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Revista Filosófica de Coimbra

Publicação semestral do Instituto de Estudos Iilosoficos da Laculdade de Letras


da Universidade de ('oimhrn

l)ireeior: Mário Santiago de ('orvalho

Coordenaç ão Rcdurlnriul : António Manuel Martins e I.insa I'oilocalicio 1 . tiil\;1

Conselho de Redacção: Alexandre F. O. Morujào .Àlezandre i . de S.í.:All,redo


Reis, Amândio A. Coxito, Anselmo Bonees . A ntônio Manuel M artins.
António Pedro Pita, Carlos Pitta das Neves. Diogo Falcão Ferrei. Edmundo
Balsemão Pires , Fernanda Bernardo . Francisco Vieira Jordão Henrique
Jales Ribeiro , João Ascenso André. Joaquim das Neves Vicente. José
Encarnação Reis, José M. Cruz Pontes. Luísa Portocarrero F. Silva. Marina
Ramos Themudo , Mário Santiago de Carvalho. Miguel Baptista Pereira

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Revista Filosófica de Coimbra
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REVISTA PATROCINADA PELA FUNDAÇÃO ENG. ANTÓNIO DE ALMEIDA


CRÓNICA

A TRANSFORMAÇÃO DO PENSAMENTO ESCOLÁSTICO.


COLÓQUIO INTERNACIONAL SOBRE HENRIQUE DE GAND

A desoladora e repudiante expressão da barbárie que se abateu sobre o World


Trade Center, o Pentágono e Pensilvânia, precisamente na véspera do início do
Colóquio Internacional «Between Aquinas and Scotus: Henry of Ghent's Contri-
bution to lhe Transformation of Scholastic Thought» (Lcuven 12-16 de Setembro
de 2001), não podia, necessariamente, deixar de marcar este Encontro científico.
Por um lado, suscitando a solidariedade de todos os participantes (que ultra-
passaram a meia centena), simbolicamente expressa pelo minuto de silêncio que
abriu os trabalhos, sugerido pelo novel Presidente do «Hoger lnstituut voor
Wijsbegeerte» da Universidade Católica de Lovaina (KUL), Prof. A. Vai) De
PUTTE, por outro, impedindo que alguns conferencistas norte-americanos aguar-
dados não pudessem comparecer. Foi o caso dos Profs. Steven MARRONE (Tufts
University) e Betsy PRICE (MIT, Cambridge), esta última que anunciava uma
comunicação intitulada «Henry of Ghent on Economics», aquele, que enviou a
sua reflexão «Henry of Ghent and the Debate ovcr Ways of Life and the Status
(and Role) of the Clergy». Na linha dos seus anteriores «Literacy, Theology and
the Constitution of the Church» e «Speculative Theology in the Late Thirteenth
Century and the Way to Beatitude», Marrone alargaria o seu estudo sobre a
eclesiologia henriquina (baseando-se sobretudo no Quodlibet VIII, de 1282, an-
terior, portanto, ao célebre Tractatus super facto praelatorum et fi-atrum de 1288)
ao apresentar-nos Henrique de Gand antecipando cada vez mais posteriores ideias
reformadoras (no papel dos leigos, nos parâmetros de uma moralidade não
exclusivista mas ponderadora dos negócios seculares e do espírito expansivo da
caridade). A sessão dedicada à «Filosofia Prática» em Henrique de Gand, marcada
para a manhã de sábado, que pelo triste e condenável infortúnio não se pôde
realizar, confirmar-nos-ía como o Gandavense foi uni teólogo e filósofo que soube
combinar a mais requintada especulação metafísica com a urgente necessidade
de dar resposta reflectida às exigências do seu tempo. O que teria ele, por isso,
a dizer-nos, numa bem mas difícil delineada questão quodlibética, acerca do brutal
atentado terrorista do dia 11 de Setembro'? E, já agora, sobre o modo e a inter-

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venção das forças militares que precisamente neste momento em que escrevo
destroem uma inexistente Cabul , ainda submetida a um desprezível regime dos
talabâ (singular : talibã) incapaz de estudar e praticar o espírito de vida que habita
a mensagem do Alcorão e, por conseguinte , miserável desfiguração do islamismo
que me habituei a conhecer : cultura da tradução, do acolhimento , da mediação e
da hospedagem, dos progressos científicos, enfim , daquelas formas de arte que
se desenvolvem como arabescos porque no seu coração habitam os contornos
inexplicáveis das virgens prometidas ao que é digno de paz, salam.

Já neste lugar (Revista Filosófica de Coimbra 3, 1994, 197-207) tive a


oportunidade de relatar o primeiro Colóquio internacional jamais realizado para
comemorar a obra e o pensamento do teólogo flamengo Henrique de Gand
(t 1293).
Foi com alegria científica redobrada que pudemos rever e dialogar com uni
grande número dos participantes do Colóquio de 1993, mas com esperança
filosófica vimos que o número de jovens investigadores que entretanto abraçaram
o estudo do Gandavense ou o projecto da edição dos seus Opera Omnia é
reconfortante e encorajador . Como também se dirá adiante , o Prof. Willy
VANHAMEL (KUL), que se jubilou no último dia do Colóquio (em comovente
sessão que encerrou os trabalhos no dia 15), fez o historial da edição crítica, desde
o dia em que Raymond MACKEN, no seu afã contagiante, lhe bateu à porta
oferecendo-lhe um projecto ambicioso e inovador que nesta data ainda continua
com a planificação dos futuros volumes dos Opera Omnia. Que melhor garantia
de que o projecto não morrerá? De notar que nesta altura em que redijo (Outubro
de 2001) apenas estão publicados 14 dos 38 volumes anunciados. Qual a
importância desta tarefa? Julgamos que uma boa maneira de responder passa
precisamente pelo tom provocador escolhido para tema do Colóquio: Entre Tomás
de Aquino e Duns Escoto situa-se agora a figura de Henrique de Gand. Convém
insistir neste ponto porque vemos recentes manuais ( caso, v.g., da História da
Filosofia Medieval que J. Antonio Merino acaba de editar na BAC) a repetirem
estafadas perspectivas silenciando a obra de Henrique de Gand. De facto, hoje
em dia,, i . e., vinte e dois anos após a publicação do primeiro volume dos Opera
Omnia , os historiadores da filosofia do século XIII têm uma imagem radicalmente
distinta do seu objecto de estudo . Ela passa justamente pela intervenção superior
de Henrique de Gand cujo pensamento , situado entre aquelas duas luminárias,
permite a descoberta do elo de uma evolução até então dificilmente explicável.
É claro que a grandeza intelectual do Doutor Solene nem sequer pode ser
objectivamente compreendida confinando-o espartanamente a figura de ligação.
A sua meditação filosófico-teológica de coturno é por si só um momento de
transformação em vez de estrita ligação. Pela nossa parte, parece-nos, por isso,

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mais acertado o lema sob cuja égide de facto o presente Encontro científico se
pôde reunir: Henrique de Gand enquanto transformador do pensamento filosófico
do século XIII. Para o provar, basta seguir as várias sessões que passamos a relatar
de maneira desigual embora pela ordem da sua apresentação.

Como vem sendo tradição (embora tudo indique doravante de difícil sus-
tentação no plano do método) os trabalhos iniciaram-se com o tema metafísico e
teológico. Com a competência de neoplatonista que internacionalmente se lhe
reconhece, o Prof. Carlos STEEL (KUL) interrogou-se sobre o qualificativo de
«platónico» que tem sido atribuído ao Gandavense (a atribuição foi v.g. divulgada
por Marsilio Ficino 1). Com o título «Henricus Gandavensis Platonicus'?» a sua
comunicação em língua inglesa foi sobretudo um pormenorizado exame aos
primeiros artigos da Summa, tendo sido particularmente sublinhada a tansfor-
mação epistemológica de uma distinção que em Platão é cosmológica; assim, no
art. 2, qu. 2, o duplo exemplar do T meu (facnui! arque elaboratim, e pc rpcntum
arque immutabile) passa a ser visto, por Henrique, como razão de conhecimento
das coisas: enquanto species accepta a re e causa rei (fol. IOr).
O Dr. Juan Carlos FLORES (Boston College), que defendeu recentemente o
seu doutoramento centrado no exame das páginas trinitárias cia Sitinina, e tendo
como objecto formal de estudo o lema da substância e da relação como modos
do Ser incriado, aproveitou a oportunidade para publicitar uma parte da sua
dissertação. Apesar do tom ambicioso do título, «Intellect and Will as a Nature:
Connecting Theology, Metaphysics and Psychology in Hcnry of Ghent», ele
mostrou-nos de forma impecável a identidade em Deus da relação e da substância
e que as emanações interiores que constituem a Trindade são as causas das
emanações exteriores ou criativas. Nunca será demais sublinhar a relevância da
doutrina trinitária num teólogo cristão, mas o que houve de notável nesta
comunicação prende-se ao contributo para unia definição clara da categoria da
relação como figura económica do pensar de Henrique de Gand. O tema, aliás.
tem sido inteligentemente estudado pelo Prof. Jos DECORTE (KUL) - a alma
organizadora deste Colóquio que infelizmente nos deixou logo na quinzena
seguinte, vítima de um criminoso acidente de viação - cuja lição, «Relation and
Substance in Henry of Ghent's Metaphysics», representou, sem o sabermos
então, a sua derradeira palavra sempre atenta à novidade da teoria Gandavensc,
tão crítica quer em relação a Aristóteles quer em relação a Tomás de Aquino.
Como homenagem dolorosamente sentida a este nosso Amigo (Zwevezele 1954

1 Vd. no entanto o nosso « EI uso de AristóteIes por Enrique de Gande^> in Enciclopedia Ibérica
de Filosofia (Madrid, no prelo).

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- Opveld 2001) deixo registada a informação de todos os seus textos sobre o


tema (vd. a nossa Crónica, p. 205): «'Modus' or 'Res': Scotus Criticism of Henry
of Ghent's Conception of lhe Reality of a Real Relation», in L. SILEO (ed.) -
Via Scoti. Methodologica ad mentem Joannis Duns Scoti. Atti del Congresso
Scotistico Internazionale Ronia, 9-11 marzo 1993, Roma 1995, p. 424-25;
«Thomas Aquinas and Henry of Ghent on God's Relation to lhe Worid», in
Mediaevalia. Textos e Estudos 3 (1993), pp. 91-107; «Creatio and Conservatio
as Relatio» in E.P. BOS (ed.) - John Duns Scotus (1265/6-1308): Renemal of
Philosoplrv. Anis of lhe Third Svmposium organized br lhe Dutch Society
for- Medieval Philosoplnv Medium Aevunr (Mar 23-24, 1996), Amsterdam 1998,
pp. 27-48; «Heinrich von Gent. Von einer Ontologie der Relation zur Rela-
tionsontologie» in Th. KOBUSH (ed.) - Philosophen des Mittelallers, Darmstadt
2000, pp. 152-166; «Giles of Rome and Henry of Ghent on lhe Reality of a Real
Relation», in Documenti e Studi sulla Tradizione Filosofica Medievale 7 (1996)
pp. 202-2 10; «Henri de Gand et Ia définition classique de la vérité», in Recherches
de Théologie et Philosophie Médiévales 68 (2001) pp. 34-74. Jamais esquecerei
as últimas palavras que trocámos, na sequência da minha comunicação, a
propósito do seu projecto de vir a provar a impossibilidade de Henrique de Gand
querer compor uma segunda secção da Suinnia. Na nossa elegante discordância
(coisa tão rara!) sempre me impressionou a sua amiga solicitude e superior
humildade de profundo conhecedor dos textos henriquinos cujo saber dis-
ponibilizava generosamente.
O Prof. Pasquale PORRO (Università di Bari) questionou quer a interpretação
mais disseminada (E. Randi e W.J. Courtenay) acerca do lugar de Henrique de
Gand no debate em torno da omnipotência divina, quer a avaliação que tem sido
feita da sua definição de impossibilidade absoluta. Com o título «Henry of Ghent
on Ordained and Absolute Power», Porro reabilitou o papel do autor na com-
ponente metafísica e teológica do debate (habitualmente cria-se que o seu interesse
era predominantemente feito pelo viés do direito canónico), aproximando-o mais
de Guilherme de Ockham. Apesar da indistinção, em Deus, dos poderes absoluto
e ordenado, a relutância de Henrique em conferir a Deus o mesmo tipo de poder
absoluto atribuído ao papa Nicolau IV (para o caso concreto de retirar os
privilégios concedidos aos mendicantes pelo seu predecessor) tem o motivo
teológico de preservar Deus de uma actuação «desordenada». Distingue-se assim
a versão casuística do problema no Tractatus super facto praelatorum et fratrum
e a versão independente do Quodlibet XI que recusa a interpretação feita pelos
canonistas da potentia absoluta. Uma vez mais P. Porro mostrou porque é, hoje
em dia, provavelmente, um dos melhores conhecedores do texto henriquino
(vd. também o seu último «Metaphysics and Theology in lhe Last Quarter of
lhe Thirteenth Century: Henry of Ghent Reconsidered» in J.A. AERTSEN &
A. SPEER (hrsg.) Geistesleben inr 13. Jahrhundert, Berlim - New York, 2000,
pp. 265-282).

