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E MOZART? E O ASSASSINATO?

Howard S. Becker
Tradução de Guilherme Santana e Simone Rocha

Três campos que na superfície podem parecer bora ele próprio tivesse sérias dúvidas acerca dessa
ter muito pouco em comum – as sociologias do temática. No curso natural dos acontecimentos,
desvio, da arte e da ciência – possuem uma pro- fui convidado a apresentar, no Centro, a teoria da
funda similaridade subjacente, que emerge como “rotulação” aplicada ao desvio, cujo livro Outsiders
uma luta crônica sobre definições. Investigar tais serviu como um primeiro exemplo.
lutas e similaridades nos diz algo interessante. Co- Recordo-me claramente daquela ocasião. Ex-
meçarei com dois exemplos da minha própria ex- pus as ideias contidas no primeiro capítulo do li-
periência como participante nessas discussões.1 vro – que o desvio não era uma qualidade inata ou
Quando publiquei Outsiders, em 1963, mora- natural do ato de alguém, mas, sim, o resultado da
va em São Francisco, muito perto da Universidade atividade conjunta de tal ator e das pessoas que res-
da Califórnia, em Berkley, que possuía, entre seus ponderam sobre sua atividade rotulando-a como
vários anexos, o Centro para o Estudo do Direito “desviante”.2 Isso contrariou a ideia comum de que
e da Sociedade, então dirigido pelo merecidamen- essas categorias corresponderiam ao que as pessoas
te renomado intelectual Philip Selznick. Selznick realmente eram, aos aspectos essenciais de suas per-
acolheu em seu centro um grupo de estudantes do sonalidades, e, portanto, facilmente definíveis. Um
“desvio”, estudo do que, variavelmente, havia sido criminoso cometeu crimes, uma pessoa anormal fez
denominado “desorganização social” ou, como vem coisas que pessoas normais não faziam.
sendo chamado, criminologia – Jerome Skolnick, Quando terminei, houve o habitual momento
David Matza, Sheldon Messinger, e outros –, em- para perguntas e discussão. Lembro-me de Phil Sel-
Artigo recebido em 20/03/2014 znick, em pé na porta do fundo da sala, fumando
Aprovado em 08/04/2014 um charuto, olhando-me com curiosidade e per-
RBCS Vol. 29 n° 86 outubro/2014
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guntando-me de maneira delicada: “Bem, Howie, abordagem específica sobre arte, então certamente
vejo aonde você quer chegar. É muito interessante”. Mozart foi um gênio. Mas as pessoas frequente-
E depois, vindo para destruir: “Mas, afinal, e o as- mente rejeitam essas premissas e, se assim o fazem,
sassinato? Isso não é realmente desviante?” Ele se podem não concordar com essa conclusão. O de-
recostou, convencido de que havia apresentado um cano, como Selznick, achou que tinha apresenta-
argumento devastador. Eu não concordava e repli- do um argumento devastador e que eu não havia
quei com contra-argumentos familiares: que pessoas respondido de maneira aceitável. Achei novamente
sensatas diferiam sobre quais atos de morte eram que minha resposta tinha sido bastante adequada.
assassinato e quais não eram; que essas diferenças Não consigo apresentar um exemplo prove-
variavam dependendo de quais tipos de pessoas es- niente da sociologia da ciência baseado em minha
tavam envolvidas; do momento histórico, e assim própria experiência de pesquisa, mas os exemplos
por diante. Ele não achou que eu tivesse respondi- podem ser encontrados em todos os lugares deste
do sua pergunta. Eu achei que sim. campo. A questão capital assume duas formas li-
Antes de analisar este exemplo, acrescentarei geiramente diferentes. A versão positiva é: “E os
outro. Alguns anos depois, quando eu estava le- aviões?” Se você responde, tal como fiz ao decano,
cionando na Northwest Univesrsity, o então de- a resposta é: “Bem, você não acredita na ciência
cano da Faculdade de Artes e Ciências, Rudolph quando esta diz que eles vão voar? Se não acredita,
Weingartner, inaugurou uma série de Palestras do por que você sempre embarca em um?” Todas as
Decano e pediu-me para ministrar uma sobre o pessoas envolvidas em tais argumentos são intelec-
tema de meu novo livro, Art words. Embora eu não tuais contemporâneos que às vezes voam constan-
tenha colocado desta maneira no livro, Art words temente, então, trata-se de um sério desafio: por
apresentou o que poderia ser razoavelmente cha- que eles fazem isso se suas próprias pesquisas e pen-
mado de uma teoria da “rotulação” aplicada à arte, samentos indicam que a ciência é “simplesmente”
segundo a qual um dos componentes dessa abor- uma questão de consenso?
