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A roupa nova do rei da

Coreia* Bons negócios se


fazem onde está o
dinheiro
por Paulo Cesar Sandler em 02/05/2013

O artigo, escrito por um psicanalista, busca


entender, por meio de investigação transdisciplinar conhecida como “psicologia política”, o comportamento,
“aparentemente errático”, de Kim Jong-un, jovem líder político da Coreia do Norte. Seja lá qual for o diagnóstico
inspirado ou plagiado da psiquiatria, o jovem ditador estaria manifestando “delírios de grandeza”. “Retardado,
doido”, “parece um novo Hitler, agora atômico”, foram epítetos aplicados a esta pessoa que ninguém conhecia.
Em março, Kim Jong-un declarou explicitamente a intenção governamental de destruir com armas nucleares as
principais cidades dos Estados Unidos e também suas bases militares no Pacífico — Havaí e Guam. Declarou um
“estado de guerra” contra seu vizinho, a Coreia do Sul. O leitor não encontrará conclusões diagnósticas a respeito
da pessoa chamada de Kim Jong-un. O texto, explica o autor, é um exercício de raciocínio psiquiátrico e
psicanalítico, dentro do âmbito disciplinar da “psicologia política”.

10 de abril de 2013: reunião do conselho editorial de Politica Externa. Entre outros assuntos, preocupação com o
aparentemente errático comportamento de Kim Jong-un, jovem líder político da Coreia do Norte*: meses de
escalada em ameaças e ações agressivas, imersas em autêntico bombardeio de propaganda. Um dos conselheiros
sugeriu uma solicitação a um psicanalista: que escrevesse um artigo contendo algum tipo de iluminação a respeito
destas atitudes e ações.
A solicitação insere-se na jovem área de investigação transdisciplinar conhecida como “psicologia
política”.[1] Todos os conselheiros reconheciam a existência de riscos nesse tipo de artigo, mas concordaram que,
tomando alguns cuidados, o escrito poderia ser útil para leitores interessados. O articulista escolhido também tinha
consciência das ressalvas, surgidas ao longo de mais de setenta anos de banalização do ainda
escasso[2] conhecimento real proveniente da psiquiatria, neurologia e psicanálise, principalmente nas suas
aplicações sociológicas e forenses, para não falar nas banalizações ocorridas na mídia.

Teu nome é Kim?

Talvez os tempos atuais pudessem ser chamados, “era da banalização”. Hanna Arendt parece ter intuído este fato
histórico, quando mencionou a “banalização do mal”; sua contribuição alavancou o estudo daquilo que já se
denominou totalitarismo e autoritarismo, ampliando sociologicamente o que já era visto sob o ponto de vista
emocional.[3]
Torna-se necessário explicitar: os comentários, hipóteses e conjecturas que se seguem não dizem respeito à pessoa
de Kim Jong- un. A experiência clínica deste articulista, acumulada por quatro décadas, permite-lhe afirmar sobre
a impossibilidade da obtenção de um diagnóstico psiquiátrico e, pelo mesmo motivo, psicanalítico, de uma pessoa
que não se pode examinar clinicamente: uma observação participante[4] acurada e presencial. Coloquialmente: um
exame “ao vivo”.
Exame psicanalítico

Um diagnóstico médico conclusivo reúne várias características conhecidas por autores acadêmicos, quando expõem
uma tese: algo que pode ser alcançado a partir da conjugação constante de hipóteses obtidas a partir de experiências
clínicas anteriores, algumas vezes por “senso comum”,[5] e constatadas pelo exercício de intuição
sensível,[6] levando em conta o acaso (muitas vezes quantificável), nesta nova experiência. Os médicos costumavam
denominar este conjunto de ações que se iniciam no aparato sensorial (órgãos dos sentidos) humano de um modo
coloquial: “olho clínico”. A “intuição analiticamente treinada”[7] do psicanalista o permite utilizar aquilo que Freud
conceituou como “associações livres” – algo que os pacientes conseguem acrescentar aos dados empíricos de sua
vida e do seu ambiente social, no contexto protegido de uma sessão psicanalítica, onde ocorrem dados empíricos –
fatos observáveis – no “aqui e agora” da sessão. Conjugados constantemente a relatos de sonhos e também àquilo
que foi tecnicamente denominado “atenção livremente flutuante”, que é a contraparte das “associações livres”, por
parte do psicanalista, sempre vinculados aos fatos empíricos vindos do paciente, compõem a ação metódica que
caracteriza a “observação participante”.
Considera-se neste escrito que hipóteses baseadas em histórias contadas por outros, na ausência do historiado,
equivalem ao que se denomina, em linguagem coloquial, de “fofocas” – um enorme desafio a jornalistas
investigativos que tentam se aproximar da realidade dos fatos, e a todos os historiadores. Aqui se incluem as assim
chamadas “biografias”, que geralmente revelam-se como idealizações, muitas vezes coloridas por inveja do
biógrafo, plenas de partidarismos. Arnold Zweig, um dos amigos de Freud que se dedicou à literatura, ansiava em
biografá-lo. Freud alertou-o de que “biografias são amontados de mentiras”. Encerrou o assunto citando o Bardo
(em Hamlet): caso o ser humano seja sincero a respeito de si mesmo, quem vai escapar da chibata? Proibiu-o
explicitamente – e também a seu irmão mais famoso, Stephan – ou qualquer outra pessoa, de biografá-lo. “Você
quer arruinar sua carreira publicando mentiras?”.[8] Freud escreveu várias vezes que uma psicanálise “presumia
amor à verdade”, exigindo alguém disposto a não apelar para “evasão e subterfúgio”.[9]
Outra ressalva, pretensamente compensatória quanto à falta de contato vivo, centra-se no hábito vulgarizado de
conjecturar sobre padrões teóricos prévios: uma falsa psicanálise padronizada; palavrório construído com palavras
técnicas, chamada de psychobabble na língua inglesa. Usualmente “complementadas” pela tentativa, igualmente
falsificada e falsificante, de encaixar dados empíricos selecionados no padrão teórico, escolhido por gosto ou prazer
pessoal. Tais histórias fantasiosas, isentadas de exame clínico, tem sido montadas – por vezes cuidadosamente –
com conceitos pseudo-psicanalíticos. Compõem boa parte dos riscos aventados pelo conselho editorial. Não
alcançam sequer o status de um estudo in vitro.[10]Contribuem para aquilo que, no lugar comum[11] costuma-se
chamar de mitologia – um desserviço ao termo “mito”, que algumas vezes é crônica de costumes e em outras,
depositário milenar da sabedoria e também do engano popular. Contando com a paciência do leitor com o
neologismo em forma de mau trocadilho, estes constructos poderiam se chamar de “mintologias” travestidas de
psicanálise: exercício de opinionática, municiado pelo pouco saber para consumo público. Por vezes, ofendendo a
inteligência, ou formação de leitores mais exigentes, que pretendem algo além de um passatempo engenhoso do
“fazer crer”.
Exames psiquiátricos acurados, realizados por psiquiatras experientes, e mais ainda, o convívio psicanalítico, que
necessita várias vezes por semana de contato íntimo que pode perdurar por vários lustros, tem atendido, ainda que
de modo mínimo, a necessidade ou “ânsia por conhecer” do ser humano, como a chamou Aristóteles. Inexiste
teleanálise: o leitor não encontrará conclusões diagnósticas a respeito da pessoa chamada de Kim Jong-un.

No entanto, é possível elaborar hipóteses a respeito de alguns comportamentos externos (fenômenos) que têm sido
atribuídos a este homem, utilizando-se do conhecimento jornalístico, psiquiátrico e psicanalítico.[12] Constituirá
um exercício de raciocínio psiquiátrico e psicanalítico, dentro do âmbito disciplinar da “psicologia política” – pode-
se fazer um exercício em possibilidades. Utilizar-se-á de analogias e modelos obtidos através da observação
empírica do comportamento de outras pessoas, comparando-as com o comportamento público e político de uma
pessoa chamada Kim Jong-un. O leitor encontrará conjecturas que talvez possa comparar com sua própria prática.
Não encontrará fantasias canônicas; nem manipulações engenhosas de símbolos; nem de fatos parciais encaixados
em objetivos a priori ou a posteriori. A utilidade disto depende dos objetivos e da experiência do leitor.
A prática psiquiátrica e psicanalítica – a exemplo da prática médica – não permite afirmações de carácter preditivo.
Este artigo, como a psicanálise, não se enquadra nas pretensões da doutrina Positivista. Em termos médicos, de
“prevenção primária”, onde se intenta impedir certas ações ou eventos, individuais e sociais. No entanto, psiquiatria
e psicanálise, pertencentes ao âmbito do organon, podem criar alternativas realísticas, minimamente eficientes sobre
modos de enfrentar, de lidar, de suportar ações destrutivas, provenientes de grupos de pessoas, ou de indivíduos em
particular. O “enfrentar” e o “lidar”podem incluir atos igualmente destrutivos – como o que ocorreu com a reação
de Winston Churchill em relação ao crescendo nazifascista, aparentemente similar ao crescendo de Kim Jong-un;
portanto, o “suportar” não tem apenas o sentido de tolerância ou resiliência. Em termos médicos: permitem o
exercício de “prevenção secundária” e “terciária” (reabilitação).

Levar-se-á em conta:

 1) Contribuições (ou lições) históricas, segundo as parábolas quase metafóricas de Marx e Santayana, reiteradas
pelo jornalista William Shirer em seu estudo sobre o nazismo, entre outros.[13]
 2) A história das ideias psiquiátricas, que mostraram a percepção de comportamentos considerados como
problemas mentais em determinados contextos históricos, mas que podem ser vistos em outros contextos como
“normais”, no sentido sociológico-estatístico, expresso matematicamente pela curva de Gauss. Podem também
ser considerados como dignos de encômio e premiação, em ainda outros contextos.[14] Há um termo
psiquiátrico, “patoplastia”, referindo-se às aparências externas, sempre mutantes: transformações de
determinadas características humanas – em si, transcendentes a espaço e tempo.
 3) De desenvolvimento neurológico e familiar,[15] dentro de um duplo contexto:
o a. o da História das Ideias Psiquiátricas, mais voltadas a uma crônica de costumes, das transformações
externas aos indivíduos, “fenotípicas” na terminologia genética, dedicadas à adaptação social;

o b. o da História das Ideias Psicanalíticas, mais voltadas às transcendências inconscientes, ou invariâncias


fundamentais do ocorrer humano,[16] dedicada à adaptação do indivíduo a si mesmo: o “tornar-se aquilo que
o indivíduo realmente é”. Deste modo poder-se-á evitar relativizações idealizadas caotizantes[17] e confusões
advindas de pouca consideração à verdade e à vida, “tais como elas são”.[18]
Tal exercício psiquiátrico e psicanalítico sobre personalidades públicas foi realizado por Freud, sobre a obra de
Leonardo da Vinci; sobre a figura mitológica ou bíblica de Moisés e, até certo ponto, sobre Woodrow Wilson.[19]
Após o exame do paciente, psiquiatras e psicanalistas dispõem de algum arsenal teórico, composto de terminologia
técnica e teorias que tentam espelhar algo, ainda que tênue e parcial, da realidade que se lhes corresponde – dentro
da tradição de Spinoza, Bacon e Kant.

Evitar-se-á termos da moda, a “ardilosa vestimenta do demônio”,[20] como neurociência ou psicologia cognitivista
– que partem do princípio de que neurologia, psiquiatria e psicanálise não seriam métodos científicos, e não lidariam
com o aparato senso-perceptivo, encarregado primeiro da cognição humana.
A psicanálise pretende abarcar comportamentos inconscientes, algo que não deveria surpreender médicos, que
sabem que órgãos humanos como fígado, hipófise, rins e cérebro trabalham sem que o ser humano individual saiba
patavina disto. Não deveria surpreender físicos, que continuam procurando evidências indiretas para a existência
imaterial e material da teoria da relatividade, do bóson de Highs, etc., que sempre foram inconscientes, até que
Einstein e Highs pudessem intuí-los. Nem de alguns filósofos, que interessaram-se por “formas ideais”,
“infraestruturas”, transcendências, verdade e a própria “mente”, algo que aparece além das aparências externas,
sensorialmente apreensíveis.

