma função, não basta especificar a lei
de correspondência f ; é preciso especificar também o domı́nio de definição D. Entre-
tanto, frequentemente consideramos funções dadas em termos de relações analı́ticas
bem definidas w = f (z), sem especificar o domı́nio de definição. Nestes casos, fica
subentendido que o domı́nio de definição de f é o maior subconjunto de números com-
plexos z para os quais tenha sentido a expressão analı́tica f (z). Por exemplo,quando
falamos ”seja a função
3z − 5
w= ”,
(z − i)(z + 7)
estamos usando esta relação para especificar a lei de correspondência f que liga z a w;
ao mesmo tempo fica subentendido que o domı́nio desta função é o plano complexo,
exceto os pontos z = i e z = −7.
Uma função da variável complexa z pode assumir valores puramente reais. Por
exemplo, p
f (z) = |z| = x2 + y 2 , onde z = x + yi,
é uma função real da variável complexa z.
A cada função w = f (z) de uma variável complexa z = x + yi estão associadas
duas funções reais das variáveis reais x e y, dadas por

u = u(x, y) = Re f (z), v = v(x, y) = Im f (z).

- 15 -
Capı́tulo 2. Funções Analı́ticas

Assim, se z = x + yi então

w = f (z) = u(x, y) + iv(x, y) (2.2.1)

onde u, v : D ⊂ R2 −→ R.
Por exemplo, sendo f (z) = z 2 + 3z − 5, temos

u = x2 − y 2 + 3x − 5, v = 2xy + 3y.

Deve-se notar que uma função complexa é completamente determinada pelas


funções reais u e v. Isso significa que uma função complexa w = f (z) pode ser
definida especificando-se arbitrariamente u(x, y) e v(x, y), embora u + iv não possa
ser obtida por meio de operações elementares sobre o sı́mbolo z. Por exemplo, se
u(x, y) = xy 2 e v(x, y) = x2 − 4y 3 , então f (z) = xy 2 + i(x2 − 4y 3 ) é uma função de
uma variável complexa. Para calcularmos f (3 + 2i), substituı́mos x = 3 e y = 2 em
u e v para obtermos f (3 + 2i) = 12 − 23i.
Inerente à definição matemática de função de variável complexa está o fato de
não ser possı́vel traçar o esboço do gráfico de tais funções. Para tal, necessitarı́amos
de um sistema de quatro dimensões. Porém, existem outras formas de analisarmos
geometricamente uma função complexa.
Funções complexas como fluxos Podemos também interpretar uma função
complexa w = f (z) como um fluxo de fluido bidimensional considerando o número
complexo f (z) como um vetor baseado no ponto z. O vetor f (z) especifica a veloci-
dade e o sentido do fluxo em um determinado ponto z.
Se x(t)+iy(t) for uma representação paramétrica para o caminho de uma partı́cula
no fluxo, o vetor tangente T = x0 (t) + iy 0 (t) tem que coincidir com f (x(t) + iy(t)).
Quando f (z) = u(x, y) + iv(x, y), o caminho da partı́cula tem que satisfazer o sistema
de equações diferenciais
dx
= u(x, y)
dt
dy
= v(x, y).
dt
Chamamos a famı́lia de soluções desse sistema como linhas de fluxo do fluxo
associado a f (z).
Exemplo 2.2.1
Determine as linhas de fluxo associadas às funções complexas (a) fi (z) = z e (b)
f2 (z) = z 2 .

Solução: (a) As linhas de fluxo que correspondem a f1 (z) = x − iy satisfazem o


sistema
dx dy
= x; = −y,
dt dt

- 16 -
Capı́tulo 2. Funções Analı́ticas

e, portanto, x(t) = c1 et e y(t) = c2 e−t . Multiplicando essas duas equações pa-


ramétricas vemos que o ponto x(t) + iy(t) se localiza na hipérbole xy = c1 c2 .
(b) Para obter as linhas de fluxo que correspondem a f2 (z) = (x2 − y 2 ) + i(2xy),
dx dy
observe que = x2 − y 2 , = 2xy, e assim
dt dt
dy 2xy
= 2 .
dx x − y2

Essa equação diferencial homogênea tem como solução x2 + y 2 = c2 y, uma famı́lia


de cı́rculo que tem centros no eixo y e que passam pela origem.
Definição 2.2.1 (Limite de uma função)
Suponha que uma função f seja definida em uma vizinhança de z0 , exceto pos-
sivelmente no próprio z0 . Então, dizemos que f tem um limite L quando z se
aproxima de z0 e escrevemos
lim f (z) = L
z→z0

se, para cada  > 0, existir um δ > 0 tal que |f (z) − L| <  sempre que 0 <
|z − z0 | < δ.

