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Tráfego vesicular, secreção e endocitose

A via secretora carrega proteínas de membrana e proteínas solúveis do RE ao seu


destino final na superfície celular ou nos lisossomos. As proteínas entregues à membrana
plasmática incluem os receptores de superfície celular, os transportadores para captura de
nutrientes e os canais iônicos que mantêm adequados os equilíbrios eletroquímico e iônico
através da membrana plasmática. Uma vez na membrana plasmática, essas proteínas de
membrana tornam-se imersas nela. As proteínas solúveis secretadas também seguem a via
secretora para a superfície celular, mas em vez de permanecerem embebidas na membrana,
são liberadas no ambiente aquoso extracelular. Exemplos de proteínas secretadas são as
enzimas digestivas, os peptídeos hormonais, as proteínas séricas e o colágeno. Como descrito
no Capítulo 9, o lisossomo é uma organela com interior ácido, geralmente responsável
pela degradação de proteínas desnecessárias e pelo armazenamento de pequenas
moléculas como os aminoácidos. Assim, os tipos de proteínas entregues na membrana
lisossomal incluem subunidades da bomba de próton que bombeia H+ do citosol para o
lúmen ácido do lisossomo, bem como os transportadores que liberam as pequenas
moléculas armazenadas no lisossomo para o citoplasma. As proteínas solúveis liberadas
por essa via incluem as enzimas digestivas como as proteases, glicosidases, fosfatases e
lipases.
Um único princípio governa todo o tráfego de proteínas nas vias secretora e
endocítica: o transporte das proteínas solúveis e de membrana de um compartimento
ligado à membrana para outro é mediado por vesículas transportadoras, que carregam
proteínas de carga em brotos que surgem da membrana de um compartimento e
entregam essas proteínas de carga no próximo compartimento, fundindo-se com a
membrana daquele compartimento. Um aspecto importante é que, à medida que as
vesículas transportadoras brotam de uma membrana se fundem à próxima, a mesma face
da membrana permanece orientada na direção do citosol. Portanto, uma vez que uma
proteína tenha sido inserida na membrana ou no lúmen do RE, ela pode ser transportada
pela via secretora, deslocando-se de uma organela para outra, sem ser translocada por
meio de outra membrana, e se que sua orientação dentro da membrana se altere.
Igualmente, a via endocítica usa o tráfego de vesículas para transportar proteínas da
membrana plasmática para os endossomos e os lisossomos, preservando sua orientação
na membrana dessas organelas. A Figura 14-1 apresenta as principais vias secretoras e
endocíticas da célula.
FIGURA 14-1 Visão geral das vias secretora e endocítica de distribuição das proteínas. Via
secretora: a síntese de proteínas que contêm uma sequência-sinal do RE é completada no RE rugoso 1, e
as cadeias do polipeptídeo recém-sintetizadas são inseridas na membrana do RE ou a atravessam em
direção ao lúmen (Capítulo 13). Algumas proteínas (p. ex., as enzimas do RE ou as enzimas est ruturais)
permanecem no RE. As restantes são empacotadas em vesículas de transporte 2 que brotam a partir do RE
e fundem-se, formando novas cisternas de cis-Golgi. As proteínas residentes no RE transportadas
erroneamente, e as proteínas de membrana das vesículas reut ilizáveis são recuperadas e trazidas ao RE
por vesículas 3 formadas a partir do cis-Golgi que se fundem ao RE. Cada cisterna do cis-Golgi, com seu
conteúdo proteico, move-se, fisicamente, da face cis para a face trans do aparelho de Golgi 4 por um
processo não vesicular chamado progressão cisterna!. O transporte retrógrado 5 movimenta as proteínas
residentes no Golgi para o seu compartimento correto dentro do Golgi. Em todas as células, determinadas
proteínas solúveis são transportadas para a superfície celular em vesículas de transporte 6 e são secretadas
continuamente (secreção constitutiva). Em certos tipos celulares, algumas proteínas solúveis são
armazenadas em vesículas secretoras 7 e liberadas somente após a célula receber um sinal hormonal ou
neuronal adequado (secreção regulada). As proteínas solúveis e de membrana destinadas ao lisossomo,
que são transportadas em vesículas formadas no trans-Golgi 8, primeiro movem-se para o endossomo
tardio e daí para o lisossomo. Via endocítica: as proteínas extracelulares solúveis e de membrana
incorporadas em vesículas formadas a partir da membrana plasmática 9 também podem ser transportadas
para o lisossomo pelo endossomo.

