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CENA 01 - INT. - CELA

MULHER está deitada sobre o chão duro, dormindo com apenas 1


COBERTOR sobre o corpo.

As luz está apagada.

Fora o COBERTOR, há apenas mais um objeto na cela: 1 ABAJUR


simples, improvisado, ao lado do corpo de MULHER.

MULHER levanta o tronco repentinamente, assustada.

Sua respiração está ofegante.

Permanece sentada, buscando recuperar o fôlego.

Fixa o olhar num ponto qualquer da cela, reflexiva.

Suspira, olha em direção ao ABAJUR e estica a mão para acendê-lo.

Porém, ao aproximar a mão do ABAJUR, a detém no ar.

Há um PONTO DE LUZ no chão, próximo ao abajur, que chama a atenção


de MULHER.

MULHER, sem recolher o braço, mantém-se na mesma posição, olhando


fixamente para o PONTO DE LUZ.

MULHER
(Sussurrando)
Mas... Como?!

Curiosa, já com o braço junto ao corpo e sem levantar-se,


investiga cada canto da cela apenas com o olhar.

Vira a cabeça de um lado para o outro procurando a origem da


luminosidade.

Olha também para cima, buscando certificar-se de que a luz não vem
do teto.

MULHER
De onde será que vem essa luz?

Diz isso enquanto analisa a cela.

Então se levanta, joga o COBERTOR sobre os ombros, como se fosse


uma capa, enrola-se nele e se aproxima do PONTO DE LUZ para melhor
examiná-lo.

Curva-se sobre o PONTO DE LUZ e o investiga com curiosidade.

Endireita o corpo e volta a analisar o ambiente ao seu redor,


movendo apenas a cabeça enquanto olha para cada canto.

Sai de perto do PONTO DE LUZ e começa a caminhar pela cela, ainda


tentando achar sua origem.

Retorna à posição original próxima ao PONTO DE LUZ, olhando em sua


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direção.

MULHER
Desisto...

Isso não faz o menor sentido.

Diz balançando a cabeça negativamente, sem tirar os olhos do PONTO


DE LUZ.

Repentinamente, sua expressão muda, indicando que lhe ocorreu


alguma ideia nova.

Sem demora, tira um dos pés do lugar e tenta pisar sobre o PONTO
DE LUZ.

PONTO DE LUZ, por sua vez, apenas se desloca para o lado, sem se
afastar muito de sua posição original.

MULHER
(Surpresa)
Que?!

Era só o que me faltava...

Novamente, agora tirando o outro pé do lugar, MULHER tenta pisar


sobre o PONTO DE LUZ, que escapa com facilidade.

Obstinada, segue perseguindo o PONTO DE LUZ com os pés, sempre


tentando colocá-los sobre ele, mas sem sucesso.

Os dois aproximam-se da parede.

MULHER, pensando ter encurralado o PONTO DE LUZ, exclama:

MULHER
Quero só ver agora, coisinha irritante!

O PONTO DE LUZ está bem próximo da parede.

MULHER, o mais rápido que pode, tira um dos pés do lugar para
pisoteá-lo, mas, por descuido, ao aproximar o pé do PONTO DE LUZ,
acaba chutando a parede.

PONTO DE LUZ, mais que depressa, deixa o chão e pousa sobre a


parede, esquivando-se do ataque de MULHER.

Ela, já cansada, grita de dor e e ameaça:

MULHER
(Ofegante)
Ah... Mas você me paga...

Ô se paga...

MULHER joga o COBERTOR ao chão e, profundamente irritada, começa


uma perseguição implacável ao PONTO DE LUZ por toda a extensão da
parede.

Vai distribuindo tapas aqui e acolá, todos tendo o PONTO DE LUZ


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como alvo.

PONTO DE LUZ não tem dificuldade em escapar dos ataques.

MULHER, de tão obstinada em sua caça, não percebe o fio do ABAJUR


esticado próximo dela e enrosca o pé nele, indo ao chão
violentamente.

Vendo-se caída e frustrada, desfere socos sobre o chão com muita


raiva.

Sua respiração já está bem comprometida pelo cansaço decorrente da


perseguição ao PONTO DE LUZ.

Sentada, apoia as mãos sobre o chão buscando recuperar o fôlego.

Mantém a cabeça abaixada por um tempo, até que consegue erguê-la,


apoiando a nuca na parede.

Ainda respira com dificuldade, mas já não tão cansada.

