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Impasse nas negociações sobre

mudança climática
por Alcindo Gonçalves em 27/02/2015
http://politicaexterna.com.br/2674/impasse-nas-
negociacoes-sobre-mudanca-climatica/

Cada vez mais consensuais na comunidade científica,


embora ainda não unânimes, as conclusões sobre as
potencialmente terríveis consequências humanitárias do processo de mudança climática caso não sejam
invertidas, exigem ações dos agentes públicos internacionais. Desde a entrada em vigor da Convenção-Quadro
das Nações Unidas sobre Mudança Climática, em 1994, 20 Conferências das Partes (COPs), reunindo todos
os países que a ratificaram, aconteceram. As negociações em torno do tema não têm, entretanto, avançado no
ritmo e proporção necessários. A participação da sociedade civil global é fundamental para forçar e criar
condições de respostas mais ágeis e efetivas aos problemas que ameaçam o futuro do planeta.

Introdução

Os jornais de todo o mundo noticiaram, no início de 2015, que a Nasa (agência espacial americana)
e a Noaa (agência governamental americana dedicada aos oceanos e à atmosfera) concluíram que
2014 foi o ano mais quente já registrado desde 1880. Além disso, desde 1976 a temperatura média
global está acima da média histórica do século XX. Foi constatado ainda que os dez anos mais
quentes dos últimos 135 anos ocorreram, com exceção de 1998, no século XXI, e que 2014 abrigou
os meses de maio, junho, agosto, setembro, outubro e dezembro mais quentes desde 1880. No
acumulado, a temperatura média do planeta foi 0,69º maior do que a média do século XX, utilizada
como referência para comparações.[1]
A mudança climática é, portanto, fato incontestável, e aponta claramente para o fenômeno do
aquecimento global. A posição consensual sobre o assunto no meio científico é que a causa seria
antropogênica, ou seja, o aquecimento é consequência direta da ação humana e dos processos que
se iniciaram com a Revolução Industrial. A ideia de “consenso” é alcançada pela comunidade
científica a partir das análises sobre um tema, rigorosa revisão dos dados, debate sobre as
incertezas e, finalmente, a produção de visão coletiva baseada a partir do balanço das evidências.[2]
No caso das mudanças climáticas, é importante notar que as conclusões, referendadas pelo Painel
Intergovernamental das Mudanças Climáticas (IPCC), corpo científico que funciona sob os auspícios
da Organização das Nações Unidas (ONU), apontam para um risco significativo que ameaça a
prosperidade e estabilidade da sociedade, originado pelas atividades humanas, e é fundamental
reduzir as emissões poluentes que causam o problema.

Consenso não significa unanimidade. Há vozes dissonantes, expressas pelos chamados “céticos” ou
“negacionistas”, que basicamente relacionam as elevações de temperatura a variações normais, em
ciclos históricos que sempre ocorreram no planeta. Eles são, porém, francamente minoritários. Uma
análise dos resumos de 11.944 estudos científicos avaliados por colegas, publicados entre 1991 e
2011 (em peer-reviewed journals) e escritos por 29.083 autores, concluiu que 98,4% dos autores que
tomaram posição endossaram o aquecimento global provocado pelo homem, 1,2% o rejeitaram e
0,4% não souberam dizer. Percentuais semelhantes resultaram de análises alternativas dos
dados.[3]
Recentemente, ganhou força o argumento de que, após 1998, teria havido um “hiato” nas mudanças
climáticas na década 2000-2010, caracterizado por relativa estabilidade na temperatura média
mundial, enquanto as emissões de gases de efeito estufa teriam continuado a crescer. Isso levaria à
redução da sensibilidade climática (que mede o quanto a Terra se aquece a cada vez que dobram
as concentrações de CO2 na atmosfera), fazendo com que previsões de que haveria elevação da
temperatura de 2º até 4,5ºC (com a melhor estimativa em 3ºC) até 2100 fossem revistas para baixo,
com estimativas que apontariam 1,6º como ponto de equilíbrio.[4]
Tal questão recebeu tratamento nos meios científicos, e segundo estudo publicado na revista
Science, por Chen Xianyao, da Universidade dos Oceanos da China, em Qingdao, e Ka-Kit Tung, da
Universidade de Washington, em Seattle, o fenômeno seria explicado pelo armazenamento de calor
em grandes profundidades dos oceanos, que teriam se aquecido mais do que a superfície do mar,
exatamente no período em questão. Mas tal processo pode ser revertido em algum momento, já que
tal situação (águas profundas mais quentes do que a superfície) não seria sustentável no longo
prazo.[5]
Os dados da Nasa e Noaa, divulgados em janeiro de 2015, põem em dúvida, de maneira direta, se a
pausa no aquecimento global teria realmente ocorrido a partir de 1998, indicando exatamente o
contrário: dos dez anos mais quentes desde 1880, nove aconteceram na primeira década do século
XXI. E mesmo admitindo a hipótese do hiato, ele não significa que não esteja em curso um perigoso
processo de aquecimento. Se há incerteza quanto à sensibilidade climática (o aquecimento severo,
de 3ºC, podendo ser menor), ainda assim há sérios riscos envolvidos, cuja extensão e dimensão
ainda são desconhecidas.

A mudança climática exige ações. Essa preocupação cresceu, e passou a figurar na agenda
internacional. Desde a entrada em vigor da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança
Climática, em 1994, vinte Conferências das Partes (COPs), reunindo todos os países que a
ratificaram, aconteceram. As negociações em torno do tema não têm, entretanto, avançado no ritmo
e proporção necessários. O impasse tem sido a tônica, a indicar que o atual modelo – negociações
multilaterais amplas – precisa ser rediscutido.