dagem geral sobre a arte consistia em considerá-la A forma negativa da questão capital na so-
uma atividade coletiva, algo que as pessoas faziam ciologia da ciência é: “E a astrologia?” Se você diz
conjuntamente. O componente da rotulação esta- “O que é que tem?”, o próximo passo é perguntar
va ligado ao problema de definir a arte como ob- se, assumindo que a ciência seja apenas consenso,
jeto de estudo, problema este que tinha deixado você acha que antigamente a astrologia era verda-
estetas perplexos por milênios e não mostrou si- de quando todos os sábios acreditavam nela? So-
nais de solução. De forma um tanto arrogante, so- ciólogos da ciência respondem que, sendo pessoas
lucionei o problema ao recusar uma tentativa de contemporâneas e sensatas, eles acreditam que os
definição, propondo como alternativa o estudo das aviões vão voar e não se preocupam em ler seu ho-
ocasiões em que as pessoas definiam coisas como róscopo no jornal. Mas eles acrescentam que, já que
arte e discutiam acerca de definições. os cientistas muitas vezes acreditam de forma con-
À medida que eu apresentava essas ideias em sensual em coisas que gerações posteriores de cien-
minha palestra, o decano ficava cada vez mais vi- tistas deixam de acreditar, eles também pensam ser
sivelmente incomodado. Ele estava pronto para a provável que os cientistas, no futuro próximo, irão
primeira pergunta: “Bem, Howie, tudo isso é mui- considerar muitas coisas que a ciência contemporâ-
to interessante, mas, afinal de contas, e Mozart?” nea trata como uma verdade óbvia da mesma forma
Eu estava preparado para essa questão com uma como nós, hoje, pensamos a respeito da astrologia.
resposta apropriada, embora vaga: “E Mozart?”, E, mais uma vez, os críticos acreditam ter apresen-
retruquei. O decano olhou surpreso (ele pensou tado um argumento devastador, mas os sociólogos
que o sentido da pergunta estava claro o bastante pensam que não.
para uma pessoa sensata) e disse: “Bem, Mozart não Em todos os três casos, um campo de pes-
é realmente um gênio musical?” E dei a resposta quisa empírica (uma ciência) substituiu um cam-
óbvia: se você aceitou todas as premissas de uma po de discurso filosófico.3 O que antes era o reino
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da argumentação baseado em exemplos canônicos cientistas, em cujas bocas coloquei perguntas sobre
e raciocínio lógico se tornou um empreendimen- aviões e astrologia, estavam fazendo. Esta é a maneira
to segundo o qual cientistas chegam a conclusões como penso, e acredito que seja como a maior parte
com base na investigação sistemática do mundo dos sociólogos; na verdade, a maioria dos cientistas
real, desconfiando mais do que a discussão filosófi- empíricos profissionais também pensa quando estes
ca habitualmente o faz. Esse processo já aconteceu não estão envolvidos em polêmicas que visam a ga-
muitas vezes na história da filosofia. A física e ou- rantir territórios e afins.
tras ciências naturais já foram temas filosóficos, mas Algo é “real” – e, por conseguinte, deve ser
a discussão dos fenômenos físicos e biológicos há levado a sério como critério que nos diz se o que
muito deu lugar às constatações e teorias dos prag- pensamos ser verdadeiro deveria ser aceito como tal
máticos cientistas empíricos. A partir do final do ou não –, quando o que digo sobre este algo for
século XIX, a psicologia mudou de uma atividade capaz de suportar todas as críticas e perguntas que
filosófica introspectiva para uma prática empírica as pessoas podem fazer para desacreditá-lo. Esta
desenvolvida em laboratório. sempre foi minha convicção sobre como um soció-
Muitos temas clássicos em psicologia permane- logo deveria trabalhar. Você antecipa o que os crí-
cem nas conversas filosóficas, ao menos por ora – a ticos sérios diriam – aquelas pessoas que realmente
natureza da consciência, por exemplo –, mas vários não desejam a sua conclusão sobre o que quer que
outros foram suplantados pela investigação empíri- seja ou que têm interesse em mostrar de todas as
ca. E, mais importante, várias das antigas questões formas possíveis que você está errado. Então, você
foram reformuladas, por vezes de forma bastante faz o que é necessário para combater as críticas, até
drástica, sob uma nova linguagem, extraindo seu que os críticos não mais consigam sustentá-las, pois
significado a partir de um novo paradigma, como você as respondeu tão bem que eles terão de aceitar
Kuhn ensinou o mundo a perceber. Portanto, a seus argumentos. Isto não é exatamente a mesma
questão da “arte” desloca-se da procura por prin- coisa que gritar mais alto ou ter maiores habilidades
cípios inalteráveis pelos quais a “arte” pode ser re- políticas, mas se reporta ao acordo entre você e os
conhecida para a investigação dos modos como o críticos, segundo o qual eles não vão fazer mais ne-
termo é empregado nas atividades em curso de um nhuma reclamação porque, em seus próprios pon-
mundo da arte. A ética transforma-se na investiga- tos de vista, não há mais sustentação.
