Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
R e v . J o s é M a n o e l da C o n c e i g á o
TEOLOGIA
PARA
VIDA
b I - n° 1 - J an eiro - J u nho 2 0 0 5
•Mii
*
W F am M ?. c $ A
M »1
■
>lwH a fw S r
f lE V m
Wilson do Amaral Filho (Presidente), Ph. Adonias Costa da
J u n t a d e E d u c a c á o T e o l ó g i c a : R cv.
Silvcira (Vice-Presidente), Ph. Wagner Winter (Secretario), Rev. Arival l)ias Casimiro (Tcsou-
reiro), Rev. Paulo Anglada, Rev. Sergio Victalino e Ph. Uzicl Cueiros.
Rev. Pau
C o n g r e g a c á o d o S e m in á r io T e o l ó g i c o P r e s b it e r ia n o R e v . J o s é M a n o e l d a C o n c e ic ;á o :
lo Riheiro Fontes (Diretor), Rev. Osias Mondes Riheiro (Deáo), Rev. Daniel Piva, Rev. Doni/.cte
Rodrigues Ladeia, Rev. Ceorge Alberto Canelhas, Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa,
Maestro Parcival Módolo, Rev. Wilson Santana Silva, Rev. Fernando de Almeida, Scm.
Wendell Lessa Vilela Xavier,.Rev. Alderi Sou/.a de Matos e Rev. Márcio Coelho.
Rev. Ageu Cirilo de Magalháes Júnior, Rev. 1 )aniel Piva, Rev. Donizcte Rodrigues
C o n s e lh o E d ito r ia l:
Ladeia, Rev. George Alberto Canelhas, Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa, Maestro Parcival
Módolo, Rev. Paulo Riheiro Fontes e Rev. Wilson Santana Silva.
C a p a e P r o i e t o G r á f i c o : Id é ia Dois Design
G k a v u ra da cap a: Entrctim de Rohert Olivétan avee le jeunc Calvin [Robert Olivetan em conversa com
o jovem Calvino] de H. Van Muyden. As outras gravuras da obra sao do mesmo artista.
Sem estral
ISSN
1.Teología - Periódicos. I. S em inário Teológico Presbiteriano Rev. José
M anoel da Concei^áo.
E n d e r e z o pa ra c o r r e s p o n d e n c ia
Seminário Teológico Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceiqáo
Rúa Pascal, 1 165, Campo líelo, Sao Paulo, SP, c e p 0461 6-004
Telefone: 5 5 4 3 -3 5 3 4 - Fax: 5 5 4 2 -5 6 7 6
Site: www.seminariojmc.br
E-mail: seminariojmc(")seminariojmc.hr
A revista Teología para Vida é urna publicarán semestral do Seminário Teológico Presbiteriano
Rev. José Manoel da Conceigáo. Permite-se a reprodugáo desde que citados a fonte e o autor.
4 = " ‘ “ « " a r * *
" b ib lio te c a
!'A( U Í J ’AD p r e s b i t e r i a n a
! >E n íO í.O G IA
O E PAUTA ME NT O DE MÚS I CA
“I m p r e s s á o ” o u “E x p r e s s á o ”
O PAPEL DA M ÚS I CA NA
M issa R omana m edieva l e
M aestro P a r c ív a l M ód o lo
RESUMO
Qual é a fungáo da música na igreja? Gerar um ambiente
propicio para adoragáo ou com unicar a Palavra? M aestro
Parcival M ódolo responde a esta pergunta com profundida-
de e clareza. Nos primeiros tópicos do artigo, o autor faz um
passeio na área da Antropología e traz ao ¡eitor a d efin id o
do que é música. A seguir, o autor vai para a Idade M édia e
analisa a insergáo da música no culto reformado, bem como,
quais eram os pressupostos dos reformadores com relagáo a
este meio cúltico.
PALAVRAS-CHAVE
Música; Música Sacra; Missa Romana; Culto Reformado.
ABSTRACT *
W h at is the role of music in the church? Is it to create a
favorable environment for worship, or comunícate the Word?
M aestro Parcival M ódolo answers this question in a deep
and clear way. In the first topic of the article, the author,
from an anthropological perspective, proposes a definition
for music. After this, he goes to the Middle Age in order to
analyse the insertion of music in Reformed Service, and the
assumptions of the reformers regarding worship.