As mudanças climáticas e seus efeitos

No século XIX, o chamado “efeito estufa” foi identificado através da análise da penetração dos raios
solares e seu retorno ao espaço entre uma mistura de gases, nos quais o gás carbônico ou dióxido
de carbono (CO2) é componente chave, ao lado de outros, como o metano e o vapor d’água. Os
gases responsáveis pelo efeito estufa são cruciais para reter calor e tornar o planeta habitável. Sem
eles a Terra congelaria, mas seu crescimento desordenado faz com que a superfície aqueça,
reduzindo a quantidade de calor que é irradiada de volta ao espaço. Em resumo: um pouco de
carbono é uma boa coisa; em demasia torna-se ruim, potencialmente muito ruim.[6]
O CO2 e o metano (CH4) são os dois principais gases de efeito estufa,[7] e é preciso destacar que a
queima do metano libera dióxido de carbono, com um agravante: se ele for liberado na atmosfera
sem ser queimado, como acontece nos aterros sanitários, criação de gado e manguezais, torna-se
um gás de efeito estufa 20 a 25 vezes mais potente do que o CO2. Mas este é o maior responsável
pelo aquecimento global, gerado pela combustão (veículos movidos por combustíveis fósseis,
processos industriais, queimadas etc.), permanecendo na atmosfera por 100 anos ou mais, de tal
forma que seu estoque vai se acumulando ao longo do tempo.
Desde a Revolução Industrial vem crescendo a emissão de gases de efeito estufa, atingindo
proporções alarmantes. As concentrações de CO2 e metano na atmosfera se elevaram, em relação
aos níveis pré-industriais, 40% e 150%, respectivamente, alcançando níveis mais altos do que em
qualquer momento da história nos últimos 800 mil anos. O consumo de energia per capita cresceu
sete vezes e as emissões de dióxido de carbono aumentaram 50 vezes nos últimos 150 anos, sendo
que 70% dessas emissões ocorreram na segunda metade do século XX.[8]
Não restam dúvidas de que a maior concentração de gases de efeito estufa na atmosfera eleva a
temperatura global. E suas emissões são produzidas em duas grandes áreas: os processos
industriais, que incluem a geração de energia pelo uso de combustíveis fósseis (carvão, petróleo,
gás) e o transporte em geral (59% do total), e a mudança no uso do solo – desmatamento,
queimadas para agricultura, criação de gado etc. Nesta segunda categoria, 17% são causados pela
destruição das florestas e 14% pela agricultura, principalmente pela pecuária, já que ela gera 37%
das emissões de metano relacionadas aos seres humanos. Os restantes 10% são causados pelos
outros gases de efeito estufa, como o óxido nitroso e os gases fluorados – HFCs, PFCs e SF6, de
grande potencial de aquecimento global.[9]
Dada a relevância do dióxido de carbono no aquecimento global, foi criada uma medida
internacionalmente aceita que expressa a quantidade de gases de efeito estufa em termos
equivalentes à de CO2 (CO2 equivalente, ou CO2e), levando em conta o potencial de aquecimento
de cada um dos gases. Isso permite que se calcule o quanto de CO2 seria emitido se todos os
gases de efeito estufa fossem emitidos como dióxido de carbono. Em 2012 a concentração de CO2
e na atmosfera terrestre chegou a 445 ppm (partes por milhão),[10] 56% maior do que era na
metade do século XIX (285 ppm), e continua crescendo a uma razão de 2,5 ppm por ano.
O patamar de 450 ppm de CO2e é admitido pela ciência como o limite para que a temperatura global
não aumente mais do que 2ºC em relação aos níveis pré-industriais. Se não houver redução nas
emissões ao longo do século XXI, e for mantido – ou pior, incrementado – seu ritmo, a situação pode
chegar a níveis insustentáveis, com elevação da temperatura em até 6,4ºC em 2100, cujas
consequências seriam terríveis.

Com aumento de temperatura média de 2ºC, o verão no Oceano Ártico poderá não apresentar mais
gelo em 2050, ou talvez mesmo em 2030. O nível do mar não subiria dois metros, como mencionado
na mídia, mas vários centímetros, o suficiente para causar inundações em várias áreas costeiras, a
maioria localizada em países pobres, como Bangladesh. E as costas teriam que ser protegidas,
como é o caso da Holanda, que possui um terço de seu território abaixo do nível do mar, ou da
região litorânea do leste dos Estados Unidos.[11]
Um aumento de 4ºC na temperatura pode levar à fome em massa. O aquecimento traria como
consequência o desequilíbrio climático intenso em várias regiões do planeta, com secas mais
intensas e prolongadas ao lado de enchentes e inundações de grandes proporções. A falta de água
já é uma realidade em vários pontos da Terra, e a prolongada estiagem na região Sudeste do Brasil
no verão de 2015 é atribuída às mudanças climáticas em curso, embora, como ressalta o
climatologista Carlos Nobre, seja prematura tal conclusão, que exige estudos complexos
globais.[12] Sem água, a produção global de alimentos será fortemente afetada, já que regiões
inteiras poderão se tornar quentes demais para o cultivo, estimando-se que, em 2030, a
percentagem de terra sujeitas a estiagens deve aumentar dos 3% atuais para 30%.[13]
O derretimento de geleiras e das calotas polares, somado ao efeito expansivo da água quando mais
aquecida, provoca a elevação do nível dos oceanos, que já registra 2 mm por ano, a mais alta já
registrada na história. Se esse aumento chegar a 40 cm, bem abaixo dos catastróficos dois metros
anunciados em previsões pessimistas, mas factível mesmo que aconteça a redução das emissões
de gases de efeito estufa em função do já acumulado na atmosfera, será o suficiente para fazer com
que o número de pessoas nas áreas litorâneas ameaçadas por enchentes produzidas pela água do
mar aumente de 75 milhões para algo em torno de 200 milhões. Se a elevação do nível do mar
chegar a um metro, como projeta o IPCC até o final do século, cerca de US$ 1 trilhão em patrimônio
deverá ser afetado.[14]
O desafio de controlar o aquecimento global é enorme e agravado pelo crescimento da população e
aumento da produção e do consumo. Há estimativas de que a taxa de crescimento global em termos
de poder de compra será de 3,2% ao ano até 2050, o que significa uma economia cerca de 3,5
vezes maior do que a atual. Em 1986 o planeta ultrapassou a sua capacidade (quantidade de terra
necessária para manter a economia e o padrão de vida comparada com quanto ainda havia de terra
disponível para tal). Em 2009, essa relação já era de 1,4, e mantido ritmo até 2050, chegará a
5,6.[15]
Isso não acontecerá, como destaca Paul Gilding, não apenas porque causaria danos ambientais
graves, e sim porque tal hipótese negaria as leis da física, biologia, química e matemática. Mas é
inevitável um processo que ele chama de “A Grande Ruptura”, que implica em um período de
estagnação econômica, instabilidade geopolítica e caos ecológico até que a humanidade seja capaz
de começar um processo de reinvenção da economia global e de seu modelo político.

