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FEDRO, de Platão (370 a.C.

)
Fedro constitui, como grande parte das obras de Platão, o registo de um diálogo entre
Sócrates e um personagem, que neste caso dá o nome à obra. O motor do diálogo entre
Sócrates e Fedro é um texto argumentativo escrito por Lísias, que versa sobre o amor.
Sócrates faz, a partir desse texto, uma crítica feroz à retórica e, consequentemente, à
escrita. Critica a forma como a retórica usa a cópia e o empréstimo de forma impensada,
e opõe-na à dialética, praticada pelos verdadeiros filósofos.
Sofistas - retórica Filósofos - dialética
- Mercantilizam o conhecimento - Partilham o conhecimento
gratuitamente
- Têm como finalidade única persuadir - Têm como finalidade única a verdade
- Usam a cópia e o empréstimo, - Usam o diálogo, não dispensam a
associados à anamnese (memória presença associada à vida
morta)
- Usam a techné (técnica) - Vivem da tuché (espontaneidade)
- Usam uma arte - São espontâneos

Os sofistas usavam técnicas de persuasão. Ora, segundo Sócrates, a verdade não pode
recorrer a técnicas, tem de brotar por si própria.
Os sofistas, mestres da retórica, emprestavam os seus argumentos aos réus dos tribunais;
assim, os argumentos, sendo orais, era como se estivessem escritos, pois o mesmo
argumento era readaptado consoante o caso. O empréstimo não oferece o sujeito como
garante da sua verdade. Os retóricos não falam com memória viva, fazem recitações de
empréstimo.
Anamnese – memória viva
Hipomnese – memória do outro, memória de empréstimo
Sócrates pratica uma dialética dialógica, assente na partilha do logos em presença.
Sócrates compara a escrita a uma memória de empréstimo e faz, a partir da retórica, uma
crítica à escrita. Todo este diálogo, quando o lemos na forma de texto escrito, implica uma
contradição de raiz, um paradoxo insolúvel: se o diálogo não tivesse sido registado por
escrito, ter-se-ia perdido na noite dos tempos.
O filósofo critica a escrita a partir de um mito (provavelmente inventado por si): segundo
este mito, a escrita foi inventada por Thot, um deus egípcio também inventor do número,
do cálculo, da astronomia e dos jogos. Este facto coloca a escrita ao lado das artes
numéricas, pois, tal como acontece nas mesmas, a escrita é composta de unidades
discretas que se combinam entre si.
Thot apresenta as suas invenções ao rei Tamos, pensando que este receberia a escrita
como a chave para a preservação da memória dos povos. No entanto, este tece uma forte
crítica a esta invenção. Se Thot anuncia a escrita como um suplemento de saber, de ciência
e de memória, Tamos questiona que tipo de memória é esta: não será a hipomnese, a
rememoração, em vez da verdadeira memória interior, a anamnese? A escrita é vista por
ele como uma memória desligada do sujeito vivo.
O deus Thot é também o deus da morte, o que não é uma coincidência, pois a escrita é
apresentada por Sócrates como uma técnica da morte, visto estar desligada de um sujeito
vivo que possa dar garantia da sua verdade e visto ser imutável.
A escrita é comparada pelo rei Tamos à pintura, que é um simulacro enganador. A pintura
pode imitar tão bem a realidade que chegamos a tentar interagir com as figuras pintadas,
sem que elas nos respondam, e o mesmo acontece com o texto escrito, que por vezes
quase parece dialogar connosco. O que é perigoso na escrita é que se autonomiza do seu
autor, e, portanto, este já não está lá para responder ao leitor e o corrigir se estiver a fazer
interpretações erradas. O escrito pode circular livremente sem precisar de uma instância
que sancione o seu sentido, o que permite uma proliferação infinita de sentidos e a
abertura da interpretação, o que Sócrates considerava muito perigoso. Para o filósofo, o
sentido de um discurso teria de ter a garantia do autor.
A escrita tem a possibilidade de ser sempre contemporânea, e esse é o seu perigo: o
sentido é sempre atualizável pelo leitor, que, segundo o pensamento socrático nem
sempre tem legitimidade para o fazer.
Toda a argumentação socrática pode ser interpretada como uma defesa do ser humano
enquanto organismo vivo, produtor de sentido vivo, e uma tentativa de impedir a
exteriorização e a artificialização do espírito, que o matariam.

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