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Musicalização no SEJA: Uma experiência em educação musical no

Segmento de educação de Jovens e Adultos

Maurício Dória Santos – SECULT/Salvador

Resumo: O presente trabalho se propõe a apresentar uma experiência em educação musical


vivida no âmbito do SEJA I (Segmento de Educação de Jovens e Adultos), no ano de 2008 na
Escola Municipal Santa Bárbara que fica na cidade do Salvador, Bahia. Nele são descritos os
passos iniciais na busca de um trabalho de musicalização significativo, crítico, participativo e
suas bases teóricas, assim como apresenta ações desenvolvidas em sala de aula e oficinas
tendo como alguns dos resultados a detecção de mudanças perceptíveis nos educandos.
Palavras-chave: Educação musical; EJA; Ensino Fundamental.

INTRODUÇÃO

A educação dos adultos passou a ser um dever do Estado desde a constituição de


1934, (Lopes; Sousa, 2005) e em 18 de agosto de 2008 foi aprovado o projeto que alterou a
Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que dispõe sobre a obrigatoriedade do ensino da
música na Educação Básica. (Brasil, 2008)
Todavia, o ensino das artes, mais especificamente a educação musical, não se tornou
uma prática comum nas escolas que trabalham com essa modalidade, que apesar de fazer
parte do ensino fundamental, deveria ter sido contemplada adequadamente oferecendo um
trabalho crítico e significativo através da musicalização.
Segundo Gainza, “Musicalizar é tornar um indivíduo sensível e receptivo ao
fenômeno sonoro, promovendo nele, ao mesmo tempo, respostas de índole musical”. (Gainza,
1988, p.101), visando desta forma possibilitar melhorias no ensino que possivelmente se
refletiriam no cotidiano dessas pessoas.
Poucas são as escolas que oferecem aulas de música no hoje denominado SEJA,
Segmento de Educação de Jovens e Adultos, modalidade implementada na Rede Municipal de
Educação da Cidade do Salvador, subdividida em SEJA I e SEJA II, cada um com 2 anos de
duração organizados semestralmente, como rege a resolução CME nº. 011/2007 a qual dispõe
sobre a implantação da modalidade de Educação de Jovens e Adultos, no Sistema Municipal
de Ensino de Salvador e dá outras providências (Salvador, 2007).
Uma questão prejudicial para a aplicabilidade do ensino musical nos grupos de
Jovens e Adultos pode ser por dificuldade, ou mesmo a falta de vontade política das
instituições escolares para efetivá-lo, dando maior atenção a outras disciplinas e atividades,
renegando, diminuindo e transferindo o ensino da música e das artes em geral a outros agentes
sociais que não a escola.
Essa situação é explicada por Granja quando ele coloca que:

Um desvio frequente na era da sociedade industrial é a excessiva ênfase na


formação do cidadão voltada quase que exclusivamente à sua inserção no
mercado de trabalho. Essa visão limitada da cidadania fez com que os
interesses pessoais ficassem à margem da educação em função da
supervalorização dos interesses coletivos e econômicos. Os currículos se
tornaram muito tecnicistas e os objetivos disciplinares passaram a importar
mais do que a formação integral do aluno. (GRANJA, 2006, p. 102)

Outro fator que pode justificar a falta da oferta nessa modalidade, é o déficit no
preparo do licenciado em música, que na maioria das vezes não teve em sua graduação uma
disciplina teórica ou prática que os capacitassem a entender e atender as necessidades deste
segmento educacional.
Como justifica Fernandes afirmando que:

Trata-se de uma educação musical diferente da desenvolvida com crianças.


Por isso, a formação do educador musical deve ser diferenciada.
Necessitamos formar educadores específicos para a educação musical de
adultos, e não só de crianças. Além disso, os pesquisadores deveriam
explorar mais o campo da educação de adultos, para dar suporte aos
educadores musicais no que toca ao processo de aprendizagem da música
durante o percurso de vida humano, incluindo a idade adulta e a velhice, e
não somente a infância. ( FERNANDES, 2006, p. 38)