Mesmo que tal cenário não se concretize, os riscos aumentam. Martin Wolf lista oito possibilidades
para enfrentar o problema:[16]
1º) implementar impostos sobre emissões de carbono;
2º) optar pela matriz nuclear;
3º) impor padrões de emissão rígidos sobre automóveis, eletrodomésticos e outras máquinas;
4º) criar um regime de comércio mundial seguro dos combustíveis com menos carbono, reduzindo
assim a dependência do carvão;
5º) promover o financiamento de transferências das melhores tecnologias disponíveis para gerar e
economizar energia;
6º) investir em pesquisa e inovação, com financiamentos públicos a universidades e promoção de
parcerias público-privadas;
7º) investir em adaptação aos efeitos da mudança climática;
8º) estudar a possibilidade de lançar mão da geoengenharia, com manipulação em grande escala na
Terra para reverter o aquecimento global.
O maior desafio é cortar drasticamente as emissões de carbono, implicando na mudança do padrão
energético mundial, na medida em que o petróleo é o principal combustível para transporte em todo
o mundo, e carvão e gás são queimados em quantidade crescente para produzir eletricidade e
fornecer energia às indústrias. Segundo Jeffrey Sachs,[17] há essencialmente duas soluções: o
aproveitamento em massa de fontes de energia renováveis em lugar dos combustíveis fósseis,
especialmente energia eólica e energia solar; e capturar as emissões de CO2 para armazenamento
subterrâneo, a chamada Captura e Sequestro de Carbono (CSC), ainda não comprovada em larga
escala, e que exige investimentos significativos em pesquisa e desenvolvimento antes de se tornar
viável.
Este é ainda um tema polêmico, que remete ao uso da geoengenharia, como, por exemplo,
adicionar partículas nanométricas de sal a nuvens mais baixas, tornando-as mais brancas e
absorvendo assim menos calor, ou borrifar aerossóis de sulfato na estratosfera. Há muita incerteza a
respeito, e muitos cientistas rejeitam a ideia de tentar alterar a mecânica do clima, entendendo-a
como perigosa do ponto de vista ambiental e um desvio da atenção que deveria ser concentrada no
controle das emissões de carbono. Qualquer pesquisa no campo precisa ser desenvolvida em
ambiente de segurança e transparência, de acordo com elevados padrões científicos, e exigirá
tempo para resultados efetivos.[18]
O grande problema é, porém, a urgência, já que as medidas para completar a migração para energia
de baixo carbono terão que surtir efeito ainda em meados deste século, enquanto os avanços têm
sido reduzidos, com poucos progressos nessa transformação. A exploração e produção do gás de
xisto (shale oil e shale gas) em larga escala nos Estados Unidos reduziu o consumo de carvão, mas
não eliminou a emissão de CO2 (apenas reduziu em relação ao carvão) e pode desencadear sérios
problemas ambientais no processo de extração, através da fratura hidráulica das rochas. A Europa
tentou reduzir suas emissões criando um sistema que exige de cada emissor industrial autorização
para gerar cada tonelada de emissão de CO2, através de licenças comercializadas a preços de
mercado (Sistema de Comércio de Emissões da União Europeia – EU ETS). O problema é que, com
a desaceleração econômica a partir de 2009, seu preço despencou, e fez com que as empresas
passassem a ter pouco interesse em reduzir suas emissões, já que o custo das licenças ficou muito
baixo (caíram de US$ 30 antes da crise para menos de US$ 10).[19]
Resta um caminho defendido por vários especialistas, que é adotar taxas e impostos sobre as
emissões de CO2, Dieter Helm,[20] cético em relação às possibilidades efetivas das energias
renováveis correntes, como eólica, solar e bioenergia (embora defenda investimentos em novas
tecnologias), considera que, com impostos cobrados pelo consumo do carbono (e não pela
produção), o mercado seria incentivado a iniciar as transformações. Mais do que os efeitos voláteis e
de curto prazo do mercado do EU ETS, que logo foram anulados pelos baixos preços, a taxação de
carbono, inicialmente baixa e crescendo gradualmente para o meio termo, propiciaria a estrutura
estável para encorajar, num primeiro momento, a transição do carvão para o gás, e, em seguida, o
desenvolvimento de novas tecnologias capazes de resolver, de fato, o problema das mudanças
climáticas.
E há fatos novos. Um estudo (“Renewable Power Generation Costs in 2014”), lançado na 5ª
Assembleia da Agência Internacional de Energia Renovável (Irena), realizada em Abu-Dhabi entre
19 e 22 de janeiro de 2015, mostrou que o custo de geração de eletricidade a partir de biomassa,
hidroeletricidade, geotérmica e eólica produzida em terra já é competitivo, mesmo com a forte queda
do petróleo. O custo da produção de energia solar caiu pela metade entre 2010 e 2014, aumentando
de forma significativa sua competitividade. E a queda do preço do petróleo traz como consequência
tornar inviável sua exploração em áreas difíceis, como o Ártico e as águas profundas, beneficiando o
desenvolvimento da energia renovável, cujos custos de tecnologia estariam em queda.[21]
Segundo o diretor-geral da Irena, Adnan Z. Amin, é possível, com a tecnologia e o custo que as
energias renováveis têm hoje, promover uma mudança dramática enquanto é construída uma
economia mais forte e sistemas de geração mais saudáveis e limpos, propondo que o Fundo
Climático Verde, aprovado na COP-16, realizada em Cancun em 2010, e que já tem recursos da
ordem de US$ 10 bilhões, seja transformado em um mecanismo de empréstimo que financie
energias renováveis.[22]
Há alternativas e caminhos para a redução das emissões de gases de efeito estufa, que passam por
ações de cunho econômico (taxação do carbono, criação de mecanismos de controle de emissões
através de licenças), político (como compromissos dos Estados nacionais em diminuir suas
emissões), e tecnológico (como pesquisa e desenvolvimento da energia renovável, e mesmo da
geoengenharia). O grande problema, desde a década de 1990, é a concertação dos interesses,
capaz de resultar em ações efetivas globais. Até aqui, predominaram os conflitos, a ausência de
cooperação e a indiferença de muitos países.

Conferências e Acordos Climáticos

Desde o final do século XIX, a partir dos estudos do químico sueco Svante Arrhenius, é conhecido o
papel que os gases de efeito estufa exercem sobre o clima terrestre. Arrhenius comprovou a relação
entre a elevação da temperatura e a maior ou menor concentração desses gases, mas não previu a
velocidade com que isso ocorreria. Durante muito tempo, a questão foi tratada como um problema
para um futuro distante.

Somente na segunda metade do século XX começaram a crescer as preocupações internacionais a


respeito das questões relativas ao meio ambiente, que passaram gradualmente a fazer parte da
agenda global. Um marco importante é a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente
Humano, realizada em Estocolmo, em 1972, que pela primeira vez concertou esforços da
comunidade internacional para tratar o meio ambiente como um tópico importante de preocupação e
atenção, e é considerada hoje como referência na evolução do Direito Internacional do Meio
Ambiente.[23]
O mais efetivo legado da Conferência de Estocolmo, e que traduz de modo inequívoco o
compromisso com o tema, foi a criação do PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente, organismo com sede em Nairóbi, no Quênia, e que passou desde então a coordenar o
trabalho internacional na área, buscando não só disseminar informações e dados e desenvolver
programas específicos, mas também incentivar a cooperação entre países e regiões para resolver
problemas comuns.

Vinte anos depois de Estocolmo, a ONU realizou um novo encontro, a Conferência das Nações
Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro (Rio 92). Nela houve grandes
avanços: a constituição da Comissão para o Desenvolvimento Sustentável da ONU, a aprovação de
três documentos importantes – Declaração de Princípios sobre as Florestas, Declaração do Rio
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e a Agenda 21, que é um plano de ação para
implementação dos objetivos da Rio 92 – e a celebração de duas convenções multilaterais: a
Convenção sobre a Diversidade Biológica e a Convenção-Quadro sobre Mudança Climática.