KEYWORDS
Music, Sacred Music, Román M.ass, Reformed Service
/I p a la v ra deve perm anecer em sen próprio uso pragm ático, p orta a b a t a
a o Iodo O utro, questionam ento sobre a causa últim a, oríentagño p a r a a
resposta dcrradeira.
Ellul
IN T R O D U JO
Troncos de árvores, blocos e láminas de pedra percutidos; búzios,
cánulas vegetáis e ossos soprados; embiras, cipos ou crinas retesa
das e beliscadas; emissóes sonoras vocais e inflexóes melódicas ar
ticulando ou nao palavras... Parece, mesmo, que alguma forma de
música tem acompanhado o homem desde o inicio da sua historia.
D e fato, até boje - e nisso sociólogos, arqueólogos e antropólogos
concordam - nenhum grupo humano foi encontrado que nao cul-
tivasse algum tipo de expressáo musical em sua comunidade: mú
sica vocal, apenas; m úsica in stru m en tal, apenas; ou as duas,
independentes, ou com plem entares, sim ultáneam ente. Nao sao
poucas as referencias ao fato, o da presenta da música ñas com uni
dades mais antigas, como a de Domingos Alaleona: “A origem da
música perde-se, como dizem os historiadores, na noite dos tem
pos. Náo há povo antigo no qual nao se encontrem m a n ife sta re s
m usicais”.2
Claude Lévi-Strauss, na abertura de seu O cru e o cozido, observa
que “... a natureza produz ruidos, e náo sons musicais, que sao
monopolio da cultura enquanto criadora dos instrum entos e do
can to”.3 O autor dos Tristes Trópicos compreendeu que, embora
troncos, búzios e cánulas sejam faltam ente oferecidos pela nature
za, é a freqüéncia da percussáo, ou a intensidade do sopro, ou a
variedade do uso que criaráo aquilo que se poderá chamar “M úsi
ca”. No que se refere á voz humana, que “sempre esleve lá”, ísto é,
que estava naturalmente disponível, sao suas diferentes inflexóes,
suas variadas nuangas de emissáo que criaráo seqüéncias inteligí-
Os textos das epígrafes aos capítulos sao de ELLUL, Jacques. A paiavra luimilluida. Sao Paulo:’
Paulinas, 1984.
ALALEONA, Domingos. Historia da Música. Sao Paulo: Ricordi, 1972, p. 39.
LEVI-STRAUSS, Claude. O Cru c o Cozido (Mitológicas v. I ). Sao Paulo: Cosac e Naif, 200 4 , p. 42.
I m p r e s s a o ” o u “ Ex pressao ” 113
I . M ú s ic a c o m o v e íc u lo
(p. 1 9 ).
1 Idem.
“Coral Luterano", aquí, refere-se ao género musical naseido com a Reforma Protéstame para o
culto reformado, um tipo de música que se apresentou como alternativa ao “Coral Gregoriano”,
a música que se cantava na Liturgia Romana.
114 T e o lo g ía para V id a
* FABRE D ’OLIVET, Aiitoine. Música (¡presentada como ciencia e arte. Sáo Paulo: Madras, 200 4 , p, 27.
" Im rr-essáo" ou "Expressáo” 11S
p a ia v ra . (p. 6 4 ).
/ CASTRO, Eduardo Viveiros de. O Papel da Religido no Sistema Social dos Povos Indígenas. Cuiíiba:
GTM E, J 999, p. 24. Grifo nosso.
116 T e o lo g ía i’ a i i a V id a
gao do hornem com o divino pode ser cam inho de máo dupla: Se
os homens créem que podem falar ao divino através da música,
alguns também créem que a divindade pode falar com o ser huma
no por seu intermédio. Castro mostrou que, ñas comunidades sul-
americanas em que estudou, o que se dá é exatam ente isso, música
tam bém é veículo para a divindade comunicar-se com o homem:
“A forma, por excelencia, de comunicagáo da divindade, dos espiritas,
com os humanos, é através do canto. Entáo, o canto é a voz do além,
a voz do transcendente.”8
M antendo-se as devidas proporgóes que a historia e a geogra
fía, isto é, o tempo, o espago e a cultura exigem, o fenóm eno repro-
duz, aqui, mutatis mutandi, o pensam ento de M artin h o Lutero
quanto á música no culto: para Lutero, a origem divina da música
a aproxima da própria fé e a torna predestinada a acom panhar
sempre a vida crista. Por isso tem espago garantido e honroso'no
culto, onde ela é, por um lado, resposta dos homens ao chamado
de Deus, mas tam bém é anúncio, prodamagáo.