Hipótese

A hipótese de psicologia política pode ser colocada em termos de analogia metafórica: o alvo central das “flechadas”
atuais do governo da Coreia do Norte é a República Popular da China, e não os Estados Unidos. Os quais estão
sendo utilizados apenas como bem conveniente “arco”. Este governo ditatorial, especialista em violência e desprezo
pelo seu próprio povo, nunca deixou faltar experimentos em massa resultando no assassínio de milhares de pessoas;
o último ocorreu nos anos 1990, onde um milhão de norte-coreanos faleceu de desnutrição.

Fatos

É conhecido, o sucesso mantido pela Coreia do Norte em ação política retrógada e agressiva, perdurando pelo menos
desde 1955. Garantida por nepotismo e clientelismo, repetição indisfarçada dos preceitos estalinistas, foi baluarte
da Guerra Fria. Manteve intacta uma sustentação externa inicial pela União Soviética e da China mesmo quando
estes países entraram em dissensão e, no primeiro caso, em dissolução. Atualmente é sustentada apenas pela China.
Tem eficientemente provido privilégios financeiros e econômicos para a elite mais militarizada do mundo, criando
diferença obscena de classes sociais, que faria inveja – e vergonha – a qualquer senhor feudal. Os norte-coreanos
compõem uma das populações mais subjugadas no mundo, com grau de desnutrição e desenvolvimento quase
africanos. Poderia ser denominada de Monarquia Absoluta Hereditária Estalinista: a deselegância linguística deste
articulista corresponde ao próprio sistema político.

Do ponto de vista econômico, seu vizinho, a Coreia do Sul tem-se revelado ainda mais eficaz do que o Japão.
Igualmente, a Coreia do Norte revelou-se mais eficaz do que os Estados policial-militares instalados em Cuba e
Albânia, que mantêm ou mantiveram sistemas similares. O fundador do sistema e seu filho, primeiros mandatários
máximos, como Stalin, faleceram de morte natural e conseguiram empossar seus sucessores.

Em março de 2013, o sr. Kim Jong-un declarou explicitamente a intenção governamental de destruir com armas
nucleares as principais cidades dos Estados Unidos e também suas bases militares no Pacífico – Havaí e Guam.
Declarou um “estado de guerra” contra seu vizinho, a Coreia do Sul. Apenas a verbalização deste tipo de atitude
constituiu ação potencialmente perturbadora para boa parte da população mundial – tanto no sentido de amedrontar
umas como de encorajar outras. O sr. Kim Jong -un abriu verdadeira temporada de bombásticos discursos
ameaçadores.

A primeira reação norte-americana, coerente com o “estilo Obama” de governar, foi de se afastar dos distúrbios, na
ação real – aguardando que “o tempo” resolvesse por si mesmo, aquilo que seres humanos criaram. Seria apenas o
caso, segundo nota oficial para consumo público, de “desconexão entre retórica e ação”. Não se descuidou de
retórica educada, com tom pedagógico e professoral – que, dependendo da audiência, pode disfarçar atitude de
desprezo. Seria mais um exemplo da “paciência estratégica”, da qual Obama e sua equipe tem se vangloriado.
Constituiria postura política pacifista e adulta, oposta à de seus predecessores. Em linguagem coloquial: “cão que
ladra, não morde”, justificando “pouco caso”. Como se fosse um calmante exibiu-se um dado de realidade: testes
norte-coreanos com mísseis balísticos teriam sido verdadeiros fiascos.[21] Os resultados imediatos desta postura do
governo Obama podem ser constatados tanto na área interna como externa. Se débitos ou créditos, o leitor pode
decidir.
O fulcro do “estilo Obama” se baseia em suas qualidades pessoais inegáveis para oratória – cuja discriminação com
demagogia ainda reclama por ser feita. O chanceler San Thiago Dantas teria dito a seu pupilo, o então secretário
Roberto de Oliveira Campos,[22] que estava prestes a ser apresentado ao presidente Juscelino Kubitschek de
Oliveira “cuidado (…) o homem é uma pilha de simpatia”.
Imediatas críticas vindas de várias entidades e instituições do governo dos EUA indicaram haver outras posturas
subjacentes, já verificadas anteriormente. Seria o caso de inapetência? Desânimo? Ambivalência? Ou insinceridade?
Ou excesso de retórica para substituir ações decisivas? Sendo o caso, constituiria a mesma característica denunciada
pela administração Obama como marca registrada do inimigo? No início de Abril anunciou-se reforço defensivo e
ofensivo moderníssimo – o THAAD (Terminal High Altitude Area Defense, ou Defesa Terminal de Áreas de
Grande Altitude) em Guam – alvo fácil dos mísseis de três estágios manejados pelos norte-coreanos, que podem
chegar até o Alaska e Canadá. Acompanhou-se de estado de prontidão dos “marines” sul-coreanos – país hoje
conduzido por uma senhora, Park Geun-hye. Boa parte dos especialistas e do público, independente de
partidarismos, julgaram realística esta atitude. Atitude imediatamente seguida de tréplica norte-coreana, que exigiu
a retirada destas forças – agora ajudada, na retórica, pela China, que teria se sentido ainda mais ameaçada, já que
todas as movimentações militares norte-americanas e de seus aliados perto de seu terriotório parecem-lhe afirmações
de conquista ou proibições ao seu crescimento econômico.

A temporada de atitudes tidas como provocativas pode ser resumida:[23]


 Reabertura de um reator nuclear em Yongbyon para produzir plutônio:[24] na prática, equivale a rompimento de
tratado internacional de 2007, obtido de por negociações já indistinguíveis de chantagem nuclear;
 Concentração de tropas ao longo da linha desmilitarizada estabelecida em 1954: tornando-a, de fato,
remilitarizada; equivalendo a novo rompimento de tratados internacionais de 1954. Estas tropas foram equipadas
com armas de artilharia pesada apontadas para Seul;

 Criação de um clima de preparação para a guerra para sua própria população: talvez o único exemplo de pura
propaganda retórica para consumo local.

 Repentina proibição da entrada de 400 empregados graduados da Coreia do Sul no Parque Industrial de
Keasong:[25] o único sinal de cooperação benéfica, mutuamente produtiva, entre dois vizinhos separados pela
conjugação invencível de violência internacional e nacional – a chamada Guerra Fria entre sistemas ideológicos
aparentemente diversos, capitalismo e comunismo, mas unidos na voracidade humana.[26]
 Manutenção intencional e bem-sucedida de um clima geral de ignorância nos canais diplomáticos, e
consequentemente, nos sistemas de inteligência de grandes países e na mídia internacional – novamente, lição
bem aprendida dos sistemas estalinistas e maoístas. Por exemplo: sequer conseguiu-se concluir com razoável
convicção – pelo menos até maio de 2013, se tais ações ou decisões:

o (i) podiam ser de responsabilidade do sr. Kim;

o (ii) se haveria alguma eminência parda;

o (iii) ou entourage;

o (iv) ou se ele era um “testa de ferro”;

o (v) ou se precisava se impor frente a um governo dividido, ou frente a políticos mais antigos.

 Desobediência frente a uma ordem superior vinda da China, que enviara Li Jianguo político de decadente
prestígio, com formação literária – o PC, desde Deng, favorece engenheiros – liderando pequena delegação de
terceiro escalão. Munidos de uma breve mensagem do recém-empossado Xi Jinping: “não lancem nenhum míssil
balístico”, teriam sido mal recebidos; Jianguo havia chefiado o partido nas províncias de Shaanxi e Shandong,
importantes cultural e economicamente, mas desde 2007 tinha função decorativa no Politburo. Logo após a visita,
fizeram o teste proibido de um míssil de médio alcance, capaz de chegar ao Alaska e Canadá, com sucesso.

 Ataque armado e danificação, seguidos de sequestro de um navio pesqueiro chinês – ocorrido em fevereiro de
2013 – dois meses após a visita de Li Jianguo. A notícia só foi convenientemente divulgada no final de maio,
pela China, como uma “reclamação” do empresário que possuía o navio.

Outros atos, já levados a cabo desde 1994, e mais sistematicamente desde 2009, na gestão de Kim Jong-il, voltaram
a ocorrer com o jovem líder, compondo o cenário:

(i) Reiniciaram-se sequestros de indivíduos de nacionalidade norte-americana e sul-coreana, sob várias acusações:
espionagem, tentativas de “derrubar o governo”, aos quais seriam aplicadas penas draconianas, logo comutadas
por pagamentos em dinheiro ou promessas de “ajuda econômica”. No início de maio, o sr. Kenneth Bae, agente de
turismo econômico, conduzindo empresários em direção à China teve viagem interrompida. Tornou-se a sexta
pessoa a ser abduzida por policiais do governo norte-coreano. Outros sequestrados foram jornalistas e
funcionários da agência internacional de controle de energia atômica, “liberados” ou “deportados” após visitas
de ex-presidentes, como Bill Clinton e Jimmy Carter. Tem sido um modo de obter transferências pecuniárias e
promessas de ajuda econômica: modalidade governamental de extorsão e chantagem, já praticada na história
antiga pelos assaltantes de estrada e por reis; na Idade Média, espraiou-se pelos precursores mediterrâneos da
Máfia.[27] Incrementada pelo governo estalinista e pelos seus plagiários nazistas, principalmente após o advento
do “Estado-SS”, liderado por Hitler, Himmler e Heydrich. O governo norte-coreano declarou que não se tratava
de moeda de troca; o que implica necessariamente que se tratava, já que seu governo tem primado por amor a
declarações verdadeiras.
(ii) Contramarchas e freios úteis em propaganda: convite a políticos e jogadores de basquetebol norte-americanos
para visitar o país, aparentando repetir a retirada de ameaças após promessas de ajuda econômica, como seus
dois antecessores. Kim Jong-un teria exclamado repetidamente a um de seus convidados, a quem chamou de
“amigo”, o ex- jogador de basquete Dennis Rodman: “Quero a paz! Quero a paz! Quero a paz”! Acrescentou,
fazendo Rodman de secretário ou carteiro, como se pudesse agendar compromissos de outros; “ele quer apenas
uma coisa de Obama, que ele o chame para uma conferência”.

Mais de seis meses de propaganda parecem ter dado certo para boa parcela da audiência. Um evento isolado e
meramente coincidente, testemunhado pelo autor destas linhas pode ter valor ilustrativo: um dia após o bem-
sucedido ataque levado a cabo pelos irmãos Tsarnaev contra competidores e assistentes da maratona em Boston, um
grupo de brasileiros, no aeroporto de Guarulhos, temerosos de atrasos na chegada aos EUA e eventuais revistas na
imigração, tendo mal ouvido a notícia em aparelhos de TV de entretenimento para passageiros, julgou que se tratava
da consumação da ameaça; espalharam nas salas de embarque: “Os coreanos jogaram uma bomba atômica em
Boston”.[28]
Tal evento, em si desimportante, permite introduzir uma outra hipótese diagnóstica de situação, pertencente aos
âmbitos sociológico e pedagógico. Não é específica aos pontos de vista psiquiátrico ou psicológico, embora os
inclua, transdisciplinarmente – assim como, historicamente, a filosofia e a medicina acabaram levando o ser humano
à psiquiatria e à psicologia. Pode ser sumarizada pela capciosa máxima de Alexander Pope – um dos maiores sábios
do Iluminismo inglês: “pouco saber é algo perigoso”.[29]

Mídia

As poucas coisas que a mídia podia, e ainda pode divulgar, não passam de meras amplificações da propaganda
oficial da Coreia do Norte. Área onde o notável sucesso dos norte-coreanos pode ser comparado aquele obtido pelo
dr. Göebbels, mas ampliado, pela mútua colaboração com setores da mídia ocidental, escrava dos índices de
audiência – como os norte-coreanos têm sido escravos do regime da família Kim. Por exemplo, no início de 2013,
o governo da Coreia do Norte convidou o sr. Dennis Rodman, antigo ás de basquetebol nos jogos promovidos pela
NBA, e agora astro televisivo dedicado a pessoas de pouco saber – o que parece ser também o caso dele mesmo –
para visitar Kim Jong-un e seu país-quintal. Logo aceito pela HBO e associados, que acrescentaram, para gosto
geral, alguns membros do Globe Trotters.