Esta merece atenção especial, já que seu objetivo, como explicitado no artigo 2º da Convenção, é “a
estabilização das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera num nível que impeça uma
interferência antrópica perigosa no sistema climático”. Houve notável apoio internacional a ela, tendo
sido assinada durante a Conferência por chefes de Estado e outras autoridades de 154 países (mais
a Comunidade Europeia), entrando em vigor em 21 de março de 1994. Hoje, 195 nações ratificaram
a convenção, participando das Conferências das Partes (COPs) que acontecem anualmente.[24]
O modelo adotado para enfrentar o desafio das mudanças climáticas foi o da ação multilateral, como
expressa a construção e o funcionamento da Convenção até hoje. Ao longo de 20 anos, no entanto,
os avanços foram reduzidos, de tal forma que o regime internacional sobre o clima, desde a
assinatura do tratado em 1992 até a atualidade, pode ser classificado como típico de um
“desenvolvimento travado” (arrested development).[25]
A análise dos resultados obtidos nas sucessivas Conferências das Partes, a partir da COP-1,
realizada em Berlim, em 1995, demonstra bem as dificuldades. Há três fases que podem ser
notadas:[26]
a) A primeira, mais ativa, representou a busca de ações mais enérgicas e efetivas para a mitigação
do efeito estufa. Na COP-1 foi definido que seria elaborado um protocolo ou instrumento com
comprometimento legal entre as partes que tornasse oficial a questão, sendo fixado prazo até 1997.
Mas nessa mesma COP foi definido o “princípio da responsabilidade comum, mas diferenciada”,
segundo o qual os países desenvolvidos deveriam tomar as iniciativas de reduzir suas emissões,
excluindo os demais dos compromissos em função da necessidade do desenvolvimento e redução
da pobreza. A COP-2, em Genebra, não trouxe grandes novidades, enquanto na COP-3, em Kyoto,
foi adotado o Protocolo que estabelecia o compromisso dos países desenvolvidos (listados no Anexo
I) de reduzirem, até 2012, 5,2% das suas emissões de gases de efeito estufa em relação aos níveis
de 1990;
b) A segunda, marcada pela preparação da entrada em vigor do Protocolo de Kyoto (que só
aconteceria em 2005, sendo exigida a adesão de 55 países, englobando as partes incluídas no
Anexo I responsáveis por 55% das emissões em 1990), desenvolveu-se nas COPs 3, 4, 5 e 6, sendo
necessário convocar uma segunda rodada da COP-6 (a chamada COP-6,5, realizada em Bonn em
julho de 2001) para fazer concessões em relação ao Protocolo de Kyoto e evitar o seu fracasso total,
após a renúncia dos Estados Unidos. A COP-7, realizada em Marrakesh, em outubro/novembro de
2001, adotou novos acordos, aceitando mecanismos de flexibilização para garantir que o Protocolo
pudesse entrar em vigor. Embora tenha crescido a participação das partes e de organizações não
governamentais (167 países e 213 ONGs e organizações intergovernamentais, com 4.352 pessoas,
estiveram na COP-8, e 180 países na COP-9), não houve grandes avanços. A COP-10, ocorrida em
Buenos Aires, em 2004, com 200 países presentes e 6 mil participantes, foi marcada pela adesão
russa ao Protocolo de Kyoto, e a certeza de que ele entraria em vigor em fevereiro de 2005;
c) A terceira, já com o Protocolo de Kyoto em vigor, arrasta-se ao longo de quase dez anos,
enquanto as metas e mecanismos ali estabelecidos não são cumpridos e desenvolvidos. Na COP-11
começa-se a discutir o que deveria acontecer após o final da primeira fase de Kyoto, a expirar em
2012, tema que continua em debate nas COP-12 e COP-13. Nesta última conferência, realizada em
Bali, em 2007, não foram estabelecidas metas de redução de gases de efeito estufa, mas foi definido
um Plano de Ação visando à COP-15, em Copenhague, na qual havia a esperança de um acordo. A
COP-14 foi apenas a transição e consolidação das expectativas, que acabaram frustradas em
dezembro de 2009, quando ocorreu a COP-15. Ela atraiu a atenção mundial, reunindo 115 líderes
mundiais e um público sem precedentes de 40 mil pessoas, mas não produziu nenhum tratado
legalmente vinculante, e o Acordo de Copenhague, documento resultante do encontro, sequer foi
adotado, em função do veto de um pequeno grupo de países liderado por Bolívia, Sudão e
Venezuela. A COP-16 foi marcada pelo anúncio de que Japão, Canadá e Rússia não participariam
da segunda etapa do Protocolo de Kyoto, fato confirmado na COP-17, quando estes países
anunciaram que não apresentariam metas de redução para o próximo período, isentando-se de
quaisquer compromissos. O ponto positivo foi a aprovação de um roteiro, proposto pela União
Europeia, para um novo acordo global legalmente vinculante para a redução de emissões de gases
de efeito estufa, e aplicável aos países desenvolvidos e em desenvolvimento. O problema foi o prazo
estabelecido: o tratado somente será assinado em 2015, entrando em vigor em 2020. A COP-18
prorrogou o Protocolo de Kyoto até 2020, garantindo sua sobrevivência como o único instrumento
legal internacional que obriga a limitação das emissões, mas bastante enfraquecido, sem contar com
Japão, Rússia, Canadá e Nova Zelândia (além dos EUA, que nunca o ratificaram), e implicando que
os países que se comprometeram a reduzir emissões nesse segundo período – 2013-2020 –
representam apenas 15% do total. A COP-19, realizada em Varsóvia, em 2013, foi marcada por
conflitos entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento quanto à redução das emissões de
gases de efeito estufa, ocasião em que os países emergentes, notadamente a China e Índia,
responsabilizaram os países industrializados pelos problemas climáticos e reivindicaram o seu
direito ao desenvolvimento. Em função do impasse generalizado na Conferência, houve um fato
inusitado: as ONGs presentes se retiraram no penúltimo dia do encontro em protesto contra a
lentidão e a falta de progresso nas negociações.
A Conferência das Partes de Lima, em 2014, COP-20, terminou com um acordo fraco, no qual quase
tudo com que os países se comprometem é vago, desarrumado e voluntário, segundo a jornalista
Daniela Chiaretti, que cobriu o encontro.[27] O documento que resultou do encontro, “Chamado de
Lima para a Ação sobre o Clima”, aponta para quatro pontos principais: 1) os países industrializados
concordam que sua responsabilidade pelos cortes de CO2 é maior, mas isso não significa que os
países em desenvolvimento não devem fazer nada: pela primeira vez todos terão que apresentar
metas de cortes de emissões; 2) tais promessas devem ser informadas até março de 2015, com o
compromisso de apresentar planos e ações para conter o aquecimento após 2030, mas não foram
estabelecidos parâmetros e padrões para tais metas; 3) além do corte de CO2, os países deverão
ter metas de adaptação ao aquecimento global; 4) a pedido dos países africanos, foi mencionada a
questão das “perdas e danos”, que significa que os países ricos devem oferecer compensações a
países que sofrem impactos do aquecimento global, como tempestades e secas mais
frequentes.[28]
Continuou, entretanto, aberta a questão mais importante relativa ao documento a ser firmado na
COP-21. Será ele um mero acordo de intenções ou constituirá um tratado internacional com força de
lei, obrigando as partes a cumpri-lo? Enquanto isso, prosseguiu o impasse em torno dos
compromissos do corte das emissões. O secretário de Estado dos EUA, John Kerry, deixou claro em
seu pronunciamento no encontro que as nações desenvolvidas precisam liderar o processo de
redução, mas isso não significa que os países em desenvolvimento, que são responsáveis por
metade das emissões de carbono no planeta, possam produzir CO2 à vontade.[29] Na mesma linha,
o comissário europeu para mudança climática e energia na Conferência, Miguel Arias Cañete,
deixou claro que a Europa também não aceita a divisão do mundo que originou o Protocolo de
Kyoto, no qual só os países ricos tinham metas de corte de gases de efeito estufa.[30]
Permaneceram dois pontos fundamentais de divergência, sem nenhuma perspectiva de solução:
como diferenciar os países no próximo acordo, e como as contribuições devem ser organizadas,
definindo se devem incluir objetivos de redução das emissões ou se também devem listar metas de
adaptação ao aquecimento global, passando ainda pelas contribuições financeiras.

