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Resumo
A história da comunidade joanina depois do evangelho continua, nas epístolas.
1Jo não nomeia autor, nem indica o nome de seu destinário, apesar que desde cedo, fora
considerada como obra do Apóstolo e Evangelista João e, para alguns, o prólogo ao
Evangelho 1. As epístolas 2Jo e 3Jo são cartas escritas por um homem que se designa
como πρεσβύτερος (presbytero: 2Jo 1,1). E possuem um traço comum no que diz
respeito ao seu conteúdo e ao estilo, o que nos permite assegurar duas coisas: a
primeira, seriam provenientes do mesmo autor ou da mesma escola teológica 2; e a
segunda, a crise que a comunidade enfrenta é algo que preocupa muito o autor, que
sente que é “a última hora” (1Jo 2,18). Com isso, as epístolas têm como finalidade
fortalecer, instruir e construir os cristãos joaninos. Mesmo que elas evidenciam o mal, o
seu tom é positivo e construtivo3.
A voz de uma dessas das alas dessa disputa se perpetuou como canônica e é
conhecida por nós através da forma final que obteve o Quarto Evangelho (=QE)4 e
também das três epístolas atribuídas a João. A proposta da pesquisa atual, nesta
pesquisa é investigar as duas últimas fases da comunidade joanina, reconstruindo-a
partir das epístolas joaninas e o QE. Tendo em vista que, os seus tópicos antropológicos
e sociológicos, representam elementos fundamentais da teologia cristã e da pregação da
época.
Introdução
Apresentamos até a agora a concepção do biblista norte-americano Raymond
Brown, em seu livro A comunidade do discípulo amado (2006), descrevemos a sua
teoria a respeito da história da comunidade que estava ligada ao Quarto Evangelho (QE)
e as três epístolas de João. Tendo, como base a sua reflexão, delimitamos a história da
comunidade, nas seguintes etapas:
Primeira fase, corresponde ao período pré-evangélico da história joanina
consciente, que acontece entre 50-80 d.C., na Palestina (ou em algum próximo), o grupo
compunha judeus de diferentes grupos, sendo eles: um discípulo que conhecera Jesus
durante seu ministério (discípulo amado), samaritanos, seguidores de João Batista,
opositores ao templo, prosélitos e gentios.
1
MAZARROLO, Isidoro. As três cartas de São João: exegese e comentário. Rio de Janeiro: Mazzarolo
editor, 2010, p.17.
2
BROWN, R. E. A Comunidade do Discípulo amado. São Paulo: Paulus, 2011, p. 100.
3
Ibdem, p.227.
4
Ao longo do trabalho usaremos esta sigla QE para referimo-nos ao texto evangélico joanino.
1
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5
BAKHTIN, Mikhail/VOLOSHINOV, Valetin. Freudismo. São Paulo: Perspectiva, 2009.
6
BROWN, R. E. A Comunidade do Discípulo amado. São Paulo: Paulus, 2011, p. 22.
7
MARSHALL, I. H. The Epistles of John. The New International Commentary on the New Testament.
Grand Rapids: Eerdmans, 1978. p. 02.
8
SCHREINER, Josef. Forma e Exigências do Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 1977. pp.415-416.
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1Jo é considerada uma epístola, porém o seu escrito não tem a forma de uma carta
antiga. Visto que não possui alguns elementos fundamentais, como: Nome do
remetente, destinatário, local dos destinatários, saudação e bênçãos. Fugindo da
característica do estilo grego-romano, em que o autor e destinatário são, normalmente,
conhecidos. O que faz alguns autores acreditar que tais características seriam do Oriente
Médio (mundo semítico) 9. O vocabulário de 1Jo é muito repetitivo, e as 2Jo e 3Jo são
os menores textos do Novo Testamento, todavia apesar de pequenas, elas possuem a sua
importância devido ao seu contexto próprio. Nessas duas epístolas o seu remetente,
apresenta-se como o “Presbítero” (2Jo 1, 3Jo 1).
Há muitas semelhanças no estilo e no vocabulário da 1Jo e o QE que sem dúvida
procedem da mesma tradição. 1Jo adquire melhor sentido se analisado como um escrito
posterior ao período da aparição do QE. 1Jo parece ser um escrito que se assemelha a
um comentário ao QE, uma espécie de carta pastoral a várias igrejas em forma de
instrução, de homilia 10. Isto fica evidente, na forma relacional que o escritor interpela os
seus leitores, com expressões afetuosas e familiares, sendo elas: filhinhos (2,14);
amados (2,7;3,2.21); filhos queridos (2,1.12.28; 3,7.18; 4,4; 5,21); irmãos (3,13); pais e
jovens (2,13-14). 2Jo apesar da sua brevidade, segue o mesmo estilo e vocabulário que
1Jo. Só na 3Jo, que ocorre uma distinção com relação ao vocabulário e temática, que
estaria mais próximo ao estilo paulino do que joanino 11.
Tais características são próprias do estilo joanino o que nos permite afirmar que a
1Jo é um escrito que fora elaborado no mesmo ambiente do QE12.As frases são
entrelaçadas com a conjunção kai ou são simplesmente justapostas. Existem poucos
verbos compostos13. A linguagem e o estilo destes escritos se aproximam muito do QE,
pois dos 298 lexemas das epístolas, 193 são comunis aos dois escritos14. Muitos dos
termos cristológicos característicos do QE se encontram também na 1Jo, vejamos
alguns: λόγος (aplicado a Jesus: Jo 1,1), ἀλήθεια (verdade, dito pelo Espírito: 1Jo 5,6),
μονογενῆ (aplicado a Jesus: 1Jo 4,9), σωτῆρα (salvador, predicado de Jesus: 1Jo 4,14),
σαρκὶ (1Jo 4,2).