Como exemplo de amplificação para compor certas “teses”, que não passam de hipóteses nebulosas dos serviços de
inteligência de vários países aliados dos Estados Unidos, como a Coreia do Sul ou Japão, temos o evento ocorrido
em maio: a Coreia do Norte divulgou peculiar condecoração de uma policial de trânsito norte-coreana. Ela teria
“salvo” a vida de Kim Jong-un em um “acidente de trânsito”. A Coreia do Sul interpretou o evento como tentativa
mal-sucedida de assassinato político.

A primeira aparição mundial de Kim Jong-un – que teria nascido em 1984 – ocorreu em um fotograma da TV oficial,
captado pela mídia ocidental, em setembro de 2010. Estava junto a vários membros antigos do Partido Comunista
da Coreia do Norte, em meio a um auditório. Não se mencionou nada além da identidade e da desconfiança de que
seria o predileto do pai, que já estava gravemente doente. Em dezembro de 2011, foi empossado como comandante
supremo das Forças Armadas, após o falecimento do pai – o que equivale ao posto do ditador máximo, em um país
hipermilitarizado. Interpretou-se que sua carreira era “muito melhor do que a do pai”, já que começou acumulando
todos os cargos de importância.

A mídia passou a exacerbar fragmentos de afirmações de alguns especialistas (governamentais ou não) que também
repetiam a propaganda norte-coreana; e também de alguns políticos convidados a visitar o país, incrementando o
clima de confusão que impede análise mais precisa da situação. Otimismo apressado – wishful thinking – encontrou
adesões mundiais imediatas em locais cansados de turbulências sociais destrutivas e intervenções armadas
reprovadas por muitos: quando o rechonchudo sr. Kim Jong-un foi empossado, divulgou-se que “estudara na Suíça”,
interpretado com bom acréscimo em uma pretensa e desejada “educação ocidental”.

E que gostava de coisas norte-americanas, como basquetebol; teria uma bela esposa, Ri Sol Ju,“permitindo que ela
aparecesse em público” – realmente, há uma descarga diária de vídeos na internet com os dois batendo palmas em
público. Estaria “interessado em elevar o nível econômico de sua população”, o que significava que seguiria,
obviamente, o exemplo originado em Singapura e Hong-Kong, espraiado pela China, Vietnã e outros países
asiáticos, de favorecimento de capitalismo estatal. “Kim Jong-un é um político mais hábil que seu pai”, exclamou,
entre outros, o sr. Bill Richardson, ex-governador do estado de Novo México, outro convidado a visitar o país.
“consegue fazer discursos muito melhores (…) seus movimentos físicos são mais naturais (…) fica à vontade com
nos seus cumprimentos ao povo”. Victor Cha, diretor dos estudos asiáticos na Universidade de Georgetown, ex-
integrante do Conselho de Segurança dos EUA, achou que “talvez Kim Jong-il tenha escolhido o caçula por estar
procurando as qualidades que ele mesmo não tinha: extroversão”. Um exercício psicológico a priori abstruso: como
se fosse o caso de um pai que adquire um trem elétrico para o filho porque não teve um. Mas neste caso, a aquisição
do brinquedo é para si mesmo, como costumam reclamar os filhos. “estudiosos da família Kim” não se abstiveram:
Ken E. Gause, pesquisador sênior para o setor de Estudos Estratégicos da CNA, afirmou que o jovem Kim mostrava
uma firmeza de liderança que seus dois irmãos mais velhos não tinham (…) um requerimento básico para não ser
engolido no jogo político”. Joseph DeTrani, antigo oficial da CIA e do Departamento de Estado que participou de
negociações com a Coreia do Norte, afirmou que Kim Jong-un “…inspirou alguma esperança”. Assim foi vista sua
ordem imperial e presença para a inauguração de um parque aquático – “coisa de americano” – em Pyongpyang –
o único exemplo de favorecimento escancarado de se fazer uma única metrópole com iluminação feérica, onde obter
eletricidade depende de corrupção, economia informal sobre contrabando e caixinhas milionárias para militares, em
país de agrícola feudal, não mecanizada.

Em resumo: políticos, especialistas de grandes universidades e alguns integrantes dos órgãos de inteligência de
países ocidentais julgaram que este argumento já estaria cristalinamente demonstrado pela sua aparência física – já
que Kim Jung-il, severo antecessor paterno, porém nada paternal, nunca sorria. A agora sorridente aparência,
conjugada com crescente obesidade, foi interpretada como semelhante à de um inofensivo bebê – traindo nascente
sarcasmo e desprezo. Concluiu-se que Kim Jong- un seria menos belicista do que o falecido papai. Para enfatizar a
conclusão, se Kim Jong-un lembrava um nenezinho, o falecido pai foi comparado pela mesma mídia, ressaltando o
considerável aporte em gordura na região dos flancos, a um “barril”.

Ser orientado pelo Principio do Prazer-Desprazer[30] é convite seguro ao perigo e ao engano. É assim que o governo
norte-americano, como o de muitos outros países, têm sido, de modo excessivo –Lincoln, os dois Roosevelts, George
Kennan, Reagan, Kissinger e poucos comandantes militares terão sido exceções.
Seis meses depois, acompanhando a explosiva manifestação de ameaças, a interpretação sobre a obesidade
modificou-se. O personagem midiático Kim Jung-un não se parecia mais a um bebezinho. Por truque de propaganda
coerente com a cultura asiática, intentando simular atmosfera de força física descomunal, como se fosse um
praticante de sumô, teria sido submetido a regime alimentar hipercalórico, penteado e trajes maoístas “para lembrar
o avô, Kim-il Sung”, fundador da ditadura hereditária – que provocou uma guerra digna dos ditadores da época,
ceifando 5 milhões de vidas em quatro anos; incluindo 35.500 soldados norte-americanos. Sung foi muitas vezes
comparado a seu protetor, Mao Ze-Dong. A comparação se faz por qualidade; pois o “grande timoneiro” teria sido
responsável pela morte de 65 milhões de chineses, dos quais 45 milhões (algumas fontes citam 30) entre 1958 e
1962.

Os até então prazenteiros relatos transmutaram-se: agora acreditava-se existir o comportamento típico de um “louco”
que “queria dominar a península coreana” (…) “um mascote que não foi treinado e portanto não tem medo de nada”.
Alguém conseguiu se recordar de que havia suspeitas que o ataque contra embarcações da Coreia do Sul, em 2010,
teria sido promovido por Kim Jung-un. E que a ação poderia ter sido motivada pela imaginada insistência que ele
deveria ser o filho escolhido pelo pai para sucedê-lo, apesar da condição de caçula. Outro lembrou-se que em julho
de 2012, Ri Yong-ho, o maior chefe militar fora da família Kim, teria sido demitido. Imaginou-se racha na cúpula
de poucos amigos. Também foi divulgado que ele não falava nenhuma palavra em inglês, apesar de ter sido “educado
na Suíça”. Um redator do New York Times achou ser uma boa hora de se recordar do fato de que Madeleine
Albright, servindo Bill Clinton, levara uma bola de basquete autografada por Michael Jordan para Kim Jong-il.
Hoje, exibida em um museu de Pyongyang: chamou tudo isto de “diplomacia do basquetebol”.

O respeitadíssimo The Economist, em uma de suas bem-humoradas capas, com letras garrafais, em vermelho, de 9
de fevereiro, afirmava haver “mudança na Coreia do Norte”; e dedicava um de seus artigos de exame mais profundo,
na série denominada Briefing, à população que agora sobrevivia graças a remessas ilegais de refugiados na Coreia
do Sul e na China. Relata o caso de uma jovem mulher, trancafiada por usar um chapéu de inverno com a inscrição,
“New York”. Liberada por oficiais corruptos meses depois, por duas dúzias de cigarros contrabandeados pela mãe,
hoje é refugiada na Coreia do Sul.

Boa parte da opinião ocidental concluiu que era o caso de um “moleque inexperiente, atrevido e mimado”. Em maio,
um respeitado periódico de circulação mundial e nos altos escalões governamentais, afirmou que Kim Jong-un
“havia aprendido estratégia geopolítica em algum videogame”, utilizando de modo sarcástico e subestimante
informações de colegas do atual ditador na escola secundária.

Algumas reportagens acrescentaram maior especificidade: tratar-se-ia de um “esquizofrênico” que dirigia um


governo “paranoide”, com ideias de perseguição. Alguém que agia não apenas como representante de uma elite,
mas sentia-se parte da subjugada e desnutrida população norte-coreana. Alguém que realmente acreditava na
iminência de uma invasão pelos Estados Unidos e Coreia do Sul, precisando proteger o país com arsenal nuclear
próprio. Outros, assessorados por alguém diplomado em psiquiatria, e com a dúbia credencial de estar na
Ásia,[31] argumentavam que não se tratava de esquizofrenia paranoide, mas de um caso “bipolar” – palavra mais
da moda para definir o que vinte anos atrás se denominava, psicose maníaco-depressiva.
Seja lá qual for o diagnóstico inspirado ou plagiado da psiquiatria, o jovem ditador estaria manifestando “delírios
de grandeza”. “Retardado, doido”, “parece um novo Hitler, agora atômico”, foram epítetos aplicados a esta pessoa
que ninguém conhecia. Um almirante, Samuel Locklear III, comandante das tropas norte-americanas no Pacífico,
testemunhando no Congresso no final de abril, afirmou que: “o pai e o avô inseriam nos ciclos de provocação uma
rota de fuga, uma rampa para caírem fora do ciclo(…)não me parece claro que ele (Kim Jong-un) tenha pensado
como fazer isto, tornando o cenário especialmente desafiador”.

Pode-se recordar de uma exclamação de Stalin, a respeito de Hitler: “Este sujeito nunca sabe qual é a hora de parar”,
evidenciando confirmações do modelo estalinista das ditaduras encabeçadas por Kim Sung-on e Kim Jong-il, que,
segundo Locklear, sabiam qual era a hora correta de parar.

Também confirma escassez de conhecimento pessoal sobre Kim Jong-un. Iniciou-se a temporada de contraditória
emissão de “atestados de sanidade” por parte de outros comentadores convidados pela imprensa. Sempre guardando
do ditador, notável distância física, evidenciando alguma prudência (…) em um país onde a fonte de conhecimentos
econômicos tem sido o Google Maps. Uma gama ainda mais variada de acadêmicos foi chamada a opinar. Tinham
certeza de que o jovem Kim estava “comportando-se racionalmente”, de modo totalmente “são”. Um deles
acrescentou que “também eram racionais e sãos” os traficantes de drogas psicotrópicas e vários políticos em suas
manipulações e artimanhas.
O critério de sanidade é a presença de raciocínio lógico. Algo que retira parte da população mundial de ser vista
como insana – justamente aquela composta de psicopatas e sociopatas. Como exemplo deste tipo de sanidade, temos
as várias expressões de gíria política que se sucedem no tempo, como aquela da época em que se “fritavam”
ministros. Baseiam-se na observação, hoje clássica, transformada em regra do ato político em muitos lugares,
expressa por Lenin: “É só dar a corda, que ele (ou ela) se enforca sozinho”. O termo “politicamente correto” expressa
insinceridade básica, onde os intentos são negados, omitidos ou disfarçados; o que vale é a manifestação verbal
ostensiva, o que é falado. “Vale a versão, não o fato”. Aquilo que é dito fica relegado para os “entendidos” ou
membros de determinados clubes. Legaliza-se a psicopatia e a sociopatia quando “raciocínio lógico” se torna critério
de sanidade psíquica. De quebra, declara-se como insanas todas as pessoas com deficiência mental – justamente
aquelas que, em sua maioria, mostram imensa consideração à vida. O deficiente mental (a não ser que o quadro se
associe a alguma psicose) não tem ódio à realidade; seu distanciamento, que o induz ao engano, é ligado a falhas de
percepção, por limitação neurológica, constitucional.

