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FACULDADE BATISTA DE MINAS GERAIS - FBMG

Curso Superior em Teologia

Eliezer Inácio da Silva

A TEORIA CRÍTICA DE WESTCOTT E HORT E O TEXTO GREGO DO NOVO


TESTAMENTO: Uma Análise do Impacto do Uso do Texto Crítico nas
Traduções para a Língua Portuguesa.

BELO HORIZONTE

2018
2

Eliezer Inácio da Silva

A TEORIA CRÍTICA DE WESTCOTT E HORT E O TEXTO GREGO DO NOVO


TESTAMENTO: Uma Análise do Impacto do uso do Texto Crítico nas Traduções
para a Língua Portuguesa

Monografia apresentada ao Curso de


Teologia da Faculdade Batista de Minas
Gerais, como requisito parcial à obtenção de
título de Bacharel em Teologia.

Orientador: Prof. Ms. Luiz Felipe Xavier

BELO HORIZONTE

2018
3

Ao servo do Senhor Jesus Cristo, Wilbur Norman Pickering, e a


todos os que militam a boa obra.
4

AGRADECIMENTOS

Ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, e à esposa amada, companheira de


todas as horas.
5

“Porquanto a sabedoria deste mundo é


loucura diante de Deus. Pois está escrito:
Ele apanha os sábios em sua própria
astúcia.” (1 CORÍNTIOS, 3:19)
6

RESUMO

Diante de tantas traduções diferentes para os mesmos textos do Novo


Testamento, um questionamento se faz necessário: qual a origem dessas
divergências? A presente pesquisa se propõe a investigar os bastidores das
traduções, desde o texto base adotado, até o método de tradução utilizado. O
objetivo é procurar descobrir se a autoridade objetiva das Escrituras tem sido, de
algum modo, atingida. A pesquisa será feita a partir das publicações dos eruditos da
área da crítica textual do Novo Testamento. A análise dos dados, segue os padrões
da pesquisa científica, procurando atingir resultados que possam se submeter ao
escrutínio da comunidade acadêmica.
Palavras-chave: Novo Testamento. Escrituras. Crítica textual. Autoridade objetiva.
7

ABSTRACT

Faced with so many different translations for the same texts of the New
Testament, a questioning becomes necessary: what is the origin of these
divergences? The present research proposes to investigate the backstage of
translations, from the adopted base text to the translation method used. The aim is to
find out whether the objective authority of the Scriptures has in any way been
attained. The research will be made from the publications of the scholars of the area
of textual criticism of the New Testament. The data analysis follows the standards of
scientific research, seeking to achieve results that can be submitted to the scrutiny of
the academic community.
Key words: New Testament. Scriptures. Textual criticism. Objective authority.
8

LISTA DE ABREVIAÇÕES

ACF Almeida Corrigida e Fiel

ARA Almeida Revista e Atualizada

BFBS British and Foreign Bible Society

BJ Bíblia de Jerusalém

BLH Bíblia na Linguagem de Hoje

Jo Evangelho de João

KJA King James Atualizada

Lc Evangelho de Lucas

Mc Evangelho de Marcos

MS Manuscrito (aparece também no plural: MSS)

Mt Evangelho de Mateus

NAA Nova Almeida Atualizada

NTLH Nova Tradução na Linguagem de Hoje

NIV New International Version

NVI Nova Versão Internacional

SBB Sociedade Bíblica do Brasil

SBTB Sociedade Bíblica Trinitariana do Brasil

TEB Tradução Ecumênica da Bíblia

TNM Tradução Novo Mundo

TR Textus Receptus

UBS United Bible Societies

W-H Westcott e Hort


9

LISTA DE SÍMBOLOS

A Codex Alexandrinus, manuscrito uncial do século V (British Library, Londres).

B Codex Vaticanus, uncial do século IV (Biblioteca do Vaticano).

C Codex Ephraemi Rescriptus, uncial do século V (Biblioteca Nacional de Paris).

D Codex Bezae, uncial do século VI (Biblioteca da Universidade de Cambrigde).

f Representa uma família de manuscritos minúsculos, século IX (várias


bibliotecas).

G Codex Boernearianus, uncial do século IX (Universidade de Dresden).

G Codex Tischendorfianus , Uncial do século X (Biblioteca Nacional da Rússia).

K Codex Mosquensis I, uncial do século IX (Museu Histórico de Moscou).

L Codex Régius, uncial do século VIII (Bilbioteca Nacional de Paris).

Lat Manuscritos em latim.

M Codex Campanius, unical do século IX (Biblioteca Nacional de Paris).

P Codex Petropolitanus, uncial do século IX (Biblioteca Nacional da Rússia).

P15 Papiro do século III (Museu do Cairo).

P37 Papiro do século IV (Univerdade de Michigan).

P45 Papiro do século III (Biblioteca de Chester Beatty, Dublin).

P46 Papiro do Século II (Biblioteca de Chester Beatty, Dublin).

P66 Papiro do Século II (Biblioteca de Chester Beatty, Dublin).

P75 Papiro do século III (Biblioteca do Vaticano)

Q Codex Koridethi, uncial do século IX (National Center of Manuscripts, Tbilisi).

W Codex Washingtonianus, uncial do século V (Feer Galery, Washington DC).

Y Codex Athous Lavrensis, uncial do século IX (Athos, Lavra).

‫א‬ Codex Sinaíticus, uncial do século IV (Bristish Library, Londres).


10

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 11
2 A TEORIA CRÍTICA DE WESTCOTT E HORT .................................................... 13
2.1 ANTECEDENTES E PRESSUPOSTOS BÁSICOS........................................... 14
2.1.1 Genealogia ..................................................................................................... 15
2.1.2 Conflação ....................................................................................................... 16
2.1.3 Leituras sírias antes de Crisóstomo ............................................................ 16
2.1.4 Evidências internas ...................................................................................... 17
2.1.5 Recenção luciânica e a Peshitta ................................................................. 18
3 CONTRARRAZÕES............................................................................................... 21
3.1 ANTECEDENTES E PRESSUPOSTOS BÁSICOS........................................... 21
3.1.1 Genealogia ..................................................................................................... 22
3.1.2 Conflação ....................................................................................................... 23
3.1.3 Leituras sírias antes de Crisóstomo ............................................................ 26
3.1.4 Evidências internas ...................................................................................... 30
3.1.5 Recenção luciânica e a Peshitta ................................................................. 32
4 A INFLUÊNCIA DA TEORIA DE WESTCOTT E HORT NAS EDIÇÕES DO
TEXTO GREGO DO NOVO TESTAMENTO ............................................................ 35
5 OS IMPACTOS DO USO DO TEXTO CRÍTICO NAS TRADUÇÕES EM LÍNGUA
PORTUGUESA ........................................................................................................ 46
5.1 ARA .................................................................................................................. 47
5.2 NVI ................................................................................................................... 48
5.3 NTLH ................................................................................................................ 50
5.4 DIFERÊNÇAS OBSERVADAS ENTRE AS TRADUÇÕES BASEADAS NO
TEXTUS RECEPTUS E AS BASEADAS NO TEXTO CRÍTICO .............................. 51

6 CONCLUSÃO ....................................................................................................... 62
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 64
REFERÊNCIAS WEBGRÁFICAS ............................................................................ 67
ANEXO 1 – FAC-SÍMILE DO CODEX SINAÍTICUS (‫ )א‬E CODEX VATICANUS (B)
.................................................................................................................................. 68
ANEXO 2 – MAPA DOS AUTÓGRAFOS ................................................................ 70
11

1 INTRODUÇÃO

Existe hoje uma grande quantidade de traduções da Bíblia para a língua


portuguesa, e cada uma delas se propondo a ser uma tradução relevante. Em
princípio, parece ser um avanço o fato de se ter várias versões do texto bíblico em
circulação, mas, o que se vê de fato, são textos com significados distintos, palavras
importantes mudadas ou omitidas, quando se compara com o texto que a igreja
vinha utilizando desde a edição de Erasmo de Rotherdam 1, em 1516, até fins do
século XIX.

Essas diferenças surgiram no rastro da divulgação dos estudos de dois


renomados eruditos britânicos: Brook Foss Westcott2 e Fenton John Anthony Hort3
(doravante W-H), ambos clérigos da Igreja Anglicana. Esses dois estudiosos
tornaram público seu trabalho em 1881 e, ainda hoje, a sua influência permanece
sobre o texto do Novo Testamento.

O presente trabalho de monografia se propõe a apresentar a teoria de W-H,


oferecer o contraditório, e refletir sobre a supremacia do Texto Crítico 4, e seus
reflexos nas traducões para a língua portuguesa. O fato de que essa teoria tem sido
questionada desde o seu nascimento por eruditos de renome 5 fora do Brasil, por si
só já justifica a opção por esse tema. Nesse sentido, o trabalho gira em torno da
crítica textual do Novo Testamento. O problema de pesquisa advém da confusão
causada por esses textos ecléticos, que, via de regra, lançam dúvidas sobre várias
passagens, questionando sua autenticidade.

A autoridade objetiva das Escrituras têm sido de algum modo prejudicada? A


resposta a essa pergunta é o objetivo dessa pesquisa. O trabalho ainda tem a
intenção de chamar a atenção da comunidade acadêmica da área da teologia para a
necessidade de se fazer pesquisa, ora para reafirmar as bases da fé, ora para
refutar os contradizentes. A presente pesquisa foi pensada a partir de consulta
bibliográfica, leitura de artigos científicos e periódicos, tudo isso sem desprezar o
ferramental disponível na internet. A metodologia empregada segue o método
1
Nome literário adotado por Geert Geerts, um filósofo holandes, famoso pelo seu grande
conhecimento e erudito em grego.
2
Westcott foi bispo de Durham e um erudito muito respeitado na Inglaterra.
3
Hort foi professor titular-catedrático na Universidade de Cambrigde.
4
Nome pelo qual ficou conhecido o texto grego derivado dessa teoria.
5
Frederick Scrivener, John William Burgon, Edward Miller, H. C. Hoskier, Edward F. Hills e Wilbur
Pickering.
12

indutivo-dialético, ou seja, parte da observação de evidências bem específicas em


direção à uma conclusão geral, promovendo o confronto das ideias.

O primeiro capítulo apresenta as bases da teoria de W-H. O segundo traz


uma devida avaliação de cada um dos pontos sustentados por ela. O terceiro trata
da influência desta teoria na erudição subsequente, que desemboca nas edições
atuais do Novo Testamento Grego. E, por fim, o quarto capítulo tratará de como
essas edições bases do texto grego têm sido usadas pelos principais tradutores do
Novo Testamento para a língua portuguesa. Fará ainda, em alguma medida, uma
comparação entre as cinco principais versões em língua portuguesa em passagens
onde essas traduções trazem diferenças importantes. Compoêm ainda o trabalho,
dois anexos: o primeiro contendo os fac-símiles dos Códices ‫ א‬e B, e o segundo
contendo um mapa da distribuição dos Autógrafos6.

Em seguida, será apresentado um esboço com os principais pontos


sutentados por W-H, bem como as opiniões dos estudiosos a respeito dos temas.
Em um primeiro momento, dar-se-á preferência aos apoiadores da causa. A busca
pela fidelidade em apresentar os argumentos defendidos por esses críticos foi
marcante nesse caso.

6
Textos originais como escrito pelos autores inspirados.
13

2 A TEORIA CRÍTICA DE WESTCOTT E HORT7

Atualmente, duas edições do texto grego do Novo Testamento dominam


amplamente o cenário acadêmico, e vem sendo usadas por teólogos, tradutores,
professores, pastores e estudiosos da Bíblia. Uma é editada pela Deutsche
Bibelgesellschaft (Sociedade Bíblica Alemã), o Novum Testamentum Graece,
também conhecido como Nestle-Aland, que conta com 28 edições, e o The Greek
New Testament, publicado pela United Bible Societies (Sociedades Bíblicas Unidas,
doravante UBS) já em sua 5ª edição.

Essas duas edições se baseiam fortemente na teoria crítica de W-H,


publicada em dois volumes, em 1881 e em 1882. O primeiro, contendo o texto grego
do Novo Testamento, e o segundo, contendo uma introdução com as bases da sua
teoria e um apêndice com exemplos. Até meados do século XIX, o Textus Receptus8
(doravante TR), havia reinado absoluto no seio da igreja protestante, e, a partir da
publicação da obra de W-H, foi completamente rejeitado pela erudição subsequente 9
em favor de uma minoria de manuscritos10, a bem da verdade, mais antigos. Com o
passar do tempo, essa teoria passou a ser ensinada não como teoria, mas, como
verdade estabelecida, e é amplamente divulgada em faculdades e seminários
teológicos, e usada como base de livros e comentários da área da teologia, e
principalmente, para o preparo de sermões. Paulo Anglada, em artigo publicado
assevera:

Tamanha é a influência dessa teoria sobre a matéria, e tão estabelecido o


seu domínio neste século, que poucos têm ousado questioná-la. Assim,
quase nada se tem escrito sobre o assunto de outro ponto de vista. No Brasil,
até onde este autor tem conhecimento, nenhum livro foi escrito do ponto de
vista contrário à teoria de Westcott e Hort e dos textos ecléticos que produziu.
(ANGLADA, 2018, p. 1).

Tanto melhor, o combate será às sombras 11. De acordo com o Dicionário


Aurélio de Português Online (2018), o conceito de teoria é:

7
O presente trabalho segue a sequência adotada por Pickering (2014), com raras exceções.
8
Texto baseado na edição de Erasmo e sustentado por aproximadamente 97% dos manuscritos
gregos conhecidos.
9
Nomeadamente: Eberhad e Erwin Nestle, Eugene Nida, Bruce Metzger, Bart Erhman, Kurt e
Barbara Aland, Carlo Maria Martini, Matthew Black, Allen P. Wikgren, Robert Bratcher e Johannes
Karavidopoulos .
10
Toda a massa de manuscritos egípcios não totalizam 3% do total de manuscritos existentes.
11
Frase de Leônidas, herói espartano, durante as Guerras Pérsicas, quando soube em um
desfiladeiro da Termópilas, que as flechas lançadas pelos inimigos cobriam até a luz do sol.
14

Parte especulativa de uma ciência (em oposição à prática); conjunto de


conhecimentos que explicam certa ordem dos fatos; conjunto de princípios
fundamentais de uma arte ou ciência; noções gerais, generalidades; cálculo,
conjectura, coisa que é fácil de dizer e difícil de realizar; utopia.

A teoria crítica de W-H chegou para ratificar a tendência da crítica textual do


Novo Testamento de fins do século XIX, que vinha se afastando gradativamente do
TR, e se aproximando cada vez mais de um texto baseado em uma minoria de
manuscritos. Esses, por serem mais antigos, passaram a ser considerados como
melhores, apesar de diferirem bastante entre si. O fato de serem mais antigos é
objetivo e perfeitamente verificável, ao passo que, o de serem melhores é subjetivo
e, portanto, necessitando de comprovação.

2.1 ANTECEDENTES E PRESSUPOSTOS BÁSICOS

Em 1851, aos 23 anos de idade, Hort escreveu a um amigo: “Eu não tinha
nenhuma ideia, até as últimas poucas semanas, da importância dos textos, tendo
lido tão pouco o Testamento Grego [sic] me arrastando com o vil Textus Receptus”
(HORT, 1896, p. 211). E ainda: “Pense naquele vil Textus Receptus, se apoiando
inteiramente em MSS 12 recentes; é uma bênção que haja MSS tão antigos” (HORT,
1896, p. 211). A sua aversão ao TR é, portanto, anterior a qualquer pesquisa
científica. Colwell (1969 apud PICKERING, 2014, p. 18) observa: “Hort organizou
seu argumento inteiro para depor o Textus Receptus.”

No ano de 1853, W-H iniciaram a revisão do Novo Testamento grego,


bastante influenciados pelas recentes descobertas dos Códices Aleph (‫ )א‬por
Constantin Tischendorf, e Vaticanus (B), na biblioteca do Vaticano. Neste mesmo
ano Hort escreveu a um amigo dizendo que esperava ter o Novo Testamento pronto
“em pouco mais de um ano” (HORT, 1896, p. 264). A empreitada na verdade lhe
custou 28 anos de trabalho. Pickering (2014, p. 17) ressalta: “Que isto na realidade
lhe tomou 28 anos não esconde a circunstância que, mesmo desinformado, como
ele mesmo admitiu, Hort concebeu uma animosidade pessoal para com o Textus
Receptus.”

Para W-H o texto do Novo Testamento poderia ser tratado como qualquer
outro livro: “Os princípios de crítica valem para todos os textos antigos, preservados
em uma pluralidade de documentos. Ao lidar com o texto do Novo Testamento,

12
Abreviação para manuscritos, pode também ser encontrada no singular (MS).
15

nenhum novo princípio é necessário ou legítimo” (WESTCOTT; HORT, 1882, p. 73).


