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Capítulo 4: Serviço Social e Política Pública

Módulo 4 - Serviço Social e Política


Pública

Prezado(a) Aluno(a),

No presente módulo você irá estudar as Políticas Sociais no Brasil nas suas
dimensões históricas, teóricas e metodológicas. Para melhor estruturação do
tema nosso conteúdo foi dividido conforme o sumário abaixo:

Índice:

1- Introdução
2– As políticas Sociais na História
2.1 – No Velho Continente
2.2 - No Brasil
3- Instituições Assistenciais e outras iniciativas de suporte a Política Social Estatal
4- O componente assistencial na Política Social
4.1 – Histórico da prática da assistência
4.2 – A Assistência e o Estado
5– O Estado e as Políticas Sociais
5.1 – O Estado Neoliberal
5.2 – O Brasil e o Neoliberalismo
5.3 - Welfare State ou Estado de Bem-Estar social
5.3.1 – Surgimento do Welfare State no Brasil
6- O Estado e as Políticas Sociais na Contemporaneidade
7- Políticas Sociais; padrões atuais
8- Conclusões

Esperamos contribuir para o seu sucesso. Bons estudos e boa sorte!

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Capítulo 4: Serviço Social e Política Pública

1. POLÍTICAS SOCIAIS

No Brasil, a preocupação com a proteção social dos indivíduos já existia, de forma


incipiente, desde o tempo do Império, quando houve tímidas iniciativas de cunho
mutualistas e particulares, na direção de se instituir seguros sociais. Entretanto, a
efetivação mais consistente de políticas sociais no país aconteceu ante o
agravamento da questão social posta com o advento da industrialização iniciada,
ainda de forma tímida, no início do século XX e incrementada depois da Segunda
Guerra Mundial, quando se generalizou o sistema de proteção social aos indivíduos
nas ocasiões em que perdessem sua fonte de renda, demandassem uma
suplementação temporária ou se preparassem para ingressar no mercado de
trabalho.

Diariamente, entramos em contato com essas políticas quando utilizamos serviços


oferecidos pelo Estado tais como: saúde, educação, habitação, transporte,
saneamento básico, segurança pública, previdência social, assistência social, lazer,
etc.

As formas e os processos de elaboração de tais políticas situam-se numa correlação


de forças que envolvem interesses das classes dominantes, das classes
trabalhadoras e das classes médias, num contexto de alianças, divisões e pressões
mediatizado pelo Estado, enquanto poder articulador da sociedade. Logo, a análise
desta conjuntura política e do embate entre as forças sociais, num momento
determinado, é importantíssima para a compreensão do modo como essas políticas
sociais se constituem, considerando a dinâmica social.

À medida que as classes menos favorecidas socioeconomicamente lutam por


direitos e articulam-se politicamente com vistas a uma nova condição do exercício
da cidadania, provocam nas classes dominantes uma reação no sentido de
desmobilizá-las e despolitizá-las, integrando-as a mecanismos compulsórios de
conciliação na tentativa de controlar os movimentos e as organizações das massas.
É neste sentido que as políticas sociais se inscrevem em meio a um enfrentamento
de forças complexo e específico a cada conjuntura social, política e econômica que
se instaura no transcorrer da História.

Conforme nos coloca Faleiros, tais políticas ora são vistas como mecanismos de

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manutenção da força de trabalho, ora como conquistas dos trabalhadores, ora


como arranjos do bloco no poder, ora como doação das elites dominantes, ora
como instrumentos de garantia do aumento da riqueza ou dos direitos dos
cidadãos. Entretanto, no discurso oficial, elas aparecem sempre como proteção a
determinadas categorias que seriam mais frágeis individualmente, mas boas em si
mesmas; e aqueles que as elaboram são vistos aos olhos daqueles que delas se
utilizam como bons.

Esse discurso leva a população a acreditar na bondade do sistema e no fracasso


individual, e enfatiza o lado humano do Estado nas respostas às necessidades das
pessoas. Assim, as intervenções das políticas sociais diluem conflitos de classe e
desvinculam os problemas havidos no processo coletivo de produção de
mercadorias (acidentes de trabalho, doenças, incapacitação, invalidez) do próprio
processo produtivo, levando à crença de que estas intercorrências são de
responsabilidade dos indivíduos enquanto trabalhadores. Tal posicionamento reduz
as possibilidades de reivindicação e mobilização da força produtiva. (Faleiros,
2004)

As políticas são consideradas compensação ao dano sofrido. Em realidade, essa compensação


não repõe a perda, mas somente mantém o mínimo de subsistência para o trabalhador, além de
validar o sistema de produção no seu conjunto. (Faleiros, 2004:45)

Faleiros ainda destaca que:

“As políticas sociais, apesar de apareceram como compensações isoladas para cada
caso, constituem um sistema político de mediações que visam à articulação de
diferentes formas de reprodução das relações de exploração e dominação da força
de trabalho entre si, com o processo de acumulação e com as forças políticas em
presença”. (Faleiros, 2004)

Neste sentido, a objetivação das políticas sociais não responde a todas as carências
e nem a todas as reivindicações dos movimentos socialmente organizados, pois é
condicionada ao nível de pressão exercida pelas classes dominantes sobre as ações
estatais, a fim de que seja viabilizado o mínimo ante as demandas colocadas pelos
trabalhadores, a serem atendidas a baixos custos. Diante disso, as ações estatais
tendem prioritariamente a objetivar a reprodução da força de trabalho a fim de
garantir a reprodução do capital, razão última pela qual é fundamental que o
trabalhador se mantenha vivo e produtivo. Para tanto, ele precisa alimenta-se,
morar, estudar, ter saúde, vestir-se a fim de estar apto a trabalhar e produzir
riquezas.

Assim, as políticas sociais incorporam de forma controlada e parcial as demandas


das classes subalternas, produzindo um processo contraditório de inclusão e
exclusão, pois ao mesmo tempo em que elas incluem setores dos trabalhadores
quando atende a algumas de suas reivindicações, os mantêm excluídos da
propriedade e do poder, ou seja, do processo de acumulação do capital. Logo, são
espaços de concretização dos interesses populares, embora absorvidos no limite do
pacto de dominação.

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O pacto de (denominação) dominação se constitui na defesa dos interesses básicos e


fundamentais das frações dominantes em face das reivindicações e pressões das classes
subalternas, demandas que eventualmente podem ser incorporadas na medida em que não
afetem o caráter básico da própria dominação.

Nos países tidos como periféricos, as políticas sociais, objetivam o atendimento a


trabalhadores, através da criação de programas estatais (cujos acessos demandam,
muitas vezes, a elegibilidade determinada por critérios estabelecidos pelo poder
estatal). Estas ações, em certos momentos, também garantem o retorno ao
trabalho da mão de obra incapacitada para o seu exercício, quando assiste ao
trabalhador na recuperação de doenças e acidentes de trabalho ou oferece-lhe
treinamento visando a melhoria da produtividade e/ou sua adaptação a novas
técnicas de produção. Compreendem também a reprodução da mão de obra que
está excluída do processo produtivo, como as crianças, os desempregados e os
idosos, mantendo-lhes a capacidade de consumo através de subvenções. Nestes
casos existem os subsídios financeiros ou em gêneros alimentícios a infantes e aos
alijados do processo produtivo; assim como as aposentadorias, pensões e rendas
vitalícias aos idosos.

Através das políticas sociais, o trabalhador repõe certos desgastes de sua força de trabalho,
obtém benefícios que constituem para a reprodução de seus filhos ou para sua manutenção
quando estiver excluído do mercado de trabalho. É por isso que se afirma que as políticas
sociais constituem mecanismos de reprodução da força do trabalho.

É importante lembrar que as políticas sociais articulam-se com o processo econômico, tanto na
manutenção do trabalho como no estímulo à demanda global de bens e serviços no mercado.
(Faleiros, 2004:41)

Para entendermos melhor o surgimento destas políticas, necessário se faz uma


incursão através dos acontecimentos históricos que tiveram lugar no final do século
XIX e nas décadas iniciais do século passado, a fim de situarmos as bases que
alicerçaram a sua paulatina institucionalização e sua estruturação atual.

2 - AS POLÍTICAS SOCIAIS NA HISTÓRIA


2.1 - No Velho Continente

Na Europa, as políticas sociais desenvolvidas no período pré-capitalista foram

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punitivas, restritivas e agiram na confluência da assistência social e do trabalho


forçado. Elas não tinham como fim assegurar o bem comum e sim manter a ordem
social, coibir a vagabundagem e impedir a livre circulação de pessoas aptas a
trabalhar. Estas políticas tinham como premissa estabelecer o trabalho como
atividade primordial para aqueles que dependessem dele para sobreviver,
obrigavam os pobres a aceitar qualquer tipo de atividade laboral que lhes
aparecesse, não permitiam ao trabalhador negociar a remuneração do seu próprio
trabalho e proibiam a mendicância dos pobres capazes de trabalhar (considerados
“pobres válidos”), estabelecendo a diferença entre estes e os “pobres
merecedores” de auxílios (aqueles comprovadamente incapazes de trabalhar ou
nobres falidos).

As ações assistenciais previstas não se inseriam na perspectiva do direito, tinham


critérios de acesso rigorosamente restritivos e seletivos e objetivavam induzir os
trabalhadores a se manterem por meio do próprio trabalho, sem escolhas das
atividades a serem desenvolvidas. Além disso, objetivavam prestar auxílios mínimos
às pessoas pobres recolhidas nas “casas de trabalho” (Workhouses), em troca, de
algum tipo de trabalho para justificar a assistência recebida.

Esta situação pode ser confirmada quando contemplamos a Lei dos Pobres ( Poor
Law), editada na Inglaterra, em 1601 e considerada por alguns estudiosos como o
marco da criação da assistência social. Esta lei regulamentou a instituição de
auxílios e socorros públicos aos necessitados, dando-lhes o direito de serem
auxiliados pela paróquia. Fundamentados nela, os juízes da Comarca tinham o
poder de lançar imposto de caridade, que seria pago por todos os ocupantes e
usuários de terras, e nomear inspetores em cada uma das paróquias, visando
receber e aplicar o montante arrecadado.

Com passar do tempo, a assistência foi acompanhando a evolução do sistema


capitalista que determinou a perda dos meios de produção pela maioria dos
trabalhadores e a consequentemente exploração da força de trabalho por aqueles
que assumiram o monopólio da posse da estrutura produtiva. Neste contexto, ante
a desumana exploração dos trabalhadores pelos patrões e as péssimas condições
socioestruturais a que eram submetidos estes últimos, as ações assistenciais de que
necessitavam foram sendo assumidas pela filantropia, incentivada principalmente
pela Igreja. Nos pronunciamentos de alguns pontífices, verificamos especialmente
na Encíclica Rerum Novarum, de Leão XIII (1891), a ideia de criação de um sistema
de pecúlio ao trabalhador, financiado com parte do salário do mesmo, visando
protegê-lo dos riscos sociais.

Com o advento da Revolução Industrial, os trabalhadores foram aglutinados nas


empresas, fato que lhes permitiu desenvolver uma consciência de classe e se
articularem politicamente. A partir daí, foram se constituindo como uma força
política da qual o Estado, enquanto representante das forças sociais, teve que
considerar as demandas e estabelecer mecanismos para equacioná-las, estando
dentre estes as políticas sociais.

Na Alemanha, o chanceler Otto Von Bismarck instituiu políticas sociais orientadas


pela lógica do seguro social com vistas a ampliação da cidadania, imprimindo ações
que desfocaram aquelas antes direcionadas só para atender situações de pobreza

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extrema. Sob a lógica bismarckiana foram criados uma série de seguros sociais
destinados aos trabalhadores. Em 1883, foi criado o seguro-doença, obrigatório
para os trabalhadores da indústria, financiado por contribuições dos empregados,
empregadores e do Estado. Em 1884, criou-se o seguro de acidente de trabalho
com o custeio a cargo dos empregadores. Já em 1889, foi instituído o seguro de
invalidez e velhice, custeado pelos trabalhadores, empregadores e Estado.

Tais elementos marcaram o reconhecimento pela esfera pública de que a


incapacidade para trabalhar se devia a determinadas circunstancias (velhice,
doenças, escassez de emprego) que deveriam ser protegidas. Entretanto, este
modelo bismarckiano de seguros sociais guardou características que se
assemelharam às dos seguros privados, pois os benefícios cobriam quase que
exclusivamente os trabalhadores contribuintes e suas famílias. Estudiosos afirmam
que as leis instituídas por Bismark tiveram o objetivo de evitar as tensões sociais
existentes entre os trabalhadores por meio de movimentos socialistas fortalecidos
com a crise industrial; e foram pioneiras para a criação da previdência social no
mundo.

Em 1897, na Inglaterra, foi criado o seguro obrigatório contra acidentes de trabalho


que responsabilizava o empregador pelo sinistro, independentemente de culpa,
firmando o princípio da responsabilidade da empresa. Em 1907, foi instituído o
sistema de assistência à velhice e acidentes de trabalho. Em 1908, foi criado um
sistema com o objetivo de conceder pensões aos maiores de 70 anos,
independentemente de contribuição. Em 1911, foi estabelecido um sistema
compulsório de contribuições sociais, que ficavam a cargo do empregador,
empregados e do Estado.