A diferença fundamental entre essa definição e o conceito de limite em variáveis


reais está na forma como z se aproxima de z0 . No caso de funções de uma única
variável real, a notação x → x0 significa que x se aproxima de x0 sobre a reta real
tanto à direita de x0 quanto a esquerda. Aqui, z → z0 significa que o ponto z se
aproxima do ponto z0 a partir de qualquer direção.
Teorema 2.2.1 (Limite da soma, produto e quociente)
Considere lim f (z) = L1 e lim g(z) = L2 . Então:
z→z0 z→z0

(i) lim [f (z) + g(z)] = L1 + L2 .


z→z0

(ii) lim f (z)g(z) = L1 L2 .


z→z0

f (z) L1
(iii) lim = , se L2 6= 0.
z→z0 g(z) L2

Definição 2.2.2 (Continuidade em um ponto)


Uma função f é contı́nua em um ponto z0 , se lim f (z) = f (z0 ).
z→z0

Como consequência do Teorema 2.2.1, se duas funções f e g forem contı́nuas em


um ponto z0 , então a soma e o produto delas serão contı́nuas em z0 . O quociente f /g
das duas funções será contı́nuo em z0 , desde que g(z0 ) 6= 0.

- 17 -
Capı́tulo 2. Funções Analı́ticas

Uma função f definida por

f (z) = an z n + an−1 z n−1 + · · · + a2 z 2 + a1 z + a0 , an 6= 0 (2.2.2)

onde n é um inteiro não negativo e os coeficientes ai , i = 0, 1, 2 · · · , n, são cons-


tantes complexas, é chamada de função polinomial de grau n. Pode-se provar
que a função polinomial (2.2.2) é contı́nua em todo o plano complexo. Uma função
racional
g(z)
f (z) = ,
h(z)
onde g e h são funções polinomiais é contı́nua em todos os pontos, exceto naqueles
em que h(z) = 0.
Definição 2.2.3 (Derivada)
Seja f uma função complexa definida em uma vizinhança de z0 . A derivada de
f em z0 é
f (z + ∆z) − f (z)
f 0 (z0 ) = lim , (2.2.3)
∆z→0 ∆z
se o limite existir.
O sı́mbolo ∆z da definição de derivada refere-se ao número complexo ∆x + i∆y.
Se o limite (2.2.3) existir, diremos que a função f é diferenciável em z0 . Quando
dw
w = f (z) a notação pode ser utilizada.
dz
Assim como em funções de uma variável real, aqui diferenciabilidade implica em
continuidade. Além disso, as regras de derivação de funções reais também são válidas
para funções complexas. Se f e g são funções diferenciáveis em um ponto z e se c for
uma constante complexa, então:
d d
Regra da constante: c = 0, [cf (z)] = cf 0 (z);
dz dz
d
Regra da soma: [f (z) + g(z)] = f 0 (z) + g 0 (z);
dz
d
Regra do produto: [f (z)g(z)] = f 0 (z)g(z) + f (z)g 0 (z);
dz
g(z)f 0 (z) − f (z)g 0 (z)
 
d f (z)
Regra do quociente: = ;
dz g(z) [g(z)]2

d
Regra da cadeia: f (g(z)) = f 0 (g(z))g 0 (z).
dz

- 18 -
Capı́tulo 2. Funções Analı́ticas

A regra usual para a diferenciação de potências de z também é válida, isto é,


d n
z = nz n−1 , n ∈ Z.
dz
Exemplo 2.2.2
z2
Diferencie (a) f (z) = 3z 4 − 5z 3 + 2z e (b) f (z) = .
4z + 1
Solução:

Para que uma função complexa f seja diferenciável em um ponto z0 , o valor


do limite dado na definição de derivada de ser o mesmo não importa como ∆z se
aproxime de zero. Logo, dizer que uma função complexa é diferenciável em z0 é mais
importante do que para variáveis reais.
Exemplo 2.2.3
Mostre que a função f (z) = x + 4yi não é diferenciável em nenhum lugar.