Teorias e nomenclaturas

“Louco” tornou-se, milenarmente, qualificativo universal, quando uma pessoa, ou um grupo de pessoas consideram,
ou percebem, por força de necessidade, algo que jamais perceberam anteriormente.

Quando mencionamos “percepção” e “consideração”, fica implícito que estamos afirmando que há uma realidade
externa a nós. No dizer de muitos, em um espectro tão vasto que inclui Fernando Pessoa, Freud, Einstein: a realidade
não dá a menor bola para nós, seres humanos, entidades infinitesimais e absolutamente temporárias nela imersos.
Estímulos externos se abatem sobre nós. Parte deles infiltra-se, queiramos ou não, através de verdadeira “porta de
entrada”, nem totalmente aberta nem totalmente fechada, denominada pelos estudiosos de neurologia, psiquiatria,
psicologia e psicanálise, de “aparato sensorial humano” ou “barreira de contato”[32] – um dos mais desenvolvidos
e completos entre todos os seres vivos, embora insetos ou canídeos possam ter maior desenvolvimento de
determinados setores sensoriais, como visão e audição (respectivamente).
Estes estímulos externos e internos (vindos de nossos órgãos internos, objetivo das lides dos médicos) podem ser
subdivididos entre aquilo que já nos é conhecido (mesmo que parcialmente) e aquilo que nos é desconhecido. Neste
segundo caso, ocorre ainda uma complicação, mais bem estudada pela psicanálise: quando aquilo que é
desconhecido encerra algum estímulo doloroso, é precocemente esquecido. Os psicanalistas o denominam,
“reprimido” e “negado”. Freud observou que todo conhecimento é um re-conhecimento, muitas vezes adquirido
filogenéticamente. Toda vez que o estimulo re-aparece, acaba sendo visto ou sentido, novamente, como se fosse
desconhecido. Estas atitudes e ações demandam grau mínimo de respeito à vida (geralmente visto como postura
humanitária) e consideração com a realidade em suas duas formas, material e imaterial. Esta última, objeto de estudo
de filósofos, físicos e psicanalistas.[33]
Aquilo que já é conhecido raramente é visto como “louco”. Usualmente o hábito embota e prejudica o exercício do
aparato sensorial, danificando a consciência. Impõe-se um automatismo de reações que sugerem insensibilidade –
sinônimo de falta de percepção. Quando sociólogos e políticos falam na necessidade de se incrementar “consciência
social” nas populações, estão se referindo a este tipo de prejuízo automatizado. Quando neurologistas e psicanalistas
se referem ao automatismo envolvido no ato de andar, ou o pedagogo ou pediatra falam em atos de higiene, como
escovar os dentes, também estão se referindo a atos onde a autoconsciência fica quase que inaudível ou invisível:
tratam da percepção de necessidades básicas que precisam ser automatizados. Poucas vezes estes atos são vistos
como “loucos” pelos adultos,[34] por já serem conhecidos. Em contraste, aquilo que é desconhecido sempre se
impõe. Incita, evoca ou provoca, em graus variáveis, reações emocionais dentro de amplo espectro, tanto no
indivíduo como no grupo, agora abrigando violência, pela potencialização já referida.
A necessidade de se lidar com o medo, por sobrevivência, conjugada à ânsia (“aristotélica”) por conhecer tem com
consequência um incitamento à curiosidade humana. Pode produzir:

 (i) um cientista;
 (ii) um artista, ou;

 (iii) um assustado submetido ao princípio do prazer que logo “pula” para conclusões errôneas, por precipitadas
e absolutas. Consistem na fantasia humana de que existe a felicidade absoluta, de que pode haver o domínio de
um poder de controle e extinção final do estimulo doloroso – o eterno acompanhante de quem enfrenta aquilo
que lhe é desconhecido e inesperado. Unificação de Berlim, o euro, bolhas econômicas têm sido exemplos
recentes disto.

É possível formular alguns critérios, ainda que arbitrariamente, de mensuração destas reações emocionais frente a
estímulos desconhecidos. Dois parâmetros polares permitiriam medições, tanto quantitativas como qualitativas – do
mesmo modo que ocorreu quando se descobriu a possibilidade de confeccionar um termômetro, ou uma régua. A
escala deste padrão de medida não será, obviamente, em graus centígrados ou Fahrenheit, nem em centímetros ou
microns, mas em “Primitividade” (ou infância individual, ou grupal). No início desta escala imaginária, pode-se
colocar Medo: a pessoa sente que sua própria sobrevivência, e a de seu grupo, estão ameaçadas. Em um lugar mais
adiante desta escala, pode se colocar, “incitamento à curiosidade”. Esta “escala” depende do desenvolvimento
neurológico do indivíduo e do desenvolvimento social-antropológico do grupo; como a escala de temperatura
depende da iluminação solar. Há mais de meio século mede-se desenvolvimento neurológico segundo várias escalas:
criação de campos magnéticos e elétricos (no eletroencefalograma), quoeficiente intelectual (escalas de Q.I.),
reflexos (no exame clínico em neurologia), quantidade e localização de energia consumida (em ressonâncias
magnéticas), e outras.

O contato com aquilo que é desconhecido reacende situações primevas, que podem ou não serem vistas como
semelhantes a algo que a pessoa já viveu. Sempre relacionadas a medo e/ou curiosidade – em graus variáveis de
preponderância, e constantemente conjugadas. O primitivismo emocional – individual ou grupal – é tal, que qualquer
tipo de discriminação entre pessoas, eventos e coisas materiais, já não pode mais ser efetuado. O estímulo pode ser
um tsunami; ou uma aurora (fenômenos físicos); ou uma descoberta artística, científica ou tecnológica; ou um ato
humano, seja de sublimidade – o nascimento de uma criança, ou o salvamento de alguém em perigo – ou de
bestialidade – um crime hediondo, como extermínios étnicos por preconceitos, ou assassínios em massa ou
individuais, ou atos de ingratidão, ou de traição. Tudo isto pode ser classificado, em primeira instância, como
“louco”. Obviamente, ameaças com armas nucleares feitas por um ditador insensível incitam a dotação natural do
ser humano para sentir medo – estudado por um século pelos maiores autores em psicanálise, Freud, Melanie Klein,
Donald Winnicott e Wilfred Bion, chamado por eles de “angustia de aniquilamento”. É o sentimento mais primitivo,
profundo e amplo até hoje conhecido; apenas doenças neurológicas muito raras o suprimem.

Seria útil – sem dúvida para uma audiência de leitores leigos, mas hoje em dia, também para neurologistas e
psiquiatras – recordar que o diagnóstico “esquizofrenia”, ou “mente clivada”, descreve um estado mental onde certos
pensamentos e também etapas do pensar, como a senso-percepção, não se integram entre si. O termo foi inventado
(e não descoberto) por um clínico experiente, o dr. Eugen Bleuler. Fascinado por uma descoberta de Freud, sobre a
clivagem dos processos de pensar, complementou seu invento com uma descoberta própria.[35]O esquizofrênico se
caracteriza por “ambivalência” – imobiliza-se em uma situação de dúvida, circular, optando ora por algo que lhe
parece uma verdade, ora por outra, numa ciranda “enlouquecedora”, que danifica a potência individual, em termos
de pensamento e consequentemente, de atitudes práticas. Algo bastante semelhante à guinada nas opiniões da mídia
sobre Kim Jong-un – recordando o destino da personagem Geni, em uma das músicas de Chico Buarque de Holanda
para A Ópera do Malandro.[36]
Anos depois, o psiquiatra alemão, dr. Kurt Schneider, elaborou um inventário de sintomas, descritos como sendo de
“primeira e segunda ordem”, alertando que não se deveria diagnosticar a doença com base em apenas uma das duas
ordens. Elas precisariam ser utilizadas em conjunto. Os de “primeira ordem” incluem alucinações auditivas; delírios
de transmissão, roubo ou controle de pensamentos. Os de “segunda ordem” incluem outras alucinações (visuais,
tacteis, olfativas), empobrecimento na área do pensar, euforia ou depressão. Nestes dois casos, podem aparecer os
delírios de superioridade e arrogância – tecnicamente denominados “delírios paranoides”.
Freud havia demonstrado a universalidade dos sintomas neuróticos; Klein e Bion demonstraram que os sintomas
externos correspondentes aos delírios de superioridade (coloquialmente chamados de “arrogância”) são universais,
e que os assim chamados “psicóticos” – esquizofrênicos e bipolares – apresentam apenas uma variação quantitativa
– exacerbação – naquilo que qualitativamente pode ser componente de toda e qualquer personalidade: negação da
realidade (externa e interna), descoberta por Freud como característica geral das psicoses.[37]
Melanie Klein também observou a presença de aspectos ditos “maníacos” – delírios de grandeza, fuga de idéias,
comuns nos workaholics, hiperatividade – como uma etapa necessária no desenvolvimento emocional. Novamente,
pessoas apontadas como “normais” em determinadas estruturas sociais apresentam estes sintomas, exacerbados
quantitativamente: colecionismos, avareza, avidez de dominar os outros. Algo conhecido desde sempre, na classe
governante. Pesquisas genéticas com gêmeos, ainda que sem terem podido identificar nenhum gene específico,
demonstram a presença de famílias de paranóides, de famílias de maníacos, onde o antigo dilema, natureza versus
criação, parece ter sido resolvido. Há indicações da existência de famílias de psicopatas.

Delinquência e psicopatia apresentam características básicas, exacerbações do que se observa nas psicoses
(esquizofrenia e bipolar, se usarmos as classificações aparecidas na mídia para Kim Jong-un): ódio à verdade e
desconsideração à vida.[38] O delinquente despreza sua própria vida; o psicopata despreza a vida dos outros. O fato
de que o psicopata tem excelente noção daquilo que é a verdade – para evitar tropeçar nela, por engano – ocasiona
confusão nos comentadores que imaginam haver racionalidade e sanidade em Kim Jong-un. Ela é focada, dirigida
à psicopatia, algo hoje espraiado no governo, na economia e até mesmo na ciência, como atestou o caso Halberstam,
entre outros. Psicóticos fantasiam que obtiveram o prazer absoluto no âmbito do delírio e alucinação. Delinquentes
e psicopatas o realizam no âmbito do consumo desbridado, avidez que inclui roubo e assalto físico. Terá sido esta,
a falta de discriminação, socialmente determinada, de alguns comentadores, que julgaram ser “racional” e “sadio”
o comportamento de Kim Jong-un? Se usarmos parâmetros usuais nas sociedades de consumo, muitos de seus
membros que obtiveram notável sucesso inserem-se nestas classificações. Um famoso produtor de filmes de
Hollywood comparou sua atividade àquela dos que trabalham em minas de carvão: “Voltamos para nossas casas,
imundos”. É um fato real de que são tênues os limites entre a atividade política e a do grande capital (privado ou
público) com envolvimentos com o sistema penal. Não foi coincidência, a identidade total de interesses da
propaganda da Coreia do Norte e de órgãos midiáticos do Ocidente.
Psicóticos e psicopatas são subservientes, beirando a escravidão, ao Principio do Prazer-Desprazer. Gerando ciclo
destrutivo, quase moto-contínuo, de avidez e inveja. Estes aspectos, especialmente no psicopata, criam um estado
de ingratidão plena – e embasam a hipótese original: o país ao qual poderiam ser gratos, a China, passou a ser alvo
desta ingratidão e desprezo. Colocado em termos de fábula: a do sapo e do escorpião, cantada por Esopo e La
Fontaine, escrita pela primeira vez em sânscrito (300 a.C).

