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Haverá esperança real de

um acordo definitivo
sobre o programa nuclear
iraniano?
http://politicaexterna.com.br/2318/havera-esperanca-real-de-

um-acordo-definitivo-sobre-o-programa-nuclear-iraniano/

por Luiz Felipe Lampreia em 03/02/2014

O Irã é um país muito peculiar por causa, entre outras razões, do poder absolutamente excepcional investido
em seu líder supremo. Apesar de ser um Estado teocrático, o Irã tem uma vida política diversificada e às vezes
conflituosa. O líder supremo tem que lidar com essas complexidades. A eleição de Hassan Rohani à
Presidência é um sinal claro de que a sociedade iraniana deseja mudanças e rejeita o militarismo excessivo.
Neste contexto, as negociações em relação ao programa nuclear iraniano têm sido produtivas e constituem um
motivo de esperança cautelosa. Foi alcançado um acordo provisório, o que estabelece uma grande conquista,
de importância histórica. Mas agora vem a parte mais difícil. “O Plano Conjunto de Ação”, título oficial do
acordo de Genebra, merece ser saudado como uma grande realização diplomática. Está longe de conter os
termos definitivos da questão, mas dá tempo para que ambas as partes preparem, em especial no plano
interno, o terreno político para as próximas negociações previstas para daqui a seis meses.

O Irã é um país peculiar. Seu regime político é único e seu “líder supremo” detém um poder incontrastável.
Para compreendê-lo, é preciso atentar para os fundamentos religiosos e políticos do governo teocrático e os
condicionamentos das ações dos atuais líderes de Teerã. O país pratica oficialmente a religião muçulmana xiita
desde 1501, mas a interpretação do poder delegado pela divindade é dos anos 1970.

Os xiitas dos Doze Imãs acreditam que o décimo segundo Imã, Muhammad al-Mahdi, encontra-se encoberto e
que só regressará no fim do mundo. Este Imã oculto é capaz de enviar mensagens aos fiéis. Durante sua
ocultação, que os crentes pensam ter ocorrido no ano de 941, o infalível e messiânico Imã delega a um
jurisconsulto, ou seja, o líder supremo, um mandato para implementar a Sharia, lei islâmica, não apenas em
assuntos pessoais e religiosos, mas também no domínio social e político.

Em outras palavras, este mandato é considerado uma extensão da autoridade exercida pelos divinos guias (os 12
Imãs). O aiatolá Ruhollah Khomeini (1902-1989) advogava, originalmente no exílio na cidade de Najaf, no
Iraque, um Estado islâmico que zelaria pela adesão e a fiel implementação da Sharia. No final de sua vida, o
líder supremo levou esta doutrina mais longe indicando que não precisaria ater-se aos preceitos da Sharia se
houvesse algum conflito com o bem-estar da sociedade e seus melhores interesses. Não fica clara a definição
exata do que os objetos do conflito possam ser. Este foi o conceito (Wilayat al-Faqih) promulgado pelo aiatolá
Ruhollah Khomeini, que até hoje constitui o fundamento do poder no Irã. Por isso, tudo está sob a direção do
líder supremo: a Constituição, o Congresso (Mahjlis), as leis, os guardas revolucionários, o exército, tudo. Ele
será o árbitro da posição final iraniana.

***
Malgrado a rígida postura teocrática, o Irã tem uma vida política diversificada e por vezes conflituosa. Existem,
ademais do atual líder supremo, Ali Khamenei, muitos outros aiatolás que estão longe de constituir um bloco
uniforme. Existe a poderosa facção militar composta pelas Forças Armadas e pela Guarda Revolucionária
(Sepah).

Como ficou evidente nas grandes manifestações contra a reeleição de Amadinejá, considerada fraudulenta,
existe também uma sociedade de classe média educada e participante nas grandes cidades. Este segmento deve
ter sido fundamental para eleger Hassan Rohani. Há um Parlamento atuante, os Mahjlis, e são conduzidas
regularmente eleições presidenciais que resultam em mudanças de matizes no governo. Por mais que detenha
um poder divino, o líder supremo precisa administrar todas estas complexidades.