Outro ponto importante que forma a base da teoria é a certeza de que o texto, em
nenhum momento, sofreu modificações deliberadas com propósito doutrinário.
Mesmo porque, neste caso, uma variante13 imprevisível seria introduzida,
impossibilitando a aplicação do método. “Não será fora de propósito acrescentar
uma expressão distinta da nossa crença de que, mesmo entre as numerosas leituras
inquestionavelmente espúrias do Novo Testamento, não há sinais de falsificação do
texto para propósitos dogmáticos” (WESTCOTT; HORT, 1882, p. 282). Mas, para
firmar a sua teoria eles precisavam de argumentos bem consistentes. O primeiro
deles é genealogia.

2.1.1 Genealogia

A definição de genealogia feita pelo próprio Hort:

O acurado método da genealogia consiste na recuperação mais ou menos


completa dos textos de ancestrais sucessivos, pela análise e comparação dos
textos variantes dos seus descendentes respectivos, cada texto ancestral
assim recuperado sendo por sua vez usado, em conjunção com outros textos
similares, para a recuperação do texto de um ancestral comum e ainda mais
antigo. (WESTCOTT; HORT, 1882, p. 57).

O método genealógico é determinante para a teoria de W-H, uma vez que ele
reduz a quantidade de manuscritos agrupando-os, e a contagem agora se faz por
quantidade de grupos e não mais por quantidade de manuscritos. A aplicação do
método lhe habilitava a reduzir toda a massa de testemunhas de manuscritos a
apenas quatro vozes: “Neutra”, “Alexandrina”, “Ocidental” e “Síria”14. O passo
seguinte seria determinar qual dessas vozes representaria o texto mais próximo dos
Autógrafos. Colwell (1947 apud PICKERING, 2014, p. 19) diz a respeito do método:

Como justificativa de terem rejeitado a maioria dos MSS, Westcott e Hort


acharam que o potencial do método genealógico era inestimável. Suponha
que há apenas dez cópias de um documento e que nove delas são todas elas
copiadas da outra; então a maioria pode ser rejeitada com segurança. [...]
Eles mostraram claramente que, uma maioria de manuscritos não é,
necessariamente, para ser preferida como correta.

Depois de juntar toda a massa de manuscritos do TR em um único grupo, o


tipo de texto “Sírio”, W-H prosseguiram para demonstrar que esse texto era inferior e
que poderia seguramente ser descartado como uma testemunha confiável. O

13
Palavras diferentes para o mesmo texto grego em diferentes manuscritos.
14
O tipo de texto “Sírio” é a base do TR. Por texto “Neutro” não se conhece efetivamente testemunha
alguma, o texto “Alexandrino” são os textos egípcios e o “Ocidental”, se refere ao texto latino.
16

argumento é que as testemunhas precisavam ser pesadas, e não contadas. A


primeira prova oferecida por eles foi “conflação”.

2.1.2 Conflação15

Entende-se por conflação, a combinação de duas ou mais variantes


encontradas em diferentes textos, e unidas em um texto posterior, formando um
texto novo e mais longo. Como bem explicam Westcott e Hort (1882, p. 49):

A mais clara evidência para rastrear os fatores antecedentes de mistura em


textos é provido de leituras que são, elas próprias misturadas ou, como são
algumas vezes chamadas, “confladas”, isto é, não são simples substituições
da leitura de um documento pela de outro, mas combinações de leituras de
ambos documentos, formando uma totalidade complexa.

W-H usaram o argumento lógico de que, um texto contendo leituras confladas


seria, com certeza, posterior aos textos que deram origem àquela leitura. Então ele
apresentou oito exemplos16 onde, segundo ele, o TR teria combinado variantes dos
tipos de texto “Neutro”, “Alexandrino” e “Ocidental”. Era essencial para a teoria de
W-H que ninguém jamais encontrasse nenhuma inversão de relacionamento entre
esses textos, como eles sustentam:

No melhor das nossas crenças, as relações assim traçadas provisoriamente


nunca são invertidas. Não sabemos de nenhum lugar onde um grupo de
documentos “Alexandrinos”, Neutros” ou “Ocidentais” contenham leituras
misturadas entre um deles e o TR. (WESTCOTT; HORT, 1982, p. 106).

Outro ponto fundamental para se provar que o TR era posterior aos demais
tipos de textos são as citações dos Pais da Igreja, e os Lecionários17 escritos antes
do Concílio de Nicéia.

2.1.3 Leituras “sírias” antes de Crisóstomo

Nas palavras de W-H:

Antes da metade do terceiro século, ao mais cedo possível não temos


nenhum sinal histórico da existência de leituras, confladas ou não, que sejam
marcadas como distintamente Sírias, pela falta de atestação por grupos de
documentos que tenham preservado as outras formas antigas de texto. Este
é um fato de grande significado, uma vez que está provado exclusivamente
por evidência externa, e portanto, supre uma verificação absolutamente
independente e uma extensão do resultado já obtido pela comparação do
caráter interno das leituras, tais como classificadas por conflação.
(WESTCOTT; HORT, 1882, p. 115).

15
Em crítica textual, conflar (do latim conflare: fundir, ajuntar por fusão), significa a mistura ou a
combinação das leituras de dois ou mais documentos formando uma nova leitura.
16
Marcos 6:33, 8:26, 9:38, 9:49. Lucas 9:10, 11:54, 12:18, 24:53.
17
Estudos bíblicos em grego de grandes porções do Novo Testamento.
17

W-H alegam que João Crisóstomo foi o primeiro Pai da Igreja a utilizar o TR.
Lembrando que Crisóstomo morreu em 407 d. C.. F. G. Kenyon (1964 apud
PICKERING, 2014, p. 21) considerou esse argumento decisivo para a aceitação da
teoria de W-H:

A alegação de Hort, que foi a pedra de esquina da sua teoria, foi que leituras
características do Textus Receptus nunca são encontradas nas citações dos
escritores cristãos anteriores a cerca de 350 DC. Antes daquela data
encontramos leituras caracteristicamente “Neutras” e “Ocidentais”, mas nunca
“Sírias”. Este argumento é, de fato, decisivo...

Apesar de já terem demonstrado que o TR era mesmo um texto posterior,


formado a partir dos textos “mais antigos”, eles não pararam por aí, mesmo porque,
parece que lhes sobravam argumentos. Eles baseiam sua alegação novamente em
evidências internas de leituras.

2.1.4 Evidências internas

Esta evidência se baseia em probabilidade intrínseca18 e probabilidade


transcricional19. Probabilidade intrínseca se relaciona com o autor do texto – “qual a
leitura que faz o melhor sentido, melhor se ajusta ao contexto, e se conforma ao
estilo e propósito do autor” (PICKERING, 2014, p. 22). Probabilidade transcricional
se relaciona com o escriba ou copista – “qual leitura pode ser atribuída a descuido
ou interferência do copista” (PICKERING, 2014, p. 22). Essas mudanças
introduzidas por copistas deram origem a dois cânones20 importantes para a crítica
textual: 1) brevior lectio pretior, a leitura mais curta seja a preferível “supondo-se a
propensão dos escribas de adicionarem material ao texto” (PICKERING, 2014, p.
22), e 2) proclivi lectione praestat árdua, a leitura mais difícil seja a preferida,
“supondo-se a propensão dos escribas de tentarem simplificar o texto quando
confrontados com uma suposta dificuldade” (PICKERING, 2014, p. 22). Baseado
nesses cânones W-H afirmam:

Em si próprias, as leituras sírias quase nunca ofendem à primeira vista. Com


raras exceções, elas fluem agradável e facilmente quanto à forma e
imediatamente oferecem, mesmo a um leitor descuidado, um sentido
razoável, livre de surpresas e aparentemente transparente. Mas, quando
leituras distintamente sírias são minuciosamente comparadas uma após
outra, com suas variantes rivais, a pretensão delas a serem consideradas
como as leituras originais gradualmente diminui até, finalmente, desaparecer.
(WESTCOTT; HORT, 1882, p. 115).

18
Refere-se a características estilísticas do autor presentes em todos os seus textos.
19
Refere-se a erros evidentes cometidos por copistas, que podem ser identificados no texto.
20
Por cânone devemos entender uma norma, um padrão de medição.
18

O que W-H estavam dizendo é que, ao se proceder a uma pesquisa interna,


as leituras características do TR parecem ter sido corrigidas de acordo com o
contexto das passagens, acomodando-as de tal forma, que elas não tivessem
nenhum desacordo. E também alinhando a leitura de uma passagem em um dos
Evangelhos a de outro Evangelho Sinótico, para que não estivessem em
contradição. Seguindo esse raciocínio, toda leitura que contivesse o maior número
de erros e contradições seria a leitura original.

2.1.5 A recensão21 luciânica e a Peshitta22

Mesmo com todas essas evidências apresentados por W-H contra o TR, eles
ainda precisavam explicar a origem do texto. E, sobretudo, como esse texto passou
a dominar o cenário a partir do quinto século, de maneira tal que os tipos de texto
“Neutro”, “Alexandrino” e “Ocidental” não foram copiados. Uma revisão do texto do
Novo Testamento, feita em Antioquia por volta do ano 300 d. C., e imposta sobre
toda a igreja, foi a solução encontrada pela dupla para resolver a questão.

Westcott e Hort (1882, p. 133) dizem: “O texto ‘Sírio’ tem, de fato, de ser o
resultado de uma ‘recensão’ no sentido próprio da palavra, uma tentativa de
criticismo, deliberadamente realizada por redatores e não meramente por escribas.”
E eles continuam: “O fato de haver três tipos de texto circulando conflitantes entre si
na mesma região, levou os estudiosos de Antioquia a promoverem uma
harmonização dos textos, originando a redação do texto Sírio” (WESTCOTT; HORT,
1882, p. 133). Luciano, que morreu em 311 d. C. foi apontado por eles como o
patrono dessa revisão, e a erudição subsequente tornou isso dogmático.

A Peshitta, chamada de Vulgata Siríaca, que até os dias de W-H era


considerada a mais antiga das versões sírias retrocedendo ao segundo século, foi
colocada pelos dois estudiosos em conexão com a revisão de Luciano. Ela, afinal,
dá testemunho do TR, e foi novamente datada agora em torno do quarto século. A
declaração de H. C. Thiessen (1955 apud PICKERING, 2014, p. 23) é emblemática:

Esta [Peshitta] foi anteriormente considerada a mais antiga das versões


sírias; mas Burkitt mostrou que, na verdade, é uma revisão do antigo siríaco
feita por Rábula, bispo de Edessa, por volta do ano 425. Essa visão é agora
mantida por quase todos os estudiosos do [texto] siríaco. O texto base da

21
Em crítica textual recensão (do latim recension: enumeração, revisão), é o resultado de um trabalho
de revisão feito deliberadamente por redatores.
22
Versão para o siríaco do Novo Testamento.
19

Peshitta é agora identificado com o texto Sírio, e remonta certamente, à


revisão feita por Luciano de Antioquia ao redor de 300 DC.

Essas são as bases da teoria de W-H. Pickering (2014, p. 24) assim define:
“Embora homens como Tischendorf, Treguelles e Alford tivessem feito muito para
minar a posição do Textus Receptus, Westcott e Hort geralmente são creditados
como tendo desferido o golpe mortal, iniciando uma nova era23.” Esta é a conclusão
a que tem chegado eruditos como Colwell (1967 apud PICKERING, 2014, p. 24),
que encerra assim a questão:

A mão morta de Fenton John Anthony Hort repousa pesadamente sobre nós.
Nos primeiros anos deste século [xx], Kirsopp Lake descreveu o trabalho de
Hort como um fracasso, embora glorioso. Mas Hort não deixou de alcançar
seu objetivo principal. Ele destronou o Textus Receptus. Depois de Hort, esta
Vulgata Grega do final da Idade Média não [mais] foi usada por estudiosos
sérios, e o texto sustentado pelas testemunhas mais antigas se tornou o texto
padrão. Este foi uma conquista sensacional, um sucesso impressionante. O
sucesso de Hort nesta tarefa, e a coerência da sua teoria fortemente
fundamentada, moldaram, e ainda moldam, o pensamento daqueles que se
aproximam da crítica textual do Novo Testamento através da língua inglesa.

Os dois modernos textos gregos que servem de base para as traduções, se


baseiam no texto de W-H com pouca variação, e o texto de W-H se baseia
frequentemente em apenas dois manuscritos, Códice ‫ א‬e Códice B, ambos do
quarto século. Westcott e Hort (1882, p. 225) asseveram: “É nossa crença que as
leituras de ‫ א‬e de B devem ser aceitas como a verdadeira leitura [original] até que

forte evidência interna seja encontrada ao contrário, e que nenhuma leitura de ‫ א‬e
de B pode ser rejeitada de forma absoluta seguramente.” Está explicada então a
grande diferença entre as versões modernas24 em língua portuguesa, todas elas
baseadas na teoria e no texto de W-H com pouca variação, e a Almeida Corrigida
Fiel (ACF), editada pela Sociedade Bíblica Trinitariana do Brasil (SBTB), a única
Bíblia em língua portuguesa baseada essencialmente no TR.

Como já foi dito, um grupo de eruditos25 tem frequentemente questionado as


bases dessa teoria, e cada um dos pontos que W-H usaram para fundamentá-la tem
sido desafiado. J. N. Birdsall (1956 apud PICKERING, 2014, p. 25) declara: “É
evidente que todas as pressuposições relativas ao Textus Receptus, exceto sua
inferioridade em relação aos outros tipos [de texto], têm que ser duvidadas e de

23
O fim do século XIX marca o início de uma nova fase para a crítica textual do Novo Testamento.
24
ARA, NVI, NTLH, NAA, BLH, TEB, BJ e a TNM, entre outras.
25
Frederick Scrivener, John William Burgon, Edward Miller, H. C. Hoskier, Edward F. Hills e Wilbur
Pickering.
20

novo investigadas.” Mas a comprovação da suposta inferioridade do TR não estaria


dependente de novas investigações, segundo o próprio Birdsall? Outro estudioso
citado por Pickering é Clark (1966 apud PICKERING, 2014, p. 24): “Teoria textual
parece ter chegado a um impasse em nosso tempo.” O convite então é para
repassar a teoria de W-H, ponto a ponto, e verificar até onde suas conclusões
correspondem às evidências.
21

3 CONTRARRAZÕES

De acordo com a definição dada de teoria, é um parecer que carece de


confirmação. No caso específico da teoria de W-H permanece que tal fato ainda não
ocorreu, o que a torna passível de refutação. Isso pode ser feito de duas maneiras: a
primeira seria formatar uma teoria contrária em bases sólidas. A segunda maneira,
que será a adotada nesse trabalho, é confrontar as suas bases, testando seus
argumentos para ver se eles se sustentam ou se desmoronam.

3.1 ANTECEDENTES E PRESSUPOSTOS BÁSICOS

O Novo Testamento pode ser tratado como qualquer outro livro? As mesmas
técnicas aplicadas às obras de Aristóteles e Platão são eficientes também Na
recuperação dos textos das Escrituras? Nos clássicos, a percentagem de variantes
devidos a erros involuntários dos copistas é grande, mas, como poderá ser
comprovado logo à frente, boa parte das variantes encontradas no Novo
Testamento, foram produzidas deliberadamente com propósito dogmático. Matthew
Black é enfático:

A diferença entre os escritos sagrados utilizados constantemente no uso


eclesiástico e popular, e a obra de um autor clássico, nunca foi enfatizada
suficientemente na crítica textual do Novo Testamento. Os princípios válidos
para a restauração de um texto de Platão ou Aristóteles não podem ser
aplicados a textos sagrados como os Evangelhos ou às Cartas Paulinas.
(BLACK, 1946, p. 214).

A incoerência é que Matthew Black fazia parte da Comissão da UBS que


endossou todo o trabalho de W-H. W-H afirmaram que “Não há sinais de falsificação
deliberada do texto por motivos doutrinários26”, mas, os primeiros Pais da Igreja não
pensavam assim. Nas palavras de Metzger e Ehrman (2005, p. 266):

Irineu, Clemente de Alexandria, Tertuliano, Eusébio, e muitos outros Pais da


Igreja acusaram os hereges de terem adulterado as Escrituras com a
finalidade de prover apoio para seus pontos de vista particulares. Na metade
do segundo século, Márcion eliminou das suas cópias do Evangelho segundo
Lucas todas as referências feitas à formação judaica de Jesus. A Harmonia
dos Evangelhos de Taciano contém várias alterações textuais que deram
apoio a visões ascéticas ou encratitas.

