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XI ESTÁGIO INTERDISCIPLINAR DE VIVÊNCIA

SÃO PAULO

CADERNO DE TEXTOS
2018
XI EIV SP 2
Comissão Organizadora. Caderno de Textos - XI Estágio Interdisciplinar
de Vivência de SP. São Paulo - SP: 2017.

Levante Popular da Juventude; Serviço de Acessoria Jurídica Universitária


da USP (Saju); Secretaria Acadêmica Pró-Ambiental (SAPA); Grupo de Estudos e
Intervenções Socioambientais (GEISA).

XI EIV SP 3
índice

Grade Geral do XI EIV SP.....................................................................................................5

Grade diária...........................................................................................................................6

Acordos Coletivos..................................................................................................................7

Agitação e Propaganda.........................................................................................................8
ADAPTAÇÃO – CARTILHA DE AGITPROP - COLETIVOS DE COMUNICAÇÃO, CULTURA E JUVENTUDE DA VIA
CAMPESINA

Economia Política................................................................................................................13
Cartilha: CEPIS - Introdução ao Pensamento Marxista (2004)

Reforma Agrária Popular.....................................................................................................21


ADAPTAÇÃO – CARTILHA DO SETOR DE FORMAÇÃO MST/SP

Projeto energético popular...................................................................................................28


Gilberto Cervinski

Colorindo o projeto popular..................................................................................................36


Letícia Simões Gomes - Diversidade sexual na sociedade brasileira

Feminismo Popular..............................................................................................................39
Nalu Faria – Perspectivas feministas para igualdade e autonomia das mulheres

Enegrecendo o Projeto Popular...........................................................................................49


ADAPTAÇÃO – DESIGUALDADES RACIAIS, RACISMO E POLÍTICAS PÚBLICAS: 120 ANOS APÓS A ABOLIÇÃO
(Ipea, 2008)

Análise de conjuntura...........................................................................................................57

Projeto popular e América Latina.........................................................................................61


Manoel Piñero - A crise atual do imperialismo e os processos revolucionários na América Latina e no Caribe

A importância da disputa da universidade...........................................................................83

Trabalho de base e organização no movimento estudantil universitário............................85

Canta XI EIV !......................................................................................................................92

XI EIV SP 4
Grade Geral do XI EIV SP

Sáb Dom Seg Ter Qua Qui Sex


Dia
6 7 8 9 10 11 12

Divisão dos NBs Feminismo Enegrecer o


Manhã
(Identidade) Popular Projeto Popular
Introdução ao Reforma Agrária Projeto Popular
Acolhimento
Marxismo Popular Energético
Apresentação EIV Colorindo o Apresentação das
Tarde
(PPP) Projeto Popular áreas de vivência

Oficina de
Noite Divisão dos Nbs Reuniões de NBs Livre Cultural Livre Jornada Socialista
Segurança

Dia 13 14 15 16 17 18 19

Saída para as
-------- Vivência
vivências

Dia 20 21 22 23 24 25 26

Socialização das
Manhã Universidade
vivências
Projeto Popular e
América Latina
Retorno das Movimento Feira
Tarde Vivência "E agora?"
vivências Estudantil Agroecológica

Oficina de
Noite Agitação e Livre Cultural
Propaganda

Dia 27

Manhã Encerramento

Tarde Saída

XI EIV SP 5
Grade diária

Painel Único Painel Duplo


Horário Atividade Horário Atividade
06:00 Alvorada 06:00 Alvorada
06:15 Café da Manhã 06:15 Café da Manhã
06:45 Tempo Trabalho 06:45 Tempo Trabalho
08:45 Tempo Leitura 08:45 Tempo Leitura 1
09:45 Pausa 09:30 Pausa
10:00 Formatura 09:45 Formatura
10:30 Painel 10:15 Painel 1
12:30 Almoço 12:45 Almoço
13:30 Tempo Livre 13:45 Tempo Livre
14:30 Despertar 14:45 Despertar
15:00 Painel 15:15 Tempo Leitura 2
16:30 Pausa 16:00 Pausa
16:45 Painel 16:15 Painel 2
18:15 Reunião de NB 18:45 Jantar
19:15 Jantar 19:45 Reunião de NB
Oficinas/ Oficinas/
20:15 20:45
Reuniões/ Livre Reuniões/ Livre
22:30 Silêncio 22:30 Silêncio