Puxa para junto do corpo o COBERTOR que está ao seu lado e


enrola-se nele.

Inclina a cabeça, ainda apoiada na parede, para cima e levanta os


olhos procurando o PONTO DE LUZ.

PONTO DE LUZ, que havia permanecido inerte até então no alto da


parede, começa a deslizar em direção a MULHER, traçando um caminho
bem sinuoso, quase como o de uma pluma flutuando no ar.

Ele para ao lado do rosto de MULHER, que apenas segue sua


trajetória com os olhos.

MULHER, agora bem menos cansada, com a cabeça ainda encostada na


parede e inclinada para cima, fixa os olhos no PONTO DE LUZ.

Discretamente, começa a erguer o braço do lado oposto ao PONTO DE


LUZ, tentando alcançá-lo.

Vai levantando o braço pouco a pouco, sem tirar os olhos do PONTO


DE LUZ.

No meio do caminho até o PONTO DE LUZ, para de erguer o braço


apenas para certificar-se de que ele não se mexera.

O PONTO DE LUZ não esboça reação.

Então, o mais rápido que pode, MULHER lança a mão em direção ao


PONTO DE LUZ para tocá-lo e, enfim, consegue o que tanto desejava.

Para a surpresa de MULHER, o PONTO DE LUZ sequer tenta escapar


dela e permanece pousado no mesmo lugar, agora sobre sua mão.

Curiosa, MULHER tira e coloca a mão de volta repetidas vezes sob o


PONTO DE LUZ, aguardando alguma reação.

O PONTO DE LUZ não sai do lugar.

Ela então recolhe a mão, entrelaça os dedos sobre o colo e abaixa


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a cabeça, reflexiva.

MULHER
(Sussurando)
Só posso estar ficando maluca...

Nisso o PONTO DE LUZ desaparece.

MULHER olha para onde estava o PONTO DE LUZ e fica intrigada.

MULHER
Realmente... Estou ficando maluca!

Levanta-se enrolada no COBERTOR e vai até o ABAJUR para ajeitá-lo.

Enquanto arruma o ABAJUR, surge uma luz azul que cobre toda a
parede.

MULHER nota a diferença na luminosidade da cela e fica contra a


luz, olhando em direção à sua origem, colocando uma das mãos em
frente ao rosto para amenizar o incômodo causado pela claridade.

Ela se afasta aos poucos da parede e caminha vagarosamente em


direção à luz, deixando o COBERTOR pelo caminho, sem deixar de
cobrir o rosto com uma das mãos.

Então a luz muda, deixando de ser azul.

Surge sobre a parede e o corpo de MULHER uma projeção da pintura


Saturno Devorando um Filho, de Goya.

MULHER nota parte da projeção sobre o próprio corpo, mas não


consegue decifrá-la.

Então decide virar-se para melhor visualizá-la.

Quando vê a imagem projetada na parede, não se contém e grita de


pavor.

MULHER
(Grito)
Aaaahhhhhhhh!!!

Cai de joelhos admirando a imagem, num misto de dor, medo e


revolta.

A imagem projetada muda e no lugar entra outra pintura: Criança


Morta, de Portinari.

MULHER chora.

Ela se levanta do chão e vai até a parede enquanto enxuga as


lágrimas.

Olha com piedade para todos os personagens da tela até chegar à


criança.

Colocando-se como parte da pintura, MULHER estica a mão e acaricia


o rosto da criança morta.
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A pintura muda novamente.

Surge Judite e Holofernes, de Caravaggio.

No lugar da criança morta de fome, o semblante aterrorizante de


Holofernes sendo decapitado é projetado sobre a mão de MULHER.

Ela dá alguns passos para trás, em clara repulsa à imagem.

Demonstra perplexidade frente à cena.

Outra troca e mais uma pintura de temática violenta é projetada na


parede, sendo sucedida por outra igualmente violenta, assim
prosseguindo.

MULHER, atônita, já não demonstra reação alguma. Permanece em pé,


parada, olhando as imagens.

MULHER
(falando alto)
Não quero mais ver isso.

Para com isso!

Não quero ver!

Então ela se vira para a luz sem proteger a vista, olhando


diretamente para ela.

O rosto marcado pelas lágrimas é ressaltado pela luminosidade,


enquanto as imagens são trocadas repetidamente.

MULHER
(Sussurrando)
Não quero mais ver.

Não quero mais ver.

Não quero mais ver...

MULHER acorda assustada e ofegante.

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