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1 INTRODUÇÃO
A humilhação do filho de Deus, compreendendo desde a sua encarnação até
a sua morte na cruz, revela o plano de Deus para salvar a humanidade. Os judeus
não compreenderam o mistério da encarnação de Jesus, o filho de Deus, e por isso
não o receberam (João 1.11). Os próprios discípulos não compreenderam esse
mistério, motivo pelo qual discordaram de Jesus, quando ele disse que partiria para
o caminho da humilhação e morte.
1
Momenclatura adotada por Martinho Lutero.
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Eis que o meu servo procederá com prudência; será exaltado, e elevado, e
mui sublime. Como pasmaram muitos à vista dele, pois o seu parecer estava
tão desfigurado, mais do que o de outro qualquer, e a sua figura mais do que
a dos outros filhos dos homens. Assim borrifará muitas nações, e os reis
fecharão as suas bocas por causa dele; porque aquilo que não lhes foi
anunciado verão, e aquilo que eles não ouviram entenderão. Quem deu
crédito à nossa pregação? E a quem se manifestou o braço do SENHOR?
Porque foi subindo como renovo perante ele, e como raiz de uma terra seca;
não tinha beleza nem formosura e, olhando nós para ele, não havia boa
aparência nele, para que o desejássemos. Era desprezado, e o mais rejeitado
entre os homens, homem de dores, e experimentado nos trabalhos; e, como
um de quem os homens escondiam o rosto, era desprezado, e não fizemos
dele caso algum. Verdadeiramente ele tomou sobre si as nossas
enfermidades, e as nossas dores levou sobre si; e nós o reputávamos por
aflito, ferido de Deus, e oprimido. Mas ele foi ferido por causa das nossas
transgressões, e moído por causa das nossas iniqüidades; o castigo que nos
traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados. Todos
nós andávamos desgarrados como ovelhas; cada um se desviava pelo seu
caminho; mas o Senhor fez cair sobre ele a iniqüidade de nós todos. Ele foi
oprimido e afligido, mas não abriu a sua boca; como um cordeiro foi levado ao
matadouro, e como a ovelha muda perante os seus tosquiadores, assim ele
não abriu a sua boca. Da opressão e do juízo foi tirado; e quem contará o
tempo da sua vida? Porquanto foi cortado da terra dos viventes; pela
transgressão do meu povo ele foi atingido. E puseram a sua sepultura com os
ímpios, e com o rico na sua morte; ainda que nunca cometeu injustiça, nem
houve engano na sua boca. Todavia, ao Senhor agradou moê-lo, fazendo-o
enfermar; quando a sua alma se puser por expiação do pecado, verá a sua
posteridade, prolongará os seus dias; e o bom prazer do Senhor prosperará
na sua mão. Ele verá o fruto do trabalho da sua alma, e ficará satisfeito; com
o seu conhecimento o meu servo, o justo, justificará a muitos; porque as
iniqüidades deles levará sobre si. Por isso lhe darei a parte de muitos, e com
os poderosos repartirá ele o despojo; porquanto derramou a sua alma na
morte, e foi contado com os transgressores; mas ele levou sobre si o pecado
de muitos, e intercedeu pelos transgressores. (ISAÍAS, 52.13-23.12).2
Nesse trabalho, será adotada a divisão feita por Osvalt. A seguir, uma análise
das cinco estrofes que tem início em Is 52.13-15:
Eis que o meu servo procederá com prudência; será exaltado, e elevado, e
mui sublime. Como pasmaram muitos à vista dele, pois o seu parecer estava
tão desfigurado, mais do que o de outro qualquer, e a sua figura mais do que
a dos outros filhos dos homens. Assim borrifará muitas nações, e os reis
fecharão as suas bocas por causa dele; porque aquilo que não lhes foi
anunciado verão, e aquilo que eles não ouviram entenderão. (ISAÍAS, 52.13-
15).
Por isso os pagãos recebem com fé as boas novas que já haviam sido
ouvidas antes. Israel tem que se lamentar por não ter acreditado nas notícias que
havia ouvido há muito tempo, não apenas com referência à pessoa e obra do Servo
de Deus, mas em relação à sua origem humilde e fim glorioso.
