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Pedro II Falava Fluentemente Hebraico

D. Pedro II Falava Fluentemente Hebraico

Written By Jorge Magalhães on 29/11/2008 | 11/29/2008

Prof. Shlomo Haramati

D. Pedro II, imperador do Brasil de 1841 a 1889, era conhecido por sua vasta cultura e
ampla gama de interesses, dominando diversos idiomas inclusive o hebraico.
Segundo o semanário HaMaguid (O Anunciador), o primeiro a ser editado na Europa na
língua hebraica, “as línguas européias D. Pedro falava e escrevia com desenvoltura, e

também conhecia bem o hebraico”.


Houve sempre, por parte do imperador brasileiro, profundo interesse em assuntos de
cultura geral e científica e extrema dedicação ao estudo de idiomas.
Participava de diversas academias de ciências e letras, tendo sido eleito membro da
Academia Francesa e tornando-se imortal.
Continua HaMaguid: “Era membro ativo de diversas sociedades científicas na Europa e
foi eleito para a Liga dos Quarenta Sábios, em Paris”.
Ainda jovem, D. Pedro II demonstrou especial interesse pela língua hebraica, a qual
estudou durante toda a sua vida com afinco, com o auxílio de rabinos e professores
judeus em sua pátria e também no exterior.
Há diversos testemunhos quanto ao excelente domínio da língua hebraica a que chegou
D. Pedro, incluindo fala fluente e redação criativa.
Segundo o próprio D. Pedro, seu primeiro professor foi um judeu sueco chamado
Akerblom.
Após a morte deste, estudou o imperador com o Dr. Heining, falecido em 1888.
O Dr. Koch também é lembrado como um de seus professores de hebraico.
A partir de 1886 estudou D. Pedro com seu assistente de pesquisas, Dr. Christian
Seybold, que era também professor de línguas orientais.
Com ele estudou também árabe, com o objetivo, segundo seu próprio comentário, de
entender melhor o hebraico e também capacitar-se a ler a literatura árabe no original.
Seu apego à língua hebraica foi interpretado como uma forma de compensar os atos de
crueldade cometidos por seus antepassados, reis de Portugal, durante a Inquisição, e
também motivado por sua vontade de ler a Bíblia no original.
Contam que certa vez encontrou D. Pedro, nos jardins do palácio, uma Bíblia em
hebraico que havia sido perdida por um pastor protestante.
Esta descoberta provocou em D. Pedro forte emoção, a ponto de levá-lo a tomar a
decisão de estudar hebraico.
Estudou D. Pedro o hebraico durante toda a sua vida, e quando foi deposto pelos
republicanos em 1889 encontrou alívio para seu sofrimento no exílio estudando línguas,
aprofundando especialmente seu conhecimento da gramática e literatura hebraicas.
Um de seus biógrafos, Georg Raeders, assim descreveu: “A fim de encontrar consolo
em seus anos de exílio, ele também estudou grego e árabe, mas acima de tudo sentia-se
atraído pelo hebraico.
E a razão disto era que em seu exílio ele se identificava com um povo que também vivia
exilado.
Não há dúvidas que seu profundo interesse pelo hebraico, em seus últimos anos de vida,
resultava de ser esta a língua de um povo que vivia na diáspora, estando ele próprio
solitário e longe de sua pátria.

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Sua afinidade com o hebraico foi também por vezes ridicularizada.


Em 1872, o romancista português Eça de Queiroz publicou artigo criticando as viagens
de D. Pedro à Europa e aos Estados Unidos.
“Sua Majestade,” escreve o romancista, “conhecido pela modéstia nos costumes e nas
iguarias que impõe no palácio real, tem na verdade uma gula especial e única - a língua
hebraica.
Por não levar acompanhante conhecedor do hebraico em suas longas e tediosas viagens
por trem, assim que chega, faminto, ao seu destino, sendo festivamente recebido, só
sabe balbuciar: ‘Hebraico...’”.
E continuava Eça de Queiroz: “Certa vez, quando recebido com pompa nos palácios
reais ingleses e solicitado a exprimir suas vontades e preferências, exclamou com voz
sofrida: ‘Hebraico!..’ Os oficiais da recepção, espantados, tiveram a genial idéia de levar
o imperador a uma sinagoga. Rodeado por judeus imersos em suas orações, pôde
deglutir D. Pedro, com muita curiosidade e satisfação, porções sem fim de hebraico”.

