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2012
Resumo: Abstract:
Este artigo apresenta parcialmente como se deu a recepção de This article presents partially how was the reception of
Dêutero-Isaías (Isaías 40-55) na América Latina. O Deutero-Isaiah (Isaiah 40-55) in Latin America. The mapping
mapeamento da recepção de Dêutero-Isaías leva em conta a of the reception of Deutero-Isaiah takes into account the
realidade de que a leitura e pesquisa bíblica latino-americanas reality of that Latin American reading and biblical research are
são plurais no espectro metodológico, doutrinário, plural in spectrum methodological, doctrinaire, hermeneutical
hermenêutico e teológico. Disto apresenta-se uma divisão dos and theological. This is a division of the researchers of the
pesquisadores do livro de Isaías. Devido à importância que book of Isaiah. Due to the importance that Deutero-Isaiah
Dêutero-Isaías tem na tradição cristã devido à hermenêutica has in the Christian tradition because of the christological
cristológica despendida em alguns textos, a visão panorâmica hermeneutic spent in some texts, the panoramic vision of the
da pesquisa dos textos de Dêutero-Isaías concentra-se de research of texts of Deutero-Isaiah focuses especially on
forma especial na recepção dos Cânticos do Servo de receipt of the songs of the Servant of Yahweh: Is 42.1-9; 49.1-
Yahweh: Is 42.1-9; 49.1-6 ; 50.4-9 e 52.13-53.12. A pluralidade 6; 50.4-9 and 52.13-53.12 . The plurality of voices extends and
de vozes estende-se e é confirmada desde a recepção católica is confirmed since the catholic reception from the times of
dos tempos do Brasil colonial e a contemporânea teologia da colonial Brazil and contemporary Liberation theology to the
Libertação ao lado das protestantes de linha ortodoxa e da side of protestant line of orthodox and mission complete.
missão integral.
Palavras-chave: Keywords:
História da interpretação. Dêutero-Isaías. Servo de Yahweh. History of the interpretation. Deutero-Isaiah. Servant of
Bíblia. Yahweh. Bible.
Isaías, quando entrou a falar da Paixão, como Mas quem mais altamente ponderou a verdade
profeta que sobre todos era o mais eloqüente, defta razão, foyo profeta Ifaias. Aquelle texto:
o exórdio por onde começou, foi aquela Generationem ejus, quis enarrabit (Is 53.8), a que fe
pergunta: Quis credidit auditui nostro (Is tem dado tantos fentidos literaes, fe bem fe
53.1)? Quem haverá que dê crédito ao que há atar (como deue) com a relaçaõ do que fica
de ouvir de minha boca? — Tão alheio é atrás, & vay adiante, quer dizer: Quem tomará
quem padece do que padece, e este é Deus. na boca fua geração, ou quem fe prezará &
Vede se há bem de que pasmar aqui.3 jactará de fer da geraçãm de Chrifto? E
porque? Quia abfcifus eft de terra vivetium (Is
Sermão Segundo do Mandato 53.8). Porque foy tirado da terra dos viventes,
porque foy morto violentamente. Pois por ser
Neste sermão, Vieira reflete sobre a expressão morto violentamente fe haviaõ afrontar de fua
do amor de Deus na figura de Jesus Cristo geração? Morto violentamente foy ElRey
Iofias, morto violentamente Abner, mortos
identifcado com o Servo Sofredor de Isaías 52.13-
violentamente os famosos Machabeos Iudas,
53.12. & Eleazaro, & nem por iffo fe desprezaua
ninguem de fer de sfua geração, antes fe
O profeta Isaías, no capítulo cinqüenta e três, honravaõ muyto. Como diz logo Ifaias, que fe
em que prova a geração inefável de Cristo, haviaõ de afrontar os homens de fer da
enquanto Filho do Eterno Padre: Generationem geração de Chrifto, por fer morto
ejus quis enarrabit ? - pondera duas resoluções violentamente. Nam diz ifto Isaias pela morte,
admiráveis do mesmo Padre, e que de nem pela violência, fenaõ pelo genero, &
nenhum pai se puderam crer em respeito de ignominia della, como já tinha declarado nas
seu filho. Por isso começa dizendo, e como palavras antecedentes, ifto hé, porque havia de
