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2º
Edair Görski
Heronides Moura
Período
Florianópolis - 2011
Governo Federal
Presidência da República
Ministério de Educação
Secretaria de Ensino a Distância
Coordenação Nacional da Universidade Aberta do Brasil
Comissão Editorial
Tânia Regina Oliveira Ramos
Mary Elizabeth Cerutti Rizzati
Equipe de Desenvolvimento de Materiais
Design Instrucional
Coordenação: Vanessa Gonzaga Nunes
Designer Instrucional: Maria Luiza Rosa Barbosa
Ficha Catalográfica
X999y Sobrenome, Nome
Título do Livro / Nome Sobrenome, UFSC, UAB.— Florianópolis :
LLV/CCE/UFSC, 2009.
XXXp. : XXcm
ISBN XXXXXXXX
CDD 410
Unidade B............................................................................................35
6 Concepções de língua(gem).....................................................................37
7 Propriedades das línguas naturais..........................................................43
7.1 Flexibilidade e adaptabilidade......................................................................43
7.2 Arbitrariedade . ..................................................................................................44
7.3 Dupla articulação . ............................................................................................46
7.4 Produtividade......................................................................................................48
7.5 Heterogeneidade...............................................................................................50
8 O que é um estudo científico?..................................................................53
Unidade C............................................................................................57
9 Concepções de gramática..........................................................................59
9.1 Gramática Universal e gramáticas
de línguas particulares....................................................................................59
9.2 Gramática prescritiva versus
gramática descritiva e explicativa...............................................................63
10 A norma linguística....................................................................................73
10.1 Concepções de norma...................................................................................73
10.2 Variedades da língua e língua padrão do Brasil...................................79
10.3 A questão do “erro” e suas implicações sociais.....................................85
Unidade D...........................................................................................89
11 Princípios e métodos do estudo de gramática................................91
12 Níveis de análise ........................................................................................95
12.1 Nível fonético-fonológico ...........................................................................95
12.2 Nível morfológico ........................................................................................101
12.3 Nível sintático.................................................................................................119
12.4 Nível semântico-pragmático . ..................................................................125
Referências....................................................................................... 135
Apresentação
C aros alunos:
Edair Görski
Heronides Moura
Unidade A
Uma breve história da linguagem e
da noção de gramática
Objetivos desta Unidade:
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Estudos Gramaticais
O que isso tudo mostra é que a linguagem humana tem uma ori-
gem muito antiga, e que uma linguagem articulada foi surgindo lenta-
mente nos diferentes ramos de hominídeos (erectus, neanderthalensis e
sapiens).
Sabemos, porém, que essa linguagem inicial era elementar, com pa-
lavras isoladas e sintaxe simplificada. A linguagem efetivamente moder-
na só surgiu muito depois, com o Homo Sapiens moderno (cf. PINKER,
2004, p. 454). Como essa espécie tem mais de 150.000 anos, é razoável
supor que a linguagem moderna e altamente evoluída de que dispomos
surgiu nesse lapso de tempo. O fato é que, há cerca de 30.000 anos, o
Homo Sapiens desfrutou de uma explosão cultural que só é imaginável
12
A pré-história da linguagem Capítulo 01
com uma linguagem já evoluída. A maravilhosa arte rupestre, os arte-
fatos, o simbolismo da cultura do Homem de Cro Magnon sugerem que A famosa caverna de
Lascaux, na França, reúne
essa população (os mais antigos Homo Sapiens modernos encontrados uma amostra significativa
na Europa) já era muito parecida conosco, e usava uma língua que era o de pinturas rupestres.
Você pode obter mais
antepassado das línguas que hoje existem no globo. Durante essa explo- informações e fazer uma
são cultural, o Homo Sapiens moderno criou as bases de nossa cultura, visita virtual à caverna
acessando: <http://www.
com a invenção dos símbolos, da arte e do pensamento abstrato. Tudo lascaux.culture.fr/#/fr/00.
isso só foi possível com uma linguagem complexa que servisse como xml>.
13
Estudos Gramaticais
14
A linguagem como expressão do pensamento: o período greco-latino Capítulo 02
2 A linguagem como expressão
do pensamento: o período
greco-latino
Os gregos, e depois os romanos, dedicaram muito esforço para
compreender como funciona a nossa linguagem. Foram os primeiros,
na civilização ocidental, a especular, de maneira sistemática, sobre a na-
tureza das palavras e da gramática. Platão propôs a divisão da
sentença gramatical em
dois elementos: ónoma
Há duas linhas de pensamento importantes sobre a linguagem na (“nome”) e rhema (“ver-
Antiguidade, que iremos abordar aqui: os platônicos e os estoicos. Ape- bo”), o que corresponde
à divisão, que fazemos
sar dos enfoques diferentes dessas duas escolas, ambas visavam com- até hoje, entre sujeito e
preender a linguagem como uma ferramenta que permite entender a predicado. Aristóteles e os
estoicos refinaram poste-
realidade na qual vivemos (cf. WEEDWOOD, 2002). A linguagem era riormente o conceito de
percebida como expressão do pensamento. sentença, que os gregos
chamavam de logos
Platão(c. 428-347 a.C.) e sua escola de pensamento exerceram um
imenso fascínio sobre toda a cultura ocidental Aquele que é conside-
rado o texto fundador dos estudos sobre a linguagem é da autoria de
Platão: o Crátilo (citaremos aqui a edição brasileira de 2004).
Figura 2- Academia de Platão - Mosaico da Vila de Siminius Stephanys em Pompeia (século I).
15
Estudos Gramaticais
16
A linguagem como expressão do pensamento: o período greco-latino Capítulo 02
essa relação natural entre som e sentido.
