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CRÔNICA ARGUMENTATIVA – Capítulo 10

Segurança

O ponto de venda mais forte do condomínio era a sua segurança.


Havia as belas casas, os jardins, os playgrounds, as piscinas, mas havia, acima de
tudo, segurança.
Toda a área era cercada por um muro alto. Havia um portão principal com muitos
guardas que controlavam tudo por um circuito fechado de TV Só entravam no
condomínio os proprietários e visitantes devidamente identificados e crachados.
Mas os assaltos começaram assim mesmo. Ladrões pulavam os muros e
assaltavam as casas.
Os condôminos decidiram colocar torres com guardas ao longo do muro alto.
Nos quatro lados. As inspeções tornaram-se mais rigorosas no portão de entrada.
Agora não só os visitantes eram obrigados a usar crachá.
Os proprietários e seus familiares também. Não passava ninguém pelo portão sem
se identificar para a guarda. Nem as babás. Nem os bebês.
Mas os assaltos continuaram.
Decidiram eletrificar os muros.
Houve protestos, mas no fim todos concordaram. O mais importante era a
segurança. Quem tocasse no fio de alta tensão em cima do muro morreria
eletrocutado. Se não morresse, atrairia para o local um batalhão de guardas com
ordens de atirar para matar.
Mas os assaltos continuaram.
Grades nas janelas de todas as casas. Era o jeito. Mesmo se os ladrões
ultrapassassem os altos muros, e o fio de alta tensão, e as patrulhas, e os
cachorros, e a segunda cerca, de arame farpado, erguida dentro do perímetro,
não conseguiriam entrar nas casas.
Todas as janelas foram engradadas.
Mas os assaltos continuaram.
Foi feito um apelo para que as pessoas saíssem de casa o mínimo possível.
Dois assaltantes tinham entrado no condomínio no banco de trás do carro de um
proprietário, com um revólver apontado para a sua nuca. Assaltaram a casa,
depois saíram no carro roubado, com crachás roubados. Além do controle das
entradas, passou a ser feito um rigoroso controle das saídas.
Para sair, só com um exame demorado do crachá e com autorização expressa da
guarda, que não queria conversa nem aceitava suborno.
Mas os assaltos continuaram.
Foi reforçada a guarda. Construíram uma terceira cerca. As famílias de mais
posses, com mais coisas para serem roubadas, mudaram-se para uma chamada
área de segurança máxima. E foi tomada uma medida extrema.
Ninguém pode entrar no condomínio. Ninguém. Visitas, só num local
predeterminado pela guarda, sob sua severa vigilância e por curtos períodos.
E ninguém pode sair.
Agora, a segurança é completa.
Não tem havido mais assaltos.
Ninguém precisa temer pelo seu patrimônio. Os ladrões que passam pela calçada
só conseguem espiar através do grande portão de ferro e talvez avistar um ou
outro condômino agarrado às grades da sua casa, olhando melancolicamente para
a rua.
Mas surgiu outro problema.
As tentativas de fuga. E há motins constantes de condôminos que tentam de
qualquer maneira atingir a liberdade.
A guarda tem sido obrigada a agir com energia.

VERÍSSIMO, Luís Fernando. Comédias para se ler na escola. Rio de Janeiro:


Objetiva, 2001.

A violência virou um problema de Estado-Maior


Arnaldo Jabor

Sempre que escrevo sobre a violência me dá uma sensação de inutilidade. Quando


vejo os movimentos de solidariedade, bandeiras brancas, pombas da paz, atores
nas ruas, burgueses falando em cidadania, me dá uma sensação de perda de
tempo.

Nós tratamos os criminosos como se fossem “desviantes” de nossa moral, como


gente que se “perdeu” da virtude e caiu no “pecado”, no “mundo do crime”. Não é
nada disso. Eles são os novos empregados de uma multinacional. O único
emprego que lhes foi oferecido no último século: a megaempresa da cocaína. Ela
trouxe o poder sobre as comunidades que, somado à ignorância e à miséria, criou
a crueldade sem limites, a bruta guerra animalesca. Os bandidos violentos são
quase uma mutação da “espécie social”, fungos de um grande erro sujo do qual
nós somos cúmplices.