John Oswalt diz: “A pessoa que está sendo descrita aqui [53.1] como ‘o braço
do Senhor’ e como o Servo é o mesmo Servo descrito em 42.1-9, 49.1-6; e 50.4-9.”
(OSWALT, 2011, p. 458). A expressão “o braço de IAVÉ” que também aparece em
40.10; 48.14; 51.5; 52.10 mostra claramente como Deus resolveu resgatar seu povo
de maneira que este não poderia fazer isso por si só. Mas quando Deus estende seu
braço savador a reação a ele é de espanto. A questão central aqui é que a notícia
que está sendo dada a respeito da salvação provém do braço de Iavé.
O verso 2 traz o Servo como alguém sem nenhum atrativo que pudesse atrair
aqueles a quem veio libertar. O braço do Senhor descrito no verso 1 começa a se
manisfestar na vida do Servo em princípio de forma imperceptível prosseguindo de
forma crescente no decorrer da sua vida. Silva Filho (2014, p. 34) lembra:
Osvalt complementa:
O verso 3 parece indicar que ele foi visto pelas pessoas mas, o que elas
viram? Beleza alguma. Essa palavra pode ser traduzida também por “forma,
aparência, dignidade”. É usada para descrever a beleza de Raquel (Gn 29.17) e a
de José (Gn 39.6). Também caracteriza a Davi (1 Sm 17.42). Pode caracterizar o
próprio Deus (Sl 96.6, 145.5). Isso indica que o Servo abriu mão da sua beleza e
esplendor divinos para vir ao encontro da humanidade pecadora a fim de resgatá-la.
Aquilo que agrada o olhar, a vista das pessoas, não foi visto no servo.
Além de não ser atrativo, ele ainda tinha seus próprios problemas, Ele estava
ferido, maltratado, era um homem de dores. Ele encarna o sofrimento e a reação
das pessoas é imediata: elas escondem o rosto. Talvez até por questões
cerimoniais. Osvalt comenta:
A primeira estrofe mostra que ele não foi reconhecido devido ao seu parecer.
Parecia que os efeitos do pecado estavam sobre ele. Ele estava bastane
desfigurado por causa dos seus sofrimentos. A partir do verso quatro pode-se
entender que seus sofrimentos foram por causa dos pecados do seu povo. Na
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verdade não havia nada de errado com ele, o propósito era providenciar a cura. Não
havia nada errado com ele, mas tudo estava errado com seu povo.
Nesse sentido, até que o castigo seja removido todas as boas intenções do
mundo não podem restaurar a harmonia quebrada. Osvalt complementa: “No Servo,
ele achou a forma de gratificar seu amor e satisfazer a sua justiça” (OSVALT, 2011,
p. 473).
Ele foi oprimido e afligido, mas não abriu a sua boca; como um cordeiro foi
levado ao matadouro, e como a ovelha muda perante os seus tosquiadores,
assim ele não abriu a sua boca. Da opressão e do juízo foi tirado; e quem
contará o tempo da sua vida? Porquanto foi cortado da terra dos viventes;
pela transgressão do meu povo ele foi atingido. E puseram a sua sepultura
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com os ímpios, e com o rico na sua morte; ainda que nunca cometeu
injustiça, nem houve engano na sua boca. (isaías, 53.7-9).
O Servo é também comparado com uma ovelha, mas diferente do seu povo,
que a passagem anterior se refere como ovelhas, a característica emprestada do
animal aqui é outra. Enquanto se aplica ao povo de Deus a facilidade que as ovelhas
têm em se extraviar, ao Servo se aplica a obediência que esse animal singular
apresenta. A metáfora da ovelha ainda faz com que o Servo se identifique com o seu
povo, se fazendo como um deles.
Ser tirado da opressão e do juízo pode ter o sentido de que Deus o arrebatou
para si, mas não há consenso entre os comentadores sobre a passagem. Parte do
seus sofrimentos foi ter sido deixado sem decendentes. Silva Filho (2014, p. 58) diz:
[…] o Servo foi deixado sem filhos numa cultura segundo a qual morrer sem
filhos era ter vivido uma existência inútil. Do ponto de vista meramente
humano, era perceptível que este homem estava sendo castigado de todas
as formas possíveis e imagináveis.