Sturz (1984 apud PICKERING, 2014, p. 27) oferece exemplos específicos


dados por Irineu, Clemente, Tertuliano e Eusébio. Nas suas palavras: “Embora
enganos no copiar fossem reconhecidos por eles como uma causa da variação, as
declarações mais fortes e mais enfáticas, pelos Pais, são relativas às alterações
26
Ver citação na página 9
22

introduzidas pelos hereges.” John Burgon também escreveu sobre eles: “Gaio, um
Pai muito antigo, escreveu contra Teódoto, Asclepíades, Hermódoto e Apollonides,
hereges que negavam a divindade de Cristo, e que prepararam cópias corrompidas
das Escrituras e tinham discípulos que multiplicaram essas cópias” (BURGON, 1883,
p. 323).

Mesmo entre os ortodoxos havia quem fizesse alterações no texto. O exemplo


citado por Miller (1896, p. 211-212), foi dado por Epifânio, um dos antigos Pais, que
denunciou em seu tempo que os ortodoxos, pensando estar zelando pela divindade
do Senhor, eliminaram do texto de Lucas 19:41, que o nosso Salvador chorou. A
grande maioria dos livros sobre o tema publicados no século XX, dizem que esses
textos foram alterados porque ainda não haviam sido reconhecidos pela igreja como
Bíblia. O caso parece ser exatamente o contrário, segundo Colwell (1952 apud
PICKERING, 2014, p. 28):

A maioria dos manuais produzidos atualmente, lhe dirá que essas variações
foram fruto de tratamento descuidado [dos copistas] o que só foi possível
porque os livros do Novo Testamento ainda não haviam atingido uma posição
forte de Bíblia. O caso foi o inverso. Foi porque eram o tesouro religioso da
igreja que eles foram alterados.

O fato de haver alterações deliberadas com propósito doutrinário em grande


número logo no início do processo de transmissão do texto, se constitui em um
inconveniente considerável para a teoria de W-H. Essas alterações intencionais
inviabilizam por completo a aplicação do método de W-H, porque introduzem leituras
que não podem ser avaliadas somente através de técnicas, e colocam a restauração
do texto fora do alcance do método genealógico.

Esta inconveniência é fatal para a teoria de W-H da maneira como ela foi
formulada, uma vez que ela é semelhante a um prédio de vários andares onde um
se apoia sobre o outro. Todo o seu argumento se apoia inteiramente no fato de que
o texto, em nenhum momento, sofreu modificações intencionais com propósito
doutrinário. O alicerce de todo o prédio, que começa a desmoronar, é a posição de
W-H de que o Novo Testamento foi um livro comum que gozou de uma transmissão
comum. (PICKERING, 2014).

3.1.1 Genealogia

Já foi anteriormente citada a definição que W-H deram de genealogia e de


como utilizá-la. Um fato curioso é que, até hoje nenhum estudioso da crítica textual
23

logrou fazer uso dela. Como então W-H conseguiram traçar a descendência
genealógica dos manuscritos existentes? Parvis (1962 apud PICKERING, 2014, p.
32) responde: “Westcott e Hort nunca aplicaram o método genealógico aos
manuscritos do Novo Testamento.” E também Fee (1978 apud PICKERING, 2014, p.
32):

Propriamente falando, genealogia tem que lidar com a descendência de


manuscritos e tem que reconstruir estemas para aquela descendência. Hort
nunca fez isso; ao contrário, aplicou o método a tipos de textos, e fez isso não
para encontrar o texto original, mas para eliminar manuscritos Bizantinos
(Sírios) de consideração adicional.

O próprio Aland (1965 apud PICKERING, 2014, p. 33) diz sobre o método
genealógico: “Não pode ser aplicado ao Novo Testamento.” A conclusão óbvia é que
W-H nunca aplicaram o método aos manuscritos do Novo Testamento. Pickering
(2014, p. 34) diz:

Uma vez que o método genealógico não foi aplicado aos MSS do Novo
Testamento, não pode ser usado como parte integral de uma teoria da crítica
neotestamentária. Se foi o método genealógico de Hort que aniquilou o
“Textus Receptus”, então ele ainda permanece são e salvo.

O fato concreto é que o método genealógico não foi utilizado por W-H. E, se
não foi utilizado, tem, impreterivelmente, que ser descartado como base de uma
teoria envolvendo o texto do Novo Testamento. A arma nunca foi usada, mas era tão
assustadora, e W-H falaram dos resultados com tanta segurança, que eles
ganharam a parada sem precisar lutar. (PICKERING, 2014).

3.1.2 Conflação

W-H citaram oito exemplos de conflação, quatro exemplos em Marcos: 6:33,


8:26, 9:38 e 9:49, e quatro em Lucas: 9:10, 11:54, 12:18 e 24:53. Ele julga o todo por
esses oito exemplos isolados. Porque não mais que oito? Resposta óbvia: porque
não há. Harrison (1964 apud PICKERING, 2014, p. 48) diz: “Hort citou apenas oito,
mas poderia ter dado outros exemplos.” Pickering ainda diz que Kenyon e Lake
fazem a mesma alegação, mas onde estão os outros? “Porque Harrison, Kenyon ou
Lake não os produzem” (PICKERING, 2014, p. 48). Ainda assim devemos
considerar o peso desse argumento como bem disse Ehrman (1981 apud
PICKERING, 2014, p. 48):

Dois pontos têm que ser constantemente conservados em mente. Primeiro,


se uma leitura fosse provada ser uma conflação, então os documentos que a
contêm preservariam, em maior ou em menor escala, um texto que é misto.
24

Isto é verdadeiro, quero dizer, mesmo se somente uma instância provada de


conflação for encontrada nestes documentos.

O interessante é que o próprio Bart Ehrman citou caso de conflação para o


Códice B em Cl 1:12 desqualificando o manuscrito, segundo o critério estabelecido
por ele mesmo. (PICKERING, 2014). Mas há vários outros exemplos, não apenas
nos Códices ‫ א‬e B, mas também nos tipos de textos “Ocidental” e “Alexandrino”,
como se segue27:

1. Mateus 3:12 αὐτοῦ εἰς τὴν ἀποθήκην (autou eis ten apoteken) TR
εἰς τὴν ἀποθήκην αὐτοῦ (eis ten apoteken autou) L
αὐτοῦ εἰς τὴν ἀποθήκην αὐτοῦ (autou eis ten apoteken autou) B, W

Uma conflação de B e de W juntando leituras de outros manuscritos.

2. Mateus 24:38 ἐκείνaς πρὸ (ekeinas pró) D


ταῖς πρὸ (táis pró) TR, ‫א‬, L, W
ἐκείνaς ταῖς πρὸ (ekeinas táis pró) B

O Códice B mistura leituras do Códice D e do TR.

3. Mateus 26:22 εἰς ἕκαστος (eis hekastos) ‫א‬eB


ἕκαστος αὐτῶν (hekastos auton) TR, P37, P66
εἰς ἕκαστος αὐτῶν (eis hekastos auton) D

O Códice D mistura leituras encontradas nos Códices ‫ א‬e B com o TR.

4. João 7:39 Πνεῦμα (pneuma) P75, K, Q, Π


Πνεῦμα Ἅγιον (pneuma hagion) TR, P66
Πνεῦμα δεδὸμενον (pneuma dedomenon) Lat28
Πνεῦμα Ἅγιον δεδὸμενον (pneuma hagion dedomenon) B

O Códice B aqui mistura leituras de três manuscritos, uma verdadeira


confusão.

5. João 10:19 Σχίσμα οὖν (srrisma oun) D


Σχίσμα πάλιν (srrisma palin) P75, ‫א‬, B, L, W

Σχίσμα οὖν πάλιν (srrisma oun palin) TR, P66, A, G

27
Todas os exemplos são dados por Pickering (2014).
28
Versão latina.
25

Nos tempos de W-H, isto poderia ser interpretado como uma conflação do TR,
mas agora, o Papiro P66 leva a leitura síria de volta ao segundo século.

6. Atos 24:14 τοῖς προφήταις (tóis profetais) TR, A


ἐν τοῖς προφήταις (en tóis profetais) B, C e D
τοῖς ἐν τοῖς προφήταις (tóis en tóis profetais) ‫א‬

Uma conflação clara da parte do Códice ‫א‬.

7. Efésios 2:5 τοῖς παραπτώμασιν (tóis paraptomassin) TR, A e ‫א‬


ταῖς ἁμαρτίαις (táis hamartías) D
τοῖς παραπτώμασιν καὶ ταῖς ἁμαρτίαις (tóis paraptomassim kai táis
hamatías) Y
ἐν τοῖς παραπτώμασιν καὶ ταῖς ἁμαρτίαις (en tóis paraptomassin kai táis
hamartías) B

Conflações separadas feitas no Códice Y e no Códice B e reconhecidas


pelos editores do Nestle-Aland e UBS.

8. Colossenses 1:12 τῷ καλέσαντι (tô kalessanti) D, G


τῷ ἱκανώσαντι (tô ikanossanti) TR
τῷ καλέσαντι καὶ ἱκανώσαντι (tô kalessânti kai ikanossânti) B

Conflação óbvia do Códice B reconhecida pelos editores do Nestle-Aland e da


UBS.

9. Apocalipse 6:5 καὶ ἰδε καὶ ἰδοὺ (kai idê kai idou) Mª
καὶ εἶδον καὶ ἰδοὺ (kai eidon kai idou) M, C e A
καὶ ἰδε καὶ εἶδον καὶ ἰδοὺ (kai idê kai eidon kai idou) ‫א‬

O Códice ‫ א‬confla as leituras de dois grupos de MSS minúsculos29. Embora


esses minúsculos sejam de datas posteriores, a conflação mostra que eles refletem
uma forma antiga do texto, anterior ao Códice ‫א‬.

10. 1 Coríntios 7:34 ἡ ἄγαμος καὶ ἡ παρθένος (hê ágamos kai hê partenos) P15
καὶ ἡ παρθένος ἡ ἄγαμος (kai hê partenos hê
ágamos) TR
29
Manuscritos em letras minúsculas que passam a substituir os uncais a partir do século IX d. C..
26

ἡ ἄγαμος καὶ ἡ παρθένος ἡ ἄγαμος (hê ágamos kai hê


partenos hê ágamos) P46

Conflação inquestionavelmente antiga onde P46, um Papiro do terceiro século,


mistura leituras de P15 e do TR provando que o texto do TR é anterior ao próprio P46.

11. João 10:31 Ἐβάστασαν (ebastassan) P45


Ἐβάστασαν οὖν (ebastassan oun) D
Ἐβάστασαν πάλιν (ebastassan palin) P75, ‫ א‬e B
Ἐβάστασαν οὖν πάλιν (ebastassan oun palin) TR, A e P66

Esta é uma das leituras onde o TR poderia ser acusado de conflação, mas
agora, com a descoberta dos papiros, fica provado por P66 que a redação do TR
retrocede ao segundo século. Voltando ao que foi dito por W-H a respeito de
inversão: “No melhor das nossas crenças, as relações assim traçadas
provisoriamente nunca são invertidas. Não sabemos de nenhum lugar onde um
grupo de documentos “Alexandrinos” ou “Neutros” contenham leituras misturadas
entre um deles e o TR” (WESTCOTT; HORT, 1982, p. 106). Fica agora provado que
o uso desse argumento para caracterizar o TR como um texto misturado, portanto
tardio, é totalmente inválido, uma vez que, todos os demais tipos de textos as
contém, sendo um erro bastante comum entre copistas.

3.1.3 Leituras “sírias” antes de Crisóstomo

Considerada por muitos como “a pedra angular da teoria de W-H”, a alegada


falta de citações patrísticas testemunhando a favor do TR parecia ser mesmo
decisiva para qualificá-lo como um texto tardio. Mas, caso surgisse alguma evidência
que o texto era antigo, esse argumento cairia por terra. Kenyon (1912, p. 321) diz:

Aqui está uma questão óbvia. Se puder ser demonstrado que as leituras que
Hort chama “Sírias” existiram antes do final do quarto século, a pedra angular
seria arrancada da base da sua teoria; e desde que ele não produziu
nenhuma estatística que provasse sua afirmação, seus oponentes estavam
perfeitamente livres para desafiá-la.

Edward Miller, que foi o editor da obra de John Burgon, e após sua morte, fez
uso do índice feito por este, de 86.489 citações patrísticas do Novo Testamento,
afirma:

Quanto à alegada ausência de leituras do Textus Receptus nos escritos dos


Pais ante-Nicenos, Dr. Hort baseia-se em grande parte em sua imaginação e
27

seus desejos. [...] Mas há realmente uma carência dessas leituras nas obras
dos primeiros Pais, como se supõe? (MILLER, 1886, p. 53).

Quando Miller toma apenas os Pais gregos e latinos, sem contar os sírios,
que morreram antes de 400 DC., suas citações apoiam o TR em 2.630 instâncias, e
o texto Alexandrino em 1.753. Se somente os Pais mais antigos forem tomados, de
Clemente de Roma até Irineu e Hipólito, a proporção a favor do TR é de 151 contra
84. Se forem considerados somente os escritores ocidentais há igualdade de votos.
Mas quando Miller usa uma lista seleta de trinta passagens importantes para exame
detalhado, a evidência patrística em favor do TR sobe para 530 contra 170 (MILLER,
1896, p. 99-101). Kenyon concorda com reservas com as conclusões de Miller:

Precisa ser admitido que o Sr. Miller não se esquivou do teste. Uma parte
considerável do seu trabalho como editor dos trabalhos do Deão Burgon
tomou a forma de uma classificação de citações patrísticas, baseadas sobre
os grandes índices que o Deão deixou para traz, como eles testemunhavam a
favor ou contra o Texto Tradicional dos Evangelhos. [...] agora está claro que,
se estes números fossem confiáveis haveria um final para a teoria de Hort,
pois suas premissas seriam completamente infundadas. (KENYON, 1912, p.
321-22).

Precisa ser lembrado aqui que Sir Frederic Kenyon é defensor da teoria de W-
H, e ele prossegue:

Um exame deles, no entanto, mostra que eles não podem ser aceitos como
de qualquer forma representando o verdadeiro estado do caso. Em primeiro
lugar, é bastante certo que edições críticas dos vários Pais, se existissem,
mostrariam que, em muitos casos, as citações foram assimiladas em MSS
posteriores ao Textus Receptus, enquanto no anterior elas concordariam
mais com as testemunhas “Alexandrinas” ou “Ocidentais”. (KENYON, 1912, p.
322). [grifo do autor].

O argumento é sempre o mesmo, quando aparece alguma prova atestando o


TR antes do quarto século os críticos dizem que o texto foi “assimilado”, mas sempre
sem apresentar nenhuma evidência. Miller, no entanto, selecionou trinta passagens
que considerou como evidências esmagadoras a favor da antiguidade do TR, mas
Kenyon (1912, p. 323), argumenta que elas são leituras antigas que conservaram
seu lugar no TR. Ele cita as seguintes passagens como exemplo: Mt 17:21, Mt
18:11, Mt 19:16, Mt 23:38, os últimos 12 versos de Marcos, Lc 24:40 e Jo 21:25.
Interessante que Kenyon admite que Marcos 16:9-20 tem ampla atestação anterior
ao quarto século quando afirma: “Segundo Hort, o Textus Receptus é o resultado de
uma revisão em que elementos antigos foram incorporados. O senhor Miller apenas
aponta para alguns desses elementos antigos e argumenta que o todo é antigo”.
28

(KENYON, 1912, p. 323). Só não explica porque as edições de W-H eliminam a


passagem. Pickering observa:

É difícil acreditar que Kenyon foi exatamente imparcial aqui. Ele obviamente
leu o trabalho de Miller com cuidado. Porque ele não disse nada sobre “ao
arrependimento” em Mt 9:13 e Mc 2:1730, ou “vinagre” em Mt 27:3431,[...] ou
“os profetas” em Mc 1:232, [...] ou a oração do Senhor por seus assassinos em
33
Lc 23:34 ? (PICKERING, 2014 p. 59-60).

Os números de Miller não deixam qualquer dúvida de que o TR era bastante


conhecido e usado já no segundo século pelos Pais latinos e ocidentais. Essas
pesquisas mostram o quanto é perigoso ficar simplesmente repetindo a fala de
outros ao invés de partir para a investigação séria. Miller prova que, não somente o
texto do TR é encontrado em citações de vários Pais antes de Crisóstomo, mas que
ele inclusive predomina nesse período. E Miller desafia:

Com relação aos Pais antes de 400 DC, a questão pode ser agora formulada
e respondida. Eles testemunham do Textus Receptus como existindo desde o
início, ou não? Os resultados da evidência, tanto no que diz respeito à
quantidade quanto à qualidade do depoimento, nos permitem responder não
apenas que o Textus Receptus existia, mas que era predominante, durante o
período em análise. Que qualquer um que discuta esta conclusão, faça para o
texto “Ocidental” ou para o texto “Alexandrino”, um caso de evidência dos
primeiros Pais que possa igualar ou superar esse que agora é colocado
diante do leitor. (MILLER, 1896, p. 116).