M as para melhor compreendermos essas idéias, devenios, an
tes, lembrar o que Lutero disse sobre o culto. W alter Blankenburg,
em seu Kircke und M usik,9 destaca um importante aspecto - o de
que o culto luterano nao era um sacrifwium oferecido a Deus pelos
hom ens, mas sim um beneficium, um presente de Deus aos seus
filhos. A graga de Deus e sua béngáo chegavam ao seu povo através
da Palavra e do Sacram ento (beneficium); as oragóes, louvores e agóes
de gragas da comunidade elevavam-se até ele (sacrificium), conceito
que Lutero esclarece de maneira m ilito simples:
3. M ú s ic a c o m o fe n ó m e n o so n o r o
^ Veja, como exemplo, SIN ZIG, Pedro. Dicionário Musical. Rio de Janeiro: ICosmos, 1976, p.384.
PENNA, M. I)ó, Re. Mi, Fá c Muito Mais: discutindo o que é música. ín : Revista da Associa^íio de
Arte-Educadores de Sao Paulo, ano II, n“ III, Sao Paulo: 1999, p. 14.
" I m i’iu s s á o ” ou “ Ex pressáo ” 119
ídem. «
'' SHAFER, Murray. O ouvido pensante. Sao Paulo: UNESP, 1991, p. .35.
18 É possível haver urna forma de música só com o elem ento ritmo. Fanfarras, grupos de
instrum entistas ritim istas certám ente fazem música. Mesrno esses, porém, freqiientem ente
formam estruluras rítmicas complexas para que melodías simples, vocais ou instrumentáis, se
articulem. Quando falamos em música aqui, entretanto, pensamos no padrao usual, regular (nao
no extraordinario) de música Européia e Americana.
T e o l o g ía para V ida
Melodías implícitamente sempre formam ou causam” ritmos cjue te rito apelo muscular. Sao
ritmos causados pela piópria construidlo da melodía, mas que agem sobre o organismo como
qualquer outra estrutura rítmica.
Embora sempie falemos aquí sobre a at;áo da música sobre seres humanos, também animais
inacionais estáo sujeitos a mesma influencia. No caso do R itm o, a mesma ac;;ío é exercida sobre
, mamíferos e até sobre os répteis.
' As M elodías agem também sobre os mamíferos irracionais (mas nao sobre os répteis), da mesma
n forma e com as rnesmas conseqüéncias que sobre os humanos.
Só seies humanos decodificam H arm onías. Animáis irracionais náo.
“ IM I'IIE.SSAO” OIJ “ EXI’ RESSÁO”
121
Podemos dizer, grosso modo, que a música tem duas fungóes bási
cas no culto, de “impressáo” ou de “expressáo”. Ou, dito de outra
forma, qualquer música, em quaiquer culto, pode desempenhar
um dos dois papéis: ou ela será “M úsica de Impressáo” ou “M úsica
de Expressáo”. Queremos defender que qualquer forma de música,
em qualquer hora do culto (qualquer culto e qualquer m úsica),
utilizada consciente ou inconscientem ente, assumirá esses papéis.
Esta “divisáo funcional” foi bastante utilizada pela Escola de
Herford24 no século 2 0 , desde a década de cinqüenta. No Brasil,
to rn o u -se co n h ecid a esp ecia lm e n te através de Jo á o VVilson
Faustini,25 em seu livro sobre música e adoragáo, embora ali ele a
utilize de form a mais restritiva.