duvidando, se haverá alguém que lhe dê morrer violentamente em hûa Cruz, que era o
crédito: Quis credidit auditui nostro ? E que duas mesmo que em hûa forca: & parente, & da
resoluções foram estas? A primeira que, para geração de hum enforcado, ninguem há, que o
nos livrar tirou as nossas culpas de nós, e as queira fer. As palauras, em que o declarou o
pôs em seu Filho: Posuit Dominus in eo Profeta são aquellas: Vidimus eum, et non erat
iniquitatem omnium nostrum; a segunda que, para aspectus, quasi absconditus vultus ejus (Is 53.8):
nos justificar, tirou os merecimentos do Filho Como aguda, & eruditamente notou aquelle
e os pôs em nós: Pro eo quod laboravit anima ejus; grande Expositor, a quem Hefpanha tem dado
justificabit ipse justus servus meus multos. Assim foi modernamente o título de Beda, o Venerauel
uma e outra coisa. Tirou o Eterno Padre as Padre Gafpar Sanches. Affi como cá aos
culpas de nós, e pô-las em seu Filho, porque noffos enforcados lhes cobrem o rosto
nós não podíamos satisfazer à divina justiça quando os hão de lançar da forca, assim
por nossas culpas, e Cristo foi o que, antigamente cobriam o rofto, quando os hão
tomando-as sobre si, satisfez por elas.4 de lançar da forca, affi antigamente cobriam o
rofto aos crucificados, naõ quando os
Sermão ao Enterro dos ossos dos enforcados pregauaõ na Cruz, senam quando os
condenauaõ a ella... E quando Cayfás, & os do
O Pe. Vieira pareceu intentar consolar os vivos feu Confelao condenaraõ a Chrifto, logo
e homenagear os mortos durante os conflitos também lhe cobriraõ o rofto: Condemnaverunt
originados quando da invasão holandesa no eum esse rem mortis, et caeperunt qui dam conspuere
eum, et velare fatiem ejus (Mc 14.64). E ifto he o
nordeste brasileiro. Sobre o horror e a violência da
que declarou Ifaias, profetizandco o genero da
guerra, Vieira indica a semelhança com a violência morte de Crifto, quando diffe, que o viraõ
descrita na Bíblia com a qual foi tirada a vida de com o rofto cuberto, & efcondido: Vidimus
Cristo. eum, et non erat aspectus, quasi absconditus vultus
ejus (Is 53.8). E porque tinha já dito, que o
genero de morte hauia de fer tam
ignominiofo, & afrontoso, como era o da
forca daquelle tempo, por isto acrefcentou
3 VIEIRA, António, S. J. Sermão de Dia de Ramos. Disponível que ninguém hauia de querer fer da fua
em: geração, & naõ por outra caufa, senam pela
<http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/fs morte, com que hauia de fer tirado defte
000029pdf.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2012.
4 VIEIRA, António, S.J. Sermões Escolhidos. São Paulo:
Edameris, 1965. v. 1.
mundo: Generationem ejus quis enarrabit, quia bíblicos vétero-testamentários é uma espécie de
abscissus est de terra viventium (Is 53.8).5 decodificação da mensagem através da chave que é
o evangelho de Jesus Cristo. Nota-se também que
Sermão XI com o Santíssimo Sacramento
Exposto Vieira aplica em seus sermões a atualização da
mensagem a demandas de sua época, porém sem
Neste sermão, Vieira deixa marcado sua desvencilhá-la dos fundamentos dogmáticos da
atividade apologética ao defender a realidade da igreja. Vieira utiliza os textos de Isaías em grande
paixão de Jesus Cristo baseando-se em Is 53.34. parte cristologicamente. Por isso, o texto de Isaías
52.13-53.12, o Cântico do Servo Sofredor, é dentre
O primeiro mistério doloroso, e da Paixão de os textos de Dêutero-Isaías o mais usado. Mesmo
Cristo, foi o do Horto: e que dizem os quando Vieira não utiliza um texto originalmente
hereges? Uns dizem que não padeceu o
Senhor as penas e aflições que referem os messiânico ou que teve pelos evangelhos canônicos
evangelistas, outros dizem que as padeceu um tratamento messiânico, ainda assim,
muito maiores e inauditas. Tão conformes alegoricamente o padre interpreta à luz do
contra a fé, como negarem todos o evangelho como é o caso de Is 40.12-13 acima.