Hoje, nós é que ficamos caretas diante deste mundo periférico que não se explica,
gerando outra ética, funérea, sangrenta. A miséria armada é uma outra nação, no
centro do Insolúvel.

Essa gente era anônima; estão ganhando notoriedade na mídia. São vazios
objetos de uma corrente de pó; nós, pequeno-burgueses, é que víamos neles até
uma vaga consciência “política” de marginais. Achamos até que eles querem calar
a imprensa. Nada. Mataram por matar, chamaram o Tim de X-9 e “já era” —
disseram eles. Nós é que estamos lhes fornecendo uma “ideologia”.

Mas não quero ficar deitando sociologia barata sobre a violência. Quem sou eu?
Mas vejo com um mínimo de bom senso que os vilões também somos nós. Eles
são a prova de nosso despreparo. Os incapazes somos nós, ainda crentes de leis
inúteis, de coerções superadas, de polícias falidas.

Nós não fizemos nada quando as favelas eram pequenas. A miséria era dócil,
podia ser ignorada. Agora, se não agirmos, isso vai virar uma endemia eterna. A
lei não consegue nem instalar anticelulares nas cadeias e fica encenando
comboios para a mídia, com cem policiais pra levar o Beira-Mar para outra cadeia.

Ninguém consegue resolver nada porque os instrumentos de defesa pública estão


engarrafados numa rede de burocracias, fisiologismos, leis antigas, velhos
conceitos que são facilmente superados pela eficiência “pós-moderna” dos
bandidos, diretamente ligados ao ato, ao fato, à instantaneidade do mal, e sem
freios éticos. Eles têm a mesma vantagem dos terroristas. Muito lero-lero
racionalista ocidental, ciência, democracia e, aí, chega um arabezinho maluco com
uma bomba e arrasa o shopping center.

Eles são uma empresa moderna. Nós somos o Estado ineficiente.


Eles agilizam métodos de gestão. Eles são rápidos e criativos. Nós somos lentos e
burocráticos.
Eles lutam em terreno próprio. Nós, em terra estranha.
Eles não temem a morte. Nós morremos de medo.
Eles são bem armados. Nós, de “três-oitão”.
Eles ganham muita grana (Um “aviãozinho” de 15 anos ganha mais por semana
que um PM por mês).
Eles estão no ataque. Nós, na defesa...
Nós nos horrorizamos com eles. Eles riem de nós.
Nós os transformamos em superstars do crime. Eles nos transformam em
palhaços.
Eles são protegidos pela população dos morros, por medo ou vizinhança.
Nossas polícias são humilhadas e ofendidas por nós.
Ninguém suborna bandido. Eles compram policiais mal pagos. Um cara que ganha
700 paus por mês não tem ânimo para combater ninguém.
Eles não esquecem da gente nunca, pois somos seus fregueses. Nós esquecemos
deles logo que passa uma crise de violência.
A droga e as armas vêm de fora. Eles são globais. Nós somos regionais.
Alguma vitória só poderá vir se desistirmos de defender a “normalidade” de nosso
sistema, pois não há mais normalidade alguma; precisamos de uma urgente
autocrítica de nossa ineficiência. O combate ao crime passa pelo combate ao
nosso descaso e à nossa incompetência.

A luta contra o tráfico, é obvio, começa lá longe, nas fronteiras. Por lá entram as
armas e o pó. Não adianta subir e descer de morros. Temos de fechar fronteiras.