Ainda na Inglaterra, agora em 1941, foi elaborado por Lord Beveridge o Plano
Beveridge que propôs a organização de um sistema de proteção social que
assegurasse as pessoas do nascimento até a morte. Consistiu em promover uma
fusão das medidas esparsas já existentes, relativas à seguridade social; em ampliar
e consolidar os vários planos de seguro social, em padronizar os benefícios e incluir
novos. Teve como objetivo constituir um sistema de seguro social que garantisse ao
indivíduo proteção diante de certas contingências sociais, tais como a indigência ou
incapacidade laborativa. Neste sistema, os direitos foram considerados universais,
destinados a todos os cidadãos incondicionalmente e o Estado deveria garantir
mínimos sociais a todos em condições de necessidade. O financiamento do sistema
deveria ser proveniente dos impostos fiscais e a sua gestão pública, estatal. Seus
princípios básicos foram: a unificação institucional e a uniformização dos
benefícios.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT), criada em 1919, traduziu as


aspirações e os propósitos no campo da proteção social, comuns às populações dos
numerosos países que a integram. Ela dispôs sobre a proteção social que a
sociedade deve proporcionar a seus membros, por meio de uma série de medidas
públicas com vistas a equacionar “as privações econômicas e sociais que de outra
forma, derivam do desaparecimento ou em forte redução de sua subsistência como
consequência de enfermidade, maternidade, acidente de trabalho ou enfermidade

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profissional, desemprego, invalidez, velhice, e também a proteção em forma de


assistência médica e ajuda às famílias com filhos”.

2.2 - No Brasil

Manifestação operária em 1º de Maio de 1919 no Rio de Janeiro. Reproduzida da Revista da Semana,


10 de maio de 1919

No Brasil, as primeiras iniciativas de assistência ao trabalhador remontam ao século


XIX. Registra-se que antes da Proclamação da República, mais precisamente no ano
de 1888, houve a criação de uma caixa de socorro para a burocracia pública,
inaugurando uma forma de instituição de direitos por categoria profissional,
estrutura que foi a tônica da proteção social brasileira até os anos 1960 do século
XX. Seguindo esta lógica, em 1889 os funcionários da Imprensa Nacional
conquistaram o direito à pensão e a quinze dias de férias, benefícios que foram
estendidos aos funcionários do Ministério da Fazenda no ano seguinte. Em 1891, foi
instituída a primeira legislação para a assistência à infância, regulamentando o
trabalho infantil (lei que nunca foi cumprida).

No início do século XX, empresas industriais começaram a se aglomerar nos maiores


centros urbanos existentes no país e a absorver uma mão de obra operária
majoritariamente composta por imigrantes. Este contingente, já naquela época,
vivia marginalizado socialmente e em condições socioestruturais desfavoráveis, ou
seja, submetido a péssimas condições de moradia, estando essas situadas em
regiões que, em sua maioria, não contavam com serviços de água, luz e nem
esgoto. Além disso, era exposto a condições de trabalho extremamente
desfavoráveis, pois grande parte das indústrias funcionava em lugares insalubres,
ocupando prédios adaptados, sem condições adequadas de higiene e segurança. A
estas circunstancias eram acrescidos baixíssimos salários, os quais não supriam as
necessidades das famílias operárias. Consequentemente, se fazia necessário que
vários membros de uma mesma família, incluindo-se mulheres e crianças em idades
prematuras, se submetessem a jornadas de trabalho extenuantes, favorecendo
ainda mais o rebaixamento dos salários.

Naquela época, os trabalhadores não tinham direito a férias, descanso remunerado,


licença para tratamento de saúde, indenização por acidente de trabalho ou
qualquer outra espécie de seguro trabalhista regulamentado por lei. Não tinham
também nenhuma garantia empregatícia ou contrato coletivo de trabalho porque a

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relação entre patrões e empregados realizava-se no campo privado, constituindo-se


em um contrato particular entre as partes regido pelo Código Civil. O acesso do
proletariado à educação formal ficava na dependência de iniciativas próprias ou da
filantropia. Em suma, tais pessoas eram consideradas cidadãos de segunda linha.

A significativa exploração a qual era submetido o trabalhador brasileiro no início do


século XX determinou a necessidade de sua organização com vistas à defesa de seus
interesses e participação na sociedade. Os movimentos reivindicatórios, então,
começaram a se constituir e já em 1903 foram formados os primeiros sindicatos na
agricultura e nas indústrias rurais; e em 1907 dos demais trabalhadores urbanos,
quando foi reconhecido o direito de organização sindical. Este processo se deu sob
forte influencia dos imigrantes europeus e promoveu mudanças na correlação de
forças sociais. A pressão exercida pelos assalariados proporcionou condições para
que, em 1911, fosse reduzida legalmente a jornada de trabalho para 12 horas
diárias (mais uma lei que não foi cumprida).

Diante das condições de trabalho, o movimento operário veio se constituindo num


crescente, promovendo a organização social e política da classe, através de
movimentos reivindicatórios que visavam à conquista de uma cidadania social.
Segundo Marilda Iamamoto (1983):

“Aqueles movimentos refletem e são elementos dinâmicos das profundas


transformações que alteram o perfil da sociedade a partir da progressiva
consolidação de um polo industrial ...”

A organização operária assumiu, historicamente, formas diferenciadas.


Corporificou-se em entidades que desenvolviam atividades assistenciais e
cooperativas, como a Associação de Socorro Mútuo e as Caixas Beneficentes; e em
outras formas nas quais o componente assistencial era mais diluído ou até mesmo
ausente, como as Ligas Operárias que tinham como objetivo a luta pela defesa dos
interesses comuns dos trabalhadores. Essas últimas deram origem às Sociedades de
Resistência, a mais sindicatos e reuniram a parcela mais avançada do movimento
operário, definindo-se em suas formas de organização e de atuação em face às
relações de produção pautadas na exploração do trabalho pelo capital. Suas
reivindicações centravam-se na luta por melhores salários, por uma jornada de
trabalho mais justa, pela proibição do trabalho infantil (crianças a partir de cinco
anos eram inseridas no mercado de trabalho), pela regulamentação do trabalho das
mulheres e dos adolescentes, pelo direito a férias, por seguro contra acidentes e
doenças, por um contrato coletivo de trabalho e pelo reconhecimento de suas
entidades representativas.

Ainda no desenvolver do processo de organização dos trabalhadores foi criado uma


combativa imprensa operária, promovidos congressos e estruturadas
confederações, iniciativas que envolveram trabalhadores de diversas categorias.
Além disso, foram desenvolvidas várias ações que objetivaram o incremento de
uma cultura operária que se constituiu numa crítica aos valores burgueses e na
afirmação de um novo tipo de sociedade. Essas práticas, porém, ficaram restritas
ao meio operário e foram “toleradas” pela ordem dominante.

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O crescimento da mobilização operária possibilitou, nas duas primeiras décadas do


século XX, a articulação de greves intermitentes e grandes manifestações que
tomaram significativas proporções nos contextos de antes e depois da Primeira
Guerra Mundial. Tais acontecimentos se afiguraram para a sociedade burguesa
como uma ameaça à ordem vigente, “..a seus mais sagrados valores, a moral, a
religião e a ordem pública” (Iamamotto, 1993); promovida por um proletariado às
margens do pauperismo. Tal estado de coisas culminou com atitudes repressivas
por parte do poder constituído, como fechamento de sedes de organizações
operárias e a perseguição de seus líderes que eram presos e, se estrangeiros,
deportados.

Tais movimentos somaram-se ao conjunto de problemas que se colocavam para a


sociedade à época e exigiram profundas modificações na composição de forças
dentro do Estado e no relacionamento deste com as classes sociais, tendo em vista
que a industrialização crescente trouxe a formação de uma classe operária
atuante, com expressão no cenário político e que demandava ao poder público o
seu reconhecimento.

Assim a questão social, subsídio das políticas sociais, assumiu uma qualidade
diferenciada nos grandes centros urbanos e industriais, originada do crescimento
quantitativo do proletariado, da solidificação dos interesses comuns no interior
desta categoria profissional e da solidariedade política e ideológica que
perpassavam o seu conjunto, abrindo a possibilidade da ascensão de um projeto
social alternativo à dominação burguesa. Dentro desta realidade “a questão social
deixa de ser apenas contradição entre abençoados e desabençoados pela fortuna,
pobres e ricos, ou entre dominantes e dominados, para constituir-se,
essencialmente, na contradição antagônica entre burguesia e proletariado...”
(Iamamotto, 1993).

Diante desta conjuntura, foi sentida pelas forças dominantes a necessidade de


controle da organização do operariado, controle este que passava pelo
reconhecimento por parte do Estado desta categoria enquanto classe e,
consequentemente, implicava a intervenção deste órgão no mercado de trabalho
para estabelecer mecanismos de integração. Logo, o Estado e a elite da Primeira
República, majoritariamente constituída pela burguesia agroexportadora, nos anos
de 1891, 1911 e 1917, outorgaram alguns tímidos e limitados decretos estaduais e
federais que procuraram regulamentar situações relativas às condições sanitárias
das indústrias, assim como questões que diziam respeito ao trabalho de menores e
mulheres. Essas ações, a nosso ver, podem ser consideradas os embriões da
estruturação futura de políticas sociais que vieram em resposta às reivindicações
daquelas classes menos favorecidas pelo capital com o intuito não só de atender as
suas necessidades, mas também de assegurar a reprodução capitalista.

Diante do recrudescimento do movimento operário, em 1919 foi implantada a


primeira legislação social mais ampla, responsabilizando as empresas industriais
pelos acidentes de trabalho, cuja cobertura, entretanto, era subsidiada através de
um seguro coletivo. Esses sinistros, porém, eram tratados pela via do inquérito
policial, com ênfase na responsabilidade individual pela ocorrência do acidente em
detrimento das condições coletivas de trabalho.

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Neste mesmo ano de 1919, o Brasil participou oficialmente na Organização


Internacional do Trabalho (OIT) e foi signatário de seus convênios os quais, por
força do compromisso internacionalmente assumido, teriam que ser viabilizados,
sob pena de sanções. Prova disto foi que o país instituiu seu sistema de Seguridade
Social atual a partir da Constituição Federal de 1998 nos moldes recomendados
pela sua Convenção Nº 102 da OIT.

Outras medidas foram tomadas, no transcorrer da década de 1920. Precisamente


em 1923, o Parlamento Brasileiro aprovou a Lei Eloy Chaves (Lei nº:4.682 de
24/01/1923) que semeou as bases para a futura política de Seguro Social do país.
Esta lei instituiu a obrigatoriedade de criação de Caixas de Aposentadoria e Pensão
(CAPs), vinculadas às empresas e de natureza privada. A partir de então, cada
categoria passou a ser responsável por um fundo custeado pelo empregado (através
de desconto na folha de pagamento), pelo empregador (cuja contribuição incidia
sobre a folha de pagamento) e pelo governo (através de uma taxa cobrada em cima
dos produtos importados); cuja gestão era realizada por um representante dos
trabalhadores, um dos empregadores e um do governo.

A referida lei estabeleceu ainda que ante a primeira categoria atendida, a dos
ferroviários, cada uma das empresas de estrada de ferro deveria ter uma caixa de
aposentadoria e pensão para seus empregados. Além disso, promoveu a instituição
de quatro benefícios principais que atingiram primeiramente a mesma categoria,
por ser esta uma das mais bem organizadas e por agregar trabalhadores que
atuavam em um dos setores-chave da economia da época. Tais benefícios foram:
medicina curativa; aposentadoria por tempo de serviço, velhice ou invalidez;
pensões para dependentes e auxílio-funeral. O custeio deles ficou a cargo das
empresas e dos trabalhadores.

As CAPs foram as formas originárias da previdência social brasileira, junto com os Institutos de
Aposentadoria e Pensão (IAPs). (Behring e Boschetti, 2008:80)

Em 1925, foi criado o Conselho Internacional do Trabalho e em 1926, através de


emenda à Constituição Federal, a legislação trabalhista passou para a alçada do
Congresso Nacional, legitimando a intervenção do Estado na regulamentação do
mercado de trabalho. Ainda neste mesmo ano, os benefícios da Lei Eloy Chaves
foram estendidos aos estivadores e marítimos e no ano seguinte, outras leis
importantes foram aprovadas tais como: a lei de férias, o auxílio-doença, a lei de
acidente do trabalho, o trabalho feminino e o Código de Menores que limitava a
jornada de trabalho dos operários menores de idade. Instituições assistenciais e
previdenciárias foram desenvolvidas neste decênio pela ação estatal, que ampliou
sua atividade nestas áreas na tentativa de responder à pressão das novas forças
sociais urbanas.

Os direitos trabalhistas e previdenciários foram reconhecidos primeiramente para


aquelas categorias-chave de trabalhadores por estarem diretamente inseridas no
processo de produção e circulação de mercadorias.