Em atividade pedagógica no SEJA I, a 4 anos, na Escola Municipal Santa Bárbara


em Salvador- BA, e à luz de alguns estudos baseados na pedagogia Freireana, que também
norteiam as orientações da rede para o SEJA, foi percebida a necessidade do desenvolvimento
de um trabalho mais significativo e adequado por existir uma necessidade percebida
claramente quando observado o desinteresse destes educandos pelas aulas de música, apesar
da maioria entender e aceitar que a música realmente deva estar na escola e tem o seu valor,
era notório em alguns momentos o quanto se tornavam enfadonhas estas aulas.
Numa observação iniciada, no ano de 2008, um processo de busca em direção à
inquietude sentida foi necessário, para entender melhor os anseios e perspectivas de tal
modalidade de educação.
Já com 2 anos de material coletado nas aulas, foi iniciado um processo de
levantamento bibliográfico, com a intenção de entender melhor quais os rumos a seguir para a
concepção de um processo de musicalização para jovens e adultos em classes escolares, quais
os seus anseios, signos e significados que adentra o campo da semiótica que segundo Nöth “é
a ciência dos signos e dos processos significativos (semiose) na natureza e na cultura”.
(NÖTH, 1995, p.17)
A partir desta compreensão e entendendo melhor quais os passos a dar, foi iniciado o
processo de entendimento das necessidades que os alunos sentiam no seu dia a dia, que partiu
de muitas conversas e observações para desenvolver estratégias para uma aula de música
crítica e significativa, numa proposta mais atraente.
Souza atenta para o fato de que a educação fundamentada no uso do cotidiano como
perspectiva para a educação musical irá além de uma mera instrução baseada, conteudista e
repetitiva, para exigir um sistema pluralista e democrático estabelecendo valores de uma
ideologia mais acessível, reflexiva e crítica, além disso, afirma que o campo da Educação
Musical tem se modificado visivelmente nos últimos anos, pois existe uma nova forma de
pensar sobre outras práticas de educação musical e uma necessidade de valorizar suas relações
com a cultura e a sociedade. (SOUZA, 2000)
Durante a análise feita, foi entendido que os alunos se preocupam muito mais com o
seu processo de alfabetização, aquisição da leitura e escrita, e cada segmento tem a sua
necessidade, além das limitações em comum, que por se tratar de uma classe na sua maioria
de adultos, trabalhadores e ressurgentes do sistema escolar de alguma forma excludente e ou
não tiveram acesso a ele na idade própria, se tornaram alunos muito calados, com medo ou
receio de se colocar, de falar errado, de discordar, ou seja, existe um grande processo de
castração, e esta foi uma das dificuldades encontradas para extrair maiores informações dos
grupos, apesar de em todas as aulas existirem incentivos para que eles se coloquem
livremente.
Por observar isto, foram surgindo às idéias para poder musicalizá-los dentro das
perspectivas do que eles queriam adquirir, através do canto, do trabalho rítmico e de dicção,
assim como toda sorte de objetivos que foram percebidos.
Um dos passos foi a criação de uma oficina de violão, pois neste ano a escola
recebeu dinheiro de uma das ações do governo federal e fez a aquisição de 5 violões, embora
restrita e com tempo curto para ser executada,com duração em média de 1 hora por semana,
os alunos se sentiram valorizados em saber que existiam ações da escola pensando neles, e
para dividir os violões, foi proposto um sorteio entre todos os interessados onde seriam 5
contemplados para o uso dos violões da escola, mais 1 aluno que utilizaria o violão pessoal do
professor, totalizando 6 alunos, porém, ficou explicitado que quem tivesse um violão ou outro
instrumento de corda que quisesse participar, poderia levá-lo e participaria das aulas
normalmente.
Outra ação foi a contextualização e descrição do que iria ser colocado naquele dia de
aula, como, o porquê e pra quê serviria em suas vidas, durante este período, já foi percebida
certa mudança de comportamento, mais expansivo, atento e questionador, inclusive
questionando à direção da escola, quando existia a impossibilidade das aulas de música.
No final de 2009, a CRE (coordenação regional de educação) da cidade baixa, local
onde se localiza a escola, como na maioria dos finais de ano, preparou uma mostra de talentos
para o noturno, sendo assim foi percebida uma oportunidade para nos apresentarmos.
Num primeiro momento foi feita uma pesquisa nas salas de aula para saber que
músicas eles gostariam de cantar, e quase não surgiram idéias, desta forma, foi sugerido pela
coordenação da escola junto ao professor de música, que cantassem uma música que tivesse
haver com o processo educacional que eles estavam passando, e assim surgiu a oportunidade
de cantarem a música Aquarela de autoria de Toquinho e Vinícius de Moraes, música esta que
estava num dos seus livros didáticos, desta forma estava também propondo um processo de
transdisciplinaridade, que segundo a Carta da transdisciplinaridade, produzida
pela UNESCO no I Congresso Mundial de Transdisciplinaridade 1994, realizado em
Arrábida, Portugal no seu Artigo 3 reza quê: "(...) a transdisciplinaridade não procura o
domínio sobre várias outras disciplinas, mas a abertura de todas elas àquilo que as atravessa e
as ultrapassa (...)". (UNESCO, 2010)
Os ensaios começaram timidamente, pois nem todos sabiam ler ainda, e existiam
alguns alunos encabulados e sem consciência da sua possibilidade vocal, embora alguns
alunos ainda se mantivessem firmes na rejeição às aulas, porém na sua grande maioria,
aceitaram muito bem e a cada dia pareciam mais dispostos.
No meio de um dos ensaios, aconteceu um fato extremamente importante e curioso,
os alunos pararam se reuniram e decidiram que não queriam mais cantar aquela música, pois
estava muito difícil e muitos deles não conheciam, quando tomamos conhecimento desta
atitude, professores, coordenação e direção, festejamos o fato deles terem se colocado sem
medo pela primeira vez naquela escola.
Desta forma se organizaram, comunicaram aos professores e coordenação da escola,
que iriam cantar outra música, que todos gostavam e que todos conheciam, a música chamada,
Como Zaqueu, composta e interpretada pelo cantor evangélico Régis Danese, neste momento
percebemos que embora existisse um grande número de alunos que frequentam igrejas
evangélicas, existiam também de outras religiões, mesmo assim a aceitação foi total.
Começamos os ensaios que fluíram muito melhor que com a música anterior,
fizemos arranjos com vozes masculinas e femininas, eles deram diversas opiniões e seguiu-se
até a apresentação.
No dia da apresentação que aconteceu na própria escola, estavam todos ansiosos,
nervosos, até porque assistiram outras apresentações de grande qualidade artística de outras
escolas, porém ao chegar no momento de se apresentarem, cantaram muito bem, receberam
diversos elogios de todos os professores e alunos das escolas da CRE Cidade Baixa, ficaram
orgulhosos do trabalho que fizeram, porém, achavam que poderiam fazer melhor.
Para concluir este relato, uma das coisas importantes a se perceber foi o fato do
quanto um processo de musicalização significativo e crítico pode ajudar no desenvolvimento
destes alunos, que são de sua maioria muito humildes e sofrem todo tipo de degradação social,
além de alguns serem perceptivelmente e ou com laudos técnicos portadores das mais diversas
necessidades especiais.
Além destes pontos foi percebido um maior interesse na sua permanência na escola,
pois conseguiram ver sentido no aprendizado, o alargamento cultural, e o desenvolvimento de
algumas funções motoras amplas e finas.
Este processo continua sendo desenvolvido neste ano de 2010, procurando a cada dia
mais se refinar para que possa atender e acessar de uma forma mais efetiva os alunos desta
modalidade de ensino.