Aparecem vocábulos muito específicos do QE: conhecer (ginoskein), testemunho
(martyria), dar testemunho (martyrein) pai (dito de Deus: pater), mundo (kosmos),
guardar (terein), permanecer (menein), manifestar-se (phanerothenai). Se bem que
existam também ausências de expressões importantes e vocabulários característicos do
QE, como: lei (nomos), glória (doxa), glorificar (doxazein), subir e descer (anabainein e
katabainein), elevar (hypsoun), julgar (krinein), etc.
Embora haja semelhanças estilísticas e teológicas profundas entre o evangelho e
as epístolas, há também diferenças insignificantes que levantam dúvidas se o autor das
epístolas era o evangelista, ou seja, o escritor principal 15. É possível que o autor das
epístolas nem foi o evangelista, nem o redator, mas um dos colaboradores menores do
evangelho, ou alguém que não tenha em absoluto participado da redação do evangelho.
9
MAZARROLO, Isidoro. A Bíblia em suas mãos. Rio de Janeiro: Mazzarolo editor, 2012, p.228.
10
GASS, Ildo Bohn. As comunidades cristãs a partir da segunda geração. São Paulo: Paulus, 2010,
p.134.
11
MAZARROLO, Isidoro. As três cartas de São João: exegese e comentário. Rio de Janeiro: Mazzarolo
editor, 2010, p.15.
12
TUÑI, Josep-Oriol; ALEGRE, Xavier. Escritos joaninos e cartas católicas. São Paulo: Ave
Maria,1999. P.157-158.
13
TUÑI, Josep-Oriol; ALEGRE, Xavier. Escritos joaninos e cartas católicas. São Paulo: Ave
Maria,1999. P.157.
14
MAZARROLO, Isidoro. As três cartas de São João: exegese e comentário. Rio de Janeiro: Mazzarolo
editor, 2010, p.19.
15
BROWN, R. E. A Comunidade do Discípulo amado, São Paulo: Paulus, 2011, p. 99.
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Apesar, de não obtermos uma decisão determinante, haja vista que esta questão ainda
está aberta, podemos supor que o autor de 1Jo pertence ao círculo mais estreito em torno
do evangelista ou que ele dependa diretamente desse círculo 16.
E o fato de os mesmos pontos doutrinais e morais estarem sendo combatidos em
1Jo e em 2Jo e tanto 2Jo quanto 3Jo estarem se ocupando da aceitação de instrutores
itinerantes interligam as epístolas e torna provável que todas as três tenham provindo da
mesma fase da história joanina. Brown vai desenvolver uma tese de uma escola joanina
de escritores que tinham em comum uma posição teológica e um estilo 17.
“Os bispos da Ásia, por outro lado, com Polícrates à frente, seguiam
insistindo com força que era necessário guardar o costume primitivo que lhes
fora transmitido desde antigamente. Polícrates mesmo, numa carta que dirige a
Victor e à igreja de Roma, expõe a tradição chegada até ele com estas palavras:
“Nós, pois, celebramos intacto este dia, sem nada juntar nem tirar. Porque
também na Ásia repousam grandes luminárias, que ressuscitarão no dia da
vinda do Senhor, quando vier dos céus com glória e em busca de todos os
santos: Felipe, um dos doze apóstolos, que repousa em Hierápolis com duas
filhas suas, que chegaram virgens à velhice, e outra filha que, depois de viver no
Espírito Santo, descansa em Éfeso. E também João, o que se recostou sobre o
16
KÜMMEL, Werner G. Síntese Teológica do Novo Testamento. São Paulo: Teológica, 2003. p. 316.
17
Ibdem, p. 100.
18
COTHENET, Edouard. Os escritos de São João e a epistola aos hebreus. São Paulo: Paulinas, 1988. p.61.
19
ARENS, Eduardo. Ásia Menor nos tempos de Paulo, Lucas e João. São Paulo: Paulus, 1997.p. 158.
20
CESARÉIA, Eusébio de. História Eclesiástica. São Paulo: Novo Século, 2002. III.V.III
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peito do Senhor e que foi sacerdote portador do pétalon, mártir e mestre; este
repousa em Éfeso. E em Esmirna, Policarpo, bispo e mártir. E Traseas, também
ele bispo e mártir, que procede de Eumenia e repousa em Esmirna. E que falta
faz falar de Sagaris, bispo e mártir, que descansa em Laodicéia, assim como o
bem-aventurado Papirio e de Meliton, o eunuco, que em tudo viveu no Espírito
Santo e repousa em Sardes esperando a visita que vem dos céus no dia em que
ressuscitará de entre os mortos? Todos estes celebraram como dia da Páscoa o
da décima quarta lua, conforme o Evangelho, e não transgrediram, mas seguiam
a regra da fé. E eu mesmo, Polícrates, o menor de todos vós, (faço) conforme a
tradição de meus parentes, alguns dos quais segui de perto. Sete parentes meus
foram bispos, e eu sou o oitavo, e sempre meus parentes celebraram o dia
quando o povo tirava o fermento. Portanto, irmãos, eu com mais de sessenta e
cinco anos no Senhor, que conversei com irmãos procedentes de todo o mundo
e que recorri toda a Sagrada Escritura, não me assusto com os que tratam de
impressionar-me, pois os que são maiores do que eu disseram: Importa mais
obedecer a Deus do que aos homens." Logo acrescenta isto que diz sobre os
bispos que estavam com ele quando escrevia e eram da mesma opinião: Poderia
mencionar os bispos que estão comigo, que vós pedistes que convidasse e que
eu convidei. Se escrevesse seus nomes seria demasiado grande seu número.