ção sociológica sobre como os julgamentos morais Essa posição tem dois antecedentes ou prede-
são produzidos e aplicados. Isso não significa que as cessores na literatura metodológica da ciência so-
velhas questões sobre moralidade, ética e conheci- cial.4 O primeiro é a ideia de Donald Campbell de
mento desapareceram. Tanto que estetas, epistemó- que o trabalho dos cientistas estabelece a verdade do
logos e eticistas continuam a debatê-las, mas muito que eles dizem por negociação, mediante “desafios
de seu território vem sendo colonizado por cientis- de validação” de suas hipóteses, o que traduzi como
tas sociais, que estudam o mesmo terreno a partir “combater os argumentos que as pessoas poderiam
de um ponto de vista diferente. dizer para obstruir o caminho da aceitação de uma
Posto que recorri à investigação empírica como hipótese”. Ele trouxe essa discussão a partir do
o critério com o qual distinguimos o que acreditar contexto de um projeto experimental e quase ex-
e o que rejeitar, é importante realizar um pequeno perimental, delineando (com seus colaboradores
percurso paralelo e tornar clara minha posição sobre Stanley e Cook) todas as possíveis objeções a vários
o polêmico problema do relativismo, que subjaz a to- tipos de projeto em psicologia social e às maneiras
dos os três exemplos. Existem coisas “reais” de fato, às como se podem combatê-las. Ele acompanhou es-
quais podemos recorrer para resolver nossas discor- sas análises com a significativa ressalva de que você
dâncias? Ou se trata apenas da questão de quem pode certamente jamais poderia, em uma pesquisa com
gritar mais alto e encontrar mais aliados? Podemos seres humanos, lidar com todas as críticas possíveis,
encontrar o que é a verdade apelando para a reali- e, assim, você tem de escolher aquelas propensas
dade? Isso é o que, de fato, Selznick, o decano e os a ocorrer e não se preocupar com as demais. Essa
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análise pode ser aplicada de forma bem-sucedida a do os críticos a balançarem a cabeça e efetivamente
todos os tipos de trabalho que os cientistas sociais dizerem: “Bem, odeio admitir isso, mas acho que
realizam – pesquisas de campo, estudos históricos, você está certo”. Se todos ou a maioria dos mem-
pesquisas com questionários e assim por diante. bros da comunidade científica fazem tal reconhe-
O segundo antecedente da minha posição é en- cimento, está suficientemente bom para mim con-
contrado na discussão de Bruno Latour sobre como siderar o resultado como verdade. Há um aspecto
os cientistas validam suas constatações perante os complicado aí, pois é claro que eu não iria tratar
colegas: uns submetem as constatações potenciais a todas as questões de todas as pessoas como dignas
vários tipos de “provas de força”, às quais devem re- desse tipo de resposta séria. Quais questões são
sistir; outros aceitam uma constatação que resistiu a aceitas na comunidade para a qual a ideia proposta
todos os testes que puderam ser exercidos sobre ela e se dirige? Para mim, neste momento, é a comuni-
que sofreu a pior oposição passível de ser dirigida dade de cientistas sociais profissionais; e talvez nem
e, ainda assim, saiu vitoriosa. Cientistas que que- todos eles porque, afinal de contas, não se trata de
rem que seus colegas aceitem seus resultados como química, em que você tem de imaginar que todos
verdadeiros realizam um segundo procedimento: os membros da comunidade compartilham padrões
controlam os movimentos potenciais dos críticos, de prova indiscutíveis. Lembrem que as observa-
eliminando caminhos promissores de críticas e ofe- ções de campos realizadas por Kuhn mostraram
recendo respostas convincentes antes que os críticos que cientistas sociais passam muito mais tempo
comecem por este mesmo caminho.5 Em outras pa- discutindo sobre estas dificuldades epistemológicas
lavras, aceita-se como verdade, e não apenas como do que os cientistas da natureza.6
a opinião de alguém, uma declaração que ninguém Respostas semelhantes para a acusação de re-
criticou de forma incontestável, uma constatação lativismo podem ser feitas com relação a questões
que resistiu a todos os testes de força a que foi sub- de arte e aos problemas de ética. É importante no-
metida por amigos e inimigos. Isto difere da prá- tar que o acordo sobre os resultados nesses campos
tica popperiana, segundo a qual cientistas devem não é tão necessário para a continuação do trabalho
sempre tentar refutar alguma coisa. Ao contrário de como no caso da ciência. Eticistas e estetas podem
Popper, não estou propondo um critério para que trabalhar muito tranquilos, apesar de discordarem
o que a verdade “realmente” é. Simplesmente digo o sobre princípios fundamentais. Eles discordaram há
que, na prática, deve ocorrer para que outras pesso- pelo menos dois mil anos, e provavelmente continu-
as que trabalham em seu campo aceitem o que você arão a fazê-lo, mas os campos não sofrem com isso.
diz como verdade, ou uma verdade razoável. Podemos dizer que os objetos de arte existem
Isso acrescenta outra dimensão para análise, independentemente de qualquer observador, mas o
pois o que proponho envolve uma maneira diferen- sentido em que isso é verdadeiro não é muito in-
te de ver a questão da verdade. Para mim, essa ques- teressante para um cientista social, e a declaração
tão não é um problema eterno de epistemologia, deve ser imediatamente qualificada. Na verdade,
mas, sim, é aquela que surge para as pessoas em uma obras de arte mudam e são alteradas constantemen-
definição multipessoal – geralmente multiorganiza- te, e a separação da “obra” em relação à discussão a
cional –, onde o que é verdade se torna uma ques- seu respeito é difícil e só pode ser feita pelo acordo
tão prática para cientistas profissionais lidarem. Em entre os participantes mediante alguma convenção
última instância, não pergunto se eles lidam com que diga quando a obra é a obra da qual se fará a
isso “corretamente”, mas se lidam satisfatoriamente discussão. Uma vez que este tipo de acordo é alcan-
bem para calar os críticos. A análise consiste em çado, ainda que provisória e temporariamente, o
olhar para a situação e perguntar quem critica quem debate sobre a “obra”, então isolada, poderá correr
e com quais resultados. satisfatoriamente.7
Então, direi que algo é verdade quando nin- A avaliação do valor artístico passa continua-
guém me fizer uma pergunta crítica capciosa a que mente pelas comunidades e redes de artistas pro-
eu não puder responder satisfatoriamente, forçan- fissionais. Uma vez que os artistas nunca concor-
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dam em todas as questões, o acordo sobre o valor de valor. Os termos de definição são honoríficos: a
realmente funciona melhor em subcomunidades “arte” é boa; a não arte não é; a “ciência real” é boa;
menores, embora, mesmo assim, as divergências – a ciência “ruim” ou a “pseudociência” não é; “em
como, por exemplo, se a música barroca deveria ser conformidade com a lei” é bom; “criminoso” não é.