Reduzidas aos seus mais simples elementos, a via secretora atua em duas etapas.
A primeira etapa ocorre no retículo endoplasmático (RE) rugoso (Figura 14-1, etapa 1).
Como descrito no Capítulo 13, proteínas solúveis e de membrana recém-sintetizadas são
translocadas para o RE, onde se dobram na sua conformação adequada e recebem
modificações covalentes, como pontes dissulfeto e carboidratos ligados ao N e ao O.
Quando as proteínas recém-sintetizadas estão adequadamente dobradas e receberam
suas modificações corretas no lúmen do RE, elas passam à próxima etapa da via
secretora: o transporte para e pelo Golgi.
A segunda etapa da via secretora pode ser resumida como se segue. No RE, as
proteínas de carga são empacotadas em vesículas transportadoras anterógradas (com
movimento para frente, Figura 14-1, etapa 2). Essas vesículas são fundidas, formando
um compartimento achatado ligado à membrana, conhecido como cisterna do cis-Golgi
ou rede do cis-Golgi ("cisterna" é um compartimento que mantém água ou líquidos).
Algumas proteínas, principalmente as que atuam no RE, são recuperadas da cisterna do
cis-Golgi para o RE por meio de um grupo distinto de vesículas transportadoras
retrógradas (movimento para trás) {etapa 3). Uma nova cisterna do cis-Golgi com sua
carga de proteínas desloca-se fisicamente da posição eis (próxima ao RE) à posição
trans (mais distante do RE) em etapas sucessivas, tornando-se primeiro uma cisterna do
medial-Golgi e, depois, uma cisterna do trans-Golgi (etapa 4). Esse processo, conhecido
como maturação da cisterna, envolve principalmente o transporte retrógrado de
vesículas (etapa 5) que recuperam enzimas e outras proteínas que residem no Golgi das
cisternas mais posteriores para as mais anteriores, "maturando", assim, o cis-Golgi para
o medial-Golgi e o medial-Golgi para o trans-Golgi. As proteínas secretoras movem-se
pelo Golgi e podem receber mais modificações nos carboidratos ligados por glicosil
transferases específicas que estão alojadas em diferentes compartimentos do Golgi.
As proteínas da via secretora finalmente são direcionadas para uma rede
complexa de membranas e vesículas, denominada rede trans-Golgi (TGN, de trans-
Golginetwork). A TGN é o principal ponto de ramificação da / via secretora. E nesse
ponto que uma proteína pode ser carregada em diferentes tipos de vesículas e, portanto,
trafegar para diferentes destinos. Dependendo do tipo de vesícula par a qual a proteína é
carregada, ela será transportada à membrana plasmática e secretada imediatamente,
armazenada para liberação posterior ou levada aos lisossomos {etapas 6 a 8). O
processo pelo qual uma vesícula se move, fusiona-se com a membrana plasmática e
libera seu conteúdo é conhecido como exocitose. Em todos os tipos celulares, pelo
menos algumas proteínas são secretadas continuamente, enquanto outras são
armazenadas no interior das células até que um sinal para exocitose as libere. As
proteínas secretoras destinadas aos lisossomos são transportadas, em primeiro lugar, por
vesículas da rede trans-Golgi, para um compartimento denominado endossomo tardio;
as proteínas são então transferidas para os lisossomos pela fusão direta do endossomo
com a membrana lisossomal.
A endocitose está relacionada mecanisticamentecom a via secretora. Na via
endocítica, as vesículas brotam para dentro da membrana plasmática, levando as
proteínas de membrana e seus ligantes para a célula (ver Figura 14-1, direita). Após a
internalização por endocitose, algumas proteínas são transportadas para os lisossomos
por meio dos endossamos tardios enquanto outras são recicladas para a superfície
celular.

Mecanismos moleculares de fusão e brotamento vesiculares


As pequenas vesículas ligadas à membrana, que transportam as proteínas de uma
organela para outra, são elementos comuns nas vias secretora e endocítica (ver Figura
14-1). Essas vesículas brotam da membrana de determinada organela "parental"
(doadora) e se fundem à membrana de determinada organela "alvo" (destino). Apesar de
cada etapa nas vias secretora e endocítica empregar um tipo diferente de vesícula, os
estudos utilizando as técnicas genéticas e bioquímicas descritas na seção anterior
revelaram que cada uma das etapas do transporte vesicular é simplesmente uma
variação de um tema comum. Nesta seção, serão explorados os mecanismos básicos que
fundamentam a formação e a fusão que todos os tipos de vesículas têm em comum,
antes de serem discutidas detalhadamente as peculiaridades de cada via.