Eles, mesmo conhecendo minha pequenez, deram seu assentimento a minha
carta, sabedores de que não é em vão que levo meus cabelos brancos, mas que
sempre vivi em Cristo Jesus. 21"
Podemos então falar que uma boa porcentagem das comunidades cristãs das quais
emanou a maioria dos escritos do Novo Testamento encontrava-se na Ásia Menor22.
Calcula-se que pelo menos dois terços dos judeus viviam no século I na diáspora, longe
da Judéia, porcentagem que cresceu consideravelmente a partir da década de 70 d.C.
Segundo Fílon de Alexandria em sua apologia perante Roma, diz:
“Os judeus são tão numerosos que não podem ser contidos num só
país, e por isso se instalaram em muitos dos países prósperos da Europa e
da Ásia”23.
21
O testemunho de Polícrates sobre as “grandes luminárias” que ilustram a Ásia - CESARÉIA, Eusébio de.
História Eclesiástica. São Paulo: Novo Século, 2002. V.XXIV. I-VIII. Demonstra o apego pelas tradições
dos bispos, a celebração da Páscoa, e o desenvolvimento das concepções milenaristas que são sinais que
revelam a importância das contribuições judeu-cristãs na Ásia Menor.
22
ARENS, Eduardo. Ásia Menor nos tempos de Paulo, Lucas e João. São Paulo: Paulus, 1997.p. 157.
23
Fílon de Alexandria, sendo citado em: ARENS, Eduardo. Ásia Menor nos tempos de Paulo, Lucas e João.
São Paulo: Paulus, 1997.p. 159.
24
COTHENET, Edouard. Os escritos de São João e a epistola aos hebreus. São Paulo: Paulinas, 1988. p.62.
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25
Brown citando G. MacRae em seu livro: BROWN, Raymond E. A Comunidade do Discípulo Amado,
São Paulo: Paulus, 1999, p. 60.
26
Ibdem,p.48.
27
CHARPENTIERP, Etienne. Para Leer el Nuevo Testamento. Navarra: Verbo Divino, 1990. p.133.
28
SCHNACKENBURG, R. Cartas de San Juan – Version, introdución y comentario. Barcelona: Herder,
1980.p. 121.
29
MAZARROLO, Isidoro. A pedagogia na família segundo 1Jo 2,12-14. Estudos Bíblicos, Petrópolis, v.
85, p. 90-102, 2005.
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autor de 1Jo escreve com tanta urgência não porque esperasse que esses falsos profetas
(4,1) lesse sua obra e se convertesse, mas sim porque tais líderes empregava um esforço
missionário permanente para minar a adesão de seguidores. O autor espera que, através
da sua obra, ele detenha o êxito que estes falsos profetas estão tendo, pois todo o mundo
está lhes escutando (4,5) 30. Esta resistência oferecida pelos opositores do Evangelho e
seus anunciadores, dificultava a implantação da mensagem evangélica. Desde modo, o
autor vai identificar tais pessoas, como sendo ἀντιχρίστου (anticristo: 1Jo 4,3). Por isso
o autor vai advertir que os cristãos não permitam que tais atravessem a porta de sua
casa-igreja (2Jo 1,10).
Nos aspectos teológicos que a epístola vai acentuando, percebemos: a clareza que
Jesus veio “na carne” (4,2). Com o intuito de repreender as tendências que negavam a
encarnação de Jesus Cristo e pretendiam separar “Jesus divino” de “Jesus crucificado”,
isto também é presente no prólogo do QE. Em 1Jo 5,6 diz que: Jesus não veio só pela
“água”, mas também pelo “sangue”, sobretudo se percebemos que o tema da fé em
Cristo está ligado ao amor de Deus. Em 1Jo5,4 diz que: “e a vitória que vence o mundo
é a nossa fé”, destacando a nova formulação faz verdades cristãs. Neste sentido a
epístola ajudou a Igreja a manter-se fiel à sua essência e ao seu “espírito” 31.
Em 2Jo o presbítero tem uma grande preocupação com os pregadores itinerantes
ou visitantes ocasionais, que anunciavam falsas doutrinas aos discípulos de Jesus Cristo,
e confundiam as novas comunidades e os cristão imaturos (2Jo 1,12). As epístolas 1Jo e
2Jo são escritas a diferentes igrejas distantes do autor, que pretende visitá-las (2Jo 1,12;
3Jo 1,14). Percebemos que esta carta está ligada a uma igreja (v.13) 32, mas que escreve
instruções para outra (v.1: “A Senhora eleita e a seus filhos”) o que nos dá entender que
a comunidade joanina não se encontrava numa mesma área geográfica, mas em
diferentes cidades. Podemos entender que isto é possível já que os cristãos primitivos se
reuniam em casas familiares que se tornavam igrejas, que não poderiam ter muitos
membros33.