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Segundo Medeiros (2001), as políticas surgidas no Brasil, no início dos anos de 1920 tinham a
função de atuar como instrumentos de controle dos movimentos de trabalhadores no país. Sua
estratégia era antecipar algumas demandas e com isso restringir a legitimidade das lideranças
trabalhadoras nas reivindicações sociais e limitar a capacidade de mobilização dos trabalhadores
em geral.

Entretanto, em face da ineficiência das políticas sociais que implementara até


então e que não lograram êxito em efetivamente minimizar a problemática
operária, o Estado lançou mão da repressão policial no enfrentamento da
organização operária, visando manter a paz social indispensável à acumulação
capitalista.

A burguesia de então ora concordava com a truculência da conduta estatal em face


ao operariado, ora adotava posturas caritativas e assistencialistas ante a
pauperização dos trabalhadores explorados, sendo estas últimas implementadas,
principalmente, em conjunturas eleitorais. A classe dominante também exerceu
certa pressão sobre o Estado no sentido de retardar ou boicotar a regulamentação
externa do mercado de trabalho e de tudo mais que interferisse no seu controle
direto e na manipulação do operariado e, consequentemente, interferisse na
produção da mais-valia. Logo, o patronato se colocou contrário a Lei de Férias sob
o argumento de que os operários não saberiam como utilizar suas horas de
descanso e se veriam entregues a sua própria sorte. Necessariamente, se
envolveriam em badernas pelas ruas “quebrando o equilíbrio moral de toda uma
classe social da nação, à mercê da floração de vícios e, talvez, de crimes.(Leme
apud Iamamoto, 1993). Os donos do capital também desaprovaram o Código de
Menores por entender que “ aplicada a lei sem cautela, na expressão de sua letra,
fatalmente lançarão ao regaço da sociedade uma nova legião de candidatos à
vagabundagem, ao vício e ao delito. O menor dos males será a multiplicação de
rufiões e meretrizes”(Vianna apud Iamamoto, 1993). Nesta perspectiva, a burguesia
defendia que só a disciplina imposta pelo trabalho conseguiria frear os vícios e os
baixos instintos do proletariado.

Segundo Sposati (1985),:

“No caso brasileiro é possível afirmar, salvo exceções, que até 1930 a consciência
possível em nosso país não apreendia a pobreza enquanto expressão da questão
social. Quando esta se insinuava como questão para o Estado, era de imediato
enquadrada como “caso de polícia” e tratada no interior de seus aparelhos
repressivos. Os problemas sociais eram mascarados e ocultados sob forma de fatos
esporádicos e excepcionais. A pobreza era tratada como disfunção pessoal dos
indivíduos.”

Uma outra postura assumida pela classe dominante na tentativa de minimizar as


reivindicações operárias se reportou ao desenvolvimento de políticas
assistencialistas que tiveram lugar no âmbito interno das empresas. Aquelas de
maior porte ofereciam a seus empregados assistência médica subsidiada;
estimulavam a estruturação de caixas de auxílio e assistência mútua objetivadas
através da contribuição compulsória dos empregados com a colaboração dos
patrões; construíam vilas operárias, ambulatórios médicos, creches, escolas, etc..

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O uso de tais equipamentos era ofertado aos empregados gratuitamente ou


oferecido a preços módicos. Tal postura das empresas tinha como contrapartida o
rebaixamento dos salários e o controle da vida cotidiana e política dos seus
trabalhadores, assim como das suas condutas reivindicatórias, pois o acesso a tais
serviços era condicionado ao bom comportamento dos operários diante das greves e
a uma vida pessoal regrada. A essas indústrias interessavam manter a “paz social”
e a lealdade dos operários para garantir a disponibilidade da mão de obra para o
trabalho.

O final da década de 1920 foi marcado pela decadência da economia cafeeira no


Brasil, agravada pela crise da economia mundial de 1929, determinando o fim da
hegemonia política desta fração da classe dominante no país. Em consequência, foi
criada uma aliança formada por outros grupos influentes não vinculados ao café,
por setores do aparelho de Estado, especialmente os militares, e por frações
majoritárias das classes médias urbanas, acontecimento que culminou na Revolução
de 1930, pondo fim a República Velha. Tal situação criou uma crise de hegemonia
política e propiciou, dentre outras circunstâncias, a ascensão da organização
política e sindical do proletariado que se encontrava arrefecida em decorrência da
repressão adotada pelo poder estatal com o aval das oligarquias agora em
decadência.

Diante do quadro vigente à época, o Estado assumiu uma organização corporativa,


canalizando para seu interior os interesses divergentes que surgiram das
contradições entre as diferentes frações dominantes (cafeicultores, industriais,
comerciantes, etc.) e as reivindicações dos setores populares, visando repolitizá-las
e discipliná-las em nome da harmonia social, do desenvolvimento e da colaboração
entre as classes, corroborando o mito do Estado acima das classes e representativo
dos interesses gerais da sociedade. A política social proposta então, vinculou-se a
estrutura corporativista e foi um elemento central nesse processo, tomando forma
através da legislação sindical e trabalhista.

O corporativismo constituiu na articulação da harmonia entre patrões e empregados pela


transformação dos sindicatos em órgãos do Estado e pela atribuição a eles de funções
assistenciais. Segundo essa política, os próprios trabalhadores seriam instrumentos de prestação
de assistência a sua classe, o que institucionalizou o clientelismo e o peleguismo entre os
operários. (Faleiros, 2004)

De acordo com a perspectiva corporativista dos grupos no poder, nesse período


predominava um ideal de sociedade harmônica em que os antagonismos entre
classes eram encarados como nocivos ao bem comum. O corporativismo deslocava
os conflitos entre capital e trabalho para a esfera do Estado, descaracterizando e
obstaculizando a livre manifestação das reivindicações dos trabalhadores”.
(Barcellos, 1983, p. 11)

Cabe ressaltar, seguindo Marcelo Medeiros (2001) em sua leitura de Barcellos (1983, p. 17-18),
que as políticas sociais implementadas no período anterior à Revolução de 1930, em sua
maioria, foram fragmentadas e emergencialistas. Os conflitos entre capital e trabalho eram
regulados por legislações esparsas e equacionados basicamente pelo aparato policial. Questões
de saúde pública eram tratadas pelas autoridades locais, não havendo por parte do governo

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central um programa de ação no sentido de atendê-las. A atuação do Estado neste âmbito


restringia-se ao atendimento de situações emergenciais, como epidemias em centros urbanos.

A educação era atendida por uma rede escolar muito reduzida, de caráter elitista e
acadêmico, que visava preparar alunos para a formação superior. As reformas da
época (escola nova) ocorriam regionalmente e de forma parcial, ou seja, não
faziam parte de uma política global de educação. A previdência era
predominantemente privada, organizada por empresas e categorias profissionais, e
a questão habitacional não era considerada objeto de política pública.

O Governo Provisório que então foi instaurado frente à situação política do país,
tendo a frente Getúlio Vargas, reviu e ampliou a legislação social vigente e a
implantou de forma ampla. Em 1930, foi criado o Ministério do Trabalho, Indústria
e Comércio e houve uma aceleração da ampliação do Seguro Social que foi
progressivamente vinculado a uma política estatal para a classe operária. As Caixas
de Aposentadorias e Pensões (CAPS), que antes abrangiam as empresas
individualmente, passaram a contemplar categorias profissionais, através dos
Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs) criados em 1933, que englobaram
paulatinamente significativa parcela dos assalariados urbanos dos setores privado e
estatal e ofereceram, além dos benefícios de aposentadoria e pensão, serviços de
saúde.

Assim, foram criados os Institutos de Aposentadoria e Pensão dos Marítimos (IAPM)


em 1933, dos Comerciários (IAPC) em 1934, dos Bancários (IAPB) em 1934, dos
Industriários (IAPI) em 1936, dos empregados de Transporte e Carga (IAPETEC) em
1938. No serviço público, foi criado em 1938 um fundo previdenciário para os
servidores públicos federais chamado de IPASE – Instituto de Pensão e Assistência
dos Servidores do Estado. Já em 1938, milhões de trabalhadores e seus
dependentes diretos estavam assegurados, sendo que a estrutura administrativa
das instituições previdenciárias estava vinculada ao Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio e a burocracia era suprida pelo sindicalismo corporativista.

A Constituição Federal de 1934 instituiu as bases para a outorga de leis trabalhistas


e, pela primeira vez, fez referência explícita à prestação de serviços sociais,
delegando ao Estado a tarefa de assegurar o amparo aos desvalidos e fixar a
destinação de 1% das rendas tributáveis à maternidade e à infância. Foi baixada
também uma legislação sindical que vinculou a organização sindical ao controle
estatal e previu mecanismos destinados a integrar os interesses do proletariado
através de canais dependentes e controlados pelo Estado. Em contrapartida, houve
severa repressão à organização autônoma dos trabalhadores, caracterizando assim
as duas faces da política de então relativa aos movimentos operários, ou seja,
integração dos trabalhadores através de canais oficiais e a desarticulação do
movimento operário autônomo, criando-se o mito do Estado benfeitor.

O período do Estado Novo (1937-1945) representou a passagem de uma sociedade


de base agrária para uma sociedade urbano-industrial. O caráter autoritário do
Estado, exemplificado pela promulgação da Lei de Segurança Nacional em 1935,
reprimiu a ascensão de movimentos tanto de esquerda quanto de direita e diminuiu
a autonomia das unidades estaduais ao concentrar no governo federal praticamente

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todo o poder decisório e administrativo referente às políticas sociais. Uma das


consequências dessa concentração foi o aumento do poder da burocracia nas
decisões sobre políticas sociais, enquanto os movimentos de trabalhadores tinham
sua organização limitada. (Medeiros, 2001)

O Estado Novo, em sua estrutura corporativista, incrementou, ao lado da repressão


e da tortura, uma política de massas enquanto estratégia de legitimação que
incorporou algumas reivindicações dos setores populares e trouxe o
reconhecimento legal da cidadania social e de direitos (apresentados pela ideologia
oficial como doações), inerentes à condição de explorado, à fração do proletariado
integrado aos mecanismos estatais. Logo, o acesso à legislação de proteção ao
trabalho então instituída era teoricamente condicionada ao atrelamento do
movimento operário ao aparelho de Estado.

Neste aspecto, para Iamamoto:

“A legislação social se constitui de dispositivos legais que coíbem os excessos e


formas primitivas de extração de trabalho excedente, mas representa a
reafirmação da dominação do capital. Incorpora reivindicações históricas do
proletariado, para torná-las um acelerador da acumulação através da
regulamentação e disciplinamento do mercado de trabalho. A noção fetichizada
dos direitos, cerne da política de massas do varguismo e da ideologia da outorga,
tem por efeito obscurecer para a classe operária a outra face da legislação social
que acorrenta o trabalho ao capital, legitimando sua dominação”.

Dentro das ações sociais implementadas pelo governo de então sob essa ideologia,
em 1939 foram regulamentadas a Justiça do Trabalho e a nova Legislação Sindical
que vinculava as entidades sindicais ao Ministério do Trabalho e a Justiça do
Trabalho. Essa nova legislação trabalhista, trouxe novas bases para política de
regulamentação do trabalho e a organização política dos trabalhadores. Em 1940,
foi decretado o Imposto Sindical, que se constituiu em uma contribuição
compulsória anual equivalente a um dia de trabalho exigida de todos os
trabalhadores assalariados dos setores privados, independentemente de sua filiação
a qualquer sindicato, sendo esta recolhida pelas empresas e entidades
previdenciárias.

Cabe ressaltar que a criação deste imposto estava ligada à preocupação de impedir
o esvaziamento dos sindicatos atrelados ao poder estatal, entidades que tiveram
arrefecidas as suas funções políticas reivindicatórias e foram transformadas em
centros assistenciais complementares à Previdência Social. Os recursos arrecadados
através deste imposto foram utilizados para sustentar todo o funcionamento do
sindicalismo oficial, alimentar o Fundo Sindical destinado a manter programas
assistenciais amplos e para montar serviços assistenciais que constavam de: agência
de recolocação, assistência à maternidade, assistência médico-dentária, assistência
jurídica, cooperativa de crédito e consumo, colônias de férias e atividades
esportivas. Ainda naquele ano foi também decretado o Salário Mínimo Legal e
criado o Sistema de Alimentação de Previdência Social (SAPS), com o objetivo de
fornecer alimentação adequada aos trabalhadores.

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Ainda dentro do parâmetro ideológico de controle do proletariado, depois de


instituído o Ministério do Trabalho, já em 1942 havia a necessidade de autorização
expressa deste órgão para a realização de assembleias e reuniões de entidades da
classe operária; e em 1943, os dissídios coletivos só podiam ser provocados com a
sua autorização. Neste último ano, foi também decretada a Lei dos Dois Terços,
que estatuiu a obrigatoriedade das empresas contratarem esta proporção de
empregados brasileiros.

