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Linguagem e estilo

A linguagem de João é sumamente simples e inclusive, sob o ponto de vista


literário, pobre. O Evangelho de João foi escrito em grego, somente. Houve tentativas
sérias de encontrar um original aramaico ou hebraico, mas nada foi achado.
É o grego “koiné”, isto é, uma linguagem herdeira da grande diversidade dos
dialetos gregos anteriores. Era uma espécie de língua franca utilizada na área
mediterrânea como veículo de comunicação. O grego de João, ao contrário de Lucas,
representa melhor a koiné falada e popular do que a literária. Apesar de pobre, o grego
empregado por João é correto.
O Evangelho de João tem um estilo direto e uma sintaxe bastante elementar. As
frases se ligam muitas vezes através da conjunção “kai” (e). Não existem períodos
longos, apesar da abundância do material discursivo. Em suma, é simples e direto. A
linguagem e o estilo do Evangelho de João têm o encanto de uma obra madura,
contemplada e amada.

O mundo conceitual de João


Seu vocabulário é muito unitário. É um mundo conceitual bastante diverso do
que vemos nos sinóticos.

Aletheia, alethinos (verdade): Em Mt, 2; em Mc, 4; em Lc, 4; em Jo, 46;


Ginóskein (conhecer): Em Mt, 20; em Mc, 13; em Lc, 28; em Jo, 57;
Zoé (vida): Em Mt, 7; em Mc, 4; em Lc, 5; em Jo, 35;
Martyrein, martyria (testemunho): Em Mt, 4; em Mc, 6; em Lc, 5; em Jo, 47;
Páter (de Deus): Em Mt, 45; em Mc, 4 em Lc, 17; em Jo, 118;
Phos (luz): Em Mt, 7; em Mc, 1; em Lc, 7; em Jo, 27.

Ambiente e linguagem

João se move no mundo de ideias da cultura judaica. Nele, tema ou fato


determinado se expressa ou se interpreta mediante o uso de categorias simbólicas cuja
origem deve-se buscar, em grande parte, nos livros do Antigo Testamento ou nos
comentários a ele.
Recurso habitual em João é o de introduzir, em passagem posterior, tema já
conhecido, apoiando-se em palavra igual, equivalente ou parecida à do texto precedente.
João, na verdade, ao compor sua obra, tem presente os métodos exegéticos usados pelas
escolas rabínicas. Assim, a terceira regra exegética de Hillel, que viveu nos tempos de
Herodes Magno – anterior a São João –, ensinava que quando em duas passagens da Lei
se encontram palavras com som igual ou significados iguais, ambas as normas
determinam a mesma coisa e podem aplicar-se de modo idêntico.
Em João temos personagens representativos. Muitos dos que aparecem não
atuam apenas como figuras históricas, mas investidas de determinada representação. Às
vezes, personagens diversos encarnam o mesmo papel sob aspectos diferentes, ou
papéis complementares. Exemplos: Maria e o “discípulo amado”.
Outro traço notável de João é o frequente uso de expressões duplas ou ambíguas.
Essas expressões, quando ditas por Jesus, são primeiramente entendidas pelos seus
interlocutores no sentido óbvio, e ele passa, então, a explicar o sentido espiritual. Por
exemplo, o “templo” que Jesus fala não é o edifício – como pensaram os judeus – mas o
seu próprio corpo (2,21).
Relação entre João e os sinóticos

O Jesus joanino é o portador de uma revelação que aparentemente conserva


pouco contato com a proclamação do Reino de Deus nos lábios do Jesus dos sinóticos.
O que o Jesus joanino revela, constante e exclusivamente, é Ele próprio.
Se, depois de lermos os sinóticos penetrarmos no evangelho de São João, tem-se
a impressão de entrar numa atmosfera diferente. Já no prólogo o evangelista se remonta
diretamente até o cume da divindade. Com razão o símbolo que representa São João é a
águia (movimento descendente).

Três pontos em comum:

a) O mesmo gênero literário: Como os sinóticos, João recorre ao gênero literário


“evangelho”. Para transmitir a fé, conta a história de Jesus terrestre partindo do
testemunho de João Batista e terminando seu relato pela história da Paixão e
Páscoa.

b) Algumas unidades narrativas comuns: Na primeira parte do evangelho, contam-


se cinco relatos que aparecem igualmente nos sinóticos. Trata-se da purificação
do Templo (2,13-22), da cura de um funcionário régio (4,46-54), do milagre dos
pães (6,1-13), do andar sobre as águas (6,16-21) e da unção em Betânia.

c) A história da paixão: a principal convergência com os sinóticos se verifica na


própria estrutura narrativa à qual se acrescentam alguns episódios comuns (ex.: o
anúncio da traição de Judas e a negação de Pedro, 13,21-30.36-38).