Solução: Como ∆z = ∆x + i∆y, temos

f (z + ∆z) − f (z) = (x + ∆x) + 4i(y + ∆y) − x − 4i∆y = ∆x + 4i∆y

e assim
f (z + ∆z) − f (z) ∆x + 4i∆y
lim = lim .
∆z→0 ∆z ∆z→0 ∆x + i∆y

Agora, ∆z → 0 ao longo da reta y = 0 temos que ∆y = 0 e o limite acima é igual


a 1. Por outro lado, se ∆z → 0 pela reta x = 0 teremos ∆x = 0 e, nesse caso, o limite
dá 4. Como os limites resultantes são diferentes segue que esse limite não existe e,
portanto, f (z) = x + 4iy não é diferenciável em nenhum ponto.
Definição 2.2.4 (Funções Analı́ticas em um Ponto)
Uma função complexa w = f (z) é analı́tica em um ponto z0 se f for dife-
renciável em z0 e em todo ponto de alguma vizinhança de z0 .

- 19 -
Capı́tulo 2. Funções Analı́ticas

Uma função f é analı́tica em um conjunto D se ela for analı́tica em todo ponto


de D.
Note que a analiticidade em um ponto não é uma propriedade pontual e sim
uma propriedade em uma vizinhança. Assim, podemos dizer que a classe de funções
analı́ticas é mais restrita que a classe da funções diferenciáveis.
Uma função que é analı́tica em qualquer ponto z é uma função completa. As
funções polinomias são funções completas.
ˆ ˆ ˆ

2.2.1. Exercı́cios
Nos problemas de 1 a 8, expresse a função indicada na forma f (z) = u + iv.

1. f (z) = 6z − 5 + 9i 5. f (z) = z 3 − 4z
2. f (z) = 7z − 9i z − 3 + 2i 6. f (z) = z 4
1
3. f (z) = z 2 − 3z + 4i 7. f (z) = z +
z z
4. f (z) = 3z 2 + 2z 8. f (z) =
z+1

Nos problemas 9 a 12, calcule a função dada nos pontos indicados.

09. f (z) = 2x − y 2 + i(xy 3 − 2x2 + 1); (a) 2i (b) 2 − i (c) 5 + 3i.

10. f (z) = (x + 1 + 1/x) + i(4x2 − 2y 2 − 4); (a) 1 + i (b) 2 − i (c) 1 + 4i.

11. f (z) = 4z + iz + Re z; (a) 4 − 6i (b) − 5 + 12i (c) 2 − 7i.


πi πi
12. f (z) = ex cos y + iex sin y; (a) (b) − 1 − πi (c) 3 + .
4 3
Nos problemas 13 a 16, o limite indicado existe. Determine o seu valor.

3 2 z4 − 1
13. lim(4z − 5z + 4z + 1 − 5i) 15. lim
z→i z→i z − i
5z 2 − 2z + 2 z 2 − 2z + 2
14. lim 16. lim
z→1−i z+1 z→1+i z 2 − 2i

Nos problemas 17 e 18, mostre que o limite indicado não existe.

z x+y−1
17. lim 18. lim
z→0 z z→1 z−1

- 20 -
Capı́tulo 2. Funções Analı́ticas

Nos problemas 19 a 26 determine a derivada f 0 (z) para a função indicada.