Um traço profundo da mentalidade iraniana é o antiamericanismo que tem raízes profundas, em especial em um
fato ocorrido há sessenta anos. No dia 15 de agosto de 1953, o Xá da Pérsia, instigado pela CIA, derrubou o
primeiro-ministro Mohamed Mossadegh, que havia tido a ousadia de nacionalizar a Anglo-Iranian Oil
Company a qual, desde 1901, explorava o petróleo iraniano com benefícios mínimos para o Irã, mas que era
fundamental para a Grã-Bretanha, que dela dependia para projetar seu poder militar por meio da Royal Navy e
dar aos seus cidadãos um alto nível de vida. Esta intervenção direta dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha
visando a derrubada de um governo popular e democrático permanece até hoje na memória do povo iraniano.

Como a eleição de Mohamad Khatami, também um aiatolá moderado, há dez anos, a vitória de Rohani marcou
uma grande inflexão naquilo que parecia ser um rumo de confrontação com os países ocidentais e Israel, cujo
desembocar anunciava-se perigoso. Ele venceu esmagadoramente as eleições presidenciais com o repúdio
popular dos ultraconservadores que pareciam ter o monopólio do poder no Irã, num regime teocrático e
militarista. Os militares, representados por quatro candidatos de uma curta lista aprovada pelo regime,
terminaram nos últimos lugares da votação popular. Foi um sinal claro de que a sociedade iraniana deseja uma
mudança de rumo ou, pelo menos, de ênfases.

Hassan Rohani sucedeu a um extremista como Mahmoud Amadinejá, que acabou sendo rejeitado pelo mundo
inteiro, inclusive pelos poderosos aiatolás de seu país, e afundou o Irã economicamente, tendo tido apenas por
um momento apoio do presidente brasileiro e do premiê turco.

O novo presidente é um sopro de ar fresco na cena internacional. Mas não se pode ir longe demais nas
esperanças de abertura, pois Rohani não teria sido sequer candidato se fosse contra o regime. Ao contrário, sua
eleição convém ao líder supremo, aiatolá Khamenei, por restaurar alguma representatividade à República
iraniana e certa esperança de recuperação econômica em momento difícil, além de trazer de volta um clérigo à
Presidência.

Recentemente, Hassan Rohani afirmou em entrevista à rede de TV americana NBC que seu governo nunca irá
desenvolver armas nucleares e que ele tem plena autoridade para negociar um acordo nuclear com o Ocidente.
Será verdade? Será que a sociedade iraniana aceita a ideia de que, se Índia Paquistão e Israel têm armas
nucleares, todos na mesma órbita geopolítica de seu país, o Irã não as pode ter?

Na mesma entrevista, Rohani disse que o tom da carta que recebera do presidente americano Barack Obama
fora positivo e construtivo. Por sua vez, Obama afirmou que os Estados Unidos estão prontos a resolver o
impasse nuclear “de uma forma que permita ao Irã demonstrar que seu programa nuclear é exclusivamente para
causas pacíficas”. O porta-voz da Casa Branca destacou a urgência que existe, pois “a janela de oportunidade
está aberta, mas não indefinidamente”.

De todo modo, há um progresso surpreendente e bastante auspicioso. Outro sinal encorajador resultou das
conversações havidas em Genebra em meados de outubro entre as seis potências mundiais e o Irã. Pela primeira
vez, foi emitido um comunicado conjunto que descreveu as conversações como substantivas e com boas
perspectivas. Isto, naturalmente, foi um progresso apreciável em comparação com o diálogo de surdos que
havia no tempo de Amadinejá.

Pelo que se pode depreender do diálogo envolvido em segredo, o ponto principal residiu na exigência iraniana
de que as seis potências reconheçam que o programa nuclear iraniano é de natureza pacífica. Para o vice-
ministro do Exterior do Irã, Abbas Araqchi, negociador-chefe do Irã, as partes poderiam chegar a um acordo
rápido entre três e seis meses. Já o porta-voz da Casa Branca afirmou que “a nova proposta iraniana teve um
grau de seriedade que não tínhamos visto antes, mas as diferenças persistem e ninguém deve esperar um
resultado imediato”.