Alguns comentadores desse diálogo platônico chegam a dizer que Aristóteles, ao contrário
de Platão, era um con-
ao cabo Sócrates se mostra convencionalista, mas parece mais razoável vencionalista. Para ele,
afirmar que ele é fundamentalmente um naturalista (refletindo nesse a ligação entre som e
sentido de uma palavra
caso a posição de Platão) (cf. SEUREN, 1998; SEDLEY, 2006). era arbitrária.
17
Estudos Gramaticais
18
A linguagem como expressão do pensamento: o período greco-latino Capítulo 02
e mais razoáveis de uma comunidade. Essa é a ideia que está
por trás da República ideal de Platão, que seria governada por
um conselho de sábios, com todos os poderes para legislar (na
prática, uma ditadura de sábios). Para esses filósofos, os sábios
sabem com justeza o que as palavras devem significar, a fim de
representar da melhor maneira possível as coisas que designam
(por exemplo, a relação entre corpo e sepultura (soma e sema,
em grego, já citada acima).
Agora vamos falar um pouco dos estoicos (sec. III-II a.C.). Eles
deram contribuições muito importantes ao estudo da linguagem. Foram
Saussure, no Curso de
eles que desenvolveram a noção de sentença como unidade significativa, Linguística Geral (1916),
o conceito de classes gramaticais e também de signo linguístico. definiu o signo como a
unidade linguística que
une um significado a um
significante. Para ele, os
Sextus Empiricus (Séc. II de nossa era) apresenta a seguinte definição dois elementos do signo
de signo: “O significante, o significado e o referente são todos os três são de natureza mental e
o referente seria exterior
conectados. O significante é o som vocal, como no nome Alcebíades. ao signo. Esse conceito
O significado é o conteúdo do pensamento expresso pelo som será retomado na seção 7.
19
Estudos Gramaticais
20
A linguagem como expressão do pensamento: o período greco-latino Capítulo 02
etc. cada uma cumprindo uma função na expressão do pensamento.
21
Estudos Gramaticais
22
Língua universal e línguas particulares: da Idade Média ao século XVIII Capítulo 03
3 Língua universal e línguas
particulares: da Idade Média
ao século XVIII
Vernáculo
Depois da dissolução do Império Romano, a Europa passou a viver Línguas nativas de uma
uma situação de intenso plurilinguismo. Os vernáculos começaram a população. Trask (2004,
surgir e a se desenvolver, como ocorreu com o português. Por volta do p. 304, grifos do autor)
define vernáculo como
ano mil da era cristã, já havia um leque de línguas nacionais disputando
“A fala corrente, do
espaço com o latim, que tinha se tornado a língua internacional da cul- dia-a-dia, numa deter-
tura no Ocidente, desde a época do Império Romano. O grego já perde- minada comunidade”.
ra sua força. Havia uma verdadeira situação de Torre de Babel por volta Este termo é emprega-
do “em contraste com a
do ano mil, com línguas germânicas convivendo com línguas neolatinas língua padrão”.
(como o português e o italiano, entre muitas outras), e línguas isoladas,
como o basco. Como afirma Umberto Eco (2001, p. 38), “[...] a Europa
apresenta-se como uma Babel de línguas novas, e só em seguida como
um mosaico de nações”.
23
Estudos Gramaticais
24
Língua universal e línguas particulares: da Idade Média ao século XVIII Capítulo 03
Na verdade, apesar dessa busca de uma língua internacional artificial
(busca que chega até nossos dias com o esperanto), o que temos mesmo
são as diferentes línguas reais, com as possíveis imperfeições e dificul-
dades que apresentem. A língua perfeita (seja o que isso for) é apenas
uma utopia.
25
Estudos Gramaticais
visível”.
Sugerimos que você pesquise sobre como línguas que são hoje im-
portantes foram se afirmando como línguas nacionais a partir da Idade
Média (por exemplo, o português, o francês, o italiano, o inglês, etc.).
26
As línguas como produtos da história: a época do Romantismo Capítulo 04
4 As línguas como produtos
da história: a época do
Romantismo
A partir da segunda metade do século XVIII, e em especial na pri-
meira metade do século XIX, houve um grande movimento de ideias,
denominado de Romantismo, que significou uma reação ao racionalis-
mo. O racionalismo sustentava que a linguagem era fruto de princípios
racionais universais. Como tal, o racionalismo se opunha ao empirismo
e ao historicismo. Para os empiristas, a aquisição do saber se dá através
dos sentidos, que organizam e esquematizam os dados de nossa expe-
riência. Para os historicistas, por sua vez, os sistemas simbólicos huma-
nos, como língua e cultura, mudam profundamente ao longo do tempo,
não refletindo apenas princípios racionais universais e imutáveis.
27
Estudos Gramaticais
[...] o gênio popular é o criador da verdadeira poesia, que não seria pro-
duto de civilizações altamente desenvolvidas, mas obra do instinto e
da imaginação livres, sendo mais espontânea e genuína nos períodos
primitivos. Em tais períodos, o instinto, a imaginação e a tradição oral
eram mais fortes que a razão e a reflexão, fazendo da poesia a língua na-
tural dos homens. (HERDER, Johann Gottfried; GOETHE, Wolfgang apud
FICKER, 1994.).
28
As línguas como produtos da história: a época do Romantismo Capítulo 04
volvimento da linguagem verbal a uma maior expressão das emoções
humanas no meio social. Afirma, ainda, que os homens primitivos satis-
faziam plenamente suas necessidades práticas sem o recurso da lingua-
gem, comunicando-se apenas por gestos e sons inarticulados.