Não é preciso dizer que ninguém jamais aceitou o desafio de Miller. Mas, e os
antigos Papiros, de que lado estão? Cada um dos primeiros Papiros dá testemunho
de leituras do TR. Depois de exaustivo estudo em P46 G. Zuntz (1953 apud
PICKERING, 2014, p. 68), conclui: “Resumindo: várias leituras Bizantinas (Sírias), a
maioria delas genuína, que previamente foram descartadas como ‘posteriores’, são
antecipadas por P46.” Hills (2000), diz que os Papiros Chester Beatty vindicam 26
leituras Sírias nos Evangelhos, 8 em Atos e 31 nas Epístolas de Paulo. Em
referência a P66 ele diz:

Para ser preciso, o Papiro Bodmer II [P66] contém treze por cento de todas as
leituras alegadamente tardias do Textus Receptus na área que ele cobre (18
de 138). Treze por cento das leituras “Sírias” que a maioria dos críticos têm
considerado como posteriores têm sido provados agora pelo Papiro Bodmer
II, serem leituras iniciais. [...] Certamente o fato do Papiro Bodmer II
concordar com o texto “Sírio”, como também os Papiros Chester Beatty,

30
Estas passagens têm sustentação por Epístola de Barnabé, Justino Martir ( Apologia i v. 15), Ireneu
( Contra as Heresias, III v. 2), Orígenes (Comentários sobre João xxviii v. 16), Eusébio (Comentário
sobre Salmo cxlvi) Hilário (Comentário sobre Mateus ad loc) e Basílio (De Poenitent. 3)
31
Sustentada pelo Evangelho de Pedro, Barnabé, Ireneu, Tertuliano, Celso, Orígenes e Atanásio.
32
Sustentado por Ireneu, Orígenes, Porfírio e Eusébio.
33
Sustentado por Marcião, Justino Mártir, Ireneu, Hipólito, Orígenes, Eusébio, Hilário e Atanásio.
29

refuta a afirmação de Hort, e de outros críticos famosos, de que o texto “Sírio”


34
foi criado por editores. (BURGON , 2000, p. 54).

Também existem evidências produzidas, ou reconhecidas pelos próprios


defensores do Texto Crítico: Epp (1967 apud PICKERING, 2014, p. 43) sugere: “P75
pode ser considerado como um ancestral para o texto ‘Neutro’ de Hort, P66 para o
texto ‘Alexandrino’, e P45 para o texto ‘Ocidental’.” Mas, de acordo com Pickering, ele
próprio produz evidência contrária: “[...] Assim, com referência às unidades de
variação em Marcos 6:9 (onde P45 é sobrevivente), Epp registra que P45 mostra uma
concordância de 38% com Códice D, 40% com o TR, 42% com B, 59% com f13, e
68% com o Códice W” (PICKERING, 2014, p. 43).

De acordo com os números de Epp, a qual tipo de texto P45 deve ser
atribuído? Já P66 e P75 têm sido sempre apontados como ancestrais para o texto
“Alexandrino” de W-H. Pickering (2014, p. 44), utilizando o trabalho de Klinj em 8
instâncias em que, ‫ א‬e B discordam e onde pelo menos um dos Papiros se junta a

eles, e em 43 locais onde os dois papiros se alinham com ‫ א‬ou com B, e faz uma

comparação entre os dois Papiros, o Códice ‫ א‬e o Códice B. Os números do TR são


da BFBS (British and Foreign Bible Society), (1946 apud PICKERING 2014, p. 44):
Nas 43 vezes que há concordância: P66 concorda com ‫ א‬14 vezes, com B 29 vezes,

com TR 33 vezes. P75 concorda com ‫ א‬9 vezes, com B 33 vezes, com TR 29 vezes.

Nos outros 8 locais: P66 concorda com ‫ א‬2 vezes, com B 3 vezes, com TR 5 vezes.

P75 concorda com ‫ א‬2 vezes, com B 3 vezes, com TR 4 vezes. Cada um dos três
Papiros também têm outras leituras. Pickering (2014, p. 45), conclui:

Nestes manuscritos do terceiro século, cujas evidências nos levam de volta à


metade do segundo século, não encontramos nenhuma pureza primitiva, nem
ancestrais imaculados do Vaticanus, mas sim representantes falidos e
estragados do texto original. As características de todos os textos principais
isolados por Hort são encontradas aqui de forma muito diferente.

A alegada inexistência de evidências das leituras “Sírias” antes de Crisóstomo


parece ter chegado ao fim. As provas apresentadas de que o texto retrocede pelo
menos ao início do terceiro século se mostram bastante convincentes.

34
A introdução do livro de Burgon foi redigida pelo Dr. Edward F. Hills.
30

3.1.4 Evidências internas

Esse é, evidentemente, um cânone subjetivo, mas, se a questão se resume


em “a leitura que melhor se adequa ao contexto e a intenção do autor”, seria preciso
perguntar ao escritor bíblico qual foi sua intenção ao escrever determinado texto. É,
portanto, necessário ter em conta a consideração feita por Pedro em sua segunda
carta, quanto à dificuldade de se interpretar a intenção de Paulo. Se isso era difícil
para Pedro que convivia com Paulo, se torna praticamente impossível para a crítica
textual dos séculos XX e XXI.

Outro ponto levantado por W-H é: “a leitura mais curta seja a preferida”
levando em conta a propensão dos escribas a alongarem os textos ao copiarem. W-
H ainda argumentam que “a leitura mais difícil seja a preferida”. O que daria base
para isso é uma alegada inclinação dos copistas a harmonização, eliminando
possíveis dificuldades. Esses argumentos são subjetivos e não condizem com a
pesquisa acadêmica séria, contudo, uma vez que a evidência interna precisa ser
considerada é necessário que se faça, em alguma medida, uma avaliação das duas
principais testemunhas do Texto Crítico, os Códices ‫ א‬e B.

H. C. Hoskier (1914) colacionou35 pessoalmente os cinco grandes


manuscritos unciais36 antigos37 e, a respeito de ‫ א‬e de B ele escreveu dois livros
onde compara, letra por letra, esses dois grandes manuscritos. No primeiro livro,
intitulado “Codex B and Its Allies I” (Códice B e seus aliados), Hoskier produziu 497
páginas apontando os erros e as contradições do Códice B, e em “Codex B and Its
Allies II”, ele faz o mesmo com o Códice ‫ א‬em outras 412 páginas. Hoskier aponta

que os Códices B e ‫ א‬discordam entre si mais de 3.000 vezes apenas nos quatro
Evangelhos, sem incluir erros de grafia e nem sinônimos.

De acordo com a sugestão de Colwell (1912) de que, dois textos do mesmo


tipo precisariam ter pelo menos 70% de concordância, ‫ א‬e B não se enquadram na
mesma categoria de texto, tanto é assim que os aparatos críticos dos textos da UBS
e Nestle-Aland não mais utilizam um símbolo coletivo para o tipo de texto chamado

35
Colacionar (do latim collationare: combinar, comparar), em crítica textual significa tomar duas
cópias em grego de um mesmo trecho, e compará-las, confrontá-las, conferi-las, cotejá-las.
36
Manuscritos grafados em letras maiúsculas.
Codex ‫א‬, A, B, C e D.
37
31

de “Alexandrino”. Todos os defensores da teoria de W-H concordam que ‫ א‬é inferior


a B. Enquanto o Códice B estava esquecido em uma prateleira da Biblioteca do
Vaticano, ninguém sabe desde quando, Constantin Tischendorf encontrou o Códice
‫ א‬em uma cesta de lixo, aguardando a sua vez de alimentar o fogo:

Foi no sopé do Monte Sinai, no Convento de Santa Catarina, que descobri a


pérola de todas as minhas pesquisas. Ao visitar a biblioteca do mosteiro, no
mês de maio de 1844, percebi no meio do grande salão uma grande e ampla
cesta cheia de velhos pergaminhos; e o supervisor, que era um homem de
informação, contou-me que dois montes de papéis como esse, moldados pelo
tempo, já estavam comprometidos com as chamas. (TISCHENDORF, 1866,
p. 28).

A respeito de B, Hoskier (1914, p. 465) afirma: “O caluniado ‘Textus Receptus’


serviu em larga medida como a base a qual B torceu e mudou.” O próprio Kurt Aland
reconhece que: “O Egito foi distinguido de outras províncias da Igreja, tanto quanto
podemos julgar, pelo domínio precoce do gnosticismo” (ALAND; ALAND, 1989, p.
59). Ele ainda acaba deixando escapar que, tanto o Códice ‫ א‬quanto o Códice B,
são resultado de uma revisão textual. Ele afirma que os textos que deram origem a
esses dois unciais do quarto século foram preparados pelo bispo Demétrio38 a partir
de “manuscritos particulares, provavelmente importados de outras províncias da
igreja, e por serem exemplares melhores teriam sido usados para criar um texto
especial Alexandrino” (ALAND; ALAND, 1989, p. 59).

Claro que os manuscritos produzidos no Egito não serviriam, pois, estavam


adulterados pelos hereges gnósticos e pelos arianos da Escola Catequética de
Orígenes, fato reconhecido pelo próprio Aland. Ele ainda acrescenta que os
possíveis erros contidos neste texto preparado por Demétrio, foram posteriormente
corrigidos pelo grande bispo de Alexandria, Atanásio, no início do quarto século.
Mas o que causa perplexidade é a afirmação de Kurt e de Barbara Aland que: “Não
existe nenhuma prova documental desses fatos” (ALAND; ALAND, 1989, p. 59-65).

Será necessário aqui relembrar o que W-H disseram a respeito de ‫ א‬e de B:

“É nossa crença que as leituras de ‫ א‬e de B devem ser aceitas como a verdadeira
leitura [original] até que forte evidência interna seja encontrada ao contrário”
(WESTCOTT; HORT, 1882, p. 225). Então, para o bem da verdade, esses dois
manuscritos deveriam ser desconsiderados pela moderna crítica textual como

38
Pai da Igreja anterior a Atanásio.
32

refletindo o texto original do Novo Testamento, uma vez que eles juntos contêm mais
de 3.000 erros somente nos Evangelhos.

O que precisa ser enfatizado é que Hoskier colacionou esses manuscritos, e


apontou os seus erros um a um. O trabalho dele ainda está para ser refutado, o que
ainda não foi feito por ninguém. Pickering (2014) reforça que, depois de estudar o
trabalho de Hoskier, é impossível continuar retendo alguma confiança na teoria de
W-H, e consequentemente, nos textos ecléticos derivados dela, representados pelos
textos gregos UBS e Nestle-Aland que, por sua vez, servem de base para as
modernas traduções que, no Brasil, estão representadas pelas Bíblias ARA, NVI,
NTLH, NAA, TEB, KJA, BJ, TNM, entre outras.

3.1.5 A recensão luciânica e a Peshitta

A maneira que W-H encontraram para explicar o predomínio do TR em todo o


mundo a partir do quinto século, foi uma suposta revisão do texto, que teria ocorrido
no quarto século, pelo bispo de Antioquia, Luciano. Mas a verdade é que nem W-H,
nem ninguém, jamais foram capazes de comprovar que tal recensão aconteceu. Não
existe qualquer registro de nenhum historiador da Igreja e nem secular, que isso
teria ocorrido de fato. O que torna o argumento uma invenção da dupla.

Alguns críticos modernos, como Wilson Paroschi, continuam repetindo esse


discurso ultrapassado: “É o último dos tipos distintivos de textos do NT e parece ter
resultado de uma revisão de antigos textos locais feita por Luciano de Antioquia,
pouco antes de 312, ano do seu martírio” (PAROSCHI, 1999, p. 87). [sem grifo no
original]. Mas, boa parte dos seguidores da teoria de W-H há muito abandonaram
esse argumento. Bruce Metzger, que foi o patrono principal do texto grego da UBS,
diz sobre isso:

Estudos recentes no TR mostraram que ele pode ser encontrado em forma


rudimentar já no século IV em escritores como Basílio, o Grande e
Crisóstomo, mas que sua forma final representa uma tradição que se
desenvolve lentamente, não uma que surgiu imediatamente em um momento
e lugar. Não foi, em outras palavras, uma recensão textual criada por uma
única pessoa ou comunidade. Parece, no entanto, que os editores bizantinos
formaram seu texto tomando elementos das antigas tradições existentes,
escolhendo leituras variantes entre aquelas já disponíveis ao invés de criar
novas leituras que se encaixam em seu sentido de um texto melhorado.
(METZGER; EHRMAN, 2005, p. 279).

Mas, porque ele continuou usando como base um texto comprovadamente


cheio de erros depois de uma declaração como essa? Outro testemunho da
33

antiguidade do TR é a versão síria Peshitta. A Peshitta é uma versão muito antiga


retrocedendo até ao segundo século da nossa era. O problema para a moderna
crítica textual é que o texto da Peshitta dá testemunho das leituras características do
TR. Uma das explicações dadas pelos críticos é que ela é, na verdade, produto do
quarto século. Aland assim descreve:

A tradição atribui a Peshitta a Rábula, bispo de Edessa entre 411 e 435. É


certo, no entanto, que o texto atual não pode ter sido inteiramente seu
trabalho. A própria presença de leituras em siríaco antigo na Peshitta prova
que não era uma nova versão, mas o resultado de uma revisão de uma forma
de texto do siríaco antigo seguindo um exemplo de texto do tipo koiné. As
evidências, portanto, sugerem um desenvolvimento gradual em direção à
forma padronizada do texto da Peshitta, promovido vigorosamente na
primeira metade do quinto século, indubitavelmente por Rábula entre outros.
O caráter textual dos estágios anteriores da “pré-Peshitta” naturalmente
diferia da versão padrão final. (ALAND; ALAND, 1989, p. 197).

A conclusão é que o texto da Peshitta foi acomodado ao TR mesmo


mantendo leituras em siríaco antigo. O argumento é válido, o problema mais uma
vez é que não são apresentadas provas dessa intervenção feita pelo bispo Rábula,
ou seja, é só mais uma invenção, assim como a recensão luciânica. Tischendorf
(1866, p. 55) diz a respeito da Peshitta: “Vamos citar duas outras testemunhas, uma
das quais nos leva de volta a uma antiguidade ainda mais distante. Nós conhecemos
quase todas as versões antigas do Novo Testamento. Essa é em siríaco e é
chamada de Peshitta.” Mas, ainda pode ser encontrada em praticamente todos os
livros textos sobre crítica textual a argumentação de que o TR se baseia em uma
recensão. Como já foi amplamente demonstrado anteriormente nesta pesquisa, o
texto do TR retrocede pelo menos ao segundo século.

Os fatos mostram que esses estudiosos, apesar de comprovado por eles


mesmos a antiguidade do TR, se negam a reconhecer isso de forma oficial, e tecem
um emaranhado de explicações, na sua maioria sem atestação, para desautorizar
toda e qualquer testemunha de que o TR retrocede ao início do terceiro século e,
portanto, aos próprios Autógrafos que, nesse período, estavam ainda em uso em
muitas igrejas, conforme disse Tertuliano no ano 208, se dirigindo aos hereges:

Vocês podem ir às igrejas apostólicas, nas quais os próprios tronos dos


apóstolos ainda estão proeminentes em seus lugares, nos quais estão os
39
seus escritos autênticos , proferindo a voz e representando o rosto de cada
um deles separadamente. Acaia está muito perto de vocês, (na qual) vocês

39
Tertuliano usa aqui a palavra latina “autenticae”, o que leva alguns intérpretes a entender que ele
se referia aos próprios autógrafos ou a cópias totalmente fiés, seladas pelas autoridades dessas
igrejas. A segunda interpretação parece ser a correta.
34

encontram Corinto. Já que não estão longe da Macedônia, vocês têm Filipos
e também os Tessalonicenses, dai vocês podem cruzar para a Ásia onde está
Éfeso. Visto que, além disso, vocês estão próximos da Itália, vocês têm
Roma, da qual vem às nossas mãos a própria autoridade (dos apóstolos).
(ROBERTS; DONALDSON, 1918, p. 260).