executada com instrumentos contemporâneos ou A aplicação desses termos tem efeitos reais: se você
instrumentos do período em que foi escrita – pro- vai para a prisão ou para casa, se as pessoas acredi-
duzam diferenças insolúveis. Discordâncias sobre o tam em suas descobertas ou as ironizam, se o que
valor, porém, não impedem os artistas profissionais você fez é arte ou lixo. Quando as pessoas discutem
de aceitarem cooperar em questões mais práticas, sobre tais definições, está em jogo mais que apenas
como a criação de espaços para a execução musical, a precisão lógica.
ou sobre as obras que serão aceitas, para fins prá- A investigação filosófica da ética pode ser vista
ticos, como parte de um acordo sobre o conjunto como um precursor primitivo do estudo sociológi-
de “obras aceitáveis”, boas o suficiente para serem co do desvio, para ser deliberadamente provocativo.
exibidas ou executadas. Mas esta possibilidade mui- A maneira como as pessoas devem se comportar e
tas vezes não é realizada, e subcomunidades que julgar suas próprias condutas e as dos outros tem
aceitam diferentes padrões existem lado a lado. Os sido cada vez mais reformulada por sociólogos no
membros dessas comunidades geralmente não têm âmbito do estudo de como as pessoas acham que
problemas em experimentar as obras da mesma for- os outros (e elas mesmas) deveriam se comportar.
ma e chegar a juízos semelhantes. Então, direi que, E, ainda mais importante, no âmbito do estudo das
contanto que eu aceite as premissas e compartilhe organizações estabelecidas para criar e cumprir es-
as experiências estéticas, posso concordar que uma ses julgamentos e as consequências dessa atividade
obra de arte realmente é maravilhosa e que Mozart organizacional. Os filósofos ainda escrevem sobre
certamente é um gênio. problemas éticos e procuram por argumentos defen-
O mesmo ocorre com os problemas de or- sáveis para um ou outro sistema ético. Mas grande
dem ética. Por estarem enraizados em formas da parte desse terreno está agora ocupado por sociólo-
vida coletiva, como várias investigações sociológi- gos debatendo problemas relacionados, embora for-
cas mostraram (especialmente sobre os chamados mulados de maneira diferente e destinados a serem
“problemas sociais”), tais problemas invariavelmen- respondidos de forma distinta, e as respostas são
te conduzem a um conflito e à incapacidade de se julgadas por sua adequação empírica. Não “como
resolver as questões de forma definitiva quando as se deve comportar”, mas “quem pensa o que sobre
premissas do modo de vida não são compartilha- como alguém deveria se comportar e o que fazem a
das entre todos os participantes. Uma vez que tais este respeito”.
premissas são compartilhadas, é possível para a pes- Da mesma forma, a estética sempre foi um
quisa em ciência social investigar as alegações do campo de investigação filosófica, ainda que suas
fato, as relações causais e os padrões de influência primeiras versões tivessem um caráter empírico.