Três diferenças:

a) O plano do Quarto Evangelho: O plano de Mc (que está na base dos evangelhos


de Mt e Lc) pode ser resumido assim: a atividade pública de Cristo dura um ano;
ela se desenvolve, essencialmente, na Galiléia e termina com uma única viagem
a Jerusalém; Jesus passa uma semana na Cidade Santa antes de ser preso.

b) Para João, a atividade pública de Jesus dura não um, mas três anos (três festas da
Páscoa: 2,13; 6,4; 11,55). O centro do ministério de Jesus não é mais a Galiléia,
mas Jerusalém (o Cristo joanino faz, pelo menos, três viagens a Jerusalém). Por
outro lado, João relata menos acontecimentos da vida de Jesus e conta-nos numa
ordem diferente (exemplo: a purificação do Templo abre a atividade pública de
Jesus, e não a Paixão).

c) Os temas: Para os sinóticos: o Reino de Deus; para João: Revelação da Glória do


Filho. São João provavelmente conheceu os sinóticos, visto que foram escritos
muito antes. Por isso ele omite coisas tão importantes, como a Transfiguração e
a instituição da Eucaristia, se não fosse porque sabia que já estavam narrados
nos outros evangelhos. Contudo, encontramos alguns paralelismos:
1 – Cura do filho de um funcionário real: 4,46-54 (// Mt 8,5-13; Lc 7,1-10);
2 – Cura de um paralítico: 5,1-18 (// Mc 2,1-12);
3 – Ressurreição de um morto: 11,1-44 (// Mc 5, 21-43; Lc 7,11-17);
4 – Multiplicação dos pães: 6, 1-15 (// Mc 6,32-44);
5 – Jesus caminha sobre as águas: 6,16-21 (// Mt 14,22s; Mc 6,45-52).

Destinatários e proposta do autor

João escreveu para os cristãos de sua época, pois sofriam grande influência das
heresias do gnosticismo. O evangelista tinha em mira fortalecer na fé os leitores,
agitados pelas falsas ideias de Cerinto e Ebion; estes negavam a Divindade de Jesus. Por
isso, afirma João: “[...] Estes, porém, foram escritos para que creiais que Jesus é o
Messias, e, acreditando, tenhais vida em seu nome.” (20,30s). Portanto, podemos
afirmar que João tinha como meta combater o gnosticismo, que negava o “Jesus
Divino”.

A Teologia do Quarto Evangelho

Mais do que um evangelho histórico, o Quarto Evangelho é profundamente


teológico. Não é uma biografia de Jesus, nem sequer resumo de sua vida, mas
interpretação de Sua pessoa e obra.
Por causa de seu evangelho, chamado por Clemente de Alexandria de
“espiritual”, São João obteve o título de “teólogo”, pois expôs o sentido mais profundo
das palavras de Jesus.

Os principais traços da mensagem de João:

a) A figura de Cristo é muito elaborada. São postos em relevo os traços divinos e


humanos de Jesus.

Traços divinos: Desde o início de sua vida pública, Jesus é reconhecido como
Messias e Deus (1,15.29.35s.41.49); Jesus aparece cheio de majestade, de modo
que, quando querem prendê-lo antes da “sua hora”, não o conseguem (7,30;
8,20); por 38 vezes em João ocorre nos lábios de Jesus a expressão “Eu Sou...”,
que lembra o nome de Deus (Yahweh).

Traços humanos: Por ocasião da morte de Lázaro, quando Ele revela seu coração
(cf. 11,5.11.33-38); quando, cansado e sedento, se senta junto ao poço de Jacó
(cf. 4,6-8.31); quando manifesta angústia diante da Paixão (cf. 12,27).

b) Em João há alusões aos sacramentos da Igreja: a água que salva, referindo-se ao


Batismo (3,1-12; 4,1-26; 5,1-9; 9,1.11); menção à Sagrada Eucaristia (vinho,
pão, sangue – 2,1-11; 6,25-58; 19,31-37).

c) João utiliza também figuras (tipos) do Antigo Testamento para ilustrar


elementos do Novo Testamento. Alguns exemplos: 1,14 há alusão à tenda de Ex
33,7-11.18-23; 40, 34s; 6,32.48s.58 que faz referência ao maná (Ex 16,2-36; Nm
11, 4-9); 19,26; 2,4  Gn 3,15 (Maria, a nova Eva).
Notar-se-á a insistência de João no número seis: sexto dia, sexta hora, seis dias antes
da Páscoa. Este número indica o incompleto, o preparatório. Sexto também é o dia em
que foi criado o homem, o primeiro Adão. Logo, João quer-nos dizer que Jesus é o
Novo Adão e seu tempo é para levar à cabo a obediência que o Primeiro Adão não
soube dar a Deus.
Conforme 1,19.29.35.48; 2,1, Jesus realiza o primeiro sinal no sétimo dia de sua
vida pública. Ora, segundo Gn 2,2s o Criador, após ter terminado a criação, descansa no
sétimo dia. Desta forma, Jesus aparece também em João como o Re-Criador do mundo
e do homem.
O Evangelho joanino fala-nos da Trindade, a família de Deus: Jesus é o Filho, que
aqui fala do Pai e revela o Seu coração – imita as ações do Pai e diz as palavras do Pai.
O Espírito Santo é enviado ao mundo pelo Pai e pelo Filho (14,26; 15,26); Sua missão é
continuar o ministério de Jesus.