Evangelho, e tão contrários entre si, quanto Talvez, por sua hermenêutica estritamente teológica
vai de padecer Cristo a não padecer; e não só
encontrados no que dizem, senão também nos destes textos, e por serem utilizados em sermões
fundamentos falsos por que o dizem. bastante específicos, como no caso acima citado em
Menandro e Saturnino, e Apeles, disseram que tom apologético, e então serem de interesse mais
não padecera Cristo, porque não tomara reservado à igreja e à fé, é que se tenha poucas
verdadeiro corpo, senão fantástico; Serveto, evidências preservadas da leitura deste bloco de
Menon e os anabatistas, porque era de matéria
celestial e divina. Juliana Alicarnasseu, Caiano, Isaías. E é claro, porque tal leitura é sempre feita
Teodoro, e outros, posto que concedem que a sob o domínio da teologia do Novo Testamento.
carne de Cristo era como a nossa em tudo o
mais, negam contudo que padecesse ou Os séculos XX e XXI
pudesse padecer; porque era impassível. Em
suma, que todos estes hereges, por tão Como já foi dito acima, foi através de Duhm
diversos caminhos, vêm a concordar em que que a exegese de Isaías sofreu mudanças sérias. As
as penas de Cristo não foram verdadeiras, por propostas de Duhm orientaram então a pesquisa e
mais que o Evangelho de Isaías esteja
clamando: Vere languores nostros ipse tulit - e o de a interpretação dos textos recém-denominados de
S. Lucas afirme que lhe fizeram suar sangue.6 Dêutero-Isaías. Duhm propôs as mudanças no fim
do século XIX. Na verdade, suas propostas se
Considerações sobre recepção de Pe. Vieira firmaram mesmo na história exegética a partir das
reações no difundidas no início do século XX.
Pelo que se pode ver das amostras dos
sermões do Pe. Vieira, domina ainda na exegese O método histórico-crítico foi um fator
desta época a retórica alegórica e tipológica. O uso fundamental para a exegese deste século. A
dos textos se dá como textos prova de alguma possibilidade de se estudar a Bíblia utilizando-se de
doutrina da igreja ou da argumentação do pregador. métodos apropriados ao estudo literário, ou seja, de
Percebeu-se também que as temáticas ordenadoras uma certa maneira quebrando a blindagem que a
das prédicas são em sua maioria oriundas da igreja havia posto ao redor da Bíblia, trouxe à tona
sistematização da fé cristã neo-testamentária. Por uma onda de valorização particular dos textos do
isso, o Antigo Testamento é lido retroativamente Antigo Testamento. Propunha-se a compreensão
ao evento de Jesus Cristo. A apropriação dos textos dos textos à luz dos seus contextos históricos antes
de serem harmonizados de alguma forma a
mensagem do Novo Testamento.
5 VIEIRA, 1682, p. 421-423.
6 VIEIRA, António, S.J. Sermão Santíssimo Sacramento Na história da pesquisa na América Latina no
Exposto. Disponível em: século XX e XXI algumas escolas orientaram a
<http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/fs
000029pdf.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2012.
produção de textos. De um lado, a escola
evangélica com sua predominante hermenêutica argumento uma ideia de que a figura do servo pode
cristológica. Algo parecido com aquilo ser aplicada a de Jesus e não necessariamente que o
testemunhado em alguns dos sermões de Vieira, profeta falava diretamente do Cristo. Isso está de
porém com uma dose reduzida de alegoria. De acordo com a posição de Crabtree de que os
outro, a escola originariamente latina, a Teologia da profetas falavam a seus contemporâneos e que sua
Libertação e sua hermenêutica histórico-social em mensagem então deveria ter um sentido primeiro a
busca de releituras que se apropriem do texto. A estes.
seguir, breve análise de textos referentes às
questões hermenêuticas latino-americanas do Isaltino Gomes Coelho Filho9
século XX e XXI.