29
Estudos Gramaticais
30
A busca da origem: do Romantismo ao Método Comparativo Capítulo 05
5 A busca da origem: do
Romantismo ao Método
Comparativo
O Romantismo, com sua obsessão pela origem da linguagem e
a valorização das diferenças culturais, terminou criando um ambiente
propício para o desenvolvimento do Método Comparativo, que buscava
estabelecer famílias de línguas a partir da comparação de palavras e es-
truturas de diferentes idiomas.
O sânscrito, seja qual for sua antiguidade, tem uma estrutura maravilho-
sa; mais perfeito que o grego, mais copioso que o latim, e mais primo-
rosamente refinado que ambos, embora mantenha com eles tamanha
afinidade, tanto nas raízes dos verbos como nas formas da gramática,
que é impossível pensar que isso se deu por acidente; a afinidade é de
31
Estudos Gramaticais
fato tão forte que nenhum filólogo poderia examinar as três línguas sem
pensar que elas tenham brotado de alguma fonte comum que, talvez,
não mais exista. (JONES apud PINKER, 2004, p. 321).
32
A busca da origem: do Romantismo ao Método Comparativo Capítulo 05
continua.
Fechando a Unidade
33
Estudos Gramaticais
34
Unidade B
A linguística como estudo cientí-
fico da língua(gem)
Objetivos desta Unidade:
– Que é lingüística?
– Bom, eu, quando dou aula na graduação, costumo dizer para os alu-
nos: se você quer entender o que é lingüística e o que é seu objeto,
você precisa pensar um pouco na fábula dos três cegos apalpando o
elefante. Cada um apalpava um pedaço do elefante e definia o elefante
por aquele pedaço. Então, o que pegava a perna do
elefante dizia “o elefante é assim um cilindro muito
duro, rígido, é um animal com formato de cilindro e
que é estático, parece que esse animal não se mexe
e é um animal que ocupa posição vertical no espa-
ço”. O outro que mexia lá na tromba, naturalmente
discordava, não só quanto à disposição no espaço,
quanto à rigidez ao tato, tanto quanto à falta de
mobilidade. Imagino até que algum desses cegos,
tocando em outros lugares, concebeu a idéia de ca-
tegoria vazia. Então, a língua e a lingüística não são;
elas são o que para cada um de nós parecem ser.
Figura 4 - Ilustração “Elefante e cegos”
(CASTILHO, 2003, p. 55).
ӲӲ O que é a língua(gem)?
37
Estudos Gramaticais
38
Concepções de língua(gem) Capítulo 06
(5) A linguagem [é vista] como atividade, como forma de ação, ação
interindividual finalisticamente orientada; como lugar de interação que
possibilita aos membros de uma sociedade a prática dos mais diversos
tipos de atos, que vão exigir dos semelhantes reações e/ou comporta-
mentos, levando ao estabelecimento de vínculos e compromissos ante-
riormente inexistentes (KOCH, 1992, p. 9-10, grifos da autora).
39
Estudos Gramaticais
Para refletir
1) Tente responder, conforme sua intuição de falante,
as questões a) e b) apresentadas no excerto de Lobato
(1986).
40
Concepções de língua(gem) Capítulo 06
Resumindo este tópico: A linguística é o estudo científico da
língua(gem) humana. Existem diferentes concepções de linguagem e/
ou de língua: uma centrada na sua função comunicativa/social – como
instrumento de comunicação e modo de interação; e outra na função
cognitiva/biológica – como representação do pensamento. Cada uma
dessas concepções vai se refletir em diferentes abordagens teóricas do
fenômeno linguístico. Nesse sentido, podemos dizer que “o ponto de
vista é que cria o objeto”.
41
Estudos Gramaticais
42
Propriedades das línguas naturais Capítulo 07
7 Propriedades das línguas
naturais
As línguas naturais são línguas humanas que se opõem às línguas
formais construídas por matemáticos e lógicos, e às línguas artificiais O esperanto é uma lín-
gua criada pelo médico
como o esperanto. São exemplos de línguas naturais: o português, o polonês Ludwig Lazar
italiano, o inglês, a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). Vale lem- Zamenhof, por volta de
1887, para ser língua de
brar, ainda, que a linguística se ocupa das línguas naturais. As pro- comunicação internacio-
priedades descritas a seguir caracterizam e particularizam as línguas nal. Possui uma gramática
regular e utiliza raízes
naturais. latinas e gregas, além de
raízes das línguas euro-
peias mais faladas.
7.1 Flexibilidade e adaptabilidade
Nós podemos usar a língua para produzir inúmeros atos de fala:
externar nossos pensamentos e sentimentos, fazer perguntas ou decla- Ato de fala é uma ativi-
dade comunicativa que
rações, fazer pedidos ou dar ordens, fazer ameaças ou promessas etc. considera as intenções do
Assim, a linguagem humana pode desempenhar inúmeras funções, de falante e os efeitos que
consegue provocar no
natureza cognitiva ou comunicativa. ouvinte.
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Estudos Gramaticais
É importante observar que cada texto não tem apenas uma função,
mas várias delas. O que ocorre é que existe uma ou outra que predo-
mina. Por exemplo, no texto publicitário predomina a função conativa,
centrada no interlocutor (ouvinte/leitor). São formas linguísticas típicas
da função conativa: pronome de segunda pessoa, verbo no modo impe-
rativo, perguntas – para produzir o efeito de persuasão. Outro exemplo:
nas definições do dicionário predomina a função metalinguística. Veja
a definição da palavra ‘metalinguagem’ no dicionário Houaiss: “lingua-
gem (natural ou formalizada) que serve para descrever ou falar sobre
uma outra linguagem, natural ou artificial”. Como exemplo de função
fática, temos o estabelecimento de contato social por meio do uso de
expressões como bom dia! alô!.