No seu reverso, essa lei trazia embutida a intenção de desmobilizar a liderança


operária composta, em sua maioria, por anarquistas estrangeiros e de absorver a
mão de obra disponível nas grandes cidades fruto do desenvolvimento capitalista na
agricultura que provocava o êxodo rural. Ainda neste mesmo ano, foi sancionada
por Getúlio Vargas, então presidente já no período do Estado Novo, a Consolidação
das Leis do Trabalho (CLT), que veio unificar toda a legislação trabalhista existente
no Brasil até então, tendo como objetivo regulamentar as relações individuais e
coletivas do trabalho, tanto urbano quanto rural. Assim, consagrou-se a
intervenção do Estado nos conflitos trabalhistas e a regulamentação explícita das
formas de negociação salarial e organização sindical.

Até o fim da década de 1940, quase todas as categorias de trabalhadores


assalariados urbanos estavam englobadas no sistema previdenciário estatal (à
exceção dos trabalhadores domésticos e os autônomos) e as instituições
assistenciais tinham como características oferecer benefícios indiretos aos
trabalhadores e subsidiar a parcela que se encontrava alijada do mercado de
trabalho, ou seja: aposentados, acidentados, viúvas, etc. A situação de carência do
proletariado era, pois, minimizada através de seguros, aposentadorias, pensões,
atenção médica, ensino, lazer, etc., atenuando assim as sequelas da exploração
capitalista.

Segundo Iamamoto,

“As políticas sociais ao pretenderem atuar sobre as sequelas da exploração


capitalista através de benefícios indiretos impostos e organizados burocraticamente
através do Estado, atuam como deslocadoras das contradições que se dão ao nível
das relações de produção, reproduzindo e projetando essas contradições em nível
das instituições assistenciais e previdenciárias... As instituições sociais e
assistenciais... convertem-se em instrumentos de controle social e político dos
setores dominados e de manutenção do sistema de produção...”

As crises política e social que precederam a desagregação do Estado Novo


culminaram com a deposição de Getúlio Vargas, em 1945, e com o aprofundamento
das contradições surgidas a partir da Segunda Guerra Mundial. Este contexto
ocasionou transformações importantes nos níveis social, econômico e político, e
trouxe a necessidade de um projeto integrador das elites que garantisse a
reprodução de sua dominação. A construção desse projeto pressupôs o
equacionamento de pontos críticos, sendo uma das opções para o enfrentamento
destes o reforço do assistencialismo como instrumento político.

As concepções do Plano Beveridge orientaram as ações e as práticas das


instituições sociais e assistenciais, fundadas neste instrumento, cerne de uma

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estratégia internacional do capitalismo. Na sequência, houve a retomada da


expansão da produção industrial nacional em face da pouca probabilidade de se
adquirir bens de produção no mercado internacional, retomada que veio
acompanhada de uma intensificação da exploração da mão de ora operária.

O esforço de reconstrução do pós-guerra, o combate ao comunismo e a expansão


do capitalismo internacional foram preocupações inerentes à década de 1950 e
exigiram um processo de modernização e ampliação de ações inerentes às políticas
sociais. Estas começaram a ter influência de organismos internacionais, como a
Organização das Nações Unidas (ONU), realimentadas por fundos internacionais e
orientadas segundo o modelo de Estado de Bem Estar Social. Dentro deste
contexto, no plano político, o populismo foi reforçado enquanto forma política de
legitimação do poder dominante, através da concessão de benefícios que
viabilizaram o apoio da população trabalhadora à burguesia detentora do poder.

No plano econômico, o Brasil entrou na era do desenvolvimentismo econômico,


dentro de uma perspectiva nacionalista. Sob o prisma social, com o aval da ONU,
Programas de Desenvolvimento de Comunidades foram incentivados com o objetivo
de integrar regiões e comunidades no esforço de reconstrução e retomada do
desenvolvimento no país. A partir daí, expandiram-se os programas de
alfabetização de adultos, formação de mão de obra, formação social e
desenvolvimento comunitário.

Conforme Sposati:

“As atividades promocionais, sob aparência redistributiva e de oferta de


oportunidades sociais,destinavam-se não tanto à melhoria das condições de
reprodução da força de trabalho, mas à preservação das condições possibilitadoras
da acumulação capitalista. E, ainda, as “soluções” implícitas nas políticas sociais
vão se tornando novos campos de investimento do capital, abertura de novos
mercados e de clientela, através da intermediação do Estado”. (Sposati, 1989)

Ressalta-se que no período entre 1946 e 1964, instrumentos legais foram criados
com vistas a viabilizar um governo democrático. Entretanto, o populismo, marca
das ações estatais assumidas pelo governo anterior, continuou sendo um traço
importante na relação Estado/sociedade.

Em relação a esta época, Medeiros(2001) ao citar Barcellos (1983) diz que:

“Em relação à Previdência Social, os problemas da unificação administrativa, da


universalização e da uniformização de benefícios e serviços constituíram-se na
tônica do período; na área da saúde, estiveram em evidência as questões ligadas ao
combate às doenças de massa e à ampliação da assistência médica; no setor
trabalho, as lutas sindicais e a política salarial mobilizaram as atenções dos
poderes públicos; no que diz respeito à educação, foram a democratização do
ensino e a qualificação profissional os aspectos que assumiram maior relevância;
finalmente, a constatação da existência de um expressivo déficit habitacional fez
com que a habitação passasse a ser encarada também como uma questão social.”
[Barcellos, 1983, p.89)

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Alguns autores colocam que este período foi caracterizado por um avanço no
processo de centralização institucional e por uma maior abrangência da proteção
social a novos grupos sociais, porém, dentro de um padrão seletivo, heterogêneo e
fragmentado. Grande parte dos programas pressupunham a contribuição prévia
ante a concessão de benefícios.

Houve a extinção das posturas nacionalistas a partir do Golpe Militar de 1964,


quando aconteceu a substituição da concepção nacional-desenvolvimentista pela
internacionalização e modernização, abrindo caminho para a ascensão do capital
estrangeiro no país. O Estado assumiu um caráter tecnocrático e aumentou
significativamente sua intervenção em todos os níveis da vida na formação social
brasileira, usando da repressão como instrumento de desmobilização e
desarticulação dos instrumentos de pressão e de defesa das classes. As lutas sociais
foram consideradas subversivas, pois no entendimento daquele governo,
perturbavam a ordem social imposta, assim como foram desconhecidos os direitos
de protesto, de crítica, de reivindicação e de organização.

As políticas públicas retomaram um enquadramento transnacional e houve um


reforço do caráter assistencial em sua aplicabilidade, pois nestes contextos
ditatoriais sempre houve a combinação da repressão com a benevolência e a
concessão de certos benefícios aliadas à exclusão das classes subalternizadas das
decisões que lhes dizem respeito.

Sob este clima, o governo militar operou alterações na estrutura institucional e


financeira das políticas sociais, implementando políticas de massa de cobertura
relativamente ampla, mediante a organização de sistemas nacionais públicos ou
regulados pelo Estado, visando a oferta de provisão de serviços sociais básicos.
Fundado em um regime fortemente repressivo, os governos militares restauraram
muitas das tradições corporativistas do Estado Novo (Barcellos, 1983), o que
representou uma retração dos movimentos dos trabalhadores. Através da expansão
e modernização das políticas sociais, neste período, o bloco dominante buscou
adesão e legitimidade.

Conforme nos coloca Faleiros:

“Nos Estados tipicamente autoritários, a negociação fica eliminada enquanto


reconhecimentos do conflito. O Estado estabelece “pacotes” sociais, sem discussão
e sem deliberação das forças subalternas, que são desarticuladas pela repressão
dominante.” (Faleiros, 2004)

O modelo de políticas sociais sob os governos militares baseava-se na premissa de


que o progresso social seria derivado do crescimento econômico, conforme
princípio da política econômica desenvolvimentista adotada no período. Tal
direcionamento econômico pressupunha a necessidade de acumulação de renda
para assegurar as bases do crescimento, sendo que a redistribuição desta renda se
daria posteriormente. Para implementar tal política, a repressão aos movimentos
sociais reivindicatórios tornou-se uma das estratégias com vistas ao
desenvolvimento nacional. Entretanto, a fim de compensar este estado de coisas e
garantir a estabilidade necessária, o Estado implementou políticas sociais de cunho
assistencialistas.

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Estas, porém, perderam o caráter populista e assumiram um caráter


compensatório, viabilizado através das ações assistencialistas que buscavam
minimizar a crescente desigualdade advinda da aceleração do desenvolvimento
capitalista. Além disso, tiveram um caráter produtivista quando se formulava
políticas que visavam contribuir também com o processo de crescimento
econômico. Medeiros(2001) exemplifica esta situação citando as políticas de
educação que buscavam atender às demandas por trabalhadores qualificados e
aumentar a produtividade da mão de obra semiqualificada.

3 - INSTITUIÇÕES ASSISTENCIAIS E OUTRAS


INICIATIVAS DE SUPORTE À POLÍTICA SOCIAL ESTATAL

Durante o período analisado até aqui, em consonância com os objetivos de


incremento do capitalismo, foram criadas instituições sociais que tiveram por
objetivo, além da prestação de assistência, dar viabilidade ao incremento do
desenvolvimento capitalista no país. Abaixo discorreremos sobre algumas delas.

Corroborando o pensamento de controle das massas menos favorecidas, em


sequencia ao engajamento do Brasil na Segunda Guerra Mundial foi organizada, em
1942, a partir da iniciativa de particulares, a Legião Brasileira de Assistência,
primeira grande instituição nacional de assistência social que teve como objetivo
primeiro, dentro de um parâmetro assistencialista, assistir às famílias dos homens
convocados para combater no conflito. Posteriormente, ela passou a atuar em
todas as áreas de assistência social, tendo como diretriz a assistência à
maternidade e a infância, à velhice, aos doentes, aos necessitados e aos
desvalidos; a promoção de ações que visassem à melhoria da alimentação e da
habitação dos grupos menos favorecidos; a difusão da educação popular; o
levantamento do nível de vida dos trabalhadores e a organização racional de seus
lazeres.

Ela acabou sendo encampada e financiada pelo governo com o concurso das
grandes corporações, tais como a Confederação Nacional da Indústria e a
Associação Comercial, e teve também a colaboração das senhoras da sociedade. Foi
uma instituição organizada sobre uma estrutura nacional, com órgãos centrais,
estaduais e municipais; mobilizou e coordenou obras particulares e instituições
públicas; e supriu as deficiências da rede assistencial através de iniciativas
próprias. Funcionou também como repassadora de verbas para obras assistenciais
particulares.

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Ainda no ano de 1942 foi inaugurado o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial


(SENAI), instituição que se enquadrou dentro de um complexo de ações
assistenciais e educativas necessárias à conformação da força de trabalho às
demandas da indústria em expansão.

Em 1946, foi oficializado, através de Decreto-lei, uma instituição de assistência aos


trabalhadores da indústria: o Serviço Social da Indústria (SESI). A criação desta
entidade foi uma postura do Estado que visou institucionalizar a iniciativa da
burguesia industrial frente à organização e a gerência de mecanismos assistenciais
unificadores de iniciativas já existentes em várias empresas. A entidade foi gerida
pela corporação empresarial e sua institucionalização se deu em face da
constatação das dificuldades advindas do pós-guerra e do princípio de que o Estado
teria o dever de contribuir não só diretamente como também incentivar a
cooperação das classes através de iniciativas que visassem à promoção do bem-
estar.

Contribuiu ainda para a organização de tal entidade a disponibilidade da


Confederação Nacional da Indústria, através de recursos próprios, em proporcionar
assistência social e melhores condições de habitação, nutrição e higiene ao
operariado; dar-lhe assistência em relação aos problemas domésticos decorrentes
das dificuldades da vida, etc.; e assim desenvolver a solidariedade entre
empregados e empregadores, incentivando o espírito de justiça social e
contribuindo para o bem-estar do trabalhador na indústria. Essa postura da
burguesia industrial evidencia a adesão do empresariado à política de controle do
proletariado através do mecanismo assistencialista.

Não obstante a promoção de ações assistenciais, a indústria demandou do Estado a


extensão da educação, a ampliação da Previdência Social, a criação de
cooperativas de consumo e de outras iniciativas que possibilitassem maior
assistência às famílias operárias, a elevação do nível de renda da população e da
qualidade da alimentação do trabalhador, através do barateamento dos alimentos,
com o objetivo de também manter a reprodução da mão de obra necessária à
acumulação do capital.

Também em 1946, sob o governo de Eurico Dutra, surgiu a Fundação Leão XIII,
oficializada por Decreto-lei da presidência da República. Foi a primeira grande
instituição assistencial que teve como objetivo trabalhar com os habitantes das
grandes favelas que, já naquela ocasião, concentravam significativa parcela da
população pobre dos grandes centros urbanos industriais, principalmente na cidade
do Rio de Janeiro, então Capital federal.