Muito longe de ser maldito de Deus, o Servo será o meio pelo qual as
promessas de reconciliação se tornam reais na vida do povo de Deus. Ainda que
tenha sido reputado como maldito por essa geração, após a ressurreição ele verá
cumprido em si mesmo todos os propósitos de Deus. Como salienta Westermann
(1969 apud OSVALT, 2011, p. 490): “É somente do outro lado da morte do Servo
que seu livramento e o nosso podem concretizar-se.”
Com o seu conhecimento ele justificará a muitos, ou seja, ele tanto conhece
aquele que o enviou como também conhece aqueles que justifica. Silva diz:
Ele conhece a Deus, com o qual ele está unido em amor; ele conhece os
conselhos do seu amor e os desejos da sua graça, pelo desejo do qual
deixou-se moer, ser traspassado e ferido, até chegar às câmaras da morte.
Por causa do conhecimento completo que ele tem do Pai, ele é capaz de
tornar justos todos os que se apegam a ele em fé verdadeira. (SILVA FILHO,
2014, p. 64).
A razão pela qual as pessoas são tornadas justas é que o Servo está
carregando as iniqüidades deles. Ele carrega as iniquidades do povo e, por
isso, ele leva sobre si o castigo que o povo deveria levar e, assim, torna
justos todos aqueles que recebem, pela fé, o sacrifício que ele ofereceu.
Porque a justificação tem sua raiz no perdão dos pecados, como uma dádiva
imerecida da graça, sem obras.
Ele mantém firme ao seu lado aqueles a quem justifica intercedendo por eles
junto a Deus. Ele é o advogado dos pecadores que confiam em sua justiça junto do
Pai. Interceder por nós faz parte do seu Ofício Sacerdotal, segundo o qual, ele não
apenas ofereceu-se por nós, como Cordeiro sem defeito, mas que intercede por nós
junto ao Pai.
Enquanto Mateus está recheado dos discursos de Jesus, dos seus ensinos,
Marcos está repleto de sua ação. É comum no evangelho de Marcos as expressões
“e logo”, “imediatamente”: “Logo, ao sair da águas, viu os céus rasgarem-se”
(Marcos 1.10), “E logo o Espírito o impeliu para o deserto” (Mc 1:12), “E, deixando
logo suas redes […]” (Mc 1:18), “E logo, no sábado, indo ele à sinagoga, ali
ensinava” (Mc 1:21). Boyer reitera: “É uma narrativa de contínua ação, de incansável
execução, de gloriosa realização, de vitorioso cumprimento (BOYER, 1964, p. 11).
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98,4% dos manuscritos gregos conhecidos trazem corretamente “o Filho de Deus” (Silva, 2018, p.
53).
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Esse fato surpreende ao próprio João, que em princípio argumenta que ele é
que deveria ser batizado por Jesus e não o contrário. Jesus inicia no batismo o
serviço para o qual fora designado pelo Pai, e que só terminaria na cruz. E mostra
que veio como Servo. Nas palavras de Battaglia, Uricchio e Lancellotti (1978, p. 25):
“Jesus, que no batismo desce ao nível dos pecadores e ao mesmo tempo se
apresenta repleto do Espírito Santo e como Filho de Deus, inicia sua missão de
Servo de Deus, profeta e vítima”. E ainda Boyer destaca que, no batismo, Deus
prepara seu Servo, Jesus, para servir. (BOYER, 1978).
Logo após a prisão de João Batista, Jesus chama seus primeiros discípulos e
os convida a abandonar tudo para seguí-lo. Chegando a Cafarnaum, ele e seus
discípulos vão, no dia de sábado, para a sinagoga e ele ensinava. A oposição à obra
de Jesus tem início no mundo espiritual. Os demônios são os primeiros a confrontá-
lo. Mas ele “[…] andou fazendo o bem, e curando a todos os oprimidos do diabo” (At
10.384). Em seguida, ele cura a sogra de Pedro e retira-se para um diálogo com o
Pai. A dependência de Jesus do Pai é marcada pela oração.
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Todas as citações são da Bíblia Almeida Corrigida e Fiel (ACF).
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A cura do endemoniado em Cafarnaum (Marcos 1.21-28), a cura da sogra de Pedro (Marcos 1.29-
31), a cura do homem da mão ressequida (Marcos 3.1-6).
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Marcos registra duas parábolas que não são citadas nem por Mateus nem por
Lucas: a semente que cresce secretamente (Mc 4.26-29), e a parábola dos servos
vigilantes (Mc 13.34-35).