O desejo absoluto produz uma forma peculiar no pensamento, resumido através da equação: o que é deles, é deles;
o que é dos outros, é ou será deles. Ou, 1+1 = zero. Ao contrário das crianças e dos povos primitivos, que animizam
objetos inanimados, estas pessoas “des-animizam” entidades animadas; para eles, meros instrumentos ou
ferramentas a serviço do desejo. Algo indistinguível de assassínio, efeito da desconsideração à vida. As expressões
se fazem sentir na história das ideias da civilização ocidental: pode-se considerar que as ideias de Fichte foram seu
protótipo mais bem acabado. A produção em série se deu no século XX, com o Futurismo, Estalinismo e Hitlerismo,
e seus herdeiros no “pós-modernismo”.

Psicopatia cotidiana

A Coreia do Norte tornou-se verdadeira atleta na prática de propaganda política baseada em falsidades irracionais,
travestidas de racionalidade, de aparência ideológica. Tem provido bom desenvolvimento da prática do doutor (em
filosofia, pela Universidade de Bonn) Joseph Göebbels, que observou, no comportamento individual e das massas
humanas, o fato de que se uma mentira for repetida muitas vezes ela acaba sendo sentida como se fosse uma verdade.
Göebbels havia plagiado os princípios de manipulação do comportamento humano irracional, baseado nos instintos
básicos, descobertos por Edward Bernays – o fundador da atividade de Relações Públicas. Bernays, bacharel em
agricultura pela Universidade de Cornell, especializou-se em jornalismo. Atuou como consultor das maiores
empresas norte-americanas[39] e também de alguns presidentes da república.[40] Tinha a peculiar situação de ser
duplo sobrinho do dr. (em medicina) Sigmund Freud, tanto por parte de mãe (Anna, uma das irmãs de Freud) como
de pai (um irmão da esposa de Freud, Martha). Freud nunca reconheceu publicamente a afirmação feita pelo
sobrinho Edward de que ele havia se inspirado na obra do tio para idealizar a nova atividade. Há indicações de que
Freud, usualmente severo, a desaprovou, justamente pelo intuito manipulador de massas humanas. Em relação ao
regime monolítico e até hoje, imutável, da Coreia do Norte, a ideologia propagandeada é que se trata de um sistema
“autossuficiente” – na língua coreana, Juche. A verdade é de que a Coreia do Norte prossegue sendo um dos países
mais dependentes no globo. Parasitismo implica em dependência total. O método governamental de sequestro à mão
armada de pessoas, e ameaças de violência individual e grupal evidenciam a contínua dependência.
Stalin e Hitler caracterizaram-se, de modo notável, por adesão incondicional (amorosa?) à mentira. Irmanaram-se
na irresponsabilidade absoluta por seus atos: “o rei é bom, mas mal assessorado”, ou “papai Stalin não sabe o que
seus subordinados estão fazendo; se soubesse, os puniria exemplarmente. Foi logo plagiado por Hitler; foi e continua
sendo aventado pelos que os apoiaram e hoje em dia, pelo que os apoiam. Caso recente, o do austríaco Jörg Haider,
governador da Caríntia, abrigo seguro para nazistas: encontrou o mesmo fim de Deleuze e Althusser. Pois a
alternativa para estas pessoas é suicídio ou homicídio – visível nas poucas que se submetem a uma psicanálise. Em
geral, a escolha é por homicídio, e a primeira vítima é o psicanalista. O mesmo exemplo foi rapidamente aplicado
no Brasil, por Getúlio Vargas. Mais recentemente, por aqueles que são nostálgicos pelo seu exemplo encontram-se
excessivamente espalhados nos partidos que mantêm o poder no Brasil e em alguns países sul-americanos.

Personalidade autoritária

Theodor Wiesegrund Adorno dispensa apresentações aos leitores deste periódico. Tem sido apontado como único
inventor deste termo. Na verdade, concebido por um grupo e exposto na obra The Authoritarian Personality (1950),
cujo fulcro prático é a construção e validação de escalas para quantificar preconceito, etnocentrismo e autoritarismo
em indivíduos e grupos. Foram denominadas Escalas F, AS e E: respectivamente, Autoritarismo (a letra F tentou
enfatizar Fascismo, em época onde o autoritarismo assassino estalinista era melhor disfarçado), Antissemitismo e
Etnocentrismo.[41] O autor principal e maior responsável foi R.N. Sanford, professor de psiquiatria e psicanálise
em Berkeley. Além de organizador, idealizou a obra nos anos 1930. Convidou, além de Adorno, Else Frenkel-
Brunswick, doutora em psicologia social e Daniel J. Levinson, psiquiatra com formação psicanalítica, reconhecido
no meio também pela obra The Seasons of A Man’s Life. Respeitando regras formais nas universidades americanas,
Stanford insistiu com os editores que deveria ser seguida a ordem alfabética de sobrenomes. Frenkel-Brunswick
idealizou a escala AS, Levinson a escala E, os três foram responsáveis pela escala F. Theodor Adorno contribuiu
com aspectos parciais do arcabouço teórico que não dependiam da psicanálise nem de sociologia quantitativa. A
Escala F compreendia nove itens qualitativos fortemente influenciados pela hecatombe nazista – fortemente
influenciada pelo zeitgeist, teve valor científico diminuído; Adorno e Frenkel-Brunswick eram refugiados. A Escala
F é um anti-ideário nazista; descreve fatores como convencionalismo (aderência rígida aos valores da classe média);
submissão frente ao autoritarismo (atitude acrítica resultando em idealização frente a autoridades morais); violência
autoritária e oposição ao indivíduo e à suavidade de caráter; favorecimento da força física (identificação com figuras
poderosas); destrutividade; postura cínica (denegrimento do humanismo); excesso de projeção dos impulsos
emocionais inconscientes (no sentido psicanalítico do termo); sobrevalorização do sexo. A Escala E corresponde ao
Nacionalismo – “o último refúgio do velhaco”, na observação do dr. Samuel Johnson, luminar do Iluminismo
inglês.[42]
Meio século de polimento sobre a ideia inicial não a modificou basicamente, mas conferiu-lhe maior consistência,
dando melhor ideia de sua complexidade:[43] progressos na psicologia, sociologia e genética permitem precisar
melhor tendências sádicas na busca incessante por prestígio social, domínio financeiro, status e poder como
negações ou formações reativas ligadas à impotência sexual. Conflitos entre a horda e o indivíduo, resistência à
mudança, entre outros, não são mais vistos como sujeitos apenas a escolhas ideológicas ou culturais. Violência
parece ser democrática, não escolhe nacionalidade, sexo nem classe social. Autoritarismo é marca registrada da
Máfia. Um dos autores mais recentes, Altemeyer,[44] observa que autoritarismo não pode ser creditado apenas à
uma pessoa: depende de uma relação social entre, de um lado, um líder carismático ou um líder que se impôs pela
violência assassina, e de outro lado, o grupo de seguidores, que se submetem-se ao líder, confiando excessivamente
nele, em níveis messiânicos, fornecendo-lhe quase tudo segundo sua busca de prazer e desejo – imposto
unilateralmente, tirânico, exercido com brutalidade. Uma das refugiadas norte-coreanas em Seul, hoje bem-sucedida
economicamente, citada no The Economist, aquela que havia sido presa e torturada por usar um boné de basquetebol,
recusava-se a criticar Kim Jong-un.
O conceito de personalidade autoritária continua útil, como o próprio leitor pode observar por si mesmo, caso
aplique as categorias básicas brevemente descritas à família Kim – embora ao ser formulado, talvez padecesse de
preconceitos análogos aos que descrevia, como a falsidade na atribuição de autoria e uma certa propaganda “de
esquerda” em relação a valores da burguesia (“classe média”).

Alguns psicanalistas consideram que Stalin e Hitler não eram monstros, nem “loucos”: desenvolveram
especificamente alguns aspectos humanos em detrimento de outros (clivagem).[45] Paul Stangl, o único comandante
de um campo de extermínio que concedeu uma entrevista sincera, resumiu o interesse dos nazistas no judaísmo:
“Queríamos o dinheiro deles”.[46] O desenvolvimento do pensamento social humano – se é que existiu algum, no
intervalo de tempo que separa a época réptil dos dinossauros e Hitler[47] – parece estar longe do dia em que se
discriminará “Inclusão” de “Contenção”. Otimisticamente fantasia-se que poderia existir Contenção do
comportamento violento de natureza autóctone, cuja consequência seria Inclusão do ser que apelou e apela para a
violência do “mais forte” – facilitada pela adesão à evasão, mentira e dissimulação. Já foi possível discriminar
violência autóctone de violência reativa, aquela que emerge como legítima defesa – última alternativa para dignidade
humana. A existência de violência autóctone, ou endógena, tem sido ciclicamente afirmada e negada, até mesmo
pela psiquiatria forense. Virou tabu e nêmesis daquilo que se convencionou denominar, “esquerda” – que a atribui
exclusivamente ao que se convencionou denominar “direita”. Os primeiros a imaginam “causada” por sociedades
doentes; os segundos enxergam causas cerebrais. No entanto, entre imprecações mútuas, observa-se continuidade
de métodos e alianças sólidas nas ações de próceres do golpe militar de 1964 e de presidentes atuais – “filhotes da
ditadura” segundo um deles que se imaginava não sendo um deles. Terroristas de esquerda ou de direita suprem
seus desejos ávidos por meio dos mesmos fornecedores de armas. Quando tal discriminação puder ser feita, não
causará surpresa a perenidade brasileira expressa pela observação poética de que “dormia a pátria
adormecida/enquanto era subtraída em tenebrosas transações”. Alguns mais lúcidos e menos iludidos prosseguem
sendo parte de minoria desprezada ou ridicularizada – como Jacob Gorender, contrário a revisões extemporâneas e
vingativas na lei de Anistia e à promoção oportunística, nada oportuna, de indenizações financeiras.
O entrecruzamento entre personalidade autoritária, delinquência e psicopatia está no tratamento dispensado à fêmea,
à mulher – e à vida. O jurista Carl Schmitt fez carreira como grande protegido de Erich Kaufmann e Hugo Preuss,
de ascendência judaica, os maiores juristas da República de Weimar. Voltou-se contra os dois e contra a república
que ele mesmo ajudara a fundar, alistando-se no NSDAP em maio de 1933. Em O Führer protege o direito,
esclareceu que “a ideia de lei tornou-se simplesmente uma palavra de força”.[48] Na sua versão brasileira, por
Getúlio Vargas, “para os amigos, tudo; para os inimigos, a justiça”. Concomitante, Schmitt ataca o que achava ser
o romantismo, “vitimado por passividade”, “falta de virilidade” e “entusiasmado fanatismo feminino” (feminine
Schwärmerei);[49] católico, mas divorciado duas vezes, personifica autoritarismo e desrespeito à fêmea, clímax da
desconsideração à vida.
Dois sintomas sociais desta situação na cleptocrática Coreia do Norte podem ser exemplificados: queda de taxas de
natalidade e inserção da mulher como provedora financeira. Isto ocorreu no estalinismo Stakanovista onde mulheres
erigiram fábricas de automóveis sob supervisão de Henry Ford, e na Alemanha do pós-guerra, com as “carregadoras
de tijolos” que desobstruíram edificações bombardeadas e ruas destruídas por bombas Aliadas somadas à politica
de terra arrasada nazista – e pelas mulheres da Coreia do Norte que se encarregam de angariar e circular bens
contrabandeados, orquestradas pelos oficiais corruptos. Como na reunificação alemã, responsável pela aceleração
dos movimentos neonazistas, , segundo Andrei Lankov,[50] deverá ser manancial de criminosos institucionais:
“Não é, de forma alguma um regime imutável: 15 anos mudaram muitas coisas, e a mudança veio de baixo”. Afirma
que é uma sociedade onde dinheiro fala muito mais alto do que qualquer relacionamento com o próprio regime.