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Os trabalhos do primeiro dia do Colóquio encerraram com a comunicação cio


Dr. Martin PICKAVÉ (Universitzit zu Küln) que versou o famigerado (ao menos
desde a interpretação de J. Paulus) problema do ponto arquimédico da metafísica
hcnriquina, «Res odes ens: der point de départ in Heinrichs Metaphysik».
Conhecedor real da metafísica de Henrique de Gand a sua revisitação do problema
tem sido particularmente atenta à presença de Avicena, na linha aliás de uni
impressionante estudo anterior: «Heinrich von Gent über das Subjekt der Meta-
physik ais Erstcrkanntes» (in Docmnenti e Studi sulla Tradi„ione Filosofica
Medievale 12 (2001), pp. 493-522).
No segundo dia dedicou-se mais atenção ainda aos temas epistemológicos e
teológicos. O Dr. Roberto PLEVANO (Università di Padova & The Catholic Uni-
versity of America, Washington D.C.) estudou exclusivamente o Quodlihet V no
respeitante aos atributos e ideias divinas. «Perfections and Essences, Attrihutes
and Ideas: Henry of Ghent's View in Quodlibet V» mostrou em particular a crítica
de Henrique de Gand a Boaventura, Aquino e Ricardo de Middleton sobre a
natureza das ideias divinas e a influência da sua discussão dos atributos em
autores como Godofredo de Fontaines, Tomás Sutton, Duns Escoto e Ockham.
Começava desta maneira uma das tónicas cio Encontro dedicada ao alargamento
cio contexto ideológico de Henrique de Gand pelo seu cruzamento com teólogos,
digamos, menores.
Da Scuola Normale Superiore di Pisa, o Dr. Giorg*iu PINI dissertou sobre a
sensível fronteira teologia e epistemologia cm « Bctwcen Thcology and Epistc-
mology: Some Remarks on Henry ol Ghcnt's Doctrine of 'Verhuni'», comu-
nicação que de forma feliz se pode pôr cm paralelo com a do Prol. Andreas
SPEER (Universitiit Würzburg) que carregou o seu cabedal de saber sobre
Boaventura fazendo uni ilustrativa ponte com o Gandavensc também sobre o
mesmo tema. «Certitude and Wisdom in Bonaventure and l-lcnry ol' Ghent» pôs
em relevo uma comunidade de preocupação com o aspecto científico da teologia
(o aristotelismo dava essa pauta), apesar da diferença entre os dois autores residir
no facto de Henrique tentar definir aristotelicamente o lugar da teologia enquanto
sabedoria no quadro das ciências e Boaventura transformar a determinação do
conhecimento filosófico numa crítica epistemológica.
Também o Prof. Jean-Luc SOLÈRE (Univctsité Catholique Louvais-la-
-Neuve) trouxe a vantagem de uni conhecimento transversal, no caso sobre «Lcs
degrés de forme selon Henri de Gand». Os motivos teológicos subjacentes ao tema
dos graus da forma substancial que no fim de contas é relativo à própria ordem
organizadora do real foram apresentados historicamente, sobretudo na discussão
com Tomás de Aquino, à volta da interpretação da autoridade de Simplício.
Sobressaiu a operatividade do sintagma 'maius' e 'miaus' no quadro já não da
filosofia natural, que a tradição herdara das Categorias, mas antes no quadro de
uma ontologia fundamental. Aquele par conceptual passou a ter uni alcance trans-
cendental, mercê da transposição do problema para o plano do ser e das suas

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propriedades gerais a partir do qual se descreve a intensificação do ser, do bem,


etc. até ao seu máximo mediante uma hierarquia de graus.
Também da Universidade Católica de Lovaina-a-Nova, o Prof. Jean-Michel
COUNET falou sobre «Henri de Gand: Ia prudence dans ses rapports aux vertus
morales», tema de alguma maneira entrecruzado com as comunicações de P. Porro
e de S. Marrone, visto que unia das teses apresentadas procurou fazer corres-
ponder a doutrina das virtudes morais e da prudência com o tema da perfeição
dos estados da vida seja dos religiosos seja dos seculares. Procurando reconsiderar
as questões dos Quadlibeta V e XII no seu ambiente histórico e teórico (a doutrina
da vontade cm Henrique de Gand é compatível com a lese aristotélica da ligação
entre prudência e virtude moral) salientou a imagem de uni teólogo que pela
primeira vez (vd. Godofredo de Fontaincs ou Egídio Romano) retoma a doutrina
originária da Faculdade das Artes sobre a dupla conexão das virtudes morais entre
si e das virtudes morais com a prudência, fazendo-a inflectir numa direcção
também aristotélica da prudência como sabedoria prática, afastando-se assim da
interpretação mais restritiva de um Aristóteles como teórico da felicidade men-
tal ou contemplativa.
A única comunicação atinente aos contributos henriquinos para a lógica
proveio do Prof. Henk BRAAKHUIS (Katholiek Universiteit Nijmegen) «Henry
of Ghent on Logic and Semantics in Theological Context». Editor dos Sl'n-
categoremata em estaleiro (vd. a nossa «Crónica, p. 203» já citada), o estudo
versou no entanto sobre os artigos 73 a 75 da Sumtna, os quais, constituem o
contexto teológico de um exame lógico e semântico que indaga, depois do exame
sobre a nossa intelecção da natureza divina, a forma como é possível falar dessa
natureza, seja por nomes incomplexos (a. 73), seja por proposições complexas,
quer em geral (a. 74), quer em particular (a. 75).
Voltando aos temas epistemológicos e metafísicos, o Dr. Wouter GOURIS
(Universitãt zu Kõln) especulou em torno do tema «Heinrich von Gent und der
mittelalterliche Vorsto13 zu einem Ausgang vom Unbedingten». Do confronto cone
a tese de Guiberto de Tournai sobre o tema «Deus como o primeiro conhecido»
(prinnnn cognitum), o A. procurou evidenciar o sentido da oposição a unia tal
alegada fundamentação «teocrática» da razão natural que se determina por uma
genuína posição filosófica no quadro de uma autonomia da razão. Por outras
palavras: falar de uma tentativa medieval para uma saída dos absolutos no âmbito
do tema proposto passa por mostrar como ele não é uma pura figura teológica
mas representou um ideal de saber que deve ser inscrito na história dos novos
rumos da metafísica em direcção a uma pura ontologia.
Menos especulativo, coube ao Dr. Christoph KANN (Universitãt zu Pader-
born) tratar de «Wahrheit und Wahrheitserkenntnis bei Heinrich von Gent», quer
dizer, do contributo de Henrique de Gand para o conhecimento da Verdade. Das
reservas que estabeleceu à teoria aristotélica do conhecimento graças à adopção
do modelo platónico-augustinista, passou-se obviamente à análise da diferenciação

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hierárquica das noções, tão henriquinas, verurn, ventas e sincera ventas. Propôs-
-se a sua leitura em confronto com a teoria de Tomás de Aquino a fim de destacar
a função sistemática da teoria por parte de Henrique. Esta comunicação teve,
assim, a virtualidade da crítica e da problematização: qual a plausibilidade da
distinção verum/veritas? Qual o papel da fórmula da adaequatio em Henrique?
E do conceito de ars divina? E do seu duplo estatuto ontológico e epistemológico,
que já tinha sido abordado, em ângulo distinto, por C. Steel?
No mesmo dia em que entregou pronto o manuscrito do que será o mais
recente volume dos Opera Omnia (Summa art. 47-52), o Prof. Markus FÜHRER
(Augshurg Collegc, Min.) falou sobre «Henry of Ghcnt and the Paradox of Self-
Deception» com a particularidade, única no Colóquio, de fai.cr dialogar tal tema
com o contributo da filosofia analítica. A sua tese pretendeu provar como o
tratamento henriquino se distingue do contemporâneo ao integrar-se no quadro
do domínio da vontade humana e não no estado cognitivo da mente humana.
Daqui se seguiu a curiosa tentativa de mostrar como Henrique de Gand resolveria
com originalidade o paradoxo daquele que se engana a si próprio mediante
distinções relativas lá tese da supremacia da vontade sobre o intelecto.
O signatário, Prof. Mário S. de CARVALHO (Universidade de Coimbra) abriu
os trabalhos do terceiro dia procurando reconstituir «The Unwritten section of lhe
'Summa'», sobretudo aquela que deveria tratar «De Creaturis Como se sabe,
este problema ainda ene aberto foi inaugurado por R. Macken na introdução à
edição crítica do primeiro volume da Sotaina e à medida que os volumes forem
publicados o problema poder-se-á clarificar. No entretanto, procurou-se definir
com cautela e conjectural idade o plano de um futuro «De Creaturis», dando relevo
à sua compatibilidade com o nexo da tripla causalidade (final, formal e eficiente)
tão característica do Gandavense.
Seguiu-se a contribuição do Dr. Mathias LAARMANN (Buba-Universitát
Bochum) «Die Lehre von Gott aIs dem Erstgewollten hei Hcinrich von Gent im
Kontext der thcologischen Diskussion des 13. Jahrhunderts». A doutrina de Deus
como prinnmi volitum, que já foi objecto de vários estudos e autores, merecia esta
leitura sistemática em contexto que incidiu. agora, sobre o Quudlibcl XIII, q. 9
e que irá constituir decerto referencia obrigatória dada a feliz prol'undidade e
exaustividade com que, em fidelidade ao escrito de Henrique, o autor tratou da
divisão do bem, bonunl, aspecto cuja indagação é de inaugural importância.
Com o Dr. Martin STONE (University of London) regressou-se aos temas
cada vez mais presentes da filosofia prática: «Hcnry of Ghent on Human Action
and Freedom», foi uma abordagem que, por provir de unia não especialista, soube
situar o contributo de Henrique de Gand a uma luz estimulante de novas reflexões,
sobretudo por não se restringir ao quadro da chamada superioridade da vontade
sobre o intelecto, perspectiva abundantemente tratada, como já se viu.
O notável especialista de Avicena, Dr. Jules JANSSENS (K.U.L) demonstrou
uma vez mais a amplitude, o valor e as limitações do conhecimento que Henrique

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468 Revista Filosófica de Coimbra

de Gand tinha do Persa com «Elements of Avicenniam Metaphysics in the


Summa». Entre as presenças relevantes na Sumtna contámos: as citações de
Avicena (attctoritates, paráfrases, citações literais, citações combinadas e longas)
e os temas teóricos, como o da prova da existência de Deus e a doutrina dos
transcendentais.
Um dos mais profícuos editores dos Opera Omnia, o Prof. Gordon A. WIL-
SON (University of North Carolina) em «Henry of Ghent on John Peckham's
Condemnation of 1286» tratou exemplarmente do Quodlibet X, q. 5 escrito
pouco depois da condenação da teoria da unicidade das formas substan-
ciais humanas: dimorfisnto (Henrique de Gand), pluralismo (Peckham) e
unicidade (Aquino). Mais do que o exame histórico da questão, aliás tão
típico cm G. Wilson, a novidade deste contributo residiu no estudo literário do
ms. A, Paris, Bibl. Nat, lat. 15350, onde se pode detectar pari passu a leitura
crítica em três estádios redaccionais que o teólogo de Gand fez daquela con-
denação.
Embora fisicamente ausente do Colóquio, o Prof. Ludwig HÓDL (Ruhr-
-Universitãt Bochum) deu-nos a conhecer o resumo da sua conferência: «Die
Opposition des Johannes de Polliaco (1307) gegen die Gandavistae». Ninguém
sabe tanto sobre sobre a dita «escola gandavista» como L. Hõdl 2. Desta vez, o
exame da oposição aos gandavistas por parte de João de Polliaco, em Paris, serviu
para evidenciar uma outra disputa também na ordem do dia: as Escrituras contra
a autoridade de Aristóteles. Com efeito, ao acusar, no Quodlibet 1, q. 7, os
gandavistas de encherem o mundo com suas `intenções' e `modalidades' (recor-
demos v.g. a tese da diferença modal na teoria da relação cujo quadro trinitário
servira a Henrique de Gand, no Quodlibet V, q. 6-9, para superar a tese de
Aristóteles sobre essa categoria), João de Polliaco pretendia repor, aliás a exemplo
de Godofredo de Fontaines, a autoridade de Aristóteles, ao mesmo tempo que
marginaliza a alegada «escola».
O último dia foi exclusivamente dedicado às questões editoriais. Avaliou-se
o ritmo das edições e planificou-se o futuro dos volumes até 2005. Porém, importa

2 Gostaríamos , cm qualquer caso , de deixar a seguinte nota informativa , sobretudo para uma
época mais tardia: no grupo dos Serviras ( devo esta primeira informação ao Prof. José PEREIRA)
temos bs nomes de: HENRICUS ANTONIUS BURGUS. Henrici Gandaven .çis paradora theologica
ei philosophiccr, 1627: BENEDETO ANGELO MARIA CANALI (± 1734), Cursos philosophicus ad
mentem Henrici de Gandia; MICHELANGELO GOSIO, Sunana philo s ophica ad nrentent Henrici
Gandaren s is, 1641 ; GIORGIO SOGIA ( t 1701) - [Maltese ?]; ANGELO MARIA VENTURA, Magisti
Henrici de Gandia philos ophica tripartita , 1701. Um nome Trinitariano : ANTONIO DE ZAMBRANA
DAVILOS ( 1695), Comrnentariurn ia Prologum Sententiarum Magistri Henrici Gandavensis;
mais próximo do tempo de Henrique de Gand , o seu discípulo JOÃO de ANNEUX (c. 1250/70-
-1328), Miroir des ruis (em francês medieval), Tractatus de obedientia exhibenda pastoribus a laicis
vel de cont'essionibus , e l ractaius contra Fratres ( editados por S. Stracke - Neumann, Mammendorf
1996).

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Crónica 469

referir que esta tarefa foi precedida pela viva comunicação do Prof. Kent
EMERY Jr. (University of Notre Damc, Ind.) intitulada «An Edition of Hcnry of
Ghent's Quodlihet III: The Status Quaestionis». Se o autor pretendeu fornecer aos
novos colaboradores algumas indicações sobre o tipo de trabalho que os espera,
o seu crítico tiro foi sobretudo certeiro ao visar de forma severa todas as
instituições europeias e norte-americanas que, governadas exclusivamente por
critérios económico-financeiros (ou economicistas, como se diz entre nós de forma
ridícula), põem em risco a prossecução do notável e imperioso trabalho histórico-
-filológico que é a edição crítica. Seria desolador que o século XXI esquecesse
uma das mais belas criações do século XIX voltando-lhe as costas sobran-
ceiramente, i.e., promovendo o esquecimento do lugar de onde viemos na terrível
qualidade de senhores do ocaso.