Segundo Marilda Iamamoto:

“As grandes favelas serão um dos pontos de encontro e aglutinação, nos grandes
centros industriais, dessa multidão de miseráveis mantidos na ociosidade forçada
em contrapartida ao trabalho excessivo de outras parcelas da população
trabalhadora: desempregados, subempregados, vítimas da indústria (mutilados,
viúvas, órfãos, crianças abandonadas, etc.), aposentados, elementos refugados

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pelo mercado de trabalho, seja pela idade, incapacidade de adaptar-se às novas


situações e, ainda, vagabundos, criminosos, prostitutas, etc., segmentos que caem
no banditismo ou lumpesinato; conjunto onde é marcante a presença de
populações recentemente expulsas do campo.”

A Fundação teve como objetivo a recuperação desta população, tendo em vista a


“extrema precariedade material e moral” que ela atravessava. Contou com apoio
do Estado e da hierarquia da Igreja Católica para realizar o trabalho a que se
propunha, que teve como um de seus princípios importantes uma ação político-
assistencial que visou contrapor-se à organização autônoma dos moradores das
favelas com vistas a barrar, em seu meio a difusão de ideias comunistas. A
instituição dispôs também de estrutura própria que teve como base a implantação
nas favelas de Centros de Ação Social (CAS) que prestavam serviços de saúde, tais
como: higiene, pré-natal, higiene infantil, clínica médica, lactário, tratamento
dentário, pequenas cirurgias e farmácia.

Estes Centros ofereciam também o trabalho do assistente social na modalidade de


Serviço Social de Casos Individuais (triagem, inquéritos, visitas, seleção,
orientação, tratamento, encaminhamentos, auxílios) e de Serviço Social de Grupos
que trabalhava recreação e lazeres educativos. Contaram ainda com projetos de
educação popular (de caráter confessional ou filantrópico), com vistas a
regeneração das populações desvalidas e carentes, que constavam de: educação
sanitária, educação alimentar, educação sexual e profilaxia das doenças venéreas,
educação religiosa, etc.,numa perspectiva de promoção social.

Segundo Sposati:

“ … A assistência se mesclava com as necessidades de saúde, caracterizando o que


se poderia chamar de binômio de ajuda médico-social. Isto irá se refletir na própria
constituição dos organismos prestadores de serviços assistenciais, que manifestarão
as duas faces: a assistência à saúde e a assistência social...” (Sposati, 1989)

Em relação à assistência aos indivíduos menores de idade, em 1941 houve a criação


do Serviço de Assistência ao Menor, enquanto um desdobramento do Código de
Menores, e em 1964, foi criada a Funabem, órgão normativo nacional responsável
pela elaboração e implantação da Política Nacional de Bem-Estar do Menor, que
operava através de convênios de colaboração técnica e financeira no nível estadual
e municipal.

Em 1960 foi instituída a Lei Orgânica da Previdência Social que unificou os critérios
de concessão de benefícios dos diversos institutos e os ampliou, assegurando o
auxílio-natalidade, auxílio-funeral, auxílio reclusão e assistência social. Em 1966,
houve a unificação, uniformização e centralização da previdência social, no
Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), hoje Instituto Nacional de
Seguridade Social (INSS). Essa reforma previdenciária tirou dos trabalhadores a
gestão da Previdência Social que passou a ser tratada como uma questão técnica.

No que tange ao trabalhador, em 1966 foi criado o Fundo de Garantia por tempo de
Serviço (FGTS), instrumento que garantiu a possibilidade de rotatividade da mão de

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obra, pois eliminou a estabilidade do trabalhador que, antes deste dispositivo, não
podia ser dispensado após 10 anos de serviço na mesma empresa, a não ser por
justa causa. Neste período, foram instituídos ainda o Programa de Integração Social
(PIS), o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (FUNRURAL) que se constituiu
em uma previdência rural que se manteve através de uma pequena taxação dos
produtores; e os Centros Sociais Urbanos (CSU).

Para a viabilização da então diretiva dada à execução da política social, na época,


houve ainda uma expansão dos organismos estatais com a criação do Ministério da
Previdência e Assistência Social (MPAS); do Conselho de Desenvolvimento Social
(CAS), da instituição do Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social (FAS). Foi criado
ainda o Sistema Financeiro da Habitação (SFH) que impulsionou um grande
crescimento das empreiteiras.

Em 1974, foi criado o Ministério da Previdência e Assistência Social, órgão que


incorporou a LBA, a fundação Nacional para o Bem-estar do Menor (Funabem), a
Central de Medicamentos (CEME) e a Empresa de Processamento de Dados da
Previdência Social (Dataprev). Esse complexo, em 1977, se transformou no Sistema
Nacional de Assistência e Previdência Social (Sinpas) que incorporou também o
INPS, o Instituto Nacional de Assistência Médica (Inamps) e o Instituto Nacional de
Administração da Previdência Social (Iapas). A assistência social, naquela época,
era implementada, basicamente, pela rede conveniada e pela LBA. Ainda no ano de
1974, foi criada a Renda Mensal Vitalícia destinada aos idosos pobres, no montante
de meio salário mínimo. Foi ainda aberto espaço para a saúde, a previdência e a
educação privadas, estabelecendo um sistema dual de acesso ás políticas sociais,
ou seja, aqueles que podiam pagar passaram a usufruir os serviços privados.

Segundo Bravo (1996 e 2000), citada por Behring e Boschetti,

“Nessa associação entre previdência, assistência e saúde, impôs-se uma forte


medicalização da saúde, com ênfase no atendimento curativo, individual e
especializado, em detrimento da saúde pública, em estreita relação com o
incentivo à indústria de medicamentos e equipamentos médico-hospitalares,
orientados pela lucratividade.”

As ações assistenciais advindas tanto do Estado quanto da iniciativa privada, que tiveram lugar
desde o início do século passado, foram reflexos das sequelas da questão social provocadas,
principalmente, pelo incremento da industrialização no país. Este processo deu origem a uma
classe operária que, através de sua paulatina organização, se constituiu em uma importante
força social e política, com potencial para desestabilizar o status quo dominante determinado
pela classe burguesa, detentora do capital. A partir dessa organização proletária significativa, os
capitalistas, com o concurso do Estado e de iniciativa da Igreja Católica promoveram iniciativas,
sendo que, paulatinamente, muitas delas foram se constituindo em ações encampadas e
oficializadas pelo poder estatal, embasando políticas sociais.

4 - O COMPONENTE ASSISTENCIAL NAS POLÍTICAS


SOCIAIS

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Capítulo 4: Serviço Social e Política Pública

A assistência é prática antiga na humanidade e pode ser definida como auxílio,


e/ou socorro, necessária tanto do ponto de vista material quanto moral, tendo
lugar onde quer que haja uma falta. Todo o ser humano é alvo de sua atenção, ou
seja: pobres, viajantes, famintos, desabrigados, doentes, incapazes, tristes,
impacientes, desesperados e outros. Ao longo do tempo, grupos filantrópicos e
religiosos foram instituindo práticas de ajuda e apoio que se baseavam na
compreensão de que sempre haverá aqueles mais frágeis que não conseguirão
reverter a sua condição de incapazes e necessitarão da ajuda de terceiros.

4.1 - Histórico da prática da assistência:

Desde a Antiguidade, a prática assistencial esteve associada à noção de caridade.


Concretizava-se na ajuda em forma de esmolas esporádicas, visitas domiciliares,
doação de alimentos, roupas, calçados e outros bens materiais com a finalidade de
diminuir o sofrimento das pessoas necessitadas.

Com o advento do Cristianismo, houve a ampliação da base de tal prática,


fundamentada agora não só na caridade, mas também na justiça, considerando-se
ainda a dimensão espiritual da assistência. A ação passou a envolver a realização
de inquéritos sociais e visitas domiciliares para se constatar as necessidades dos
solicitantes de ajuda. Com a organização da Igreja Católica a tarefa de dar
assistência foi assumida por esta instituição religiosa, função que foi delegada aos
seus membros leigos e, depois, estendida às confrarias (associações com fins
religiosos).

Como passar do tempo, já na Era Medieval, instituições de caridade foram abertas


tanto por campanhas religiosas quanto pela caridade leiga. Neste período, a
assistência era vista como uma forma de controlar a pobreza. Fosse ela prestada
pela Igreja ou pela burguesia, havia sempre outras intenções além da prática da
caridade, ou seja, através dela pretendia-se perpetuar a servidão e confirmar a
submissão dos menos favorecidos. A Reforma Protestante de Martin Lutero,
acontecida no Século XVI, proclamou a superioridade da fé em relação à caridade;
da religiosidade interna em vez das manifestações externas e a organização da
assistência como responsabilidade do Estado, ou seja, organizada em bases laicas.
No Século XVII, São Vicente de Paula tentou restabelecer as bases cristãs da
assistência, recuperando o esquema das confrarias e envolvendo os leigos na sua
prática.

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Capítulo 4: Serviço Social e Política Pública

A Revolução Francesa , que se deu no século XVIII, via a assistência como um


direito do cidadão e atribuía a todos o dever de prestá-la. NoSéculo XIX houve a
necessidade de racionalizar esta prática, fato que fez surgir uma aliança entre a
alta burguesia inglesa com o Estado e a Igreja, nascendo assim a Sociedade de
Organização da Caridade (C.O.S), tida como primeira proposta de prática do
Trabalho Social especializado. Dentro desta perspectiva, Thomas Chalmers foi um
pastor que defendeu a ideia da caridade tornar-se uma ciência, operacionalizada a
partir de normas e critérios científicos para eliminar o risco de envolvimento
emocional entre os agentes e aqueles que recebiam a assistência. Com o passar do
tempo a higiene e a educação foram tidas como complementares à prática
assistencial, pois as sofríveis condições de vida da classe trabalhadora viabilizava a
ocorrência de doenças endêmicas e profissionais e elevava o nível de mortalidade
das pessoas.

A assistência desenrolou-se historicamente como doação de auxílio, revestida pela forma de


tutela, de benesse, de favor, através de uma prática imediatista e circunstancial que mais
reproduziu a pobreza e a desigualdade, neutralizando demandas e reivindicações. Voltou-se
para parcela de pessoas menos favorecidas economicamente, de forma temporária, emergencial
e descontínua, quando oferecida em situações específicas (catástrofes, atendimento à fome,
etc...).

Do ponto de vista histórico, a assistência sempre desempenhou algumas funções,


sendo elas: a econômica, a fim de garantir a expansão do capital; a função
ideológica, enquanto repressão da organização da classe trabalhadora e de sua
expressão política com o objetivo de deter o avanço do movimento operário; e a
função de controle do processo social e das condições de vida da massa
pauperizada, ajustando-a aos padrões estabelecidos pela burguesia.

4.2 - A Assistência e o Estado

Quando o Estado brasileiro passou a reconhecer a questão social como uma questão
política e assumir o seu equacionamento, a assistência começou a configurar-se
como uma área programática da ação governamental para prestação de serviços e
como mecanismo político para amortecimento de tensões sociais, adquirindo assim
nova amplitude. Além da criação de programas de assistência imediata aos
necessitados, o Estado assumiu a prestação de serviços sociais básicos e os
programas de desenvolvimento comunitários para comunidades e regiões
“estagnadas” socioeconomicamente.

Assim, a assistência nas políticas sociais públicas passou a ser considerada como
uma área específica de despesa do governo e tomou diversas denominações, tais
como: a assistência comunitária, a assistência social, podendo esta última ser
qualificada como um subprograma de políticas tais como: de saúde, habitacional,
educacional, ou como uma área específica da própria política social.

A presença do assistencial nas políticas sociais configura e conforma o usuário em


“beneficiário assistido”, entretanto é campo concreto de acesso aos bens e serviços
da população pauperizada, configura as políticas sociais como compensatórias de

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carências, e conforma a vida do trabalhador em condições precárias, conforme o


entendimento de Aldaíza Sposati. (1989)

Esta mesma autora pontua que em suas ações o Estado reforça o vínculo aparente
do assistencial porque este lhe permite responder às demandas colocadas de forma
precária e insuficiente, além de reiterar a tutela. Há nele uma tendência em
transformar os trabalhadores que recorrem aos programas assistenciais sob sua
chancela em grupos dependentes e frágeis, sem condições próprias de reversão de
seu quadro de pobreza.

Sob este prisma, “a assistência se dirige à marginalidade social urbana causada


pela insuficiência de renda, aspectos socioculturais e psicológicos de
dependência.” (Sposati, 1989)

Entretanto, seguindo o pensamento de Sposati, o equacionamento da pobreza e das


demais demandas de uma população passam pelas reivindicações vindas dos
movimentos organizados, pela luta em face do atendimento de suas carências e,
fundamentalmente, pela percepção de que necessidades não são resultantes de
posturas individuais e sim uma situação coletiva. Tal ponto de vista descaracteriza
a assistência como prática dirigida a grupos minoritários ou a necessidades
individuais ou emergenciais, além de fragilizar a exigência de critérios pessoais de
elegibilidade da demanda, criando a possibilidade das políticas sociais
resguardarem a universalidade de acesso aos direitos sociais inerentes a todos os
cidadãos.