A formação de uma capa proteica promove a formação da vesícula e a


seleção das moléculas de carga
O brotamento das vesículas da membrana parental é dirigido pela polimerização de
complexos de proteína solúveis na membrana, formando uma capa vesicular proteica
(Figura 14-6a). As interações entre as porções citosólicas das proteínas integradas à
membrana e o revestimento da vesícula reúnem as proteínas de carga apropriadas para a
vesícula em formação. Portanto, o revestimento adiciona curvatura à membrana para
formar uma vesícula e atua como filtro para determinar quais proteínas serão admitidas
na vesícula.
FIGURA 14-6 Visão geral da formação das vesículas e sua fusão com a membrana-alvo. (a) O
brotamento é iniciado pelo recrutamento de uma pequena proteína ligadora de GTP para um segmento da
membrana doadora. Os complexos de proteínas de revestimento no citosol ligam-se ao domínio citosólico
das proteínas de carga da membrana, algumas das quais também atuam como receptores que se ligam
com as proteínas solúveis no lúmen, recrutando, assim, as proteínas de carga luminais para dentro das
vesículas em formação. (b) Após a liberação e a dissociação do revestimento, avesícula se funde com a
membrana-alvo em um processo que envolve a interação das proteínas SNARE correspondentes.

O revestimento também é responsável pela inclusão das proteínas fusionadas à


membrana conhecidas como v-SNAREs. Logo após se completar a formação da
vesícula, o revestimento é descartado, expondo as proteínas v-SNARE da vesícula. A
junção específica das v-SNARE na membrana da vesícula às correspondentes t-
SNAREs na membrana-alvo aproxima e justapõe as duas membranas, permitindo a
fusão das bicamadas lipídicas (Figura 14-6b). Independentemente da organela-alvo,
todas as vesículas de transporte usam as v-SNARE e t-SNARE para brotar e fusionar.

Os três principais tipos de vesículas revestidas têm sido caracterizados de acordo com o
tipo distinto de proteínas de revestimento e com a polimerização reversível de um grupo
distinto de subunidades proteicas (Tabela14-1 ). Cada tipo de vesícula, denominada
conforme sua proteína de revestimento primária, transporta proteínas de carga de uma
organela para outra organela alvo.
• COPII: vesículas de transporte de proteínas do RE para o Golgi.
• COPI: vesículas que transportam principalmente as proteínas na direção retrógrada
entre as cisternas do Golgi e o cis-Golgi e de volta para o RE.
• Clatrina: vesículas de transporte de proteínas da membrana plasmática (superfície
celular) e da rede trans-Golgi para os endossamos tardios.
Acredita-se que cada etapa do tráfego mediado por vesículas utilize algum tipo
de revestimento de vesícula. Entretanto, um complexo de proteínas específicas de
revestimento ainda não foi identificado para cada tipo de vesícula. Por exemplo, as
vesículas que movem proteínas do trans-Golgi para a membrana plasmática durante a
secreção constitutiva ou regulada apresentam um tamanho uniforme e uma morfologia
sugestiva de que sua formação é direcionada pela união de uma estrutura de
revestimento regular. Mesmo assim, porém, os pesquisadores ainda não identificaram
proteínas de revestimento específicas circundando essas vesículas.
O esquema geral do brotamento das vesículas, mostrado na Figura 14-6a, aplica-
se a todos os três tipos conhecidos de vesículas revestidas. Os experimentos com
membranas isoladas ou artificiais e proteínas de revestimento purificadas mostraram
que a polimerização das proteínas de revestimento na face citosólica da membrana de
origem é indispensável para produzir a alta curvatura da membrana, típica das vesículas
de transporte de cerca de 50 nm de diâmetro. As micrografias eletrônicas de reações de
brotamento de vesículas in vitro muitas vezes revelam estruturas que mostram discretas
regiões separadas da membrana de origem com uma capa densa acompanhada pela
curvatura característica de uma vesícula completa (Figura 14-7). Essas estruturas,
normalmente chamadas de brotos vesiculares, parecem ser intermediários visíveis após
o início da polimerização do revestimento, mas antes do desprendimento completo da
vesícula da membrana parental. Acredita-se que as proteínas de revestimento
polimerizadas parecem formar um molde curvilíneo que promove a formação do broto
da vesícula, aderindo-se à face citosólica da membrana.

