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A verdade sobre a forma como as leis são produzidas é inconveniente. Sabemos que
elas não são resultado do processo democrático, nem objetivam a “construção de uma
sociedade livre, justa e solidária” - palavras estas apregoadas, já em seus primeiros
sussurros, pela Constituição Federal. Na realidade da vida prática, as leis se
promulgam e se propagam diretamente como expressão de grupos políticos
majoritários. Seu objetivo autêntico, e nunca expressamente declarado nas propostas
legislativas, é a perpetuação do poder.
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NEVES, Marcelo, Constituição simbólica 1º edição, Pernanbuco, Editora Martins Fontes 1998.
Num sistema de freios e contrapesos em que se tem um Legislativo ineficaz e um
Executivo volúvel, que “dança conforme a música” proposta pelos grupos políticos
dominantes, o Poder Judiciário, embora sobrecarregado, é a única porta aberta aos
inconformados.
Alguns casos emblemáticos são citados como responsáveis pelo fenômeno em terras
americanas: o primeiro deles, Brown v. Board, versava sobre a segregação racial em
escolas. Há de se mencionar, ainda, o caso Furman, que tratava da pena de morte.
Em terras tupiniquins, como dito, o tema ainda é recente e pouco estudado, mas sua
difusão é visível. Verificou-se, por mais de uma vez, a imediata reação política – e
legislativa – a uma decisão judicial de vanguarda em matéria de direitos fundamentais,
após seu enfrentamento pelo Supremo Tribunal Federal. No ano de 2016, o Plenário,
no julgamento da ADI 4983/CE (decisão disponibilizada no Informativo 842) decidiu,
por maioria, ser inconstitucional lei estadual que regulamenta a atividade da
“vaquejada”. Em reação à histórica decisão, mobilizou-se o Poder Constituinte
Reformador, em velocidade assustadora, aprovando a Emenda Constitucional nº
96/2017, que inseriu no artigo 225 da Constituição um novo parágrafo, autorizador da
prática (§7º).
Causa estranheza que o legislador permaneça inerte, por tanto tempo, sobre assuntos
de importância reconhecida e, ao ser contrariado, ganhe brusca e inesperada
eficiência para remendar, por birra, o próprio texto constitucional. Um legislador
sempre teimoso, ineficiente e inócuo ganha inesperada produtividade motivada por
razões egoísticas. O efeito backlash, em seu viés legislativo, não é nada além disso:
pirraça, capricho. A arrogância do jogo de poder manifestando-se de modo dramático.
É fato, porém, que o efeito backlash não se manifesta unicamente pela interposição
legislativa de diplomas visando contradizer os pronunciamentos judiciais – e que são,
como dito, armas despóticas, já que seu único objetivo é expressar contrariedade e
reproduzir um ilógico “braço de ferro” no sistema de freios e contrapesos, o qual quem
sempre perde, fatalmente, é o jurisdicionado.
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Música: Bolso nada. Álbum: Soltasbruxa, 2016.
a exibir. Sua popularidade repentina e contínua ascensão em pesquisas eleitorais
prévias não condizem com a insignificante produção parlamentar. Sequer nas poucas
áreas em que arrisca palpitar, ou se posicionar, possui algum trabalho relevante.
É fato que as decisões que implementam direitos fundamentais, pela via judicial,
tomam um atalho: determina-se forçadamente o cumprimento de um valor que,
embora humano, ainda não é assimilado por todos, sem que haja uma completa
evolução da sociedade para aceita-lo. As esferas contrariadas, incapazes de digerir
seu aborrecimento, reagem - ainda que por afetação, egoísmo ou maldade.
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Disponível em: http://justificando.cartacapital.com.br/2018/04/14/nem-patriota-nem-honesto-nem-
cristao-desmitificando-jair-bolsonaro/. Acesso em: 15/06/2018.
evoluam, a ponto de acatar ou tolerar a consagração daquele direito, para então, só
depois desse processo, materializá-lo.
Por óbvio que os setores conservadores buscarão, a qualquer custo e por qualquer
meio, reverter os efeitos da decisão, ainda que isso impacte no cenário político – e o
que se produza sejam resultados avassaladores e desastrosos, como a promoção de
fascistas a “heróis”.
Porém, não podemos esperar que a conquista de um direito, que demanda exercício
imediato por seus titulares, balance ao sabor das vontades políticas dominantes. O
reconhecimento de determinadas garantias é emergencial e não pode resistir à
demora de um processo vagaroso e sem prazo de duração – as violações produzidas
no processo de espera, indubitavelmente, são ainda mais catastróficas e nefastas.
Esperar que primeiro venha a evolução lenta e gradual de uma sociedade, para então
se produzirem mecanismos pelos Poderes Legislativo e Judiciário com vistas a efetivar
um determinado direito, seria o cenário ideal. Mas é utópico. Mais que irreal ou
ilusório, pode mesmo ser impossível. Trocaríamos a segurança de um cenário político
sereno, em que supostamente não haveria possibilidade de ascensão de grupos
reacionários, pela nossa própria liberdade em exercer direitos mínimos. Benjamin
Franklin já profetizava, nesse ponto: “Aqueles que se dispõem a renunciar à liberdade
essencial em troca de uma pequena segurança temporária não merecem liberdade,
nem segurança”.