Os assuntos são complexos, há muitas questões técnicas. E, como disse o presidente Obama, “a história de
desconfianças é muito profunda”. O ônus de cumprir seus compromissos internacionais permanece com o Irã.
Qualquer acordo precisa provar que o programa iraniano será usado “exclusivamente para fins pacíficos”. Para
Teerã, a busca da dominação do ciclo completo de energia nuclear, capaz de gerar armas nucleares é, antes de
mais nada, uma afirmação nacionalista do Irã e um objetivo de poder hegemônico no Oriente Médio. O
nacionalismo é uma força política que os governantes iranianos têm manejado muito bem. Ele deriva em
primeiro lugar da lembrança da grandeza do Império persa. Diria mesmo que esta é a força dominante, mais do
que a religião. Mas os aiatolás jogaram também a carta da Pátria em perigo na guerra com o Iraque que durou
dez anos. O nacionalismo é, pois, um fundamento básico do poder teocrático.

***
No dia 24 de novembro, produziu-se, mais depressa do que se poderia esperar, um acordo interino (ressalte-se o
caráter interino) entre o Irã e as seis grandes potências. A base principal para ter boas expectativas neste assunto
é que existe uma lógica geopolítica nessa reaproximação. O Irã encontra-se em posição estratégica mais fraca
hoje. Até pouco tempo atrás, tinha uma posição de força, tendo estado na ofensiva desde 2003 rumo a uma
posição dominante no Oriente Médio.

A eliminação de Saddam Hussein removeu seu inimigo mortal. A invasão americana do Iraque criou um vácuo
que abriu o caminho para uma posição muito forte dos aliados naturais do Irã, os xiitas, já que os Estados
Unidos combatiam diretamente os sunitas e depois passaram a ser atacados pelas milícias xiitas. Veio o surge
em 2007, mas era tarde. Os Estados Unidos decidiram retirar-se do Iraque.

Com isso, o Irã não precisava mais temer o Iraque, seu inimigo de sempre, e a supremacia dos xiitas iraquianos
dava ao Irã uma influência dominante no país, o que significava uma grande vitória estratégica. Agora, o Irã
tinha uma influência dominante no Iraque, as comunidades xiitas no Afeganistão, uma aliança com a Síria, uma
importante força no Líbano (o Hezbolá) e o Hamas na Faixa de Gaza. Assim, podia dispor de uma esfera de
influência que ia do Afeganistão até o Mediterrâneo. Se esta situação viesse a consolidar-se, o equilíbrio do
poder estaria substancialmente alterado em favor do Irã.

Mas Bashir al-Assad – a âncora do projeto iraniano – não conseguiu firmar-se na Síria: nem perdeu
completamente o poder, nem o ganhou tampouco. A guerra civil nesse país destituiu o projeto iraniano de uma
enorme zona de influência e suas ambições declinaram. A perda da Síria alterou a sustentação básica de toda a
estratégia de Teerã e mesmo uma revisão de seus planos nucleares.
A partir deste ano, o Irã, a meu juízo, passou a ter menos interesse em ter armas nucleares passando a priorizar
um programa que lhe permita obtê-las. O objetivo de fabricar as armas, que o governo de Amadinejá tinha,
passou a ser arriscado demais, pois exporia o Irã a ataques devastadores por Israel e pelos Estados Unidos.

Ademais, as sanções do Conselho de Segurança começaram a ter um efeito devastador sobre a economia
iraniana, tornando o programa nuclear, que vinha sendo conduzido aceleradamente mais difícil de custear.
Teerã ficou assim em posição muito difícil. Embora a oposição a qualquer aproximação com os Estados Unidos
seja ainda muito forte, o programa nuclear perdeu a urgência que tinha quando o Irã parecia tornar-se uma
potência regional. Agora, a prioridade é levantar a economia, ter uma posição defensiva e, no campo externo,
estabilizar o Iraque.