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Acordos Coletivos
O EIV é uma ferramenta de sensibilização e formação do movimento estudantil em
parceria com os Movimentos Populares do Campo, notadamente o MST e o MAB. A realização do
estágio é garantida por uma relação política construída ao longo dos estágios, mas também entre
as organizações que participam da Comissão Organizadora (CO) e destes movimentos.
Ao participar do estágio, tanto estagiários quanto Comissão Político-pedagógica (CPP) se
tornam responsáveis por tal relação. Além disso, apenas o comprometimento de estagiários e
CPP com o nosso Projeto Político-pedagógico (PPP) pode garantir que o estágio cumpra seus
objetivos.
Como forma de garantir a realização destes objetivos, alguns acordos devem ser feitos
coletivamente, e observados permanentemente por todos os que participam do estágio. Os
acordos visam tanto assegurar uma convivência adequada entre os participantes, quanto manter
uma boa relação política com os movimentos parceiros na construção do EIV. Além disso,
considerando o alto grau de criminalização de que estes movimentos são objetos, é
responsabilidade dos participantes do EIV evitar quaisquer condutas que possam ser, de maneira
oportunista, utilizada para desmoralizar os movimentos parceiros e o próprio estágio.
Ressaltamos que a definição dos acordos não parte de uma orientação moral, mas sim de
um debate político acerca da relação entre EIV, as organizações da CO e os movimentos
parceiros. Por fim, sabemos que o estágio pode ser um processo bastante duro de reflexão, o que
demanda tempo e é bastante facilitado pelas conversas com outros indivíduos. Entretanto,
conforme os debates da CO, todos os espaços coletivos do EIV devem ser priorizados frente a
outros momentos. Por isso, pede-se especial disciplina com relação à participação nos espaços
previstos na grade e à pontualidade. Os acordos coletivos são:
• Participar de todos os espaços previstos na grade;
• Manter-se descansado para conseguir participar com qualidade dos espaços;
• Atentar-se aos horários definidos, evitando atrasos;
• Cumprir as tarefas definidas no tempo trabalho conforme as orientações;
• Respeitar o horário de silêncio;
• Conservar e manter espaços coletivos limpos e organizados;
• Não consumir bebidas alcoólicas fora do espaço da cultural;
• Não utilizar qualquer droga ilícita;
• Respeitar colegas do estágio e companheiros dos movimentos parceiros;
• Comunicar à CPP no caso de qualquer conduta indevida por parte de participante.

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Agitação e Propaganda

ADAPTAÇÃO – CARTILHA DE AGITPROP - COLETIVOS DE COMUNICAÇÃO,


CULTURA E JUVENTUDE DA VIA CAMPESINA

“Cantemos com a nossa voz, mesmo rouca; bailemos com o nosso corpo, mesmo
trôpego; digamos a nossa palavra, mesmo insegura” – Augusto Boal

Neste momento, de ação articulada entre os diversos segmentos da juventude brasileira


interessada na transformação da estrutura social, política e econômica do país, consideramos
pertinente retomar o debate sobre as possibilidades da agitação e propaganda como tática a ser
utilizada em função de nossa estratégia.

Trem de agitprop soviético (Fonte: https://levantedajuventudemg.files.wordpress.com/2013/01/23.jpg)

O que é agitação e propaganda?

A agitação e propaganda é um conjunto de métodos e formas que podem ser utilizados


como tática de agitação, denúncia e fomento à indignação das classes populares e politização de
massas em processos de transformação social. Segundo fontes de pesquisa (GARCIA, 1990) a
expressão agitação e propaganda foi criada pelos revolucionários russos, para designar as
diversas formas de fazer agitação de massas e ao mesmo tempo divulgar os projetos políticos da
revolução. Agitprop é o termo que sintetiza a expressão agitação e propaganda. Esse termo foi
disseminado por diversos países, bem como as experiências dos grupos, brigadas ou coletivos de
agitadores e propagandistas.

