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O REINO

E A IGREJA
Título do Original Inglês:
The Kingdom and the Church

1.O evangelho e o reino

2.A vida e o reino

3.A relação entre O reino e a igreja

4.A edificação da igreja relacionada ao reino

Prefácio

Estas mensagens foram dadas pelo irmão Witness Lee e


publicadas pelo Living Stream Ministry em 1971

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O REINO E A IGREJA – W. LEE
CAPÍTULO 1
O EVANGELHO E O REINO

Neste livro consideraremos a relação entre o reino de Deus e a igreja. Em primeiro lugar, porém,
desejamos fazer uma pergunta essencialmente relacionada com nosso tema: Qual é o objetivo do
evangelho? Em nossa pregação, geralmente contamos a história do evangelho a partir do ponto de vista
humano e raramente a partir do ponto de vista divino. Por um lado, a nós, pregadores, falta uma noção
suficientemente elevada do evangelho; por outro, e mais fácil pregar a partir do ponto de vista humano,
pois, assim, podemos fazer um apelo mais pessoal à nossa audiência. Se pregarmos o evangelho do
ponto de vista de Deus, nossos ouvintes poderão considerá-lo muito distante e, por não sentirem que é
de interesse imediato, será difícil tocar na emoção deles; portanto, fazemos da salvação do pecado o
objetivo do evangelho e, assim, oferecemos alegria e paz à nossa audiência. Ocasionalmente, elevamos
um pouco o padrão e apresentamos a vida como o alvo. Nosso ponto de partida é o pecado, a
inquietação, a miséria e a condição morta do homem. Nosso alvo é perdão, paz, alegria e vida. Já que
enfatizamos a necessidade humana quando pregamos o evangelho, nossos convertidos enfatizam o que
ganharam quando aceitaram o evangelho. Eles dizem: "Eu cri no Senhor Jesus e obtive perdão de
pecados; ganhei paz, alegria e vida".
Mas se examinarmos cuidadosamente a Bíblia, deixando de lado nossos próprios conceitos,
veremos que a apresentação bíblica é muito diferente da nossa. Ela é assim: "Arrependei-vos, porque
está próximo o reino dos céus". Ela apresenta o reino como o objetivo do evangelho. Deveríamos
arrepender-nos não simplesmente para obter perdão, paz e vida, mas por existir um reino celestial que
exige nosso arrependimento. Devemos arrepender-nos para que nos tomemos participantes desse reino.
Podemos estar satisfeitos por haver obtido perdão, paz e vida, mas Deus não está satisfeito com isso.
Não foi somente João Batista que começou sua pregação com as palavras: "Arrependei-vos,
porque está próximo o reino dos céus". Essas mesmas palavras também foram faladas pelo Senhor
Jesus quando começou Seu ministério. Na dispensação do novo testamento, ao apresentar o evangelho
ao homem, Deus mostra o reino como seu objetivo transcendente. Quando, no novo testamento,
substitui a lei pela graça, Deus o faz por causa do reino, porque a lei era impotente para introduzir os
homens no reino. Uma vez que virmos o reino, perceberemos quão insuficiente era nossa antiga
pregação do evangelho.
Quão familiar é o assunto do novo nascimento! Quantos têm pregado sobre esse tema baseados
em João 3! Mas quantos têm visto o propósito do novo nascimento? Nosso Senhor disse: "Se alguém
não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus" (Jo 3:3). O objetivo apresentado por Ele era o
reino! O propósito do novo nascimento é capacitar-nos a entrar no reino!
Temo que não muitos tenham este conceito sobre o novo nascimento: que Deus nos deu Sua
vida a fim de que possamos participar do Seu reino. Se quero viver no reino de Deus, devo possuir uma
vida diferente da vida que tenho por natureza. Preciso nascer de novo. Preciso receber a vida de Deus,
pois se não possuir Sua vida, não posso viver em Seu reino.
O que dissemos toma suficientemente claro que o evangelho sempre tem em vista o reino de
Deus; portanto ele é chamado de "evangelho do reino". Mateus 24:14 diz: "Será pregado este
evangelho do reino por todo o inundo". Mas, que é o reino?
O cristianismo fez do reino uma questão principalmente de profecia, algo relacionado ao futuro.
Muitos pensam que "entrar no reino" é o mesmo que "ir para o céu". Quando criança, ouvi muita
pregação desse tipo, colocando "o reino dos céus" ou "o reino de Deus" como um lugar de felicidade
eterna reservado para o futuro. Essa apresentação é contrária às Escrituras. A Bíblia mostra que o reino
de Deus ou o reino dos céus está relacionado à nossa vida no tempo presente. Reconhecemos que há
um aspecto do reino que se refere ao futuro, mas a ênfase bíblica está mais no presente que no futuro.
O reino influencia efetivamente nossa vida diária.