A primeira aparição de Jesus, logo após a morte, se dá a portas fechadas, na casa
onde eles se encontravam por medo dos judeus (Jo 20,19). Em Pentecostes, eles
estavam também reunidos a portas fechadas, de uma casa, e receberam o Espírito Santo
(At 2,1-2). As comunidades não tinham instituição jurídica, ritos e formulas, mas um
espaço físico onde se celebrava a fé e faz a memória dos ensinamentos recebidos. As
Igrejas, como espaços oficiais, suntuosos e públicos, só aparecem no início do IV
século, quando o cristianismo é assumido como religião oficial do Império Romano 34.
As primeiras Igrejas cristãs nascem num sinônimo de muitas sinagogas, isto
porque, o cristianismo vivia sendo perseguido pelos judeus e logo depois pelo império
romano, assim os cristãos faziam suas reuniões em casas particulares, a fim de
sobreviver e não serem identificados pelos perseguidores. As Igrejas eram as pessoas,
não os ambientes físicos. “Onde estiverem dois ou mais reunidos em meu nome, ali
estou no meio deles” (Mt 18,20). Nos tempos de Paulo, essas Igrejas não tinham
prédios, não tinham manuais, pouquíssimos textos, ausência total de rituais. Tinham a
pregação e a memória dos mestres para debater, discutir ou discernir, divididos,
30
BROWN, R. E. Las Iglesias que lós Apostoles nos dejaron. Bilbao: Desclee de Brouwer,1986,p. 108.
31
THUSING, Wilhelm. As Epístolas de São João. Petrópolis: Vozes, 1983.p. 10.
32
O termo “igreja” é justificado pelo uso em 3Jo 6.9.10, cito aqui: BROWN, R. E. A Comunidade do
Discípulo amado, São Paulo: Paulus, 2011, p. 97.
33
O Apóstolo Paulo visitava numerosas casas-igreja na comunidade romana (Rm 16,5.14-15), e talvez
em Tessalônica também (1Ts 5,27).
34
MAZARROLO, Isidoro. Filemon, a carta da alforria. Rio de Janeiro: Mazzarolo editor, 2011, p.61.
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Escola Joanina
No final do século I em muitas áreas estava se desenvolvendo uma estrutura
eclesial na qual um grupo de “presbíteros” eram responsáveis pela administração e pelo
cuidado pastoral da Igreja, presente no Novo Testamento (At 14,23; 20,17.28-30; 1Pd
5,1; Jd 5,14; 1Ts 3,1-7; 5,17-22; Tt 1,5-11). O termo presbítero pode ser usado para
designar a geração de instrutores depois das testemunhas, ou seja, pessoas que podiam
ensinar numa cadeia de autoridade, porque elas tinham visto e ouvido outras pessoas
que, por sua vez, tinham visto e ouvido Jesus 37.
O Paráclito, Espírito Santo, é o mestre por excelência (Jo 14,26;16,13) da
comunidade. E o mestre humano, mesmo o Discípulo Amado, por sua vez, seria aquele
que agiria como uma testemunha da tradição que o Paraclito interpreta (Jo 19,35;21,24;
1Jo 2,27). A comunidade joanina é aquela que percebe na atuação do Discípulo Amado
a existência do Paráclito, que estava em plena atividade atrás da interpretação da
tradição que era transmitida pelo Discípulo Amado. Depois da morte do Discípulo
Amado, a comunidade entendeu que a obra do Paráclito continuava nos discípulos do
Discípulo Amado que transmitiu a tradição e ajudou a formulá-la.
O segundo sentido de presbítero, modificado pela ótica joanina, poderia explicar
porque o presbítero das epístolas joaninas fala como parte de um coletivo “nós” que dá
testemunho do que fora visto e ouvido desde o princípio (1Jo 1, 1-2), e isto os leva ao
ponto principal da “escola joanina” 38.
É provável que no tempo do Discípulo Amado estabeleceu-se um círculo, cuja
importância se reforçou após sua morte. Este círculo de teólogos e mestres seguiu
cultivando e estudando suas tradições, deste grupo surgiram os escritos joaninos que
percebemos nas afirmações, no plural: “Sabemos que seu testemunho é verdadeiro” (Jo
21,24; 1Jo 1,2-3). Estabelece-se aqui, portanto, uma ligação entre o passado e o começo
e o presente da pregação, num esforço evidente para vincular a tradição e transmitir o
que fora recebido: “O que vimos e ouvimos, isso vos anunciamos” (1Jo 1,3).
35
MAZARROLO, Isidoro. Filemon, a carta da alforria. Rio de Janeiro: Mazzarolo editor, 2011, p.61-62.
36
GASS, Ildo Bohn. As comunidades cristãs a partir da segunda geração. São Paulo: Paulus, 2010. p.132.
37
BROWN, R. E. A Comunidade do Discípulo amado, São Paulo: Paulus, 2011, p. 105.
38
Ibdem, p. 104-105.
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Desenvolveu-se um cultivo e uma cultura da tradição, que está relacionada com essa
escola39. R. A. Culpepper estende o termo “escola” a toda à comunidade joanina, pois
para ele, todos participam da tradição que veio do Discípulo Amado e dão testemunho
(Jo 15,27)40.
Brown, no entanto, percebe que há um esforço em demonstrar um discipulado
joanino que fosse democrático, pois muita das vezes o autor está se incluindo ao mesmo
nível que seus leitores que são seus ἀδελφοὶ (irmãos: designação que aparece quinze
vezes em 1Jo), contudo, em outras ocasiões seu “nós” representa os transmissores e
intérpretes da tradição que são distintos de um “vós” que são os receptores da
mensagem (1Jo 1,1-5).