19. f (z) = 4z 3 − (3 + i)z 2 − 5z + 4 23. f (z) = (z 2 − 4i)3


3z − 4 + 8i
20. f (z) = 5z 4 − iz 3 + (8 − i)z 2 − 6i 24. f (z) =
2z + i
5z 2 − z
21. f (z) = (2z + 1)(z 2 − 4z + 8i) 25. f (z) = 3
z +1
22. f (z) = (z 5 + 3iz 3 )(z 4 + iz 3 + 2z 2 − 6iz) 26. f (z) = (2z − 1/z)6

Nos problemas 27 a 30, defina os pontos para os quais a função indicada não será
analı́tica.
z 2i
27. f (z) = 29. f (z) =
z − 3i z2
− 2z + 5iz
z3 + z z − 4 + 3i
28. f (z) = 2 30. f (z) = 2
z +4 z − 6z + 25

Nos problemas 31 a 34, determine as linhas de fluxo associadas à função complexa


indicada.
31. f (z) = 2z 33. f (z) = iz
1
32. f (z) = 34. f (z) = x2 − iy 2
z

2.3.Equações de Cauchy – Riemann


Na seção anterior vimos que uma função complexa f é analı́tica em um ponto z0
se ela for diferenciável em z0 e em qualquer ponto de alguma vizinhança de z0 . Dito
de outra forma consideramos que uma função complexa f é analı́tica em um domı́nio
D se f for diferenciável em todos os pontos de D. Nesta seção daremos um critério
de analiticidade para funções complexas na forma f (z) = u(x, y) + iv(x, y).
Teorema 2.3.1 (Equações de Cauchy – Riemann)
Suponha que f (z) = u(x, y) + iv(x, y) é diferenciável em um ponto z = x + iy.
Então, as derivadas parciais de primeira ordem de u e v existem em z e satisfazem
as equações de Cauchy – Riemann
∂u ∂v ∂u ∂v
= e =− . (2.3.1)
∂x ∂y ∂y ∂x

Note que, se uma função complexa f (z) = u(x, y) + iv(x, y) for analı́tica em
domı́nio D então as funções reais u e v satisfazem as equações de Cauchy – Riemann
(2.3.1) em todo ponto de D.

- 21 -
Capı́tulo 2. Funções Analı́ticas

Exemplo 2.3.1
A função polinomial f (z) = z 2 + z é analı́tica para todo z e f (z) = (x2 − y 2 +
x) + i(2xy + y). Assim, u(x, y) = x2 − y 2 + x e v(x, y) = 2xy + y. Para qualquer
ponto (x, y), vemos que as equações de Cauchy – Riemann são satisfeitas:

∂u ∂v ∂u ∂v
= 2x + 1 = e = −2y = − .
∂x ∂y ∂y ∂x

Exemplo 2.3.2
Mostre que a função f (z) = (2x2 + y) + i(y 2 − x) não é analı́tica em qualquer
ponto.

Solução: Temos u(x, y) = 2x2 + y e v(x, y) = y 2 − x. Assim,

∂u ∂v
= 4x e = 2y
∂x ∂y

∂u ∂v
=1 e = −1.
∂y ∂x

∂u ∂v ∂u ∂v
Das igualdades acima vemos que = − , para todo (x, y), mas =
∂y ∂x ∂x ∂y
somente nos pontos sobre a reta y = 2x. Contudo, em pontos sobre essa reta, não
existe qualquer vizinhança onde f é diferenciável. Portanto, f não é analı́tica em
nenhum ponto do plano complexo.

Para que a recı́proca do teorema 2.3.1 tenha validade é preciso uma hipótese
adicional sobre as funções reais u e v.
Teorema 2.3.2 (Critério para analiticidade)
Suponha que as funções reais u(x, y) e v(x, y) tenham derivadas parciais de pri-
meira ordem contı́nuas em um domı́nio D. Se u e v satisfizerem as equações de
Cauchy – Riemann em todos os pontos de D, então a função complexa f (z) =
u(x, y) + iv(x, y) é analı́tica em D.

- 22 -
Capı́tulo 2. Funções Analı́ticas

Exemplo 2.3.3
x y
Para a função f (z) = −i 2 , temos
x2 +y 2 x + y2

∂u y 2 − x2 ∂v ∂u 2xy ∂v
= 2 2 2
= e =− 2 2 2
=− .
∂x (x + y ) ∂y ∂y (x + y ) ∂x

Em outras palavras, as equações de Cauchy – Riemann são satisfeitas, exceto no


ponto onde x2 + y 2 = 0, ou seja, em z = 0. Concluı́mos, a partir do Teorema 2.3.2
que f é analı́tica em qualquer domı́nio que não contenha o ponto z = 0.