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A palavra "reino", usada no Novo Testamento, é um termo forte na língua grega. Alguns
tradutores têm defendido o uso da palavra "soberania" como sinônimo. Trata-se da idéia de um
governo soberano, de autoridade real. Você se lembra das palavras de Apocalipse 20:4, 6? Os dois
versículos falam dos santos ressuscitados reinando com Cristo mil anos.
A palavra "reinar" usada em ambos os versículos vem da mesma raiz da palavra "reino". O
reino de Deus é o reinar de Deus; o reino dos céus é o reinar dos céus. Mas qual é a implicação disso?
Certamente não é difícil entender. Antes de sermos salvos, estávamos sob o domínio de Satanás e
exteriormente nossa vida era governada pelos homens. Quando crianças, estávamos sob a autoridade
dos nossos pais; como estudantes, estávamos sob a autoridade de nossos professores; como cidadãos,
estávamos sob a autoridade do Estado; mas não havia nenhuma autoridade divina em nossa vida.
Veja as cidades modernas. Quanta ordem! Uma linha amarela é traçada no meio da estrada e
controla as mãos de direção. Ninguém cruza essa linha. Quando alguém está para entrar em
determinada via e vê uma placa indicando contra-mão, não vai nessa direção. Em outro lugar, ele vê:
"Proibido Estacionar" e não estaciona ali. Que ordem! Mas remova o governo, a polícia e os tribunais e
veja como as cidades ficam! Haveria um caos total. Por que as pessoas hoje são ordeiras? Porque o
governo, a polícia e os tribunais exercem controle sobre elas. Será que elas estão sob a autoridade de
Deus? Não! Tampouco estávamos nós, antes de sermos salvos.
Não estávamos sob o governo de Deus, o que significa que não estávamos no reino de Deus.
Mas um dia, por meio do evangelho, Deus veio até nós e disse: "Você tem de se arrepender!"
Arrepender-se de quê? Não simples-mente arrepender-se de determinados erros, de determinados
pecados, mas arrepender-se radical-mente – arrepender-se de não ter estado sob a autoridade do céu,
arrepender-se de não se submeter à soberania de Deus.
A razão de nossos erros é primeiramente nossa não aceitação do governo de Deus. Os homens
cometem todo tipo de pecado, porque não querem deixar que Deus exerça Sua autoridade sobre eles.
Mas como é que Ele pode trazê-los para debaixo de Sua autoridade? Por meio do evangelho! O
evangelho que o Novo Testamento revela e um evangelho proclamado a rebeldes, a homens que têm
resistido à autoridade de Deus, a homens que têm rejeitado Seu governo, a homens que não querem
estar sob Seu reinar. Esse evangelho limpa tais homens e põe a vida de Deus dentro deles de tal forma
que eles possam aceitar o governo de Deus. Isso e o evangelho do novo testamento!
Você ouviu o evangelho, creu e foi salvo, mas será que viu que o evangelho o colocou sob o
governo de Deus? Você viu que foi salvo para o propósito específico de ser trazido para o Seu controle?
Viu que sua salvação não está relacionada meramente a perdão, paz e vida, mas o verdadeiro objetivo
de você ter sido perdoado e da vida lhe ter sido transmitida é levá-lo para estar sob o governo soberano
de Deus? Isso é o evangelho! Apocalipse 1:5, 6 diz: "Àquele que nos ama, e pelo seu sangue nos
libertou dos nossos pecados, e nos constituiu reino". A razão de Deus nos ter lavado no sangue
precioso é para que pudéssemos ser levados a estar sob Seu governo.
Como tenho pregado o evangelho em diversos lugares, tenho tido contato pessoal com inúmeras
pessoas que foram claramente salvas e, após sua salvação, disseram-me algo parecido com isso: "Por
que será que, desde que fui salvo, pareço estar sob certo tipo de controle? É como se alguém tivesse
tomado o controle daninha vida, de tal maneira que, quando desejo fazer determinada coisa, algo em
mim diz: 'Não! Não!' Anteriormente eu era senhor de mim mesmo; agora, simplesmente já não posso
fazer o que me agrada. Que significa isso?"
Não é essa também a sua história? Sim, essa e a história de todo aquele que é salvo. Entretanto,
no momento da nossa salvação não imaginamos que Alguém entraria em nossa vida e assumiria o
comando. Muitas pessoas, quando recém-salvas, não entendem isso e me pedem uma
explicação.Tenho procurado explicar da seguinte maneira: Como você creu no Senhor? Você não O
recebeu em sua vida? Então, não sabe que o Senhor que você recebeu não é apenas Salvador, como
também é Rei? Ele não é apenas o Crucificado, mas é também o que foi exaltado ao trono. Ele recebeu
"toda autoridade nos céus e sobre a terra", "Deus o fez Senhor e Cristo". Hoje Ele não é mais o
Salvador na cruz. Ele é o Salvador no trono. É como Rei que Ele se tomou seu Salvador; por isso, a
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vinda Dele trouxe Seu trono para a sua vida. Toda pessoa salva está debaixo de um governo interior, e
esse é o governo do reino. Até agora você sabia de uma restrição sobre si, mas não havia percebido que
há um trono em sua vida. O reino de Deus está no seu interior.
Alguns dias atrás encontrei alguém que disse espantado: "Meus colegas podem envolver-se
totalmente com todo tipo de diversões, e eu desejo fazer o mesmo. Entretanto, quando quero tomar
parte nessas diversões, há uma forte restrição interior. Por que há todo esse transtorno interior?" Às
vezes dizemos às pessoas que há um transtorno interior porque elas têm interiormente a vida do
Senhor. Isso é verdadeiro, mas não é toda a verdade. A questão não é simplesmente uma vida interior,
mas uma autoridade interior.
Paulo disse: "O reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no
Espírito Santo" (Rm 14:17). Que estamos "comendo e bebendo"? Trata-se de questões muito práticas
da vida diária. O reino de Deus é igualmente um assunto muito prático na vida diária, tão prático
como comer e beber. O reino de Deus é justiça, paz e alegria no Espírito Santo. Quando permitimos
que a autoridade do reino de Deus opere em nós, essas três coisas caracterizarão nossa vida diária.
Seremos rígidos com nós mesmos em todas as questões relacionadas à justiça; em nosso
relacionamento com os outros a característica será a paz; e em nosso andar com Deus teremos alegria
no Espírito Santo. Se não tivermos alegria no Espírito Santo, algo estará errado conosco. Quando nos
livramos da restrição divina, permanecemos em silêncio enquanto os outros estão louvando. Enquanto
eles cantam seus aleluias, não conseguimos nem mesmo proferir um amém. Nosso espírito torna-se tão
pesado que não conseguimos -nos alegrar. Quando a justiça caracteriza nosso andar pessoal, quando
temos paz em nosso relacionamento com os outros e quando temos alegria na presença de Deus, então
o reino está manifestando-se em nossa vida diária.
Deixemos de pensar no reino como um assunto meramente de profecia. O Novo Testamento
revela que tão logo somos salvos, o trono de Deus é trazido para nosso interior, para que, daí por
diante, nossa vida seja vivida em submissão ao Seu reino.