Origens

A Rússia pré-revolucionária de 1917 era o país de maior extensão territorial do mundo e


com grande índice de analfabetismo nas classes populares. Para poder organizar os
trabalhadores urbanos, camponeses e soldados (que estavam nas frentes de batalha), o Partido
Bolchevique organizava duplas e brigadas de agitadores e propagandistas. Nesta época, o

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marxista russo Plekhanov chegou a definir agitação “como uma ideia que é inculcada em muitas
pessoas” e propaganda como “muitas ideias que são trabalhadas para poucas pessoas”. Com a
tomada do poder em Outubro de 1917 o acontecimento da revolução tinha que ser informado por
todo o território, e era fundamental combater a contrarrevolução.
Com estes objetivos, grupos de soldados do exército vermelho, de estudantes e de artistas
se empenharam na invenção, desenvolvimento ou aprimoramento de uma série de técnicas de
agitprop, fazendo uso das mais diversas linguagens – como o cinema, o teatro, a música, o
jornalismo, a retórica, as artes plásticas – e meios, como o trem de agitprop, que levava em cada
vagão uma forma distinta de agitação e propaganda: banda de música, grupo de teatro,
equipamento de cinema para exibição e filmagem, militantes para fazer discursos políticos, vagão
biblioteca, etc.

Meios, instrumentos e formas de agitprop

Cada movimento e organização produz seus métodos e formas, de acordo com as


demandas que se apresentaram ou se apresentam no contexto histórico em que atuaram ou
atuam. Há métodos e formas que ressurgem depois de longo tempo, como é o caso do teatro
jornal, desenvolvido pelos agitadores russos e exportado para a Alemanha e os Estados Unidos, e
mais de meio século depois reinventado por Augusto Boal em sua metodologia do Teatro do
Oprimido, no contexto de resistência às ditaduras latino-americanas.
O importante é que não há métodos e formas fixas. Cada novo momento pode demandar a
invenção de novas formas, ou a recuperação de métodos antigos. Tudo depende do contexto, da
estratégia definida pela organização, das condições de atuação e da criatividade das brigadas de
agitprop. Relacionamos abaixo alguns dos principais meios, instrumentos e formas de agitprop
que já foram desenvolvidos em processos de luta:
Discurso (palavra/oratória): comícios relâmpagos, palestras, falas em atos públicos, etc;
Publicações impressas: panfleto, jornal, mural, revista, livro;
Artes plásticas: pichações, grafitagem, muralismo, painelismo, faixas, cartazes, fotografia, estêncil,
etc;
a) Teatro: teatro jornal, teatro fórum, teatro invisível, teatro procissão, teatro de rua, etc;
b) Música e poesia: corais, saraus, festivais, apresentações de rua ou em rádios, etc;
c) Indumentária/vestimenta: bonés, camisetas, bandeiras, broches, etc.
d) Produtos da reforma agrária;
e) Meios de comunicação de massa: rádio, cinema, televisão, jornal, internet;
f) Manifestações e passeatas;
g) Carro de som;
h) Mística/celebrações;
i) Pedagogia do exemplo;
j) Ações de massa.

XI EIV SP 9
Objetivos da agitação e propaganda neste momento histórico

a) Motivar a classe trabalhadora para se organizar, elevando o nível de consciência das


massas;
b) Estimular a luta social; reativar a noção de luta de classes;
c) Deslegitimar o projeto da elite atacando seus pressupostos ideológicos: a propriedade
privada e o princípio da livre iniciativa;
d) Expor a falsidade, o fracasso e a impossibilidade de realização, neste sistema, das
promessas da “democracia” burguesa: Liberdade, Igualdade e Fraternidade.