O papel de “impressáo”, o secundário, mas que aqui analisare-
mos em primeiro lugar, certamente é o que causou, e ainda causa,
maiores dificuldades quando visto da perspectiva do culto. E bem
verdade que, consciente ou inconscientemente, alguns grupos religi
osos o tem valorizado em diferentes épocas da historia e, mais re-
centem ente, os que buscam, em seus cultos, apelo mais emotivo
entre seus fiéis. Relaciona-se com o poder que a música tem de atuai
sobre nosso corpo e nossas emogóes, alterando-as, acalmando-no^
ou excitando-nos, ainda que sem palavras. Ela pode criar diferentes
atmosferas: de alegría, de paz, de tristeza, de majestade, ou simples-
mente um ambiente devocional, quando for apropriada. Se as pala
vras de um cántico nao sáo bem compreendidas, desaparece seu
papel de expressáo (do qual falaremos abaixo), podendo, porém,
subsistir o de impressáo. Longas melodias, repetigáo exaustiva de
frases musicais, extrema énfase melódica com grandes saltos inter
calados de cromatismos, sáo recursos musicais que geram, em essén-
cia, música emotiva e de efeito contagiante que, embora possam vir
acompanhando texto dele nao dependem, nern com ele se preocu-
em D e u s .”' 7
‘>l)
m LUTH ER, Martin. Encomion Musites. In: D . Martin Luther Werkc, vol. 50. Weimar, 1944, p. 372.
LUTH ER, Martin. Luthcrs SSmmtliche Schriftm, editado por BU SZ IN , W.E. St. Louis Edition
1972, p. 4 28. T r a d u jo nossa. »
" I m p r e s s a o ” o u “E xpressáo "
qa. e alegría. A música tem a íorca para acender esta mensagem, dar
vida as palavras, impressionar o coragáo humano e exprimir a ale
gría que ela mesma traz. Que fantástica com b in ad o para o culto
cristáo! Nada haveria melhor para preservar e espalhar o evangelho!
A en fase, assim, é o ensino teológico e evangélico.
5. C oral L u t e r a n o X C oral G r eg o r ia n o
" O canto gregoriano nascevi com Gregorio Magno, bispo de Roma entre os sáculos 6" e 7”,
tornou-se a música por excelencia d;> liturgia católica romana até a Reforma no sáculo 16.
a BERN SDO RF-EN GELBRECH T, Christiane, Geschichtc dcv Evangelischen Kirchenmmik, Bañil
Band II. Wilhelmshaven: Heinrichshofen, 1980, v. 1, p. 16,17.
T e o lo g ía para V id a
” Passagens melódicas com seqüéncias de varias notas para urna única sílaba de texto.
Apud BERN SDORF-EN GELBRECH T, Christiane. Geschichtc dcr Evangelischcn Kirchcnmusik, Band
, I, Band II. Wilhelmshaven: Heinrichshofen, 1980, v. 1, p. 108. Tradu^áo do autor.
Vide, sobre esse tema, MÓDOLO, Parciva], Música: Explicatio Tcxtus, Pmeilicatio Sonora. In: Riles
Reformata, Vol. ], N° I, Janeiro-Junho 1996. Seminario JM C.
" I m p r e s s á o ” o u "Ex pr essáo ” 127
M>HAHN, Cari Joseph. Historia ¡lo Culto Protestante no Brasil. Sáo Paulo: A STE, 1989, 77.
17 Se o “Coral Luterano” é o nomexjue se dá ao género musical nascido com a Relorma Luterana
(v. nota 5) “Salmo Calvinista” é a música da Reforma Calvinista, fruto do ideal de cantar no
culto apenas palavras da Escritura, de forma simples e modesta, sem harmonías complexas e
sem acompanhamento instrumental. O “Salterio de Genebra”, com todos os 1.50 salmos bíblicos,
que exigiu intenso trabalho de Calvino, m úsicos profissionais e poetas, em sucessivas e d ile s ,
foi quem primeiro os pubücou.
128 T e o l o g ía para V ida
Depois — i¡a lado — da teologia, a música o lugar mais próximo c a mais alta honra (Nach der Theitlosfa
der Música den nahesten Locum und hochste Ehre). Luther (195 ^ n. 7030)
ELL.UL, Jacques. A paiavra huntilhada, Sao Paulo: Paulinas, 1984, p. 69.
Idem. p. 202.