7.2 Arbitrariedade
A língua não é um conjunto de rótulos, ou uma nomenclatura, que
se aplica a uma realidade preexistente. A realidade só passa a ter existên-
cia para os homens quando é nomeada, de modo que só percebemos no
44
Propriedades das línguas naturais Capítulo 07
mundo o que nossa língua nomeia. A realidade é apreendida e nomeada
através de signos linguísticos.
Signo linguístico é um
Não existe um vínculo natural entre a forma das palavras (seja a ca- objeto linguístico dota-
do simultaneamente de
deia fônica, seja a representação escrita) e o seu sentido ou significado. forma e sentido. A forma
O vínculo - Releia a seção 2 da Unidade A, que trata dessa questão sob é chamada por Saussure
de significante; e o sen-
o ponto de vista histórico - é convencional ou arbitrário e é estabelecido tido, de significado. Por
social e culturalmente. É uma espécie de acordo coletivo entre os falan- exemplo, a palavra ‘cina-
momo’ tem uma forma
tes. O signo linguístico é, portanto, arbitrário e cultural. Por exemplo, particular constituída de
nada há que determine que a ideia que temos de ‘lar’ e ‘moradia’ seja uma sequência de oito
fonemas (sons da fala re-
representada pela palavra ‘casa’. O que ocorre é um processo de simbo- presentados graficamente
lização, que constitui uma espécie de filtro da realidade. A linguagem por letras), e também de
um sentido particular (um
categoriza a realidade, ou seja, classifica-a em categorias na medida em tipo específico de árvore).
que representa essa realidade. Em outras palavras: Os dois juntos formam um
signo linguístico. Assim,
A atividade lingüística é uma atividade simbólica, o que significa que o signo é constituído de
as palavras criam conceitos e esses conceitos ordenam a realidade, ca- significante + significado.
tegorizam o mundo. Por exemplo, criamos o conceito de pôr-do-sol.
Sabemos que, do ponto de vista científico, não existe pôr-do-sol, uma
vez que é a Terra que gira em torno do Sol. No entanto, esse conceito
criado pela língua determina uma realidade que encanta a todos nós.
Uma nova realidade, uma nova invenção, uma nova idéia exigem novas
palavras, mas é sua denominação que lhes confere existência. Apagar
uma coisa no computador é uma atividade diferente de apagar o que
foi escrito a lápis, à máquina ou à caneta. Por isso, surge uma nova pala-
vra para designar essa nova realidade, deletar. No entanto, se essa nova
palavra não existisse, não se perceberia a atividade de apagar no com-
putador como uma coisa diferente. (FIORIN, 2002, p.56).
45
Estudos Gramaticais
linguístico;
46
Propriedades das línguas naturais Capítulo 07
ӲӲ re/ler, re/contar, re/plantar,
Assim:
Para refletir
47
Estudos Gramaticais
7.4 Produtividade
A produtividade é uma propriedade da língua que permite que
uma dada regra seja estendida a novos casos. Assim, a partir de um nú-
mero reduzido de regras combinatórias, podemos produzir um número
ilimitado de novas palavras e enunciados. A noção de produtividade se
aplica tanto no âmbito da formação de palavras (combinação de mor-
femas), como na construção de frases (combinação de palavras). Por
exemplo:
48
Propriedades das línguas naturais Capítulo 07
Curiosidades
Para refletir
49
Estudos Gramaticais
7.5 Heterogeneidade
Uma outra propriedade das línguas naturais é que elas não são ho-
mogêneas. Pelo contrário, as línguas variam e mudam ao longo do tem-
po. Essa variação/mudança ocorre nas dimensões geográfica, social e
estilística. Vamos retomar este ponto na terceira unidade.
Para refletir
50
Propriedades das línguas naturais Capítulo 07
Resumindo este tópico: As principais propriedades das línguas
naturais são: (i) flexibilidade e adaptabilidade – a linguagem humana
pode expressar várias funções (emotiva, referencial, conativa, poética,
fática e metalinguística) e permite que nos reportemos no tempo e que
possamos nos referir a coisas que não existem no mundo real; (ii) arbi-
trariedade – a relação entre as palavras e o seu sentido é convencional
e estabelecida socioculturalmente; (iii) dupla articulação – a linguagem
humana é duplamente articulada, sendo decomposta em unidades mí-
nimas significativas (morfemas) e em unidades mínimas não-significa-
tivas (fonemas); (iv) produtividade – a partir de um número reduzido
de regras combinatórias, podemos produzir um número ilimitado de
novas palavras e frases; (v) heterogeneidade – as línguas variam e mu-
dam ao longo do tempo.
51
Estudos Gramaticais
52
O que é um estudo científico? Capítulo 08
8 O que é um estudo científico?
Vamos tratar agora da questão da cientificidade dos estudos linguís-
ticos. Como vimos na Unidade A, as preocupações com a linguagem são
muito antigas, mas é apenas no início do século XX que a Linguística
Moderna ganha autonomia e é reconhecida como estudo científico, a
partir dos trabalhos de Ferdinand Saussure publicados no livro Curso
de lingüística geral.
53
Estudos Gramaticais
ӲӲ observação;
ӲӲ problematização;
ӲӲ generalização.
54
O que é um estudo científico? Capítulo 08
linguista descrever e explicar o funcionamento da língua, isto é, a rela-
ção que existe entre os significados e as formas dessa língua.