Do que se conclui que, no início do terceiro século era perfeitamente possível


dirimir quaisquer dúvidas quanto à fidelidade do texto bíblico, comparando os
variados manuscritos que estavam circulando com os escritos originais, ou quando
muito, cópias fiéis dos originais que eram mantidas nas igrejas apostólicas. E quanto
aos dois grandes Códices que são a base das versões modernas, o que dizer?
“Pesados fostes na balança e fostes achados em falta” (DANIEL, 5:27). Mas, o fato é
que esta teoria deixou suas impressões no que diz respeito à crítica do texto, e sua
influência se fez sentir na erudição subsequente, como poderá ser visto no próximo
capítulo.
35

4 A INFLUÊNCIA DA TEORIA DE WESTCOTT E HORT NAS EDIÇÕES DO


TEXTO GREGO DO NOVO TESTAMENTO

A publicação em 1881 do “The New Testament in the Original Greek” de W-H


em dois volumes, foi um divisor de águas no que diz respeito à crítica textual do
Novo Testamento. Estudiosos posteriores como Eberhad e Erwin Nestle, Eugene
Nida, Bruce Metzger, Bart Ehrman, Kurt e Barbara Aland, Matthew Black, Allen P.
Wikgren, Robert Bratcher, Johannes Karavidopoulos e Carlo Maria Martini, não só
abraçaram como passaram a defender a teoria de W-H com unhas e dentes. O
resultado de tudo isso, foi o abandono do texto que foi amplamente usado pelos
crentes desde o início da história da Igreja até fins do século XIX. Texto esse que
havia sido usado como base para todas as grandes traduções até então
realizadas40.

Enquanto essas traduções surgiram em um clima de avivamento espiritual,


iniciado com a Reforma Protestante do século XVI, um texto grego diferente é
exaltado em um momento em que, o Iluminismo e o Racionalismo imperavam, e o
Liberalismo tomava conta dos grandes seminários teológicos pelo mundo. É nesse
clima que o texto de W-H encontra apoio, e os poucos que ousaram desafiar esse
status quo foram ignorados. David Otis Fuller41 foi um dos que se levantaram contra
o uso de Bíblias baseadas no Texto Crítico no Conselho das Igrejas Batistas dos
Estados Unidos, mas foi voto vencido. (SILVA, 2018).

As sociedades bíblicas foram surgindo juntamente com a nova era que se


iniciava para o texto grego do Novo Testamento. Em 1975 foi fundada a Deutsche
Bibelgesellschaft, editora do “Novum Testamentum Graece”, mais conhecido como
Nestle-Aland. Ela nasceu da fusão das sociedades bíblicas alemãs 42. Anteriormente,
em 1946 já havia sido criada a UBS, editora que publica o “The Greek New
Testament”, e que congrega cerca de 149 Sociedades Bíblicas, espalhadas por mais
de 200 países e territórios, da qual faz parte a Sociedade Bíblica do Brasil (SBB). O
objetivo era facilitar o processo de tradução, produção e distribuição das Escrituras

40
Texto amplamente citado pelos Pais da igreja e base das grandes traduções após o advento da
imprensa como citado na página 18.
41
Pastor batista regular em Grand Rapids, Michigan, doutor em divindade pelo Seminário Teológico
de Dallas.
42
Informação colhida no site da Deutsche Bibelgesellschaft.
36

Sagradas por meio de estratégias de cooperação mútua43. Essas duas entidades


editam o texto grego do Novo Testamento e têm como base a teoria crítica de W-H.
O “Novum Testamentum Graece” de Nestle-Aland já está em sua 28ª edição. Em
cada uma delas o texto é atualizado sendo corrigidos erros tipográficos quando
encontrados. Os editores recomendam o uso dos seus textos a partir da 7ª edição.
Uma Comissão internacional e interconfessional de cinco editores44 é responsável
pelo texto grego encontrado nessas edições. Segundo Aland e Aland (1989, p. 222):

O texto do Novo Testamento dessas edições foi formalmente aprovado como


base para traduções nos Princípios Orientadores de 1968, e confirmado nas
Diretrizes para Tradutores, promulgadas pelo Vaticano e as Sociedades
Bíblicas. [grifo do autor].

Aland e Aland (1989) ainda citam outras edições não baseadas na teoria de
W-H com pouca apreciação. Um bom exemplo é a sua avaliação da obra “The New
Testament According To Majoritary Text”, de Arthur L. Farstad e Zane C. Hodges. “O
título revela claramente a intenção da edição: oferece o Textus Receptus, e é
dificilmente uma edição crítica no sentido estrito” (ALAND; ALAND, 1989, p. 223).

Aland trata o trabalho de Hodges e Farstad de maneira depreciativa. Mas, a


não ser o “The New Testament According To Family 35”, de Wilbur Pickering, nunca
houve nada parecido publicado no mundo em matéria de aparato crítico. Sem
mencionar que o trabalho traz o texto grego, uma tradução literal palavra por
palavra, uma tradução por equivalência formal 45, uma nova tradução, no nosso caso
para o português, um aparato com todas as palavras do texto como elas aparecem
no dicionário e, no rodapé, a descrição dos manuscritos que contêm cada variante.
A obra fala por si. A seguir, a lista dos pressupostos que acompanham a edição do
texto de Nestle-Aland. (ALAND; ALAND, 1989, p. 280-81).

1. Apenas uma leitura pode ser a original, embora leituras variantes possam
existir.
2. Somente a leitura que melhor atenda aos requisitos dos critérios externos e
internos pode ser original.
3. A crítica do texto deve começar a partir da evidência da tradição manuscrita.
4. Critérios internos nunca podem ser a única base para a decisão crítica.

43
Informação colhida no site da Sociedade Bíblica do Brasil.
44
Kurt Aland, Barbara Aland, Bruce M. Metzger, Johannes Karavidopoulos e Carlo Maria Martini.
45
Traduz-se as palavras de maneira literal, seguindo a base da língua mãe.
37

5. A principal autoridade para uma decisão textual crítica é a tradição do


manuscrito grego.
6. Os manuscritos devem ser pesados e não contados.
7. O princípio de que a leitura original pode ser encontrada em um só
manuscrito ou versão é apenas possibilidade teórica.
8. O princípio genealógico é um dispositivo extremamente importante, porque a
leitura que mais facilmente pode explicar a derivação de outras formas é
provavelmente a original.
9. As variantes nunca devem ser tratadas isoladamente, mas sempre
consideradas no contexto da tradição.
10. Há verdade na máxima “A leitura mais difícil é a leitura mais provável”.
11. A venerável máxima “A leitura mais curta é a leitura mais provável”,
certamente está correta.
12. Uma familiaridade constante mantida com os próprios manuscritos do Novo
Testamento é o melhor treinamento para a crítica textual.

De acordo com Paroschi (1999), os principais responsáveis pelas edições da


UBS e do Nestle-Aland, são: Eberhad Nestle (1851-1913), lançou em 1898 a
primeira edição do Novum Testamentum Graece, baseado principalmente nos textos
de Tischendorf e W-H. Quando estes diferiam, ele ainda utilizava a edição de
Bernhard Weiss. Erwin Nestle (1883-1972), deu continuidade ao trabalho do pai a
pedido dos especialistas alemães em Novo Testamento. Lançou em 1927 a 13ª
edição de Nestle, obra que alcançou grande prestígio e divulgou o Texto Crítico
mundo afora.

Kurt Aland, um dos grandes nomes da crítica textual do Novo Testamento,


entrou para o time em 1952, trabalhando na 21ª edição, contribuindo principalmente
no aparato crítico, utilizando seus estudos nos Papiros. Em 1979, já conhecido pelo
nome de Nestle-Aland, tendo Barbara Aland como co-editora, foi lançada a 26ª
edição. Bruce Manning Metzger, é um dos estudiosos no Novo Testamento
considerado do mais alto nível, nos Estados Unidos; tem sido professor titular-
catedrático na Universidade de Princeton, por muitos anos. É o autor de muitas
obras eruditas na área da crítica textual, inclusive do livro-texto padrão, “The Text of
the New Testament”, em parceria com Bart Ehrman a partir da 4ª edição. Faz parte
da Comissão da UBS desde a sua formação em 1946.
38

Eugene A. Nida, secretário do Departamento de Traduções da Sociedade


Bíblica Americana, organizou o projeto que lançou o “The Greek New Testament”,
edição destinada especialmente aos tradutores. A Comissão formada pela UBS era
a seguinte: Kurt Aland, Matthew Black, Bruce M. Metzger e Allen P. Wikgren. Carlo
Maria Martini, reitor do Pontifício Instituto Bíblico de Roma, passou a fazer parte do
projeto da UBS a partir da 2ª edição, consagrando o caráter interconfessional da
Comissão. Sua influência se fez sentir principalmente a partir da 3ª edição, que teve
mais de 500 alterações com relação à sua antecessora. Posteriormente passarama
fazer parte do time Barbara Aland e Johannes Karavidopoulos, que ocuparam os
lugares de Mathew Black e Allen Wikgren.

A Comissão acabou por estabelecer, a partir de 1983, um só texto para a 26ª


edição de Nestle-Aland e a 3ª edição da UBS, com diferenças apenas nos aparatos
críticos. Enquanto o texto da UBS se direciona para os tradutores, o texto de Nestle-
Aland é mais indicado para uso acadêmico. A unificação do Texto Crítico nessas
edições parece indicar uma grande concordância entre os estudiosos em direção ao
estabelecimento do texto original do Novo Testamento. Wilson Paroschi assim
define:

[...] a crítica textual do NT chegou a um estágio tal de desenvolvimento que a


concordância entre os estudiosos quanto ao texto crítico moderno é
espantosamente grande, ao passo que o número de variantes ainda
contestadas é por demais reduzido. (PAROSCHI, 1999, p. 139).

Todos esses acontecimentos parecem ter definitivamente desacreditado o


TR. Atualmente apenas a Trinitarian Bilble Societies, e suas afiliadas, o editam em
vários idiomas, no mais, todas as modernas traduções têm como base o Texto
Crítico. A seguir, alguns exemplos de como a Comissão lida com as escolhas das
variantes, e quais os cânones são usados nessas escolhas.

Mateus 1:7-8 – “ σὰ” (Asa)46 – “Asa”.

A variante “ σάφ” (Asafe), escolhida pela Comissão, se encontra nos


seguintes manuscritos: “‫א‬, B, f¹, f¹³, 700, 1071” (METZGER, 1971, p. 1). Segundo
Pickering (2015, p. 1), isso equivale a 2% do total de manuscritos gregos conhecidos
do Evangelho Segundo Mateus. Todos os demais trazem “ σὰ”, ou seja, 98% dos

46
As palavras que aparecem em grego junto com a referência bíblica são sempre as contidas no TR.
39

manuscritos gregos conhecidos. A explicação da Comissão pela escolha da variante


“ σάφ” é a que se segue:

Pode ser, no entanto, que o evangelista derivou seu material para a


genealogia, não do Velho Testamento diretamente, mas de listas
genealógicas subsequentes, nas quais a grafia errônea ocorreu. A Comissão
não viu nenhuma razão para adotar o que parece ser uma emenda dos
escribas. (METZGER, 1971, p. 1). [sem grifo no original].

Bruce Metzger declara que a variante escolhida pela Comissão é “errônea”,


ou seja, os editores da UBS e do Nestle-Aland, mesmo reconhecendo o erro, o
importaram para o seu texto. Nota-se que, nesse caso específico, a Comissão não
aplica nenhum dos critérios estabelecidos para a escolha de variantes, e segue
puramente a subjetividade. Problema: Aparece na genealogia de Jesus um
personagem inexistente nas listas da Bíblia Hebraica.

Mateus 5:22 – “εἰκῆ” (eike) – “sem motivo”.

A grafia é encontrada em 96,2% dos manuscritos gregos conhecidos do


Evangelho Segundo Mateus. (PICKERING, 2015, p. 9). A Comissão dá a seguinte
explicação para a sua omissão: “Embora a leitura seja difundida desde o segundo
século, é muito mais provável que a palavra tenha sido acrescentada por copistas
a fim de suavizar o rigor do preceito, em vez de ser omitida como desnecessária”
(METZGER, 1971, p. 13). [grifo do autor]. Problema: O texto de Mateus 5:22 traz:
“Eu, porém, vos digo que todo aquele que, sem motivo [eikh], se irar contra seu
irmão estará sujeito a julgamento [...].” O texto da UBS e o de Nestle-Aland está em
franca contradição com Efésios 4:26 e Salmos 2:5.

Marcos 1:2 – “ἐν τοῖς προφήταις” (en tóis profetais) – “nos profetas”.

Leitura sustentada por 96,7% dos manuscritos conhecidos do Evangelho


Segundo Marcos. (PICKERING, 2015, p. 89). A Comissão segue uma minoria de
manuscritos e traz a seguinte redação: “Ἠσαΐᾳ τῷ προφήτῃ” (Esaía tô profete), “no
profeta Isaías”. Bruce Metzger usa o argumento da “leitura mais difícil é a original”
(METZGER, 1971, p. 73). Problema: O Texto Crítico atribui, uma citação que se
encontra no livro de Malaquias, ao profeta Isaías.
40

Marcos 6:22 – “αὐτῆς τῆς ρῳδιάδος” (autês tês Herodíados), “[a filha] ela
própria de Herodias”.

96,5% dos manuscritos gregos conhecidos do Evangelho segundo Marcos


contém a expressão. Os editores da UBS e do Nestle-Aland adotam a leitura “αὐτοῦ
ρῳδιάδος (autou Herodiádos), “do próprio Herodes” [filha], seguindo 0,4%47 dos
manuscritos gregos conhecidos. (PICKERING, 2015, p. 112). Problema: É produzida
uma contradição entre o relato de Marcos e o de Mateus. Mateus 14:6 declara que a
moça era filha de Herodias, que havia sido mulher de Filipe, irmão de Herodes. O
Texto Crítico diz que Herodias é filha do próprio Herodes. Bruce Metzger assim
defende a escolha: “É muito difícil decidir qual redação é menos insatisfatória”
(METZGER, 1971, p. 89). O erro é tão evidente que as versões em língua
portuguesa, nesse caso, abandonam o Texto Crítico e trazem corretamente “a filha
de Herodias”.

Lucas 3:33 – “τοῦ μιναδάβ, τοῦ ράμ” (tou Amindabe, tou Aram), “de
Aminadable, de Arão”.

Sustentado por 95% dos manuscritos conhecidos do Evangelho Segundo


Lucas. (PICKERING, 2015, p. 176). A leitura adotada pela Comissão “τοῦ μιναδὰβ
τοῦ δμὶν τοῦ ρνὶ” (tou Aminadabe, tou Admin, tou Arni), “de Aminadable, de Admin,
de Arni”, não é encontrada, pasmem, em nenhum manuscrito grego conhecido do
Evangelho de Lucas. (PICKERING, 2014, p. 321). A UBS não descreve
corretamente as evidências em seu aparato crítico, de modo a esconder o fato de
que, a redação adotada pela Comissão foi criada por eles. Problema: Os nomes de
Admin e de Arni não são encontrados nas listas genealógicas da Bíblia Hebraica. A
explicação dada por Metzger para a escolha foi: “A Comissão adotou o que parecia
ser a forma menos insatisfatória do texto” (METZGER, 1971, p. 136).

João 1:18 – “ μονογενὴς Υἱὸς” (hó monoguenês Hiós) “O Unigênito Filho”.

Leitura apoiada por 99% dos manuscritos gregos conhecidos do Evangelho


Segundo João. (PICKERING, 2015, p. 275). Metzger dá a seguinte explicação para
a escolha feita pela Comissão por “μονογενὴς θεὸς” (monoguenês Theós), “Deus
Unigênito”. que está em 1% dos manuscritos gregos conhecidos: “Com a descoberta

47
Quando os percentuais não fecham os 100% é porque existem manuscritos com outras leituras.
41

de P66 e P75, ambos com a variante ‘θεὸς’, a evidência externa fortalece a leitura. A
Comissão rejeitou a leitura ‘ μονογενὴς Υἱὸς’ por ela ser uma assimilação de João
3:16” (METZGER, 1971, p. 198). Problema: A palavra “μονογενὴς”, literalmente,
“único gerado” não pode ser usada para se referir a Deus senão ao Filho.

Essa passagem está tratando da encarnação, pois Deus, o Filho, tem existido
eternamente. A natureza e o corpo humanos de Jesus foram literalmente
gerados em Maria através do Espírito Santo. Se Jesus recebeu sua
Divindade através do processo de geração, então ele não pode ser a
eternamente preexistente Segunda Pessoa da Trindade. (PICKERING, 2014,
p. 328).

João 6:47 – “εἰς ἐμὲ” (eis emé), “para dentro de mim”.