CAPÍTULO 2
A VIDA E O REINO

A Bíblia, do princípio ao fim, associa vida com autoridade. Quando o homem é mencionado pela
primeira vez, esses dois assuntos são introduzidos. No primeiro capítulo de Gênesis é introduzida a
questão da autoridade. Quando Deus criou o homem, Ele disse: "Dominai sobre os peixes do mar,
sobre as aves dos céus, e sobre todo animal que rasteja pela terra" (Gn 1:28). Assim que Deus criou
Adão, Ele conferiu-lhe o direito de governar toda a terra. Mas Gênesis 1 não nos diz tudo o que
ocorreu entre Deus e o homem, quando este foi criado; portanto, o capítulo 2 complementa o registro.
Gênesis 1 diz-nos que Deus queria que o homem dominasse por Ele sobre a terra e também diz-nos
que tipo de homem deve ser o que vai exercer a autoridade de Deus. Ele deve ser "à imagem de Deus".
O homem que vai governar a terra por Deus deve ser um homem "conforme a semelhança" de Deus,
isto é, parecido com Deus, de tal maneira que, quando vê esse homem que está dominando, você vê o
próprio Deus. O homem que deve governar a terra por Deus não é meramente alguém que exerce
autoridade; ele é alguém que exerce autoridade como representante de Deus. Isso é algo tremendo! É
algo transcendente e exige uma vida transcendente para sua realização. Uma tarefa sobrenatural exige
uma vida sobrenatural. É necessário que nos fixemos neste ponto: se o homem deve representar Deus e
exercer domínio por Ele na terra, esse homem deve possuir uma vida sobrenatural. Ele é incapaz de
arcar com uma responsabilidade tão elevada na força de sua própria vida natural. Se ele deve exercer a
autoridade divina e ser um representante divino, ele precisa possuir a vida divina.
Portanto, assim que Gênesis 1 apresentou um homem à semelhança divina e no exercício da
autoridade divina, Gênesis 2 apresenta a árvore da vida. Deus estava indicando que Ele queria que o
homem participasse da árvore da vida a fim de possuir a vida divina e, assim, ser capaz de cumprir as
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responsabilidades do seu ministério. Somente se a vida incriada de Deus entrasse numa criatura
humana e que essa criatura estaria capacitada a representar o Senhor da criação e a governar sobre a
terra em nome do Senhor da criação.
Você percebe que logo no começo a Bíblia vinculou autoridade à vida? E no final da Bíblia essas
duas ainda estão vinculadas. Nos dois capítulos finais de Apocalipse, pode-se ver a vida fluindo do
trono, e o trono representa a autoridade (Ap 22:1,2). A autoridade está totalmente relacionada à vida.
Se você tem a vida, tem autoridade. "Se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus. ( ...
) Quem não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus" (Jo 3:3, 5). Se queremos
tomar parte no reino, precisamos nascer de novo. Precisamos tomar-nos possuidores de uma vida
diferente da que possuímos por natureza. Usando uma ilustração do Antigo Testamento, Adão em
Gênesis 1, com sua vida terrena, precisa receber a vida celestial de Gênesis 2. Não pense que
precisamos nascer de novo porque pecamos; devemos nascer de novo porque necessitamos possuir
uma vida que não temos pelo nascimento natural. É claro que os pecadores precisam nascer de novo,
mas se o homem não tivesse caído, o novo nascimento ainda seria necessário. Nosso Senhor disse a
Nicodemos que ele precisava receber a vida de Deus para que pudesse tornar-se participante do reino
de Deus. Você vê que aqui, uma vez mais, a vida e o reino estão vinculados?
Você pode dizer: "Oh! tudo isso é muito bom, mas está além da minha capacidade!
Verdadeiramente quero submeter-me à autoridade de Deus, mas simplesmente não consigo! Eu sou
muito fraco". Sim, todos nós somos muito fracos, pois somos filhos de Adão; somos todos filhos do pó;
somos todos muito terrenais. E as coisas da terra são frágeis demais. Um pequeno golpe e elas se fazem
em pedaços. Assim somos nós. E não somos apenas criaturas frágeis; somos criaturas caídas. Somos
rebeldes por natureza. Não temos força para nos submeter a Deus, mas temos muita força para nos
rebelar contra Ele. Temos de confessar que nossa vida natural é uma vida rebelde, que não consegue
submeter-se a Deus. A vida que temos por nosso nascimento natural é totalmente incapaz de se render
à Sua autoridade. Nossa vida natural é incapaz, totalmente incapaz de estar sob o governo de Deus.
Quando os discípulos ouviram o Senhor falar sobre o reino, eles deram um suspiro e disseram: "Quem
consegue?" E o Senhor respondeu: "Isso é impossível aos homens".
Deixe-me usar uma ilustração aqui. Um cachorro não pode voar. Voar é algo absolutamente
impossível para o cachorro. Mas o que um cachorro não consegue fazer, um pássaro faz com
facilidade. Para um pássaro, voar pelos ares é a coisa mais simples. A vida de um cachorro é uma vida
que não consegue voar; a de um pássaro é uma vida que voa com facilidade. O pássaro tem o tipo de
natureza que voa, e ele sofreria muito se você não o deixasse voar. Assim, se quiser que o cachorro
rasteje por um buraco ou escale uma colina, ele conseguirá fazê-lo, mas peça-lhe para voar e ele não
conseguirá. E tudo uma questão de vida.
Nossa vida natural corrompida não consegue submeter-se a Deus. Precisamos de outra vida
para isso. Precisamos da vida de Deus. O novo nascimento é Deus vindo para dentro do homem, de
maneira que o homem torna-se agora impossível. "Para Deus tudo é possível" (Mt 19:26). Nosso
problema de autoridade não é problema para Deus. Quando temos Sua vida, é a coisa mais natural
estar sob Sua autoridade. É tão espontâneo quanto um pássaro voar. Se reprimimos a vida divina em
nosso interior e não a deixamos submeter-se à autoridade divina, então, sofremos como um pássaro na