O texto do Prof. Isaltino sobre o livro de
Asa Routh Crabtree 7 Isaías é uma publicação dirigida não
exclusivamente, mas primeiramente ao povo batista
O Prof. Crabtree foi um dos primeiros no brasileiro. Faz parte de uma série de produções
Brasil a tratar o livro de Isaías à luz da exegese denominada “Como a Bíblia nos fala hoje” com o
moderna. Em seu comentário a Isaías já estão intuito de apresentar não mudanças, mas
previstas as divisões do livro, em duas ou três acréscimos ao que já foi feito, por Crabtree por
partes. Crabtree apesar de conhecer a questão do exemplo. Assim, na verdade é uma visão mais
chamado Trito-Isaías, ainda não assimilou a divisão moderna e contextualizada do livro de Isaías que
tripartite em seus estudos. Como ele mesmo afirma, serve como apoio às pessoas que trabalham com
o autor de Isaías 40-66 é uma só pessoa, porém ensino da Bíblia nas igrejas. Em seu livro, Isaltino
com nome desconhecido.8 trata com especial atenção os quatro Cânticos do
Servo.
No mesmo sentido, Crabtree já trabalha com a
questão dos Cânticos do Servo de Yahweh. Sobre a Na realidade, no que se refere ao bloco de Is
identidade do Servo, Crabtree reconhece a 40-66, trata apenas dos cânticos e os lê sob uma
dificuldade em atribuir características messiânicas hermenêutica messiânica neo-testamentária, ou seja,
ao Servo no Antigo Testamento. Segundo ele, não vê na vida morte e ressurreição de Jesus Cristo a
há indícios anteriores ao Novo Testamento que figura do Servo. Isaltino apresenta o bloco de Is 40-
conectem a esperança messiânica e a figura do 66 como a segunda parte do livro de Isaías que tem
Servo. Vê-se no trabalho de Crabtree as influências como fundo histórico o período do exílio
da pesquisa bíblica científica caminharem ao lado babilônico. A diferença de Crabtree é que para
das posições de fé doutrinárias da igreja. Isaltino mesmo que o estudante da Bíblia opte pela
divisão do livro em duas ou mais partes, isso de
Percebe-se isso no tratamento que Crabtree dá
modo algum modificará o tema do livro.
à identificação do Servo. Ele limita-se a identificar o
Servo com Jesus Cristo somente a partir dos textos Em seu esboço apresentado ao bloco de Is 40-
dos evangelhos que já o fizeram, e imprime em seu 66 percebe-se claramente a preocupação doutrinária
do autor. Ele divide em três partes: a) caps. 40-48:
7
Grandeza de Deus na Criação; b) 49-57: Graça de
Embora fosse um missionário batista oriundo dos
Estados Unidos, o comentário exegético que Crabtree Deus na Salvação; c) 58-66: Glória de Deus na
produziu sobre Isaías foi produzido durante sua atividade
missionária no Brasil. O Dr. Crabtree foi professor por
muitos anos no Seminário Batista do Sul do Brasil no Rio
de Janeiro, e publicou várias obras em português. O
comentário de Isaías foi publicado em dois volumes: 1-39
e 40-66. O segundo volume referente aos capítulos 40-66 9 O Dr. Isaltino Gomes Coelho Filho foi professor e
teve sua primeira edição no ano de 1939 pela Casa diretor do Seminário Batista do Sul do Brasil no Rio de
Publicadora Batista que posteriormente viria a se chamar Janeiro. Sua dissertação de mestrado versou sobre o
Junta de Educação Religiosa e Publicações da Convenção quarto Cântico do Servo de Yahweh, o Servo Sofredor.
Batista Brasileira (JUERP). Em 2001 a editora JUERP publicou seu comentário sobre
8 CRABTREE, A. R. A profecia de Isaías: capítulos 40-66. Rio o livro de Isaías onde o autor deu atenção especial aos
de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1939. v. II. p. 39. quatro Cânticos do Servo de Yahweh.