Inevitavelmente, alguns teriam estado mais próximos historicamente do Discípulo
Amado, porque alguns eram mais ativos em escrever e dar testemunho. É para este
grupo então, que Brown designa o termo “escola joanina” dentro de uma comunidade
mais ampla. Estes incluem o evangelista, o redator do evangelho, e quaisquer outros
escritores envolvidos, o autor das epístolas, e os transmissores da tradição 41.
O presbítero fala como representante desta escola joanina (1 Jo 1,1) , não porque
ele mesmo tenha sido uma testemunha ocular, mas por causa da aproximação da escola
joanina de discípulos do Discípulo Amado. Assim, podemos dizer que Jesus tinha visto
Deus, o Discípulo Amado tinha visto Jesus, e a escola joanina participa de sua tradição.
No período em que o evangelho foi escrito, o testemunho do Discípulo Amado era
suficiente, e a comunidade estava unida em aceitar esse testemunho. Mas, no período
em que as epístolas foram escritas, notamos que há grupos interpretando a tradição do
Discípulo Amado. Destaca assim, a atuação do presbítero que tenta corrigir seus
adversários como parte de uma escola joanina de discípulos que possuem a doutrina
correta, que realmente conhecem o pensamento do Discípulo Amado, e estes, portanto
são suas testemunhas (1Jo1,1).
Cisma Joanino
A redação desta epístola foi feita pela voz joanina, para o grupo que ficou. Desde
o primeiro capítulo percebemos a maneira como o autor utiliza-se do discurso do outro
grupo para corrigir as supostas distorções consideradas heréticas dos dissidentes e
apascentar o grupo que permaneceu na comunidade, de forma a evitar que outros se
levantassem com o mesmo discurso. Desta maneira, elas constituem este corpo de
pensamento, e nas páginas que seguem, os temas predominantes são: cristologia, ética,
escatologia, pneumatologia (dos separatistas joaninos), vistas através dos olhos do autor
de 1Jo42.
Brown apresenta o ponto de vistas dos separatistas mostrando que eles possuem
uma lógica e um caráter persuasivo, dadas as suas pressuposições. Nas diversas
tentativas de delinear um substrato que explique a teologia separatista, tem se colocado
uma influência externa que levou os cristãos a se desviarem do verdadeiro evangelho
joanino. É comum acreditar que os separatistas tivessem ligações com um movimento
herético do segundo século, conhecido como gnosticismo. Não podemos negar, que o
pensamento reconstituído dos adversários de 1Jo tem certas semelhanças com o
pensamento gnóstico que conhecemos. K. Weiss chamou a atenção para o fato de que a
39
GNILKA, Joachim. Teología Del Nuevo Testamento. Madrid: Editorial Trotta, 1998. p. 325.
40
R. A. Culpepper sendo citado por: BROWN, R. E. A Comunidade do Discípulo amado, São Paulo:
Paulus, 2011, p. 106.
41
BROWN, R. E. A Comunidade do Discípulo amado, São Paulo: Paulus, 2011, p. 106.
42
Ibdem, p. 108.
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maior parte das marcas características dos sistemas gnósticos falta completamente no
pensamento dos separatistas, o qual, de fato, contém características às quais se
opuseram os últimos gnósticos 43. Um requinte da teoria gnóstica é que os separatistas
eram docetas que negavam a realidade da humanidade de Jesus 44. Cerinto tinha sido
proposto como seu chefe, com base em tradições do final do século segundo de que ele
era inimigo de João, filho de Zebedeu 45.
Para Brown, o pensamento separatista reconstituído não se enquadra exatamente
nem no pensamento doceta, nem no pensamento cerintiano, paralelos mais perfeitos
encontra-se no pensamento dos adversários de Inácio de Antioquia, que podemos
perceber reconstituindo a critica que ele faz de seus adversários. Uma vez que Inácio
estava diante de situações eclesiais somente uns dez anos depois que as epístolas foram
escritas46.
Examinando a tese de que as ideias separatistas peculiares provieram de um grupo
que tinha sido admitido na comunidade joanina. Algumas vezes joga-se a culpa num
influxo de pagãos ou gentios, frequentemente com a suposição errônea de que não havia
gentios na comunidade joanina quando o evangelho foi escrito. Outros pensam num
grupo judeu de língua grega cujas ideias conteriam uma mistura de religião filosófica
helenista, em virtude da menção de falsos profetas (1Jo 4,1) e da exigência por parte do
autor de testar os espíritos, outros ainda pensaram numa invasão de carismáticos
errantes. Não há como desaprovar tais hipóteses, porém elas não passam de
suposições47.
Brown acredita que tanto o autor das epístolas quanto os separatistas conheciam o
quarto evangelho, mas a interpretavam diferentemente. Os adversários não eram
estranhos denunciáveis à comunidade joanina, mas produto do próprio pensamento
joanino, justificando suas posições com o evangelho joanino e suas implicações 48. Não
está se afirmando que o evangelho joanino levou inevitavelmente à sua posição nem à
posição do autor, tampouco é claro que ambas as posições sejam uma distorção total do
evangelho joanino. Subsequente a Igreja, aceitando 1Jo no cânon da Escritura, mostrou
que aprovou a interpretação do autor e não a dos seus adversários.