Logo depois que chamou seus primeiros quatro discípulos junto ao Mar da
Galiléia, Jesus se dirigiu junto com eles para Cafarnaum, uma pequena cidade de
pescadores que ficava próxima ao Lago de Genezaré (Mc 1.16-21). Chegando ali,
ele se foi à sinagoga e lá pregou a sua doutrina, ensinando de tal forma que, a
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Mateus 5.15; Marcos 4.21, Lucas 8.16.
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Mateus 9.16; Marcos 2.21; Lucas 5.36.
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Mateus 9.17; Marcos 2.22; Lucas 5.37-38.
9
Mateus 13.1-23; Marcos 4.1-9; Lucas 8.4-15.
10
Mateus 13.31-32; Marcos 4.30-34; Lucas 13.18-20.
11
Mateus 21.33-46; Marcos 12.1-12; Lucas 20.9-19.
12
Mateus 24.32-35; Marcos 13.28-31; Lucas 21.29-33.
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superioridade da sua autoridade sobre os escribas ficou evidente a todos (Mc 1.22).
Então, um espírito malígno se dirigiu imediatamente à sinagoga possuindo um
homem, e ele vai justamente procurar questionar a autoridade de Jesus.
Depois desses fatos, Jesus reúne seus discípulos e vai para a terra dos
gadarenos, criadores de porcos, portanto, não eram judeus e sim gentios. No
primeiro enfrentamento o demônio foi até Jesus, agora, ele vai até onde está o
homem possesso. Espera-se que esse confronto seja ainda mais hostil, afinal, Jesus
invade o território alheio. A descrição do homem feita por Marcos, sempre
econômico com as palavras, é bem interessante:
E, saindo ele do barco, lhe saiu logo ao seu encontro, dos sepulcros, um
homem com espírito imundo; O qual tinha a sua morada nos sepulcros, e
nem ainda com cadeias o podia alguém prender; Porque, tendo sido muitas
vezes preso com grilhões e cadeias, as cadeias foram por ele feitas em
pedaços, e os grilhões em migalhas, e ninguém o podia amansar. E andava
sempre, de dia e de noite, clamando pelos montes, e pelos sepulcros, e
ferindo-se com pedras. (Mc 5.2-5).
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O amor é a maior força no céu, na terra e no inferno. Foi o amor que levou
Deus a dar seu unigênito Filho. Era o amor que impelia seu Filho, o grande
Servo, a falar as palavras de graça, operar os milagres de misericórdia e dar
sua vida em resgate de muitos. Na libertação do endemoniado gadareno
encontra-se um exemplo penetrante do poder divino que opera por amor.
(BOYER, 1978, p. 64).
Jesus afirma que: “Não há profeta sem honra senão na sua pátria, entre os
seus parentes e na sua casa.” (Mc 6.4). Nas palavras de Boyer (1978, p. 80):
Jamais houve na terra , lugar tão privilegiado como Nazaré. Durante trinta
anos o Filho de Deus residia lá. E quando, no meio de seu ministério público,
voltou a Nazaré, “muitos, ouvindo-o, admiravam-se”. “Nunca homem algum
falou assim como este homem”. Contudo, se escandalizavam dEle.
Assim que chegaram à Cafarnaum Jesus quis saber o que eles estavam
conversando pelo caminho. Eles se envergonharam e ficaram em silêncio porque
estavam discutindo qual deles era o maior. A ideia era qual deles seria o maior no
Reino de Deus, uma posição que João e Tiago reivindicaram (Mc 10.35-37). Boyer
assim analisa a disputa por posições no Reino de Deus: “Seja quem for, que
pretenda ocupar tais posições, são intrusos, são embusteiros. Em vez de apontar
qualquer discípulo para estes lugares de honra, Ele os previniu a não aspirá-los.”
(BOYER, 1978, p. 128).
Mas os discípulos continuavam com a ideia que Jesus iria restaurar o reino a
Israel antes de partir, e queriam lugares de destaque nesse novo reino. Eles ainda
não haviam conseguido diferenciar o reino de Israel do Reino de Deus, e que, no
Reino de Deus os valores terrenos são completamente invertidos, o exemplo é o
próprio Jesus.