FIGURA EXPERIMENTAL 14-7 Os brotos vesiculares podem ser visualizados durante as reações
de brotamento in vitro. Quando os componentes purificados do revestimento COPll são incubados com
as vesículas isoladas do RE ou com as vesículas artificiais de fosfolipídeos (lipossomos), a polimerização
das proteínas de revestimento na superfície da vesícula induz o surgimento de brotos altamente curvados.
Nesta micrografia eletrônica de uma reação de brotamento in vitro, observe o revestimento diferente da
membrana, que aparece como uma camada proteica escura, presente nos brotos vesiculares. (De K.
Matsuoka et ai., 1988, Ce// 93 (2):263.)

Um grupo conservado de proteínas de controlede GTPase controla a


formação dos diferentes revestimentos vesiculares
Com base nas reações de brotamento de vesículas in vitro realizadas com membranas
isoladas e proteínas de revestimento purificadas, os pesquisadores determinaram um
grupo mínimo de componentes do revestimento necessários à formação de cada um dos
três tipos principais de vesículas. Apesar de a maioria das proteínas formação do
revestimento (ver Figura 14-6a). Nas vesículas COPI e clatrina, essa proteína ligadora
de GTP é conhecida como proteína ARF. Uma proteína ligadora de GTP diferente, mas
relacionada, denominada proteína Sarl, está presente nas vesículas de COPII. Tanto a
ARF como a Sarl são proteínas monoméricas, com estrutura global semelhante à Ras,
proteína-chave na transdução de sinais intracelulares (ver Figura 16-19). As proteínas
ARF e Sarl, como a Ras, pertencem à superfamília das GTPases de proteínas de
controle que alternam entre as formas inativa (ligada ao GDP) e ativa (ligada ao GTP,
ver Figura 3-32).
A alternância entre a ligação e a hidrólise do GTP pelas proteínas ARF e Sarl
parece controlar o início da formação do revestimento, como representado na Figura 14-
8, na formação de vesículas de COPII. Primeiro, uma proteína de membrana do RE,
conhecida como Sec12, catalisa a liberação do GDP do complexo Sarl ·GDP e a ligação
do GTP. O fator de troca do nucleotídeo guanina, aparentemente, recebe e integra
múltiplos sinais, ainda não conhecidos, provavelmente incluindo a presença das
proteínas de carga na membrana do RE prontas para serem transportadas. A ligação do
GTP provoca uma alteração conformacional na Sarl que expõe a extremidade N-
terminal hidrofóbica, que, então, é inserida na bicamada fosfolipídica e provoca a
fixação de Sarl ·GTP à membrana do RE (Figura 14-8, etapa 1). O complexo Sarl ·GTP
ligado à membrana promove a polimerização dos complexos citosólicos das
subunidades de COPII na membrana, finalmente causando a formação dos brotos
vesiculares (etapa 2). Uma vez que as vesículas de COPII são liberadas da membrana
doadora, a atividade GTPásica de Sarl hidrolisa o Sarl ·GTP na membrana da vesícula
em Sarl ·GDP, com o auxílio de uma das subunidades do revestimento (etapa 3). Essa
hidrólise desencadeia a dissociação do revestimento de COPII (etapa 4). Portanto, a Sarl
acopla um ciclo de ligação e hidrólise de GTP para a formação e subsequente
dissociação do revestimento de COPII.
A proteína ARF sofre um ciclo semelhante de troca nucleotídica e hidrólise,
acoplado à formação do revestimento das vesículas compostas por COPI, clatrina ou
outras proteínas de revestimento (complexos AP), discutidas mais adiante. Uma
modificação covalente de uma proteína conhecida como âncora de miristato na
extremidade N-terminal da proteína ARF une, fracamente, o ARF·GDP à membrana do
Golgi. Quando o GTP é trocado por GDP ligado por um fator de troca de nucleotídeo
ligado à membrana do Golgi, a alteração conformacional resultante na ARF permite a
inserção dos resíduos hidrofóbicos do segmento N-terminal na bicamada lipídica. A
forte associação resultante do complexo ARF·GTP com a membrana atua como base
para a formação adicional do revestimento.
Com base nas similaridades estruturais das proteínas Sarl e ARF a outras
pequenas proteínas de troca GTPase, os pesquisadores construíram genes que codificam
versões mutantes das duas proteínas que possuem efeitos previsíveis no tráfego
vesicular, quando transfectados nas células em cultura. Por exemplo, nas células que
expressam versões mutantes da Sarl ou da ARF que não hidrolisam GTP, os
revestimentos vesiculares são formados, e as vesículas separam-se da membrana por
brotamento. Entretanto, como as proteínas mutantes não podem desencadear a
dissociação do revestimento, todas as subunidades de revestimento disponíveis ficam
permanentemente associadas às vesículas revestidas, que não conseguem se fundir com
as membranas-alvo. A adição de um análogo de GTP não hidrolisável às reações de
brotamento de vesículas in vitro provoca um bloqueio semelhante na dissociação do
revestimento. As vesícula formadas nessas reações têm revestimentos que nunca se
dissociam, permitindo uma melhor análise da sua estrutura e composição. As vesículas
purificadas de COPI mostradas na Figura 14-9 foram produzidas por essas reações de
brotamento.
FIGURA EXPERIMENTAL 14-9 As vesículas revestidas são acumuladas durante as reações de
brotamento in vitro, na presença de um análogo não hidrolisável do GTP. Quando as membranas
isoladas do Golgi são incubadas com um extrato citosólico contendo proteínas de revestimento COPI,
ocorre a formação de vesículas e seu desprendimento da membrana. A inclusão de um análogo não
hidrolisável do GTP na reação de brotamento impede a dissociação da capa após a liberação da vesícula.
Esta micrografia mostra vesículas de COPI produzidas por essa reação e separadas das membranas por
centrifugação. As vesículas revestidas preparadas dessa forma podem ser analisadas para a determinação
de seus componentes e propriedades. (Cortesia de L. Orei.)