Ao vivo?

O exame psicanalítico se destaca do exame psiquiátrico – e também do exame psicológico acadêmico – no fato de
que tenta (nem sempre de modo bem-sucedido) alcançar níveis além (ou aquém; a terminologia fica a critério do
gosto do leitor) das meras aparências, ou dos níveis fenomênicos. Portanto, o “comportamento”, sob o vértice (ou
ponto de vista) psicanalítico difere do “comportamento” externo, ostensivo, aparente – assunto do psicólogo
behaviorista ou do psicólogo acadêmico que se dedica ao estudo do sistema consciente. Correndo o risco de um
trocadilho de mau gosto, mas feito apenas em função de maior precisão comunicacional, o psicanalista busca o
“comportamento” intensivo, os fatores invisíveis, imateriais, mas reais – os fatos da personalidade da pessoa que
ocasionam seu comportamento.

Quando a questão é de sobrevivência, o ser humano alimenta-se de migalhas ou até insetos ou répteis, deixando
satisfação e ojeriza de lado. Os relatos propagados pela mídia internacional – pobres, altamente inconfiáveis, pois a
perspectiva repentina de “luzes da ribalta” distorce o julgamento – permitem a construção de algumas hipóteses que
serão conjugadas com os fatos reais, teorias e experiências sumarizadas nas páginas anteriores. Apenas através da
imprensa está sendo possível dispor de pouquíssimos relatos desta natureza. Um cidadão português, dois suíços, um
japonês e um norte-americano obtiveram contato pessoal com Kim Jung-un: João Micaelo, filho de um diplomata,
hoje chef de cuisine em Viena; Marco Imhof, Ueli Studer e Dennis Rodman. Os dois primeiros, colegas, o terceiro,
coordenador da escola secundária Steimhoesli em Berna, de altíssimo luxo. O quarto, já citado, é astro televisivo.
A única outra menção pública de outro norte-americano é a do ex-governador de Novo México: alguém que não
obteve contato real, mesmo que tenha falado como se tivesse tido. Contentou-se em opinar a partir de imagens de
televisão. Nenhum dos três possui formação elaborada, e menos ainda, psiquiátrica ou psicanalítica – algo
flagrantemente revelado pelas declarações públicas que fizeram: em princípio, “fofocas”. Micaelo, o mais loquaz,
afirmou:

Um grande admirador dos Chicago Bulls (…) oitenta por cento do nosso tempo foi gasto jogando basquete (….)
adorava filmes de Jackie Chan e de jogar videogames (…) fazia lição de casa (…) talentoso para matemática e
para desenho (…) muito bom amigo, muito quieto. Um amigão, brincalhão (…) disse ser filho do embaixador (…)
reconheci-o pelas fotos (Na imprensa, logo após a posse, em 2012), mas seu nome era Park-un (…).

Imhof referiu que: “falava um alemão esquisito, misturado com o que se fala em Berna (…) não era bom no inglês
(… ) só ouvia música coreana ou pop-disco (…) sujeito muito divertido, sempre pronto para uma boa gargalhada
(…) não posso acreditar que joguei basquete com ele”.
Não vamos utilizar os dados midiáticos fornecidos pelo prof. Studer, por omissão explícita e intencional do
entrevistado.

“Kenji Fujimoto” é o pseudônimo de um sushiman nipônico que viveu três anos em Pyongyang, no centro da corte
da família Kim. Evadiu-se, apavorado com o sistema de controle contínuo; em 2003 publicou um livro contendo
relatos de sua experiência. Isto nos dá uma pálida ideia do ambiente em que Kim Jong-un pode ter sido criado.
Imitando Stalin, manteve uma entourage composta de cozinheiros e entretenedores submissos aos seus desejos, para
deliciá-lo e diverti-lo, e também à sua família e alguns acólitos. O local, uma espécie de nightclub que trabalhava
dia e noite, como em Las Vegas, chamava-se “Salão de Banquetes 8”:

As mulheres desta entourage eram frequentemente convocadas ao Salão de Banquetes 8 em Pyongyang, para
dançar (…)o palco estava equipado com iluminação elaborada, incluindo focos laterais e um globo espelhado
pendurado no teto, além de luzes estroboscópicas (…) o assoalho tinha iluminação que vinha por baixo; enormes
alto-falantes martelavam a audiência com as músicas prediletas da família (…) durante um banquete, cinco
dançarinas saracoteavam no ritmo “disco”. Repentinamente, Kim Jong-il ordenou, “Tirem as roupas!” Elas o
fizeram, mas Kim enfatizou que teriam que ficar nuas. Demonstraram surpresa, pois não era possível esconder o
embaraço. Mas quem poderia se recusar a obedecer as ordens do Querido Líder?[51] De modo desajeitado,
enrubescidas, desnudaram-se e deste modo continuaram sua performance (…). Passou algum tempo, Kim voltou-
se aos membros de seu gabinete: “Vocês aí, vão dançar com elas.” O próximo a ser convocado a dançar seria eu,
que era apenas o cozinheiro. Mas ele nos alertou: “Voces vão dançar, mas não podem tocar nelas. Se fizerem isto,
serão considerados ladrões (…) Kim Jong-il tinha um paladar extremamente sensível (…) vivia na cozinha, dando
palpites nos temperos (…) sempre nos convocava para jogos de cartas e odiava perder.
Fujimoto alegou ter tido contato com Kim Jong-un: “Quando criança era impetuoso e extremamente competitivo,
como o pai (…) Kim Jong-il adorava o turbulento filho.”

Psicopatia constitucional e familiar

Não há dados suficientes para afirmar que Kim Jong-un seja um esquizofrênico. Faltam-lhe quase todos os sinais e
sintomas decisivos, que poderiam aparecer na adolescência: ambivalência, autismo, alucinações (percepção sem
objeto externo) ou delírios – histórias racionais construídas com alucinações. Este “racional”, no psicótico – uso da
lógica euclidiana nos processos de pensamento – difere do “racional” no psicopata.

Mesmo que nosso exame esteja bastante limitado por informações encontradas na imprensa atinentes apenas ao
sistema Consciente, eivadas de valores do zeitgeist da civilização ocidental, o dado, “gostar de coisas americanas”
– basquete, Mickey Mouse, Kentucky Fried Chicken, automóveis luxuosos, videogames – é sintomático daquilo
que já ocorreu com calças Lee e Coca-Cola na União Soviética, entre centenas de outros exemplos. Pode significar
exercício de avidez e inveja. No jargão dos médicos, “fala a favor” de psicopatia ou delinquência.

Fantasias de superioridade, características da “Posição esquizo-paranoide”,[52] aparecem em psicóticos


(esquizofrênicos e maníaco-depressivos) e psicopatas. No entanto, o modo pela qual elas aparecem é diverso. Se
existiu alguma fantasia de superioridade – um dos sintomas dos estados paranoides – ela não se localizou nos norte-
coreanos. Uma de suas manifestações é a da desqualificação e denegrimento, por subestimação. Por exemplo, a
precoce afirmação de que havia: “desconexão entre retórica e ação” na postura de Kim Jong-un e seus colaboradores.
Comentário sarcástico, infiltrado de fantasias de superioridade, pode ser exemplificado em outra afirmação, de que
Kim Jong-un “conhece política através de videogame”. Utiliza, de um modo que um psicanalista classificaria como
clivado, apenas um dado (talvez verossímil) da realidade como se fosse o todo da realidade. Então, uma hipótese de
negação da realidade típica da esquizofrenia paranoide poderia ser aplicada a membros do governo dos Estados
Unidos e seus colaboradores na mídia ocidental. É verdade que tudo isto se manifesta por infantilidade ingênua –
como o “aperto de mão estendida” ofertado por Obama e recusado pelos iranianos; ou os brados de George Bush
Jr. de ter encontrado um “homem sincero” na pessoa de Vladimir Putin. Ou a aclamação, “Este é o meu preferido,
ele está aqui mesmo, amo este sujeito” (“This is my man, right here, I love this guy”) dispensada por Obama a Luiz
Inácio Lula da Silva, em 2009. Quase que literalmente iguais à visão de Dennis Rodman, que, na entrevista
internacional em Pyongyang, exclusiva para um consórcio negocial entre a HBO e do Grupo Vice, declarou que “A
Coreia do Norte ama seu novo líder, Kim Jong-un (…) e vocês não podem imaginar o que vem agora. O sujeito é
impressionante – eu o amo. E vocês não sabem da melhor: imaginem só, tanto o avô como o pai dele foram grandes
líderes”!
As primeiras reações verbais do governo norte-americano, eivadas de retórica – por um mecanismo classificável
psicanaliticamente como “projeção”, colocadas no inimigo – continham indisfarçada gabolice e jactâncias:
paciência estratégica. Theodore Roosevelt, em uma viagem à Amazônia, foi ciceroneado pelo marechal Cândido
Rondon, com quem travou sólida amizade. Tiveram que enfrentar agressão com arma de fogo de um indivíduo
integrante da expedição. A ação rápida do então ex-presidente norte-americano evitou maiores consequências. Horas
depois, recomendou a Rondon que nunca subestimasse a ferocidade de um covarde.[53]Exemplos de história
política locupletariam uma enciclopédia: Trotsky e Neville Chamberlain a subestimaram. O preço foi pago pelos
inglêses, russos e por boa parte do mundo ocidental. Adolf Hitler e seus partidários subestimaram a capacidade de
batalha dos norte-americanos e dos russos, pagando o mesmo preço que o revolucionário russo e o líder político
inglês haviam pago. Os quatro acabaram arrastando boa parte da população mundial a uma hecatombe até hoje não
ultrapassada; um deles foi suicidado, outro se suicidou e o terceiro semeou indignidade pessoal e grupal – um
suicídio político.
Algumas pessoas – que os alemães denominam, menschen kenner (conhecedores de homens) possuem, através de
experiência de vida, aquilo que uma psicanálise pode trazer em menor tempo, concentrando custo pessoal. Talvez
possam, por maturidade, dispensar um tratamento psicanalítico. O autor destas linhas ouviu de um embaixador cuja
formação era em direito, um misto de constatação com lamento: “acho que todo diplomata precisaria ser psicólogo;
fui fazer um curso errado”. Descontado o exagero e o tom melancólico, podia conter alguma verdade.

A experiência em clínica psicanalítica evidencia que estas atitudes ocorrem em pares; de modo complexo, os pares
se acoplam paradoxalmente a alguns pares opostos. Subestimar ferocidade e inteligência usualmente se conjuga à
superestimação de poder e conhecimento.

Desrespeito à verdade

Um exemplo histórico oposto pode ser o conflito ocorrido em 1848, entre Alemanha e França. Luiz Napoleão
ameaçou invadir a Alemanha; Otto Bismarck reagiu através de um ato: invadiu preventivamente a França. Luiz
Napoleão, logo vencido, reclamou acerbamente: teria esperado que Bismarck percebesse que eram apenas ameaças.
Bismarck teria ficado perplexo: como seria possível que o mandatário máximo de um país mentisse?[54] Luiz
Napoleão fez escola no aguerrido vizinho: em 1935, a ditadura Alemã rompeu o tratado de Versailles, inaugurando
nova era de desrespeito à própria palavra, repetindo o fato por várias vezes. Hitler ficou ainda mais bestificado do
que Luiz Napoleão, quando Chamberlain, finalmente, declarou estado de guerra. No caso da Coreia do Norte, está
havendo negação e subestimação dos seguintes fatos:
 Reabertura de um reator nuclear em Yongbyon para produzir plutônio;

 Concentração de tropas ao longo da linha desmilitarizada estabelecida em 1954;

 Desobediência frente a uma ordem superior vinda da China.

Desconsideração à vida

 Criação de um clima de preparação para a guerra para sua própria população;

 Manutenção intencional e bem-sucedida de um clima geral de ignorância nos canais diplomáticos;

 Repentina proibição da entrada de 400 empregados graduados da Coreia do Sul no Parque Industrial de Keasong.