que moldam a aplicação das normas de ética em Mas as grandes questões da estética quase sempre
questão. Então, direi que, na medida em que com- têm sido “o que é arte” e “qual é a grande arte”, e
partilho a forma de vida coletiva na qual os padrões o inverso, o que absolutamente não é arte. Trata-
estão enraizados, inevitavelmente partilharei os juí- -se de um esforço caracteristicamente negativo,
zos éticos seguidos. projetado para evitar que o material indigno – que
A comparação entre a investigação empírica e tem seus próprios nomes (pejorativos) como kitsch
a discussão filosófica – para retornar ao percurso ou “cultura de massa” – seja confundido com a coi-
principal – deixa claro que um aspecto fundamen- sa real. A sociologia da arte, nas versões que prefiro,
tal desta última é de definibilidade, porém com evita essa pergunta e, em vez disso, analisa a forma
uma distorção. Os empreendimentos que tenho como o termo “arte” é utilizado na vida organi-
caracterizado como filosóficos pretendem encon- zacional dos mundos da arte. “Quem atribui este
trar as regras que deveriam governar as definições título?”, “Como estas atribuições são mantidas e
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influenciam?”, “Com quais resultados?” – essas são zação social, eles o fazem de maneira hipotética, in-
as perguntas padrão em tal investigação empírica. ventando exemplos para ilustrar as categorias que de-
A epistemologia nos diz o que devemos julgar senvolveram em suas análises. Assim, filósofos como
como “conhecimento real” e o que, sendo falso, Arthur Danto e George Dickie, quando traçam juízos
não é digno de respeito. A sociologia da ciência não de valor estético para as operações de uma entidade
nos diz quão “real” o conhecimento é, mas, sim, que eles chamam “mundo da arte”, não discutem ne-
que tipos de atividades organizadas produzem os nhum mundo da arte em particular em sua comple-
resultados que os cientistas valorizam como cien- ta realidade organizacional. Em vez disso, eles usam
tíficos. Um bom exemplo é a investigação feita por coisas que aconteceram ou poderiam acontecer em
Latour sobre o modo como cientistas franceses que algum campo da arte para trazer à tona as distinções
estudam os solos realizaram a passagem, em seu que estão fazendo. Assim, Dickie se dedicou a ques-
estudo sobre os limites cerrado-floresta no Brasil, tões como esta: suponha que o tratador de um ele-
de fatos observados, como um trecho não marcado de fante do zoológico tenha proposto este animal como
floresta, para ideias abstratas, como a sucessão um candidato a obra de arte. Isso faz do elefante
de um tipo ecológico para outro. Este problema arte? Bem, trata-se de uma pergunta, mas não daque-
epistemológico clássico é difícil de solucionar se las que, de alguma forma, são debatidas contempo-
você colocá-lo desta maneira: como você começa raneamente nos mundos da pintura, da escultura, da
a partir de A e caminha até aqui, o ponto B, ini- literatura, do teatro, entre outros.
maginavelmente longe de onde começou? Latour Quando as operações do mundo da arte co-
mostra que os cientistas profissionais fazem a passa- meçam a aparecer nas discussões dos estetas, não
gem com passos muito pequenos – da marcação de é o mesmo mundo da arte observado pela soció-
um pedaço de terra, para uma amostra escavada do loga Raymonde Moulin, no qual juízos de valor
solo, para uma caixa cheia dessas amostras, para um estético dos participantes estão inextricavelmen-
gráfico baseado nesta caixa e, por fim, para um ar- te misturados aos juízos de valor financeiro. Não
tigo em periódico científico. Cada passo faz sentido porque as pessoas envolvidas sejam mercenárias,
para a comunidade, os resultados são apresentados mas porque a organização do mundo da arte da
e o mistério epistemológico é resolvido. pintura contemporânea torna isso inevitável. Nem
Não quero, ao fazer estas breves caracteriza- era o mundo das barganhas, das negociações e dos
ções, ser injusto com o campo da filosofia. A filo- mercados bastante incertos analisados pelo eco-
sofia é um empreendimento mais variado do que a nomista Richard Caves. Ou o mundo da Grande
maioria das disciplinas acadêmicas e nenhuma afir- Hollywood descrito por Robert Faulkner, em que
mação resumida, como a que acabei de fazer, fará uns poucos artistas das principais categorias pro-
justiça a essa variedade. Enquanto vários filósofos fissionais fazem, entre si, metade dos filmes que
se ocupam principalmente da análise normativa do Hollywood distribui cada ano.
tipo que eu critiquei, outros fazem o que a maioria Estetas perseguem a lógica de como tais
dos cientistas sociais reconheceria como uma aná- mundos atingem os julgamentos coletivos a que
lise perfeitamente respeitável de ciências sociais. eventualmente chegam, mas não a realidade or-
Aprendi, por exemplo, a ver a Poética de Aristóteles ganizacional confusa dos curadores, dos nego-
como um tratado empírico sobre as características ciantes, dos colecionadores e dos críticos, e seus
das tragédias, que produziam efeitos específicos so- múltiplos e conflituosos motivos, que os cientis-
bre os espectadores, um tipo de psicologia social tas sociais descrevem. O mundo da arte é, para
ou, talvez até, como diríamos hoje em dia, um es- eles, um dispositivo lógico que ajuda a explicar
tudo da recepção das obras dramáticas. Porém, em como um sistema de julgamentos estéticos pode
subcampos filosóficos como a ética, a estética e a funcionar.
epistemologia, o objetivo principal não é empírico, O mesmo é verdade – aí está outra ampla gene-
mas analítico e normativo. ralização com várias exceções – para a epistemologia,
Mesmo quando os filósofos discutem a organi- que procura por critérios que venham a distinguir a
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ciência real das bobagens. Latour, abordando ques- sido verificadas como tais pela ciência social.
tões epistemológicas, não procura uma justificativa Se os cientistas sociais concordarem com isso,
lógica para um resultado, mas, sim, o modo como então a agenda de pesquisa deles teria de mudar. Nós
aquela interrogação é transformada, no trabalho dos deveríamos nos dedicar a responder questões tais
cientistas, em uma série de pequenos e incontrover- como “sob quais condições a grande arte é criada?”,
sos passos que conduzem a um resultado aceitável considerando o adjetivo “grande”, como geralmente
pela comunidade de cientistas a que é dirigido. Não é aplicado, enquanto um dado da pesquisa. Não es-
há uma lógica da verdade definitiva em tal análise, taríamos muito interessados na reputação flutuante
apenas uma compreensão da lógica utilizada pelas das obras, uma das bases do relativismo da ciência
pessoas que fazem a ciência que todos nós aceitamos. social diante das artes. Que Shakespeare tenha sido
Muito frequentemente estas duas formas de fa- alguma vez considerado menor do que atualmente
zer as coisas – a estética e a sociologia da arte, a ética é não seria algo de verdadeiro interesse e poderia ser
e os estudos de desvio, a epistemologia e a sociologia descrito como cegueira, preconceito e ignorância das
da ciência – só existem lado a lado. Cada uma cuida gerações anteriores.