As sequências-alvo nas proteínas de carga estabelecem contatos


moleculares específicos com as proteínas de revestimento
Para que as vesículas de transporte movam proteínas específicas de um
compartimento para outro, os brotos vesiculares devem ser capazes de diferenciar as
proteínas de membrana das proteínas de cargas solúveis em potencial, recebendo apenas
as proteínas de carga que devem avançar para o próximo compartimento e excluindo
aquelas que devem permanecer no compartimento doador. Além disso, para compor a
curvatura na membrana doadora, o revestimento vesicular também atua na seleção de
proteínas específicas que serão carregadas. O mecanismo principal pelo qual o
revestimento das vesículas seleciona as moléculas de carga ocorre pela ligação direta
com sequências específicas, ou sinais de seleção, na porção citosólica das proteínas de
carga na membrana (ver Figura 14-6a). O revestimento polimerizado, portanto, atua
como matriz de afinidade, agrupando determinadas proteínas de carga da membrana na
formação dos brotos vesiculares. As proteínas solúveis dentro do lúmen das organelas
parentais não podem, por sua vez, fazer contato direto; elas necessitam de um tipo
diferente de sinal de seleção. Proteínas solúveis do lúmen frequentemente contêm o que
se considera um sinal de seleção luminal, ligando os domínios luminais de algumas
proteínas de carga da membrana que atuam como receptores para as proteínas de carga
luminais. As propriedades de diversos sinais de classificação conhecidos nas proteínas
solúveis e de membrana estão resumidas na Tabela 14-2. Adiante, a função desses sinais
será descrita detalhadamente.

