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Introdução

A alfabetização ainda é vista por muitos como mera sistematização do “B+A = BA”,
ou seja, como a aquisição de códigos fixos feitos pela junção de letras e sons e marcada
por reduzidas práticas de leitura e escrita. O conhecimento, detido integralmente pelo
professor, que é figura central no processo ensino-aprendizagem, é encarado como inerte
e imutável, o que faz com que tudo fique muito distante e desconexo da realidade do
aluno.
No entanto, a simples consciência fonológica que permite aos indivíduos associar
sons e letras para decifrar e escrever palavras (ou frases curtas), não parece ser
suficiente para diferenciar o alfabetizado do analfabeto. A crescente complexidade de
nossa sociedade dinâmica, exigente e excludente, faz surgir maiores e mais variadas
práticas de uso da língua escrita. Os apelos que o mundo letrado exerce sobre as
pessoas são tão intensos, que já não lhes basta a capacidade de desenhar letras ou
decifrar o código da leitura. É preciso se apropriar dessa leitura e dessa escrita para
interagir com o outro, para lutar pelos seus direitos, para compreender o mundo que o
cerca, enfim, para se tornar cidadão atuante na sociedade. A Educação precisa
acompanhar as mudanças que estão acontecendo e interagir com elas.
O Brasil disponibiliza, através da rede pública, a Educação de Jovens e Adultos
(EJA), que é voltada ao desenvolvimento do ensino fundamental e médio com qualidade
para pessoas que não possuem idade escolar.
A Educação de Jovens e Adultos (EJA), no entanto, não pode ser considerada
somente como uma forma de alfabetizar quem não teve oportunidade de estudar na idade
escolar ou aqueles que, por algum motivo, foram obrigados a abandonar a escola. Um
dos desafios a ser vencido é a preparação dos alunos para o mercado de trabalho, o que
é de suma importância nestes tempos de crise econômica. A aprendizagem deve ser
contínua e em todas as fases da vida, não somente durante a infância e a juventude. A
EJA, vista numa abordagem mais ampla, deve estar baseada nos quatro pilares básicos
da educação: aprender a ser, a conhecer, a fazer e a viver juntos, convivendo com os
outros.
Para ser ativo e participativo, um cidadão necessita ter acesso a informações e
saber avaliar criticamente o que acontece ao seu redor. Deve ter capacidade de buscar
seu potencial e se desenvolver, aprendendo sobre si mesmo e sobre o mundo.
O conhecimento é adquirido através da interação social. É constituído a partir da
relação do indivíduo com o meio social, considerando as experiências de vida, os valores,
as crenças. Freire (1897) entende que uma aprendizagem significativa se dará a partir de
um processo que proporcione uma análise crítica da prática social dos homens,
contribuindo para que estes repensem a forma de atuar no mundo.
Atualmente existem diferentes linhas pedagógicas que vêm apresentando-se como
alternativas ao método tradicional. Contamos com várias teorias e propostas de
aprendizagem, que buscam reconhecer a dinâmica envolvida nos atos de ensinar e
aprender, partindo do reconhecimento da evolução cognitiva do homem, e tentam explicar
a relação entre o conhecimento pré-existente e o novo conhecimento.
Neste projeto, o modelo abordado de aprendizagem será o construtivismo,
acreditando e se apoiando na hipótese de que a aprendizagem só se dará efetiva com a
construção de conhecimento, identificação pessoal e relação através da interação entre
as pessoas. A partir dele, serão traçadas estratégias de trabalho para a Alfabetização de
Adultos. Vale lembrar que a EJA tem o potencial de mudar a vida de uma pessoa de
maneira muito significativa, permitindo-lhe reescrever sua história de vida.
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Primeiramente, será feito um breve relato do construtivismo, expondo as ideias
principais a serem seguidas.