do seu próprio negócio, fala para seu próprio públi- Nesses casos, o local para o qual o decano e pes-
co disciplinar. Mas, às vezes, elas entram em conflito soas como ele apelam é o senso comum dos amantes
uma com a outra e, outras vezes, criam conflitos no de arte informados e dos críticos; senso comum este
interior de uma das disciplinas de origem. que meu pai, fiel devoto dessas ideias, chamou de “a
sabedoria dos antigos”. Minha insistência de que as
reputações flutuam, de que as características de um
Conflito intergrupal trabalho surgem da interação entre um objeto em
constante mudança e uma variedade de apreciadores
Isto é o que aconteceu entre mim e o de- em rotatividade permanente, parece um desconhe-
cano em relação a Mozart. Ele era um esteta e cimento voluntário – perverso e provocativo – de
podia ver que eu estava cometendo uma heresia toda sabedoria e conhecimento. O mesmo ocorre nas
sugerindo que arte e gênio, e todos os conceitos querelas sobre o significado de conceitos moralmente
relacionados tão centrais a uma abordagem da es- carregados, como crime e desvio, e nas ideias de ciên-
tética, fossem convenções sociais. 8 Segundo ele, cia. No estudo do desvio, os grupos profissionais que
eu deveria admitir que aquilo em que as pesso- possuem o território – polícia, advogados, políticos,
as como ele estavam interessadas – arte e gênio e psiquiatras e outros médicos – criam os entendimen-
tudo mais – eram reais, não apenas o resultado de tos do senso comum que uma investigação sociológi-
algum acordo entre as partes interessadas. Acor- ca torna seu objeto de estudo. Quando o meu colega
dos podem ser modificados, e isso significaria me perguntou “E o assassinato?”, ele estava expres-
que aquelas obras sagradas não eram, de maneira sando a compreensão do senso comum de que o as-
muito significativa, “reais”. Para um sociólogo, sassinato é realmente diferente e requer uma explica-
nada é mais real do que o acordado pelas pessoas, ção distinta das ações “menos graves” que podem ser,
ao qual conferimos centralidade por meio das em termos de definição, menos claras. Ele queria que
“definições da situação”. eu reconhecesse essa diferença e concordasse que tal
Por que um esteta deveria se preocupar com caracterização estava cientificamente fundamentada.
o pensamento dos sociólogos? Acho que ele queria No que diz respeito à ciência, os cientistas
um reconhecimento da realidade dos seus concei- (muitos dos quais acadêmicos) não conseguem en-
tos. Ele queria que eu – e, por extensão, os cien- tender por que colegas investigadores da realidade
tistas sociais em geral – admitisse que algumas se recusam a reconhecer a qualidade superior do
características dos objetos artísticos não são relati- conhecimento que eles produzem, e ficam parti-
vas, que não se trata de uma questão de opinião e cularmente furiosos pelo que eles (incorretamente)
consenso, mas, sim, qualidades inerentes daqueles tomam por uma implicação da sociologia da ciên-
objetos, e que estas características inerentes haviam cia: sendo a ciência apenas uma questão de acordo
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entre pessoas, logo eles poderiam aceitar tudo, e o satisfez e não vai satisfazer ninguém que acredita
isso transformaria qualquer coisa em ciência. Eles que um assassinato seja inerentemente desviante.
querem que nós, os sociólogos, concordemos que a Nem esses equívocos satisfazem as pessoas que,
nossa própria ciência, a sociologia, ratifique as afir- em circunstâncias anteriores, me perguntaram por
mações feitas pelas outras ciências. que eu não estava disposto a dizer que o capitalis-
mo ou o patriarcado ou a homofobia eram “real-
mente desviantes”, como muitas pessoas estavam
Conflito intragrupal prontas para afirmá-lo.
Por fim, gostaria de ter dito, já que comparti-
Falei como se essas atitudes e abordagens fos- lho várias dessas opiniões, que estava perfeitamente
sem distribuídas simplesmente ao longo de linhas preparado para dizer que todas aquelas coisas eram
disciplinares, mas, é claro, isso não acontece. A arte más, nojentas ou quase qualquer outra palavra de-
e as disciplinas humanísticas estão repletas de pes- sagradável que quisessem usar. E eu teria pergun-
soas tão relativistas quanto a construção social mais tado por que isso não foi suficiente. Porque não
dedicada poderia pedir. Isso é muito comum pelo teria sido. Nem teria sido suficiente para mim dizer
bom motivo de que elas estão pessoalmente familia- ao decano que, sendo eu mesmo músico, senti-me
rizadas com os altos e os baixos da reputação – é o como ele se sentiu a respeito de Mozart. E me senti
que elas estudam – e sabem o quanto as reputações da mesma maneira a respeito de Dizzy Gillespie e
mudam com facilidade e em que bases frágeis as Stan Getz e um monte de outros músicos de jazz
mudanças repousam. Sua própria leitura das evidên- (porque fui e sou músico de jazz), opiniões que du-
cias os conduziu a uma conclusão sociológica. Você vido que ele compartilharia. Assim como meu acor-
poderia dizer que são sociólogos sem saber. Encon- do (porque, apesar de tudo, sou um profissional da
trei inspiração e métodos úteis e resultados no tra- ciência também) com todos aqueles que pensam
balho de pessoas como Barbara Hernnstein Smith, que astrologia não é ciência não satisfaria os críti-
Michael Baxandall, Scott Deveaux, Paul Berliner e cos, porque eles não teriam aceitado meu adendo,
outros de campos de conhecimento diversos. enquanto outros compartilham minha definição
Por outro lado, alguns sociólogos aceitam que local do que constituiria a ciência.