GTPases Rab controlam a ligação das vesículas às membranas-alvo


Um segundo grupo de pequenas proteínas ligadoras de GTP, conhecidas como
proteínas Rab, participa no direcionamento de vesículas à membrana-alvo apropriada.
Da mesma forma que a Sarl e a ARF, as proteínas Rab pertencem à superfamília das
GTPases de proteínas de controle. As proteínas Rab também contêm um âncora
isoprenoide que lhes permite se encaixarem na membrana da vesícula. A conversão do
Rab·GDP a Rab·GTP, catalisada por um fator específico de troca de nucleotídeos
guanina, induz uma alteração conformacional em Rab que permite sua interação com
uma proteína de superfície em determinada vesícula de transporte, inserindo sua âncora
isoprenoide na membrana da vesícula. Uma vez que a Rab·GTP está fixada à superfície
da vesícula, parece que ela interage com uma das inúmeras proteínas volumosas
diferentes, conhecidas como efetores de Rab, ligadas à membrana-alvo. A ligação de
Rab·GTP a um efetor de Rab ancora a vesícula na membrana-alvo adequada (Figura 14-
10, etapa 1). Após a fusão da vesícula, o GTP ligado à proteína Rab é hidrolisado a
GDP, provocando a dissociação da Rab·GDP, que pode, então, sofrer outro ciclo de
troca, ligação e hidrólise de GDP-GTP.
Várias evidências confirmam o envolvimento das proteínas Rab específicas nos
eventos de fusão das vesículas. Por exemplo, o gene SEC4 de leveduras codifica uma
proteína Rab, e as células de levedura que expressam as proteínas Sec4 mutantes
acumulam vesículas secretoras que não conseguem se fundir à membrana plasmática
(mutantes de classe E, na Figura 14-4). Nas células dos mamíferos, a proteína Rab5 está
localizada nas vesículas endocíticas, também denominadas endossomos precoces. Essas
vesículas não revestidas são formadas a partir das vesículas revestidas com clatrina,
logo após seu brotamento da membrana plasmática, durante a endocitose (ver Figura
14-1, etapa 9). A fusão dos endossamos precoces entre si em sistemas livres de células
requer a presença da Rab5, e a adição da Rab5 e do GTP aos extratos livres de células
acelera a velocidade de fusão dessas vesículas. Uma proteína longa e espiralada,
conhecida como EEAl- antígeno 1 do endossamo precoce (do inglês early endosome
antigen 1 ), que reside na membrana do endossomo precoce, atua como efetor para a
Rab5. Nesse caso, a Rab5 ·GTP em uma vesícula endocítica parece ligar-se
especificamente à EEAl na membrana de outra vesícula endocítica, como preparação
para a fusão das duas vesículas.
Um tipo diferente de efetor da Rab parece funcionar em cada tipo de vesícula e
em cada etapa da via secretora. Ainda restam muitas perguntas sobre como as proteínas
Rab são conduzidas às membranas corretas e sobre como complexos específicos são
formados entre as diferentes proteínas Rab e suas proteínas efetoras correspondentes.

Os grupos pareados de proteínas SNARE promovem a fusão das vesículas


às membranas-alvo
Como já foi mencionado, logo após uma vesícula ser liberada da membrana doadora, o
revestimento da vesícula se dissocia, expondo uma proteína de membrana específica da
vesícula, uma v-SNARE (ver Figura 14-6b).
Da mesma forma, cada tipo de membrana-alvo em uma célula contém proteínas de
membrana t-SNARE, que interagem especificamente com as v-SNARE. Após a fixação,
mediada pela Rab, de uma vesícula a sua membrana-alvo (destino), a interação das
SNARE equivalentes aproximam as duas membranas o suficiente para provocar sua
fusão.
Um dos exemplos mais entendidos de fusão mediada pelas SNARE ocorre durante a
exocitose de proteínas secretadas (ver Figura 14-10, etapas 2 e 3). Nesse caso, a v-
SNARE, denominada VAMP (proteína de membrana associada à vesícula, do inglês V
esicule-Associated Membrane Protein), é incorporada nas vesículas secretoras à medida
que essas brotam da rede trans-Golgi. As t-SNARE são as sintaxinas, proteínas
integradas à membrana da membrana plasmática, e a SNAP-25, fixada à membrana
plasmática por uma âncora lipídica hidrofílica no meio da proteína. A região citosólica
em cada uma dessas três proteínas SNARE contém uma sequência heptâmera repetida
que permite que as quatro hélices - uma da VAMP, uma da sintaxina e duas da SNAP-
25 - se enrolem uma na outra, formando um feixe de quatro hélices (Figura 14-l0b). A
rara estabilidade desse complexo SNARE em feixe resulta do arranjo dos resíduos de
aminoácidos hidrofóbicos e carregados na repetição heptamérica. Os aminoácidos
hidrofóbicos estão inseridos no interior do feixe, e os aminoácidos de cargas opostas
estão alinhados, formando interações eletrostáticas favoráveis entre as hélices. À
medida que os feixes de quatro hélices são formados, as membranas da vesícula e do
alvo são aproximadas e justapostas pelos domínios transmembrana da VAMP e da
sintaxina.
FIGURA 14-10 Modelo para a fixação e a fusão das vesículas de transporte com as suas
membranas-alvo. (a) As proteínas mostradas neste exemplo participam da fusão das vesículas secretoras
com a membrana plasmática, mas proteínas semelhantes promovem todos os eventos de fusão vesicular.
Etapa 1: uma proteína Rab, fixada por uma âncora lipídica à uma vesícula secretora, liga-se a um
complexo efetor da proteína presente na membrana plasmática, fixando, assim, a vesícula de transporte na
membrana-alvo adequada. Etapa 2): uma proteína v-SNARE (neste caso, a VAMP) interage com os
domínios citosólicos das t-SNARE correspondentes (no caso, a sintaxina e a SNAP-25). Os complexos
super-helicoidais muito estáveis que são formados mantêm a vesícula próxima à membrana-alvo. Etapa 3:
a fusão das duas membranas ocorre imediatamente após a formação dos complexos SNARE, mas não se
sabe exatamente como isto ocorre. Etapa 4: após a fusão das membranas, a NSF, com a proteína a-SNAP,
liga-se aos complexos SNARE. A hidrólise do ATP catalisada pela NSF efetua a dissociação dos
complexos SNARE, liberando essas proteínas para outra rodada de fusão vesicular. (b) Inúmeras
interações não covalentes (entre as quatro longas hélices a, duas da SNAP-25 e uma de cada sintaxina e
da VAMP) estabilizam a estrutura super-helicoidal. (Ver J. E. Rothman & T. Sõllner, 1997, Science
276:1212, e W. Weis & R. Scheller, 1998, Nature 395:328. A partir de Y. A. Chen & R. H. Scheller, 200
l, Nat. Rev. Mo/. Cell Biol. 2(2):98.)