A luta contra o crime não é mais uma luta policial; não é mais a Lei contra o
Pecado. Não. O crime cresceu tanto que se tornou um problema de Estado-Maior.
Sim. Trata-se de uma luta política e, mais que isso, uma luta policial-militar. Acho
que tem de haver, sim, uma séria articulação das Forças Armadas com as polícias.
Tem de haver generais estudando estratégias e logísticas de cercos e ataques.
Meses de estudo, planos secretos, dinheiro, muito dinheiro e milhares de homens
com armas modernas. E tudo isso coordenado com campanhas de esclarecimento
e de proteção às comunidades que eles “protegem”. “Ahh... — alguns vão gritar —
o Exército não foi treinado para isso!” Pois que seja treinado. Trata-se de uma
guerra. Ou não? Não combateram a guerrilha urbana, com implacável ferocidade e
competência? Aposto que outros dirão: “O Exército não é para crimes comuns; é
para guerras maiores...” Para quê? A invasão da Argentina? A guerra que se
anuncia é subversiva no pior sentido. Não aspira a uma ordem nova. Só quer uma
vingança obtusa e a manutenção da miséria como refúgio. No fundo, muitos não
admitem a ação das Forcas Armadas porque desejam ocultar a derrota de um
sistema legal e policial. A guerra é reconhecimento do fracasso da política. Pois
que seja. Nosso fracasso tem de ser assumido. Do contrário, continuaremos atrás
das grades de nossos condomínios, dizendo “Que horror!” para sempre.

Crime hediondo é que isso não seja uma prioridade nacional. A tragédia das
periferias brasileiras me lembra um terremoto ignorado, para o qual ninguém
enviou patrulhas de salvamento. Já houve a catástrofe e todos nós tentamos
esquecê-la, trêmulos de medo, blindados, com os socialites cheirando o pó
malhado de otários, perpetuando esse poder paralelo, que tende a crescer.
O GLOBO - 18/06/2002

Descrição da proposta:
Depois da leitura de ambos os textos, é necessário identificar e compreender
alguns aspectos importantes de cada um deles.

1- Crônica narrativa e crônica argumentativa fazem parte de dois gêneros textuais


distintos, mas com traços em comum.
A crônica narrativa, segundo William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães,
“é um gênero híbrido que oscila entre a literatura e o jornalismo, a crônica é o
resultado da visão pessoal, subjetiva, do cronista diante de um fato qualquer,
colhido no noticiário do jornal ou no cotidiano. Quase sempre explora o humor; às
vezes, diz as coisas mais sérias por meio de uma aparente conversa-fiada; outras
vezes, despretensiosamente, faz poesia da coisa mais banal e insignificante.
Registrando o circunstancial do nosso cotidiano mais simples, acrescentando, aqui
e ali, fortes doses de humor, sensibilidade, ironia, crítica e poesia, o cronista, com
graça e leveza, proporciona ao leitor uma visão mais abrangente, que vai além do
fato; mostra-lhe, de outros ângulos, os sinais de vida que diariamente deixamos
escapar da nossa observação.”

Já a crônica argumentativa “não se limita a narrar um fato de modo particular. Ela


vai além, pois nela o cronista expõe seu ponto de vista e argumenta sobre o
assunto. Pelo fato de a crônica ter um caráter argumentativo, o cronista formula
uma tese (a idéia principal que expressa o ponto de vista do autor) e passa a
defendê-la em todo o texto.”
Interpretação do texto A violência virou um problema de Estado-Maior, de
Arnaldo Jabor
a) A crônica lida revela a visão do cronista sobre um fato veiculado em jornais ou
sobre fatos do cotidiano?
b) Diferentemente das crônicas narrativas ficcionais, a crônica de Arnaldo Jabor
não se limita a narrar um fato de modo particular. Ela vai além, pois nela o
cronista expõe seu ponto de vista sobre o assunto, fazendo um jogo comparativo
entre a situação e a postura dos “bandidos” e a situação e a postura dos policiais
e dos “normais” – nós. Releia os quatro primeiros parágrafos e diga:
- Qual é a tese formulada pelo cronista, isto é, segundo ele, de quem é a
responsabilidade pela violência urbana?
c) O cronista afirma que o Estado é ineficiente e fica paralisado diante da
eficiência “pós-moderna” dos bandidos. Para contrapor a superioridade dos
bandidos à nossa ineficiência, que fatos ele enumera, em sua argumentação,
quanto a:
- organização?
- motivação?
- pagamento ou suborno?
d) O cronista cita argumentos de pessoas que rejeitam a utilização dos militares
no combate à violência e faz, em relação a esses argumentos, uma contra-
argumentação.
- Identifique no penúltimo parágrafo do texto os contra-argumentos do cronista
relativos a estes argumentos: “O exército não foi treinado para isso”; “O exército
não é para crimes comuns; é para guerras maiores”.
- Segundo Jabor, qual é o verdadeiro motivo pelo qual não se admite a ação das
Forças Armadas no combate ao tráfico de drogas?
e) Essa crônica apresente idéia principal, desenvolvimento e conclusão. Releia o
último parágrafo do texto:
- com que o cronista compara a violência na periferia das grandes cidades?
- qual é a conclusão dele quanto a essa situação?
- você concorda com esse ponto de vista?
f) O cronista inicia essa crônica na 1ª pessoa do singular. Entretanto, a partir do
2º parágrafo, ele adota a 1ª pessoa do plural. Que efeito de sentido essa
mudança de pessoa provoca?