gaiola. Mas quando nos submetemos ao controle divino somos maravilhosamente libertados. Quanto
mais nos submetemos, mais libertados somos, até que, como disse Isaías, podemos subir "com asas
como águias" (Is 40:31). Você percebe que o reino está relacionado à vida?
As exigências do reino são terríveis, mas a provisão da vida divina é equivalente a todas as suas
exigências. Um evangelho pleno apresenta o reino com seus requisitos. Ele também apresenta o sangue
precioso para limpar da corrupção e a vida para suprir a força que nos torna participantes do reino. O
evangelho apresenta estas três coisas: o reino, o sangue e a vida. O reino faz suas exigências, mas em
razão da purificação que vem mediante o sangue precioso e da força que vem por meio da vida divina,
mesmo nós, que por natureza somos criaturas caídas, podemos viver a vida do reino. Louvado seja
Deus, pois a própria fonte da vida está em nosso interior, a saber o próprio Deus! O Deus que do trono
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faz Suas exigências, Ele mesmo as satisfaz. Do trono, Ele exige que nos submetamos a Ele, e do nosso
interior Ele supre a vida que se submete a Ele. Isso não exige nosso esforço, mas nossa cooperação.
Não é necessário que façamos, mas é preciso deixarmos que Ele faça. De outra maneira, como
poderiam ser satisfeitas as exigências do reino? Ouça essas exigências elevadas: "Ouvistes que foi dito:
Olho por olho, dente por dente. Eu, porém, vos digo: Não resistais ao perverso; mas a qualquer que te
ferir na face direita, volta-lhe também a outra; e ao que quer demandar contigo e tirar-te a túnica,
deixa-lhe também a capa" (Mt 5:38-40). Quando li essas palavras em minha juventude, pensei: "Oh! eu
não consigo fazer isso! E jamais em toda a minha vida serei capaz de fazê-lo; por isso tenho de desistir
de ser um cristão. Não posso ser um falso cristão, tampouco posso ser um cristão verdadeiro; por isso
não posso ser cristão de maneira alguma. Não há nenhuma saída!" Mas uma voz em meu interior
disse: "Você não pode deixar de ser cristão". Eu queria recuar, mas não podia; queria avançar e não
conseguia. Oh! que coisa triste! Por muito tempo estive em grande perplexidade, mas um dia Deus
mostrou-me que o que eu tentava fazer era totalmente impossível, e Ele jamais pretendera que eu
tentasse fazer. Imagine tentar alcançar tal padrão: "Sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai
celeste" (Mt 5:48). Naquele dia a luz raiou e pude louvar a Deus por Ele ser meu Pai e porque a vida do
Pai em mim capacitava-me a ser perfeito. Não se trata da nossa capacidade de fazer algo, mas de
darmos nosso consentimento para Ele fazer. Se não consentimos, Ele é incapaz. É aí que
freqüentemente está o problema: Ele quer, mas nós não queremos.
As exigências do reino jamais podem ser cumpridas pelo homem, e Deus jamais esperou que o
homem as cumprisse. As exigências que Ele faz, Ele mesmo as cumpre - e essa é a graça revelada no
Novo Testamento! No Antigo Testamento a lei fazia suas exigências para o homem, mas no Novo
Testamento é o reino que faz exigências. As exigências do reino são muito mais severas que as da lei.
As exigências da lei provaram quão impotente o homem é. Agora, as exigências do reino provam, não
quão incapaz é o homem, mas quão capaz é Deus. Não é necessário que as exigências do reino provem
a incapacidade do homem, pois isso já foi definitivamente provado pelas exigências da lei. Hoje, as
exigências do reino servem para demonstrar a infinita capacidade de Deus. Ele se tomou nossa vida
para que Ele mesmo, em nós, possa satisfazer a todas as exigências que o Seu reino impõe.
É importante perceber que a vida de Deus nos foi dada por causa do Seu reino. Se não O
deixamos estabelecer Seu trono em nossa vida e vindicar Sua autoridade sobre nós, Sua vida não pode
operar em nós. Deus pôs Sua vida em nós com o propósito específico de satisfazer às exigências do
reino e, se não permitirmos que Ele estabeleça Seu reino em nós, Sua vida em nós não pode funcionar.
Deixe-me usar uma ou duas ilustrações. Uma irmã veio ter comigo com seus problemas e,
depois de falar um pouco, disse algo assim: "Na verdade, não tenho nenhum problema, a não ser meu
mau temperamento. Continuo perdendo a paciência com meu marido e com meus filhos. Tenho orado
e orado a esse respeito, mas quanto mais oro para obter vitória, mais meu temperamento me vence. Por
que isso ocorre? Sei que o Senhor é meu Salvador; por que Ele não me salva de meu mau
temperamento? Sei que o Senhor ouve as orações; por que, então, Ele não ouve as minhas orações a
esse respeito? Sei que a vida Dele é poderosa; por que Sua vida poderosa não consegue vencer meu
pequeno temperamento?" Tudo o que ela disse era bastante racional. A vida do Senhor em nós é uma
vida poderosa, e Ele é alguém que ouve e responde às orações. Por que, então, esse
temperamentozinho não é vencido? Por favor, não me interprete mal quando digo que a vida do
Senhor foi colocada em você e em mim para satisfazer às exigências do grande reino de Deus e não
para satisfazer nosso temperamentozinho. Por isso, eu disse àquela irmã: "Quem é o Senhor da sua
vida: você ou o Senhor? A autoridade está em suas mãos ou nas Dele” E quando ela arrazoou
novamente a respeito do seu temperamento, perguntei-lhe outra vez: "Quem está no trono da sua vida:
você ou Deus” Quando enfatizei esse ponto e não lhe dei uma escapatória, finalmente veio a resposta:
"Eu estou no comando da minha vida". Então eu disse: "Irmã, que mais é necessário dizer? Você está
no trono e quer que o Senhor a ajude. Se Ele não está no lugar de autoridade em sua vida, como pode
Ele fazer algo por você?"