Os experimentos in vitro mostraram que quando lipossomos contendo a VAMP


purificada são incubados com outros lipossomos contendo sintaxina e SNAP-25, as
duas classes de membranas se fundem, ainda que lentamente. Essa descoberta é uma
forte evidência de que a justaposição das membranas resultantes da formação dos
complexos SNARE é suficiente para que ocorra a fusão das membranas. A fusão de
uma vesícula e de uma membrana-alvo ocorre muito mais rápida e de maneira
eficiente na célula do que nos experimentos com lipossomos nos quais a fusão é
catalisada apenas pelas proteínas SNARE. A explicação mais provável para essa
diferença é que, na célula, outras proteínas como as Rab e seus efetores estão
envolvidos no direcionamento correto das vesículas à sua membrana-alvo. As células
de leveduras, como todas as células eucarióticas, expressam mais de 20 proteínas v-
SNARE e t-SNARE diferentes, mas relacionadas. A análise de mutantes de leveduras
deficientes em cada um dos genes SNARE permitiu a identificação dos eventos de
fusão de membrana específicos, em que cada proteína SNARE participa. Em todos os
eventos de fusão examinados, as proteínas SNARE formam complexos de feixes de
quatro hélices, semelhantes aos complexos de VAMP/ sintaxina/SNAP-25, que
promovem a fusão das vesículas secretoras à membrana plasmática. Contudo, em
outros eventos de fusão (como a fusão de vesículas COPII à rede do cis-Golgi) cada
proteína SNARE participante contribui com uma única hélice ex para o feixe (ao
contrário da SNAP-25, que contribui com duas hélices); nesses casos, os complexos
SNARE são constituídos por uma molécula de v-SNARE e três moléculas de t-SNARE.
Utilizando testes de fusão de lipossomos in vitro, os pesquisadores avaliaram a
capacidade de diversas combinações de proteínas v- e t-SNARE individuais de
promover a fusão entre membranas doadoras e alvos. Das muitas combinações
diferentes analisadas, apenas algumas foram capazes de promover a fusão de maneira
eficiente. Surpreendentemente, as combinações funcionais de v-SNARE e t-SNARE
reveladas nesses experimentos in vitro corresponderam às interações de proteínas
SNARE que promovem eventos conhecidos de fusão de membranas nas células das
leveduras. Portanto, junto à especificidade da interação entre as proteínas Rab e efetoras
Rab, a especificidade da interação entre as proteínas SNARE pode ser responsável por
grande parte da especificidade da fusão entre certa vesícula à sua membrana-alvo.