O leitor que se deu ao trabalho de catalogar as características da “personalidade autoritária” poderá encontrá-las nos
relatos de Kenji Fujimoto. Um filme japonês de enorme sucesso, de 1980 – O império dos sentidos – evidencia a
desconsideração à vida ocasionada pela subserviência ao prazer e satisfação desmesurada do desejo. Nos termos de
Freud, o princípio do prazer vence o princípio da realidade. Isto é incompatível com sobrevivência. Vida nababesca
dos privilegiados em termos financeiros e econômicos, locupletando-se de “verbas públicas”, tornou-se “normal”
na casta dos ditadores. Stalin, que adorava automóveis, mandou fazer uma réplica da engenhoca “Packard” apenas
para uso próprio; Brejhnev, o último estalinista soviético, tinha considerável coleção destas obras de engenharia.
Ainda dentro dos relatos “ao vivo”, atos que poderiam passar despercebidos, por serem habituais em muitas
sociedades, sendo considerados “normais”, se revestem de seminal importância na nossa hipótese. A percepção
pode ficar borrada, por exemplo, quanto ao fato de se aproveitar de benesses em função de cargos públicos:

 A família Kim vive com nível econômico compatível com o de magnatas. Uma das raras fotos de Kim Jong-un
em sua época de infância mostra um menininho usando chapéu de Mickey Mouse;

 Kim Jong-un se utilizava de um cognome – hábito comum entre ditadores e facínoras;

 Kim Jong-un “desapareceu da escola suíça sem se despedir de ninguém” – inclusive daqueles que se
consideravam seus amigos. Não é responsável por erros de julgamento dos adolescentes, nem dos jornalistas ou
membros do governo. Mas é responsável por mentir, omitir e se evadir.

Segundo os relatos de Joao Micaelo e Imhof, existe forte possibilidade de que tenha sido bem educado para se portar
direitinho em sociedade. Aprendeu como ser “extrovertido” e brincalhão, evitando sequer resvalar por aquilo que
seria a verdade de sua existência. Sequestradores e terroristas, ou agentes silenciosos que aprendem a língua local e
agem como as pessoas “do lugar” tornaram-se lugar tão comum que não podem mais ser usados por autores de
histórias de espionagem. Compõem o zeitgeist do final do século XX e do início do XXI.

Educação ocidental

Dois impulsos auto-alimentantes, em feedback, descritos pela psicanálise, compõem o ciclo destrutivo, psicopático
e sociopático: Avidez e Inveja.[55] Por Avidez, entende-se a obtenção desenfreada de algo desnecessário. Por
Inveja, entende-se o impulso de destruir fisicamente, ou denegrir, no âmbito das ideias, algo (uma coisa material,
ou um evento) ou alguém a quem se deseja ardentemente. Na frase popular: “quem desdenha, quer comprar”.
Exemplos históricos recentes proveriam material para uma enciclopédia: por exemplo, a história do almirante
Isoroku Yamamoto, arquiteto do ataque a Pearl Harbour, que aprendeu técnicas militares na Academia de West
Point. E a dos membros da Al-Qaeda e da família Bin Laden. E principalmente, para este articulista, a de Abdul
Quaader Kahn, o multimilionário traficante de tecnologia nuclear para finalidades destrutivas. Todos munidos de
“educação ocidental”. Kim Jong-il contratou Kahn e sua equipe; Kim Jong-un continua mantendo colaboração
mutuamente frutífera com eles, segundo o jornalista investigativo Mark Hibbs – o primeiro a desmascarar o
paquistanês e descobrir os meandros de seus negócios multibilionários.
“Pouco saber é algo perigoso” – Hitler e Stalin, paradigmas demonstrativos. Na Antiguidade cristã, teatralizada por
Umberto Eco no personagem Frei Jorge e sua biblioteca secreta, depois incendiada (O nome da rosa), advogou-se
que nenhum saber é menos perigoso do que pouco saber. A “educação ocidental”, tanto para locais como
estrangeiros, tem servido aos ávidos e invejosos conseguirem o pouco saber, útil para angariar fundos destrutivos
de modo rápido. Pouco saber é um excelente escorregador para a banalização. A existência da família Kim e seus
auxiliares, como Ahmed Kahn, evidenciam a importância de se dar atenção à banalização, já que ela tem se espraiado
a quase tudo, neste meio século que nos separam das constatações de Hanna Arendt.[56]
Verdadeiro alvo

“Ondas” criminosas em megalópolis variam de alvo segundo verdadeiras temporadas: por vezes, caixas eletrônicos
de bancos; por vezes, assaltos à mão armada na rua; por vezes crimes na esfera governamental; por vezes sequestros
propriamente ditos. Sequestradores e piratas bem sabem onde se encontra o dinheiro. Seus motivos racionais variam
muito – o chileno Norambuena, responsável pelo sequestro de vários brasileiros famosos, iniciou carreira sob o
disfarce humanitário do socialismo.

Nos tempos atuais, em que esta doutrina também caiu de moda, a China divide com os Estados Unidos, em um
estado simbiótico e muitas vezes parasitário, os cofres mundiais. A família Kim parece saber a porta na qual deve
bater. Desafiar publicamente o cofre tão poderoso, que sempre a tratou como títere; e desafiar em curtíssima
distância, pode ser excessivamente perigoso. É alta a probabilidade de que a aparentemente imutável, mas na
verdade extremamente móvel estratégia norte-coreana também aja por “ondas” e “temporadas”: incrementam
exigências de dinheiro sonante da China, não apenas das potências ocidentais – hoje depauperadas. Hoje em dia,
ameaçar os EUA não custa muito ao país que faz ameaças, embora custe excessivamente para os EUA. Seria como
“matar dois coelhos de uma cajadada só”; a expertise em propaganda os faz exibir mais apenas o “coelho menor”.

Países africanos começam a se queixar do “imperialismo chinês”; alguns governantes dizem “ter saudades dos
empresários norte-americanos e europeus” quando se trata de exploração de campos de petróleo. A Coreia do Norte
não apenas desobedeceu as ordens chinesas quanto a novos testes com bombas nucleares e mísseis, mas irritou-se
com o fato de que a delegação chinesa foi avisá-la com brevíssima mensagem. Agiu mais como carteiro ou oficial
de justiça; tinha apenas funcionários de segundo escalão e foi liderada por um político de importância descendente.
Reação de Kim Jong-un e acólitos: sequestrar um navio pesqueiro chinês.

Qual será o resultado do primeiro esforço combinado dos países mais ricos do mundo, agora incluindo o
patrocinador maior, a China, unindo sanções econômicas e isolamento diplomático? A resposta imediata de Pequim
frente ao sequestro do navio pesqueiro foi o congelamento das contas multibilionárias mantidas pela família Kim e
seus colaboradores. Usando, e parafraseando Alexander Pope, pode-se dizer que “todo este amontoado de coisa
nenhuma, escrito em estilo tão estranho, maravilha o ignorante, e faz o sábio sorrir”. E que outros países, como o
Irã, ainda não se aventuraram naquilo que Kim Jong-un e seus ministros já adentraram.[57] O sucesso de sanções
econômicas e diplomáticas impostas sobre ditaduras hereditárias autoritaristas tem estado em um espectro que vai
do nulo ao sofrível; muitas vezes incrementa o sofrimento do povo.
Pela enésima vez, a esperança baseada no desejo, que não tem memória, vence a experiência.

Nota final

Na mesma semana em que este artigo foi terminado, The Economist, em sua sessão de resenhas de livros, fornecida
por um dos conselheiros da Política Externa que nutriu o articulista de informações recentes, publicou o sumário do
The Real North Korea: Life and Politics in the Failed Stalinist Utopia, de Andrei Lankov, autor citado deste ensaio
hipotético. Deixou o autor menos isolado sobre a hipótese da chantagem hoje ser dirigida à China, e de que o sistema
cleptocrático e psicopático não é imutável. Lankov é infinitamente mais gabaritado para adiantar sua hipótese,
concordante com a deste articulista. Talvez os dois estejam errados – só o tempo poderá confirmar ou desconfirmar.
No entanto, mostra como é possível estar sinceramente errado.

* Notas bibliográficas: mantidas em nível mínimo, para esclarecer origem de conceitos técnicos; não se registram
nomes de editoras para obras bem conhecidas ou de fácil acesso. ↑