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Esse é todo o nosso problema hoje. Por que a vida poderosa de Deus não consegue tratar com
nossos temperamentozinhos? A questão não são os pequenos ou grandes problemas; a questão é:
Quem está no trono? Você está sempre esperando que Deus se limite ao trono, nos céus, enquanto você
ocupa o trono em sua vida. Então, você é incomodado por suas fraquezas e pecados e invoca o Senhor
para que lhe ajude. Você clama a Ele: "O Senhor não é o Todo-poderoso? Não prometeu responder às
orações? Será que o Senhor suporta ver Seu filho vivendo uma vida derrotada?" Sim, Ele suporta vê-lo
derrotado e o deixará assim até que perceba que Ele pôs Sua vida em você para estabelecer Seu reino
em você.
Você deve deixá-Lo possuir o trono. Deixe-O tomar o controle. Deixe-O estabelecer Seu reino
em sua vida. Então cada inimigo será derrotado. Já não haverá necessidade de orar por suas fraquezas,
pois se Ele tem Seu lugar no trono da sua vida, todo inimigo será vencido. Nos dias do antigo
testamento, quando Jeová tinha Seu lugar como Rei de Seu povo, todos os inimigos foram subjugados
por ele; mas quando os israelitas recusaram que Deus tivesse o domínio, seus inimigos predominaram
sobre eles. Então todos seus clamores foram inúteis. Seus inimigos tomaram a cidade santa, destruíram
o templo, carregaram a arca e levaram cativo o povo de Deus.
Certa vez, um irmão veio a mim e disse algo assim: "Por que será que meu ministério de
pregação é tão fraco? Eu oro muito a esse respeito. Às vezes jejuo e oro, e as vezes gasto toda uma
noite em oração antes de aceitar um convite para pregar. Por que ainda não tenho poder?" Minha
resposta foi a mesma de antes: "Quem está no controle da sua vida?" Eis aí toda a questão. Se você
tenta limitar Deus ao trono no céu e recusa-Lhe o trono da sua vida, todo o seu clamor por ajuda de
nada valerá. Não se trata de haver fraqueza ou poder, mas de quem está no trono.
Lemos a respeito do rio de água viva e que "de uma e outra margem do rio, está a árvore da
vida, que produz doze frutos, dando o seu fruto de mês em mês" (Ap 22:2). Onde quer que esse rio
flua, toda necessidade é suprida. Mas de onde veio esse rio? "Então me mostrou o rio da água da
vida ( ... ) que sai do trono de Deus e do Cordeiro" (Ap 22: 1). A vida está sempre associada com o
trono. Quando nos submetemos à autoridade de Deus e deixamos que Ele estabeleça Seu reino em
nossa vida, somos mantidos em vitória e em plenitude de vida, pois, então, nós também estaremos em
autoridade.