Observe que para obtermos as equações de Cauchy – Riemann precisamos basica-


mente, que a função f (z) = u + iv seja diferenciável no ponto z. Em outras palavras,
as equações de Cauchy – Riemann nos dão uma fórmula de cálculo para f 0 (z):

∂u ∂v ∂v ∂u
f 0 (z) = +i = − . (2.3.2)
∂x ∂x ∂y ∂y

Por exemplo, sabemos que f (z) = z 2 é diferenciávem em todo z. Com u(x, y)x2 −
y 2 , ∂u/∂x = 2x, v(x, y) = 2xy e ∂v/∂x = 2y, vemos que

f 0 (z) = 2x + i2y = 2(x + iy) = 2z.

Lembre-se que analiticidade implica em diferenciabilidade, mas a recı́proca não


é verdadeira. O Teorema 2.3.2 possui uma versão análoga que apresenta condições
suficientes para a diferenciabilidade de uma função complexa:

Se as funções reais u(x, y) e v(x, y) são contı́nuas e tem derivadas parciais de


primeira ordem contı́nuas em uma vizinhança de z, e se u e v satisfazem as equações
de Cauchy – Riemann no ponto z, então a função complexa f (z) = u(x, y) + iv(x, y)
é diferenciável em z, e f 0 (z) é dada por (2.3.2).

A função f (z) = x2 − iy 2 não é analı́tica em nenhum lugar. Com as identificações


u(x, y) = x2 e v(x, y) = −y 2 , vemos a partir de

∂u ∂v ∂u ∂v
= 2x, = −2y e = 0, =0
∂x ∂y ∂y ∂x
que as equações de Cauchy – Riemann são satisfeitas apenas quando y = −x. Porém,
como as funções u, ∂u/∂x, ∂u/∂y, ∂v/∂x e ∂v/∂y são contı́nuas em todos os pontos,
temos que f é diferenciável na reta y = −x, sendo que (2.3.2) define a derivada
f 0 (z) = 2x = −2y.

- 23 -
Capı́tulo 2. Funções Analı́ticas

Funções Harmônicas A equação de Laplace

∂ 2u ∂ 2u
+ =0
∂x2 ∂y 2
descreve, dentre outros fenômenos fı́sicos, problemas envolvendo a distribuição de
temperaturas em regime permanente (independente do tempo). Essa equação dife-
rencial parcial também desempenha um papel importante em outras áreas da ma-
temática aplicada. De fato, as partes real e imaginária de uma função analı́tica não
podems ser escolhidas arbitrariamente pois tanto u quanto v tem que satisfazer a
equação de Laplace. É essa ligação entre funções analı́ticas e a equação de Laplace
que torna as variáveis complexas tão essenciais no estudo da matemática aplicada.
Definição 2.3.1 (Funções Harmônicas)
Uma função de valor real φ(x, y) que tenha derivadas parciais de segunda ordem
contı́nuas em um domı́nio D e que satisfaça a equação de Laplace é chamada de
função harmônica.
Teorema 2.3.3
Suponha que f (z) = u(x, y) + iv(x, y) seja uma função analı́tica em um domı́nio
D. Então, as funções u(x, y) e v(x, y) são funções harmônicas em D.

Demonstração : Nessa demonstração, consideraremos que u e v tem derivadas parciais


de segunda ordem contı́nuas. Como f é analı́tica, as equações de Cauchy – Riemann
são satisfeitas. Diferenciando ambos os lados de ∂u/∂x = ∂v/∂y em relação a x e
diferenciando ambos os lados de ∂u/∂y = −∂v/∂x em relação a y, obtemos

∂2u ∂2v ∂2u ∂2v


= e = − .
∂x2 ∂x∂y ∂y 2 ∂y∂x

Considerando a continuidade, temos que as derivadas mistas são iguais. Por-


tanto, somando as duas equações temos

∂2u ∂2v
+ = 0.
∂x2 ∂y 2

Isso mostra que u(x, y) é harmônica. A demonstração de que v(x, y) é harmônica se


faz de modo análogo.