existem características inerentes a eventos, objetos Por que essas respostas não seriam aceitáveis?
e atividades, que sobrevivem a todas as variações O que estou prestes a dizer possui uma influência
de contextos sociais e só podem ser interpretados bastante geral em vários problemas da ciência social.
e compreendidos como portadores destas carac- Essas respostas não iriam funcionar, porque o que
terísticas imutáveis. Eles concordam que algumas essas pessoas pedem não é apenas um acordo com
obras de arte são trabalho de gênios, que algumas seus julgamentos, o que frequentemente tenho pra-
formas de ciência são autênticas, enquanto outras zer em fazer, mas uma declaração de que isso não é
atividades são falsa ciência, e algumas atividades são uma questão de opinião pessoal, mas uma constata-
realmente desviantes. ção científica, um resultado que carrega a garantia de
Não me recordo de tudo o que disse a Philip um conhecimento certificado. Não que o decano e
Selznick na ocasião que descrevi anteriormente, mas eu concordemos que Mozart é incrível, mas que haja
isso é o que eu diria agora e disse em situações si- uma objetividade, uma evidência irrefutável de que
milares desde então. Eu o fiz lembrar que as pesso- ele é. Não que nós concordemos que o assassinato é
as não concordam sobre quais atos constituem um terrível, mas que a terribilidade é um resultado cien-
assassinato; que um assassinato, sob um conjunto tífico, não uma emoção compartilhada.
de circunstâncias, é um homicídio justificável e, sob Por que alguém insistiria nisso? Porque a ciên-
outras, não; que, em vários momentos e lugares, o cia e o conhecimento certificado que se acredita que
assassinato ou algo que seria difícil de explicar a par- ela produza são a única base sobre a qual qualquer
tir disso foi, de fato, a única maneira disponível de um pode sempre ganhar uma discussão. Se eu digo
resolução de disputas; e assim por diante. Isso não que minha opinião sobre alguma destas questões é
E MOZART? E O ASSASSINATO  13

correta porque, vamos dizer, a verdade religiosa de veu: “a violação criminal da confiança financeira”.
que você não deve assassinar me foi revelada pelas Este é o problema clássico da boa pesquisa em
escrituras sagradas, vários dos meus leitores que não ciência social. Não podemos criar classes homogêneas
aceitam a revelação religiosa como fonte de conhe- de atividade pelas quais seremos capazes de encontrar
cimento não aceitarão minha conclusão. E não te- processos causais adequados se dependermos das defi-
nho nada mais convincente para dizer a eles. Se eu nições disponíveis nos mundos que estudamos. Estas
digo que meus instintos me falam que Stan Getz é definições são feitas, como Garfinkel demonstrou há
um saxofonista melhor que Kenny G jamais será, tempos, para propósitos diferentes da ciência social e
isso convencerá apenas as pessoas que já concordam refletem uma série de compromissos organizacionais
comigo. Essas e outras sutilezas semelhantes não engendrados e recursos que só podem impedir nossos
proporcionam a certeza e o poder de persuasão que esforços em produzir alguma ciência social.
apenas a ciência pode providenciar. Mas, quando ignorarmos o “senso comum”, a
Por que não aceito tais juízos, os quais realmente “sabedoria convencional” ou “a sabedoria dos anti-
aceito na minha vida como cidadão, pianista e pro- gos”, seguramente marcharemos em oposição às pes-
fissional da ciência social? Porque, se o fizesse, estaria soas que assumem aquelas definições como autoevi-
me comprometendo com um programa de pesquisa dentes. Este é o nosso dilema e não há solução fácil.
fadado ao fracasso. Um passo importante na pesqui-
sa é estabelecer classes de fenômenos sobre os quais
generalizar.9 Se os membros da classe não são os mes- Notas
mos de uma forma relevante para o que você queira
generalizar, você não vai encontrar nenhuma gene- 1 Este ensaio aborda alguns dos temas do livro de Na-
ralização interessante. Isso é o que você faz quando talie Heinich, Ce que l’art fait à la sociologie, Paris,
cria uma classe definida por como outras pessoas Minuit, 1998. Acredito que a autora chega a uma
posição semelhante, seguindo um caminho de análise
(juízes, policiais, psiquiatras) têm reagido. É o que
mais filosófico.