Impasse e cooperação

Os impasses nas negociações

O balanço dos vinte anos decorridos após a entrada em vigência da Convenção-Quadro sobre
Mudança Climática aponta para compromissos fracos e não cumpridos, divergências sobre as
questões fundamentais, impossibilidade de construção de consenso mínimo em torno do tema, e,
como resultado, adiamentos sucessivos das metas e dos prazos para que os acordos entrem em
vigor.

Em 2004, quando a Convenção já tinha dez anos (embora o Protocolo de Kyoto ainda não tivesse
entrado em vigor), as emissões do Japão tinham crescido 5,3% em relação aos níveis de 1990,
enquanto nos Estados Unidos e Canadá os aumentos foram bem maiores: 14,4% e 21,7%. Apenas
os 15 países que formavam à época a União Europeia reduziram suas emissões, mas elas atingiram
apenas 2,2% em 2006, bem abaixo da meta fixada de 8% para o primeiro período do Protocolo de
Kyoto, que terminaria em 2012. E o quadro é ainda pior quando se observam os países que não
faziam parte do Anexo I do Protocolo: na China houve aumento de 50% das emissões entre 1994 e
2004. Nos anos seguintes, os chineses procuraram melhorar a eficiência energética do país,
fazendo com que o crescimento das emissões de gases de efeito estufa resultasse abaixo da
variação do Produto Interno Bruto (PIB), mas ainda assim estima-se que ele tenha ficado ao redor
de 4% ao ano, e a China tornou-se o maior emissor mundial de CO2 a partir de 2006.[31]
O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), previsto no artigo 12 do Protocolo de Kyoto, que
permite que os países do Anexo I invistam em projetos de redução ou sequestro de emissões nos
países em desenvolvimento em troca de “Reduções Certificadas de Emissão”, que podem ser
usadas no cumprimento de suas próprias metas, também não trouxe os resultados esperados. O
fato é que ele não foi capaz de gerar o fluxo de projetos de cortes de emissões necessário para
deter o aquecimento global, provavelmente pelos custos de transação elevados e prazos extensos
para validação, verificação independente e registro desses processos.[32]
O sistema de comércio de emissões, que consiste no estabelecimento de um teto (cap) para as
emissões de determinado poluente, com a criação de um mercado (trade) para o comércio dos
direitos de emissão não utilizados, não avançou de modo significativo. No âmbito do Protocolo de
Kyoto, que estabeleceu em seu artigo 17 um sistema de “créditos de carbono”, apesar do sucesso
inicial (o mercado global alcançou um valor anual de US$ 30 bilhões dois anos após a entrada em
vigor do Protocolo), não foram alcançados os resultados esperados. Nunca houve um mercado
efetivamente global principalmente pela não adesão dos EUA, além de outros problemas, como
fraudes e corrupção no processo.

As razões para o fracasso do modelo multilateral nas negociações sobre a mudança climática são
várias. A primeira remete à necessidade de consenso para que as deliberações sejam aprovadas e
postas em prática. Os acordos, quando alcançados, resultam frágeis e instáveis, e os documentos
resultantes das conferências e reuniões são vagos e genéricos, e, se assim não fossem, não teriam
o necessário apoio de todos. Outro ponto problemático é a falta de sanções nos tratados, que
estimulam o comportamento oportunista de alguns (os chamados free-riders, que desfrutam do
trabalho feito pelos outros, sem se empenhar ou cumprir as regras estabelecidas). Há ainda as
divergências de fundo entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, que começou na COP-1,
em 1995, e continua até hoje, sobre de quem é a responsabilidade da redução dos gases de efeito
estufa, e sobre as eventuais compensações financeiras para que as nações mais pobres mudem
suas matrizes energéticas sem comprometer o seu crescimento.

A exigência de consenso para a tomada de decisões é, sem dúvida, um sério problema nos
processos de negociação multilateral. Os impasses vividos na Organização Mundial do Comércio
(OMC) ilustram bem tal situação. A Rodada Doha, iniciada em 2001 (com previsão de conclusão em
2005), arrasta-se desde então, sem atingir seu objetivo de diminuição das barreiras comerciais em
todo o mundo. Em 2013, na Nona Conferência Ministerial realizada em Bali, logrou-se um acordo
que foi saudado como grande conquista, já que possibilitaria aumento em mais de US$ 1 trilhão na
economia mundial com a reforma e simplificação das regras do comércio mundial, particularmente
os procedimentos aduaneiros.