5- O ESTADO E AS POLÍTICAS SOCIAIS


Somente o Estado tem legitimidade para gerir relações entre os interesses do
capital e os inerentes aos trabalhadores por representar a organização geral da
sociedade e ter o poder instituído de se impor e, ao mesmo tempo, ser reconhecido
por esta mesma sociedade. A maneira pela qual ele equaciona estas relações varia
conforme os contextos históricos que dizem respeito ao desenvolvimento das
condições sociopolíticas e econômicas que se realizam através de lutas e pressões
das diferentes forças sociais em situação por seus interesses. Consequentemente,
as políticas sociais se situam nesta complexa articulação de forças e pressões.

O Estado brasileiro insere-se numa perspectiva neoliberal, razão pela qual


avaliamos ser pertinente fazermos algumas rápidas considerações sobre esta forma
de estruturação e organização estatal.

5.1 - O Estado Neoliberal

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O Estado neoliberal conforma-se dentro de um prisma sob o qual a economia e o


trabalho têm sua regulação realizada pelo livre mercado. Sua estruturação parte do
pressuposto de que é o seu livre e ilimitado funcionamento que regula as relações
econômicas e sociais e maximiza o bem-estar coletivo. Neste caso, a sua
intervenção nas instâncias sociais deve ser mínima e deve se dar na direção de
proporcionar a base legal para o mercado potencializar os “benefícios aos
homens”. Historicamente, esta forma de se conceber a estruturação da ação
estatal adveio das ideias liberais da burguesia europeia relativas à ética, à política
e à economia em oposição à forma de ver o mundo da nobreza feudal.

Fazendo uma recapitulação da história, constatamos que no primeiro momento de


sua constituição, a classe burguesa apoiou a existência de governos monárquicos
autoritários porque precisava de um Estado forte e interventor para assegurar seus
interesses. Posteriormente, ao se sentir suficientemente fortalecida, passou a
reivindicar autonomia e, portanto, a defender a separação entre Estado e
sociedade, entendendo estar nesta última o espaço no qual os indivíduos realizam o
conjunto de suas atividades particulares, sobretudo as de natureza econômica.
Para que houvesse essa cisão, porém, haveria a necessidade da dimensão pública
ser separada da dimensão privada e, consequentemente, haver a redução ao
mínimo da intervenção do Estado na vida de cada indivíduo.

Ante este ponto de vista, no que tange ao prisma político, as ideias liberais
burguesas se constituíram contra o absolutismo da realeza europeia e pregaram a
legitimação do poder no consentimento dos cidadãos, através das instituições do
voto e da representação, da autonomia dos poderes e da limitação do poder
central. No aspecto ético, o liberalismo supôs a prevalência do estado de direito,
rejeitando o arbítrio, as lutas religiosas, as prisões sem culpa formada, a tortura e
as penas cruéis adotadas pelas monarquias. Pregou a garantia de direitos
individuais como a liberdade de pensamento, expressão e religião. Sob o paradigma
econômico, tais ideias se opuseram inicialmente à intervenção do poder dos reis
nos negócios, ingerência esta que se fazia por meio de procedimentos típicos da
economia mercantilista num contexto onde já se esboçava o desenvolvimento do
capitalismo.

As ideias liberais foram desenvolvidas por alguns pensadores dos séculos XVIII e XIX
e consolidaram a defesa da propriedade privada, dos meios de produção e de uma
economia de mercado baseada na livre iniciativa e na competição. O Estado
mínimo, ou seja, o Estado não intervencionista foi entendido como a forma de
estruturação viável deste organismo para assegurar o livre mercado porque os
defensores deste pensamento acreditavam (e acreditam) que o equilíbrio de todas
as dimensões inerentes à estruturação da vida pode ser alcançado pela lei da
oferta e da procura.

Segundo Behring e Boschetti, à medida que a sociedade burguesa foi se


consolidando, esse raciocínio tornou-se hegemônico, ao lado do entendimento de
que o trabalho do homem é em si é uma atividade benéfica e edificante, sendo o
seu fruto o progresso (pensamento inerente à ética do trabalho). Sob a sua égide
tem-se que a sociedade alicerça-se no mérito atribuído a cada indivíduo em
potencializar as suas capacidades tidas como supostamente naturais; e veicula-se

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que o Estado não deveria intervir na regulação das relações de trabalho nem se
preocupar com o atendimento das necessidades sociais. Paradoxalmente, porém,
ele deveria agir ante a garantia dos interesses liberais de estabelecimento do
mercado livre na sociedade civil.

As citadas autoras fazem uma síntese de alguns elementos essenciais do liberalismo


a fim de contribuírem para a compreensão da lógica que justificou a defesa da
reduzida maneira de intervenção estatal nas políticas sociais, naquele período, a
qual abordaremos a seguir:

a) o predomínio do individualismo: os liberais consideram o indivíduo como sujeito


de direito e não a coletividade;
b) o bem-estar individual maximiza o bem estar coletivo: a partir do momento que
cada um, individualmente, procura a garantia de seu bem-estar e o de sua família
por meio da venda da força de trabalho no mercado, todo o coletivo da sociedade
atinge uma situação de bem-estar;
c) o princípio do bem-estar individual se funda no princípio da liberdade em
detrimento da igualdade.
d) predomínio da liberdade e da competitividade: instâncias entendidas como
formas de autonomia do indivíduo para decidir o que é melhor para si e lutar por
isso;
e) naturalização da miséria: este estado seria natural e insolúvel, pois decorre da
imperfectibilidade humana ( e não do acesso desigual à riqueza socialmente
produzida);
f) predomínio da lei da necessidade: as necessidades humanas não devem ser
plenamente supridas, pois a sua manutenção é um eficaz instrumento de controle
do crescimento populacional e do consequente controle da miséria (ideia baseada
nas teses de Malthus);
g) manutenção de um Estado mínimo: o Estado deve assumir uma conduta neutra
ante a sociedade, exercendo a função de legislador e árbitro,assim como deve
desenvolver somente ações complementares ao mercado. Deve intervir visando
apenas a regulação das relações sociais para garantir a liberdade individual, a
propriedade privada e assegurar o livre mercado.
h) As políticas sociais estimulam o ócio e o desperdício: o Estado não deve garantir
políticas sociais porque os auxílios sociais contribuem para reproduzir a miséria,
desestimular o interesse pelo trabalho e gerar acomodação, riscos iminentes para a
sociedade de mercado;
i) As políticas sociais devem ser um paliativo: ao Estado cabe assegurar assistência
mínima somente àqueles que não tem condições de competir no mercado de
trabalho (crianças, idosos e deficientes). Para os liberais a pobreza deve ser
minimizada pela caridade privada.

Behring e Boschetti colocam que, apesar do Estado social capitalista do século XX


ter mudado a sua perspectiva e, consequentemente, abrandado a aplicação dos
princípios liberais, incorporado orientações social-democratas e assumido um
caráter mais social que considera investimentos em políticas sociais, ele não
rompeu radicalmente com as ideias inerentes ao Estado liberal. Acrescentam que,
entretanto, a mobilização e organização da classe trabalhadora foram
determinantes para essa mudança da natureza do posicionamento estatal liberal,

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diante de sua luta na direção da legitimação de direitos políticos, ou seja, de


direitos coletivos inerentes a todos os cidadãos. Esta postura dos trabalhadores
contribuiu de forma importante para a ampliação dos direitos sociais.

5.2 - O Brasil e o neoliberalismo

No Brasil, o contexto de florescimento das ideias liberais apresentou características


diferenciadas, tendo em vista o perfil de sociedade instaurado no país, desde a sua
colonização, caracterizado pela dependência. Os princípios do liberalismo foram
assumidos pela elite dominante, principalmente a partir da independência do país,
e direcionados a esta mesma elite, ou seja, sem incorporação das massas. Apesar
deste pensamento ter trazido uma mudança cultural à classe hegemônica e a
modernização da organização dos poderes, tal paradigma não conseguiu dinamizar
uma ordem nacional autônoma.

Nas instituições do Estado houve a adoção do formato moderno e liberal, mas


internamente elas continuaram sendo regidas por relações clientelistas. Houve uma
dicotomia pautada no fato das ideias liberais pregarem o trabalho livre e a
economia do país alicerçar-se no sistema escravocrata, sendo que este último
impactou a transição de um estado de coisas para o outro. O trabalho livre,
portanto, surgiu articulado, estrutural e dinamicamente, ao paternalismo e ao
conformismo impostos pela sociedade da época, trazendo ainda as marcas do
escravismo.

“O Estado brasileiro nasceu sob o signo de forte ambiguidade entre um liberalismo


formal como fundamento e o patrimonialismo como prática no sentido da garantia
dos privilégios das classes dominantes. O desenvolvimento da política social entre
nós acompanha aquelas fricções e dissonâncias e a dinâmica própria da
conformação do Estado.” (Fernandes(1987) apud Behring e Boschetti, 2008)

O fundamental nesse contexto do final do século XIX e início do século XX, é compreender que
nosso liberalismo à brasileira não comportava a questão dos direitos sociais, que foram
incorporados sob pressão dos trabalhadores e com fortes dificuldades para sua implementação e
garantia efetiva. (Behring e Boschetti , 2008:81)

Tal ponto de vista assumido principalmente após a Proclamação da República, foi


perdendo força a partir da terceira década do século XX e, principalmente, após a
Segunda Guerra Mundial, época em que houve a retomada do discurso, em nível
mundial, da necessidade de um Estado interventor para reativar a produção diante
da demanda de reconstrução de países destruídos pelo conflito global.

As ideias do economista e filósofo inglês John Maynard Keynes (1883-1946)


encontraram solo fértil ao considerar necessário aliar a eficiência econômica à
liberdade individual com a atenção à justiça social. Esse pensador questionou
alguns pressupostos clássicos e neoclássicos da política econômica liberal e propôs
medidas estatais intervencionistas a fim de garantir a regulação da economia, com
investimentos para empresas e pleno emprego. Ele acreditava que o Estado deveria
intervir na área econômica para evitar a insuficiência de demanda efetiva

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(demanda que reúne bens e serviços para os quais há capacidade de pagamento) e


assim evitar uma consequente crise na economia e o desemprego.

Ele pregou ainda a ingerência do Estado em ações assistenciais de atendimento aos


trabalhadores e a construção de obras públicas para amenizar o desemprego.
Defendeu a liberdade individual e a economia de mercado, mas dentro de uma
lógica que rompia com os dogmas do liberalismo conservador, colocando em
questão a autorregulação da economia.

Na visão Keynesiana, o Estado é tido como um agente externo, neutro e com a


função de árbitro com vistas ao bem comum, além de produtor e regulador sem
abandonar os princípios capitalistas. Ele tem o papel de restabelecer o equilíbrio
econômico, através das políticas fiscais, de crédito e de gastos. Dentro deste perfil
tem “legitimidade para intervir por meio de um conjunto de medidas econômicas e
sociais, tendo em vista gerar a demanda efetiva, ou seja, disponibilizar meios de
pagamento e dar garantias ao investimento, até mesmo contraindo déficit público
para controlar o volume de moeda disponível e as flutuações da economia (Behring
e Boschetti,2008;85).

Tal intervenção do Estado, na perspectiva keynesiana, previa um programa fundado


no pleno emprego e na maior igualdade social, conseguidos através da geração do
emprego dos fatores de produção via produção de serviços públicos; e do aumento
da renda e de maior igualdade por meio de serviços públicos, dentre eles as
políticas sociais.

O Estado, na perspectiva keynesiana, passa a ter um papel ativo na administração


macroeconômica, ou seja, na produção e regulação das relações econômicas e
sociais. Nessa perspectiva, o bem-estar ainda deve ser buscado individualmente no
mercado, mas se aceitam intervenções do Estado em áreas econômicas para
garantir a produção, e na área social, sobretudo para as pessoas consideradas
incapazes para o trabalho: idosos, deficientes e crianças. Nessa intervenção global,
cabe, portanto, o incremento das políticas sociais. (Behring e Boschetti,2008;86)

5.3 - Welfare State ou Estado de Bem-Estar Social

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Dentro desta perspectiva, foi implementado o Welfare State ou Estado de Bem-


Estar Social, como é conhecido no Brasil, concepção política e social de gestão da
assistência social pública em seus diversos níveis. Logo, seria impossível versar
sobre política social sem considerá-lo.

Uma definição significativamente ampla dada a esse direcionamento impingido à


política social em sociedades capitalistas o compreende como a mobilização, em
larga escala, do aparelho de Estado a fim de executar medidas orientadas
diretamente ao bem-estar de sua população. Esta modalidade de atenção às
necessidades foi adotada em nível mundial, guardando características próprias
relativas ao grau de desenvolvimento das forças produtivas de cada país onde foi
implantado.

Conforme Behring e Boschetti (2008), as análises internacionais comumente adotam


como parâmetros de referência para se estudar o Welfare State o modelo
beveridgiano, e o modelo bismarckiano.