CAPÍTULO 3
A RELAÇÃO ENTRE O REINO E A IGREJA

A proclamação de abertura do Novo Testamento é a seguinte: "Está próximo o reino dos céus" (Mt
3:2). O Novo Testamento chama a atenção imediata para o reino. Mas, pouco depois, quando os
discípulos vieram a conhecer o Senhor, Este levantou a questão da igreja. A igreja era um mistério que
estivera oculto por todas as gerações do passado, e somente quando o Senhor Jesus levou Seus
discípulos a reconhecê-Lo como "o Cristo, o Filho do Deus vivo" é que Ele falou abertamente a
respeito da igreja. Quando Pedro disse: "Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo", o Senhor veio
subitamente com a seguinte palavra: "Sobre esta pedra edificarei a minha igreja" (Mt 16:16,18). Era
como se Ele estivesse dizendo: "Eu sou o Filho de Deus, o Cristo, com este objetivo: a edificação da
Minha igreja. Como o Filho de Deus e como o Cristo, Eu sou uma Pedra, a Pedra de Fundamento de
um edifício que deve ser construído; e esse edifício, do qual Eu sou o fundamento, é a igreja".
Tenhamos em mente que a primeira menção da igreja está em Mateus 16, e Mateus é o livro
que proclama o reino. A segunda menção da igreja também está no livro de Mateus, no capítulo 18. Os
quatro Evangelhos registram somente duas ocasiões em que o Senhor, nesta terra, referiu-se à igreja, e
ambas estão no livro que proclama especificamente o reino. A partir disso podemos saber quão
intimamente relacionados estão o reino e a igreja. Por todo o Novo Testamento vemos estes dois
avançando juntos no mais íntimo relacionamento. Quando o Senhor disse: "Sobre esta pedra edificarei
a minha igreja", Ele imediatamente acrescentou: "Dar-te-ei as chaves do reino dos céus". As chaves do
reino são dadas para tomar-se possível a construção desse edifício. Onde está ausente a autoridade do
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reino, ali há carência da edificação da igreja. Todo aquele que se recusa a submeter-se à autoridade do
reino pode, no máximo, ser uma pessoa salva; ele jamais será edificado na estrutura da igreja.
A Bíblia primeiramente apresenta o reino e, então, apresenta a igreja. Onde está o reino dos
céus em autoridade, ali é edificada a igreja. Uma igreja surge onde um grupo de pessoas aceita o
governo celestial. Parece que a presença do reino é que produz a igreja. Mas o Novo Testamento vai
além disso. Isso é somente metade da revelação do Novo Testamento; a outra metade é: a igreja
introduz o reino. A igreja, que vem à existência sob o governo celestial, por sua submissão ao governo
celestial, trata com o inimigo de Deus. É a presença do inimigo de Deus que impede que a vontade de
Deus seja feita na terra, e é o exercitar da autoridade de Deus, pela igreja, que o expulsa. Então surge a
Nova Jerusalém, e ali podem ser vistos o reino e a igreja mesclados numa única entidade.
A Nova Jerusalém é a Noiva, que, de acordo com Efésios 5, é a igreja. Ela é também uma
cidade que exprime a idéia de governo, e nesse centro de governo está o trono de Deus e do Cordeiro.
A Nova Jerusalém combina em si mesma a igreja e o reino. Falando dessa maneira, resumimos numa
sentença o conteúdo de todo o Novo Testamento. Poderíamos expressá-lo em três frases: o reino
produz a igreja, a igreja introduz o reino e o resultado final é o reino e a igreja. O Novo Testamento
inicia apresentando o reino e, então, a igreja. Mas como a igreja se torna uma realidade? Pelo exercício
da autoridade do reino. Quando a igreja cede ao reino a autoridade para governar e submete-se ao seu
poder, ela introduz o domínio dos céus sobre a terra. Por todo o Novo Testamento vemos a igreja
misturada como reino e o reino misturado com a igreja, até que, por fim, essa combinação resulta na
Nova Jerusalém. Na Nova Jerusalém, onde se pode detectar a natureza da igreja e as condições do
reino, Deus é capaz de expressar plenamente Sua soberania e, portanto, executar Sua vontade e expor
Sua glória.
Com esse resumo em mente, perguntemos agora: Por que a igreja é necessária? Podemos
delinear a resposta com apenas poucas palavras. Deus tem um propósito em relação ao universo, mas
para sua realização ora-Lhe necessário exercer autoridade, porque, como já dissemos, não se pode
realizar nenhum plano se faltar autoridade. Se Deus conseguiria ou não cumprir Seu propósito,
dependia dessa questão de autoridade. Por isso, quando tentou sabotar o propósito de Deus, o inimigo
de Deus fez algo crucial: violou a autoridade divina. Como Deus enfrentou essa situação? Ele o fez
obtendo uma nova criação, por meio da qual poderia exercer autoridade. Deus buscou um grupo de
homens que Lhe dessem a preferência nesta terra para sustentar Sua vontade. Se Deus tão-somente
conseguisse garantir um grupo de homens na terra que O deixasse dominar sobre si, Ele então
conseguiria realizar, neles e através deles, Seu propósito referente a Cristo. E por essa razão que Deus
precisava da igreja. Ele queria ter a igreja para poder trazer Seu reino dos céus para a terra.
A questão que surge agora é: Como obter a igreja? Poderíamos responder: "O Senhor Jesus
derramou Seu sangue para a remissão dos nossos pecados e deu Sua vida para que pudéssemos nascer
de novo e, assim, constituirmos a igreja". Isso é suficientemente verdadeiro, mas é um aspecto muito
superficial da verdade. A Bíblia apresenta este aspecto de modo muito mais profundo: a igreja foi
obtida por meio do governo soberano do céu. Pelo fato de o reino dos céus poder afirmar sua
autoridade sobre um grupo de homens, esse grupo de homens pode ser edificado numa igreja. Neste
ponto é necessário recapitular. Por que a igreja foi gerada?Foi gerada como propósito de introduzir o
reino! Como foi gerada? Por meio da autoridade do reino! O propósito de Deus era trazer Seu domínio
celestial para a terra, e fora da igreja Seu objetivo não poderia ser alcançado. Ele necessitava de um
povo que se sujeitasse ao domínio dos céus, de tal maneira que, sob tal domínio, eles pudessem ser
edificados como a igreja. É isso que Mateus 16 revela. Não pense que somente pela nossa salvação nos
tornamos a igreja. Nós, que somos salvos, estamos na igreja, mas apenas nossa salvação não nos torna
a igreja. A igreja é um Corpo; portanto, há necessidade de vinculação e de edificação.
Deixe-me ilustrar. Nosso corpo tem muitos ossos, mas será que esses muitos ossos formam um
corpo? Deixe o livro de Ezequiel, no Antigo Testamento, dar a resposta. Ezequiel diz que os filhos de
Israel eram, aos olhos de Deus, como um monte de ossos secos. Um dia, o sopro de vida veio até eles e
os ossos foram vinculados, e se tornaram um corpo (Ez 37).
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Para ilustrar novamente: a igreja é uma casa. Ela é a habitação de Deus, o templo de Deus. A
Bíblia diz que nós, os salvos, somos "pedras vivas" e somos edificados juntos numa "casa espiritual" (1