No entanto, a Índia, de maneira isolada, para surpresa e perplexidade de boa parte dos outros 159
países-membros da OMC, logrou bloquear o acordo, exigindo solução para os subsídios que destina
à formação de estoques para segurança alimentar. Em novembro de 2014, durante o Fórum de
Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC), o diretor-geral da organização, Roberto Azevêdo, não
hesitou em dizer que a OMC enfrentava a “crise mais grave de sua história”, ressaltando que, “na
prática, as negociações multilaterais no seio da organização estão paralisadas por esse
impasse”.[33]
A nota importante é que os esforços para desbloquear o acordo geral do comércio estão se
processando entre as partes, em negociação bilateral. Índia e Estados Unidos encontraram uma
forma de evitar o obstáculo existente, com os norte-americanos anunciando que respeitarão os
programas de subsídios agrícolas até que se encontre uma solução permanente para a questão, o
que levou a ministra indiana do Comércio, Nirmala Sitharaman, a informar que o Conselho Geral da
OMC receberá a proposta comum dos dois países. E graças a esse entendimento, reabriu-se a
possibilidade de se alcançar o consenso que permita a aplicação do Acordo de Facilitação
Comercial aprovado em Bali.[34]

A cooperação
Regimes Internacionais são fundamentalmente construções institucionais (princípios, normas, regras
e procedimentos de tomada de decisão) que reduzem as incertezas, proporcionam informações aos
atores e facilitam e promovem a cooperação entre eles. Pode-se ainda afirmar que eles são
instituições internacionais que se caracterizam pela durabilidade, pela especificidade temática e,
particularmente, pela inclusão de mecanismos de escolha coletiva.[35]
Há três dimensões que afetam a propensão dos atores em cooperar: a mutualidade de interesses, a
sombra do futuro e o número desses atores.[36] Aplicar tais conceitos ao caso específico do regime
internacional da mudança climática permite algumas observações importantes:
1) No caso da mutualidade de interesses, é preciso atentar, em primeiro lugar, que as evidências
experimentais mostram que, quanto maior for o conflito de interesses entre os atores, maior será a
probabilidade de traições (ou não cumprimento dos acordos). É exatamente o que acontece na
questão dos compromissos quanto à redução de gases de efeito estufa. As diferenças entre os
países desenvolvidos (EUA e União Europeia) e países em desenvolvimento são enormes, e
envolvem a questão do crescimento econômico, vital para as nações mais pobres, e a
responsabilidade histórica pelo aquecimento global. Outra divergência pode ser notada em duas
abordagens do problema: o objetivo seria descarbonizar as sociedades industriais (visão europeia)
ou controlar os níveis de CO2 e outros gases de efeito estufa na atmosfera terrestre (visão mais
comum entre os norte-americanos)?[37] A descarbonização implica em iniciativas que forcem os
emissores, de fábricas a consumidores, a mudar seus processos e hábitos, e alterar a própria
essência da sociedade industrial, enquanto o controle da concentração dos gases na atmosfera
remete ao sequestro, captura e estocagem de carbono e baseia-se mais em soluções tecnológicas
que compreendem a geoengenharia. Interesses e prioridades distintas diante do problema tornam
difíceis e problemáticos os acordos.
A cooperação internacional depende também dos cenários e oportunidades, e há situações em que
ela acontece mais facilmente do que em outras. No regime da mudança climática há forte tendência
de descumprir acordos, quando eles são firmados, e uma das razões importantes disso é que os
regimes ambientais diferem de outros mais complexos, que tratam de vários assuntos, e nos quais o
descumprimento acaba se distribuindo entre vários países, em diferentes áreas. Nesse caso,
interessa a todos aceitar mecanismos de sanção mais eficazes, já que há riscos mútuos do
descumprimento. Já os regimes ambientais tendem a focar em um único tema – como a mudança
climática – fazendo com que o descumprimento normalmente se concentre em alguns países. Para
estes, aceitar sanções seria o equivalente à autopunição e, à medida que o consenso é exigido para
adotá-las e pô-las em prática, eles se aproveitam disso para barrá-las.[38]
Outro ponto importante que envolve a mutualidade dos interesses é que a matriz que organiza os
jogos, articulações e barganhas entre os atores não se baseia simplesmente em fatores objetivos,
mas principalmente na percepção que eles têm dos seus próprios interesses. As percepções, na
verdade, acabam por definir os interesses. Na questão da mudança climática, mais importante do
que dados científicos são muitas vezes as pressões e reivindicações internas nos países, que
traduzem realidades próprias, favorecendo o desenvolvimento como fator primordial;
2) O futuro, e suas consequências, promovem maior ou menor cooperação entre atores. Neste
particular, poder-se-ia concluir que as ameaças que o aquecimento global traz ao planeta, reais e
objetivas, deveriam ser um fator a comprometer todas as nações e apressar os entendimentos. No
entanto, é preciso considerar que a “sombra do futuro” envolve vários aspectos no que diz respeito
às interações entre os atores: horizontes de longo prazo, regularidade nos lances e ações que são
feitos, informações seguras sobre as ações dos outros e rápido feedback sobre a mudança nos
comportamentos e ações dos outros.
O fator tempo não favorece a negociação na mudança climática. Por mais que os cenários de
colapso e ruptura sejam factíveis e próximos, os sinais não são tão evidentes para a maioria, que
ainda considera tais ocorrências como remotas e distantes, e relegadas ao segundo plano diante de
graves dificuldades econômicas e políticas. E analisando as negociações sob a ótica da teoria dos
jogos, nem sempre os lances são regulares e previsíveis, havendo apostas mais ousadas e outras
mais tímidas, enquanto as informações recíprocas sobre comportamentos dos outros atores são
incompletas, duvidosas e lentas. Diante das incertezas das ações dos demais países no futuro,
principalmente no que diz respeito a seus compromissos com redução de emissões, a atitude passa
a ser defensiva, bloqueando acordos que podem trazer consequências negativas;
3) O número de atores é essencial para a definição da maior ou menor cooperação. Construir
acordos em fóruns multilaterais que envolvem 200 países, conciliando diferentes interesses, é tarefa
muito difícil. Sobressai aqui o dilema da ação coletiva, que surge em grandes grupos, nos quais há
grandes incentivos para que os indivíduos comportem-se de maneira oportunista (como free riders),
usufruindo dos benefícios sem suportar seus custos numa situação na qual os bens coletivos ou
públicos produzidos são oferecidos em conjunto, sem que ninguém possa ser excluído deles.
Embora todos os membros do grupo tenham interesse em obter o bem coletivo, acabam por não
aceitar pagar o custo para obtê-lo: cada um prefere que outro (ou outros) pague sem que ele deixe
de receber o benefício.[39]
Essa é uma situação que se aplica bem ao regime da mudança climática: não se trata da oposição
ou da rejeição aos objetivos dos acordos, mas a dificuldade de estabelecer mecanismos de
cumprimento efetivo, em que todos assumem responsabilidades e suportam os ônus respectivos.

Novas formas de negociação

As dificuldades para obter a cooperação entre os diferentes países e seus interesses na questão da
mudança climática não significa, porém, que ela é impossível ou inalcançável, ou mesmo que os
atuais mecanismos, baseados nas negociações multilaterais, devam ser abandonados. É preciso,
entretanto, reconhecer que eles não foram capazes, até aqui, de trazer resultados que reduzam as
emissões de gases de efeito estufa ou mesmo de concertar políticas e ações comuns para enfrentar
o problema. O impasse tem sido a tônica dos encontros, cúpulas e conferências.