Segundo Mishra citado por Behring e Boschetti (2008), os princípios que


estruturaram Welfare State na maior parte dos países que o implantaram, foram
aqueles apontados no Plano Bevedge, ou seja: em primeiro lugar a responsabilidade
do Estado em manter as condições de vida dos cidadãos através de um conjunto de
ações que pressupusessem medidas de regulação da economia de mercado a fim de
manter o nível de emprego; a prestação pública de serviços sociais universais
(educação, segurança social, assistência médica e habitação, etc) e serviços sociais
pessoais. Em segundo lugar a universalidade dos serviços sociais, e em terceiro a
implantação de uma rede de serviços de assistência social.

O papel do Welfare State nos países industrializados da América do Norte e da


Europa Ocidental seria o de compensar a debilidade do mercado em adequar, no
plano da economia, os níveis de oferta e demanda agregada; controlar
politicamente as organizações de trabalhadores e capitalistas no plano social; além
de estimular a mercantilização da força de trabalho ao administrar alguns dos
riscos inerentes à relação trabalhista, principalmente na indústria, e ao transferir
ao Estado parte das responsabilidades pelos custos de reprodução da força de
trabalho. Assim, o padrão e o nível de industrialização, a capacidade de
mobilização dos trabalhadores, a cultura política do país, a estrutura das coalizões
determinaram a configuração do Welfare State, nos países que o adotaram.

Alguns autores entendem que o Welfare State, através das políticas sociais
implantadas sob as suas diretrizes, trouxe um aumento à capacidade de consumo
das famílias dos trabalhadores e se traduziu em gastos estatais em habitação,
transporte e saneamento, o que incentivou a expansão da demanda agregada e o
desenvolvimento tecnológico. Além disso, propiciou a socialização dos custos
referentes aos riscos do emprego industrial e à reprodução da força de trabalho,
liberando reservas de capital privado para investimentos em outras áreas e
mantendo um exército industrial de reserva que garantia mão de obra em diversos
níveis de qualificação.

5.3.1 - O surgimento do Welfare State no Brasil

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O contexto de surgimento e desenvolvimento do Welfare State no Brasil é diferente


daqueles observados nos países europeus e norte-americanos, não só pela posição
diferenciada do nosso país na economia mundial, mas também por suas
peculiaridades históricas. Em nosso país, alguns autores colocam que suas
protoformas surgiram já com as parcas iniciativas relativas à instituição das
políticas sociais na década de 1920, estendendo-se até meados da década de 1970
do século passado. Informam que ele surgiu com o caráter de regular aspectos
relativos à organização dos trabalhadores assalariados dos setores modernos da
economia e da burocracia, a partir de decisões autárquicas, tendo um caráter
predominantemente político.

Nessa perspectiva, o Estado de Bem-estar social brasileiro, principalmente após a


Segunda Guerra Mundial, expandiu as políticas sociais e a universalização de
direitos sociais ligados ao trabalho (salário mínimo, seguro-desemprego,
aposentadorias, pensões), além daqueles implementados pelas políticas de saúde,
educação, habitação, seguridade social.

Os críticos do Welfare State ou Estado de Bem-estar social argumentaram que a


proteção social que ele garantia, através de políticas redistributivas, era perniciosa
para o desenvolvimento econômico porque aumentava o consumo e diminuía a
poupança da população, esta última necessária aos investimentos estatais.

Segundo Behring e Boschetti:

“O período pós-1970 marca o avanço de ideais neoliberais que começam a ganhar


terreno a partir da crise capitalista de 1969-1973. Os reduzidos índices de
crescimento com altas taxas de inflação foram um fermento para os argumentos
neoliberais criticarem o Estado social e o consenso do pós-guerra, que permitiu a
instituição do Welfare State”.

Concomitantemente, as teorias keynesianas, que influenciaram a instituição do


Estado de Bem-estar social, também foram perdendo influência a partir da década
de 1970, quando passaram a ser criticadas pelo neoliberalismo, ou seja, pela
corrente de pensamento que retomou as ideias do liberalismo clássico. Houve,
então, a volta da defesa do ideal de um Estado mínimo, cuja ação deveria se
restringir ao policiamento, à operacionalização da justiça e à defesa nacional. Os
defensores de tal posicionamento pregaram que a diminuição da ingerência estatal
na dinâmica social não implicaria no enfraquecimento do Estado e sim no seu
fortalecimento, tendo em vista que ele teria reduzido os seus encargos. Os
defensores desta corrente pregaram o retorno à economia de mercado.

Para alguns autores, porém, a volta contundente das ideias neoliberais ocorreu
efetivamente no final da década de 1970, quando os governos de diversos países,
inclusive o Brasil, adotaram seus princípios nos programas governamentais que
desenvolveram, enterrando definitivamente a perspectiva adotada pelo Welfare
State.

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6 – O ESTADO E AS POLÍTICAS SOCIAIS NA


CONTEMPORANEIDADE

Para se conhecer a intenção do Estado na efetivação dos programas assistenciais,


na atualidade, é preciso analisar o seu formato burocrático, ocasião em que é
colocado em questão o seu aparato para viabilizar tais programas e o nível de
pressão dos trabalhadores em termos das questões e soluções que lhes dizem
respeito.

As fontes de financiamento se constituem em instrumento de análise das ações


estatais em face às intenções do Estado em dar continuidade (ou não) a políticas
públicas inerentes à solução dos problemas sociais, postura que pressupõe uma
articulação entre os aspectos econômico e político que, por sua vez, se relacionam
com a produção, o consumo e o capital. Diante disso, estas fontes podem derivar
da criação, pelo Estado, de receitas compulsórias captadas entre os proprietários
dos meios de produção e/ou da dedução de valores do salário dos trabalhadores.
Podem ainda advir de recursos públicos, através dos impostos arrecadados. Desta
forma, a assistência social, a educação, a saúde pública e o saneamento são
subsidiados pelo Imposto de Produtos Industriai (IPI), pelo Imposto de Circulação de
Mercadorias (ICM) e pelo Imposto de Renda (IR).

Estes são mecanismos de financiamento que recaem sobre o conjunto da classe


trabalhadora, seja através do processo de produção ou através do consumo,
estando inserido, portanto, nas relações capitalistas. É fato que os programas
sociais que se mantêm sob um prisma emergencial, estão mais vulneráveis a
variação do montante de investimento a eles destinados, pois os gastos
governamentais nesta área, além de forte tendência à descontinuidade, terminam
por representar, prioritariamente, os interesses do capital.

Entretanto, diante da diversificação e ampliação dos direitos sociais tais como:


saúde universal, benefícios assistenciais não contributivos (Benefício de Prestação
Continuada –BPC) e a expansão da previdência rural e urbana, uma base
orçamentária mais ampla foi demandadas, incluindo-se nesta o Orçamento Fiscal
da União, a criação da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social
(COFINS), da Contribuição sobre o Lucro Líquido das Empresas (CSLL) e a
Contribuição sobre Movimentação Financeira (CPMF), esta última hoje já extinta.

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Do ponto de vista estrutural, para Sposati (1989), uma das formas que o Estado
assume ao lidar com o manejo das políticas públicas é através da setorização e da
compartimentação de suas ações, com a criação de múltiplos programas e órgãos
que assumem maneiras diferenciadas, parceladas e desarticuladas de atendimento
à demanda colocada. Soma-se a este fato a autonomia relativa de cada setor da
ação governamental em relação aos outros e à sociedade. Há ainda o repasse da
execução de serviços sociais a entidades privadas e à sociedade civil, como
estratégia de conseguir solidariedade social, Assim sendo, as ações estatais são
diluídas entre o aparato próprio, conveniado e contratado com empresas privadas
que passam a ofertar serviços financiados pelo Estado.

Faleiros (2004) acrescenta que, geralmente, os programas estatais se apresentam


sob a forma de um serviço ou benefício, este último consistindo num auxílio dado
em certos casos específicos de perda ou diminuição da capacidade de trabalho a
fim de garantir um mínimo de subsistência ao trabalhador ou ao desempregado
pobre.

Retomando o pensamento de Sposati (1989), valorizar iniciativas da sociedade civil


e otimizar os recursos existentes torna-se uma orientação estatal técnica e que
traz complexa organização burocrática do trabalho, com a existência de setores de
treinamento, supervisão e coordenação das entidades sociais, enquadrando-as nas
prioridades governamentais. Em contrapartida, cria-se uma dependência
econômica destas instituições ao poder público ante as subvenções que elas
recebem dos níveis federal, estadual e municipal da administração pública.

Através destes auxílios pecuniários, é repassada às entidades sociais privadas o


compromisso de efetivar programas assistenciais de serviços de infraestrutura
social tais como: creches, asilos, centros de formação de mão de obra, centros de
reabilitação, etc. Com isto, o Estado descaracteriza tais funções como de sua
responsabilidade. Tais organismos privados estão muito ligados na gestão cotidiana
dos programas sociais, formando um só conjunto que, Faleiros chama de Estado
ampliado.

Soma-se a este quadro a burocracia estatal contábil que estabelece limites ao uso
de recursos, processos e instrumentos de ação, tendo como consequência um
reducionismo do atendimento assistencial a ajudas parciais e fragmentadas que se
esgotam prematuramente.

7 - AS POLÍTICAS SOCIAIS: PADRÕES ATUAIS


As últimas décadas do século XX sofreram mais efetivamente as consequências da
crise gestada na década de 1970, quando a política econômica adotada pelo regime
ditatorial começou a dar sinais de esgotamento. Esse fato trouxe consequências
nefastas às condições de vida e de trabalho da maioria da população do país,
rompendo com a teoria do pleno emprego keynesiana e com a configuração social
democrata das políticas sociais.

Os anos 1980 vivenciaram, de forma aguda, as consequências desta crise


econômica, com o agravamento do endividamento externo, ocasionado em sua

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maior parte pelo setor privado; a alta dos juros, levando à inflação; o desemprego,
causando o aumento do trabalho informal; o incentivo à exportação em detrimento
das necessidades internas do país; a dificuldade de formulação de políticas
econômicas eficazes que determinaram indicadores econômicos lamentáveis, fatos
que levaram à queda do investimento externo no país, bem como no setor público
que acabou se endividando e gerando gastos desequilibrados, situação que trouxe
forte impacto para as políticas sociais. Este contexto configurou ainda uma crise
política a partir do ressurgimento de movimentos sindicais e populares.

No início da mesma década, a política social manteve o caráter compensatório,


seletivo, fragmentado e setorizado, com o governo Sarney instituindo iniciativas
assistencialistas, como o Programa do Leite, voltado para instrumentalizar
associações populares.

Entretanto, um fato de destaque, neste período, foi a instalação da Assembleia


Nacional Constituinte que reforçou a redemocratização do país, após os duros anos
vividos sob a ditadura militar, trazendo de volta a perspectiva da retomada do
Estado democrático de direito. Esse movimento restituiu a possibilidade do respeito
ao pluralismo, o que proporcionou um amplo debate de ideias e de projetos
societários na disputa por hegemonia e, apesar do caráter conservador,
proporcionou avanços em alguns aspectos, dentre eles os direitos sociais com
destaque para os direitos humanos e políticos. Colocou também em discussão
propostas de estruturação de políticas orientada pelos princípios da
universalização, da responsabilidade pública e da gestão democrática; introduziu o
conceito de seguridade social que articula as políticas de previdência, saúde e
assistência social, além de ter proposto a instituição dos conselhos paritários de
políticas e de direitos.

A mobilização da sociedade em torno das discussões que orientaram os trabalhos na


Constituinte foi decisiva para a formatação legal dos direitos sociais no Brasil que,
segundo Behring e Boschetti (2004), se articularam sob inspiração beveridgiana. A
assistência social foi elevada à condição de política pública de seguridade, na
perspectiva de que suas ações saíssem do registro do clientelismo, do aleatório e
do improviso. Com relação à saúde, houve em 1986, a partir da VIII Conferencia
Nacional de Saúde a proposição da instituição do Sistema Único e Descentralizado
de Saúde (SUDS) e colocado o conceito de saúde integral, relacionado às condições
de vida e trabalho da população.

A política previdenciária também foi incluída na lógica da seguridade e ampliou


direitos (licença-maternidade de 120 dias, extensiva aos trabalhadores rurais e
empregados domésticos; direito de pensão para maridos e companheiros, etc.). No
que se refere a crianças e adolescentes, estes foram considerados sujeitos de
direitos e com prioridade absoluta ante à satisfação de suas necessidades, o que se
desdobrou, posteriormente, no Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990.
Processo semelhante aconteceu em relação aos idosos e deficientes.

Entretanto, o ordenamento constitucional manteve traços contraditórios quando,


por exemplo, comporta o conceito de universalização ao mesmo tempo em que
institui políticas com critérios seletivos. Este fato, entretanto, não encobriu as

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importantes conquistas sociais e políticas coroadas pela Constituição Federal de


1988 e que ocasionaram uma significativa reforma democrática do Estado
brasileiro.

Concomitante ao contexto explicitado acima, entre os anos de 1980 e 1990 houve


um significativo deslocamento do trabalho vivo para a automação, visando a
diminuição dos custos salariais diretos, fato que trouxe certa desvalorização do
trabalho individual, ocasionou um desemprego crônico e estrutural e acirrou as
contradições inerentes ao capitalismo. Esse fato inaugurou um período regressivo
para os trabalhadores, com uma correlação de forças desfavorável sob o prisma
político e da luta de classes, ocasionando um processo de desorganização política
da resistência operária e popular.