Como escrevemos, a ocasião deste Colóquio serviu para homenagear o


Prof. W. Vanhamcl que desde o início apoiou o e presidiu ao projecto da edição
crítica dos Opera Oiti ia. A seguir à lição de Wanhamcl, o Presidente A. Van ele
Putte proferiu o elogio académico-científico do homenageado, em neerlandês,
perante unia assistência que enchia por completo todo o austero esplendor da sala
Tomás de Aquino, recordando alguns marcos essenciais do seu percurso.
Infelizmente, na opípara recepção que se seguiu mal sahíanlos que nos des-
pedíamos todos definitivamente de Jos Decorre.
Em 1993 reunimo-nos internacionalmente pela primeira ver.. As Actas,
entretanto publicadas e cujo índice damos aqui ;, testemunham de maneira ine-

s Henrv of Ghenl. Proceedings «[lhe /n 'rnutiunul Colloquium un the Oceasion a¡Nie 70oth

Annivercm_v ef His Death (/293), editcd hy W. VANHAMEL (Lcuven University Press, 1996. 457pp):
J. AERTSEN. Transcendental Thought in Henry of Ghent; J.V. BROWN. Henry's Thcory of Know-
ledge: Henry of Ghent on Avicenna and Augustine; M.S. de CARVALHO. The Prohlem of the Pos-
sible Eternity of the World according to Henry of Ghent and His Historians: J. DECORTE. Henry of
Ghent on Analogy. Critica] Retlexions on Jean Paulus ' Interpretation; J. RECORTE. Aristotelian
Sources in Henry of Ghent (Workshop): J.Mc EVOY. The Sources and the Significance of Henry of
Ghent' s Disputed Question 'Is Friendship a Virtuc'?': L. HÓDL. 'Copia' und Schultradition der Summa
des Heinrich von Gent; J. JANSSENS, Some Elements of Avicennian Influcnce on Henry of Ghent's
Psychology; M. LAARMANN. Gos as 'Primum cognitum'. Some Remarks on the Theory of Initial
Knowledge of 'Esse' and God According to Thomas Aquinas and Henry of Ghent; S.P. MARRONE.
Henry of Ghent in Mid-Career as Interpreter of Aristotle and Thomas Aquinas: P. PORRO. Possihililà
ed 'esse essentiae' in Enrico di Gand: B.B. PRICE. Henrv of Ghent and the Tension ei Econotnies:
R.J. TESKE, Henry of Ghent's Rejection of the Principie: 'Omne quod movetur ah alio movetur':
Ch. TROTTMANN, Henri de Gand, Source de Ia Dispute sur Ia Vision Rcllexive; G.A. WILSON,
Supposite in the Philosophy of Henry of Gheni: P. PORRO. An Historical Image of Henry of Ghent:
P. PORRO, Bibliography.

Revis ta Filosófica de Coimbra - n.° 20 (2001) pp. 161-4722


470 Revista Filosófica de Coimbra

quívoca o valor daquele encontro. O nosso impressivo relato deste segundo


Colóquio, enquanto aguardamos novas Actas , permite um rápido balanço pro-
visório. Em primeiro lugar , é patente que o aumento dos textos criticamente
editados promove o alargamento e aprofundamento dos horizontes teórico-
-interpretativos, bem como ritmo do seu aparecimento . Em segundo lugar, o que
em 1993 era apresentado timidamente é agora uma certeza: Henrique de Gand
emparceira de pleno direito com os nomes de Boaventura , Aquino , Escoto e
Ockhant . Eni terceiro lugar, assinale - se um brevíssimo balanço e as assimetrias
seguintes entre as duas reuniões : (i) (Iiminuiram as contribuições de âmbito
filológico e literário; b) aumentaram os estudos filosóficos e Icológicos; e) o
horizonte dos diálogos históricos alargou-se consideravelmente; (1) subiu
exponencialmente o interesse pelos lemas da filosofia prática, e ) cresceu o leque
de colaboradores; <1) continua a registar - se pouca atenção ao tema lógico-
-semântico ; g) continua a ser difícil o aparecimento de uma monografia global
sistemática e vêm-se privilegiando os estudos parcelares; li) continuam a estudar-
-se questões isoladas ( independentemente do seu valor ideológico ) em detrimento
de temas diacrónicos.
Desde a data em que publicámos neste lugar a nossa « Crónica», Portugal viu
alguns estudos sobre Henrique de Gand . Importa deixá - los adequadamente
gravados à guisa de informação 4.

Mário Santiago de Carvalho

a De maneira exclusiva , ou apenas parcialmente lidando com Henrique de Gand, vd. os nossos
estudos seguintes : « Para a História da Possibilidade e da Liberdade . João Duns Escoro , Guilherme
de Ockham e Henrique de Gand», Itinerarium 40 (1994), 145-180; «Para um outro modelo de
Investigação das Relações entre razão e fé no século XIII», Itinerartum 41 (1995), 19-44;«A 'Summa'
de Henrique de Gand», Revista Filosófica de Coimbra, 4 (1995), 439-449; em parceria com J. F. Mei-
rinhos - «Chronique nationale - Portugal (1989-1995 )», Bulletin de Philosophie Médiévale 37 (1995),
249-266; «' Inter Philosophos non mediocris contentio '. A propósito de Pedro da Fonseca e do contexto
medieval da distinção essência/existência », in Quodlibetaria . Miscellanea studiorunt in honorem Prol:
J. M. da Cru;. Pontes anho iubilationis suae offertae Conintbrigae MCMXCV. Cura Marii A. San-
tiago de Carvalho , iuvamen praestante Josephi Francisco Meirinhos, ( Mediaevalia . Textos e Estudos,
7-8), Porto, 1995, 529-562; Henrique de Gand. Sobre a Metafísica do Ser no Tempo (Questões
Quodlibéticas 1, 7/8-9 e / 0). Edição bilingue . Versão do latim , introdução e notas; Prefácio e
restabelecimento crítico do texto latino de Raymond Macken ( Colecção Textos Filosóficos 41), Lisboa,
Edições 70 , 1996, 175 p .; « A essência da matéria prima em Averróis Latino ( com uma referência a
Henrique de Gand)», Revista Portuguesa de Filosofia 52 (1996), 197-221; «La pensée d'Henri de
Gand avant 1276: Les erreurs concernant Ia création du monde d ' après Ia ' Lectura Ordinaria Super
Sacram Scripturam'», Recherches de Théologie ancienne et ,nédiévale 63 (1996 ) 36-67 ; «Raimundo
LlulI, Sigério de Brabante e o problema do primeiro hotneni », Revista Filosófica de Coimbra 5 (1996).
361-384; « Conspecto do Desenvolvimento da Filosofia em Portugal ( Séculos X111-XV)», Revista
Espaitola de Filosofia Medieval 4 (1997), 131-155; Roteiro Tentútico-Bibliogrú(ico de Filosofia
Medieval ( Colecção Textos Pedagógicos e Didácticos 6), Lisboa, Edições Colibri-Faculdade de Letras
da Universidade de Coimbra , 1997, 98 p ; « A Idade Média filosófica terá sido aristotélica ?», Humanita,r

pp. 461-472 Revista Filosófica de Cointhra - n." 20 (200/)


Crónica 471

50 ( 1998) 41)9-506;«Prole gúmcno% para uiva remissão do horizonte Iti,lnri al da evidencia ,aile,i:ma-•,
ir] Descartes. Reflexão .cobre a Aludrrnidude. Actas do Colóquio Internacional (Porto 18-20 de
Novembro de 1996). Coordenação de Maria Jose finto Canlisla e Jose Francisco Meirinhos. Tucuns
Fundação Eng António de Almeida, 1995, p. 121-151:<Iloman e Naturcia em Ilenrigne de Gand,
uma mudança de rumo na antropologia :wguslinistu Vrritas 4-1: 3 (10')'i), p. 671)-694: •Mediecal
Inlluences In lhe Coimbra Connncntarics (An Inquine Isto lhe Foundations ol Jrsuit Educatiou),.
l'atrìaticu et Medirreruliu 20 (1999), p. 19-37;„Suórez: Tempo e Duração,., in 17,utri.cru .Surirr (l ? 11'-
1617). Tradi(vm e Modernidade. Coordenação de A. Cardoso, A.M Martins & L.R. dos Santo,. Lisboa:
Edições Colibri, 1999, p. 65-S0:'.Sohre o Projecto do 'Traclatus de productione crcatuiae'de Ienrique
de Gari(]>,, Mediarralia. Tectos e banidos 11-12 (1997), 211-230:,.Le Lam_age de la Cieation cl LEnjeu
de Ia Causalité dans quelqucs Textos Théologiqucs 'De iEternitate Mundi'« til L'Elabnatio„ du
Vocabulaire Philosopliique an Aluem A,ge. Acres du Colloque international de Louvain-lu-Neuve et
Leuven 12-14 septembre 1998 organise par Ia S.I.E.P.51. edites par J. Hamcsse et C. Steel. 'furnhoul:
Brepois 2000, 293-321; A Novidade do Ahutdo: Henrique de Gand e a Aleta(í.cira da Tempnrulidurle
no Século XIII Lisboa: Fundação Calouste Gulhenkian - Fundação para a Ciência e a Tescnologia
(Textos Universitários de Ciências Sociais e Humanas). 2001. (i84p : Fsmdos Sobre AIro,o Pais e
Outros Franri.ccanos (Séculos X111-XV), Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda (Estudos Gerais.
Série Universitária), 2001, 347p.: «O que significa pensar? Henrique de Gand em 12,86 e os 1lorizonles
da problemática rnonopsiquista: 'Contra fundamenta Arislotelis°'» Reri.sta Filo,uof ca de Coimbra
10 (2001) 69-92: «The Concept of Time According to The Coimbra Connnentaries» , li) 77te Medi-
eval Concept o(Time. Siudies on Me Seholaatie Debate anil lts Rei eption in Lar/r Modero l'hiln.cu-
phv, edited hy P. Porro, Leiden - Boston - Kdln: E.J. Brill. (Studien und Teste zur Geistesgeschielite
des Mittelal(ers 75), 2001, 353-382.

Revista Filosó fica de Coimbra - n." 20 (220 01) pp 161-472


NOTA DE LEITURA

Jacques Derrida, L'université sans condition, Galilée, Paris, 2001, 79 pp.

L'université sans condition, um dos quatros títulos que marcaram este ano a rentrée
derridiana t , bem poderia, muito simplesmente, chamar-se A desconstrução da Univer-
sidade. Com efeito, esta obra, que materializa unia conferência proferida em inglês na
Universidade de Standford, na Califórnia, em Abril de 1998, com o título inicial de
L'arenir de la profession ou L'unirer'site sons condition (grâce aux " Hummnilés'', cc qui
pourrait avoir lira demain ), é a cena de um apelo do filósofo-escritor-professor de língua
francesa, Jacques Derrida, ò Universidade. Um apelo na Forma de uma /e 'faroç'ao ou de
uma profissão de fé na Universidade. Não tanto na que existe, hoje, mas na Unircrsidcule
por vir, naquela que, a partir da sua própria história, urge reinventar e que aqui, nesta obra,
o filósofo saúda sob a designação de «univcrsilé sans condition '. 1Inia Universidade que,
se vier, se vier a ter lugar (a profissão de Je é também uni desejo e unia promessa! Note-
-se o itálico do subtítulo: «ce qui pourrait (Ivoir tico...>,), vem ^rak-a.c h.r "Humanidades.'
a outras ''Hunurnidade.c» elas tanibéni ainda por rir: «ceei - cun/essa o iacipit desta obro
que é também unia obra ''sobre" a obra - seta sons dou te comeu' une profcssion de foi:
Ia profcssion de foi d'un prolesscur ]...] im appcl cri forme de profcssion de foi: foi en
I'université et , cri elle , foi eu Ies Humani(és de demain.», (p. 11 ). Fé, pois, 1 iiiversidade
e nas '' Humanidades " de amanhã. Numa palavra, /é no amanhã que, conto sugere o título
pensativo 2 De quoi demain..., é menos o futuro do que o porvir. Fé no porvir graças a
uma Universidade que se pensa e se vive como palco de «une libcrté inconditionnclle de
questionnement et de proposition.», (p.11), e que é por isso e por princípio «un ultime
liou de résistance critique - et plus que critique - à tous les pouvoirs d'appropriation
dogmatiques et injustes», (p. 14). Unia Universidade incondicionalmente livre na sua
instituição, palavra , escrita e pensamento. O que deixa pressentir nesta "tese" derridiana
em forma de profissão de fé, neste «engagement déclaratif», (p. 1 1 ), uni apelo, não menos
urgente e imperativo, a uma responsabilidade, ela também, incondicional.

1 Os outros são: Papier Machine, Galiléc, Paris, 2001; Atlan. Gallimard, Paris, 2001 e, com
E. Roudinesco, De quoi demain..., Fayard/Galiléc, Paris, 2001.
2 Um título ditado por um poema de V. Hugo: «Spectrc toujours naasqué qui noas suis à cote h
eôte. / Et qu'on nomme demain! / Oh! Demain, c'est Ia grande chore!/ De quoi demain sera-t-il fait'h».
«Napoléon tt«, Les chanis du crépuscule (1835). Pléiade, tome, 1. Gallimard, Paris, 1964, p. 834.

Revista Filos<;fira de Coimbra - tt." 20 (200/) pp. 373-4SS


474 Revista Filosófica de Coimbra

O que é dizer que, no prosseguimento de escritos anteriores dedicados à questão do


ensino e da Universidade (em geral reunidos cm Du droit à Ia philosophie [Galilée, Paris,
1990], La filosofia como institución, [ed. Juan Granica, Barcelon, 1984], Le droit à Ia
p/rilosophie du point de vire co.smapolitique, [Vcrdicr-Unesco, Paris, 19971, alguns escritos
incluídos cm Points de suspension IGaliléc, Paris, 19921, mas, e ainda que indirectamente,
também O uionolinguisnw do outro [Galiléc, Paris, 1996, trad. port. Campo das Letras,
Porto, 2001]), e na linha de um certo Kant, um Kant re-afirmado ou, simplesmente, bem
herdado, re-invemado, o da terceira Critica, o filósofo repensa a Universidade a partir das
"I1urnanidades" - o que é, notemo-lo, a par de uma injunção a uma responsabilidade hiper-
hólica, uni imenso voto de conlion•o, unia (outra) profissão delé justamente, nas Facul-
dade,, que, de uni modo aparenlrrnrnte mais óbvio, luram a sede do seu cultivo, a saber,
as faculdades de Letras e Iumanidades, regra geral, mal! at:alas, esquecidas e desacre-
ditadas pelo espírito cientista-finalista-utilitarista-economicista que, nos últimos tempos,
hegemonicamente se apoderou do campo das produções do simbólico. Uni espírito de que
as próprias Faculdades de Letras não estão talvez, de todo, isentas. ('orno sempre pelo pers-
crutar da ambiguidade significante que instalou as palavras, uma outra ideia de
profissionalização se desprende também desta obra derridiana. Uma ideia que articula
conjuntamente a profissão, a profissão de fé e a confissão, (p. 17, 32-36), com a huma-
nidade do honrem e as "Humanidades", o trabalho, a literatura e o porvir, a partir de um
singular princípio de incondicionalidade. Por este articulado, no léxico do «professar», o
filósofo sublinha menos a autoridade e a suposta competência , naturalmente pressupostas,
do que o compromisso a cumprir e , portanto, a declaração de responsabilidade quase
anárquica e hiperbólica: «L'idée de profession - diz - suppose qu'au-delà du savoir, du
savoir- faire et de Ia compétence, un engagement testimonial , une liberté, une responsabilité
assermentéc, une foi juréc oblige le sujet à rendre des comptes devant une instance à
définir.», ( p. 50). Uma instância sem instância que é a inspiração , a interrupção e a ânsia
de perfecti bi 1 idade de toda e qualquer instância - a "ético" - desconstrutiva, como adiante
se verá.
Mas, se é certo que é pela via ou, antes , pela graça das "Humanidades" que Derrida
nos dá a pensar a questão da Universidade pela via da sua articulação a um compromisso
originário, a um acto de fé ou a uma profissão de fé (p. 23), é também graças a outras "Huma-
nidades". A umas "Humanidades" desconstruídas, logo transformadas, (p. 64-65). E é
graças às "Humanidades" que o filósofo propõe a desconstrução da Universidade, por um
lado, porque desde sempre esta se cultivou no seu cultivo da verdade e da luz - o espírito
das Luzes é o espírito da Universidade: «si énigmatique qu'clle demeure, - refere - Ia
référence à Ia vérité, parait assez fondamentale pour se trouver, avec Ia lumière (Lu.r), sur
les insignes symboliques de plus d'une université. L'université fait profession de Ia vérité.»,
(p. 12). Por outro lado, porque esta questão da verdade e da luz, a questão das Luzes,
(Aufklãrung , Enlig/itenment , Luntières , llltuninismo , lhestr'ación, Huminisnio ), é indissociável
da questão do homem - do próprio ou do humano do homem. Questão que, na sua necessi-
dade e problematicidade, deverá ter por sede de franca discussão e reelaboração a própria
Universidade De facto, lembra o filósofo, esta questão do liontent é, não apenas aquela
que fundou , ao mesmo tempo , o Humanismo e a ideia histórica das humanidades, como
a que, por múltiplas razões , está hoje de novo na ordem do dia. Faz, mais precisamente,
a ordem do nosso dia, uma vez que, lembra Derrida, a dita «ntndialização» [que, evocando
o Heidegger de Sein und Zeit, e apelando para a necessidade de distinguir entre inundo,
cosmos, universo e globo terrestre, o filósofo faz questão de distinguir de «globalização»,
«Globalisierung», (p. 12-13; 52-53)], se pretende também uma humanização: «le réseau
conceptual de i'homme, du propre de I'homme, do droit de l'homme, du crime con-
tra I'humanité de l'homme , nous savons - profere Der rida - qu'iI organise une telle

pp. 473-486 Revista Filosófica de Coimbra - n.° 20 (2001)