Vários autores salientam as dificuldades. Eduardo Felipe P. Matias afirma que, mesmo
reconhecendo que os encontros contribuíram para aumentar a consciência em torno da gravidade
do aquecimento global, os resultados das COPs até agora mostram que não se deve esperar que o
processo de negociação da ONU responda a esse problema com a rapidez necessária.[40] Mike
Hulme vai além nas críticas, e em 2009, já dizia que é preciso encarar uma realidade desconfortável:
após mais de vinte anos de relatórios do IPCC, mais de dezesseis anos de negociações no âmbito
da Convenção-Quadro sobre Mudança Climática, mais de uma década de atividades inspiradas pelo
Protocolo de Kyoto e sucessivas rodadas de conferências do G8, grupo formado pelas sete maiores
economias do mundo mais a Rússia, nas quais o clima foi o centro da agenda, os objetivos não
foram atingidos.[41] E Dieter Helm deixa claro, escrevendo em 2012, que não haverá nenhum
acordo internacional, legalmente vinculante, por no mínimo uma década, e possivelmente ele nunca
venha a acontecer. As partes continuarão discutindo, o espetáculo dos eventos internacionais vai
prosseguir, mas é improvável que se logre alguma solução para o aquecimento global. Em sua
opinião, a questão prática é saber se as reuniões e conferências baseadas no Protocolo de Kyoto
têm algum sentido e função. E, diante dos fracassos e impasses deste processo infrutífero, a
necessidade de explorar alternativas merece ser priorizada.[42]
Na tentativa de buscar novas abordagens para a questão, três ideias merecem ser analisadas e
aprofundadas. A primeira delas é inverter o atual modelo, que parte da tentativa de construir tratados
legalmente vinculantes que depois seriam implementados domesticamente. A proposta alternativa,
definida como bottom-up (de baixo para cima), consiste em incentivar e deixar que os países
individualmente verifiquem suas possibilidades e capacidades, para depois, a partir dessas
realidades particulares, estabelecer metas globais.
A COP-15, realizada em Copenhague em 2009, que é considerada um dos grandes fracassos
recentes, estabeleceu, no seu Acordo Final, que os países que se associassem a ele deveriam
notificar a Convenção, e 143 nações o fizeram até o fim de 2013, e houve um avanço: mais de uma
centena de nações, envolvendo países desenvolvidos e em desenvolvimento, incluindo Estados
Unidos, China, Brasil, Índia, Indonésia e Rússia, além da União Europeia, apresentaram
compromissos nacionais de corte de emissões. Embora sejam declarações de intenções, voluntárias
e sem compromissos vinculantes ou sanções, tal demonstração foi inédita, e de certa forma
impulsiona a ideia, aprovada por consenso na COP-17, realizada em Durban, que um novo acordo,
agora com metas obrigatórias assumidas por todos, deveria ser adotado, e que figura na pauta e nas
expectativas para 2015, na COP-21, que ocorrerá em Paris.[43]
A segunda, e talvez mais relevante, seja desenvolver negociações bilaterais (ou plurilaterais) como
forma de reduzir o número de participantes e facilitar o entendimento e possibilitar os acordos. Trata-
se da abordagem que reúne países em “clubes”, envolvendo pequeno número de nações que
negociariam e monitorariam as políticas de controle de emissões.[44] As negociações que
aconteceram entre China e Estados Unidos em 2014, e que culminaram em um acordo assinado
pelos presidentes Xi Jinping e Barack Obama em novembro surpreenderam o mundo, representando
importante passo na construção do entendimento em torno da questão. Embora haja dúvidas sobre
as possibilidades reais de cumprimento, especialmente em face da resistência e oposição das
maiorias republicanas na Câmara e Senado norte-americanos, e do caráter ainda vago das metas, a
iniciativa não deixa de ser relevante e certamente trará consequências nas negociações
multilaterais.
Conforme este acordo, os EUA pretendem cortar entre 26% e 28% de suas emissões de gases de
efeito estufa em 11 anos, enquanto a China se comprometeu a que o ápice de suas emissões
aconteça até no máximo 2030, quando elas devem começar a cair, afirmando que, nesta data, 20%
da energia produzida no país terá origem em fontes limpas e renováveis. E foi ainda anunciado que
a intenção é fazer com que este acordo impulsione um pacto global na Conferência das Partes de
Paris (a COP-21). Vale ainda destacar que EUA e China respondem por 40% das emissões
planetárias de CO2, enquanto a União Europeia, que se comprometeu em outubro de 2014 a reduzir
em pelo menos 40% suas emissões até 2030, comparado com níveis de 1990, é responsável por
11% do total.[45]
Nesse ponto, a comparação com as negociações no âmbito da Organização Mundial do Comércio
(OMC) é muito pertinente. Como já visto anteriormente, a possível superação do impasse criado
pela Índia em julho de 2014, bloqueando o Acordo de Facilitação de Comércio celebrado em Bali,
em dezembro de 2013, começou quando os Estados Unidos, em negociação bilateral com os
indianos, aceitaram seu programa de subsídios alimentares. Até então, o impasse era absoluto e a
OMC vivia a maior crise de sua história, como afirmou o diretor-geral da organização, Roberto
Azevêdo.

Finalmente, a terceira alternativa é fortalecer os processos e mecanismos que envolvem a


sociedade civil global nas negociações. Trata-se de buscar novas abordagens para a governança na
questão da mudança climática, até aqui construída principalmente a partir dos Estados ou da crença
que o mercado será capaz de resolver os problemas. Surge assim a ideia do “ambientalismo cívico”,
que coloca cidadania, participação e equidade como elementos centrais, e que vê a força da
sociedade civil transnacional como complemento às práticas estatais, aumentando a transparência e
a legitimidade do regime climático.[46]
Por mais ingênuo que pareça, a ampliação da participação em todos os processos – identificação
dos problemas, negociações em torno deles, formulação de alternativas, escolha e tomada de
decisões, e posterior monitoramento e controle – ganha muito mais efetividade. A redução das
emissões de gases de efeito estufa exige apoio e adesão. Ela não é tarefa simples e fácil, e implica
na alteração de hábitos e formas de vida, sem o que nada acontecerá, mesmo que acordado em
escala global pelos Estados. Como salienta Eduardo Felipe P. Matias, a luta pela sustentabilidade
mundial envolve mudanças que nos afetam profundamente, e o mais estranho de tudo é que uma
campanha não apenas contra outras pessoas, mas também contra nós mesmos.[47]
Vários são os exemplos que podem ser citados: ações construídas a partir dos governos
subnacionais, com a construção de alternativas locais ou regionais, incluindo compromissos
voluntários de redução de emissões, e que hoje já operam em redes internacionais; mudanças nos
processos industriais com iniciativas inovadoras de empresas em todo o mundo, articuladas e
difundidas por suas entidades representativas; a presença, cada vez maior, da comunidade científica
no estudo, diagnóstico, quantificação e apresentação de propostas concretas para reduzir os riscos
do aquecimento global.