Agitprop e processos revolucionários

A tática do agitprop deve ser planejada de acordo com a dinâmica do processo social pelo
qual o país estiver passando. Por exemplo, em época de descenso de massas a estratégia e as
táticas são diferentes de épocas de reascenso. Ou seja: o agitprop de antes da revolução é
diferente daquele realizado em etapa posterior. O registro histórico das experiências na Rússia, e
posteriormente URSS, Alemanha, França, EUA, indica três fases do desenvolvimento das
experiências de agitprop (COSTA, 1996):
• Grupos de artistas, intelectuais e estudantes organizam movimentos culturais visando a
politização das classes populares;
• Estágio de socialização dos meios de produção, que implica por sua vez, a alteração das
relações de produção;
• Interrupção das experiências, por meio de intervenção do Estado. Exceção: no caso
brasileiro, passamos do primeiro momento diretamente para o terceiro, pois o golpe de
militar de 1964 interrompeu o desenvolvimento do segundo estágio.

Depois do golpe de 1964

Agitprop como uma tarefa menor. A imagem predominante que a esquerda brasileira tem
sobre o trabalho de agitação e propaganda é a tarefa de panfletagem em locais de grande
movimentação e em áreas de periferia urbana. Seria uma tarefa de divulgação das bandeiras de
luta registradas em jornais e panfletos preparados para esse tipo de atividade. Nessa concepção,
basta destacar militantes para a panfletagem e entre eles garantir a presença de um seleto grupo
que tenha condições de conduzir um debate em escolas, comunidades de base, etc, quando isso
for necessário. Não há formação específica para a tarefa de agitprop, porque nessa conformação
não há necessidade disso.
Desta forma, a atividade da agitação e propaganda virou uma tarefa “menor”, uma tarefa
para militantes novos e, principalmente, para a juventude, que era vista como “mão-de-obra”
barata para este tipo de atividade. O que fica patente nesse tipo de proposta é que há uma
separação entre aqueles que formulam as reflexões e aqueles que as executam. Não
questionamos em nossa metodologia o sistema de divisão do trabalho que, ao dissociar teoria e
prática, aliena os militantes envolvidos no processo para a dimensão da totalidade da experiência.

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Valores que devem ser cultivados por um agitador e propagandista do povo

Um agitador e propagandista é norteado por valores o que o torna diferente no meio da


massa. A agitação e propaganda deve ser parte da vida do militante. Os valores fazem parte da
natureza de sustentação do trabalho de agitação e propaganda. Apenas a técnica da agitação e
propaganda não permite que alcancemos a transformação social. Seguem abaixo exemplos de
valores para desenvolvermos em nosso espírito militante:
• Gostar de ser e estar no meio do povo. De ter abertura para aprender com o povo, com a
comunidade, com as pessoas com as quais convive;
• Ter sensibilidade política para perceber os momentos certos de atuar, recuar e avançar. A
sensibilidade política nos permite ter a clareza de lidar com as contradições que aparecem,
os imprevistos na lida com as pessoas.
• Desenvolver a capacidade individual de fazer leitura e análises da realidade local.
Interpretar e interligar as questões do específico com as grandes questões gerais da
sociedade. Interpretar e identificar em cada local e realidade o que mais despertar a
curiosidade das famílias, das pessoas. E partir da necessidade local para fazer o trabalho
de agitação e propaganda.
• Gostar de estudar e pesquisar. Um bom agitador e propagandista busca à luz da história e
da ciência elementos para aprofundar e melhorar o trabalho.
• Espírito de companheirismo, de solidariedade, de sacrifício e do desprendimento dos bens
materiais. Valor de criar espírito de coletividade.
• A firmeza e a coerência ideológica. Não se deixar levar pelos problemas e dificuldades do
trabalho. Não se deixar levar pelas graças e fantasias da propaganda feita pelas elites.
• Acreditar que as mudanças profundas nascem, crescem e acontecem somente através do
povo organizado. Acreditar na força do povo e na capacidade de mobilização social. As
transformações não estão em outros lugares. Não perder de vista o horizonte político e os
objetivos, a razão de nossa existência enquanto militantes de um movimento social.
• Ser exemplo no trabalho, nas iniciativas, na superação dos limites, na prontidão para as
tarefas mais árduas do cotidiano.