 O construtivismo e a EJA

Ao contrário de que muitos pensam, não foi Piaget quem criou o construtivismo.
Quem adotou e tornou conhecida a expressão foi a psicóloga argentina Emília Ferreiro,
nascida em 1936, sua aluna e colaboradora. Partindo da teoria do mestre, ela pesquisou a
fundo e especificamente o processo intelectual pelo qual as crianças aprendem a ler e a
escrever, batizando de construtivismo sua própria teoria.
O construtivismo, então, é o nome de uma linha pedagógica que vem sendo
trabalhada nas salas de aula há mais de uma década. As maiores autoridades do
construtivismo, rejeitam as hipóteses em se tratar de uma pedagogia ou método de
ensino.
No construtivismo, o aluno participa ativamente do próprio aprendizado, graças à
experimentação, à pesquisa em grupo, o estímulo à duvida e o desenvolvimento do
raciocínio. São rejeitados a apresentação de conhecimentos prontos ao estudante,
técnica presente nos moldes tradicionais. No construtivismo, procura-se indicar que uma
pessoa aprende melhor quando toma a frente na construção do conhecimento que
adquire. Enfatiza os momentos de conflitos e o erro como fatores cruciais no processo de
aprendizagem, deixando de ser um fator excludente e “abominável”. É condenável a
rigidez nos procedimentos de ensino, as avaliações padronizadas que favorecem e
estimulam a “decoreba” e a utilização de material didático estranho e alheio ao universo
pessoal do aluno.
O construtivismo estimula a descoberta do conhecimento pelo aluno e evita a
propagação de conteúdos e informações prontos e acabados. O professor deixa de ser o
“centro das atenções”, “o portador do conhecimento” e ocupa o lugar de mediador do
processo educativo.
Segundo Ferreiro (1985), mesmo que não saiba ler e escrever convencionalmente,
o alfabetizando pensa sobre o objeto do conhecimento, construindo hipóteses acerca da
leitura e da escrita, vivencia conflitos cognitivos e, nos seus esforços para solucionar os
conflitos, avança na construção do conhecimento. De acordo com a teoria, precisamos
passar por 4 fases até sermos alfabetizados: nível pré-silábico, nível silábico, nível
silábico-alfabético e nível alfabético.
Um professor construtivista necessita, primeiramente, ter a mente aberta, atitude
investigativa, senso crítico, ser flexível às mudanças combinadas com iniciativas para
torná-las significativas aos olhos dos alunos. Deve, também, estar em constante avaliação
quanto à sua prática pedagógica, analisando a sua relação com a sala e com os
conteúdos, visando, sempre, a qualidade do ensino. O professor construtivista rejeita o
uso da cartilha porque descarta etapas rígidas e estáticas, sempre padronizadas e
distantes do mundo dos educandos.
Como professor de EJA, o profissional tem a necessidade e a responsabilidade de
respeitar a pluralidade cultural, as diversas identidades e os vários tipos de “mundos” que
os alunos apresentam. Deve compreender os anseios, angústias e necessidades dessas
pessoas, sabendo lidar com o sentimento delas. Muitas dessas pessoas, senão a maioria,
possuem históricos de problemas como vergonha, preconceito, críticas e discriminação.
Tem-se, como meta principal, a oportunidade igual e para todos.
A abordagem psicogenética de alfabetização nos mostra as diferentes
contribuições das construções cientificas de Emília Ferreiro à alfabetização na EJA, tais
como: a compreensão do processo de alfabetização, as diferentes concepções de
hipóteses e níveis de conceitualização da escrita, a visão de erro construtivo e conflito
cognitivo, as mediações docentes mais eficazes, a avaliação construtivista, aos usos
sociais da língua e a interação do aluno com os diferentes tipos de textos.
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Emília Ferreiro conclui: "Temos que alfabetizar para dar ao homem do povo sua
palavra, para que ele possa escrevê-la, para ajudá-lo a não destruir seu discurso em troca
de um discurso escolar estereotipado. Também para que escreva de maneira
ortograficamente correta, mas que esta ortografia não limite, não destrua, nem mate a
língua escrita que ele pode produzir".
Público alvo: Alunos do curso de Alfabetização de Adultos (EJA) da E.M.E.F.
“Profª. Eney de Oliveira Moraes Campos”.
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Objetivos