Leitura atestada por 99,5 dos manuscritos gregos conhecidos do Evangelho


Segundo João. (PICKERING, 2015, p. 296). Os manuscritos egípcios (0,5%) omitem
as palavras. Problema: O Texto Crítico omite “em mim”, e abre a porta para o
universalismo. Pickering (2014) observa que, como é impossível alguém viver sem
crer em algo, o objeto da crença é o que importa. Interessante a explicação de
Metzger:

A adição de “εἰς ἐμὲ” como o objeto direto do verbo crer, foi natural e
inevitável. A coisa surpreendente é que muitos copistas resistiram à
tentação. Se as palavras estavam presentes no texto original, nenhuma boa
razão pode ser sugerida para sua omissão. (METZGER, 1971, p. 214) [grifo
do autor].

Quando Metzger se refere aos “muitos copistas” que resistiram à tentação, se


faz necessário esclarecer que, os manuscritos egípcios que omitem o termo nunca
foram copiados, por isso, somam meros 0,5% do total.

João 7:8 – “οὔπω” (houpo), “ainda não”.

Sustentação dada por 96,5% dos manuscritos gregos conhecidos do


Evangelho Segundo João. (PICKERING, 2015, p. 299). O Texto Crítico segue uma
minoria de 3% dos manuscritos e abandona o Códice B, a sua principal testemunha,
e os Papiros P66 e P75 que, nesse caso, concordam com o TR. E Metzger assim
explica a escolha: “A variante [ainda não] foi introduzida em uma data bem antiga, o
que é atestado por P66 e P75, para amenizar a inconsistência entre o verso 8 e o
verso 10” (METZGER, 1971, p. 216).

Não dá para saber qual dos cânones estabelecidos pela própria Comissão é
seguido nesse caso. Problema: a rejeição pela Comissão do testemunho dos
42

Papiros P66 e P75, do segundo e terceiro séculos respectivamente, do Códice B, e de


mais 96% dos manuscritos gregos conhecidos do Evangelho Segundo João, tem
como consequência atribuir uma inverdade ao nosso Senhor Jesus Cristo no Texto
Crítico. Pickering (2016, p. 205) diz: “A leitura do Texto Crítico tem o efeito de atribuir
uma falsidade a Jesus, visto que ele, de fato, foi à festa ( e sem dúvida, sabia o que
ia fazer).

1Timóteo 3:16 – “Θεὸς” (Theós), “Deus”.

Leitura atestada por 98,5% dos manuscritos gregos conhecidos da Primeira


Carta do apóstolo Paulo a Timóteo. (PICKERING, 2015, p. 619). Aqui há a
necessidade de citar todo o versículo. “E sem dúvida alguma, grande é o mistério da
piedade, Deus se manifestou em carne, foi justificado no Espírito, visto dos anjos,
pregado aos gentios, crido no mundo, recebido acima na glória.” [sem grigo no
original]. O Texto Crítico aqui segue um único manuscrito, o Códice ‫א‬, e no lugar de
“Θεὸς”, traz “Ὃς” (hós), “quem, qual”. (PICKERING, 2015, p. 619). E a explicação de
Metzger (1971, p. 641) merece atenção: “Com base em evidência externa, e na
probabilidade transcricional, a leitura que melhor explica a origem das demais, é
‘Ὃς’.” Outro manuscrito, o Códice D, traz “Ὃ” (Hó), “que”. (PICKERING, 2015, p.
619). Problema: este texto é uma das afirmações mais categóricas da divindade de
Jesus encontrada no Novo Testamento. Pickering (2014, p. 330) afirma: “Grande é o
mistério da piedade, ‘quem’ se manifestou em carne, é pior em grego do que o é em
português.” Uma exegese honesta da passagem em questão, mostra que o
versículo 16 está exatamente explicando a expressão “Θεοῦ ζῶντος” (Theou zontos),
“Deus Vivo”, do versículo 15.

Marcos 16:9-20 – (todo o texto).

Presente em cada MS grego conhecido do Evangelho Segundo Marcos


(cerca de 1700) exceto em três: Códices ‫א‬, B e 304. Cada Lecionário grego
sobrevivente (cerca de 2000) contém a passagem. Cada MS em latim ( cerca de
8000), a contém. Existe ainda a evidência de Ireneu48 e o Diatesseron49.
(PICKERING, 2014). Pickering (2014, p. 327) ainda lembra: “Tischendorf, que
descobriu o Códice ‫א‬, advertiu que a folha dobrada contendo o final de Marcos e o

48
Contra as Heresias.
49
Harmonia dos Evangelhos escrita por Taciano entre 160 – 175 d. C..
43

início de Lucas parecia ter sido escrita por uma mão diferente e com tinta diferente
do restante do manuscrito.” Burgon (1871, p. 79), aponta que o copista do Códice ‫א‬
também omitiu o final do Evangelho de João, terminando o livro no versículo 24. De
qualquer forma, um exame detalhado no fac-símile do Códice ‫א‬, mesmo quando
feito por um leigo, revela que, a folha dobrada que traz o final do Evangelho de
Marcos e o início do Evangelho de Lucas, é, sem sombra de dúvida, uma
falsificação.

O Códice B é outro manuscrito que não traz os versículos 9-20. Esta é a


principal testemunha utilizada pela moderna crítica textual do Novo Testamento. O
Códice B também omite 1 e 2 Timóteo e Tito completos, Hebreus, de 9:15 em
diante, e todo o livro do Apocalipse. Ele foi escrito em pergaminho no século IV, em
três colunas de texto. Sempre que um livro termina, o próximo livro começa
imediatamente na coluna seguinte. Isso só não acontece no final do Evangelho de
Marcos e o início de Lucas. Nesse Códice, o Evangelho termina no versículo 8, na
segunda coluna de texto, mas o Evangelho de Lucas só começa na folha seguinte,
deixando uma coluna inteira em branco. Exatamente o espaço que seria ocupado
pelos versos de 9-20. Pergunta inevitável: porque o escriba deixaria uma coluna
inteira em branco, sendo o pergaminho um produto tão caro?

São duas as hipóteses: a primeira: o manuscrito usado como fonte para o


Códice B trazia os versos de 9-20, e, mesmo sem copiar o texto completo, o escriba
deixou sobrar o espaço que deveria ser ocupado pelo texto. A segunda hipótese é
que o final do Evangelho foi simplesmente apagado posteriormente, por isso o
espaço sobrando.

João 7:53 – 8:11 – (todo o texto).

Presente em 85% dos manuscritos gregos conhecidos do Evangelho


Segundo João. (PICKERING, 2015, p. 303). A evidência em favor do TR aqui é
menor do que em outros lugares. Mas, de acordo com a probabilidade estatística, é
praticamente impossível que uma adição dessa natureza e tamanho no texto bíblico,
chegasse a atingir 85% de atestação. Metzger (1971) alega que o vocabulário da
passagem é diferente do restante do Evangelho de João. Mas, se é assim, os
falantes do grego da época, estariam em posição melhor do que os críticos do
século XX para notarem tal fato. Outro argumento de Metzger é que a passagem
44

interrompe o fluxo do texto. É então necessário estudar a passagem e considerar os


versos em questão: O contexto é de um diálogo que está acontecendo entre os
fariseus, que haviam mandado soldados para prenderem Jesus e estes voltaram de
mão vazias. Nicodemos faz uma colocação ao que os fariseus respondem: 7:52: “És
tu também da Galiléia? Examina, e verás que da Galiléia nenhum profeta surgiu.” E
o capítulo 8:12 complementa: “Falou-lhes, pois, Jesus outra vez, dizendo: ‘Eu sou a
luz do mundo [...]’”

Pelas regras da gramática, se 7:53–8:11 estão faltando, qual é o antecedente


de “lhes”, e qual o significado de “outra vez”? O antecedente teria que ser os
fariseus e o significado de “outra vez” é que Jesus já havia falado pelo menos uma
vez com eles anteriormente. O problema é que Jesus não estava entre os fariseus
como é demonstrado por João 7:45. O Texto Crítico introduz uma afronta à sintaxe
quando afirma que 7:37-52 é antecedente de 8:12. (PICKERING, 2014). Agostinho,
escrevendo no quarto século, fala sobre casamento, adultério e perdão. Ele cita toda
a passagem como base do seu argumento e ressalta:

É dever do marido perdoar o que ele sabe que o Senhor dos dois perdoou, e
que ele não deve agora chamá-la de adúltera, cujo pecado ele acredita ter
sido erradicado pela misericórdia de Deus. No entanto, a mente pagã
obviamente se esquiva dessa comparação, de modo que alguns homens de
fé fraca, ou melhor, alguns hostis à verdadeira fé, temendo, como acredito,
que a liberdade para pecar com impunidade seja concedida a suas esposas,
removeram de suas escrituras o relato do perdão do Senhor sobre a mulher
adúltera. Como se o que Ele disse: De agora em diante, não peque mais,
concedesse permissão para pecar. Ou como se a mulher não devesse ser
curada pelo médico divino pela remissão daquele pecado, de modo a não
agregar a outros que são igualmente impuros. (AUGUSTINE, 1955, p. 70).

Agora está explicado o fato de 15% dos manuscritos não trazerem a


passagem e porque ainda hoje ela é tão contestada. A. F. J. Klinj (1969 apud
PICKERING, 2014, p.11), conclui: “Esse método chega a resultados tão variados
que nos perguntamos se os editores dos textos gregos e das traduções podem
seguir com segurança essa estrada.” O estudioso fica “livre para escolher em termos
de seus próprios julgamentos” (COLWELL 1967 apud PICKERING, 2014 p. 71).
Nesses poucos exemplos fica demonstrado que, a adoção do Texto Crítico mina
qualquer tentativa de se defender uma Bíblia inerrante e inspirada. Por
consequência, não pode ser a Palavra de Deus, mas, como alguns gostam de dizer,
ela apenas contém a Palavra. Um pequeno inconveniente: ninguém no mundo sabe
45

dizer qual parte é a Palavra e qual não é. Esse é o problema de se usar cânones
subjetivos em detrimento da evidência escriturística.

Torna-se cada vez mais evidente que o uso dos critérios estabelecidos pela
própria Comissão para as escolhas das variantes não são sempre seguidos. A
manipulação do texto bíblico pelos editores da UBS e do Nestle-Aland é nítida
nesses poucos casos. Dessa maneira, jamais haverá segurança quanto à exata
redação do texto original. No próximo capítulo, serão analisados os reflexos dessas
edições do texto grego do Novo Testamento, nas traduções mais importantes em
língua portuguesa.
46

5 OS IMPACTOS DO USO DO TEXTO CRÍTICO NAS TRADUÇÕES PARA A


LÍNGUA PORTUGUESA

Até meados do século XX, o Brasil esteve a salvo do Texto Crítico, que só foi
ter alguma penetração por aqui após o lançamento da 13ª edição do Nestle, editada
por Erwin Nestle em 1927. A influência dessa edição se fez sentir no nosso país em
1940, numa reunião da Imprensa Bíblica Brasileira, quando foi tomada a decisão de
se fazer uma profunda revisão no texto da tradução de João Ferreira de Almeida.
Em 1949 apareceu uma edição especial do Novo Testamento, mas a versão final só
viria em 1967, como o título de Versão Revisada, baseada no Texto Crítico.
(PAROSCHI, 1999).

A Sociedade Bíblica do Brasil (SBB) ainda não havia sido criada, o que só
aconteceu em 1948. A revisão do Novo Testamento ficou pronta em 1951 e foi
publicada em 1952 com o título de Almeida Revista e Corrigida. “Do texto usado por
João Ferreira de Almeida, o TR, para a 16ª edição de Nestle, a diferença é
considerável” (PAROSCHI, 1999, p. 135). A Almeida Revista e Atualizada
(doravante ARA), foi lançada em 1959, e em 1993 foi publicada a segunda edição.

Em 1973, a SBB lançou a 1ª edição do Novo Testamento da Tradução na


Linguagem de Hoje, utilizando um método de tradução a equivalência dinâmica50.
Em 1988 é lançada a Bíblia completa seguindo esse mesmo modelo de tradução
com o nome de Bíblia na Linguagem de Hoje (BLH). E, no ano 2000, fazendo coro
com a NVI, a SBB lançou a Nova Tradução na Linguagem de Hoje (NTLH), depois
de uma profunda reformulação da BLH.

Outra versão de destaque é a NVI, lançada no ano 2000, trazendo como


principal novidade as notas de rodapé. A sua característica mais marcante é o
ecletismo, usando o Texto Crítico como base, mas sem abandonar por completo o
TR. E, por fim, em 2017, a SBB lançou a Nova Almeida Atualizada (NAA), mantendo
o modelo de tradução que sempre caracterizou a Almeida, mas cada vez mais
conformando o seu texto ao Texto Crítico. A seguir, uma análise individual das
seguintes versões: ARA, NVI e NTLH, quanto aos princípios adotados para a

50
Traduz-se a ideia central da passagem, o que dá um pouco mais de liberdade com as palavras.
Esse método tem como pressuposto a não inspiração verbal das Escrituras, mas que Deus inspirou
somente as ideias.
47

tradução, aos avisos quanto às variações no texto e à sua fidelidade ao texto grego
que abraça.

5.1 ARA

A Bíblia Almeida Revista e Atualizada (ARA), traz algumas informações no


seu prefácio: Cada versículo é apresentado como um parágrafo e o livro dos Salmos
é dividido em cinco partes51. Quando, no texto hebraico aparece o tetragrama
sagrado, o nome de Deus é representado pela palavra “SENHOR”, em letras
maiúsculas. Outra característica desta Bíblia são as referências cruzadas. A ARA
utiliza o método de Tradução por Equivalência Formal, característica da Almeida. O
texto grego utilizado como base para a tradução da ARA é o Texto Crítico editado
pela UBS, sendo, portanto, completamente diferente do TR, que foi o texto
originalmente usado por João Ferreira de Almeida.

O grande destaque desta Bíblia fica por conta do uso de colchetes separando
passagens, indicando que a passagem em questão não é confiável por não estar
presente nos originais. Alguns bons exemplos são: a perícope da mulher adúltera,
em João 7:53 até 8:11 e também o final do Evangelho Segundo Marcos (16:9-20),
passagens que se encontram entre colchetes na ARA, o que indica para o leitor que
a passagem foi incluída no texto sagrado posteriormente. (ALMEIDA, 2009, p. 1)

A ARA em muitos casos abandona o Texto Crítico e segue o TR como, por


exemplo, em: Mateus 1:7-8, a ARA traz corretamente “Asa”, Marcos 1:1, traz “O
Filho de Deus, Lucas 23:44, “Escurecendo-se o sol”, João 7:8, “eu, por enquanto,
não subo”, e em João 6:47, “quem crê em mim”. Quando a questão envolve
mudanças textuais com relação à Almeida anterior a 1949, uma vez que a Almeida
Revista e Corrigida, editada a partir de 1952, já começa a se conformar ao Texto
Crítico, a ARA não traz nenhuma explicação, como é o caso de: Mateus 1:25,
Marcos 1:2, Lucas 3:33, João 1:18 e 1 Timóteo 3:16, onde a Comissão de Tradução
da SBB traz uma leitura que não encontra apoio em nenhum manuscrito grego
conhecido do Novo Testamento. (PICKERING, 2014, p. 272). A ARA ainda omite do
leitor várias informações importantes, como as razões das mudanças profundas
ocorridas no texto, e, principalmente, não esclarece de onde vem o texto fonte para
sua tradução, .

51
Livro I (1-41), Livro II (42-72), Livro III (73-89), Livro IV (90-106) e o Livro V (107-150).
48

5.2 NVI

Lançada no ano 2000, a Nova Versão Internacional NVI) chegou para


preencher uma lacuna e trazer algumas novidades interessantes. Uma boa definição
dada pelos editores é: “A NVI define-se como tradução evangélica, fiel e
contemporânea. Seu alvo é comunicar a Palavra de Deus ao leitor moderno com
tanta clareza e impacto quanto os exercidos pelo texto bíblico original entre os
primeiros leitores” (BÍBLIA DE ESTUDO, 2012, p. 11). O grupo de eruditos reunidos
em torno dessa tradução é formado por várias correntes teológicas, o que define o
caráter ecumênico dessa tradução.

O texto base é o Texto Crítico, editado pela UBS, mas a avaliação não é
acrítica, ou seja, em alguns casos ela pode não acompanhar as conclusões da
Comissão da UBS. O método de tradução é por Equivalência Dinâmica 52 como os
próprios editores definem: “[...] alguns trechos bíblicos foram traduzidos com maior
ou menor grau de literalidade, levando sempre em conta e compreensão do leitor”
(BÍBLIA DE ESTUDO, 2012, p. 11). A NVI ainda traz como novidade a tradução dos
pesos e medidas para o nosso equivalente contemporâneo. Outra contribuição é a
formatação do texto, que é dividido por parágrafos.