Do ponto de vista econômico, houve a mundialização da economia, fato que


implicou uma redivisão internacional do trabalho e demandou um novo perfil das
políticas econômicas e industriais a serem desenvolvidas pelos governos dos países.
Houve, então, um rebatimento destas circunstancias na relação Estado/sociedade
civil, com fortes implicações no desenvolvimento de políticas públicas e sociais,
pois em um contexto globalizado os Estados-nação têm sua autonomia limitada e
sua soberania afetada por circunstâncias que representam desafios para a
democracia.

Na década de 1990, em meio a uma significativa crise política e econômica, houve


a predominância do discurso oficial em torno da necessidade de serem efetivadas
reformas no Estado no sentido de retirá-lo de suas funções produtivas e orientá-lo
para a preservação do mercado, “numa espécie de reformatação do Estado
brasileiro para adaptação passiva à lógica do capital.” (Behring e Boschetti, 2004).
O sentido das propaladas mudanças foi definido por fatores estruturais e
conjunturais externos e internos e tinha em seu centro o ajuste fiscal. Pretendia-se
corrigir distorções e reduzir custos. Foi dada ênfase à reforma da Previdência
Social, desprezando-se conquistas alcançadas em 1988 no terreno da seguridade
social, bem como privilegiadas às privatizações.

Cabe aqui algumas considerações sobre a questão das privatizações: elas


aconteceram com a venda do patrimônio público ao capital estrangeiro e a
consequente remessa de dinheiro para o exterior, causando desemprego e
desequilíbrio na balança comercial. No campo das políticas sociais públicas ela
promoveu um movimento de transferências patrimoniais e um processo de
supercapitalização; gerou ainda uma dualidade de acesso aos serviços entre
aqueles que podem e os que não podem pagar por eles; e propiciou a possibilidade
de lucratividade ao capital através da instituição de serviços privados nas áreas da
previdência, da educação, da saúde, da telefonia, etc.

Outro aspecto advindo da reforma do Estado e que influenciou na oferta de


serviços públicos foi a regulamentação do terceiro setor para a execução de
políticas sociais públicas, através de parcerias com organizações não
governamentais (ONGs) e com instituições filantrópicas, combinadas com o serviço
voluntário. Este último imprime um caráter amador às ações, dando-lhes um cunho
de solidariedade e de realização do bem comum pelos indivíduos. Uma outra

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circunstância foi a separação entre a formulação das políticas pelo Estado,


considerando-se sua capacidade técnica para tanto, e a execução das mesmas, que
ficam a cargo das agencias autônomas. Esta cisão ocasiona um hiato que interfere
na eficiência das ações.

Conforme Behring e Boschetti:

“A reforma, tal como foi conduzida, acabou tendo um impacto pífio em termos de
aumentar a capacidade de implementação eficiente de políticas públicas,
considerando sua relação com a política econômica e o boom da dívida pública.
Houve uma tendência de desresponsabilização pela política social, acompanhada
do desprezo pelo padrão constitucional de seguridade social as formulações de
política social foram capturadas por uma lógica de adaptação ao novo contexto.
Daí decorre o trinômio do neoliberalismo para as políticas sociais – privatização,
focalização/seletividade e descentralização”. (2004)

O Estado brasileiro atual, seguindo a ideologia da modernização, conformou-se


dentro do prisma neoliberal, trazendo a perspectiva de uma certa desobrigação de
seu “dever social” e o entendimento deste dever como obrigação do cidadão, da
família, da comunidade e da sociedade. Direta ou indiretamente, ele assegura a
prestação de serviços sociais através de políticas sociais de recorte neoliberal e
continua canalizando para si conflitos e pressões pelos serviços coletivos, enquanto
espaço de atendimento às necessidades que se colocam no cotidiano da população.
Assim, a redução e restrição de direitos tem sido a tendência geral, o que
transforma as políticas sociais em ações pontuais e compensatórias em face aos
efeitos da crise.

No que tange à operacionalização da seguridade social, por exemplo, alguns


princípios são colocados em consonância com o disposto na Constituição Federal em
seu Título VIII (Da Ordem Social) Capítulo II ( Da Seguridade Social) artigo 194,
cabendo sobre eles algumas considerações que faremos a seguir, conforme o
pensamento de Behring e Boschetti (2008) . O princípio da universalidade da
proteção social não garante direitos iguais ao coletivo dos cidadãos: assegura a
política de saúde como direito universal; estabelece a assistência social como
direito aos que dela necessitam, apesar da garantia do salário mínimo para idosos e
deficientes ser condicionada à incapacidade para o trabalho; e mantém o acesso à
previdência social dependente de contribuição prévia, atrelado à lógica do seguro.

O princípio da uniformidade e equivalência dos benefícios garante a unificação dos


regimes previdenciários urbanos e rurais, mediante contribuição. A seletividade e
a distributividade apontam para a possibilidade de instituir benefícios orientada
pela “discriminação positiva”, tanto no âmbito das políticas de saúde como da
assistência social, quando assegura acesso somente aos comprovada e
extremamente carentes. O princípio da irredutibilidade indica que nenhum
benefício poderá ser inferior ao salário mínimo; o da diversidade das bases de
financiamento da seguridade social preconiza que esta deve ficar a cargo dos
governos federal, estaduais e municipais; assim como os empregadores devem
contribuir baseados na folha de salário, no faturamento e no lucro que auferirem,
de forma a tornar o financiamento mais redistributivo e progressivo. O caráter

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democrático e descentralizado da administração deve assegurar uma gestão


compartilhada entre governo, trabalhadores e prestadores de serviço, propiciando
aos cidadãos usuários a oportunidade de participar das decisões, apesar da
responsabilidade da administração das instituições continuar a cargo do Estado.

No que se refere à Política de Saúde, compreendida não só pela atenção à saúde,


mas também por ações de vigilância sanitária, promoção e prevenção, o
contrassenso se coloca no fato do Sistema Único de Saúde, fundado nos princípios
da universalidade, equidade, integralidade das ações, regionalização,
hierarquização dos serviços, descentralização, participação dos cidadãos e
complementaridade do setor privado, vir sendo solapado pela péssima qualidade
dos serviços ante a falta de recursos, pela ampliação do setor privado que absorve
recursos públicos e pela instabilidade no seu financiamento.

Entretanto, diante do discurso e do direcionamento constitucional vigente, cada


uma das políticas públicas deve instituir conselhos e promover conferências
específicos, com vistas a implementar a participação da população. Esse fato foi
inovador no formato de gestão destas políticas, pois incentiva a democracia numa
perspectiva participativa com vistas a promover a transparência nas deliberações; a
visibilidade das demandas sociais; o controle social ao permitir à sociedade
permear as ações estatais na defesa e alargamento dos direitos que lhe são
pertinentes; a representação de interesses coletivos.

Nesse sentido, os Conselhos, apesar das dificuldades enfrentadas para a sua


efetivação em termos econômicos, políticos e culturais, se fazem espaços de
negociação de propostas e ações e de aprofundamento da democracia, ou seja: são
instâncias estratégicas de discussão das demandas e interesses presentes em áreas
determinadas, com força legal para atuarem na definição de prioridades,
conteúdos e recursos orçamentários junto às políticas públicas. Acompanham a
lógica setorial destas, tendo ingerência sobre ações direcionadas à cada área
específica. Eles viabilizam a ampliação do controle social sobre decisões públicas
por meio de mecanismos da participação popular direta.

Segundo levantamento feito por Behring e Boschetti (2008), até o ano de 2008
havia 17 Conselhos Nacionais que se desdobraram nos Estados e municípios nas
áreas de educação, saúde, trabalho, previdência social, assistência social,
segurança alimentar, cidades, desenvolvimento rural. Estes Conselhos se
organizaram também por segmentos sociais abarcando os interesses das mulheres,
crianças e adolescentes, idosos, negros; assim como por segmentos temáticos,
considerando execuções penais, questões penitenciárias e comunidade. Conforme
as autoras citadas, é possível estimar a existência de 20 mil conselhos nas mais
diversas áreas espalhados pelo território nacional.

Os Conselhos de Direito são instituições inscritas na Constituição Federal de 1988, criados por
lei e vinculados às instâncias do Poder Executivo (Federal, Estadual e Municipal), que devem se
responsabilizar por sua manutenção e funcionamento. Têm a proposta de se constituírem em
espaços públicos de uma nova forma de articulação entre Estado e sociedade e de afirmação de
direitos sociais. São permanentes, tem caráter deliberativo e estruturam-se sobre uma
organização paritária com assento assegurado a representantes do governo e da sociedade civil.

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Não obstante a expectativa de mudanças nas políticas sociais públicas ante a


observância destes princípios, elas ainda ocupam lugar secundário na agenda
política do Brasil. Na época ora analisada, aconteceu a submissão da viabilização
dos direitos conquistados e assegurados na Carta Constitucional à lógica do ajuste
fiscal, trazendo uma defasagem entre o direito adquirido e a sua real viabilização.

Há ainda , dentro dos padrões atuais, uma tendência da política estatal de


transferir para a sociedade civil responsabilidades no equacionamento da questão
social pela via do voluntariado, da solidariedade e da cooperação. À família e às
organizações sem fins lucrativos, o chamado “terceiro setor” é imputada a
viabilização do bem-estar em substituição a ações que deveriam ser efetivadas elas
políticas públicas, na condição de “alternativa eficaz” (Behring e Boschetti,2004)
para o equacionamento das necessidades dos menos privilegiados, tratando-se do
que Yaszbek (1993 e 2000) citada por Behring e Boschetti (2004) denomina de
refilantropização das políticas sociais.

A partir da década de 1980 com implementação na década de 1990, acrescentou-se


o reconhecimento de que o equacionamento das necessidades da população
poderia ser mediado por organizações do terceiro setor, assim chamado por não se
constituir nem em setor governamental/estatal, nem em empresas do mercado
econômico que visam atividades lucrativas. Diante deste raciocínio há, hoje, a
tendência estatal de transferência para a sociedade civil de responsabilidades
maiores no enfrentamento da questão social, através do estabelecimento de
parcerias com estas entidades as quais financia. Dentro deste entendimento, o
Estado restringe a sua ação à execução de ações emergenciais ou extremas,
direcionadas aos pobres, como ação humanitária (assistencialista) e não como uma
política dirigida à igualdade social e ao resguardo de direitos.

8 - CONCLUSÃO
Diante do estudo sobre a instituição das políticas sociais no Brasil, depreende-se
que, historicamente, elas vieram se constituindo enquanto o resultado das
demandas apresentadas pela classe trabalhadora e seu equacionamento pelo
Estado, em um contexto de concessão e conquista, tendo em vista que sua
estruturação condiciona-se à tensão que se estabelece entre Estado e sociedade
civil.

Dentro deste contexto, as políticas sociais se fazem um instrumento estatal de


mediação da relação capital e trabalho, na medida que assegura direitos sociais,
com vistas a promover a reprodução da força de trabalho necessária à reprodução
do capital, sendo, ao mesmo tempo, mecanismos de satisfação das necessidades
básicas dos assalariados.

Sua constituição, no transcorrer da História, de acordo com os interesses políticos e


econômicos, passou por estágios onde a participação estatal na sua
operacionalização foi mais intensa e efetiva, como no período de implementação
do Estado de Bem-estar social (Welfare State); sendo que nos dias atuais sua
sustentação se dá sobre bases neoliberais sob a lógica do Estado mínimo.

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Não obstante a perspectiva neoliberal, a partir da Constituição de 1988 novas


regras foram impostas no sentido de romper com a necessidade generalizada do
vínculo empregatício-contributivo na concessão de benefícios aos trabalhadores,
principalmente no que tange à previdência social urbana e rural, além de ter sido
instituída uma política de assistência social com caráter mais inclusivo, na
tentativa de romper com as ações assistencialistas neste setor. Tais regras
estabeleceram ainda possibilidades para a construção de uma estratégia de
universalização das políticas sociais, principalmente no que se refere às políticas
de saúde, educação e assistência social; como também instituíram novas formas de
financiamento das mesmas.

Entendemos, porém, em consonância com o pensamento de Behring e Boschetti


(2004), que a consolidação das políticas sociais no Brasil, depende da
reestruturação do modelo econômico, com investimentos no crescimento da
economia, com a geração de empregos formais em contraposição à flexibilização
das relações de trabalho, fatos que aumentariam as receitas destinadas a estas
políticas e, consequentemente, o acesso a uma parcela mais significativa da
população aos direitos sociais de cidadania. Isto posto em face da realidade prática
de operacionalização das políticas sociais que ocorre de forma que o princípio de
universalização de acesso a elas é restrito, pois em algumas circunstancias
pressupõe a seletividade dos usuários; sem contar que a estruturação vigente deu
margem a numerosas privatização da oferta de serviços públicos e à participação
não governamental na focalização e provisão da pobreza extrema em algumas de
suas áreas.

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