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Poemas Completos traz um prefácio de Ricardo Reis (outro heterônimo de Fernando Pessoa) que salienta o seguinte:
“Ignorante da vida e quase ignorante das letras, quase sem convívio nem cultura, fez Caeiro a sua obra por um progresso
imperceptível e profundo, como aquele que dirige, através das consciências inconscientes dos homens, o desenvolvimento lógico
das civilizações. Foi um progresso de sensações, ou, antes, de maneiras de as ter, e uma evolução íntima de pensamentos
derivados de tais sensações progressivas. Por uma intuição sobre-humana, como aquelas que fundam religiões para sempre,
porém a que não assenta o título de religiosa, por isso que como o sol e a chuva, repugna toda a religião e toda a metafísica, este
homem descobriu o mundo sem pensar nele, e criou um conceito do universo que não contém meras interpretações. Pensei,
quando primeiro me foi entregada a empresa de prefaciar estes livros, em fazer um largo estudo, crítico e excursivo, sobre a obra
de Caeiro e a sua natureza e destino fatal. Tentei com abundância escrevê-lo. Porém não pude fazer estudo algum que me
satisfizesse. Não se pode comentar, porque se não pode pensar, o que é directo, como o céu e a terra; pode tão-somente ver-se
e sentir-se. Toda obra fala por si, [...] quem não entende não pode entender, e não há pois que explicar-lhe.”
Ainda, no prefácio, Reis afirma que a obra é dedicada, por desejo do próprio autor, à memória de Cesário Verde.
1. O Guardador de Rebanhos
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E se desejo às vezes,
Por imaginar, ser cordeirinho
(Ou ser o rebanho todo
Para andar espalhado por toda a encosta
A ser muita cousa feliz ao mesmo tempo),
É só porque sinto o que escrevo ao pôr do sol,
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre um silêncio pela erva fora.
II
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Comentários: os dois poemas apresentados acentuam a importância dos sentidos, viga mestra da poesia de Caeiro, e refutam o
“pensar”.
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Comentários: a definição de Deus nesse poema aproxima-se do panteísmo, doutrina filosófica segundo a qual só o mundo é real
e Deus é a soma de todas as coisas e nelas se manifesta. Assim, as flores, as árvores, os montes, o sol e o luar são
manifestações da própria divindade. Pode-se, assim, falar de uma verdadeira “religião da Natureza”.
IX
XX
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O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.
Comentários: no poema XX, a oposição entre o mundo imaginado (o Tejo) e o mundo real (o rio que corre pela minha aldeia),
entre o imaginário e o real, constrói-se através de uma linguagem poética próxima da prosa. A construção anafórica (reiteração de
O Tejo...) equilibra-se pela sucessão de epístrofes (repetições de fim de verso: “pela minha aldeia”, nos três primeiros versos, e “o
rio da minha aldeia”). Apesar da aparente simplicidade, há uma arquitetura equilibrada e complexa nas relações ocultas sobre as
quais se sustenta a oposição mundo real e mundo imaginado.
XXIV
2. O Pastor Amoroso
VI
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Passei toda a noite, sem saber dormir, vendo sem espaço a figura dela E vendo-a sempre de maneiras diferentes do que a
encontro a ela. Faço pensamentos com a recordação do que ela é quando me fala, E em cada pensamento ela varia de acordo
com a sua semelhança. Amar é pensar. E eu quase que me esqueço de sentir só de pensar nela. Não sei bem o que quero,
mesmo dela, e eu não penso senão nela. Tenho uma grande distracção animada. Quando desejo encontrá-la, Quase que prefiro
não a encontrar, Para não ter que a deixar depois. E prefiro pensar dela, porque dela como é tenho qualquer medo. Não sei bem
o que quero, nem quero saber o que quero. Quero só pensar ela. Não peço nada a ninguém, nem a ela, senão pensar.
Comentários: embora pareça perturbado diante do amor, ele não se esquece do sentir, “quase” se esquece.
3. Poemas Inconjuntos
a) Se eu morrer novo,
Sem poder publicar livro nenhum,
Sem ver a cara que têm os meus versos em letra impressa,
Peço que, se se quiserem ralar por minha causa,
Que não se ralem.
Se assim aconteceu, assim está certo.
b) Se, depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia, Não há nada mais simples. Tem só duas datas – a da minha
nascença e a da minha morte. Entre uma e outra cousa todos os dias são meus.
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Comentários: Alberto Caeiro reforça a postura do poeta dos sentidos, sem filosofias, sem metafísica, que tem consciência das
coisas do jeito como elas são, sem rodeios ou artificialismos. E embora pareça perturbado diante do amor, ele não se esquece do
sentir, “quase” se esquece.
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