Referências
Brasil. Lei 11769, ago. 2008. Disponível em:
<http://www6.senado.gov.br/sicon/ListaReferencias.action?codigoBase=2&codigoDocument
o=257518>. Acesso em: 12 jan. 2010.

Nöth, W. Panorama da Semiótica: de Platão a Peirce. São Paulo: Annablume, 1995.

PAZ, Ermelinda A. Pedagogia Musical Brasileira no Século XX. Metodologias e Tendências.


Brasília: Ed. Musimed, 2000.

FERNANDES, José Nunes. Educação musical de jovens e adultos na escola regular: políticas,
práticas e desafios. Revista da ABEM, Porto Alegre, n. 12, p. 35-41, 2006.

GAINZA, Violeta Hemsky de. Estudos de Psicopedagogia Musical. São Paulo: Summus
Editorial, 1988.
GRANJA, Carlos Eduardo de Souza Campos. Musicalizando a escola: música, conhecimento
e educação. São Paulo: Escrituras Editora, 2006.

Lopes, Selva Paraguassu; Sousa, Luzia Silva. EJA: uma educação possível ou mera utopia?,
mar. 2005. Disponível em:
< http://www.cereja.org.br/pdf/revista_v/Revista_SelvaPLopes.pdf>. Acesso em: 20 abr.
2010.

SALVADOR, Resolução CME Nº. 011/2007. Secretaria Municipal da Educação e Cultura -


Salvador, Cidade Educadora, Nov.2007. Disponível em:
<http://www.smec.salvador.ba.gov.br/site/epv-legislacao.php>. Acesso em: 05 fev. 2010

SOUZA, Jusamara. O cotidiano como perspectiva para a aula de música, In: SOUZA,
Jussamara.(org.). Música, cotidiano e educação. Porto Alegre: UFRGS, 2000.

UNESCO. Carta da transdisciplinaridade. Ouviroevento: exegese histórico-social da Bíblia


Hebraica, set. 2007. Disponível em:
<http://ouviroevento.pro.br/index/carta_da_transdiscipliradidade.htm>. Acesso em: 01 mai.
2010.

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