Por outro lado, existe uma forte oposição nos Estados Unidos a uma aproximação com o Irã. Assim como os
iranianos recordam com amargura o golpe que derrubou Mossadegh e recolocou Reza Pahlevi no trono com
plenos poderes, os americanos não esquecem o assalto à embaixada e a tomada de reféns que durou mais de um
ano. Mas, pragmaticamente, os Estados Unidos não têm interesse em ver o Irã enfraquecido demais. Enquanto
as sanções foram úteis para bloquear a sua ascendência como a potência dominante no Oriente Médio, o
interesse americano é estabilizar o Irã.

Como já ficou claro, porém, os Estados Unidos não podem aceitar que o programa nuclear militar iraniano
prossiga e leve à fabricação de armas atômicas. Creio que os iranianos já o perceberam, mas precisam, em
troca, do fim das sanções e do retorno dos fluxos de capital. Será possível construir uma solução nestas bases?
É uma equação muito difícil.

Houve já um progresso muito importante: um acordo-quadro com a Agência de Viena que prevê a notificação
de qualquer nova instalação nuclear iraniana. Há seis anos que não ocorria um acordo entre estas duas partes. A
descoberta em 2009 pelos serviços de inteligência americanos da existência de instalações secretas para
enriquecimento de urânio em Fordow, perto da cidade sagrada de Qoms, foi um ponto de grande tensão porque
comprovou a natureza secreta do programa nuclear iraniano. Só a posteriori, o Irã notificou a AEIA.
***
Uma dificuldade significativa está na existência de uma oposição ferrenha em ambos os países, como já ficou
evidente em uma grande manifestação em Teerã e numerosos pronunciamentos negativos nos Estados Unidos.
Com o presidente Obama em posição enfraquecida, as posições americanas tendem a ficar mais duras e os
questionamentos, no Congresso, mais agressivos. Não se pode subestimar tampouco a força que Israel tem
como opositor de um acordo com o Irã. Israel tem um poderoso esquema de apoio político nos Estados Unidos,
que certamente mobilizará para impedir qualquer acordo que lhe pareça leniente com o Irã.

Em recente discurso na Assembleia Geral da ONU, o primeiro-ministro Netanyhau relembrou que os iranianos
já mentiram muito e podem continuar a fazê-lo e, por isso, não possuem credibilidade. Afirmou que o Irã
desafiou a Agência Internacional de Energia Atômica e a ONU, ao desenvolver instalações clandestinas e não
salvaguardadas, sempre produzindo quantidades maiores e mais enriquecidas de urânio. O acordo que
Netanyhau postula é inegociável e os americanos sabem disso e nem tentam colocá-lo sobre a mesa. Mas o
problema de Netanyhau é que, mesmo quando ele grita com toda força, já muitos poucos acreditam. Agora que
se chega às vésperas de um acordo mesmo que parcial com o Irã, os líderes mundiais se acostumaram a não
acreditar no primeiro-ministro israelense.

O argumento principal de todas as pessoas de responsabilidade em Israel, que não pode ser negado, é que armas
nucleares iranianas seriam uma ameaça mortal ao Estado judeu e que o Irã busca adquiri-las. Porém, os
israelenses não possuem o poderio militar para obliterar as instalações nucleares do Irã e não teriam como
obrigar os Estados Unidos a agir. O Congresso americano já demonstrou claramente ser contra a guerra, fossem
apenas os bombardeios da Síria quanto mais um enfrentamento bélico com o Irã. A posição do governo Obama
era que “todas as opções estão abertas”, mas hoje o que se vê é que os Estados Unidos buscam
desesperadamente um acordo com o Irã. Assim, em última análise, Israel vai ter que aceitar um acordo mais
limitado do que Netanyhau apregoa aos gritos, com sua atual proposta que é a destruição das centrífugas e do
estoque iraniano de urânio enriquecido, além da destruição da usina de Arak onde se fabrica plutônio, e uma
transparência básica sobre os trabalhos iranianos na construção de mísseis de longo alcance e suas ogivas
nucleares. E Netanyhau vai ter que se reinventar.
Outro aliado americano que terá muitas dificuldades com a aproximação dos Estados Unidos e do Irã é a Arábia
Saudita, bastião sunita. Mas os Estados Unidos não têm mais a dependência do petróleo saudita e a influência
saudita é hoje bem menor, incapaz de bloquear um possível acordo nuclear.