43
Brown citando K. Weiss em seu livro: BROWN, R. E. A Comunidade do Discípulo amado, São Paulo:
Paulus, 2011, p. 110.
44
COTHENET, Edouard. Os escritos de São João e a epistola aos hebreus. São Paulo: Paulinas, 1988. p.
175: “Antes de tudo, temos de nos lembrar do postulado que sustentava toda a filosofia grega desde
Platão: a perfeição consiste nas ideias invisíveis e eternas; as realidades históricas contingentes trazem,
pelo contrário, a marca da corrupção. A partir deste estado de espírito, a mensagem evangélica era
inaceitável como se apresenta. Não se podia conceber um Deus perfeito que se dê a conhecer sob traços
de homem limitado a um país, a uma época e submetido, sem dúvida, às transformações e à morte. Na
época helenista, podemos ver forte corrente dualista opor a matéria ao espírito, de tal forma que o
homem procura a salvação pelo desapego de tudo o que o conserva preso às coisas da terra; assim
sendo, não convinha a Cristo Salvador subjugar-se ao corpo humano , se o fez para permitir que o
vissem e o ouvissem, convinha estabelecer as distinções necessárias para que seu ser profundo não fosse
atingido. Jesus teria somente a aparência da natureza física”.
45
Conhecemos o nome deste homem e as ideias que professava, através de Ireneu (Adversus Haereses,
livro 1, 26,1).
46
BROWN, R. E. A Comunidade do Discípulo amado, São Paulo: Paulus, 2011, p. 110.
47
Ibdem, p.111.
48
Ibdem, p.111.
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Na tradição havia textos de ambos os lados do problema. Assim, cada uma das
partes disputantes alegava que sua interpretação do evangelho era a verdadeira. No
estilo de argumentação do autor, ele não nega as afirmações principais de seus
adversários, mas as qualifica. Se as afirmações principais de seus adversários são tiradas
da tradição joanina, elas são também verdadeiras para o autor. E assim ele deve procurar
mostrar que seus adversários não estão se atentando às implicações destes princípios
(1Jo 2,4.6.9s). Algumas alusões, absolutamente explícitas aos adversários da fé,
caracterizam duas seções (2,18-26; 4,1-6); em outra passagem, podemos perceber ser
ainda retomada e condenada a pretensão deles, como por exemplo, em 1,8: “Se
dissermos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos e a verdade não está em
nós”, ou em 2,9: “Aquele que diz estar na luz, mas odeia seu irmão está nas trevas até
agora” 49.
As advertências sobre os inimigos fazem, alguns exegetas, acreditarem serem os
mesmos combatidos por Inácio de Antioquia, na época, se salientaram Cerinto e os
Nicolaítas como opositores das teses cristãs. Esses inimigos viscerais do Evangelho
eram conhecidos como anticristos (1Jo 2,18.22;4.3;2Jo 1,7), pois, como Paulo fala,
eram também inimigos da cruz de Cristo (Fl 3,17-21), e podem ser os mesmos do
ambiente do Ap 2,2-4, onde eram denunciados os que se diziam apóstolos mas não o
eram, eles não passavam de mentirosos visto que se infiltravam nas comunidades cristãs
ensinando coisas diferentes, exigindo a observância de costumes judaicos concernentes
aos alimentos e ritos (um exemplo disso aconteceu na Antioquia, relatado em Gl 2, 1-
14), de modo análogo, os Nicolaítas, representantes da insubmissão e oposição à
autoridade e de rituais de sacrificios não cristãos (Ap 2,20). Outra corrente de perigos
vinha pela gnose, com aqueles que se dizem dos nossos, mas não o são (2,19),
rompendo com a fidelidade da comunidade. Nunca pertenceram à comunidade, mas de
fato quem são eles? O que eles ensinam na está dito no texto, mas se percebe que não
reconhecem e não confessam Jesus como o Cristo, e, por isso, o autor os denomina de
“anticristos” (1Jo 2,18;4,3). Eles também são caracterizados como mentirosos e
enganadores (1Jo 2,21.22.26-27;3,7).50 Entre os esses inimigos estavam certamente os
docetistas, os gnósticos e os poderosos do império que espalhavam teorias dualistas,
ficcionistas e fantasiosas a respeito da paixão e da ressurreição de Jesus51. Eusébio,
citando Ireneu, afirma que a Besta ou anticristo já era conhecido de todos na época:
49
COTHENET, Edouard. Os escritos de São João e a epistola aos hebreus. São Paulo: Paulinas, 1988.
p.170.
50
TILBORG S. van. “Primeira Carta de João”, in: TEVSEN, G. et alii. “Cartas de Pedro, João e Judas. São
Paulo, Loyola, 1999.p. 187.
51
MAZARROLO, Isidoro. As três cartas de São João: exegese e comentário. Rio de Janeiro: Mazzarolo
editor, 2010, p.23.
52
CESARÉIA, Eusébio de. História Eclesiástica. São Paulo: Novo Século, 2002. V.VIII. VI
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I- AS ÁREAS DE DEBATE
Segundo Brown56, as áreas de cristologia, de ética, de escatologia, e
pneumatologia, foram os principais pontos de conflito entre o autor e seus adversários.
Descreveremos então a posição dos separatistas para ver se ela pode ter saído do
evangelho joanino, e também a interpretação do autor que se opõe as separatistas. O que
está em jogo não é diretamente a conduta moral, mas, antes de tudo, a própria definição
do cristianismo, a autenticidade do novo relacionamento entre Deus e os homens
instituídos por Jesus Cristo57.