Pe 15). Admitimos que uma casa seja edificada com pedras, mas um monte de pedras não é uma casa.
Não pense que mil irmãos e irmãs reunidos aqui significa que a igreja está aqui. Que é a igreja? E a
assembléia dos salvos. Mas que tipo de reunião é essa? Um grande número de pedras amontoadas não
é uma casa. Que é uma casa, então? É uma pedra edificada sobre outra - esta colocada sobre aquela,
aquela assentada ao lado de outra, em cima e em baixo, à direita e à esquerda, na frente e atrás, todas
perfeitamente colocadas em relação às demais. Se as pedras não forem juntamente edificadas não
poderá haver casa alguma. Pode ser que haja mil irmãos e irmãs juntos, todos evidentemente salvos,
mas ainda perguntaríamos se eles estão ou não edificados. Com certeza eles são material para a
edificação da igreja, mas se são ou não a igreja depende de eles estarem ou não edificados. Sem
edificação não existe a igreja.
Talvez alguns perguntem o que realmente significa ser edificado. Essa palavra é usada diversas
vezes no Novo Testamento, e seu sentido no original grego não quer dizer "aperfeiçoamento moral" ou
"benefício espiritual", mas "construção" de fato. Como construímos? Eis aqui uma pedra! Então vem
um operário com uma ferramenta na mão, e a aplica sobre a pedra até que sua superfície fique
perfeitamente plana. Mas a pedra tem de encaixar-se em determinada parte do edifício. Se é triangular
e o espaço é retangular, a pedra tem de ser lavrada, lavrada e lavrada até que a forma da pedra e o
espaço no edifício sejam perfeitamente correspondentes. Assim, a pedra é encaixada no espaço. A
pedra não está ali para ser mero ornamento, mas para ser uma parte do edifício. O que se necessita não
é um monte de pedras ornamentais. Em muitas reuniões há uma verdadeira exposição de lindas
pedras, mas temo que não tenha havido uma edificação dessas pedras numa casa. O que Deus quer
não é um monte de pedras preciosas; Ele deseja uma casa espiritual.
Freqüentemente encontramos irmãos que são pessoas agradáveis. A vida deles é bem
organizada, são cuidadosos quanto à comunhão matinal com o Senhor e fervorosos em evangelizar;
eles participaram de muitas reuniões de "edificação" espiritual e se tomam tão "edificados" que têm boa
recomendação dos outros; entretanto eles ainda permanecem individualistas e não conseguem ser
"edificados". Eles são pedras preciosas; tão preciosas que não podem ser assentadas com barro ou
pedras comuns. São bonitos demais para serem edificados com outros num único edifício; assim, eles
permanecem cristãos individuais, bons para exposição, porém não para edificação. O que Deus deseja
é uma casa, não um monte de pedras separadas, por mais belas que possam ser. Ele quer uma igreja
completa, não inúmeros cristãos dispersos.
Certa irmã, falando-me a respeito de outra, disse: "Oh! ela é tão preciosa, tão espiritual!"
Quando lhe perguntei mais sobre a irmã, ela disse: "Oh! ela é tão humilde, tão mansa, tão educada;
nunca soubemos que ela tenha se irritado". E ainda acrescentou: "Ela é tão espiritual!" "Com quem ela
é espiritual?" perguntei-lhe. "Ela é uma irmã espiritual isolada ou a espiritualidade dela a relaciona com
os outros?" "Oh!" a irmã respondeu, "cantores que produzem sons tão elevados como ela encontram
poucos que possam cantar com eles". Ora! aquela irmã era tão espiritual que ninguém podia ser
companheiro espiritual dela. Tal irmã é ótima para estar numa vitrine, mas não serve para a edificação
da igreja. O tipo de irmã que a igreja necessita é a que pode ter outra colocada atrás de si, outra na
frente, uma a sua esquerda e outra à sua direita, uma embaixo e outra em cima. É esse o tipo de cristão
que Deus está buscando hoje.
Nos últimos dois mil anos, um dos maiores empecilhos ao propósito de Deus e a principal razão
de o Senhor ter de adiar Sua volta é a falta de cristãos que estejam juntamente edificados. Pode-se
encontrar cristãos por todo o mundo e pode-se encontrar também cristãos espirituais; mas onde tem
sido edificada uma casa espiritual? Há muitíssimas pedras que têm sido lavradas até se tomarem muito
bonitas, mas onde está o edifício? Que o Senhor tenha misericórdia de nós!
Há uma condição a ser satisfeita para que possa haver edificação. A condição indispensável é a
submissão à autoridade do reino. Nosso Salvador foi exaltado para ser o Cabeça do universo e toda
autoridade Lhe foi dada nos céus e na terra. Deus pôs todas as coisas debaixo dos Seus pés e para
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torná-Lo Cabeça sobre todas as coisas, O deu à igreja. Primeiramente isso implica que a igreja deve
estar sob Seu encabeçamento. Que é encabeça-mento? É o governo do Cabeça. Perceba que para a
igreja ser edificada devemos submeter-nos à autoridade do Cabeça. Onde não há Cabeça, não há
autoridade; e a edificação da igreja nem sequer pode ser cogitada. Em Efésios 4:15, 16, onde se fala da
edificação da igreja, é mostrado que é de primordial importância que "cresçamos em tudo naquele que
é o cabeça, Cristo". Em quantas coisas estamos verdadeira-mente crescendo Nele? Nossa humanidade,
nosso amor ou mesmo muitas de nossas boas qualidades podem não necessariamente estar crescendo
sob Seu encabeçamento. Ainda não entendemos o que significa ter nossas afeições governadas por
Cristo e ter todas as outras qualidades desejáveis desenvolvidas sob o Seu encabeçamento. Onde
verdadeiramente há um crescimento em todas as coisas no Cabeça, ali virá, a seguir, a edificação do
Corpo, conforme dizem os dois versículos seguintes: "Todo o corpo, bem ajustado e consolidado ( ... )
efetua o seu proprio aumento para a edificação de si mesmo em amor".
Colossenses 2:19 fala de "retendo a Cabeça". Que significa isso? Significa submeter-se à
autoridade da Cabeça em todas as coisas. Note que ali não diz: "Retendo o Salvador" nem diz:
"Retendo a vida". Quando nos submetemos ao governo do Cabeça é que há toda a edificação da qual o
mesmo versículo fala: "Todo o corpo, suprido e bem vinculado por suas juntas e ligamentos, cresce o
crescimento que procede de Deus". Consiga submissão à autoridade do Cabeça e você conseguirá a
edificação do Corpo. Onde se obtém o governo celestial, aí se obtém a igreja. Quanto a igreja será
edificada no nosso meio depende totalmente do lugar dado no nosso meio ao Cabeça da igreja.
"Todo o corpo, suprido e bem vinculado" - isso é edificação da igreja! Mas como isso ocorre?
"Da qual [a cabeça] todo o corpo, suprido e bem vinculado". Ocorre quando cada membro submete-se
à Cabeça; quando cada um aceita o governo do reino dos céus. Somente por meio dos que se
submetem ao controle do Cabeça é que se pode conseguir a edificação da igreja. Portanto, a questão
de a igreja ser ou não edificada torna-se uma questão de você e eu aceitarmos ou não a autoridade do
reino.