Para refletir
55
Estudos Gramaticais
56
Unidade C
Gramática e norma
Objetivos desta Unidade:
59
Estudos Gramaticais
Julgamos que as frases (3), (4) e (5) não são boas e não as produzi-
mos, mas nunca ninguém nos ensinou isso.
60
Concepções de gramática Capítulo 09
parâmetro: o chamado “parâmetro do sujeito nulo”. Um dos princípios
universais determina que toda sentença das línguas humanas tenha
uma posição sintática de sujeito. Mas em muitas línguas essa posição
de sujeito não precisa ser foneticamente preenchida. Isso significa que o
preenchimento fonético dessa posição é um parâmetro. Por outro lado,
há línguas que sempre têm que preencher essa posição (como o inglês),
e outras não (como o português, o italiano e o espanhol).
a) It rains! (inglês)
b) Ø Chove! (português)
c) Ø Piove! (italiano)
d) ¡ Ø Llueve! (espanhol)
61
Estudos Gramaticais
Em síntese:
62
Concepções de gramática Capítulo 09
Eu me vi na TV.
Vocês me viram na
TV.
Eu vi vocês na TV.
Eu nos vi na TV.
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Estudos Gramaticais
64
Concepções de gramática Capítulo 09
Como se pode notar no quadro anterior, em se tratando de gra-
mática normativa, a regra geral prevista no português é de omissão do
pronome quando estiver na função sintática de sujeito. A presença do
pronome é aceita, pelas gramáticas normativas, nas seguintes situações:
(i) para expressar valor estilístico marcando ênfase ou contraste, ou (ii)
para evitar ambiguidade no caso de certas formas verbais idênticas para
designar a 1a e a 3a pessoa do singular (eu/ele disse).
65
Estudos Gramaticais
(para eu fazer)
66
Concepções de gramática Capítulo 09
1) O pronome possessivo não exprime sempre uma rela-
ção de posse [...]. Na língua moderna, ele tem assumido
múltiplos valores, por vezes bem distanciados daquele
sentido originário.
‘Era lindo o bicho, com sua calma de passarinho manso’ (R. BRAGA)
2) Repete-se o artigo antes de dois adjetivos unidos por
uma das conjunções e e ou quando os adjetivos acentu-
am qualidades opostas de um mesmo substantivo:
‘Esqueceu que já não tinha mais a sua tristonha mas bela solidão’
(E. VERÍSSIMO)
Você deve ter percebido que, no primeiro caso, os autores descrevem Vamos falar mais sobre
diferentes valores do pronome possessivo; e no segundo, prescrevem o a variedade padrão no
próximo capítulo.
emprego do artigo junto de adjetivos. No entanto, é a variedade padrão
da língua, ou norma culta, que é priorizada em ambas as passagens. Ob-
67
Estudos Gramaticais
Para refletir
68
Concepções de gramática Capítulo 09
nica dos constituintes corresponde à chamada ordem direta. As cons-
truções transitivas, por exemplo, apresentam a ordem canônica SVO
(sujeito + verbo + objeto). Se houver também elementos com valor cir-
cunstancial (advérbios ou adjuntos adverbiais), esses virão no final da
frase numa estrutura SVO Adv.
69
Estudos Gramaticais
70
Concepções de gramática Capítulo 09
em alguns modelos, também o nível discursivo. As gramáticas estrutu-
rais buscam identificar as regularidades constantes das cadeias de fala,
são basicamente descritivas, e operam através da contextualização da
língua em si mesma.
A Lingüística tem oscilado entre esses dois pólos, ora destacando a lín-
gua como um enunciado – valorizando-se as gramáticas formais, es-
truturais, gerativas – ora destacando a língua como uma enunciação
– valorizando-se as gramáticas funcionais. (CASTILHO, 2000, p. 11-12,
grifos do autor).
71
Estudos Gramaticais
Para refletir
72
A norma linguística Capítulo 10
10 A norma linguística
Vamos introduzir este capítulo com a seguinte citação:
73
Estudos Gramaticais
a outros grupos.
Para refletir
74
A norma linguística Capítulo 10
Nessas alturas, você deve estar se perguntando: ‘O que a escola
deve ensinar se são tantas as regras, normas e gramáticas?’; ‘Será por
isso que o ensino de língua portuguesa está tão caótico como dizem
alguns?’. Vá pensando sobre essas questões, pois vamos retomá-las mais
à frente.
Como podemos perceber, a norma culta está associada a certos va- Curso superior completo.
lores sociais: os indivíduos que a praticam têm alto grau de escolarização
circulam em ambientes que exigem certa formalidade e onde tem des-
taque a cultura escrita. A norma culta é a língua que encontramos na
mídia difundida nos grandes centros urbanos: jornais, revistas, livros
etc. Corresponde ao uso linguístico de prestígio. A norma culta, como
qualquer outra norma, pode ser escrita ou falada.
75
Estudos Gramaticais
Fala e escrita
76
A norma linguística Capítulo 10
te (trarei); a perífrase com o auxiliar ir flexionado + verbo principal no
infinitivo (vou trazer); e o verbo no tempo presente (trago).
Atenção!
ӲӲ A norma culta deve ser vista como uma variedade da lín-
gua portuguesa e não como a língua propriamente dita.
77
Estudos Gramaticais
78
A norma linguística Capítulo 10
expressões frequentemente ouvidas como: “não sei português”, “falo er-
rado o português”. De fato, quem assim se expressa está querendo dizer:
“não domino a variedade culta do português, ou a língua padrão”.