A verdade é que não há uma solução milagrosa ou uma instituição única capaz de reverter a
complexa situação atual. Ela só será enfrentada a partir de mecanismos múltiplos, e da ação de uma
série de atores, públicos e privados, em diversos planos.

Conclusão

Christiana Figueres, secretária-executiva do Convenção-Quadro das Nações Unidas para a


Mudança Climática, discorda dos críticos dos sistemas de negociação da ONU, que defendem que o
foro para resolver a questão climática deve ser o G20, a reunião dos 20 países mais industrializados
do mundo e não as conferências nas quais as decisões têm que ser tomadas por consenso de mais
de 190 países. Embora reconheça que os países que formam o G20 são responsáveis por 80% das
emissões de gases de efeito estufa globais, e que, do ponto de vista matemático, é sempre mais
fácil conseguir um acordo entre 20 que entre 194, insiste ela que do ponto de vista político, ético e
moral, tal argumento resulta completamente inaceitável.

Para Figueres, não é porque um país é pequeno que ele não será parte da solução. E ressalta que
as Nações Unidas nunca irão tolerar a possibilidade de as economias mais ricas se moverem para
as tecnologias do futuro, deixando o resto do mundo para trás.[48]
Não se questiona a importância e o significado das negociações multilaterais. Elas não devem ser
eliminadas ou abolidas, apesar dos fracassos e impasses registrados nas últimas duas décadas. Ao
contrário, elas precisam ser reforçadas e ganhar consequência. E nesse sentido abordagens como
as negociações bottom-up, partindo das realidades particulares para se chegar a acordos globais, a
promoção do entendimento entre grupos de países, e o reforço substancial e efetivo da participação
ampliada em todos os processos são complementos que podem romper o atual quadro, marcado
pela hesitação, imobilismo e indiferença.
Não há oposição entre negociar no âmbito das Nações Unidas, nas COPs, e buscar compromissos
entre dois ou mais países, em acordos bi ou plurilaterais. Ao contrário, estes trazem resultados e
experiências que, levados à esfera global, podem ser ampliados. E a participação da sociedade civil
global é fundamental para forçar e criar condições de respostas mais ágeis e efetivas aos problemas
que ameaçam o futuro do planeta. Trata-se, enfim, de construir e pôr em prática a governança global
da mudança climática, capaz de articular todos os atores, públicos e privados, em cooperação para
superar os riscos, cada vez maiores, do aquecimento global.

Fevereiro de 2015
Notas

[1] Folha de S. Paulo, 17/01/2015. ↑


[2] GILDING, 2011, p. 32. ↑
[3] WOLF, 2013. ↑
[4] The Economist, 30/03/2013. ↑
[5] The Economist, 23/08/2014. ↑
[6] HELM, 2012, p. 21. ↑
[7] Entre outros gases de efeito estufa listados pelo Protocolo de Kyoto estão: o óxido nitroso (N2O), gerado
pelo emprego de fertilizantes na agricultura e na queima de biomassa, combustíveis fósseis e na fabricação de
ácido nitrico; os hidrofluorcarbonetos (HFC), usados na refrigeração e fabricação de semicondutores; os
perfluorcabonetos (PFC), subprodutos da fundição de alumínio e do enriquecimento do urânio, usados como
alternativa aos HFC na produção de semicondutores; e o hexafluoreto de enxofre (SF6), utilizado na indústria
pesada como isolante de equipamentos de alta voltagem e auxiliar na produção de sistemas de resfriamento de
cabos. Embora o CO2 seja responsável por 55% das emissões totais de gases de efeito estufa, o potencial de
aquecimento global é bem maior nos outros gases: 1.300 a 11.700 vezes maior do que o CO2 no caso dos HFC
e 23.900 maior no caso do SF6. ↑
[8] MATIAS, 2014a, p. 31. ↑
[9] _________. 2014a, p. 32. ↑
[10] Em 2013 a marca simbólica de concentração de 400 ppm apenas de CO2 foi atingida. ↑
[11] HELM, 2012, p.27-28. ↑
[12] Folha de S. Paulo, 26/01/2015. ↑
[13] MATIAS, 2014a, p. 34. ↑
[14] _________, 2014a, p. 34. ↑
[15] GILDING, 2011. ↑
[16] WOLF, 2013. ↑
[17] SACHS, 2013. ↑
[18] The Economist, 13/12/2014. ↑
[19] SACHS, 2013. ↑
[20] HELM, 2012, p. 175-194. ↑
[21] CHIARETTIC, 2015a. ↑
[22] _________. 2015c. ↑
[23] MATIAS, 2014a, p. 173; SPETH;HAAS, 2006, p. 56-61. ↑
[24] O modelo adotado é de uma convenção-quadro, que permite a regulamentação posterior por meio de
instrumentos jurídicos sucessivos, como foi o caso do Protocolo de Kyoto, aprovado na COP-3, realizada em
1997. ↑
[25] YOUNG, 2010, p. 83-116. ↑
[26] www.cetesb.sp.gov.br/mudancas-climaticas/proclima/Negociaçôes%20Internacionais/309-
Conferência%20das%20Partes%20(COP). Acesso em 26/01/2015. ↑
[27] CHIARETTI, 2014b. ↑
[28] GARCIA, 2014b ↑
[29] _________. 2014a. ↑
[30] CHIARETTI,2014a. ↑
[31] YOUNG, 2010, p. 90-91. ↑
[32] MATIAS, 2014a, p. 175-176 e 238. ↑
[33] http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2014/11/
1545410-omc-enfrente-a-crise-mais-grave-de-sua-historia-diz-roberto-azevedo.shtml. Acesso em 27/01/2015.

[34] http://brasil.elpais.com/brasil/2014/11/13/economia/1415884921_446455.html. Acesso em 27/01/2015. ↑
[35] COSTA, 2011, p. 166. ↑
[36] AXELROD; KEOHANE, 1986, p. 228. ↑
[37] YOUNG, 2010, p. 94. ↑
[38] MATIAS, 2014 b. ↑
[39] COSTA, 2011, p. 137-138. ↑
[40] MATIAS, 2014, p. 178-179. ↑
[41] HULME, 2009, p. 332. ↑
[42] HELM, 2012, p. 170. ↑
[43] MATIAS, 2014a, p. 177. ↑
[44] _________. 2014a, p. 182. ↑
[45] http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cienciasaude/
195274-eua-e-china-anunciam-acordo-climatico.shtml. Acesso em 28/01/2015.

[46] HULME, 2009, p. 305. ↑
[47] MATIAS, 2014a, p. 266. ↑
[48] CHIARETTI, 2015b. ↑

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