A. Cristologia
Uma cristologia muito elevada foi o ponto central das lutas históricas da
comunidade joanina com os judeus e com os outros cristãos, na época em que o
evangelho foi escrito. A crença na preexistência do Filho de Deus foi à chave da
contenda joanina de que o verdadeiro crente possuía a própria vida de Deus, e o QE foi
escrito par fortalecer a fé dos cristãos joaninos sobre este ponto (20,31).
O autor insiste claramente que Jesus é o Cristo (Messias), o Filho de Deus; e todo
aquele que negar isto é mentiroso e um anticristo (2,22). O autor que crê que a “Vida
eterna que estava com o Pai nos apareceu” (1Jo 1,2), que o “Filho de Deus se
manifestou” (3,8), que “Deus enviou o seu Filho unigênito ao mundo” (4,9), que “o Pai
enviou seu Filho como Salvador do mundo” (4,14), que Jesus é aquele que veio
(5,5.20), e que Jesus é o “verdadeiro Deus” (5,20). Contudo, o autor desafiará as
conclusões erradas que seus adversários tiraram desta teologia encarnacional
comumente admitida, e assim ele tem o cuidado de acompanhar as afirmações que
implicam a preexistência com outras afirmações que salientam a carreira do Verbo-
feito-carne, uma ênfase mais formal e explícita do que se encontra no QE58.
No prólogo de 1Jo e o prólogo do QE, aparecem os mesmos termos (“princípio”,
“palavra”, vida”), mas com uma significação diferente. Enquanto para o QE (1,1) o
“princípio” é antes da criação , para a epístola (1,1) “o que era desde o princípio” é
53
Uma crise semelhante a esta pode ser encontrada em Filipos (Fl 1,16-17) e na Galácia (Gl 1,6-9),
onde aparecem falsos missionários infiltrados nas comunidades e criando confusões nos ensinamentos
de Paulo.
54
BROWN, R. E. A Comunidade do Discípulo amado, São Paulo: Paulus, 2011, p. 112.
55
MARSHALL, H. The Epistles of John,p.14
56
Daqui para frente iremos basear nossa pesquisa no livro: BROWN, Raymond E. A Comunidade do
Discípulo Amado, São Paulo: Paulus, 1999, pp. 114-171.
57
COTHENET, Edouard. Os escritos de São João e a epistola aos hebreus. São Paulo: Paulinas, 1988.
p.171.
58
BROWN, R. E. A Comunidade do Discípulo amado, São Paulo: Paulus, 2011, p. 125.
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B. Ética
Se a cristologia foi o primeiro campo de batalha entre o autor e os separatistas,
houve também escaramuças sobre as implicações da cristologia no comportamento
cristão.
3- Amor Fraterno
Na tradição joanina só existe um único mandamento que incluía todos os outros
mandamentos, a exigência de amar (Jo 13,35; 15,12). O autor da epistola também,
59
Ibdem, p. 128.
60
BROWN, R. E. A Comunidade do Discípulo amado, São Paulo: Paulus, 2011, pp. 131-132.
61
Ibdem, pp.133-136.
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embora fale de mandamentos (no plural), traduz tudo em amor fraterno (3,22-
24;4,21;5,3). Consequentemente, o único pecado que especifico que o autor menciona,
quando ataca os separatistas e seu descaso em observar os mandamentos, é não amar os
irmãos (2,9-11; 3,11-18; 4,20). A chave do problema está na definição de “irmãos”.
Para o autor da comunidade joanina que estavam em comunhão (koinõnia) com ele e
que aceitavam a sua interpretação do evangelho joanino. Os separatistas tinham-se ido e
já não eram irmãos, eles são demoníacos, anticristos, falsos profetas e encarnam a
malignidade escatológica ou a iniquidade (1Jo 2,18.22; 4,1-6; 3,4-5). Com efeito, a sua
própria separação era sinal de falta de amor pelos irmãos do autor (1Jo 4,20)62.
C. Escatologia
Como o autor das epístolas é fiel a tradição, não há nenhuma surpresa que ele
também professasse uma escatologia realizada (1Jo 1-3.7.14; 2,5.9-10; 3,1;4,15) o autor
toma as duas medidas para prevenir que esta escatologia realizada encoraje seus
adversários. Em primeiro lugar ele vincula uma necessidade ética de exigência de
escatologia realizada (1,7; 2,5. 10; 3,10). Em segundo lugar, ele apela para a escatologia
futura (3,3), ou seja, ele está acentuando bênçãos futuras porque elas dependem da
maneira como os cristãos vivem (1Jo 2,28; 3,18-19), e a escatologia futura pode,
portanto ser empregada como um corretivo ético dos separatistas63.