Você pode saber mais
sobre esse assunto em:
BAGNO, M. (Org.). Lingüís-
Para refletir tica da norma. São Paulo:
Loyola, 2002. Trata-se de
uma coletânea de 15 tex-
Pensando em sua prática docente (se você for professor(a)), ou na de tos de diferentes autores,
outros professores, como costuma ser vista a questão da norma linguís- que discutem a questão
da norma linguística e
tica: como “norma-padrão” ou como “norma culta”? seus desdobramentos:
norma ideal versus nor-
Que implicações essas diferentes visões trazem para o ensino de língua ma real; norma-padrão
versus norma culta; norma
portuguesa?
objetiva versus norma sub-
jetiva etc.
Discuta essas questões com seus colegas.
79
Estudos Gramaticais
80
A norma linguística Capítulo 10
em geral, por indivíduos não escolarizados ou pouco escolarizados.
Exemplos:
Para refletir
81
Estudos Gramaticais
82
A norma linguística Capítulo 10
A influência da modalidade oral ou escrita sobre os recursos linguís-
ticos utilizados pode ser mais adequadamente analisada se compa-
rarmos um mesmo gênero/texto e registro nas duas modalidades.
Por exemplo: a narrativa de um acontecimento X oralmente, depois
por escrito, feita por um mesmo sujeito, é um bom material de aná-
lise para percebermos as semelhanças e diferenças entre as duas
modalidades de expressão linguística.
eventos de eventos de
>
oralidade letramento
83
Estudos Gramaticais
Amostra escrita
Meu nome é M., tenho 23 anos e trabalho com crianças de 2 anos
e meio a 3 anos. Agora está no final do ano, eu estou contente
porque está acabando por causa que estou cansada, mas por ou-
tro lado eu já estou com saudade das crianças, a gente se apega.
Mas todo ano acontece isso, sei que no próximo ano não vou pe-
gar a mesma turma por causa da minha situação de professora
ACT. Mesmo assim temos que acreditar e depositar confiança
nestas crianças, confiando que eles vão ser os responsáveis por
uma mudança. Isso é que nos incentiva, e o reconhecimento dos
pais e o carinho das crianças, mesmo que a nossa profissão não
seja valorizada.
84
A norma linguística Capítulo 10
10.3 A questão do “erro” e suas implicações
sociais
Veja a opinião do professor Mário Perini, um gramático descritivo,
sobre a questão da diversidade linguística e do “erro” e suas implicações
sociais:
85
Estudos Gramaticais
Tu vai sair?
O que está em jogo aí? Trata-se do que se chama de valor social das
formas variantes. A fala (ou escrita) é avaliada ou julgada em função do
status social dos indivíduos que a utilizam, e não pelas características
linguísticas em si. Esse tipo de julgamento revela preconceito linguístico,
normalmente por parte daqueles que dominam a norma culta da língua
e que, coincidentemente, se situam nos pontos mais altos na pirâmide
social.
[...] Do ponto de vista científico, não há como dizer que uma forma lin-
güística é melhor que outra, a não ser que a gente se esqueça da ciên-
cia e adote o preconceito ou o gosto pessoal como critério.
86
A norma linguística Capítulo 10
quem diz. E a linguagem é altamente reveladora: ela não transmite só
informações neutras; revela também nossa classe social, a região de
onde viemos, o nosso ponto de vista, a nossa escolaridade, a nossa in-
tenção [...] Nesse sentido, a linguagem também é um índice de poder
(FARACO; TEZZA, 2002, p.51-52, grifos dos autores).
Para refletir
– Como você avalia os usos de: Tu vai sair?/A gente vamos sair./Nós vai
sair.? Você os aceita ou rejeita igualmente?
87
Estudos Gramaticais
88
Unidade D
Descrição gramatical
Objetivos desta Unidade:
1) o
bservar fatos linguísticos, isto é, o uso que os falantes fazem
da língua;
91
Estudos gramaticais
c) A
desinência –rei nos verbos exprime a noção de que algo ain-
da vai acontecer.
92
Princípios e métodos do estudo de gramática Capítulo 11
nível sintático da língua. Entretanto, há autores, como Mattoso Camara
Jr., que associam o critério formal ao nível morfológico, e o critério fun-
cional ao nível sintático. Para nós, o critério funcional agrega aspectos
formais e semânticos. Chamamos a atenção para a necessidade de se
entender os conceitos independentemente da terminologia utilizada.
Atenção!
Fixe bem esses aspectos metodológicos, pois você vai precisar acio-
ná-los para realizar as análises que vamos propor daqui para frente.
Sintetizando:
93
Estudos gramaticais
94
Níveis de análise Capítulo 12
12 Níveis de análise
Os níveis de análise linguística são: fonético-fonológico, morfoló-
gico, sintático (ou morfossintático) e semântico-pragmático. Não vamos tratar teorica-
mente desses níveis, nem
discutir a pertinência de
abordá-los separadamen-
12.1 Nível fonético-fonológico te, pois no decorrer do
curso você terá disciplinas
específicas sobre cada um
Esse nível de análise se ocupa das realizações linguísticas concretas deles.
dos sons e do sistema de sons da língua. Que tal começarmos com uma
piada? Atente para a variação no texto humorístico e procure entender
o fenômeno fonológico envolvido:
95
Estudos Gramaticais
96
Níveis de análise Capítulo 12
Ainda em relação ao trecho da entrevista, observe o registro da
pronúncia das palavras brincadera (brincadeira) e vowtô (voltou). São
casos de redução dos ditongos /ey/ > /e/ e /ow/ > /o/, além da vocali-
zação de /l/ na segunda palavra. Esse fenômeno de redução de ditongo
e de vocalização de /l/ é bastante comum na fala, como você deve ter
percebido, mas também aparece na escrita.