Funções harmônicas conjugadas Se f (z) = u(x, y) + iv(x, y) for analı́tica em


um domı́nio D, então u e v são funções harmônicas em D. Suponha agora que u(x, y)
seja uma função harmônica em D. Então, é possı́vel obter outra função v(x, y) que
seja harmônica em D de modo que u(x, y) + iv(x, y) seja uma função analı́tica em D.
A função v(x, y) é chamada de função harmônica conjugada de u.

- 24 -
Capı́tulo 2. Funções Analı́ticas

Exemplo 2.3.4
(a) Verifique que a função u(x, y) = x3 − 3xy 2 − 5y é harmônica em todo o plano
complexo. (b) Obtenha a função harmônica conjugada de u.

Solução: (a) Por derivação parcial, obtemos

∂u ∂ 2u ∂u ∂ 2u
= 3x2 − 3y 2 , = 6x, = −6xy − 5, = −6x
∂x ∂x2 ∂y ∂y 2
e assim,
∂ 2u ∂ 2u
+ = 6x − 6x = 0.
∂x2 ∂y 2
Logo u satisfaz a equação de Laplace, o que mostra que u é harmônica.
(b) Como a função harmônica conjugada deve satisfazer as equações de Cauchy –
Riemann, devemos ter
∂v ∂u ∂v ∂u
= = 3x2 − 3y 2 e =− = 6xy + 5. (2.3.3)
∂y ∂x ∂x ∂y

A integração parcial da primeira equação de (2.3.3) em relação a y nos fornece


v(x, y) = 3x2 y − y 3 + h(x). A partir disso, temos

∂v
= 6xy + h0 (x).
∂x
Substituindo esse resultado na segunda equação de (2.3.3) obtemos h0 (x) = 5, e
portanto h(x) = 5x + C. Consequentemente, a função harmônica conjugada de u é
v(x, y) = 3x2 y − y 3 + 5x + C. A função analı́tica é

f (z) = x3 − 3xy 2 − 5y + i(3x2 y − y 3 + 5x + C).


ˆ ˆ ˆ

2.3.1. Exercı́cios
Nos problemas 01 e 02, a função dada é analı́tica para todo z. Mostre que as equações
de Cauchy–Riemann são satisfeitas em todos os pontos.

01. f (z) = z 3 02. f (z) = 3z 2 + 5z − 6i

Nos problemas de 03 a 08, mostre que a função indicada não é analı́tica em qualquer
ponto.

03. f (z) = Re(z) 04. f (z) = y + ix


05. f (z) = 4z − 6z + 3 06. f (z) = z 2

- 25 -
Capı́tulo 2. Funções Analı́ticas

x y
07. f (z) = x2 + y 2 08. f (z) = +i 2
x2 +y 2 x + y2

Nos problemas 09 a 13, utilize o Teorema 2.3.2 para mostrar que a função indicada é
analı́tica em um domı́nio apropriado.
09. f (z) = ex cos y + iex sin y
2 −y 2 2 −y 2
10. f (z) = ex cos(2xy) + iex sin(2xy)

11. f (z) = 4x2 + 5x − 4y 2 + 9 + i(8xy + 5y − 1)


x−1 y
12. f (z) = 2 2
−i
(x − 1) + y (x − 1)2 + y 2
x3 xy 2 + x x2 y + y 3 − y
13. f (z) = 2 + i
x + y2 x2 + y 2
Nos problemas 14 a 17, mostre que a função indicada não é analı́tica em qualquer
ponto, porém é diferenciável ao longo da(s) curva(s) indicada(s).
14. f (z) = x2 + y 2 + 2xyi; eixo x.
15. f (z) = 3x2 y 2 − 6x2 y 2 i; eixos coordenados
16. f (z) = x3 + 3xy 2 − x + i(y 3 + 3x2 y − y); eixos coordenados.
17. f (z) = x2 − x + y + i(y 2 − 5y − x); y = x + 2

Nos problemas 18 a 23, verifique que a função indicada u é harmônica. Determine


v, a função harmônica conjugada de u. Forme a função analı́tica correspondente
f (z) = u + iv.

18. u(x, y) = x 19. u(x, y) = 2x − 2xy


20. u(x, y) = x2 − y 2 21. u(x, y) = 4xy 3 − 4x3 y + x
22. u(x, y) = loge (x2 + y 2 ) 23. u(x, y) = ex (x cos y − y sin y)

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