Em seu exílio escreveu D. Pedro um livro de gramática hebraica, em francês, e traduziu


do hebraico para o francês a canção “Had Gadiá”, da Hagadá de Pessach (1), por
entender que esta canção refletia a essência da justiça divina e seu poder sobre a vida e a
morte.
Traduziu também, de um jargão misto de hebraico e provençal, para o francês, três
cânticos litúrgicos antigos (séc. XVI ou XVII), que costumavam ser entoados nas festas
de Brit Milá (2) e Purim (3) por algumas comunidades na Provence.
Sobre estas traduções observou Sokolov (4):
“Nenhum de nossos homens de letras teve a idéia de salvar do esquecimento e da perda
estas peças do folclore judaico, até que veio o imperador brasileiro e coletou-as,
interpretou-as, traduziu-as e publicou-as, com total fidelidade aos originais”.

No livro que publicou com estas traduções (5), aduziu D. Pedro na introdução a história
destas canções e seu valor literário, para que seus leitores pudessem captar a
luminosidade oculta nos tesouros da literatura hebraica.
No prefácio deste livro, declarou o monarca brasileiro seu amor pela língua hebraica e
descreveu as sucessivas etapas de seu estudo, mencionando com reverência os nomes de
seus professores de hebraico, como citamos anteriormente.

Nos anos 70 e 80 do século XIX, ainda imperador do Brasil, D. Pedro viajou diversas
vezes para a América do Norte e Europa.
Nessas viagens ele ampliou seu conhecimento de línguas antigas (sânscrito, grego e
hebraico), como menciona edição de HaMaguid de 1887:
“D. Pedro II, imperador do Brasil, é pessoa culta e estudada. Em suas horas livres
ocupa-se do estudo do sânscrito, do grego, do hebraico e suas literaturas. Para este fim,
ele leva consigo em suas viagens ao exterior muitos livros raros, escritos nessas línguas,
despendendo horas em sua leitura”.
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Em suas viagens costumava D. Pedro encontrar-se com intelectuais judeus de sua época,
como Adolf Frank (1809-1893), primeiro professor judeu na Sorbonne, Israel Michel
Rabinowitz (1818-1893), que traduziu parte do Talmud para o francês, Julius Opert
(1825-1905), assiriologista muito conhecido na época, A.A.Neubauer (1831-1907),
pesquisador de manuscritos hebraicos e diretor da biblioteca da Universidade de Oxford
nos anos 1873-1900 e Moïse Schwab (1839-1918), diretor da Bibliothèque Nationale de
Paris e tradutor do Talmud de Jerusalém para o francês.

Quando chegou D. Pedro a São Petersburgo em 1876, encontrou-se com A.A.Harkavi


(1839-1919), diretor da Biblioteca Real, que era conhecido como pesquisador de
manuscritos hebraicos antigos. D. Pedro manteve com ele longas discussões sobre os
manuscritos que lá se encontravam.

Quando de seu exílio em Paris (1889-1891), manteve D. Pedro laços de amizade com
intelectuais e escritores hebraístas e judeus.
Não é de surpreender que nessa época a visão aguçada de Ephraim Deynard (1846-
1936), bibliógrafo e comerciante de manuscritos hebraicos, tenha atraído o mui-
ilustrado imperador no exílio para oferecer-lhe manuscritos e livros hebraicos antigos.
Foi divulgada carta de Deynard a D. Pedro, na qual destaca o conhecimento da língua
hebraica pelo imperador, o que o eternizaria:
“Desta forma Sua Majestade destacou-se e gravou seu nome, em letras luminosas, na
história e no coração do povo do Deus de Abraão”.
E assim cumprimentou Deynard o imperador, em seu nome e em nome do povo de
Israel:
“Esta saudação é-lhe dirigida por dezenas de milhares de filhos de Israel, pela grande
honra que Sua Majestade conferiu a este povo antigo por ter estudado sua língua”.

Em suas viagens ao exterior costumava D. Pedro visitar sinagogas.


Consta que em 22 de setembro de 1876 esteve em visita à sinagoga de Odessa e
impressionou-se com a bela melodia das orações.
Sobre as visitas de D. Pedro a sinagogas escreveu o historiador A.R.Malachi:
“Entrava incógnito e sentava-se junto à porta, como se fosse um visitante pobre.
Em algumas sinagogas, pensando que fosse judeu, quiseram dar-lhe a honra de ler na
Torá (6) e, para tal, perguntaram-lhe seu nome e de seu pai.
Mas o visitante dizia a verdade, respondendo que não era judeu”.

Temos testemunhos de que D. Pedro costumava rezar em sinagogas, com o livro próprio
de orações em hebraico.
Seguindo as instruções contidas no livro, certa vez na sinagoga de Bruxelas, soube
quando levantar-se e o que dizer, acompanhando atentamente a liturgia.