Mas a principal característica desta versão são as notas de rodapé. Elas são
frequentes na NVI, e tratam de questões relacionadas à crítica textual, leituras
alternativas, e oferecem explicações entre outras coisas. Parece ser uma versão
mais apropriada para pastores, pregadores e estudantes da Bíblia já com algum
senso crítico. Há muitos questionamentos sobre a utilização das notas de rodapé
devido ao grande número de erros e contradições do Texto Crítico utilizado como
base para a tradução, que demandam em alguma medida, uma apreciação mais
criteriosa do seu uso. Segue-se uma avaliação de passagens importantes para a
crítica textual do Novo Testamento, que é o foco da análise.

Mateus 21:44

A NVI traz em nota de rodapé: “Muitos manuscritos não trazem o verso 44”.
99,9% dos manuscritos gregos conhecidos do Evangelho Segundo Mateus trazem o

52
Traduz-se a ideia central da passagem, o que dá um pouco mais de liberdade com as palavras.
Esse método tem como pressuposto a não inspiração verbal das Escrituras, mas que Deus inspirou
somente as ideias.
49

versículo, apenas o Códice D não o traz. (PICKERING, 2015). A nota da NVI usa a
palavra “muitos” para se referir a 0,01% dos manuscritos, ou seja, um único
manuscrito em meio a aproximadamente 1.700. (PICKERING, 2015, p. 61).

Marcos 10:24

NVI: “Outros manuscritos dizem: é difícil para aqueles que confiam nas
riquezas”. “Outros” se referem aqui a 92% dos manuscritos gregos conhecidos do
Evangelho Segundo Marcos. (PICKERING, 2015, p. 131). Até aqui é coisa pouca. A
seguir, algumas notas de rodapé que podem trazer consequências mais sérias.

Marcos 1:1

NVI: “Alguns manuscritos não trazem ‘O Filho de Deus’”. Por “Alguns” leia-se
0,8% dos manuscritos gregos conhecidos do Evangelho Segundo Marcos, outros
98,4% dos manuscritos trazem corretamente ‘O Filho de Deus’. (PICKERING, 2015,
p. 89).

Marcos 16:9-20

NVI: “Alguns manuscritos antigos não trazem os versículos 9-20; outros


manuscritos do evangelho de Marcos apresentam finais diferentes”. Nesse caso, a
NVI usa “alguns” para se referir a 0,5% dos manuscritos gregos conhecidos do
Evangelho Segundo Marcos (1700 contra 3). E usa “outros” para se referir a um
único manuscrito. Esta passagem está presente em cada MS grego conhecido,
exceto três, ‫א‬, B e 304. (PICKERING, 2014, p. 327).

Kurt Aland confirma que somente os Códices ‫ א‬e B não trazem o final de
Marcos e apenas o manuscrito K (304) traz um final diferente, mais curto. (ALAND;
ALAND, 1989, p. 292). Todos os Evangelhos apresentam relatos da ressurreição,
porque somente Marcos não traria? Será mesmo que o evangelista terminaria o seu
relato da ressurreição com as palavras “porque temiam”, se referindo às mulheres
quando encontraram o túmulo vazio? Evidentemente que não, pois, o clímax dos
Evangelhos é justamente o relato da ressurreição, que aponta para a grande vitória
de Jesus Cristo sobre a morte. Nem Marcos, nem nenhum outro evangelista,
terminaria seu livro com a derrota de Jesus na cruz, e a consequente decepção dos
seus seguidores.
50

João 7:8

NVI: “Vários manuscritos não trazem ‘ainda’”. Apenas dois manuscritos


gregos conhecidos do Evangelho Segundo João, não trazem “ainda”, os Códices ‫ א‬e
D. Todos os demais, incluindo os Papiros P66 e P75, e o Códice B, trazem
corretamente “ainda”. (PICKERING, 2015, p. 299). A nota da NVI usa “vários” para
se referir a apenas dois manuscritos, lançando dúvida sobre a autenticidade do
texto.

1 Timóteo 3:16

NVI: “Muitos manuscritos dizem ‘aquele [ἐκεῖνος] que’.” A NVI usa o termo
“muitos” para se referir a 0 (zero) manuscrito grego conhecido até o momento. O
Códice ‫ א‬traz “Ὃς” (quem), e o Códice D traz “Ὃ” (quê), todos os demais
manuscritos gregos conhecidos da Primeira Carta de Paulo a Timóteo trazem
corretamente “Θεὸς” (Deus). (PICKERING, 2014, p. 330).

Devido à falta de sentido de se traduzir “quem” ou “que” nesse caso a NVI, e


todas as demais traduções modernas, forçam aqui uma tradução que não se
encontra em nenhum manuscrito grego conhecido, nem no TR, e nem no texto da
UBS que serve de base para as modernas traduções. A companheira inglesa da
NVI, a NIV traduz por “he” (ele). Um enorme equívoco patrocinado pelos eruditos
editores do Texto Crítico, e seguida cegamente pela comissão de tradução da NVI.

5.3 NTLH

Lançada no ano 2000 pela SBB, A NTLH se propõe a ser uma Bíblia com
uma linguagem moderna, de fácil entendimento para o homem moderno. Muitas
notas de rodapé usadas pela BLH foram banidas nessa nova versão. A NTLH, assim
como a ARA, tem como característica os colchetes para indicar que o texto em
questão não se encontra nos manuscritos mais antigos, sendo, portanto, uma adição
posterior. (AZEVEDO, 2016, p. 1).

A NTLH traz notas explicativas de algo que não esteja claro no texto. As notas
são indicadas no texto por uma letra minúscula. As referências indicam outros
lugares no texto onde a mesma ideia é expressa. São indicadas no texto por um
51

número. Os verbetes relacionados no auxílio trazem a explicação dos termos que


aparecem com asterisco no texto bíblico.

A NTLH prima ainda pela tradução por equivalência dinâmica, ainda que no
seu prefácio afirme fazer a tradução por Equivalência Formal. O texto base é o texto
da UBS, usado em todas as traduções da SBB. No todo se caracteriza pelo
ecletismo, acompanhando a ARA nos textos já analisados, diferindo apenas no
modelo de tradução. A NTLH usa, em João 6:68, 69, a palavra “senhor” com “s”
minúsculo referindo-se a Jesus Cristo.

5.4 DIFERENÇAS OBSERVADAS ENTRE AS TRADUÇÕES BASEADAS NO


TEXTUS RECEPTUS E AS BASEADAS NO TEXTO CRÍTICO

Se é verdade que “cada tradução é uma traição, e a pluralidade ajuda a


descobrir as ‘traições’” [...] (KONINGS, 2003, p. 215), nada melhor que comparar as
principais traduções em língua portuguesa e deixar que o leitor descubra as
“traições”. Os textos ecléticos do Novo Testamento ora publicados no Brasil
baseados no Texto Crítico, são produtos de variados métodos de tradução, e da
ainda forte influência do TR. Criou-se uma verdadeira colcha de retalhos, produzindo
traduções muito diferentes para as mesmas passagens, a tal ponto que não se
consegue fazer uma leitura coletiva nas reuniões. A seguir, uma comparação entre
as principais traduções em língua portuguesa em passagens importantes. As
traduções que serão comparadas serão: A ACF, editada pela SBTB, cuja tradução é
baseada no TR, a ARA, NTLH e NAA, editadas pela SBB, e a NVI, editada pela
International Bible Societies, que têm o Texto Crítico como base de suas traduções.

Mateus 9:13

ACF - “Ide, porém, e aprendei o que significa: Misericórdia quero, e não sacrifício.
Porque eu não vim chamar os justos, mas os pecadores ao arrependimento.” (96%
dos manuscritos53).

ARA - “Ide, porém, e aprendei o que significa: Misericórdia quero e não holocaustos;
pois não vim chamar justos, e sim pecadores [ao arrependimento].

NVI - “Vão aprender o que significa isto: desejo misericórdia, não sacrifícios. Pois eu
não vim chamar justos, mas pecadores.”

53
Todos os percentuais são de Pickering (2015).
52

NTLH - “Vão e procurem entender o que quer dizer este trecho das Escrituras
Sagradas: Eu quero que as pessoas sejam bondosas e não que me ofereçam
sacrifícios de animais. Porque eu vim para chamar os pecadores e não os bons.”

NAA - “Vão e aprendam o que significa: Quero misericórdia, e não sacrifício. Pois eu
não vim chamar justos, e sim pecadores.”

A diferença nesse caso é a palavra “μετάνοιαν” (metanóian), que pode ser


traduzida por mudança de mente ou arrependimento. Todas as traduções baseadas
no Texto Crítico a omitem. O resultado dessa omissão para um bom exegeta, é que
pecadores não arrependidos possam ser discípulos de Jesus.

Mateus 17:21

ACF - “Mas esta casta não se expulsa senão por oração e jejum.” (99,4% dos
manuscritos).

ARA - “[Mas esta casta não se expele senão por meio de oração e jejum.]”

NVI - “Mas esta espécie só sai pela oração e pelo jejum.” (nota de rodapé: “Vários
manuscritos não trazem o versículo 21.”)

NTLH - “[Mas esse tipo de demônio só pode ser expulso com oração e jejum.]”

NAA - “[Mas esse tipo de demônio só pode ser expulso por meio de oração e jejum.]”

Todas as traduções baseadas no Texto Crítico colocam a frase sob suspeição


mesmo ela estando presente em 99,4% dos manuscritos. A palavra “jejum” é
completamente abolida do Texto Crítico. Quando se tira a autoridade de um texto
como esse, assim como se faz com o final do Evangelho de Marcos, a Igreja muito
enfraquece no embate com as forças das trevas.

Mateus 18:11

ACF - “Porque o Filho do Homem veio salvar o que se tinha perdido.” (98,5% dos
manuscritos).

ARA - “[Porque o Filho do Homem veio salvar o que estava perdido]”

NVI - “Vários manuscritos não trazem o verso 11” (Nota de rodapé).

NTLH - “[Porque o Filho do Homem veio salvar quem está perdido].”


53

NAA - “Porque o Filho do Homem veio salvar o que estava perdido.”

Mais um texto com 98,5% de atestação pelos manuscritos é omitida nas


modernas traduções que seguem o Texto Crítico. O contexto da passagem é a
parábola de uma ovelha perdida em meio a outras 99. Uma afirmação de Jesus da
importância dos perdidos no plano redentivo de Deus.

Marcos 1:1

ACF - “Princípio do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus.” (98,4% dos


manuscritos).

ARA - “Princípio do evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus.”

NVI - “Princípio do evangelho de Jesus Cristo, o Filho de Deus.” (nota de rodapé:


“Alguns manuscritos não trazem ‘o Filho de Deus’”).

NTLH - “A boa notícia que fala a respeito de Jesus Cristo, Filho de Deus, começou a
ser dada.”

NAA - “Princípio do evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus.”

Nesse caso, todas as traduções citadas abandonam o Texto Crítico e


acompanham o TR, ainda que a NVI cite com razão que alguns manuscritos não
trazem “Υἱοῦ τοῦ Θεοῦ” (huiou tou Teou), o Filho de Deus. 1,2% de mansucritos
oriundos do Egito.

Marcos 11:26

ACF - “Mas, se vós não perdoardes, também vosso Pai, que está nos céus, vos não
perdoará as vossas ofensas.” (96% dos manuscritos).

ARA - “[Mas, se não perdoardes, também vosso Pai celestial não vos perdoará as
vossas ofensas.]”

NVI - “Mas se vocês não perdoarem, também os eu Pai que está nos céus não
perdoará os seus pecados.” (nota de rodapé: “Muitos manuscritos antigos não
trazem o versículo 26”.)

NTLH - “[Se não perdoarem os outros, o Pai de vocês, que está no céu, também não
perdoará as ofensas de vocês.]”
54

NAA - “[Mas, se vocês não perdoarem, também o Pai de vocês, que está nos céus,
não perdoará as ofensas de vocês.]”

Esse ensino de Jesus faz parte da oração que ele ensinou aos seus
discípulos. Mas nesta passagem, é um critério para que as orações sejam
atendidas. Em que pese estar presente em 96% dos manuscritos, as traduções para
o português lançam dúvidas sobre sua autenticidade.

Lucas 4:4

ACF - “E Jesus lhe respondeu, dizendo: Está escrito que nem só de pão viverá o
homem, mas de toda a palavra de Deus.” (90,7% dos manuscritos).

ARA - “Mas Jesus lhe respondeu: Está escrito: Não só de pão viverá o homem.”

NVI - “Jesus respondeu: Está escrito: Nem só de pão viverá o homem.”

NTLH - “Jesus respondeu: As Escrituras Sagradas afirmam que o ser humano não
vive só de pão.”

NAA - “Mas Jesus lhe respondeu: Está escrito: o ser humano não viverá só de pão.”

Agora um caso mais sério. Jesus está citando Deuteronômio 8:3 contra
Satanás, que lhe oferece comida em um momento de fome intensa, uma tentação
clara. E segundo o Texto Crítico, Jesus para no meio do versículo 3, omitindo a
parte mais importante, aquela que vai determinar a derrota de Satanás, a palavra de
Deus. O texto do TR aqui é sustentado por 90,7% dos manuscritos gregos
conhecidos do Evangelho de Lucas.

Lucas 11:2

ACF - “E ele lhes disse: Quando orardes, dizei: Pai Nosso, que estás nos céus,
santificado seja o teu nome; venha o teu reino; seja feita a tua vontade, assim na
terra como no céu.” (99% dos manuscritos).

ARA - “Então, ele os ensinou: quando orardes, dizei: Pai, santificado seja o teu
nome; venha o teu reino.”

NVI - “Ele lhes disse: Quando vocês orarem, digam: Pai, santificado seja o teu
nome. Venha o teu Reino.”
55

NTLH - “Jesus respondeu: Quando vocês orarem, digam: Pai, que todos
reconheçam que o teu nome é santo. Venha o teu Reino.”

NAA - “Então Jesus disse: Quando vocês orarem, digam: Pai, santificado seja o teu
nome; venha o teu Reino.”

99% dos manuscritos gregos conhecidos do Evangelho de Lucas trazem o


texto completo. Por consequência, 1% omite boa parte das palavras. O fato é que o
reinado de Deus somente se torna real na vida de um ser humano, quando a
vontade Dele prevalece.

Lucas 23:34

ACF - “E dizia Jesus: Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem. E,
repartindo as suas vestes, lançaram sortes.” (99,2% dos manuscritos).

ARA - “Contudo, Jesus dizia: Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem.
Então, repartindo as vestes dele, lançaram sortes.”

NVI - “Jesus disse: Pai, perdoa-lhes, pois eles não sabem o que estão fazendo.
Então eles dividiram as roupas dele, tirando sortes.” (nota de rodapé: “Alguns
manuscritos não trazem a sentença”.)

NTLH - “[Então Jesus disse: Pai, perdoa essa gente! Eles não sabem o que estão
fazendo.]”

NAA - “Mas Jesus dizia: Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem. Então,
para repartir as roupas dele, lançaram sortes.”

No caso da oração de Jesus pelos seus executores, as traduções estão


divididas. Enquanto a NVI e a NTLH lançam dúvidas sobre a veracidade da
passagem baseadas em 0,8% dos manuscritos (PICKERING, 2015), a ARA e a NAA
acompanham o TR. Texto apoiado por 99,2 dos mansucritos gregos conhecidos do
Evangelho de Lucas.

João 1:27

ACF - “Este é aquele que vem após mim, que é antes de mim, do qual eu não sou
digno de desatar a correia da sandália.” (99% dos manuscritos).
56

ARA - “O qual vem depois de mim, do qual não sou digno de desatar-lhe as correias
das sandálias.”

NVI - “Ele é aquele que vem depois de mim, e não sou digno de desamarrar as
correias de suas sandálias.

NTLH - “Ele vem depois de mim, mas eu não mereço a honra de desamarrar as
correias da sandálias dele.”

NAA - “Ele vem depois de mim, mas não sou digno de desamarrar as correias das
suas sandálias.

Esta é uma declaração do maior profeta que já existiu, segundo o próprio


Jesus, que Jesus é anterior a ele, ainda que tenha nascido pelo menos seis meses
depois. A questão é de lógica: se Jesus era mais jovem, e veio depois de João, qual
seria a razão para o profeta não ser digno de desatar-lhe as sandálias? A resposta
está no versículo 15: “[…] o que vem depois de mim está agora à minha frente,
porque Ele existia antes de mim” (PICKERING, 2016, p. 184). É difícil acreditar que
o apóstolo João, dada a ênfase do seu Evangelho na preexistência de Jesus,
deixasse escapar um detalhe como esse, por isso, a sustentação dada por 99% de
todos os manuscritos gregos conhecidos do Evangelho de João ao TR.