Nota de leitura 475

mondialisation», (p. 13). Testemunha uma tal organização o facto de a renovada Decla-
ração dos «Direitos do Homenrn (1948) e a instituição do conceito jurídico de «Crime
contra a Humanidade» (1945) terem lugar no âmbito de um direito iniernaciona/, cuja
emergência e vigência é suposto velar pela dita «nurndinlizafão» em curso. Daí que, indis-
pensável e problemático, o conceito de homem deva, de novo e diferentemente, ser dis-
cutido, pensado e reelaborado e, com ele, o campo incenso dos registos do discurso e do
saber que ele dita e inspira. E o espaço próprio - ainda que transformado e/ou a transformar
e sempre em transformação - para acolher e levar a cabo uma tal discussão e reelaboração
é a Universidade e, nela, os departamentos de "Humanidades". Unias "Humanidades"
necessariamente distanciadas do sentido conservador e humanista que, regra geral, se lhes
associa e as determina, assim como aos seus antigos cânones. Unias "Humanidades"
capazes de repensar o registo metafísico da sua conceptualidade e da sua história que, pelo
espírito aporético que anima o seu pensamento, reclama Derrida, deve, no entanto, ser
protegida e conservada a todo o preço, (p. 22). Umas "Humanidades", enfim, repensadas e
reinventadas ou desconstruídas e, justamente porque transversal ou obliquamente presentes
e actuantes por todo o lado onde o "próprio" do honrem está em questão, já não apenas
confinadas ao habitual espaço das Letras. Nem sequer talvez jáí confinadas a um deter-
minado espaço!
Daí que, fiel ã sua tradição, não a rejeitando portanto, apenas enjeitando o seu registo
metafísico, o novo conceito ele ''Humanidades'', aqui proposto pelo filúsofo sol) a desig-
nação ele noras Hnmanidude.c, deva doravante incluir (p. 22), para além da literatura e das
línguas, as artes não discursivas, as teorias da tradução, a filosofia e o direito, a crítica,
aquilo que, nos países de cultura anglo-saxónica, se designa por "rheorr. a saber, unir
articulação original de teoria da literatura, filosofia, linguística, antropologia, psicanálise,
etc., e, sohrettido, a própria <li' s nstri(çs3a - o mais radical e justo dos pensamentos: aj'en
appclle au droit ã Ia déconstruction - coa/e.r.ca - comme droil inconditionnel de poser des
questions critiques non seulement à 1'liistoire du concept d'homnie, trais à I'histoire même
de la notion de critique, à Ia forme et ã l'autorité ele la question, a la forme intcrrogative
de la pensée. Car cela - /ns/iliea Derrida - implique le droit de le Iairc af/irmatii•emeor
et perforotatirement, c'est-à-dire cn prodi isant eles événcmcni> (p. 14-15). As noras
Humanidades, isto é, as lhunattidade.c em de.cconsirução, compreendem, cm sumia, as ciên-
cias ditas do homem e da cultura: sem que a especificidade de cada disciplina seja, de
todo, dissolvida, as "Hwnonidadcs" franquearão agora as suas tradicionais fronteiras disci-
plinares, num exercício menos de inter-disciplinaridade do que de contaminação e,
portanto , ele transvcrsalidade, e as suas interrogações manifestar-se-ão também nos depar-
tamentos de genética, ele ciências naturais, medicina, teologia e até mesmo, dir. Derrida,
(p. 65), de matemática. Numa palavra, por todo o lado em que a ync.ctãn do homem apela e
se dá a pensar. Por todo o lado em que ele é o «objecto<, cm torno do qual, trans-
versalmente , elas se reúnem no cultivo da sua respectiva e indefectível singularidade. Daí
que esta "tese" derridiana , na forma de profissão de ¡é, na Universidade seja também uma
interrogação acerca das estruturas institucionais e das configurações interdisciplinares
decorrentes da sua des-re-construção. Uma interrogação que, na era do ciberespaço, indicia
a locomoção da própria topologia do campu.s universitário.
Por outro lado, se é certo que tais "Humanidades" não se restringem trais ao espaço
das Faculdades de Letras, a que tradicionalmente estavam confinadas, elas são no entanto
inspiradas por qualquer coisa que tens nelas a sua sede própria. Qualquer coisa que tem
nelas o lugar privilegiado da sua salvaguarda e do seu cultivo. Qualquer coisa que é assim
corno que a sua véspera e a primeiríssima das suas tarefas - assim como que a origem da
sua origem e o fio do seu próprio cultivo, a saber, o absoluto de um princípio de
incondicionalidade: «ce principe d' incondilionnalité se présenre, - profere Derrida - à

Resista Filosó fica de Coimbra-1i." 20 (200/) pp, 473-486


476 Revista Filosófica de Coimbra

l'origine et par excellence , dans les Humanités . Il a un lieu de présentation, de


manifestation, de sauvegarde originaire et privilégié dans les Humanités. iI y a son espace
de discussion aussi et de réélaboration.», (p. 21). As novas humanidades, aquelas que
se estima serem capazes de reinventar tanto a Universidade quanto o próprio amanhã,
deverão pois repensar-se à luz de um princípio de incondicionalidade que, não por acaso,
é o timbre ou o idioma próprio da desconstrução derridiana - um pensamento da
afirmação, do singular, do talvez ou do acontecimento, ... Numa palavra, um pensamento
do porvir, da invenção e do im-possível. Como, mais uma vez e [sempre] de novo, também
aqui, nesta obra, Derrida lembra: «cri rappclant souvcnt de Ia déconstruction qu'cllc était
impossiblc ou 1'impossihle, et qu'clle était non pas une méthodc, une doctrine, une méta-
philosophie spéculative, mais ce qui arrive, je me fiais à Ia mcme penséc. Les exemples
sur lesquels j'ai tenté de faixe droit à cclte penséc - continua explicitando - (1'invcntion,
Ie doe, le pardon, I'hospitalité, la justice, 1'amitié, e(c.) confirinaicnt tous cette penséc du
possible impossiblc , du possible comine impossiblc, d ' un possible - impossiblc qui ne se
laisse plus détcrmincr par l'intcrprétation métaphysique de Ia possihilité ou de Ia vir-
tualité.», (p . 74-75). No seu paradoxo insolúvel, é este inquieto e inquietante pensamento
do ire-possível, do possível - impossível, o mais justo dos pensamentos , a própria justiça
distinta do direito e, portanto , da condição e do poder , como nomeadamente Force de Loi
(Galilée, Paris , 1993) no-lo dá a ler e a pensar, um pensamento incondicionalmente aberto
pelo que vem e que , por isso, na mais extrema das vulnerabi1idades , se abre também ao
que vem e / ou a quere vem, é este pensamento , dizíamos, que aqui, nesta obra , apela ao
porvir da Universidade graças à desconstrução das "Humanidades", porque é ela, a
desconstrução , - será necessário ainda sublinhá - lo?! - que está na base da inspiração e da
transformação das novas " Humanidades ". Um pensamento que, defende Derrida. «de ce
point de vue do moins [...], a son lieu privilégié dans L Université et dans les Humanités
comme lieu de résistance irrédentiste », ( p. 21). Um pensamento que lança o mais radical
dos apelos à sua transformação , lançando - lhes a mais radical das críticas e pedindo-lhes
a maior e a unais justa das resistências . Prometendo - lhes assim também , profetizando-lhes,
o mais inventivo , responsável e justo dos amanhãs . Sartre, sabe-se , dizia: é preciso querer
tudo, ainda que não se consiga ter tudo . Derrida, esse , re-clania : não, não a utopia, antes
o im-possível... [«non pas l'utopie, I'im-possible» in Papier Machine, Galilée, Paris, 2001,
p. 349-366]. E preciso querer, sonhar , desejar, ... o im-possível , tal é a injunção da des-
construção ! E, na sua im-possibilidade , um tal pensamento é um pensamento incondi-
cionalmente livre-e-obrigado. Incondicionalmente justo: « appelons ici pensée - "pensa-
mento ", na linha de Heidegger, mas por outras razões, distinto de filosofia - ce qui parfois
commande , selou une loi au-dessus des lois , Ia justice de cette résistance ou de cette
dissidence . C'est aussi - acrescenta Derrida, precisando - ce qui met en oeuvre ou inspire
Ia déconstruction comine justice .», ( p. 21-2). Na sua singular impossibilidade, este
pensamento deve ser um polo de incondicionalidade absoluta que comanda toda a condi-
cionalidade , estando assim na génese da mais exigente , perfeita e justa perfectibi 1 idade - da
instituição universitária , ou outra.
Esta a razão pela qual começámos por declarar que este título e esta obra, A Uni-
versidade sem condição , é, muito simplesmente , a desconstrução da Universidade na Uni-
versidade. Também a desconstrução das "Humanidades". A desconstrução da Uni-
versidade graças à própria desconstrução das "Humanidades " - grafadas entre aspas em
razão da sua perene enigmaticidade : com efeito, quem , alguma vez , exauriu de todo o
"próprio" ou o "humano " do homem?! O que é também um modo de sublinhar a
inestimável importância e responsabilidade da Universidade e das "Humanidades" na
construção do amanhã. Também o ilimitado da sua tarefa. Derrida di-lo sem ambiguidades:
«L'université - diz -fait profession de Ia vérité. Elle déclare, elle promet un engagement

pp. 473 - 486 Revista Filosófica de Coimbra-n ." 20 (2001)


Nota de leitura 477

sans limite envers Ia vérité. Sans doure le statut et le devenir de Ia vérité, comme Ia valeur
de Ia vérité, donnent -ils lieu à des discussions infinies (vérité d'adéquation ou vérité de
révélation , vérité comme objet de discours théorico-cons(atifs ou d'événements poético-
-performatifs, etc. ). Mais cela se discute justement, - enfàtica - de façon privilégiée, dons
l'Université et dans les départements qui appartiennent aux Humanités.», (p. 12). Dir-
-se-á, por isso, que a desconstrução das "Humanidades", aqui proposta pelo filósofo-
-professor-escritor, é ou deverá ser, ipso facto, uma desconstrução da Universidade a ter
lugar na própria Universidade, e que unia tal desconstrução é, como antes referimos, uma
imensa profissão de fé, uma incondicional profissão de fé no "futuro" - no "futuro" das
artes e das "Humanidades", no "futuro" da Universidade e do/s saber/es, no "futuro" do
humano, da democracia, da profissão, da profissão de professor, de professor de filosofia,
... Um amor impossível do impossível, a desconstrução é unia confiança no porvir do
que vem e que , no absoluto da sua vinda, só pode vir de surpresa: sem horizonte. Sem
antecipação, previsão e pré-compreensão. Antes e diferentemente do saber, logo do como
tal e de um certo como se, cuja autoridade funda e justifica a ontologia, a fenomenologia,
a filosofia do conhecimento, da ciência e das artes que, deterrninanremente, instituem as
" Humanidades ", e de que esta obra é tanibéni a desconstrução.
E que este singular pensamento do talvez e do aconiecimenio que, aqui, leva a cabo
a desconstrução da Universidade através da própria desconstrução das "Humanidades", uni
pensamento paradoxal que é também uma desconstrução da forma Cética do pensar, uni
pensamento que, porque ditado pelo incondicional, associa fé e saber, inscreve a fé ou o
endereçamento a no saber para declarar o seu saber-crer na Universidade por rir, é também
uma desconstrução da speech act theorv de Austin (p. 67, 73-78) que, é sabido, distingue
entre acros con.stalivos e actos perforntati 'os: «ce qui arrues, ce ìt quoi 1'on arrive ou qui
nous arrive , 1'événement. Ie lieu de I'avoir liei - 1 ..1 se muque du periormatml, du pouvoir
performatif, comme du conslatil. Et cela peut arriver dans et par Ics Ilunnuiilcs. (p. 24).
Como se de uni fio puxado a «Signaturc, événcment, contexto» (em Marees de la
philosophie, Minuit, Paris, 1972, trad. port. Res ed. Porto) e a Linrded inc... (Galiléc, Paris,
1990), se tratasse, esta obra continua a já antiga polémica de Derrida com a, entretanto
clássica, speeclr ael t/ieorv, da qual se demarca, em razão de ela, ao cultivar uma certa
ideia de soberania, tanto do humano quanto da Universidade, confirmar também ainda unia
certa ideia de Universidade que, justamente, está aqui cm questão desconstruir. Singular
pensamento do acontecimento, a desconstrução é também unia desconstrução da speeclr
act theory de Austin: uma desconstrução, justamente, não uma destruição. O que implica
a afirmação respeitosa daquilo mesmo que se desconstrói - é a paleunimia como «método»
de leitura! Uma afirmação que, «tout cri reconnaissant Ia puissance, la légitimité et la
nécessité de cette distinction entre constatif ct performatif,», (p. _24), uma distinção que,
sublinha Derrida, «aura été un ^,rand événcment de cc sièclc - et il aura d'abord été
- sublinha também - un événcment académiquc» (p. 24), não deixa de, no mesmo -,esto.
lhe assinalar os limites e de a exceder, excedendo a performatividade dos acontecimentos
por ela produzidos graças a uma outra ''ideia'' de acontecimento - graças a unia outra rindo
ou acontecimentalidade do acontecimento. Aquela que, ditada pelo princípio de incoruli-
cionalidade, é e faz a cena da desconstrução. Para além do fins do profético capíndo
preliminar e da sétima e definitiva hipótese que o /V e ítltinto capitulo deste livro nos
destina, Derrida redi-lo claramente em nota de rodapé: «j'essaierai - (li,-, - de situei le point
oó Ia performativité est elle-mane déhordée par 1'expéricnce de I'érénenrent, par
I'exposition inconditionnellc à ce qui vient ou à qui vient. La performativité se trouve
encore, comme le pouvoir du langage en général, du cõté de cette souveraineté que je
voudrais, si difficile que cela paraisse, distinguer d'une certame inconditionnalité en
général , d'une inconditionnalité sans pouvoir.», (p. 15).