Estratégias a serem utilizadas para o desenvolvimento da proposta:

A partir de toda análise realizada tanto na crônica narrativa quanto na


argumentativa, você produzirá uma crônica argumentativa, partindo do seguinte
processo:

1- Pesquisar notícias de jornal com assuntos polêmicos, recentes que possibilitem


uma reflexão crítica dos interlocutores (sua e do seu leitor);
2- Escolha um referente, ou seja, faça uma delimitação do assunto escolhido para
possibilitar um desenvolvimento que respeite a unidade de um texto; escolha
argumentos consistentes que façam o leitor acreditar nas suas colocações;
3- O leitor é peça fundamental no momento da construção do texto: pense qual
será sua estratégia para entretê-lo, fazê-lo refletir simplesmente ou de forma
crítica sobre o tema;
4- Escolha um nível de linguagem adequado ao gênero (uma das grandes
diferenças entre a crônica argumentativa e a dissertação argumentativa é o nível
de linguagem utilizado: aquela tem uma linguagem mais informal, com traços de
coloquialidade; esta já exige o uso da linguagem culta, formal) e ao tipo de leitor
do seu texto;
5- Não se esqueça de elaborar um título criativo e chamativo.

Para 3ª feira (03/03), 3ºA; 2ª feira (09/04), 3ºB: fazer os exercícios das pp. 109 e
110 e ler o texto “Viva a lei de Gérson!”, da p. 110.

Material de apoio para a produção da dissertação ou da crônica argumentativa

Existem palavras que são responsáveis pela sinalização da argumentação,


quer dizer, introduzem a argumentação marcando a direção que queremos dar a
ela. São os chamados operadores ou marcadores argumentativos.
Precisamos nos conscientizar do valor argumentativo dessas marcas para que percebamos no discurso do
outro e as utilizemos com eficácia em seus próprios discursos.
inclusive
até ESTABELECEM A HIERARQUIA NUMA ESCALA, ASSINALANDO O ELEMENTO MAIS
mesmo FORTE.
até mesmo

ao menos
ESTABELECEM A HIERARQUIA NUMA ESCALA, ASSINALANDO O ELEMENTO O MAIS
pelo menos
FRACO.
no mínimo

e
também
nem
tanto .…….. como LIGAM ELEMENTOS DE DUAS OU MAIS ESCALAS ORIENTADAS NO MESMO
não só ........ mas SENTIDO (adição, acréscimo de informações).
também
além de
além disso

Aliás
INTRODUZEM UM ARGUMENTO DECISIVO.
além do mais

ainda ACRESCENTA UM ARGUMENTO A FAVOR.

Já INDICA MUDANÇA DE ESTADO, APRESENTANDO UMA CONTRAPOSIÇÃO.

mas
porém
contudo
embora
ainda que MARCAM OPOSIÇÃO.
posto que
apesar de que

isto é
quer dizer AJUSTAM, ESCLARECEM, REFORÇAM A AFIRMAÇÃO ANTERIOR.
ou seja
em outras palavras

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