3.1.7 O Servo do Senhor veio para servir e não para ser servido
Mas Jesus, chamando-os a si, disse-lhes: Sabeis que os que julgam ser
príncipes dos gentios, deles se assenhoreiam, e os seus grandes usam de
autoridade sobre eles; Mas entre vós não será assim; antes, qualquer que
entre vós quiser ser grande, será vosso serviçal; E qualquer que dentre vós
quiser ser o primeiro, será servo de todos. Porque o Filho do homem também
não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de
muitos. (Mc 10.42-45).
mãe humana, a depender de uma mulher para se alimentar, para se manter limpo,
para sobreviver.
A humanidade não tinha nada para oferecer a Jesus. Ele que podia ordenar a
todos os anjos e eles o obedeceriam, que podia invocar as forças da natureza para
lhe servir, mas ele não veio para ser servido. Foi para isso que ele se cingiu com a
toalha, para servir.
Jesus é o mesmo Deus que deu forças a Sansão para quebrar cadeias, o
mesmo que esfacelou as hordas de faraó. O mesmo Deus que colocou em fuga
exércitos inimigos de Israel em várias oportunidades. Foi Ele quem disse a Pedro
em Mateus 26:53 que bastava que Ele rogasse ao Pai e Lhe seriam enviadas mais
de doze legiões de anjos para socorrê-lo.
Pilatos entregou Jesus para ser crucificado, não sem antes mandar açoitá-lo.
Um castigo terrível por si só. Orlando Boyer assim o descreve:
os açoites nas costas nuas. Para aumentar ainda mais o sofrimento, as tiras
de couro do açoite eram, geralmente, chumbadas. O sentenciado, muitas
vezes, não suportava esse castigo, morrendo antes de chegar à cruz.
(BOYER, 1978, p. 200).
Jesus foi conduzido para o Gólgota, o local da execução. Ele carregou a cruz,
mas o esgotamento físico era tamanho que ele caiu várias vezes pelo caminho.
Então, Ele foi crucificado. A cruz, para Boyer, “era a forma de execução mais cruel e
horrenda , combinando o opróbrio público ao sofrimento indizível, unindo o escárnio
das multidões à morte, à míngua, e ligando o desprezo dos homens à maldição de
Deus” (BOYER, 1978, p. 203).
4 A HUMILHAÇÃO DE CRISTO
O apóstolo louva a boa vontade de todos mas, fala a respeito das motivações
que, muitas vezes, estão por detrás das ações aparentemente louváveis. Alguns
estavam, inclusive, pregando a Cristo por inveja, ou simplesmente por rivalidade. Ele
faz um alerta, prevenindo os irmãos que Cristo conhece tudo, inclusive as
motivações do coração.
O proprio autor afirma que sua vida gira em torno da lealdade a Cristo, que
seu anelo é crescer em semelhança de Cristo e participar tanto das vitórias
como dos sofrimentos de Cristo. Ao mesmo tempo, sua descrição dos
destinatários se baseia em que estes têm uma relação particular e pessoal
com Cristo a qual o autor pode apelar quando lhes pede que vivam conforme
a certos valores fundamentais. Toda esta cristologia da vida mesma e da
prática se relaciona com uma visão de Cristo que alcança sua máxima
expressão no belo hino Cristológico (2:6–11), uma das passagens bíblicas
mais completas e também mais ricas em conteúdo com respeito à pessoa de
Jesus Cristo. (ESCOBAR, apud PENNINGS, 2010, p. 20).
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Ao fazer isso, Paulo dirige toda a atenção da igreja para o tema mais
abordado em suas cartas: a graça de Deus. E mui sabiamente, ainda que incentive
os irmãos a imitá-lo, ele mostra que o modelo perfeito, ao qual ele próprio está
imitando, e que é a razão da sua conduta ilibada, é Cristo. Conforme afirma: “De
sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus”. (Fl
2.5).
O sentimento, a motivação que move Paulo, e que ele espera que mova
também os filipenses, é o mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus, e que o
levou a ser obediente a Deus, impondo a si mesmo pesadas restrições e se
submetendo às injustiças humanas.
O fato de Jesus ter sido crucificado, em si, não é o que o diferencia de tantos
outros, afinal, muitos outros também o foram. Ainda hoje, pessoas se submetem a
castigos físicos pesadíssimos, oferendo inclusive a própria vida, em favor das mais
diversas religiões. Nem mesmo o fato de ter sido condenado injustamente pode ser
diferencial, uma vez que esse é um acontecimento comum na história humana.