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478 Revista Filosófica de Coimbra

Ousemos finalmente perguntar: que incondicionalidade é esta, uma incondicionalidade


sem poder, que está na raiz da distinção entre acontecimento poético-performativo e des-
construtivo? E um difícil, um impossível, um contraditório princípio ético, ético-político,
para Derrida a própria justiça distinta do direito, que deverá ser pensado, reelaborado e
praticado na Universidade: como o "espírito" da própria Universidade. Um "espírito" assim
animado pela rebeldia de uma incondicional liberdade de questionamento e de profissão:
do latim, professione e prgfiteor; professos suai, a profissão e o professar significam,
lembra o filósofo, (p. 34), declarar publica ou abertamente. Numa palavra,. falar. Ex-pôr
ou dar a sua palavra, o que remete imediatamente tanto para o ficcional como para a
responsabilidade incondicional, assim distinguindo a profissão, a profissão de prg/i'ssor,
do empre,o e do trabalho, (cfr. p. 23), e assim afectando e interrompendo também os
discursos de puro saber tecnocientíficos. A profissão, a profissão de professor e, acima
de tudo, estiola-se, a de professor de filosofia é aquela que começa a/por responder, a dizer
"sim" a este princípio de incondicionalidade, comprometendo-.se: «Ic discours de profes-
sion est toujours 1...] - proclama Derrida - libre profession de foi, il déborde le por savoir
technoscientifique dans l'engagement de Ia responsabilité. Professar, c'est s'engager en
se déclarant, en se donnant poro, en promettant d'être ceei ou cela», (p. 35). O professor,
lembra Derrida lembrando [cap. 11] uma certa herança da profissão académica (Cícero-
-Abel ardo- Kant), mais do que aquele que é [ou deve ser] um expert competente, é o que,
a cada instante, [se com-]promete [a] sê-lo: «Philosophiam profiteri, e'est - escreve
Derrida - professer Ia philosophie: non pas simplement être philosophe, pratiquer ou
enseigner ]a philosophie de façon pertinente, mais s'engager, par une promesse publique,
à se vouer publiquement à s'adonner à Ia philosophie, à témoigner, voire à se battre pour
elle. Et ce qui compte ici, c'est cette promesse, cet engagement de responsabilité.», (p. 35-
-36). A responsabilidade ética ou incondicional, uma responsabilidade anárquica, ilimitada
e in-finita, é pois a génese, o miolo e o horizonte sem horizonte do professor, de que o
de filosofia deveria ser, na boa tradição kantiana repensada, assim como que uma espécie
de "paradigma".
A desconstrução da universidade é então a detecção, a reelaboração e a inscrição deste
"espírito" de liberdade absoluta, de «resistência irredentista», de dissidência hiper-respon-
sável no "espírito" do que Derrida designa por «universidade moderna» - aquela que é pre-
ciso bem herdar e transformar, aquela que, é sabido, se cultiva no cultivo da dita «liberdade
académica»: «Par "université moderne", - precisa - entendons celle dont le modèle
européen, après une histoire médiévale riche et complexe, est devenu prévalent, c'est-à-
-dire "classique", depois deux siècles, dans des États de type démocratique. Cette université
exige et devrait se voir reconnaitre en principe, outre ce qu'on appelle Ia liberté acadé-
mique, une liberté inconditionnelle de questionnement et de proposition, voire, plus encore,
le droit de dire publiquement tout ce qu'exigent une recherche, un savoir et une pensée
de Ia vérité.», (p. 11-12). A Universidade sem condição é então, num primeiro registo de
si, a Universidade animada por este "princípio" de todos os princípios: um princípio de in-
condicionalidade graças ao qual ela não admite quaisquer constrangimentos e resiste a
todos os poderes de apropriação dogmáticos e injustos - políticos, económicos, mediáticos,
ideológicos, religiosos, culturais, etc. É uma universidade independente, absolutamente
independente na sua prossecução da verdade: absolutamente livre. E uma tal incon-
dicionalidade outorga-lhe o dever, traduzido em direito, de tudo, absolutamente tudo,
questionar: em voz alta, isto é, proferindo-o ou declarando-o aberta ou publicamente.
«L'université -professa Derrida - devrait dono être [...] le lieu dans lequel rien n'est à
l'abri du questionnement, pas même Ia figure actuelle et déterminée de Ia démocratie; et
pas même l'idée traditionnelle de critique, comme critique théorique, et pas même l'autorité
de Ia forme "question", de Ia pensée comme "questionnement". [...1 Voilà donc - continua

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Nota de leitura 479

o filósofo - ce que nous pourrions, pour era appeler à elle, appeller l'université sans
condition : le droit principie) de tout dire, fút-ce au titre de Ia tiction et de l'expérimentation
du savoir, et le droit de le dire puhliquement, de le publier.», (p. 16). E esta liberdade
incondicional na qual, cultivando-a, a Universidade se deveria cultivar, unia liberdade
coextensiva a todo o campo [do saber] académico, não se confunde, notemo-lo, com a
dita liberdade académica, que pressupõe: antecede-a, excede-a e justifica-a. É uma
liberdade incondicional, extravagante ou hiperbólica, que se traduz num princípio de
resistência, de dissidência ou mesmo de desobediência, a todos os poderes que a tentam
domar-dominar.
E é precisamente a incondicionalidade desta liberdade, onde se manifesta o princípio
de uma palavra e de um pensamento absolutamente livres, que, traçando aos olhos de
Derrida o perfil da instituição universitária, por um lado, distingue a universidade de todas
as outras instituições de investigação ao serviço de finalidades e de interesses económicos
de todo o tipo, por outro, dita a necessidade de ela se inquietar e se perguntar até que ponto,
em que medida, deverá a organização da sua investigação e do seu ensino ser financiada,
logo directa ou indirectamente controlada - « disons par cuphémisme - diz Derrido -
"sponsorisée "», (p. 19). No exercício desta lógica, que deveria suscitar a maior das
inquietudes político- institucionais , as "Humanidades" são, como se sabe, muitas veies
reféns dos departamentos de ciência pura ou aplicada que concentram os investimentos
supostamente rentáveis de capitais estranhos ao inundo académico (p. 19). Ora, é graças
a esta incondicionalidade, que deve animar a Universidade, unia incondicionalidade que,
sobretudo, as "Humanidades" devem pensar e, de entre elas, a literatura e a filosofia/
/ desconstrução cm primeiro lugar, que Derrida leva a cabo a desconstrução de unia tal
lógica.
Mas, observa o filósofo dando conta do paradoxo que inspira e magnetiza o seu
pensamento da Universidade, se esta incondicionulidude constitui, ent princípio e de jure,
a Força invencível da própria Universidade, ela é também, cm contrapartida, o sintoma de
uma imensíssima e incontornável vulnerabilidade. O estandarte da sua indefectível impo-
tência tanto como o da sua excepcional soberania. E que unia tal incondtcinnululadr
designa a sua justiça sem poder. Porque abstracta e hiperbólica, nunca unia tal incon-
dicionalidade é efectiva, antes exibe «1'impuissance de I'université, Ia fragilité de ses
défcnses devant tous les pouvoirs qui la commandent, l'assiégcnt et tentent de se
l'approprier. Parce qu'elle est étrangère au pouvoir, parte qu'clle est hétèrogène au principc
de pouvoir, l'université est aussi sans pouvoir propre. C'est pourquoi - justifico Derrida -
nous parlons ici de l'mtiversité saras condition.», (p. 18). S'eni condição é, pois, menos
um predicado da Universidade do que a sua própria incondição. Do que a uicondiç-Ó(; da
Universidade como instituição justa na sua hiper-responsável prossecução da verdade.
Que ela seja sem condição significa finalmente que ela é, ao mesmo tempo e portanto
paradoxalmente, incondicionalmente livre ou hiperbolicaniente responsável e c.ctrenra-
mente vulnerável - sem poder. Sede do culto da verdade e da luz, das luzes de amanhã, a
Universidade enquanto instituição é, observa Derrida, «sans condition», «sans pouvoir»,
«sans défense » : «parce qu'elle est absolument indépcndante, l'université est aussi - nota
o filósofo - une citadelle exposéc. Elle est offcrte, elle reste à prendre, souvent vouée à
capituler sans condition. Partout ou elle se rend, elle est prête à se rendre. Parce qu'elle
n'accepte pas qu'on fui pose des conditions, elle est parfois contraente, cxsanguc. abstraite,
elle
à se rendre aussi sans condition. Oui, - declara, sem ilusões, Derrida - cite se rend,
se vend parfois, elle risque d'être simplement à occuper, à prendre, à acheter, prête à
devenir la succursale de conglomérats et de firmes internationales», (p. 18-19). Neste
contexto, a pergunta que se coloca, que Derrida nesta obra coloca, uma pergunta que, faz
antes
questão de sublinhar, não é apenas do foro económico, jurídico, ético ou político, mas

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Revista FilosOJica de Coimbra - n .° 20 (2001)
480 Revista Filosófica de Coimbra

do foro "ético" - desconstrutivo, é a seguinte: poderá (e como?) a Universidade, voca-


cionada para a verdade e para a invenção, apesar de sem poder, resistir aos poderes que
a desejam apropriar? Como poderá ela afirmar uma independência incondicional, assim
reivindicando «une espèce exceptionnelle de souveraineté», (p. 19), graças à qual logrará
resistir e não capitular diante de todos os poderes que a querem domesticar? No professar
derridiano, a resposta reside na necessidade de bem saber efectivar o princípio de incon-
dicionalidade que a anima. Uma necessidade pela qual, a par do princípio de resistência,
é também necessária urna força de resistência. De dissidência. Mesmo de desobediência
civil. Noutros termos: é preciso que uni tal princípio de resistência incondicional, que
constitui o que o filósofo designa aqui por «loi supérieure» e «justice de Ia penséc» (p. 21),
o próprio registo meta-ético da desconstrução, se traduza, traindo-se sem dúvida, noas
assim se efectivando também, o que aliás ocorre i-t udiulanuvue, em lermos político-
-jurídicos. Uma tradução que, ao nível da Universidade, se manifesta concretamente, e
por exemplo , no repensar vigilante da sua soberania e na rcclaboração de uma outra
política do político (polis) e de moa outra justiça do direito. De facto, esta força de
resistência, a própria efectividade do princípio de resistência, implica a desconstrução da
soberania, do conceito de soberania, tarefa de há muito empreendida por Derrida - veja-
-se, por exemplo, Politiques de l'arnitié , (Galilée, Paris, 1993), Spectres de Marx, (Galilée,
Paris, 1994), Force de loi, (Galilée, Paris, 1994), De l'hospitalité, (Calmann-Lévy, Paris,
1997); Papier Machine, (Galilée, Paris, 2001) e De quoi demain... (Galilée, Paris, 2001).
E dissemos por exemplo porque, na verdade, toda a obra deste pensador se ocupa desta
questão desde a sua primeira letra, e justamente como um singular cultivo da letra, desde
o hoje em dia famoso A mudo da différAnce [cfr. «La parole soufflée» in L'écriture et Ia
diférence, (Seuil, Paris, 1967) e «La différance» in Marges -de Ia plrilosophiej que a
desconstrução derridiana é uma desconstrução-decapitação-dissintinação-substituição da
origem, do fundamento, do princípio, logo da soberania na sua multimodalidade (sub-
jectiva , cidadã, nacional , internacional, ...).
A este nível a desconstrução acompanha a tendência contemporânea da crítica da
soberania que, é sabido, está em franca decomposição: europeização e mundialização são
disso sintomas - revelações . Mas, em razão do ritmo paradoxal que a anima , a desconstrução
da soberania ( que, indispensável , insistimos com o filósofo, está por todo o lado: nos
conceitos de sujeito, de cidadão , de hóspede , de autor- narrador, de liberdade , de respon-
sabilidade, de povo, etc .) não é também a sua destruição pura e simples . É antes a des-
construção da sua filiação e dos seus pressupostos teológicos e humanistas . Como esta
obra reitera , reiterando o registo aporético inerente a esta cena de pensamento , a neces-
sidade da desconstrução da soberania incondicional é, sem dúvida, necessária ( p. 20), mas
uma tal desconstrução não deve significar a sua destruição - antes um velar atento pela
sua reafirmação inventiva . Um velar que desconstrói a sua figura teológico-humanista.
Questão que toca muito particularmente a Universidade - a soberania da Universidade: «il
faut veiller - alerta Derrida - à ce que cette déconstruction nécessaire ( da soberania) ne
compromette pas, pas trop , Ia revendication de l'université à I'indépendance , c'est - à-dire
à une certame forme três particulière de souveraineté », (p. 20). Uma forma muito
particular , com efeito , porque, na linha da sua leitura do político de C. Schmitt em
Politiques de l'amitié, a soberania é, para Jacques Derrida, justamente o inr-poder da
excepção . Excepção que, na cena desconstrutiva significa e resulta do ditame e da inscrição
da incondicionalidade " ética " no registo da condição institucional . Inscrição, in - finita
inscrição, de onde emerge um imenso desafio: um desafio que obriga a decisões e a
estratégias políticas verdadeiramente hiper-responsáveis. Uma inscrição, a do princípio de
incondicionalidade na condicional idade instituída, que deverá ser pensada pela própria
Universidade e, por excelência , nela, pelos departamentos de "Humanidades ". Com efeito,