D. Pneumatologia
O autor de 1Jo assegura que a seus ouvintes: “Não tendes a necessidade de que
alguém vós ensine” (2,27) e adverte como “muitos falsos profetas vieram ao mundo”,
eles “devem examinar os espíritos para ver se são de Deus” (4,1). Isto nos leva a
suspeitar que os adversários devem ter-se arvorado em doutores e profetas e devem ter
afirmado que falavam sob a orientação do Espírito. O sucesso lhes teria provado que
eles eram a verdadeira comunidade joanina que realizava oração de Jesus que previu
uma cadeia de conversões (Jo 17,20). Eles estariam convencidos de que convertidos
eram o dom do Pai a Jesus que está assim tornando o seu nome conhecido como um
sinal ao mundo (17,23 e 26). No lado desfavorável das estatísticas, o autor vê o sucesso
de seus adversários sob outra luz. Como o Paráclito é “o Espírito da Verdade, que o
mundo não pode acolher, porque não o vê nem o conhece” (Jo 14,17), e é o Espírito que
julga que o mundo é culpado (Jo 16,8-10), o sucesso dos separatistas no mundo é sinal
de que eles não examinaram os espíritos. O espírito deles não é o Espírito da Verdade;
eles pertencem ao Príncipe deste mundo, Jesus havia ordenado os seus seguidores (Jo
15, 18-19). O sucesso é um sinal de que os adversários não pertencem a Cristo, é um
sinal que se junta à convicção pessimista do autor de que a “ultima hora” está próxima
(1Jo 2,18)64.
O autor das epístolas parece ter sido profético quando afirmou que a divisão entre
seus adeptos e os separatistas marcava a “ultima hora”. Os escritos joaninos e alguns
elementos do pensamento joanino são confirmados no século segundo, mas depois das
epístolas não há mais nenhum vestígio de uma comunidade joanina distinta e separada.
Não se pode negar a possibilidade de ter sobrevivido realmente uma comunidade que
62
BROWN, R. E. A Comunidade do Discípulo amado, São Paulo: Paulus, 2011, pp. 136-141.
63
Ibdem, pp.141-144.
64
BROWN, R. E. A Comunidade do Discípulo amado, São Paulo: Paulus, 2011, pp. 144-150.
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procedia quer dos adeptos do autor, quer dos separatistas (ou comunidades provinientes
de ambos), mas esta comunidade não deixou nenhum vestígio na história. Aliás, é muito
mais provável que os dois grupos fossem absorvidos respectivamente pela “Grande
Igreja” e pelo movimento gnóstico. Os adeptos do autor teriam dado a sua própria
contribuição joanina à Grande Igreja. Os separatistas teriam dado a sua contribuição ao
gnosticismo. Mas em ambos os casos a comunidade joanina adptara de tal modo a sua
própria herança em favor do grupo mais amplo, que a identidade peculiar do
cristianismo joanino, que conhecemos pelo QE e pelas epístolas, teria deixado de
existir.
Se parte da comunidade joanina do autor se fundiu gradualmente com os cristãos
apostólicos integrando-se a Grande Igreja, levou consigo a alta cristologia joanina da
preexistência, precisamente porque, na sua luta contra os separatistas, o autor das
epístolas tinha salvaguardado aquela cristologia contra qualquer interpretação que
levasse o docetismo ou ao monofisitismo. Contudo, o próprio fato de que uma
eclesiologia centralizada no Paráclito não oferecia nenhuma proteção real contra os
cismáticos fez, em última análise, com que seus seguidores aceitassem a estrutura de
magistério autoritária de bispo – presbítero, a qual no século segundo se tornou
dominante na Grande Igreja, mas era inteiramente estranha à tradição joanina. Os
separatistas, privados desta influencia moderadora que os adeptos do autor poderiam ter
apresentado, se não tivesse acontecido o cisma, foram mais além na sua cristologia
ultra-elevada em direção do verdadeiro docetismo. Tendo pensado que a carreira terrena
de Jesus não tinha uma importância salvífica real, deixaram então de pensar nela como
real. Rendo pensado de si mesmos que eram filhos de Deus através da fé em Jesus
Cristo pela escolha do Pai, eles começaram então a colocar esta escolha antes de suas
vidas terrenas e pensaram que eles próprios eram divinos por sua origem, à imitação de
Jesus Cristo. Como o Filho, eles também vieram ao mundo, mas eles perderam o seu
caminho, enquanto ele, não, e era agora a sua missão mostrar-lhes o caminho para a
casa, o céu.
O fato de estes separatistas trazerem o evangelho joanino com eles, oferecia aos
docetas e gnósticos, de cujo pensamento agora eles participavam, uma nova base sobre
a qual construir uma teologia, na verdade, servia como catalisador para o crescimento
do pensamento gnóstico cristão. A Grande Igreja tinha aceitado elementos da tradição
joanina, quando aceitou os cristãos joaninos que compartilhavam dos pontos de vista do
autor, no começo teve muita cautela com o QE porque ele tinha dado origem a erros e
estava sendo usado em apoio dos erros. Eventualmente, contudo, tendo juntado as
epístolas ao evangelho, como um guia de interpretação correta, a Grande Igreja (pela
voz de Irineu, aproximadamente no ano 18 d.C.) defendeu o evangelho como ortodoxo
contra os intérpretes gnósticos65.
Conclusão
O grande avanço que podemos notar desta pesquisa é que o QE foi redigido em
etapas, concomitantes com os momentos mais conflitivos da historia da comunidade
unidade em torno da tradição do discípulo amado. Estas redações se sucederam numa
trajetória que foi desde a formação da comunidade ainda no marco institucional do
judaísmo, ao longo período entre o ministério de Jesus e a Guerra Judaica (compilação
de tradições básicas autônomas), passando pela ruptura dolorosa com a instituição
sinagogal no período pós-guerra (primeira e mais importante redação do Evangelho),
seguindo por um período de tensão ainda maior, em virtude de perseguição vivenciada
65
BROWN, R. E. A Comunidade do Discípulo amado. São Paulo: Paulus, 2011. pp. 151-153.
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