A dissociação dos complexos SNARE após a fusão das membranas é


promovida pela hidrólise do ATP
Após a fusão das vesículas e das membranas-alvo, os complexos SNARE devem
ser dissociados, a fim de liberar as proteínas SNARE individuais para participar nos
próximos eventos de fusão. Devido à estabilidade dos complexos SNARE unidos por
diversas interações intermoleculares não covalentes, sua dissociação depende de
proteínas e energia adicionais.
A primeira indicação de que a dissociação dos complexos SNARE dependia de
outras proteínas surgiu de reações de transporte in vitro, deficientes de algumas
proteínas citosólicas. O acúmulo de vesículas observado nessas reações indica que as
vesículas poderiam ser formadas, mas que eram incapazes de se fundir à membrana-
alvo. Finalmente, foi demonstrado que duas proteínas, designadas NSF e cx-SNAP, são
necessárias para a fusão das vesículas na reação de transporte in vitro. A função da
NSF, in vivo, pode ser seletivamente bloqueada por N-etilmaleimida (NEM), composto
químico que reage com o grupo -SH da NSF (daí o nome "fator sensível ao NEM", ou
NEM-sensitive factor)
Leveduras mutantes também têm contribuído para a compreensão da função da
SNARE. Dentre a classe C de mutantes sec estão as cepas com função de Sec18 ou
Sec17 ausente, correspondentes às NSF e cx-SNAP dos mamíferos, respectivamente.
Quando esses mutantes de classe e são colocados em temperaturas não permissivas, eles
acumulam vesículas de transporte do RE ao Golgi; quando as células são incubadas a
temperaturas mais baixas, permissivas, as vesículas acumuladas são capazes de se
fundir com o cis-Golgi.
Logo após a identificação das NSF e cx-SNAP, por meio de estudos bioquímicos
e genéticos iniciais, foram desenvolvidos testes de transporte in vitro mais sofisticados.
Com esses novos testes, foi possível demonstrar que as proteínas NSF e cx-SNAP não
são, na verdade, necessárias à fusão da membrana, mas, sim, necessárias para a
regeneração das proteínas SNARE livres. A NSF, uma proteína hexamérica com
subunidades idênticas, associa-se a um complexo SNARE com o auxílio da cx-SNAP
(proteína de ligação da NSF solúvel, do inglês soluble NSF attachment protein). A NSF
ligada hidrolisa ATP, liberando energia suficiente para dissociar o complexo SNARE
(Figura 14-10, etapa 4). Obviamente, os defeitos na fusão das vesículas observados nos
experimentos anteriores nos mutantes de leveduras após a perda de Sec17 e Sec18
refletiram uma consequência das proteínas SNARE livres, rapidamente associadas em
complexos SNARE não dissociados e, portanto, indisponíveis para promover a fusão
das membranas.
CONCEITOS-CHAVE da Seção 14.2
Mecanismos moleculares de fusão e brotamento vesiculares
• As três vesículas de transporte bem caracterizadas – as vesículas de COPI, de COPII e
de clatrina - são diferenciadas pelas proteínas que formam seus revestimentos e pelas
rotas de transporte que promovem (ver Tabela 14-1).
• Todos os tipos de vesículas revestidas são formados pela polimerização de proteínas
de revestimento citosólicas em uma membrana doadora (parental), formando brotos
vesiculares que se desprendem da membrana, liberando uma vesícula completa. Logo
após a liberação da vesícula, o revestimento é descartado, expondo as proteínas
necessárias à fusão com a membrana-alvo (ver Figura 14-6).
• Pequenas proteínas ligadoras de GTP (ARF ou Sarl), que pertencem à superfamília das
GTPases, controlam a polimerização das proteínas do revestimento, a etapa inicial da
formação vesicular (ver Figura 14-8). Após a liberação das vesículas da membrana
doadora, a hidrólise do GTP ligado à ARF ou à Sarl desencadeia a dissociação dos
revestimentos das vesículas.
• Sinais de classificação específicos nas proteínas luminais e nas proteínas de membrana
das organelas doadoras interagem com as proteínas de revestimento durante a formação
das vesículas, recrutando proteínas de carga às vesículas (ver Ta bela 14-2).
• Um segundo grupo de proteínas ligadoras de GTP, as proteínas Rab, regulam a fixação
das vesículas às membranas-alvo corretas. Cada Rab parece se ligar a um efetor Rab
específico associado à membrana-alvo.
• Cada v-SNARE em uma membrana vesicular liga-se especificamente a um complexo
equivalente de proteínas t-SNARE na membrana-alvo, induzindo a fusão das duas
membranas. Após o término da fusão, o complexo SNARE é dissociado por uma reação
dependente de ATP, mediado por outras proteínas citosólicas (ver Figura 14-10).

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