Este projeto tem como objetivos principais:

 Atingir a alfabetização básica dos educandos dentro do período de 11 meses,


tornando, desta maneira, possível a continuação dos estudos;
 Formar “leitores” e “escritores” no nível inicial, capazes de buscar informações
em diversos tipos de fontes e utilizar a escrita como forma de expressão e comunicação
em contextos diferenciados, como cartas, mensagens, poesias, receitas, listas telefônicas
e bilhetes;
 Refletir sobre o funcionamento do sistema alfabético de escrita;
 Conscientizar os alunos sobre o ato de ler, estabelecendo correspondências
entre a linguagem oral e escrita;
 Desenvolver motivações para a leitura e a escrita, fundamentais para o êxito do
trabalho;
 Contribuir, por meio da alfabetização dos educandos, com a formação da
cidadania;
 Mobilizar e incentivar constantemente o aluno em sala de aula, promovendo sua
inclusão social e carregando consigo patrimônios culturais que deem sentido às suas
vidas;
 Estimular a prática da reflexão, de forma a tornar o educando o principal
protagonista na construção do conhecimento;
 Indagar a realidade e problematizá-la, transformando os obstáculos em reflexão.

Recursos:

Humanos:
 Professores e alunos do curso de Alfabetização da EJA.

Didáticos:
 Revistas;
 Rótulos e embalagens;
 Livro de receitas;
 Jornais;
 Cartas;
 Calendários;
 Mapas;
 Cardápios;
 Bulas de remédio;
 Parlendas, cantigas, quadrinhas;
 Listas e agendas telefônicas;
 Alfabetário;
 Alfabeto móvel;
 Silabário;
 Caixa de sílabas;
 Quadro e giz;
 Textos variados e expostos em sala de aula na forma de varal de textos;
 Jogos pedagógicos;
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 Rádio, TV, retro projetor.