Situação-problema 1
97
Estudos Gramaticais
Situação-problema 2
98
Níveis de análise Capítulo 12
Todas as palavras apresentavam a lateral /l/ em final de sílaba. A pes-
quisadora constatou a seguinte correlação (TASCA, 2006, p. 197):
99
Estudos Gramaticais
Para refletir
Como você vê a pronúncia das vogais átonas /e/ e /o/, que são eleva-
das para /i/ e /u/, como em <divertidu>, <épuca>, <aqueli>?
100
Níveis de análise Capítulo 12
Trata-se de um uso não padrão ou de variação no âmbito da norma
culta (ou dialeto padrão)? Por quê?
101
Estudos Gramaticais
102
Níveis de análise Capítulo 12
A partir das três afirmações apresentadas, procure analisar, com-
parativamente, os três conjuntos de itens do quadro a seguir. Primeiro,
tente utilizá-los em diferentes contextos frasais. Tenha em mente as se-
guintes distinções para agrupar os itens:
gato – gata
menino – menina
aluno – aluna
gato – gatos
menino – meninos
aluno – alunos
amar – amava
cantar – cantava
andar – andava
sair – sairia
partir – partiria
pedir – pediria
consolar – consolo
julgar – julgamento
testar – testagem
103
Estudos Gramaticais
fritar – fritura
cortar – corte
limpar – limpeza
chegar – chegada
inaugurar – inauguração
tentar – tentativa
pão – padeiro
casa – caseiro
música – musicista
motor – motorista
sofá – sofazinho
filme – filmão
carro – carrão
carro – carrinho
lombo – lombinho
camisa – camisinha
calça – calcinha
104
Níveis de análise Capítulo 12
padre – padrezinho/ padrinho
porta – portão
bota – botão
105
Estudos Gramaticais
bem com certas palavras, mas não servem para outras. Por ou-
tro lado, em certas formações, pode haver mudança de signifi-
cado, como nos sete últimos pares (carro (veículo) – carrinho
(brinquedo); lombo (costas) – lombinho (peça de carne); padre
(sacerdote) – padrinho (aquele que apresenta alguém para ba-
tismo), etc). Além disso, os sufixos –inho e –ão não indicam,
em todas as palavras, ‘tamanho pequeno’ e ‘tamanho grande’,
respectivamente. Em “ontem assisti a um filmão na TV”, o filme
com certeza foi muito bom, mas não foi necessariamente lon-
go; quando alguém chama outra pessoa de “queridinha”, esta
pessoa não é necessariamente pequena.
Divirta-se!
106
Níveis de análise Capítulo 12
Só o que varia é a inflexão da voz. Se alguém diz, por exemplo, “Ô vi-
dinha”, você sabe que ele está se referindo a uma vida com todas as
mordomias. Nem é uma vida, é um comercial de cigarro com longa
metragem. Um vidão. Mas se disser “Ah vidinha...” o coitado está se
queixando dela, e com toda a razão. Há anos que o seu único diver-
timento é tirar sapatos e fazer xixi. Mas nos dois casos o diminutivo
é usado com o mesmo carinho.
Era o que eu pensava até o dia, na Itália, em que ouvi alguém di-
zer que alguma coisa duraria um “mezzoretto”. Não sei se a grafia
é essa mesma, mas um povo que consegue, numa palavra, reduzir
uma meia hora de tamanho – e você não tem nenhuma dúvida de
que um “mezzoretto” dura os mesmos trinta minutos de uma meia
hora convencional, mas passa muito mais depressa – é invencível
em matéria de diminutivo.
107
Estudos Gramaticais
paciente. [...]
- Mais um feijãozinho?
- Mais um feijãozinho?
- Um pouquinho.
- E uma farofinha?
- Ao lado do arrozinho?
- Isso.
- Obrigadinho.
108
Níveis de análise Capítulo 12
12.2.1 A questão do gênero
autor + a = autora.
Para refletir
109
Estudos Gramaticais
110
Níveis de análise Capítulo 12
Essa mistura de critérios morfológicos e semânticos recobre tam-
bém uma certa confusão entre a noção gramatical de gênero masculino
e feminino e a noção semântica de sexo (macho e fêmea). Como equa-
cionar esse problema?
1) Para substantivo:
2) Para adjetivo:
111
Estudos Gramaticais
3) Para verbo:
4) Para pronome:
Situação-problema
112
Níveis de análise Capítulo 12
Situação-problema
Agora, com base nas definições dadas para substantivo e adjetivo, exa-
mine os dados abaixo (dados adaptados de PERINI, 2002):
113
Estudos Gramaticais
114
Níveis de análise Capítulo 12
Situação-problema
115
Estudos Gramaticais
Será que essas definições são adequadas? De saída, temos que con-
siderar que essa classe recobre os seguintes tipos de pronomes: pessoais
(retos e oblíquos), possessivos, demonstrativos, indefinidos e relativos.
Observemos os exemplos:
116
Níveis de análise Capítulo 12
Vamos focalizar nossa atenção nos pronomes pessoais.
Camara Jr. (1972, p. 108) já dizia que tal quadro é “puramente te-
órico” porque “em nenhuma região da língua portuguesa ele se realiza
exatamente”.
Situação-problema
117
Estudos Gramaticais
s) Vens conosco?
118
Níveis de análise Capítulo 12
Atentemos, agora, para o valor dos pronomes possessivos:
Para refletir
119
Estudos Gramaticais
É por isso que Perini (2006, p.98) enfatiza que “as expressões lin-
güísticas não são (apenas) seqüências de palavras, e não podem ser des-
critas como se fossem; elas são seqüências de constituintes”. A sintaxe
se ocupa do estudo dos sintagmas/constituintes, sua composição e sua
estrutura em unidades maiores.