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Nota de leitura 481

refere esta obra, se, na tormenta que ameaça hoje a Universidade, e nela umas disciplinas
mais do que outras, uma tal força de resistência, uma tal liberdade incondicional de tudo
dizer no espaço público, tem lugar em toda a Universidade, a verdade é que as "Huota-
nidades" são o lugar único e privilegiado para a pensar. De facto, faz Derrida questão de
precisar: se é certo que o princípio de liberdade, de autonomia, de resistência, mesmo de
desobediência ou de dissidência é coextensivo a toda a Universidade, a todo o campo do
saber universitário, a verdade é que o seu lugar de apresentação, de reelaboração e de
discussão temática são as "Humanidades" (p. 22). O que reitera a referência à excelência,
mas também à responsabilidade das Humanidades em desconstrução no seio da instituição
universitária, «- là - sublinha Derrida - oú il ne s'agit de rien de moins que de re-penser
le concept d'homme, Ia figure de l'humanité en général , et particulièrement celle que
présupposent ce que nous appelons , dans l'université, depuis des siècles, les Humanités.»,
(p. 21). As "Humanidades", declara Jacques Derrida, são «par excellence [...] cc lieu de
présentation de soi du principe d'inconditionnalité», (p. 23). Uma excelência a que o
filósofo-escritor tanto apela como justifica, como sempre, pela via de unia leitura sucinta
e atenta da própria história das "Humanidades". Esta história, lembrará, - e é a matéria
do capítulo 11- apesar dos limites que não deixará de lhes anunciar, dá já um voto de
excelência às "Humanidades" pelo lugar que lhes reserva na Universidade.
Evocando esta história, Derrida invoca Kant, o da terceira Crítica, (§ 60), para dar
conta, quer dos limites clássicos tradicionalmente impostos às "Humanidades", por aqueles
mesmos que, paradoxalmente, lhes demonstravam a necessidade, quer para apelar à urgên-
cia de as repensar. O limite, um dos aspectos do limite, revela-se no facto de Kant
reivindicar para as "Humanidades" clássicas o papel de unia mera propedêutico às belas-
-artes, mais do que a sua prática efectiva. Mas, ainda que unia mera introdução às artes,
as "Humanidades" são, defende Kant, da ordem do saber: do saber do que e e não do
que deve ser, é certo. Com a intenção de ir mais longe, Derrida enfatizará porém dois
aspectos da proposta kantiana: por uni lado, o facto de as "Humanidades" serem pers-
pectivadas apenas como uma propedêutica das práticas artísticas ou inventivas, por outro,
o facto de serem ciências.
Sublinhando o primeiro dos aspectos referidos, Derrida notará que, para Kant, as Hunra-
niora deveriam preparar sem prescrever: elas são um ronlreeunenrn preliminar e um estudo
que favorece a comunicação e a sociabilidade legal dos homens. Um estudo que dá o gosto
do sentido comum da luunaniclade (allgerneinen Menschen sinn ). Ou seja, rc-afirma ou lê,
bem herdando, Derrida: para além de um certo humanismo, as Hmnaniora têm, para Kant,
um perfil teórico que manifestamente privilegia o discurso constativo e a fornia "saber":
as "Humanidades" deveriam ser ciências, O esquecido de uma tal tese é justamente o prin-
cípio de incondicionalidade na sua génese e espírito próprios. Pelo que, no estilo do c...c
- nern...nem, inerente ao registo aporético da desconstrução, Derrida vai desconstruir a tese
de Kant: por um lado , e na linha de «Mochlos» (Du droit à Ia philosophie), critica o teore-
tismo da lógica kantiana relativamente às "Humanidades", onde vê uni grave limite. Um
limite que interdita aos humanistas , não só a produção de obras, em sentido desconstrutivo,
como a produção de enunciados prescritivos ou perforinativos em geral. Numa palavra,
por um tal limite não há acontecimento - nem em termos desconstrutivos nem sequer nos
termos da Speech Act Theorv. Logo, não há nem inventividade nem porvir.
Por outro lado, Derrida saúda na mesma lógica kantiana a dignidade outorgada às
"Humanidades" - são ciências! Logo são para ser levadas a sério! As Letras não são, pois,
"tretas", como, às vezes, demasiadas vezes, se ouve dizer! Neste sentido, a mesma lógica
permite a Kant subtrair a faculdade de filosofia - para ele, a faculdade das faculdades de
Letras - a qualquer poder exterior, nomeadamente ao do Estado - ao poder político-
-jurídico -, assegurando-lhe assim uma liberdade incondicional de dizer a verdade - desde

Revista Filosófica de Coimbra - n." 20 (2001) pp. 173-186


482 Revista Filosófica de Coimbra

que, novo limite imposto por Kant, o fizesse dentro da Universidade ! " Comentário" de
Derrida : não é seguro que um tal intuito tenha alguma vez sido, de facto e de direito, obser-
vado . Em todo o caso ele é hoje, nos tempos do ciberespaço , inobservável . E no entanto,
e paradoxalmente , defende Derrida , apesar dos riscos, o espaço académico deve ser
simbolicamente protegido por uma espécie de imunidade absoluta - como se fosse
inviolável! Apesar de todos os riscos - ensimesmamento , torre de marfim , etc., etc. -,
apesar dos riscos de auto - imunidade perigosa e nefasta, «cette liberté ou cette imunité de
l'Université, et par excellence de ses Humanités, nous devons - proclama Derrida - les
rcvcndiquer en nous y engageant de toutes nos forces », (p. 45-46). Uma imunidade graças
à qual será possível à Universidade e, nela, à s "Humanidades " abrirem-se ao exterior sem,
cvn nutda, abdicarem da sua singularidade e da sua singular soberania . Tal é a aposta
derridiana . Tal é o que está em jogo . Uma aposta que, para ser bem compreendida, puxa
ainda outro dos fios que entretecem a obra kantiana : o do «conto se ». Mas, diferentemente
do que se passa quer em Kant [onde o «como se» ( als ob ), estando, embora e nomea-
damente, na génese das obras de arte , (§ 27, 34, 60 ), ainda acredita a separação oposicional
da natureza e da liberdade , ou seja, ainda se mantém no âmbito da condicionalidade onto-
-gnosio-lógica], quer no registo da performatividade da Speech Act Theohy, o «como se»
derridiano é, apesar da aparente condicional idade , ( se), ditado e aberto pelo referido
princípio de incondicionalidade . Ele diz a singular im-possibilidade da incondicionali-
dade, dizendo a sua possibilidade: dizendo a possibilidade da incondicionalidade ético-
- desconstrutiva . Por este outro e diferente « como se» repensa Derrida, por um lado, a ideia
de trabalho e de mundialização , [ cap. III], por outro , a da abertura da Universidade ao
exterior . Notemos sumariamente em que termos.
Pelo primeiro dos aspectos referidos , e à luz deste outro « como se », os cap . II e III
desta obra perscrutam sucintamente , através da sua história , que se confunde com a do
mundo, alguns dos traços que fazem o sentido do "trabalho " ( work, Arbeit , Werk, labor),
distinto da acção e da prática, e de «mundo », a fim de pôr à prova duas teses que,
associadas , circulam hoje como dois lugares-comuns : por um lado , a ideia de «fim dó
trabalho» , por outro , a de mundialização do mundo . A ideia de «fim do trabalho », asso-
ciada à de mundialização , é aqui uma referência , indirecta, a alguns textos de Marx e
Lenine [que viam na redução progressiva do dia de trabalho um processo conducente ao
desaparecimento do Estado ( p. 56)] e, directa , à obra de Jeremy Rifkin, The end of the
work: the decline of the global labor force and the dawn of the post-market era, (G.P.
Putnam ' s Sons, NY, 1995 ). Obra que confessamente se interessa, Derrida cita, «"aux
innovations technologiques et à I'économisme qui nous poussent à l'orée d'un monde sans
travailleurs , ou presque "», (p. 55). Obra que, refere muito justamente Derrida, ilustra uma
espécie de doxa, hoje assaz difundida , a propósito dos efeitos daquilo que o seu autor
designa por «terceira revolução industrial »: a saber, a do ciberespaço, da micro-informática
e da robótica ( p. 57). Sem negar que, por acção da tecnociência , algo de grave se passa e
está em vias de acontecer ao «trabalho », à realidade e ao conceito do trabalho , tanto como
ao de «mundo » e ao estar- no-mundo do que ainda se chama homem ; sem negar que isto
que se passa vai no sentido de uma certa mundialização , ( p. 58), mas duvidosa de que
isto que se passa esteja, de facto, na origem de uma terceira revolução , - certa, no entanto,
da inexistência de uma quarta zona para dar trabalho aos desempregados do mundo
mundializado ( p. 57) -, a ironia oblíqua, incondicionalmente lúcida e triste , de Derrida,
não só se interroga acerca das consequências que um proclamado «fim do trabalho » traria
à Universidade , como das que tragicamente traz para uma larga franja da humanidade
vítima, tanto da capitalização do mundo, quanto da inflação ideológica daqueles que a
pensam e a põem a circular em conceitos apressados e mal talhados - tais como os de «fim
do trabalho » e de «mundialização », por exemplo. Desta, de novo , mais uma vez de novo,

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Nota de leitura 483

Derrida chama a atenção para os seus contratempos, desvios, heterogeneidades e desi-


gualdades, criticando duramente os que os esquecem: «ils tentent alors - denuncia Derrida -
de faire oublier les zones du monde, les populations, les nations, les groupes, les classes,
les individus qui, massivement, sont les victimes exclues de ce mouvement dit de «fin du
travail» et de «mondialisation». Ces victimes souffrent ou bien parce qu'elles manquent
d'un travail dont elles auraient besoin ou bien parte qu'elles travaillent trop pour le salaire
qu'elles reçoivent en échangent sur un marché mondial si violemment inégalitaire. Cette
situation capitalistique [...] est plus tragique en chiffres absolus qu'elle ne ]'a jamais été
dans l'histoire de l'humanité. Celle-ci n'a peut-être jamais été plus loin de l'homogénéité,
mondialisante ou mondialisée, du "travail" et du "sans travail" là oìh elle voudrait du travail,
plus de travail. Une part de l'humanité a trop de travail Ià oú elle voudrait en avoir moins,
voire en finir avec un travail aussi mal payé sur ]e marché», (p. 59-60). Ideia que, demons-
tra Derrida a partir de uma obra de Jacques Le Goff, Un autre moyen âge, não é assim
tão nova. Com efeito, observa Derrida referindo esta obra, em pelo séc. VI já coexistiam
as reivindicações pelo aumento e pela redução do dia de trabalho. Quer dizer, já então se
manifestavam as premissas de um direito do trabalho e de um direito ao trabalho tais como
posteriormente a Declaração dos Direitos do Homem os subscreverá: «Ia figure de
1'humaniste, c'est aussi une réponse - nota Derrida - à Ia question du travail...», (p. 61).
O humanista é justamente aquele que, na teologia do trabalho que domina a época, começa
a laicizar o tempo do trabalho e o emprego do tempo monástico. Laicização que se mani-
festa, quer na classificação tripartida que, desde os séculos IX e X1, dividia a sociedade
em três ordens - oratores, bellatores e laboratores - quer, assim demonstrando que a
unidade do mundo do trabalho, face ao da oração e da guerra, não durou muito tempo, na
própria hierarquia dos ofícios: nobres ou vis, lícitos ou ilícitos (negocia illicita, opera
servilia), (p. 62). E, sublinhando a referida falta de unidade entre o inundo do trabalho,
da oração e da guerra, Le Goff descreve depois o processo que, no século XII, dá origem
a uma ((teologia do trabalho» e à transformação do esquema tripartido (oratores-belletores-
-laboratores) em esquemas mais complexos, facto que se explica, nota Le Goff e sublinha
Derrida, pela diferença crescente das estruturas económicas e sociais, devida ao efeito da
crescente divisão do trabalho, (p. 63). No século XII e XIII aparece então o «ofício escolar»
na hierarquia dos scolares e dos magistri, que será o prelúdio das Universidades. Abelardo,
por exemplo, ver-se-á obrigado a escolher entre litterae e arinae: sacrificará a «pompa
niilitari gloriae au studium litterarum», (p. 63), sem, no entanto, deixar de exercitar esta
mesma pompa nas suas Disputationes! E que a dialéctica é um verdadeiro arsenal bélico
e as Disputationes o campo de verdadeiros combates. Razão pela qual Derrida assinala a
emergência da profissão de professor, em sentido estrito e distinta da de trabalho e de
emprego, neste momento, altamente simbólico, em que Abelardo assume a responsabilidade
de responder à injunção: «tu eris ntagister in aeternurn», (p. 63). «Au XII et au XIII sièclc,
Ia vie scolaire devient un métier (negocia scholaria). On parle alors de pecunia et laos
pour définir ce qui récompense le travail, Ia recherche de nouveaux étudiants et de savants.
Le salaire et Ia gloire articulent entre eux le fonctionnement économique et Ia consciente
professionnelle», (p. 64). Lição a retirar: o professor, qualquer professor mas o de filosofia
em primeiro lugar, é aquele que, antes de mais, quer dizer, antes de qualquer saber, antes
de qualquer competência e da sua justa remuneração, está obrigado a responder à injunção
do princípio de incondicionalidade - está sob a sua Lei. Diante dela responderá, por ela
responderá. A mesma lei que dita a responsabilidade incondicional de bem se velar pelo
direito ao trabalho, assim pensando a ideia de «fim do trabalho»: estudando a história do
"trabalho" e denunciando os pressupostos da ideia de «fim do trabalho» que estão, hoje,
na raiz de tantos trabalhos...