Finalmente, todos os países ocidentais se recordam do fracasso das negociações com o governo Katami em
2003/4, que previa a suspensão do enriquecimento de urânio pelo Irã por sua insuficiência em vários pontos
cruciais. Por isso, houve grande insistência em aumentar o nível e a amplitude do novo acordo, como ficou
evidente na insistência em incluir a usina de reprocessamento de plutônio de Arak, por exemplo.

Por outro lado, há aspectos encorajadores. O primeiro deles é que pela primeira vez em 34 anos, os Estados
Unidos e a República Islâmica do Irã assinaram um acordo conjunto. A discussão sobre os elementos do texto
marginalizou um aspecto fundamental da história, talvez o mais importante: a promessa de um
descongelamento das relações bilaterais entre os dois países. Ela pode mudar o mapa do Oriente Médio.

***
A questão-chave agora é saber se as seis grandes potências se contentarão com um acordo parecido com o
interino, mais fácil de conseguir ou, aproveitando a fraqueza iraniana, buscarão um acordo completo e
definitivo. O ponto crucial, que tem sido deixado claro por ambas as partes, mas em especial pelo próprio líder
supremo Khamenei (que deve considerar o acordo interno como a maré alta das concessões iranianas) e por seu
negociador principal em Genebra, é que o Irã não abre mão do seu programa de enriquecimento de urânio. Este
processo ao qual julga ter direito pelo Tratado de Não Proliferação. Mas as grandes potências, em especial os
Estados Unidos, só podem aceitar um esquema que controle plenamente este processo de enriquecimento e não
aceitam uma situação que permita ao Irã ter condições de acelerar o programa e chegar em pouco tempo a
fabricar armas nucleares.

O Irã e diversos outros países interpretam o TNP como uma garantia de seu direito de enriquecer urânio para
fins pacíficos sob salvaguardas da AEIA. Porém, os Estados Unidos, a França e a Grã-Bretanha afirmam que o
tratado não garante o direito ao enriquecimento de urânio, mas apenas ao uso pacífico da energia nuclear. Aí
reside a meu ver o nó essencial da questão que impede um entendimento claro entre o Irã e as grandes potências
e será muito difícil de contornar. O próprio Tratado de Não Proliferação não menciona em ponto algum o
direito ao enriquecimento de urânio mas também afirma que:

Nothing in this Treaty shall be interpreted as affecting the inalienable right of all the Parties to the Treaty to
develop research, production and use of nuclear energy for peaceful purposes without discrimination and in
conformity with Articles I and II of this Treaty.
A questão é bastante esdrúxula e não deixa de ser curioso que ela seja o principal pomo de discórdia. Afinal, o
resultado definitivo permitirá que o Irã continue a enriquecer seu urânio ou não. Se tem direito de enriquecer
urânio é uma questão no fundo apenas semântica e, sobretudo, política.
Gary Samore, que foi o principal assessor de Barack Obama para armas nucleares escreveu recentemente:

In truth, Iran’s right to enrich has been at the heart of the nuclear negotiations for the past decade, and it
deserves its central place in talks today. Matters of legal theory aside, the right to enrichment has become a
shorthand for the real central issue in the negotiations – whether Iran will be allowed to maintain a nuclear
weapons option as part of a nuclear program under international safeguards.
Na verdade, nenhuma das partes envolvidas pode renunciar a suas posições básicas neste assunto que é o fulcro
das negociações. Por sua parte, o aiatolá supremo Ali Khamenei já o disse em todas as letras.
Teria havido uma proposta americana, não publicada, de congelamento por seis meses do programa de
enriquecimento de urânio iraniano em troca de um alívio limitado e seletivo das sanções hoje impostas ao país.
Os Estados Unidos estão claramente, seja desse modo ou de outro, preparados para dar um primeiro passo. Mas
hoje existe uma discussão importante em Washington para avaliar se vale a pena ter um acordo parcial ou só
um acordo definitivo poria fim à questão. Richard Haass, o presidente do Council on Foreign Relations de
Nova York, colocou-o em termos claríssimos em recente artigo para o Financial Times:
Existe um esforço para levar adiante um acordo interino com o Irã em termos geralmente aceitáveis para todos
os envolvidos. Mas não é evidente que este tipo de acordo seja factível ou desejável. Acordos interinos são
considerados mais fáceis de alcançar mas podem ser mais difíceis de vender. Há o temor de que os passos
tomados não podem ser revertidos se as coisas não correrem como esperado. Isto é seguramente o que o Irã
espera. Há também o medo de que as atividades que não forem limitadas se tornarão um problema ainda
maior no futuro, o que ocorrerá se o congelamento das atividades nucleares iranianas for apenas parcial…
Assim um acordo interino pode ser tão difícil ou até mais difícil de negociar do que um pacto definitivo e pode
consumir uma grande quantidade de capital político mas com resultados inferiores, mesmo que as negociações
tenham êxito.
O objetivo básico iraniano é preservar sua opção nuclear, através de garantia de enriquecer urânio, assim como
obter um alívio das sanções que estrangulam sua economia.

A disposição de mostrar alguma flexibilidade permitiu o exercício diplomático. Foram necessários dez anos
para chegar lá e ambas as partes investiram capital político nisso, tornando um fracasso muito custoso. Os
Estados Unidos podem satisfazer-se com uma paz imperfeita ou, alternativamente, podem aumentar a pressão
sobre o Irã, exigindo concessões completas. Mas, se optarem pelo segundo caminho, ficarão no dilema de ter
um programa nuclear iraniano sem salvaguardas ou declarar-lhe guerra. Por isso, a tendência para o
compromisso era muito forte.

***
O acordo interino chegou na madrugada de 24 de novembro. Como disse o editor-chefe do The Economist,
John Micklethwait, “a aposta é arriscada, mas os riscos são baixos e as recompensas em termos de desbloquear
os impasses do Oriente são grandes. De todo modo, a alternativa é terrível”.
Agora vem a parte mais difícil. É importante saber se os negociadores de Genebra discutiram os elementos de
acordo definitivo e desenharam uma narrativa sobre o futuro caminho ou limitaram-se a discutir o acordo
interino. Pois é difícil de pensar que as partes tenham dado o primeiro passo para uma navegação no escuro e
acordado em dá-lo sem ter ideia das chances de um acordo definitivo.

“O Plano Conjunto de Ação”, título oficial do acordo de Genebra, merece ser saudado como uma grande
realização diplomática. Mas está longe de conter os termos definitivos da questão. O Irã fez algumas
concessões a respeito de seu programa nuclear. As grandes potências concordaram em relaxar parcialmente as
sanções. Mas a primeira condição para que a próxima negociação conduza a um acordo mais permanente
consiste em que ambos os lados respeitem o acordo interino e implementem seus termos. A segunda questão
será a possibilidade de acordo sobre a eliminação do estoque iraniano de urânio altamente enriquecido, seja
pela retirada física do Irã, seja por sua diluição abaixo de nível perigoso de 20%, assim como a diminuição da
capacidade iraniana de produzir novamente este tipo de urânio através da redução de centrifugadoras. E será
necessário prever inspeções intrusivas para garantir a observância do acordo. Em última análise, todas estas
questões levariam ao fim do programa nuclear iraniano que, não pode haver dúvida, visa a obter armas
nucleares.

Não tenho dúvida que o acordo interino já por si teve o mérito de limitar o avanço do Irã rumo à condição de
potência nuclear, o que já é um resultado importante. “O Plano Conjunto de Ação”, merece ser saudado como
uma grande realização diplomática. Está longe de conter os termos definitivos da questão, mas dá tempo para
que ambas as partes preparem, em especial no plano interno, o terreno político para as próximas negociações
previstas para daqui a seis meses. A meu ver, porém, os prognósticos permanecem em aberto sobre o resultado
final das negociações.

ESTA MATÉRIA FAZ PARTE DO VOLUME 22 Nº3 DA REVISTA POLÍTICA EXTERNA

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