Segundo outras fontes, cumpriu sim D. Pedro o ritual da “subida” à Torá, dizendo as
respectivas bênçãos em hebraico e até mesmo traduzindo os versículos que havia lido.
Assim ocorreu em sua visita a Londres em 1871, na grande sinagoga da Great Portland
Street, e também na sinagoga de Bruxelas.
Nesta última, diante do espanto geral dos circunstantes, declarou D. Pedro:
“Levarei comigo, em meu coração, o selo da Torá de Moisés, e suas palavras pairarão
para sempre diante de meus olhos”.

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Conta-se que também “subiu” à Torá na sinagoga da cidade de São Francisco, na


Califórnia, e também lá demonstrou seu conhecimento através da tradução correta dos
versículos que leu.
Discutiu, inclusive com os rabinos, sobre a importância da língua hebraica.

Em dezembro de 1876 visitou D. Pedro a Terra Santa, tendo participado com os judeus
de Jerusalém das orações de sexta-feira à noite, junto ao Muro das Lamentações.
Foi provavelmente nesta viagem que adquiriu o imperador os rolos da Torá,
recentemente redescobertos no Museu Nacional no Rio de Janeiro. (7)

Como dito, dominava D. Pedro II a língua hebraica, a ponto de manter conversação


fluente.
Conta-se que no tempo em que foi imperador, convidou alguns líderes da comunidade
judaica brasileira a seu palácio.
Quando se apresentaram, com todo o respeito devido a Sua Majestade, este dirigiu-se a
eles em hebraico.
O espanto dos líderes judeus foi grande:
Por não entenderem palavra do que o imperador lhes dizia e porque não poderiam supor
que Sua Majestade se dirigiria a eles em hebraico.
Passada a surpresa, o imperador repreendeu-os:
“Que judeus são vocês, que não compreendem a língua de seus antepassados ?!”
D. Pedro faleceu em Paris em 5 de dezembro de 1891.
Na eulogia publicada no jornal HaTsfirá (A Sirene), editado em Varsóvia na língua
hebraica, escreveu Israel Isser Goldblum (1863-1925) sobre a vasta cultura de D. Pedro
II e seu especial interesse pela língua hebraica, tendo sido salientado o fato de o
imperador do Brasil saber e falar fluentemente o hebraico:
“Bem aventurados aqueles que viram D. Pedro II, Imperador do Brasil, e ouviram-no
falar na língua sagrada.
Bem aventurados todos aqueles que o saudaram e foram por ele saudados”.

O texto acima foi extraído do livro “O Hebraico Vivo Através das Gerações”, publicado
em Israel em 1992.
Devidamente atualizado, foi transmitido como palestra pelo próprio autor na rádio
israelense Kol Israel em dez/1998.

Sobre o autor: Shlomo Haramati é professor de Linguística Aplicada na Universidade


Hebraica, Jerusalém.
Foi pesquisador da UNESCO, tendo atuado na área da erradicação do analfabetismo.
Foi agraciado com o “Prêmio Jerusalém” em 1974, pelo desenvolvimento de métodos
para o ensino do hebraico como língua materna e como língua estrangeira.

Tradução: Ephraim Knaan e Moshé Waldmann


Notas dos tradutores:
(1) Hagadá de Pessach: Texto que descreve o êxodo dos judeus do Egito, lido
anualmente na Páscoa
judaica.
(2) Brit Milá: Cerimônia de circuncisão.
(3) Purim: Festival anual que comemora a salvação dos judeus no exílio persa.
(4) Sokolov, Nahum (1861-1936): Decano dos jornalistas e escritores israelenses.
(5) Poésies Hébraïco-Provençales du Rituel Israélite Comtadin. Traduites et Transcrites
par S.M.
Dom Pedro II D’Alcantara, Empereur du Brésil. Avignon 1891. (Cf. Elias Lipiner,
1916-1998,
escritor brasileiro-israelense, em seu texto “Imperador do Brasil e Amante do Hebraico”
pu-
blicado no mensário “Am VaSefer” [Povo e Livro], Israel, fev/1966)
(6) Torá: Rolos de pergaminho contendo a história e as leis básicas do povo judeu, lidos
ao longo
de cada ano.
(7) Pesquisadores consideram estes rolos da Torá como dos mais antigos existentes,
remontando ao
século XIV ou XV. Foram tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional
(IPHAN) e encontram-se em exibição no Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, Rio
de Janeiro.
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