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484 Revista Filosófica de Coimbra

O mesmo princípio de incondicionalidade está também na origem da aconteci-


mentalidade gerada pelas "Humanidades ", a qual está na origem, não só da sua produção
inventiva, da produção de obras pela parte daqueles que as professam , como na origem
do porvir da própria instituição universitária . Na origem da sua abertura tanto ao porvir
como ao exterior . É, de facto , este princípio que, articulando o porvir da Universidade
com o das próprias " Humanidades ", constitui o liame da Universidade com o espaço
público - um novo espaço público transformado pelas novas tecnologias de comunicação,
informação , arquivo e produção do saber. É ele que giza a abertura i-mediata tanto das
"Humanidades " quanto da Universidade ao exterior . Antes e independentemente do seu
querer, do seu poder e do seu saber, ele é o veículo que as transporta , sem cedências da
sua parte, isto é e insistimos, sem abdicação da sua exigente e inalienável singularidade,
para o espaço publico, deslocando consigo o próprio espaço universitário, menos do que
nunca confinado à sua torre - de marfim ou outra . Ou seja, mostrando a contaminação e,
portanto, a transversal idade do espaço universitário com o público . Mostrando , em suma,
que, sem perder a sua singularidade e a sua excepcional soberania, a Universidade é, por
essência , por estrutura e vocação , um espaço aberto - aberto ao exterior , à invenção e ao
amanhã . Aberto ao exterior pelo próprio exterior ( em si) que excepcionalmente a institui
ou des-re-constrói : « c'est là que l'université est dans le monde qu'elle tente de penser.
Sur cette frontière elle doit donc négocier et organiser sa résistance . Et prendre ses res-
ponsabilités . Non pas pour se clore et pour reconstituer ce fantasme abstrait de souveraineté
[...] Mais pour résister effectivement , en s'alliant à des forces extra - académiques, pour
opposer une contre-offensive inventive, par ses oeuvres , à toutes les tentatives de réappro-
priation, [ ...] à coutes les autres figures de de Ia souveraineté .», (p. 78).
Como, de novo , esta obra do filósofo vem lembrar, o desenvolvimento acelerado das
novas tecnologias de virtualização e de deslocamento (e dizemos desenvolvimento acele-
rado das tecnologias [ para esta questão Écographies , Galilée, Paris, 1998] porque é esta
aceleração que, hoje , é nova , uma vez que há virtual a partir do momento em que há
inscrição ou rastro [trace], isto é , desde sempre: é o abc da desconstrução ! O que significa
que o virtual não se contrapõe , simplesmente , a não ser metafisicamente , claro, ao real e
ao possível - impossível ...), o deslocamento acelerado das novas tecnologias , dizíamos,
acarreta o deslocamento também acelerado , a locomoção [loco-comoção ] da tradicional
topologia universitária . Não apenas a locomoção dos seus campos e fronteiras discipli-
nares , como a dos seus lugares de discussão e a da estrutura comunitária do seu «campus»:
«Oú se trouvent aujourd ' hui le lieu communautaire et le lien social d'un "campus ", à l'âge
cyberspatial de l'ordinateur , du télétravail et du WWWeb? -pergunta Derrida . Od l'exer-
cice de Ia démocratie [...] a-t-il son lieu dans ce que Mark Poster appelle Ia "Cyber-
Democracy "», ( p. 26). Ora, um tal deslocamento , sintoma e do desejo de perfectibilidade
e de progresso democrático da universidade - a derridiana universidade sem condição é
uma instituição , não apenas desejosa da sua perfectibilidade , como da sua exigente
democraticidade ! - é obra do que, cultivando-a, as "Humanidades " cultivam e, nestas,
muito especificamente daquilo que se designa , no sentido europeu e moderno do termo,
por Literatura « comme droit de tout dire publiquement , voire de garder un secret, fút-ce
sur le mede de Ia fiction .», ( p. 17). Girando em torno da referida incondicionalidade,
guardando - a e cultivando - se no cultivo dessa guarda , a Literatura , a instituição democrática
que se chama Literatura é aqui, com a desconstrução , o lugar a partir do qual, na própria
Universidade , a questão da universidade e a do professor se abre à exterioridade do que
vem, assim se abrindo ao porvir. « Pourquoi lier [...] - pergunta -se Derrida - ( des Humanités
transformés ) non seulement à Ia question de Ia littérature , de cette institution démocratique
qu'on appelle Ia littérature, ou Ia fiction littéraire, à un certain simulacre et à un certain
"comme si", mais à Ia question de Ia profession et de son avenir ? C'est que, - responde -

pp. 473-486 Revista Filosófica de Coimbra - n.° 20 (2001)


Nota de leitura 485

à travers une histoire do travail, qui n'est pas simplement ]e métier, puis du métier qui
n'est pas toujours Ia profession, puis de Ia profession, qui n'est pas toujours celle de
professeur, je voudrais relier cette problématique de I'université sans condition à un gage,
à un engagement, à une promesse, à un acte de foi, à une déclaration de foi, à une
profession de foi. Dans l'université, cette profession de foi articule de façon originale Ia
foi au savoir, et par excellence dans ce lieu de présentation de soi du principe
d'inconditionnalité qu'on surnommera les Humanités.», (p. 23). Um princípio de incondi-
cionalidade que, limite da Universidade na própria Universidade, dita as 7 hipó-teses que,
quais 7 mísseis enviados por Derrida à Universidade moderna, inspiram e redigem esta
obra e que, de modo telegráfico o seu IV e último capítulo precipita. Anotemo-las.
Dizendo-as todas programáticas, o nosso filósofo-professor-escritor precisa, no en-
tanto, que 6 dessas "teses" têm um valor formal de recapitulação, enquanto que a sétima,
que, adverte, não é sabática ou dominal como acontece na Cidade de Deus agostiniana,
pois, porque ditada pelo princípio de incondicionalidade ética não porá fim "aos trabalhos"
do trabalho, tentará o passo para além delas em direcção à vinda insuspeita e inesperada
de um acontecimento por vir, onde se compromete a responsabilidade incondicional de
cada um/a - de cada professor/a, do/a professor(a) de filosofia antes de qualquer outro e
presente em todo e qualquer outro e, em primeiríssimo lugar, do professor(a)-des-
construtor(a). Sob o ditame da sétima "tese", aquela que (nos) apela ao trabalho e (nos)
lança num registo do acontecimento que excede o «conto se» do acontecimento per-
forniativo, Derrida traça o perfil sinuoso das Novas H nnanidades ditando-lhes as tarefas:
- «hipó-tese 1: «ces nouvelles Humanités - proclama - traiteraient de l'histoire de
I'homme, de l'idée de I'homme, de Ia figure et du "propre de I'hommc"», (p. 68). Estudo
que levaria a cabo a desconstrução dos binarismos oposicionais pelos quais, desde sempre,
o dito próprio do homem se determina, em particular o da oposição tradicional do vivente
dito humano e do vivente dito animal. Uma tarefa tendencialmente in-finita que
os poderosos petforntativos jurídicos que escandem a história moderna da humanidade do
homem e de entre os quais, pela urgência, Derrida salienta dois: por um lado, a declaração
dos Direitos do Homem (cuja designação já diz tudo acerca da sua proveniência e dos
pressupostos que subjacentemente a animam), por outro, o conceito de «crime contra a
humanidade», (p. 69).
- «hipó-tese 2: «ces nouvelles Humanités traiteraient [... [ - declara - de I' histoire de
Ia démocratie et de I'idéc de souveraineté, c'est-à-dire aussi. bico súr, des conditions ou
plutôt de l'inconditionnalité dont on sappose [...] que i'université, et en clle les Humanités,
en vivent.», (p. 69). A desconstrução do conceito de soberania atingiria, não apenas o
direito internacional, como os limites do Estado-nação, atingindo a conceptual idade dos seus
discursos jurídico-políticos, toda ela redegida em torno do sujeito ou do cidadão, (p. 70).
- «hipó-tese 3: «ces nouvelles Humanités traiteraient [...] - declara - de ('histoire du
"professer", de Ia "profession" et du professora(.», (p. 70). Uma história redigida, sublinha
Derrida, pelos pressupostos abraâmicos, bíblicos e, sobretudo, cristãos, do trabalho e da
confissão mundializada, mesmo onde ela se eleva para além da soberania do chefe de
Estado, do Estado-nação ou, em democracia, do "povo".
- «hipó-tese 4: «ces nouvelles Humanités traiteraient [...J de i'histoire de la littérature.
Non seulement - nota Derrida - de ce qu'on appelle couramment histoire des littératures
ou Ia littérature même, avec Ia grande question de ses canons [...] mais l'histoire du concept
de littérature, de ses liens aves Ia fiction et Ia force periormative du —comine si", de son
concept d'oeuvre, d'auteur, de signature, de langue nationale, de son lieu avec le droit de
tout dire...» , (p. 71).
- «hipó-tese 5: «ces nouvelles Humanités traiteraient [...] de ('histoire de Ia profession,
de Ia profession de foi, de Ia professionnalisation et du professorat.», (p. 71). O fio

Rerisla Filosójiica de Caimhra - n." 20 (200/) pp. 473-486


486 Revista Filosófica de Coimbra

condutor, sugere Derrida, poderia ser estudar o que se passa quando a profissão de fé, a
profissão de fé do professor, dá lugar, não apenas àquilo a que deve dar, a saber, ao
exercício competente de um saber no qual se tem fé, isto é, à aliança clássica do constativo
e do performativo, mas a obras singulares, a assinaturas, que são acontecimentos e que
afectam, sem destruir, os próprios limites do campo académico. Derrida e a heterogenei-
dade da sua obra imensa, e imensa justamente porque cultivada na fronteira que faz tremer
todas as fronteiras, são aqui o "exemplo-singular". O exemplo singular do professor que
falta - que faz falta...
- «hipó-tese 6: «ces nouvelles Humanités traiteraient donc enfin [...] de l'histoire du
"comme si" et surtout de I'histoire de cette précieuse distinction entre actes perfonnatifs
et artes constatifs 1...j 11 faudra hien [...1 étudier l'histoire et les limites de cette distinction
si décisive...», (p. 72).
- «hipó-tese 7: Perscrutar a vinda do que vem, segundo o princípio de incondicio-
nalidade, desconstruir a autoridade que, na Universidade e nas Humanidades, se dá a) ao
saber, ou pelo menos ao seu modelo de linguagem constativa; b) à profissão ou à profissão
de fé (ou pelo menos ao seu modelo de linguagem performativa; c) e ao operar do "como
se" performativo. Um perscrutar que é a cena da desconstrução como pensamento do
talvez, do acontecimento e do porvir.

Dizendo a incomensurável responsabilidade da Universidade pelo seu próprio destino


e pelo do mundo de amanhã, dizendo a responsabilidade da desconstrução na Universidade,
esta obra de Jacques Derrida, A universidade sem condição, afigura-se-nos por tudo isto
uma obra de leitura obrigatória para todos aqueles que têm responsabilidades pelos destinos
da Universidade, das Faculdades de Letras e Humanidades, da profissionalização e, em
geral, da cultura. Por todos quantos, professores ou não, têm entre mãos a inquietante
missão de bem velar pelo "humano" bem velando pelo amanhã.
E porque o apelo derridiano é também um voto, proclamemos com ele: Que vivam
as "Humanidades"!... Que viva a Universidade graças às "Humanidades"!. Que viva a Uni-
versidade graças às Humanidades em desconstrução! ...E porque imensa é a tarefa, longa,
longa vida à desconstrução!...

Fernanda Bernardo

pp. 473-486 Revista Filosófica de Coimbra - n.° 20 (2001)


RECENSÃO

Henrique Jales RIBEIRO, Para Compreender a História da Filosofia


Analítica, Minerva Editora , Coimbra, 2001 . [147 pp.]

Nenhuma corrente da denominada " filosofia continental " poderia pretender pensar hoje
com a mesma liberdade perante a sua própria história que caracterizou muitas das suas
obras clássicas. A "filosofia continental" floresce na interpretação e reinterprelação da sua
história e no comentário, filológica e conceptualmente sempre mais aperfeiçoado, dos seus
clássicos. Apesar da importância desse trabalho, que constitui muitas vezes sem dúvida
pensamento filosófico genuíno, e que se pode alicerçar numa ontologia hermenêutica
apenas recentemente desenvolvida, a situação actual desta filosofia desperta também o
sentimento de que a sua época clássica ficou para trás, pelo menos até alguma imprevisível
renovação. Neste contexto, um motivo importante da atracção que a denominada filosofia
analítica pode exercer sobre o pensamento filosófico formado noutras tradições é o carácter
presente da sua discussão.
Na verdade, não sabemos ainda como, ou se é possível, mediar estes dois campos
filosóficos. Por um lado, temos uma filosofia acusada por vezes de incapacidade de
enunciar ou fundar rigorosamente uma tese positiva, senão por via da citação de clássicos,
e de se esgotar na repetição da sua história passada. Por outro, um pensamento
tendencialmente anistórico (cf. 46), acusado de repetir argumentos cuja história ignora
(v. e.g. 19), de apresentar como descobertas teses já conhecidas há muito na história da
filosofia, ou de não saber integrar seriamente o riquíssimo conteúdo que o conhecimento
e a reflexão da história da filosofia, da história em geral ou da literatura podem trazer para
as diferentes áreas do pensamento.
O presente livro de Jales Ribeiro traz um importante contributo para a definição das
relações entre estes dois campos filosóficos. Uma vez contornada a relativa dificuldade
que possam apresentar noções como "proto-história", "meta-história", meta-filosofia",
"reconstrução histórica" ou "reconstrução racional", esta obra prende o leitor - e o pensador -
da primeira à última página, com o interesse de um romance histórico, cujas personagens
são as diferentes escolas da filosofia analítica, e cujo enredo é a sua posição em relação
à sua própria origem intelectual. Jates Ribeiro mostra como as diferentes versões que a
filosofia analítica elaborou para a sua própria origem e história, são um reflexo de pro-
fundas diferenças que atravessam a filosofia analítica. São assim evidenciadas divergências
que não se podem resumir a diferentes conclusões ou teses, discutidas, ou discutíveis dentro
dum fundo filosófico comum, mas que se assemelham muito mais a diferenças sobre a
própria natureza da filosofia analítica, dos seus objectivos e métodos. Tais divergências
patenteiam-se em filósofos ou correntes que são simplesmente referidas, ou abordadas de
modo mais prolongado, especialmente Russel (cf. 97ss.), o Círculo de Viena (36ss.), a