A Estrutura do livro e seu Plano Geral

O Evangelho de S. João contém 21 capítulos, sendo o primeiro capítulo


chamado de “Prólogo” e o último de “Apêndice” (Epílogo). É divido em duas partes: O
Livro dos Sinais (2,1 – 12,50) e o Livro da Glória (ou Livro da Paixão: 13,1 – 20, 31).

Esquema (Plano Geral) do Evangelho de João:

I. Prólogo (1,1-18);
1. Cristo, a Palavra Eterna (1,1-13);
2. Cristo, a Palavra encarnada (1,14-18);
3. Fora do “Prólogo”, mas dentro do c.1: O testemunho de João Batista e a
convocação dos discípulos (1,19-51);.

II. O Livro dos Sinais (2,1 – 12,50): A Revelação do Filho para a humanidade

1. Os primeiros sinais de Jesus, começando por Caná (2,1 – 4,54);


2. Cura no Sábado (5,1-47);
3. O Pão da Vida (6,1-71);
4. A Festa das Tendas e os filhos de Abraão (7,1 – 8,59);
5. A Luz do mundo (9,1-41);
6. O Bom Pastor (10,1-42);
7. A Reanimação de Lázaro (11,1-57);
8. Entrada triunfal e rejeição de Jesus (12,1-50)

III. O Livro da Glória (13,1 – 20,31): A Revelação do Filho para os seus

1. O lava-pés (13,1-30);
2. O Sermão da Última Ceia (13,31 – 16,33);
3. A narrativa da Paixão (18,1 – 19,42);
4. Ressurreição e aparições (20,1-31);

IV. Epílogo (o “apêndice”): 21,1-25

1. A aparição final e o último milagre de Jesus (21,1-14);


2. Jesus questiona e ordena Pedro (21,15-23);
3. Ascensão de Jesus e a propagação do evangelho (21,24-25).

Obs.: O “Livro da Glória” também pode ser chamado de “Livro da Paixão”, pois João
considera a “elevação” de Cristo na cruz um símbolo de sua “elevação” aos céus pela
ressurreição e ascensão. Para o evangelista, a morte, a ressurreição e a exaltação de
Cristo são, todas elas, aspecto do mesmo mistério; pode, por conseguinte, considerar as
duas como um só movimento.

O Livro dos Sinais

Sinal: quer significar mais do que a si próprio, pois vai além daquilo que se contempla.
Deve-se observar o sinal e extrair dele o seu significado. Exemplo: semáforo (a luz
vermelha, por exemplo, quer indicar mais do que uma lâmpada vermelha acesa, mas
significa que você deve parar até que o verde acenda). Quem não enxerga o que quer
dizer o sinal, fica nele mesmo e de nada adianta.

Para os sinóticos, as obras poderosas que Jesus fez são chamadas de “milagres”.
Em João, são chamadas de “sinais”. A restauração da vista de um homem cego em Siloé
é, realmente, um milagre, exatamente como os milagres relatados nos sinóticos. João,
porém, está interessado em ir além, pois se concentra no simbolismo deles, no seu
significado. Para ele, a luz que se dá a um cego é sinal de luz espiritual que Cristo, que é
a Luz do Mundo, pode dar, pois essas ações de Jesus indicam uma verdade mais
profunda e espiritual.
Todos os sinais apontam para Jesus, o Filho de Deus no meio de nós. Aquele que
só fica no sinal e não consegue interpretar o seu significado, deixa de depositar sua fé
no Cristo e receber a vida que só Ele pode dar.
O número de sinais em João é sete. Isto não significa que Jesus só tenha
realizado sete sinais (cf. 21,25). O sete em questão indica a perfeição do agir de Jesus
para revelar-se aos homens como Filho de Deus. Logo, os sete sinais de João são
suficientes para que o leitor perceba neles quem é Jesus e, por conseguinte, depositar
sua fé Nele.

1º sinal: Bodas em Caná da Galiléia (2,1-11);


2º sinal: A cura do filho do oficial do rei (4,46-54);
3º sinal: A cura de um paralítico (5,1-18);
4º sinal: A multiplicação dos pães (6,1-15);
5º sinal: Jesus caminha sobre as águas (6,16ss);
6º sinal: A cura do cego de nascença (9,1-38);
7º sinal: Ressurreição de Lázaro (11,1-44).

O Livro da Glória

É também chamado de “Livro da Paixão”;


É um livro bem articulado e vivo;
É uma catequese especial para os apóstolos, ou seja, enquanto no “Livro dos
Sinais”, Jesus se revela como o Filho a todos os homens, no “Livro da Glória” se
reserva mais para os seus.

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