Notas

[1] Tem-se utilizado de conhecimentos advindos da psiquiatria, psicologia (tanto individuais como sociais),
sociologia – inclusive sociologia política e política propriamente dita, história e história da economia. ↑
[2] Quando comparado com boa parte das outras áreas da medicina, que dispõe de poderosos métodos físicos de
abordagem, diagnóstico e ação. ↑
[3] Roger Money-Kyrle, 1968. The Selected Work of Roger Money-Kyrle. Clunie Press, 1979. Há uma versão
brasileira: Obras selecionadas de Roger Money-Kyrle. Casa do Psicólogo, 1996; Wilfred R. Bion, 1961, Experiences
in Groups: Tavistock Publ.; Hanna Arendt, 1973 : The Origins of Totalitarism. A introdução sumarizada das ideias
de Arendt no Brasil foi feita por Celso Lafer, 1979. Hanna Arendt. Pensamento, persuasão e poder. Editora Paz e
Terra; Elliott Jaques, 1976: A General theory of Bureaucracy. Heinemann. ↑
[4] O conceito de observação participante é idêntico ao usado pelos físicos relativistas e quânticos; os dois diferem
radicalmente do conceito de observação vigente no Positivismo de Auguste Comte. Implicam em avanços da
antropologia proporcionados por Darwin e na física moderna, principalmente após as contribuições de Paul Dirac e
Werner Heisenberg. Percebe e quantifica influências do observador no fenômeno observado. O termo foi cunhado
por Bronislaw Malinowsky, em 1922. Sem estar ciente desta história – e, portanto, da própria existência prévia do
conceito – este articulista o utilizou a partir de 1992 em uma série de descrições clínicas da postura clínica do
psicanalista proposta por Sigmund Freud, na série A apreensão da realidade psíquica (ed. Imago, 1997-2003).
Aparece de modo implícito em vários conceitos operacionais, como o da “Transferência”(1912). Foi aperfeiçoado
por Melanie Klein na técnica de análise infantil com brinquedos e com o conceito de identificação projetiva (1946)
e por Donald Winnicott com o conceito prático de “objeto transicional” (1952), mais bem desenvolvido por Wilfred
R. Bion, com o conceito dos seis vínculos entre pessoas, intrapsíquicos e entre pessoas e objetos (vínculos de
conhecimento, de ódio, de amor, comensal, simbiótico e parasítico), e explicitado, ainda que não com este nome,
no aproveitamento psicanalítico dos conceitos provenientes da matemática de Transformações e Invariâncias
(1965). ↑
[5] “Aparato sensorial” é algo que congrega, para adquirir o que John Locke denominou, “senso comum”: órgãos
neurológicos responsáveis por captar os estímulos externos e internos. Visão, audição, paladar, tato, olfato,
consciência parcial das atividades cerebrais e de alguns órgãos internos são os principais, mas não os únicos
componentes especializados deste aparato sensorial, no indivíduo. E de modo logaritmicamente potencializado, no
grupo (grande ou pequeno), sempre composto de indivíduos. ↑
[6] Conforme observada e definida por Kant, em Crítica da razão pura. ↑
[7] Wilfred R. Bion, Transformations, Heinemann Medical Books, 1965 (versão em português, Imago Editora,
2004). ↑
[8] Citado – paradoxalmente – por Elizabeth Young Bruehl em Anna Freud, a Biography; Yale University Press,
2008. Freud proibiu terminantemente que alguém se aventurasse a biografá-lo. Max Schur, médico que realizou a
eutanásia do descobridor da psicanálise foi o primeiro a fazê-lo. Anna Freud, sua filha mais nova, autorizou que
Ernest Jones o fizesse, dezesse anos depois. ↑
[9] Análise terminável e interminável; um esbôço de psicanálise (1937) e Construções em análise (1938). ↑
[10] Por exemplo: antibióticos podem funcionar razoavelmente in vitro, dentro de um laboratório, e serem inúteis
in vivo, quando utilizados em seres vivos. ↑
[11] Lugar comum é um dos efeitos sociais de banalização; é necessário distinguir esta expressão do conceito de
“senso comum”, originalmente cunhado por John Locke (ver nota 3). ↑
[12] Que sempre necessita incluir conhecimento proveniente da neurologia e da genética, por mais provisórios e
fragmentários que possam ser – como realmente o são, no âmbito do comportamento humano. O trabalho prático
em psicanálise demonstra a possibilidade de se aprender a partir da experiência (Wilfred R. Bion: Learning from
Experience, Heinemann Medical Books, 1962). ↑
[13] Alcançaram o senso comum, tornando-se clássicos, os alertas contidos em “a história ocorre como tragédia e
repete-se como farsa”, e “o povo que desconhece sua história está condenado a repeti-la”. ↑
[14] O termo, “história das ideias”, parece ter se originado com a obra de Giambaptistta Vico; desenvolvido por
Von Herder e, no século XX, redescoberto por Isaiah Berlin. Tornaram-se clássicos os estudos de Michel Foucault
(Loucura e civilização: uma história da loucura na idade da razão, 1961), Georges Canguillem (O normal e o
patológico. 1966) e de August Holingshead e Frederick Redlich (Classe social e doença mental, 1958). ↑
[15] Ou, em linguagem científica, criação e natureza: não em oposição como costuma ser comum (nature versus
nurture), mas como material de conhecimento empírico básico, integrativo. ↑
[16] “História das ideias” é aqui compreendida segundo critérios definidos por Giambattista Vico, Herder e mais
modernamente, revividos por Isaiah Berlin. “Transcendência” obedece aos critérios expostos por Spinoza em Ética
e Kant em Critica da razão pura; os termos e conceitos de “invariância” e “transformações” foram criados pelos
matemáticos Arthur Cayley e James J. Syvester (em torno de 1848); trazidos à física por Paul Dirac (Principles of
Quantum Mechanics, 1930), aplicados à psicanálise com Wilfred R. Bion (Transformations, 1963, onde a concepção
do “tornar-se” é melhor descrita) e bem depois à filosofia, por Robert Nozik (Invariances, 2001). ↑
[17] Idealismo (ou subjetivismo, ou solipsismo) e Relativismo tem sido classicamente descritos; sumários recentes
podem ser encontrados, por exemplo, na contribuição de C. Norris (Against Relativism: Philosophy of Science,
Deconstruction and Critical Theory, 1997). ↑
[18] Utilizo aqui as formulações de Francis Bacon nos Essays e de Kant em Crítica da razão pura, magistralmente
sintetizadas por Goethe e Nietzsche. ↑
[19] Exagerado, e por isto distorcido, pelo embaixador William Bullitt. ↑
[20] A formulação é de Shakespeare, em Measure for Measure: Fashion, the Cunning Livery of Hell. ↑
[21] Embora tenha sido verdadeira a constatação de falha em alguns dos testes, algo normal em qualquer
experimentação, como aquelas feitas em Peenemunde ou no Cabo Canaveral, entre outros locais, convenientemente
deixou-se de lado a informação segura de que a Coreia do Norte tem uma experiência de meio século na fabricação
deste tipo de foguete, e de quase um quarto de século no manejo de energia nuclear. Quando fazia parte da União
Soviética, foi designada, em 1960 para desenvolver o Scud – cópia do V2 alemão, fornecendo-os ao Egito na guerra
do Yom Kippur. Lentamente, melhoraram seu alcance, nos Hwasong dos anos 1980, NoDong dos anos 1990 e
Taepondong; o último teste, desqualificado pela propaganda ocidental, foi feito em dezembro de 2012. Com o
NoDong, a Coreia do Norte iniciou bem-sucedida colaboração mútua com o Paquistão, jejuno nesta área da indústria
de armas. Na gestão Musharaff, passou a fornecer tecnologia nuclear para os norte-coreanos. ↑
[22] A Lanterna da popa, memórias, 1994, p. 216. ↑
[23] Provocações justificadas ou não, é algo para o leitor optar, seja por conhecimento, orientação ideológica ou
gosto pessoal. ↑
[24] A Coreia do Norte tem utilizado tecnologia comprada do traficante polivalente de armas e tecnologia nucleares
paquistanês Ahmed H. Kahn de amplo espectro: urânio e plutônio. ↑
[25] Fabricando enorme variedade de bens de consumo destinados à exportação. A Coreia do Norte fornecia mão
de obra com salários ultrajantemente baixos, mas bem melhores do que os da média populacional. A Coreia do Sul
fornecia projetos, expertise e as próprias linhas de produção em série. ↑
[26] O termo “voracidade” foi introduzido no vocabulário cientifico pela psicanálise, por Freud e Melanie Klein.
Foi utilizado por alguém que não pode ser qualificado como partidário de qualquer sistema teórico psicologizante:
o ex-embaixador norte-americano na Áustria e ex-editor da revista Time em uma de suas melhores fases, sr. Henry
Grünwald, em “The Year 2000 – Is it the end – or just the Beginning?” Time. 139: 13: 45-48, 1992. ↑
[27] Palavra de origem árabe: mahyas ou mafud, significando “jactância agressiva”, ou “rejeitado”. ↑
[28] Faziam parte, acidentalmente, deste micro-grupo irradiador de novidades impensadas ou desejosas, pelo menos
dois membros de uma pequena comitiva do Itamaraty que esperava a partida do avião, para participar de evento
menor na capital norte-americana. ↑
[29] A little learning is a dangerous thing (Alexander Pope, 1711: An Essay on Criticism). ↑
[30] Freud, em 1910, observou a existência de dois princípios paradoxais que regem o funcionamento mental: o
princípio do prazer-desprazer, expresso pelo impulso de busca infidável de satisfação e evitação infidável de
experiências dolorosas; e o princípio da realidade, que impõe frustração de desejos e experiências vividas como
dolorosas. ↑
[31] Alguns países asiáticos anunciam enormes progressos na área médica – no entanto, o relato de algumas pessoas
atendidas em Singapura permitem questionar esta afirmação, que parece tender para a jactância. Equipamentos
modernos e excesso de divisas não implicam em melhor qualidade de atendimento. ↑
[32] Nota de rodapé 3. O termo “barreira de contato” foi cunhado por Freud, em 1895, no Projeto para uma
psicologia Científica, poucos anos após suas hipóteses a respeito de uma unidade ainda desconhecida, hoje chamada
de “neurônio”. Não tem sido comum creditar esta descoberta a ele. ↑
[33] Para os intuitos deste artigo, será útil não nos estendermos em diatribes filológicas, semânticas ou filosóficas,
como por exemplo, diferenciações ou similitudes entre Realidade e Verdade. Será possível evitá-las se lidarmos
com “verdades”, ou Verdade, mas nunca com “A Verdade” (ou verdade absoluta), como o fizeram muitos na historia
das ideias da civilização ocidental e oriental, em todos os âmbitos do conhecimento humano. Uma listagem, por
questões de espaço, ficará a critério da experiência individual do leitor, provavelmente filiado a alguma (ou poucas)
escolástica formativa.Talvez sirva como exemplo minimalista, pecando por falhas, citar obras de autores
desconhecidos que criaram o Baghavad Gita, a Bíblia judaico-cristã e conhecidos, como Confúcio, Sócrates, Platão,
Aristóteles, Shakespeare, Dante, Vico, Hume, Kant, Montaigne, Diderot, Goethe, Darwin, Nietzsche, Freud,
Einstein, Heisenberg, Bergson e Monod. ↑
[34] Não se pode dizer o mesmo em relação às crianças. ↑
[35] Depois aproveitada por Freud, em colaboração mútua; cientistas que merecem tal nome reconhecem a origem
das descobertas, obedecendo ao sistema de citações de autorias. ↑
[36] Esta recordação do articulista exemplifica uma “associação livre”, produto do exercício da “atenção livremente
flutuante” durante a leitura dos periódicos utilizados para a confecção deste artigo. ↑
[37] S. Freud, Negation, 1919. ↑
[38] W.R.Bion, Cogitations, 1992, Karnac Books. Existe uma versão Brasileira: Cogitações, Imago Editora, 2000. ↑
[39] De tabaco, alimentos, automóveis, eletricidade; e de saúde pública, na área de odontologia. ↑
[40] W. Wilson, C. Coolidge, F.D. Roosevelt e H. Truman. ↑
[41] Tinha 78 quesitos, e versões simplificadas contendo 40, 45 e 60 quesitos; Antissemitismo (42 quesitos);
Etnocentrismo (34 quesitos). Baseia-se em concepções psicanalíticas da época e inclui elaboração qualitativa
proveniente de sociologia política.

[42] John Boswell, 1791. Life of Samuel Johnson. ↑
[43] Contribuições de Eysenck (1954), Rokeach (1960), Ray (1976), Altemayer (1981), Duckitt (1989), Feldman
(2003). ↑
[44] Robert Altemeyer, The Authoritarian Specter, 1996: Harvard University Press. O prof. Altemeyer tem levado
a postura pessoal antiautoritária às suas últimas consequências: a súmula de seu trabalho até 2006 está publicada na
web, independente de editoras: https\www.members.shaw.ca/jeanaltemeyer/drbob/TheAuthoritarians.pdf. ↑
[45] Wilfred R. Bion, A Memoir of the Future, 1975; Imago Editora, 1975; Karnac Books, 1991. Existe uma versão
em português: Uma memória do futuro, Martins Fontes, 1988. Mike Tyson pode ser citado como exemplo de
desenvolvimento de um aspecto humano; se patológico ou não, depende do contexto social. ↑
[46] Gitta Sereny, 1983: Into that Darkness: Nova York: Vintage Books. Trechos da entrevista de Stangl, ex-
comandante de Treblinka, foram publicados em quase toda a imprensa ocidental nos anos setenta; no Brasil, onde
Stangl foi encontrado por Simon Wiesenthal através da denúncia de seu genro, pelo periódico Realidade. ↑
[47] W.R. Bion, Uma memória do futuro, livro 1. ↑
[48] Citado por K.R.Bracher, 1969; The German Dictatoship.Versão inglesa, Penguin Books, 1991. ↑
[49] Citado por Löwy e Sayre, 1992, Revolta e melancolia – O Romantismo na contramão da modernidade. Versão
brasileira, ed. Vozes, 1995. ↑
[50] Talvez o mais profundo conhecedor do regime norte-coreano na atualidade. Remanescente do regime soviético,
trabalha na Universidade Kookmin da Coreia do Sul. ↑
[51] Um dos cognomes mais utilizados na propaganda oficial do governo norte-coreano. ↑
[52] Conceito clínico que integra Freud e Bleuler, de Melanie Klein, 1946: “Notes on some schizoid mechanisms”.
In: Developments in Psycho-Analysis. The Hogarth Press and the Institute of Psycho-Analysis, 1952. ↑
[53] Nas selvas do Brasil, 1914. Tradução de Luiz Guimarães Jr, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1943. ↑
[54] A.J.P. Taylor. Europe: Grandeur and Decline. Penguin Books, 1991. ↑
[55] Melanie Klein, Envy and Gratitude, Tavistock Publ., 1957. ↑
[56] Hanna Arendt, 1963. Eichmann in Israel. A Report on Banality of Evil. ↑
[57] “Such labour’d nothings, in so strange a style, Amaze th’unlearn’d, and make the learned smile”; “For fools
rush in where angels fear to tread”: An Essay on Man, 1733. ↑
ESTA MATÉRIA FAZ PARTE DO VOLUME 22 Nº1 DA REVISTA POLÍTICA EXTERNA

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