Rerisia Filosófica de Coimbra-n." 20 (200/) pp. 487-490


488 Revista Filosófica de Coimbra

filosofia da linguagem corrente (cf. 84-85), Dummet (51ss.) e Rorty (62ss.), mas também,
e.g., Brentano, Frege, Moore, Wittgenstein, Carnap, Ayer, as denominadas "Escola de
Cambridge" (cf. 92, 119) e "Escola Americana", com Quine ou Putnam (cf. 94), bem como
produções mais recentes dos anos noventa (120, 124s.). Referidos são também autores
como Popper, Kuhn ou Feyerabend.
O autor mostra que a relatividade que resulta desta diversidade de perspectivas, não
é sentida somente pelo historiador, ou pelo observador exterior, mas também pelas próprias
escolas e correntes em questão. Uma tese central da obra é então que a posição destes
autores relativamente ;à sua própria história e génese é determinada por uma necessidade
dc justificação ou de unifuaçdo de correntes ou escolas filosóficas (cf. 36, 37, 128-129),
As diferenças acerca da história da sua origem assume um carácter normativo (cf. 131),
subordinado, antes de mais, ao interesse de cada autor e de cada escola em definir a
"prática analítica genuína" (27, 39, 128), com exclusão das outras.
Assim, a dissensão, que conduz a concepções duma história da filosofia analítica
incompatíveis entre si, poderiam exemplificar-se copiosamente. Russel, e.g., chegou a
"exclui[r] expressamente a sua própria filosofia do campo mais geral da filosofia da
análise" (100), opondo-se tanto à filosofia do Círculo de Viena, quanto à filosofia da
linguagem corrente (101, 110). Esta última tendência era por ele considerada como o
paradigma filosófico diametralmente oposto ao seu (cf. 99, 113). Russel incluía, pelo
contrário, numa corrente filosófica com objectivos aparentados aos seus, autores como
Moore e Whitehead e, talvez surpreendentemente, Husserl, (102). A "filosofia do Círculo"
(31), bem como a denominada filosofia da linguagem corrente, por sua vez, partilham da
perspectiva essencialmente "anistórica" da filosofia (98). Quanto à sua história, a filosofia
da linguagem corrente assume apenas a ruptura com Russel (46, 90) e com o Círculo de
Viena (45) e, no período dos anos cinquenta e sessenta, um só autor, a saber Ayer, assume
uma perspectiva histórica quanto à origem da filosofia analítica, fazendo-a remontar à
"tradição empirista britânica", com Locke, Hume, Moore, Russel e Wittgenstein (33, 38).
Num período mais tardio, Rorty e Dummett, por sua vez, "vêem o começo da filosofia
analítica na filosofia de Frege, emparceirando a de Russell [...1 com a „tradição cartesiana"
em filosofia" (26, cf. tb. 126). Mas, pelo contrário, observa Jales Ribeiro, "o nosso conceito
histórico actual de filosofia analítica [...] nos leva 1...1 a integrar aí de uma forma ou de
outra, quer Frege e Russel, quer o positivismo lógico em geral" (50).
Segundo esta última definição pertencem então, e.g., à filosofia analítica tanto a tese
geral da "redução linguística" dos problemas filosóficos, típica, e.g., de Wittgenstein e da
filosofia da linguagem corrente, quanto a sua oposta, defendida por Russel: "como ele [sc.
Russel] dirá, a linguagem só significa propriamente porque está em relação com o mundo"
(110). Do mesmo modo, as posições podem variar entre o particularismo e o ensaismo de
Russel (106), por um lado e, por outro, as pretensões sistemáticas presentes em Dummett
(54n., 118) ou também no "Círculo de Viena", com Neurath (129). Ou ainda, e.g., na
filosofia analítica tanto podem caber o fundacionalismo ou a problemática epistemológica
de Russel e Carnap (56) quanto os objectivos simplesmente terapêuticos de Wittgenstein.
Dentro deste contexto de relativização histórica duma filosofia que se pretende muitas
vezes anistórica, parece da maior importância a posição de Rorty (cf. 75), que considera
que a filosofia analítica, por não se ter sabido libertar da "problemática epistemológica"
e fundacionalista (66), ficou condenada ao fracasso e "a uma morte inevitável, a prazo"
(64). Assim, "o movimento analítico em geral esgotou todas as possibilidades históricas
do seu desenvolvimento enquanto tal ("analítico"), evidenciando com a sua morte, ao
encontro das filosofias de Wittgenstein, de Dewey, de Heidegger e da hermenêutica, o fim
da própria filosofia no seu conjunto" (67-68). A filosofia analítica seria então, segundo
Rorty, uma expressão histórica do fim da filosofia.

pp. 487 - 490 Revista Filosófica de Coimbra - n.° 20 (2001)


Recensão 489

Perante a impossibilidade de definir uma só prática analítica, quer a partir duma


tradição unívoca, quer "metodologicamente" ou ainda "problematicamente", parece restar
a possibilidade de defini-la, de acordo alguns autores recentes, de modo mais modesto
apenas a partir da "importância dada à argumentação e à justificação" (123). Mas é claro
que o critério é por demais permissivo, e "torna aparentemente „filósofos analíticos" uma
parte substancial dos adversários declarados da filosofia analítica" (125). Nesta perspectiva,
é inevitável que a "tradição" deixe de poder desempenhar qualquer função normativa, e
de poder propor alguma " proto - história" legitimadora (124, cf. 132).
Dado este panorama, a obra defende algumas conclusões, que serão sem dúvida
polémicas dentro e fora do campo filosófico analítico. (1) Assim, a filosofia analítica não
é anistórica, ao contrário do que se possa pensar (139). (2) Por outro lado, "o conceito de
„filosofia analítica" é tão discutível quanto o conceito (hoje quase fora de moda) de
„filosofia continental"" (10-11). (3) Em terceiro lugar, não há verdadeira justificação
filosófica, ou histórica, para a "autonomia e independência" das duas "tradições" (8, 21).
(4) É defendida mesmo uma "complementaridade" entre as duas tradições (143). (5) Deverá
também observar-se que, após um longo período de recusa, verifica-se uma reabilitação,
na filosofia analítica, da problemática epistemológica e ontológica (142). (6) E por fine,
é defendida a tese de que ''a crítica anti-positivista dos filósofos analíticos (Quine, Palram,
Feyerabend e outros) tornou perfeitamente evidente para a comunidade analítica a natureza
essencialmente metafísica das concepções filosóficas em geral" (20). Em consequência, a
filosofia analítica "perdeu a bandeira da luta contra a metafísica" (2).
O efeito fortemente relativizador duma panorâmica histórica do desacordo entre
diferentes escolas e pensadores é indcsmcntível. E este livro mostra que isso não é um
exclusivo da filosofia dita "continental". Antes de se poder "reformular decisivamente os
termos do debate entre a "filosofia analítica" e a "filosofia continental" " (9), será
necessário, porém, esclarecer algumas dúvidas cm relação a estas conclusões, dúvidas que
valem aliás, tanto para o quadrante analítico quanto para o quadrante continental. Scrí
possível derivar a relatividade de um dado método, conhecimento, teoria ou escola
filosófica apenas a partir da sua inserção histórica? Não será necessário questionar os
problemas também independentemente da sua história, para aferir da validade das soluções
propostas?
Este notável opúsculo de Jales Ribeiro, que consegue juntar de modo invulgar o rigor
à síntese, é uma importantíssima peça para a necessária mediação entre duas práticas
filosóficas que se mantiveram até aqui quase sempre numa indiferença hostil. A discussão
das suas teses será esclarecedora para as duas tradições.

Diogo Ferrer

Reviria Filosófica de Coimbra - n." 20 (200/) pp. 487-490


FICHEIRO DE REVISTAS

Adef - Buenos Aires - XVI (2001):


N.° 1: Editorial: Decisión v realidad (7); P. A. Fernández Ugarte: Signo v
reniisión en Ser y Tiempo (§ 17) (11-25); C. Norris: Las 'multiplas caras' del
realismo: referencia, significado v cambio de teorias (27-56); D. Emanuel
Machuca: La substancia v el yo en Descartes (57-75); G. Boehme: Sobre Ia crítica
de Ia economia estética (79-91); P. Kouba: 'Los buenos europeos': La con-
tribución de F Nietzsche a Ia actual discusión sobre Ia integración europea
(97-100); S. Schwarzbocck: Ni pasiones ni política: el problema de la sobera-
nía en Sade (101-110); C. Cowley: Experimentación v pérdida de valor: La
moderna oscuridad de lo espiritual (111-126). Dossicr: Obscenidad v pensamiento
crítico 1 (129-149). Entrevista. Comentários bibliográficos.

Cadernos de Filosofia - Lisboa - 8 (2000):


M. Cooke: Verdade e Significado na Pragmática Habermasiana (9-42);
I. S. Morgado: Comentário ao Ensaio "Haberinas's Pragmatic Theor.v of Mean-
ing" (43-45); R. S. da Silva: Holismo, Pragmatismo e Hernrenêutica (47-79).
Recensão. Informações.

Les Études Philosophiques - 2001:


N.° 1: Politique et spéculation dans l'idéalisme allemand: H. F. Fulda: La
théorie kantienne de Ia séparation des pouvoirs (3-18); V. de Figueiredo: Le souci
de Ia réalité dans Ia poltique kantienne (19-29); F. Fischhach: La pensée politique
de Schelling (31-48); G. Duso: La philosophie politigue de Fichte: De Ia forme
juridique à Ia pensée pratique (49-66); K.-O. Apel: La relation entre Ia morale,
droit et démocratie. La philosophie de J. Haberrnas jugée du point de vue d'une
pragmatique transcendantale (67-80); M. Dufour: Comparaison de l'activité
d'immobilité et du repos en 'Ethique à Nicomaque VII, 15, 1154b 21-31 (81-107).
Étude critique.

N.° 2: Merleau-Ponty. Le philosophe et les sciences humaines: E. Bimbenct:


Présentation (145-149); R. Barbaras: Merleau-Ponte et Ia psvchologie de Ia

Revista Filosófica de Coimbra - mi." 20 (2001) pp. 491-4922


492 Revista Filosófica de Coimbra

Forme ( 151-163); F. Worms: 'Signes ' entre ' Seus et non-sens '. Philosophie , scien-
ces humaines et politique dans l'oeuvre de Merleau-Ponty ( 165-183 ); J.-C.
Monod : Du 'rnarxisnte ivéberiert ' au 'nouveau libéralisme ': Weber dans 'Les
Aventures de la dialectique ' ( 185-201 ); P. Corcuff : Merleau - Pont'v ou l ' anahvse
politique au défi de l'inquiétude tnachiavélienrte ( 203-217 ); X. Guchet : Théorie
du liem social, technologie et philosophie : Sirnondon lecteur de Merleau-Ponty
(219-237); E. Bimbenet : ' La chasse sans prise ': Merleau - Ponty et le projet d'une
science de 1'itonune sans l'honune ( 239-259 ); M. Villcla-Petit : ' Qui voit?' Do
privilè,t; e de Ia pcinntre ehe;. Maurice Merleau-Ponte ( 261-278).

Revista Portuguesa de História do Livro - Lisboa - 111 (2000):


N.° 7: J.A. dos S. Alves: Os livreiros Rolland na feira de S. João em Évora:
um rol de 1792 (9-23); J. A. Oliveira: Itinerários de uma biblioteca privada
portuguesa (séculos XVIII-XIX) (25-48); M. O. Ramos: A oficina do Arco do Cego
e a sua 'memória' na Impressão Régia (49-86); M. B. Domingos: Herculano e
os Bertrand: alguns inéditos (87-118); A. Anselmo: A gravura de madeira no
século XIX: 'O Panorama' e o 'Archivo Pittoresco' (119-134); W. Vogler: Inácio
de Loyola e os Jesuítas em St. Gallen (137-144); J. A. M. Ferreira: Oficina
Álvares Ribeiro: unta dinastia de editores, papeleiros, impressores e livreiros no
Porto no século XVIII (145-184); R. Canaveira: A tipografia romântica, as
gráficas artísticas e outros escritos (185-211).

Revue Philosophique - Paris - 126 (2001):


N.° 1: Rationalité et Automatisme: D. Forest: Fatigue et normativité (3-25);
T. Gontier: Le corps humain est-il une machine? (27-53); D. Leduc-Fayette: Les
'esprits forts' au 'Grand Siècle' (55-60); E. Faye: Dieu trompeur, mauvais génie
et origine de l'erreur selon Descartes et Suarez (61-72). Analyses et comptes rendus.
N.° 2: Hume: F. Brahami: Hume (147-148); A. Auchatraire: Espèces et opé-
rativité de Ia fiction dans Ia pensée de David Hume (149-168); F. Brahami:
La généalogie du moi dons Ia philosophie de Hurne (169-190); C. Gautier: Les
usages de l'histoire et Ia théorie politique chez Hunte (191-212); E. Le Jallé: La
science de la nature humaine de Hurne: un ernpirisme autorégulé (213-230).
Analyses et comptes rendus.

Revue Philosophique de Louvain - Louvain-la-Neuve - 99 (2001):


N.° 1: M. Morais: La pertinence du souverain bien au seira de Ia morale
kantienne (1-25); Y. Corbeil: Les deux angoisses d'Etre et Temps' et l'Unbe-
deutsamkeit' (26-45); A. Mazzìt: Syntaxe motrice et stylistique corporelle. Réfle-
xions à propos du scgématisrne corporel chez le prentier Merleau-Ponty (46-72);
A. Clair: Exister en caractére. Au príncipe de Ia vie éthique (73-98); O. Perru:
Modèles en sciences du vivam (99-114). Comptes rendus. Notes bibliographiques.
Chroniques.

pp. 491-492 Revista Filosófica de Coimbra - a.° 20 (2001)


ÍNDICE 2001

Artigos

Alexandre Franco de Sá - Soberania e poder total . Carl Schmitt


e uma reflexão sobre o futuro ..................................................... 427

Amândio Coxito - Pedro da Fonseca: A teoria da suposição e o


seu contexto escolástico ............................................................... 285

Evelyne Guillemeau - La substance spinozienne , condition d'im-


possihilité de la Création ............................................................ 149

Fernanda Bernardo - A ética da hospitalidade ou o porvir do cos-


mopolitismo por v i l

Gilbert Vincent - L'hermeneutique du patir et chi .souffrir dans la


philosophie de 1'action de P. Ricoeur ........................................ 163

Henrique Jales Ribeiro -A "Síntese Leihniz lana " da teoria da


ciência na segunda metade do séc. XIX: de Leonardo a Antera
(1. ° parte) ...................................................................................... 93

João Maria André -A actualidade do pensamento de Nicolau de


Cusa: A "douta ignorância " e o seu significado hermenêutico,
ético e estético .............................................................................. 313

Mário Santiago de Carvalho - O que significa pensar ? Henrique


de Gand em 1286 e os horizontes da problemática monopsi-
quista : "Contra fundamenta Aristote lis "? ................................. 69

Miguel Baptista Pereira - O século da hermenêutica filosófica:


1900 - 2000 ..................................................................................... 3
- A crítica do nazismo na hermenêutica filosófica de H.-G.
Gadamer ................................................................................... 227
Crónica ................................................................................................ 461

Obras enviadas à Redacção .............................................................. 211

Nota de Leitura ................................................................................... 473

Recensão ............................................................................................. 487

Ficheiro de Revistas .................................................................... 213, 491


Execução gráfica
da
TIPOGRAFIA LOUSANENSE, LDA.
Depósito legal n.° 51135/92

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