Para refletir
4) Quem chegou?
120
Níveis de análise Capítulo 12
Qual é o ‘ser’, ou o elemento sobre o qual se diz algo? Parece não ha-
ver dúvidas de que são feitas declarações sobre Florianópolis, o livro e a
festa de ontem, respectivamente. Mas esses três constituintes são sujeitos
das orações? (Florianópolis e na festa de ontem são adjuntos adverbiais,
e o livro é um ‘tópico’ no caso, um objeto direto deslocado). Por outro
lado, em Quem chegou? não temos uma declaração mas uma pergunta. Tópico é uma noção
discursiva, que tem a ver
Outro problema que detectamos aqui: a definição proposta não dá conta com a função comunica-
dos dados. tiva. O tópico costuma ser
colocado no início da frase
e é o elemento sobre o
Continuando a explorar o que diz a gramática normativa sobre su- qual se afirma, pergunta
jeito, encontramos o seguinte: algo, etc.
Para refletir
121
Estudos Gramaticais
segunda, o agente é o meu filho (mas não é o sujeito!); nas demais não
há verbo de ação, portanto não há agente. Mas todos sabemos que o
sujeito de cada oração é, respectivamente, o bandido, este presente, Vítor
e Cecília e Márcia.
[Cecília] chegou.
122
Níveis de análise Capítulo 12
entre as unidades dentro de uma frase. À pergunta: “qual é a função
sintática de Cecília”?, a resposta só pode ser dada a partir da frase, ou
seja, examinando a função desse constituinte na frase. Considerando o
conjunto de frases acima, a reposta poderá ser: sujeito, objeto direto ou
complemento de preposição.
Vamos ver, com mais detalhes, a questão das funções sintáticas, se-
guindo a orientação de Perini (2006). Na frase abaixo, podemos distin-
guir três constituintes:
123
Estudos Gramaticais
Para refletir
Situação-problema
124
Níveis de análise Capítulo 12
Compare a análise das gramáticas normativas com essa de Perini. A que
conclusões você chega?
– Agente: indivíduo que pratica a ação, que tem controle sobre a re-
alização da ação.
125
Estudos Gramaticais
Observe:
126
Níveis de análise Capítulo 12
Divirta-se!
Mulher – Ah, isso eu não faço de maneira nenhuma! Ele pode muito
bem se lavar sozinho! (ILARI, 2001, p.138).
127
Estudos Gramaticais
2) Era coisa gostosa. Hoje, se você vai numa festinha aí, numa fes-
tinha de rua aí, a gente vê é safadeza, é avacalhação. (FLP 04,
L597)
3) Onze e pouco da noite. Não tinha um hotel, não tinha nada pra
dormir, que o único hotel da cidade estava fechado. Aí procura-
mos, procuramos, batemos nesse hospital, que é um hospital e
maternidade, aí que ele estava (FLP03, L889)
4) Depois que ele morreu, né? Que aí elas já eram mais ou menos
moças, né? Tinham os seus quinze, dezesseis anos, aí que come-
çaram a namorar (FLP18, L1161)
6) “Ela está lá na casa da Maria dos Anjos”, disse uma outra amiga
minha. Aí ela foi lá na casa da Maria dos Anjos, ver se eu esta-
va... (FLP08, L831).
128
Níveis de análise Capítulo 12
Anáfora: diz respeito a pessoas e objetos, tempos, lugares, fatos
etc. mencionados em outros pontos do mesmo texto; também na
função anafórica são úteis os pronomes, o artigo definido, os tem-
pos verbais e os advérbios.
129
Estudos Gramaticais
Para refletir
Você pode exercitar o tipo de análise feita com aí, verificando o funcio-
namento de outros itens como: onde, assim, então, agora, mas etc. Você
pode buscar esses elementos em redações escolares, por exemplo. A
título de ilustração, observe as ocorrências a seguir (os dados de assim
foram extraídos de Gasparini, 2001; e os de então, de Tavares, 1999).
Lembrete: as gramáticas normativas costumam apresentar o assim
como advérbio de modo e o então como advérbio de tempo.
130
Níveis de análise Capítulo 12
na época não existia fogão a gás. Botava, assim, deixava
assar aquela manta de carne seca. Então ela passava a
mão, dividia aquele alguidar em... Lógico, ela não botava
até em cima, botava até certa altura. (FLP 02, L 1081)
131
Estudos Gramaticais
Feche a porta!
132
Níveis de análise Capítulo 12
nadas, para que o evento seja bem sucedido. Por exemplo, a solicitação
de que a porta da sala seja fechada será feita de maneira diferente nas
seguintes interações: de mãe para filha, de empregada para patroa, de
irmão para irmã, e assim por diante.
Para refletir
3) Me passa o sal!
4) Me passe o sal!
6) Se tivesse um salzinho...
133
Estudos Gramaticais
Nesta unidade:
Sugerimos que você reveja essas etapas, anote suas dúvidas e desta-
que o que julgar mais interessante ou relevante.
Leia mais!
PERINI, M. Componentes de uma descrição gramatical. In: Gramática
descritiva do português. São Paulo: Ática, 1996. p.49-57.
______. Papéis semânticos e funções sintáticas. In: Gramática descritiva
do português. São Paulo: Ática, 1996. p. 260-268.
No primeiro texto, Perini discute os níveis de análise linguística e as defini-
ções na gramática tradicional. No segundo texto, relaciona papéis semânti-
cos e sintáticos.
134
Níveis de análise Capítulo 12
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