Metodologia

Uma coisa tenho dada como certa: utilizar os mesmos materiais das crianças pode
não ser a melhor saída para o trabalho com a EJA. Além de não despertar o interesse dos
alunos, pode colocar tudo a perder. É preciso agir no mundo dos estudantes, instigando a
curiosidade dos mesmos. Os alunos da EJA não são crianças grandes, então, não devem
ser tratadas como elas. É fundamental levar em conta suas experiências de vida,
abarrotadas e recheadas de saberes.
Primeiramente, realizaremos um levantamento dos saberes e habilidades que os
alfabetizandos apresentam, fazendo um diagnóstico inicial, permitindo estabelecer uma
relação entre os conhecimentos e saberes já adquiridos e os conhecimentos que
propomos trabalhar. Faremos, para tanto, rodas de conversa e dinâmicas em grupo,
dando voz aos alunos e estabelecendo o diálogo entre todos. A “sondagem” de leitura e
escrita será realizada individual e coletivamente, possibilitando compreender em que fase,
das descritas por Emília Ferreiro, o aluno se encontra.
Desta forma, além da posição sobre os conhecimentos de leitura e escrita, será
possível saber como os alunos se posicionam diante de certos assuntos. Ainda, o universo
dos alunos será identificado, onde a partir dele, poderão ser estabelecidas metas e
objetivos a respeito, sendo o ponto de partida para o planejamento e a consolidação de
sequências didáticas.
Partiremos, como temas geradores, de um projeto sobre história de vida de cada
um, sendo o nome próprio a proposição básica e fundamental. Para isso, utilizaremos
listas de nomes, bingos, pesquisas, alfabeto móvel, etc.
Serão realizados mini-projetos, onde englobaremos dados pessoais, como data
de nascimento, estado e cidade de nascimento, escolaridade e estado civil. A
identidade, então, será explorada em todas as suas particularidades e informações.
Em seguida, outros mini-projetos serão realizados, com objetivos e metas
relacionados à família, ao trabalho, às necessidades básicas (alimentação, moradia,
saúde, higiene) e ao lazer.
Através destes mini-projetos, desenvolveremos diversas atividades de leitura e de
escrita que permitam aos alunos aprender os nomes das letras do alfabeto (inicialmente
trabalhada em letra bastão), a ordem alfabética e suas aplicações (agendas e listas
telefônicas, lista de chamadas, etc.), a diferença entre a escrita e outras formas gráficas e
convenções da escrita.
Diariamente, será proporcionada aos alunos a interação com diferentes tipos de
textos, não só trabalhando com suas partes menores, mas, os diversos tipos de
informações que eles trazem e que possam ser úteis e interessantes aos alfabetizandos.
Serão realizados trabalhos mais prazerosos e significativos, mantendo aos alunos
em contato diário com as diversas tipologias textuais. Logo, os alunos participarão de
atividades de escrita e leitura de vários textos, como jornais, poesias, contos, receitas,
listas em geral, propagandas, músicas e cartas, onde serão explorados os diversos usos e
funções que a linguagem tem no cotidiano escolar e extra-escolar. Trabalharemos, acima
de tudo, com atividades voltadas para a formação da cidadania, para a formação da
consciência crítica no aluno, valorizando a pluralidade cultural.
Práticas de pequenas produções textuais coletivas e individuais serão encorajadas,
colaborando para erradicar o medo da escrita, ou melhor, do erro. As refacções terão
grande importância no processo, promovendo a discussão e análise de hipóteses de
escrita.
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Avaliação

A avaliação do aluno não será feita, de maneira alguma, para classificá-lo ou


compará-lo com os outros, mas para especificar, descrever, interpretar, enfim, conhecer o
seu progresso e os erros evidenciados nas tarefas funcionais de leitura e escrita,
realizadas individualmente pelo alfabetizando ou em interação com os demais e em
diversas situações de aprendizagem.
A participação e o envolvimento dos alfabetizandos nas atividades serão
fundamentais no processo de avaliação, assim como a interação entre os elementos do
grupo todo. Finalizando, será observada a postura do estudante com relação aos
conteúdos conceituais, atitudinais e procedimentais.
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Bibliografia

ARAÚJO, Odair José Moura de. A prática docente e a formação cidadã. Disponível em: <
http://www.webartigos.com>, acesso em 08 de janeiro de 2011.

FERREIRO, Emília e TEBEROSKY, Ana: Psicogênese da língua Escrita. Ed. Artes


Médicas. Porto Alegre, 1985.

FREIRE, P A importância do ato de ler. Cortez Editora. São Paulo. 1992

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa.


Paz e Terra. São Paulo. 1996.

IBEAC, Instituto Brasileiro de Estudos e Apoio Comunitário. Programa de Alfabetização e


Escolarização de Jovens e Adultos. Disponível em: <http://www.ibeac.org.br/?
seg=peja&id=>, acesso em 11 de janeiro de 2011.

KAUFMAN, Ana Maria: A Escrita e a Escola. Ed. Artes Médicas. Porto Alegre. 1994.

MOLL, J., (org.) Educação de Jovens e Adultos. Mediação. Porto Alegre. 2004

REVISTA Nova Escola, 50 questões básicas sobre o construtivismo. Março de 1995.


Disponível em: <http://www.ufpa.br/eduquim/construtquestoes.htm>, acesso em 10
de janeiro de 2011.

SÃO PAULO, SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO Projeto Toda Força ao 1º.


Ano: guia para o planejamento do professor alfabetizador – orientações para o
planejamento e avaliação do trabalho com o 1º ano do Ensino Fundamental

ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Artes Médicas. Porto Alegre. 1998.

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