Pensando nisso, o que de fato, diferencia Jesus Cristo do restante dos mártires? A
motivação.
A motivação de Jesus era e é o amor. Não como um sentimento que pode ser
experimentado pelos seres humanos, mas é o amor que se traduz em graça. Larson
(Apud MARTIN, 1985, p. 104), comenta: “Paulo chegou ao ponto em que pode
introduzir o grande exemplo para tal tipo de vida (de humildade) em sua exortação.
É Cristo mesmo, e Sua renúncia espontânea do poder e da glória celestiais, que Ele
possuía antes da encarnação […]”.
Estava ao alcance de Jesus reinvindicar essa posição por direito, uma vez
que ele já desfrutava dela antes da encarnação. Quem, embora tenha o selo da
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imagem divina, não usou a igualdade com Deus como ganho para ser explorado; Ele
entregou sua posição, e assumiu o papel de servo. Aceitando um disfarce humano,
e aparecendo na terra como o homem; Ele se humilhou, em uma obediência que
chegou a ponto de morrer. (MARTIN, 1967).
Jesus nunca deixou de ser Deus e de ter todos os seus atributos à sua
disposição. A despeito de alguns teólogos do século XIX, que advogaram uma ideia
inesperada da encarnação chamada “teoria da kenosis”, que sustenta que Cristo abriu
mão de alguns de seus atributos divinos enquanto esteve neste mundo como homem.
Não se trata de uma troca de pessoa mas sim de uma troca de estado.
Mesmo em Sua humanidade Cristo manteve a Sua deidade. Calvino comenta:
É aqui que Paulo quer chegar. Sendo Jesus quem ele era, não só abriu mão
de reivindicar uma posição que era Sua por direito, mas sendo encontrado em
posição inferior àquela, ainda se submeteu à humilhação imposta pelos seres
criados por Ele mesmo. Tudo isso em obediência à vontade de Deus.
E esse é o ponto da vida de Jesus em que Ele pode ser imitado, é nesse
quesito que Paulo é um imitador de Jesus e nos orienta a também sê-lo. Paulo inicia
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14
Pro Rabírio 5.10
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5 CONCLUSÃO
Aquilo que foi profetizado por Isaías, se cumpriu, segundo o Evangelho de
Marcos, como também os demais Evangelhos o confirmam. O Deus que criou todas
as coisas pelo poder da Sua palavra, planejou, desde a eternidade passada, o
nascimento virginal, a vida marcada pelo temor e obediência à palavra de Deus, e a
morte vergonhosa na cruz.
Pode-se pensar que a vinda do Filho de Deus a este mundo foi como um
remendo para corrigir algo que deu errado. Como se Deus tivesse se enganado a
respeito do ser humano. Mas não é o que as Escrituras demonstram. Elas afirmam
que o plano Eterno de Deus, realizado por ocasião da encarnação da Segunda
Pessoa da Trindade, foi traçado desde toda a eternidade, quando ainda não havia
mundo.
O que surpreendeu, e ainda surpreende, foi a maneira que Deus escolheu
para fazer cumprir seus propósitos: através do sacrifício do Seu único Filho. E mais,
tudo isso com a anuência dEle, quando tomou a forma de Servo.
Isaías talvez seja a pessoa que contemplou o Seu sofrimento de forma mais
reveladora. Ele viu desde o desprezo de estranhos até o abandono dos seus. Desde
a incompreensão até a traição. E Ele seguiu fielmente o Seu plano até o fim, que
ainda está por se cumprir na sua totalidade, na eternidade futura.
Desde o início da história do relacionamento de Deus com seu povo, muitos
quiseram ver a Sua glória. O povo que hoje segue os passos de Jesus aguardam
para ver a Sua glória. Mas, o que é realmente necessário, é olhar para sua cruz.
Somente através da cruz pode-se ver o plano de Deus em ação; somente através da
cruz pode-se compreender o comprimento, a largura e a profundidade do amor de
Deus revelado em Cristo Jesus. É somente pela cruz, através da cruz, e com a cruz,
que se poderá contemplar também a Sua glória, que há de ser revelada no tempo
oportuno.
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