João 3:13

ACF - “Ora, ninguém subiu ao céu, senão o que desceu do céu, o Filho do Homem,
que está no céu.” (98% dos manuscritos).

ARA - “Ora, ninguém subiu ao céu, senão aquele que de lá desceu, a saber, o Filho
do Homem [que está no céu].”

NVI - “Ninguém jamais subiu ao céu, a não ser aquele que veio do céu: o Filho do
homem.”

NTLH - “Ninguém subiu ao céu, a não ser o Filho do homem, que desceu do céu.”

NAA - “Ora, ninguém subiu ao céu, a não ser aquele que de lá desceu, o Filho do
Homem.”

Apenas 1% dos manuscritos gregos conhecidos omitem “ὁ ὢν ἐν τῷ οὐρανῷ”


(hó hon en tô ourano), “que está no céu”. Presumivelmente, esses copistas não
57

conseguiram entender como Jesus poderia estar na terra e no céu ao mesmo


tempo, ainda que em João 1:18 essa mesma verdade se repita: “Ninguém jamais viu
a Deus. O Filho Unigênito, que existe no seio do Pai, é quem o revelou”
(PICKERING, 2016, p. 184).

João 6:47

ACF - “Na verdade, na verdade vos digo que aquele que crê em mim tem a vida
eterna.” (99,5% dos manuscritos).

ARA - “Em verdade, em verdade vos digo: Quem crê em mim tem a vida eterna.”

NVI - “Asseguro-lhes que aquele que crê tem a vida eterna.”

NTLH - “Eu afirmo a vocês que isto é verdade: quem crê tem a vida eterna.”

NAA - “Em verdade, em verdade vos digo: quem crê em mim tem a vida eterna.”

A expressão grega “εἰς ἐμὲ” (eis emé), literalmente “para dentro de mim”, não
tem tradução em língua portuguesa. O que mais se aproxima é “em mim”, o que em
grego seria “ὴν ἐμὲ” (en emé), o que não é o caso. O fato é que o ser humano está do
lado de fora de Jesus, e a única maneira de ser salvo é passar para o lado de dentro
dele, é esta a ideia que Jesus parece querer passar. A atestação de 99,5% dos
mansucritos gregos conhecidos do Evangelho de João é o testemunho fiel que o
termo é original, sem dúvida. Tanto é assim, que os tradutores da ARA e da NAA
ficaram contra os 0,5% de manuscritos do Texto Crítico dessa vez. Quando um
termo importante não existe em uma língua, ele precisa de ser criado, se disso
depender o correto entendimento. Isso se chama neologismo e é perfeitamente
normal e nesse caso, é necessário. (PICKERING, 2014).

João 6:69

ACF - “E nós temos crido e conhecido que tu és o Cristo, o Filho do Deus vivente.”
(99% dos manuscritos).

ARA - “E nós temos crido e conhecido que tu és o Santo de Deus.”

NVI - “Nós cremos e sabemos que és o Santo de Deus.”

NTLH - “E nós cremos e sabemos que o senhor é o Santo que Deus enviou.”

NAA - “E nós temos crido e conhecido que o senhor é o Santo de Deus.”


58

O texto do TR aqui tem vasta sustentação pelos manuscritos chegando a


99%. Mais uma vez o contexto é importante. Muitos discípulos abandonam Jesus
após seu discurso sobre eleição e predestinação que inicia no versículo 43. No final
do discurso, Jesus convida seus discípulos mais próximos a se retirar junto com os
outros. E esta é a resposta dada por eles sobre o motivo pelo qual eles irão
permanecer com Jesus. Basta observar que esta expressão: “o Santo de Deus”, não
aparece em nenhum outro lugar nos escritos de João. Outra detalhe que merece ser
citado é que, a NTLH e a NAA se referem a Jesus como senhor com “s” minúsculo.

João 9:4

ACF - “Convém que eu faça as obras daquele que me enviou, enquanto é dia, a
noite vem, quando ninguém pode trabalhar.” (99,3% dos manuscritos).

ARA - “É necessário que façamos as obras daquele que me enviou, enquanto é dia;
a noite vem, quando ninguém pode trabalhar.”

NVI - “Enquanto é dia, precisamos realizar a obra daquele que me enviou. A noite se
aproxima, quando ninguém pode trabalhar.”

NTLH - “Precisamos trabalhar enquanto é dia, para fazer as obras daquele que me
enviou. Pois está chegando a noite, quando ninguém pode trabalhar.”

NAA - “É necessário que façamos as obras daquele que me enviou, enquanto é dia;
a noite vem, quando ninguém pode trabalhar.”

Apenas 0,7% dos manuscritos gregos dizem: “é necessário que façamos”.


Todos os demais, ou seja, 99,3%, trazem “é necessário que eu faça”. O Contexto
dessa passagem é de uma cura mas, não uma cura qualquer. Esta frase faz parte
da resposta de Jesus à uma pergunta feita pelos discípulos, ao se depararem com
um cego de nascença: “Mestre, quem pecou? Este ou os seus pais, para que
nascesse cego”? ao que Jesus responde: “Nem ele pecou, nem seus pais; mas foi
assim para que se manifestem nele as obras de Deus. Convém que eu faça as
obras daquele que me enviou […].” Jesus na sequência vai curar o cego de
nascença. Não faz o menor sentido ele dizer “que façamos”. Seria incluir os
discípulos em algo que somente Deus poderia fazer: abrir os olhos a um cego de
nascença. Some-se a isto o fato de que, o objetivo do evangelista João era destacar
a divindade de Jesus através desse sinal, e se chega ao texto original da passagem.
59

Romanos 1:16

ACF - “Porque não me envergonho do evangelho de Cristo, pois é o poder de Deus


para a salvação de todo aquele que crê; primeiro do judeu, e também do grego.”
(97% dos manuscritos).

ARA - “Pois não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a


salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego.”

NVI - “Não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação


de todo aquele que crê: primeiro do judeu, depois do grego.”

NTLH - “Eu não me envergonho do evangelho, pois ele é o poder de Deus para
salvar todos os que creem, primeiro os judeus e também os não judeus.”

NAA - “Pois não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a


salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego.”

3% dos manuscritos gregos conhecidos da carta do apóstolo Paulo aos


Romanos omitem a palavra “Cristo”. Não se pode perder de vista as características
literárias do autor, segundo os próprios críticos textuais. Paulo é o autor que mais
utiliza a palavra Cristo para se referir a Jesus. A leitura de suas epístolas confirma
esse fato.

Romanos 8:1

ACF - “Portanto, agora nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus,
que não andam segundo a carne, mas segundo o Espírito.” (94% dos manuscritos).

ARA - “Agora, pois, já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus.”

NVI - “Portanto, agora já não há condenação para os que estão em Cristo Jesus.”

NTLH - “Agora já não existe nenhuma condenação para as pessoas que estão
unidas com Cristo Jesus.”

NAA - “Agora, pois, já não existe nenhuma condenação para os que estão em Cristo
Jesus.”

Basta dizer que o versículo 2 desse capítulo, sem a parte omitida pelo 6% que
compoêm a redação o Texto Critico, quebra a força do argumento de Paulo. E pode
dar base para um crente viver segundo a carne. Porque para os que afirmam estar
60

em Cristo e continuam andando segundo a carne, o que os aguarda é condenação.


Paulo adverte sobre isso em 1Co 5:13, Ro 8:4-9 e Gl 5:24,25. O que demonstra
efetivamente que alguém está em Cristo é andar segundo o Espírito de Cristo.

1Coríntios 9:18

ACF - “Logo, que prêmio tenho? Que, evangelizando, proponha de graça o


evangelho de Cristo para não abusar do meu poder no evangelho.” (96% dos
manuscritos).

ARA - “Nesse caso, qual é o meu galardão? É que, evangelizando, proponha, de


graça, o evangelho, para não me valer do direito que ele me dá.”

NVI - “Qual é, pois, a minha recompensa? Apenas esta: que, pregando o evangelho,
eu o apresente gratuitamente, não usando, assim, dos meus direitos ao pregá-lo.”

NTLH - “Nesse caso, qual é o pagamento que recebo? É a satisfação de anunciar o


evangelho sem cobrar nada e sem exigir os direitos que tenho como pregador do
evangelho.”

NAA - “Nesse caso, qual é a minha recompensa? É que, anunciando o evangelho,


eu o apresente de graça, para não me valer do direito que ele me dá.”

Mais uma omissão da palavra “Cristo” numa carta de Paulo. O apóstolo em


várias oportunidades afirma haver outro evangelho que não o de Cristo, como em Gl
1:8,9. Paulo é enfático em afirmar que o Evangelho pregado por ele é o de Cristo,
que não se confunde com nenhum outro.

Filipenses 4:13

ACF - “Posso todas as coisas em Cristo que me fortalece.” (98% dos manuscritos).

ARA - “Tudo posso naquele que me fortalece.”

NVI - “Tudo posso naquele que me fortalece.”

NTLH - "Com a força que Cristo me dá, posso enfrentar qualquer situação.”

NAA - "Tudo posso naquele que me fortalece.”

Todas as traduções citadas para a língua portuguesa, com exceção da ACF e


da NTLH, acompanham meros 2% dos manuscritos gregos conhecidos e omitem
61

“Cristo”. A passagem em questão está tratando de sofrimento, de escassez, e isso


só é possível em Cristo. É dificil entender o apóstolo Paulo substituir “Cristo” por
“aquele” e posteriormente, alguém mais credenciado do que ele ter que consertar,
mas é o que dizem os redatores doTexto Crítico.

Hebreus 7:21

ACF - “Mas este com juramento por aquele que lhe disse: Jurou o Senhor, e não se
arrependerá; tu és sacerdote eternamente segundo a ordem de Melquisedeque.”
(97,9% dos manuscritos).

ARA - “Mas este, com juramento, por aquele que lhe disse: O Senhor jurou e não se
arrependerá: Tu és sacerdote para sempre.”

NVI - “Mas ele se tornou sacerdote com juramento, quando Deus lhe disse: ‘O
Senhor jurou e não se arrependerá: Tu és sacerdote para sempre.”

NTLH - "Porém houve juramento quando Jesus se tornou sacerdote, pois Deus lhe
disse: O Senhor jurou e não voltará atrás. Ele disse: Você será sacerdote para
sempre.”

NAA - "Mas este foi feito sacerdote com juramento, por aquele que lhe disse: O
Senhor jurou e não se arrependerá: Você é sacerdote para sempre.”

Jesus aparece na Epístola aos Hebreus como Sacerdote segundo a ordem


de Melquizedeque em 5:6, 10; 6:20; 7:3, 11, 15 e 17. Mas, segundo o Texto Crítico,
na citação ipsis litteris em 7:21 dos Salmos 110:4, o autor aos Hebreus esqueceu
essa parte. O autor aos Hebreus é o que mais vezes cita a Bíblia Hebraica,
demonstrando um grande conhecimento das Escrituras. Sem mencionar que 97,9 %
dos manuscritos conhecidos da carta aos Hebreus leêm: “segundo a ordem de
Melquizedeque”.
62

6 CONCLUSÃO

O Novo Testamento possui em torno de 5.300 manuscritos gregos


conhecidos, entre textos completos e pequenos fragmentos 54, entre Evangelhos,
Epístolas e Lecionários, todos devidamente datados e catalogados. Desse total, não
mais do que 15 manuscritos apoiam o Texto Crítico, exceto no caso da perícope da
mulher adúltera, passagem abordada nessa pesquisa. Todos esses manuscritos que
apoiam o Texto Crítico, sem exceção, vieram do Egito. (PICKERING, 2014). Uma
curiosidade: Nenhum dos Autógrafos do Novo Testamento circulou pelo Egito, o que
pode ser comprovado pela citação de Tertuliano presente neste trabalho, e pode ser
observado no Anexo 2 que compõe essa monografia.

Que diferênça faz? Essa pode ser a pergunta a ser feita agora. Por que se
preocupar com isso, se essas mudanças não alteram nenhuma das doutrinas
bíblicas consideradas basilares? Se a aceitação dessa teoria já é consenso entre os
estudiosos e, mesmo as igrejas evangélicas mais conservadoras têm aprovado as
traduções modernas? Uma resposta é que o Texto Crítico contém erros de citações
vetero-testamentárias55, erros geográficos56, erros de concordância57, textos sem
sentido semântico58 e contradições de fato59. Fatos que já foram amplamente
comprovados no decorrer deste trabalho de pesquisa, e que anulam completamente
qualquer tentativa de se defender a inerrância, e particularmente, a doutrina da
inspiração divina do texto bíblico. A autoridade objetiva das Escrituras tem sido
enfraquecida de de tal modo, que ela não exige mais obediência imediata e sem
questionamentos. Por consequência, há um enfraquecimento generalizado da
dedicação dos crentes a Cristo e ao seu Reino.

54
Todos os manuscritos conhecidos do Novo Testamento grego podem ser acessados no site do
CSNTM (The Center For The Study Of New Testament Manuscripts).
55
Marcos 1:2 (uma parte da citação é do livro de Malaquias); Mateus 27:34 (em franca contradição
com Salmos 69:21).
56
Lucas 4:44 (está em contradição com Mateus 4:23 e Marcos 1:39), Lucas 9:10 (em contradição
com Lucas 9:12, com Mateus 14:13 e Marcos 6:31-32).
57
Atos 28:13, o verbo “periaipέw” (periaipéo) “tirar”, escolhido pela UBS, é transitivo, e não faz
nenhum sentido aqui. (PICKERING, 2014).
58
Atos 28:13 (literalmente: “tirando fora [alguma coisa] alcançamos Régio”), e 2 Pedro 3:10 (a terra
será achada).
59
Marcos 6:22 está em franca contradição com Mateus 14:6.
63

Que fazer? Se calar e desistir? De modo algum! “É melhor acender uma vela
do que amaldiçoar a escuridão”60. Pesquisar manuscritos é um trabalho maçante, ler
livros sobre crítica textual muito mais, mas, é necessário que tal se faça. Todos os
manuscritos conhecidos do Novo Testamento estão disponíveis hoje através de fac-
símiles na internet, basta ter coragem e dedicação. Ao examinar a evidência (MSS
gregos, citações patrísticas e versões antigas), tem-se uma base demonstrável para
defender a preservação, a inspiração e a inerrância do texto do Novo Testamento. E
também para refutar os contradizentes com uma boa e bem documentada
argumentação. O atual texto do TR é uma boa aproximação do original, isenta de
erros de fato e contradições aparentes já discutidos, ainda que preserve, em menor
ou maior grau, alguma deficiência própria da falibilidade humana.

Os patrocinadores dessas mudanças no texto bíblico são grandes estudiosos,


eruditos quase infalíveis, que não devem ser questionados. Sociedades bíblicas
sérias, que jamais falhariam em casos graves como esses. É o que é normal se
pensar. Academicamente porém, podem e devem sim ser questionados quanto ao
seu trabalho sobre crítica textual, no que se refere ao Novo Testamento.
Espiritualmente, podem e devem sim ser questionados também quanto à sua
motivação. É preciso saber quem são e em que creêm cada um desses críticos, uma
vez que é manifesto que nenhum estudioso faz pesquisa isenta de pressupostos.

60
Provérbio chinês, creditado a Confúcio.
64

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<http://solascriptura-tt.org/Bibliologia-Traducoes/Fuller
PrBatistaRegularContraBibliasAlexandrinasPelaBibliaTtReforma-Helio.ht>. Acesso
em: 05 fev. 2018.
68

ANEXO 1 – FAC-SÍMILE DO CODEX SINAÍTICUS (‫ )א‬E CODEX VATICANUS (B)

O Codex Sinaíticus (‫)א‬, é escrito em quatro colunas de texto, cada uma com
48 linhas, cada linha contém em média 13 letras, exceto a coluna final de Marcos,
que tem uma média de 11 letras por linha.

Figura 1 – fac-símile do Codex Sinaíticus (‫ )א‬contendo o final do Evangelho de Marcos e o


início do Evangelho de Lucas.
69

O Codex Vaticanus (B), é escrito em três colunas, cada coluna contém 42


linhas de texto. Esta é a única coluna vazia em todo o Códice, por coincidência, o
final de Marcos.

Figura 2 – fac-símile do Codex Vaticanus(B) contendo o final do Evangelho de Marcos e o


início do Evangelho de Lucas
70

ANEXO 2 – MAPA DOS AUTÓGRAFOS

Figura 3 - Mapa dos Autógrafos61

61
Pickering (2018).

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