O que podemos fazer para fortalecer as ações de agitprop

• Discutir em nossas organizações como a agitação e propaganda pode ser potencializada


de acordo com o objetivo estratégico de cada movimento, e visando o objetivo comum de
transformação radical da estrutura social, política e econômica brasileira;
• Avaliar a viabilidade de criação de brigadas ou coletivos mistos de agitprop, com militantes
de diversas organizações, em caráter provisório ou permanente;
• Promover cursos de formação de agitadores que culminem na criação ou fortalecimento de
brigadas ou coletivos de agitprop;
• Envolver as brigadas ou coletivos de agitprop nas atividades dos calendários de luta
estaduais e nacionais;

XI EIV SP 11
• Trocar experiências de métodos e formas de agitprop entre as diversas organizações que
trabalham com essa tática. E pensar em formas de divulgação das experiências, por meio
de vídeo, publicação escrita, fotografias, etc., para auxiliar o processo de formação de
agitadores e acelerar a multiplicação de brigadas ou coletivos.

A nossa condição legítima de movimentos que lutam pela transformação radical da


sociedade, associada à nossa posição de alvo maior da artilharia da direita, e da crise política,
cultural e ecológica que assola o planeta, nos autoriza a tentar tudo novamente, aprendendo com
as experiências anteriores, tentando evitar os limites impostos naqueles tempos, procurando
estabelecer novo patamar de compreensão sobre as ações de agitação e propaganda,
contribuindo assim para os enfrentamentos daqueles que virão depois de nós, e honrando as
companheiras e companheiros que nos antecederam na luta de classes.

DISSE, J. R. A. AgitpropLevante Popular da Juventude - MG, 10 jan. 2013. Disponível em:


<https://levantedajuventudemg.wordpress.com/agitprop-2/>. Acesso em: 13 dez. 2017

COLETIVOS DE COMUNICAÇÃO, CULTURA E JUVENTUDE DA VIA CAMPESINA. Agitação e


Propaganda no Processo de Transformação Social. São Paulo - SP: 2007.

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Economia Política

Cartilha: CEPIS - Introdução ao Pensamento Marxista (2004)

O que é o capitalismo?

É um modo de produção historicamente


determinado. Todo modo de produção é um
conjunto articulado de relações sociais. Na
história existiram muitos modos de produção.
Antes do capitalismo existiram outros modos de
produção:
A comunidade primitiva: baseada em
laços de sangue, de parentesco, de língua, de
costumes. Predomina a propriedade
comunitária da terra (quando se supera a etapa
de coleta de frutos e da caça de animais), a
produção e o consumo de autossubsistência –
fundamentalmente sem excedentes – e a
divisão sexual do trabalho. Não existe um
Estado separado da sociedade. Charge. Introdução ao Marxismo.(CEPIS, 2004)
O modo de produção asiático: surge quando já existe um excedente econômico a ser
repartido. Já apresenta um início de poder estatal centralizado que organiza as grandes obras de
irrigação (necessárias na Ásia) e explora de forma autoritária as comunidades rurais apropriando-
se de seu excedente, ainda que mantendo a posse comunitária da terra. Nas civilizações
americanas, pré-colombianas, este modo de produção combinava a propriedade comunal com a
existência de tributo devido ao poder centralizado.
A escravidão: pressupõe (na Grécia e Roma antigas) a produção de um excedente e a
propriedade privada da terra. Baseia-se no emprego de mão de obra escrava ao lado de um
campesinato livre. Pressupõe a separação entre a agricultura e o artesanato. Já existe o Estado
que garante a dominação necessária para o controle dos escravos e a apropriação coercitiva do
excedente. Nos Estados Unidos, por exemplo, durante o século 19 se manteve a escravidão, mas
subordinada completamente ao capitalismo.
O feudalismo: na Europa ocidental, se baseava na servidão da mão de obra empregada
nas grandes extensões territoriais e na pequena produção artesanal nas pequenas cidades que
surgiam; o predomínio da produção de valores de uso sobre os produtos fabricados para o
mercado, e o contrato jurídico entre o senhor e o servo. A propriedade do senhor estava
subordinada por sua vez à hierarquia dos senhores. O senhor feudal é um vassalo do rei. Os
camponeses devem pagar um tributo em espécie ou em dinheiro com o excedente que produzem
na forma privada. Agrupam-se em aldeias.