você faz quando considera a condenação por crime
como algo sobre a natureza íntima do condenado, 2 “Desviante” foi um termo geral que alguns de nós co-
meçamos a utilizar para englobar toda sorte de catego-
em vez de algo sobre o processo de condenação. As
rias negativas que surgiram em áreas específicas: “crimi-
pessoas condenadas podem ter outras coisas em co- noso”, “louco”, “anormal”, “pervertido”, “antiético” etc.
mum além de estarem condenadas, mas isso não é
3 No que se segue, não tenho a intenção de, para usar
garantido. Ou, melhor, é garantido apenas se a infa-
uma citação de Heinich, “destronar” a filosofia, mas
libilidade do processo destaca pessoas que têm algo a apenas de notar o que vem acontecendo nos campos
mais em comum, tais como ter cometido certo ato, o do trabalho filosófico.
que não é algo com que alguém possa contar. 4 Estou certo de que existem outros, mas estes foram os
Quando Donald Cressey, desejando estudar que me influenciaram.
estelionatários, pensou que podia encontrá-los se- 5 Latour chama isso de “captação”, adotando um termo
lecionando uma amostra de pessoas condenadas retórico para este propósito.
por este crime, logo percebeu que não conseguiria
6 Para essa discussão, aproveitei as observações de Ian
reunir um grupo de pessoas em que todas tivessem Hacking.
feito a mesma coisa da mesma maneira. Isso por-
7 Obviamente, as mudanças que ocorrerem no trabalho
que os promotores não acusam pelo que as pessoas vão criar anomalias que produzirão problemas para os
fizeram de fato, mas pelo crime pelo qual se pode participantes.
condená-las. As definições dos crimes financeiros 8 Em uma manobra favorita do discurso filosófico, ele
geralmente tornam impossível processá-las por es- poderia ter me acusado de dizer que eram “meras”
telionato, o crime que Cressey desejava estudar. Ele convenções sociais.
teve de criar outras definições e, então, encontrar 9 Não se deve necessariamente fazer isso no início, mas
pessoas entre os prisioneiros disponíveis que se en- se deve fazer em algum momento.
caixavam na definição do tema que ele desenvol-
RESUMOS / ABSTRACTS / RESUMÉS  155

E MOZART? E O ASSASSINATO? WHAT ABOUT MOZART? ET MOZART? ET LE MEURTRE?


WHAT ABOUT MURDER?

Howard S. Becker Howard S. Becker Howard S. Becker

Palavras-chave: Desvio; Sociologia da Keywords: Deviance; Sociological re- Mots-clés: Déviation; Sociologie de l’art;
arte; Sociologia da ciência; Rotulação; search; Sociological knowledge and case Sociologie de la science; Étiquetage.
Definição da situação. studies; Labeling; Definition of the situa-
tion; Meaning and social practices.

Escrito de forma despojada e bem humo- Written in a simple and humorous way, Rédigé de façon simple et avec beaucoup
rada, este artigo serve como introdução this article serves as an introduction to d’humour, cet article sert d’introduc-
ao pensamento desenvolvido pelo soció­ the thought of the American sociologist tion à la pensée du sociologue américain
logo norte-americano Howard Becker. Howard S. Becker. In this sense, his start- Howard Becker. Son point de départ
Seu ponto de partida foi observar as ing point is to observe the implications of consiste à observer les implications de
implicações da adoção do conceito de adopting the concept of “definition of the l’adoption du concept de “définition
“definição da situação” em três campos situation” in three distinct fields of socio- de la situation” dans trois différents do-
distintos da atividade sociológica: a so- logical activity: the sociology of deviance, maines de l’activité sociologique : la
ciologia do desvio, a sociologia da arte e the sociology of art, and the sociology of sociologie de la déviation, la sociologie
a sociologia da ciência. Ao compartilhar science. By sharing his experiences as a de l’art et la sociologie de la science. En
suas experiências como pesquisador, Be- researcher, Becker intends to disentangle partageant ses expériences en tant que
cker pretende se desvencilhar de perspec- himself from immanent theoretical per- chercheur, Becker prétend se débarrasser
tivas teóricas imanentes com o objetivo spectives with the goal of enhancing, de perspectives théoriques immanentes,
de reforçar, por meio de seu conceito de through the concept of “labeling”, the dans le but de renforcer, à travers le
“rotulação”, a centralidade da signifi- centrality of meaning as an articulatory concept d’“étiquetage”, la centralité de
cação como instância articuladora das instance of social practices. The present la signification comme instance d’arti-
práticas sociais. Ademais, esta tradução translation is particularly important for culation des pratiques sociales. En outre,
é particularmente importante para pú- the Brazilian public because it presents cette traduction est particulièrement
blico brasileiro, pois apresenta a visão de Becker’s vision about the sociology of the importante pour le public brésilien,
Becker sobre a sociologia do trabalho ar- artistic work, since his reference book on puisqu’elle présente la vision de Becker
tístico, uma vez que Art worlds, sua obra the topic – Art Worlds – has not yet been sur la sociologie des travaux artistiques,
de referência acerca dessa temática, ainda published in our country. étant donné que son œuvre Arts works,
não foi editada em nosso país. principale référence sur cette thématique,
n’a pas été publiée au Brésil.

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