CAPÍTULO 4
A EDIFICAÇÃO DA IGREJA RELACIONADA AO REINO

O Novo Testamento revela claramente que, neste universo, Deus centralizou todas as Suas atividades
num projeto de edificação. Ele realizou muitas outras tarefas, mas de todas as demais obras Suas, a
obra central e a obra final e máxima, para a qual todas as Suas obras estão voltadas, é a estrutura da
qual o Senhor fala em Mateus 16: "Edificarei a minha igreja". Toda a atividade divina no universo está
direcionada para a edificação da igreja.
A igreja é um mistério, um grande mistério. Se conhecermos nossa Bíblia e se conhecermos um
pouco da comunhão com Deus, saberemos que a igreja era um segredo há muito escondido no Seu
coração. Falando resumidamente, esse mistério é o próprio Deus trabalhado para dentro da
humanidade, o próprio Deus trabalhado para dentro de Suas criaturas - e criaturas que eram caídas.
Mas pela redenção, essas criaturas tomaram-se participantes da vida divina e por meio disso
experimentaram duas criações: a criação "em Adão" e a criação "em Cristo" (2 Pe 1:4). Por meio da
primeira criação, eles receberam a vida criada; por meio da segunda criação, eles receberam a vida
incriada. Pela primeira criação tomaram-se possuidores da natureza humana; pela segunda criação,
vieram a tornar-se possuidores da natureza divina. O homem não somente se tornou possuidor de duas
disposições, a humana e a divina, como também o próprio Deus fez Sua morada no homem. O homem
exteriormente permanece igual; ele ainda é verdadeiramente um homem. Mas a natureza celestial veio
para o seu interior, pois o Deus dos céus veio habitar nele.
Deus agora está trabalhando nessa humanidade para que os homens não sejam unidades
separadas, mas sejam coordenados numa única entidade. Ele quer que muitos homens se tornem um
todo orgânico, um Corpo. Ele quer que muitos sejam edificados numa única estrutura, uma casa. Deus
quer que eles sejam levados a tal harmonia Consigo mesmo de maneira que possam se tomar Seu lugar
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de habitação. Deus quer que eles sejam levados a tal relacionamento com Cristo que venham a tornar-
se Seu Corpo. Quando a obra de Deus for completada, o que agora vemos como Corpo de Cristo e
como habitação de Deus, veremos, então, como Noiva de Cristo e cidade de Deus, que é Seu centro
governamental. Chame isso como quiser o Corpo de Cristo, a casa de Deus, a família de Deus ou o
reino de Deus: é aqui que habita toda a plenitude de Deus. E isso que Deus planejou na eternidade
passada antes da criação e, quando no tempo começou Sua obra de criação, esse era Seu alvo. Embora
tenha havido interferência satânica, Deus não interrompeu Sua atividade, antes introduziu a redenção
para que a obra pudesse continuar. Quando Seu Filho veio à terra, Ele afirmou plenamente que Seu
desejo era essa edificação (Mt 16:16-19).
Se tivermos a visão da igreja, saberemos quão santa, misteriosa e grande ela é. Deus tomou os
homens e transmitiu-se a Si mesmo para dentro deles. Ele agora está trabalhando para fazer deles um
todo corporativo, de tal maneira que, neles e por meio deles, Ele possa manifestar-se em toda a Sua
glória. Essa é a tarefa na qual Deus tem concentrado todo o Seu esforço, e é sob essa luz que devemos
ler novamente as palavras de Jesus: "Edificarei a minha igreja".
Certa vez quando fui a Hong Kong, um irmão chamou-me a atenção para os arranha-céus que
havia por toda parte. Mas que são aqueles edifícios em comparação com a igreja? São meras estruturas
inúteis. Deus está edificando um grande edifício no universo e está usando a Si mesmo e ao homem
como material de construção. Ele está colocando a Si mesmo no edifício; está colocando os céus no
edifício; também está colocando nesse edifício um incontável número de homens que foram salvos em
todas as gerações; e está edificando juntamente todo esse material. Ele se referia a isso quando disse:
"Edificarei a minha igreja”.
Mas como Ele começou essa tarefa de edificar a igreja? Enviando o Espírito Santo e dando dons
à igreja. "Ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas, e
outros para pastores e mestres, ( ... ) para a edificação do corpo de Cristo" (Ef 4:11, 12). Enquanto se
faz muita obra evangelística e muita obra para o aperfeiçoamento dos crentes, há pouca evidência de
edificação da igreja; entretanto Deus deu evangelistas, profetas e mestres com o propósito específico de
edificar a igreja. Espero que você perceba que isso é o que Deus busca no universo, e todos os que
buscam trabalhar para Ele deveriam ter esse alvo diante de si.
Tragamos, porém, o que pensamos sobre esse assunto tão elevado para nosso cotidiano e
consideremo-lo em seu aspecto prático. Qual é o conceito comum sobre a edificação da igreja? Você
abre um local de adoração, introduz as pessoas no cristianismo, batiza-as, determina reuniões variadas,
organiza um pouco as coisas, e tem a igreja! Não desejo aumentar essa lista, mas anelo que os filhos do
Senhor possam perceber que o que acabamos de descrever não é o que a Bíblia chama de edificar a
igreja. A edificação da igreja primeiramente significa trazer os homens para debaixo da autoridade do
Cabeçada igreja. Antes de os homens serem salvos, eles estão sob a autoridade de Satanás, e depois de
salvos, são libertados da autoridade das trevas e transportados para o reino do Filho do Seu amor (Cl
1:13). Ser salvo é ser libertado da autoridade de Satanás e ser colocado sob a autoridade de Cristo. É
uma grande tristeza para mim ouvir as pessoas explicando a salvação como ser salvo do inferno para o
céu. É claro que a salvação nos leva para o céu, mas o céu não é o alvo da nossa salvação. A salvação
não é meramente Deus, por compaixão pelos homens, transferi-los do inferno para o céu, mas de
libertá-los da autoridade das trevas e transferi-los para o reino do Filho do Seu amor. O objetivo aqui
não é o céu, mas o reino. Deus nos salva para que possamos estar submissos ao Filho do Seu amor. A
edificação da igreja começa aqui: levar para o controle de Cristo as pessoas que antes estavam sob o
controle de Satanás .
Oh! que você possa perceber que tão logo surja a questão da edificação da igreja, surge a
questão do encabeçamento de Cristo! Quando você se defronta com esse desafio, louve a Deus! A
edificação da igreja começa na sua vida. Se em qualquer pessoa ou em qualquer grupo de cristãos,
Cristo consegue estabelecer Sua autoridade, Ele, então, começa a edificar Sua igreja. É por isso que
temos enfatizado o fato de que deve haver o governo soberano do reino para que possa haver a
edificação da igreja. Se o reino não estiver aqui, nenhuma igreja será edificada aqui.
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Qual seria a vantagem de demolirmos um local de reuniões e amontoarmos todo o material
usado em sua construção? Seria totalmente inútil! Todo esse material é útil porque foi edificado numa
estrutura ordenada. Há uma necessidade urgente da edificação dos cristãos! A necessidade não é o
estabelecimento de grupos cristãos, mas a edificação da igreja sob o governo do Cabeça da igreja. Se
quer ter parte nisso, então, você mesmo precisa submeter-se ao encabeçamento de Cristo.Quando a
autoridade Dele for estabelecida em sua vida, algo impressionante começará a acontecer: você se
surpreenderá sendo espontaneamente edificado com outros que também estão submissos à Sua
autoridade. Esse grupo de cristãos será uma igreja forte, apta a lutar pelo reino de Deus. Satanás será
impotente diante de uma igreja assim. Se essa igreja vier à existência - igreja contra a qual as portas do
inferno não podem prevalecer - então deve ocorrer edificação; e isso não pode acontecer sem um
reconhecimento do Cabeça da igreja e uma sujeição à Sua autoridade.
Você pode perguntar o que significa isso em termos práticos. Deixe-me ilustrar. Dois
desconhecidos se encontram; ambos são crentes. Com prazer, cada um reconhece o outro como irmão.
Eles louvam ao Senhor e se alegram por terem-se encontrado. Então, decidem pregar o evangelho
juntos e logo um bom número de pessoas são salvas: doze do norte e oito do sul. Esses dois irmãos
regozijam-se muito. Agradecem ao Senhor por terem conseguido levar todas aquelas almas a Ele! Mas
essa situação, de alegria não dura muito, pois os do norte têm um caráter esquisito e os do sul também
têm seu temperamento peculiar. Inicialmente é tão fácil louvar, mas logo se torna difícil conseguir um:
"Louvado seja o Senhor!" único. Não muito tempo depois, as críticas começam a substituir os
"aleluias" e a discórdia aumenta, até que um dia os do norte e os do sul decidem separar-se, e cada
grupo aluga um local de reuniões separadamente.
É assim que a igreja é edificada? Longe disso. E assim que a igreja é destruída. Qual é a fonte do
problema? É a ausência do trono! No livro de Juízes podemos ler: "Naqueles dias não havia rei em
Israel: cada um fazia o que achava mais reto" (Jz 21:25) . Quando não havia rei em Israel, não havia
qualquer autoridade, e as pessoas simplesmente faziam o que lhes parecia melhor. Naquela época,
determinada família estabeleceu um lugar de adoração em sua casa, contratou um levita para ser seu
sacerdote familiar e ali instituíram uma forma de "adoração divina" (Jz 17). É exatamente esse o estado
das coisas nos dias atuais! Pensamos que somos suficientemente hábeis, que podemos reunir algumas
pessoas e você pode estabelecer uma igreja nesta rua e eu estabeleço outra naquela rua, e contratamos
um pregador para pregar para nós. Qual é a causa de toda essa confusão? A causa fundamental e que
nós não nos sujeitamos ao Cabeça da igreja.
Voltemos, porém, ao caso dos dois irmãos. Se os dois se submetessem ao Cabeça da igreja, seus
problemas teriam sido resolvidos, pois a autoridade subjuga toda a rebelião. Oh! que natureza rebelde
há em nossa constituição! Confesso que minha própria natureza é antagônica à do Senhor, mas Sua
autoridade sobre mim fez-me amar meus irmãos, de tal maneira que posso verdadeiramente servi-Lo
junto com eles. Falamos de amor mútuo, mas esse nosso amor pelos outros é muito passageiro. Há
somente um lugar onde o amor é permanente, e esse lugar é debaixo do Cabeça da igreja. Em nenhum
outro lugar há verdadeira harmonia ou um relacionamento permanente. Quando estamos dispostos a
ser quebrantados sob Sua autoridade, algo tremendo acontece. Um processo de edificação começa a
ocorrer. Uma aceitação contínua da disciplina do Seu governo abre o caminho para o fluir da Sua vida
e, assim, a obra de edificação prossegue a passos rápidos. Os irmãos e irmãs que nos eram problemas
tomam-se, então, bênçãos para nós, e pouco depois pode-se ver um grupo edificado na vida de Cristo.
Amigo leitor, isso é o que Deus deseja hoje. Não é suficiente que preguemos o evangelho,
tragamos as pessoas ao conhecimento da salvação e a certa estatura de espiritualidade. Devemos
também leva-las ao encabeçamento de Cristo, de maneira que sejam edificadas. Sob Seu
encabeçamento deixaremos de pensar nas dificuldades, pois estaremos tocando a plenitude da vida.
Então, a função espiritual específica que pertence a cada membro do Corpo será evidenciada, e essa
igreja tornar-se-á uma igreja forte, na qual, sob a direção do Cabeça, cada membro, do menor ao
maior, terá uma contribuição a dar para o todo.

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