Restauração.10 Criação, Salvação e Restauração são Cristo, nascido em manjedoura, morto na cruz,
temas teológicos maiores que aplicados ao livro amigo dos pobres”.13
como Isaltino faz acabam por reduzir as
possibilidades hermenêuticas. José Severino Croatto14
Estudos Bíblicos15 e Revista de Interpretação periferia da grande São Paulo. Conhecem toda a
Bíblica Latino-Americana (RIBLA)16 trajetória de sofrimento da comunidade e também
de sua particular solidariedade para enfrentar a dura
As revistas Estudos Bíblicos e Ribla realidade. Para eles, a resistência dos pobres é
publicaram vários artigos sobre a pesquisa em profética tal qual o Servo Sofredor. A exegese do
Dêutero-Isaías e sobre os Cânticos do Servo de texto bíblico não é desprezada, é bem feita e
Yahweh. Para este trabalho, foi escolhido somente cuidadosamente dirigida. Mas a leitura é sempre
um dos artigos para a análise. Trata-se do artigo de realizada a partir da realidade do povo da
Shigeyuke Nakanose e Enilda de Paula Pedro sob o comunidade em questão. Este trabalho
título “A missão profética do povo sofredor”.17 hermenêutico lembra também o jeito de ler a Bíblia
Justifica-se a escolha deste artigo por entender-se do movimento liderado pelo frei Carlos Mesters.
que é um bom exemplar da hermenêutica vigente Aqui a vida real do povo é o meio no qual se lê a
nestas revistas, no caso a Teologia da Libertação, e Bíblia, e por onde o leigo se vê na Bíblia,
por ser uma proposta de leitura do quarto Cântico identificando sua realidade no texto.
do Servo Sofredor, Isaías 52.13-53.12.
Os autores iniciam seu estudo narrando uma Missão Integral
experiência pastoral em uma comunidade atendida
A Fraternidade Teológica Latino-Americana
por eles. Lá se deparam com a realidade da gente da
(FTL) é uma importante voz teológica da América
Latina composta em sua maioria por teólogos
15 A revista Estudos Bíblicos é publicada pela editora Vozes, Evangelicais. E no mapeamento do uso de
sendo que sua periodicidade é trimestral e cada número é Dêutero-Isaías nos textos da FTL nota-se uma
temático. A revista Estudos Bíblicos tem como objetivo o lacuna intrigante, pois há pouquíssimo uso desses
aumento da difusão do uso pastoral da Sagrada Escritura,
por isso oferece subsídios nesta linha. Estudos Bíblicos se textos. Em contrapartida, textos do Trito-Isaías (Is
caracteriza por ser uma revista elaborada a partir da 56-66) não só são usados, mas também alguns deles
experiência religiosa bíblica e da realidade sócio-religiosa compõem base para argumentação fundamental na
de comunidades eclesiais de âmbito nacional (brasileiro) e
tem a preocupação de apresentar ensaios a nível mais teologia da missão integral. Pode-se destacar dois
popular. É também uma revista de hermenêutica bíblica e, textos básicos na leitura bíblica da FTL no livro de
portanto, ela cultiva critérios de cientificidade, embora Isaías: A proclamação do ano aceitável do Senhor
com a preocupação de ser acessível também a um público
não especializado em ciências bíblicas propriamente ditas, em Isaías 61; e Isaías 65 na descrição e expectativa
mas especializado em compreender a mensagem e do novo céus e nova terra. Ambos os textos são
vivenciá-la no dia a dia de sua vida. É uma revista ligados a referência neo-testamentárias e reforçam
ecumênica, promovida pelas igrejas Católica, Luterana,
Metodista e Anglicana, que assim, através da Sagrada assim as esperanças do reino de Deus proclamado
Escritura, valorizam sua herança e destinos comuns. pela FTL.
16 A Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana
(RIBLA) se inspira em duas vertentes: 1) bíblica 2) Conclusão
histórico-cultural latino-americana e caribenha. Portanto,
por um lado, procura ouvir a revelação de Deus, tanto
enquanto codificada na história bíblica, quanto, por outro Ficou evidente que de uma maneira geral não
lado, codificada no contexto histórico-cultural latino- se lê Deutero-Isaías e os Cânticos do Servo de
americano e caribenho. A revelação de Deus e sua Yahweh na América Latina do século XX e início
percepção acontecem na mediação histórica, no caso,
bíblica, latino-americano e caribenha. Assim, RIBLA se do XXI como leu o Pe. Antônio Vieira.
situa nas experiências de fé e de luta pela vida das Acompanhou-se as descobertas da pesquisa bíblica
comunidades das Igrejas da AL e do Caribe. Parte do em todas as alas teológicas. Também seguiu-se à
pressuposto de que as dores, utopias e poesias dos pobres
são uma mediação hermenêutica decisiva para a leitura da
exposição bíblica a adequação da mensagem a
Bíblia em nossas terras. Desde 1988, em fascículos realidade vivida pela igreja. Aqui há sensível
temáticos, RIBLA é editada em duas versões linguísticas: diferença no uso destes textos nas diferentes alas.
espanhola e portuguesa. É uma Revista ecumênica de
hermenêutica bíblica.
Entre os grupos que têm uma postura de missão a
17 NAKANOSE, S.; PEDRO, E. P. A missão profética do interpretação é cristocêntrica, sendo os textos
povo sofredor. Estudos Bíblicos, Petrópolis, n. 73, p. 26-41, profecias que tiveram seu cumprimento na vida,
2002.
morte e ressurreição de Jesus Cristo e o que isso Assim na América Latina os textos de
significou para a comunidade dos discípulos de Dêutero-Isaías encontram-se em uma dicotomia
Jesus. Aqui, toda a experiência do Servo em Isaías hermenêutica que se polariza entre o sujeito e a
refere-se quase exclusivamente à pessoa de Jesus categoria, entre o agente concreto e o conceito. De
Cristo. um lado, percebe-se a tensão entre a firmeza na
manutenção das tradições históricas e dos
Já entre os grupos em que predomina uma
conteúdos normativos e identitários da fé cristã. De
tendência da Teologia da Libertação pode-se dizer
outro, o pujante envolvimento com a diversidade
que a opção pelos pobres é bem evidente. A
de experiências de fé do povo latino-americano
identificação de Jesus Cristo com o Servo é dada
percebido em seus testemunhos existenciais e
pela via do sofrimento exemplar que se vê nos dois
criativos. Esse distanciamento não ocorre, é claro,
modelos. O povo deve ler o Dêutero-Isaías e
somente na hermenêutica dos textos dêutero-
perceber que a esperança é possível através da
isaiânicos, vigora também em todo o escopo
solidariedade que, por sua vez, tem em Jesus
bíblico. Então, é fundamental a teologia bíblica
exemplo máximo da missão do Servo, mas ele não
latino-americana estabelecer o que ou quais partes
é o único, junto dele vão todos os pobres e
das tradições históricas podem ou devem
oprimidos.
permanecer presentes como colunas ou
Embora fragmentária, a pesquisa serviu para coordenadas para a vivência da fé bíblica criativa
indicar que para a sequência da pesquisa bíblica na em contextos ansiosos por novidade.
América Latina no que se refere aos textos dêutero-
isaiânicos será necessário que sejam construídos
melhores acessos que promovam diálogo entre os
biblistas de diferentes hermenêuticas. Essa
aproximação tem como desafio não descaracterizar [Recebido em: abril 2012 e
as contribuições de cada grupo, sejam elas no aceito em: agosto 2012]
campo da fé cristocêntrica, sejam elas na realidade
vivida pela maioria do povo latino-americano.
Substancialmente aponta-se como algo a ser
considerado a falta de uma exposição e exploração
dos textos deutero-isaiânicos leitura bíblica
realizada na FTL como também um fator que
mantém os distanciamentos entre as linhas
hermenêuticas. Justifica-se essa consideração
devido à forte interpretação dos textos bíblicos na
América Latina sob hermenêuticas contextuais que
permeiam tanto a TdL quanto a FTL. Justifica-se
também porque a FTL apresenta ocorrência de
aproximações aos textos de maneira que se ajustem
à hermenêutica cristocêntrica de preferência da
ortodoxia protestante.