XI EIV SP 13
Ao longo da história da humanidade, estes modos de produção nunca existiram de forma
“pura”. Cada uma das relações sociais se combina entre si e com outros modos de produção,
ainda que, em cada sociedade concreta, um tipo de relação social termina predominando sobre o
conjunto. Quando o modo de produção capitalista surge e se consolida – principalmente na
Europa ocidental – as relações sociais de capital terminam predominando e subordinando as
relações sociais anteriores. O capitalismo reorganiza a sociedade em novas bases – pela primeira
vez em escala mundial. Este novo tipo de ordem social está baseado fundamentalmente na:
• Produção de mercadorias
• Produção de mais-valia
• Produção (alienada) da subjetividade
• Produção de hegemonia
• Produção de violência sistemática
• Produção e reprodução da relação social do capital

Como era antes do capitalismo?

Nas sociedades anteriores ao capitalismo (feudalismo europeu, modo de produção asiático


ou o modo comunal-tributário da América antes da conquista) existia uma relação direta entre o
ser humano e suas condições de vida. As condições de vida são todas aquelas instâncias que
permitem ao ser humano trabalhar e reproduzir sua vida um dia depois do outro, ano após ano.
Antes do capitalismo, a principal condição de vida era a terra. Assim, a grande maioria do que se
produzia era valor de uso. Sua finalidade era o consumo direto e a sobrevivência, destinado a
satisfazer as necessidades humanas (comida, vestimenta, moradia). Só uma parte pequena era
produzida para o comércio ou as trocas.
Antes do capitalismo, a produção de objetos como valores de troca – quer dizer, como
mercadoria destinada à troca ou ao mercado – era periférica e minoritária. Somente com a
emergência do capitalismo a produção de mercadoria – objetos destinados à troca – se torna
absolutamente predominante sobre outras formas de produção. Do mesmo modo, antes do
capitalismo, o conceito de propriedade expressava uma relação direta entre o ser humano (o
sujeito) e suas condições de vida (o objeto), mediadas pela comunidade.
Para que o capitalismo possa se constituir sobre suas próprias bases é necessário uma
grande soma de dinheiro para se lançar no mercado e obter lucros. Essas imensas somas de
dinheiro provêm da exploração dos trabalhadores e do trabalho não pago apropriado pelos
empresários, banqueiros e latifundiários.
A única fonte de origem desses bens é bem diferente daquelas que as novelas e os contos
infantis nos contam. A primeira acumulação, a originária, a que inicia todo o ciclo de exploração
dos trabalhadores e o enriquecimento do capitalista, não está nem nas suas economias nem no
esforço individual, muito menos na loteria. A origem está na expropriação violenta dos
camponeses, da conquista e do saque do Terceiro Mundo e da ruptura da propriedade (quer dizer,
da ruptura da relação direta entre o ser humano e a terra).

XI EIV SP 14
Esta ruptura e esta expropriação não foram feitas de “comum acordo”. Não houve um
“contrato social” onde todos se puseram de acordo, por consenso, em deixar a posse direta de
suas terras. O que houve foi violência extrema. A sociedade moderna capitalista é filha desta
violência. Não nasceu como produto de livre acordo, mas sim de uma brutal coerção e imposição
capitalista.
Através desta violência extrema (roubos, saques, prisões, massacres, conquistas,
escravização, etc.) a propriedade da terra foi fraturada. Tanto na Europa Ocidental quanto no
Terceiro Mundo. De um lado ficaram os camponeses europeus e os índios americanos. Todos
perderam seu vínculo com a terra. Ficaram pelados e “livres” (livres porque já não tinham acima
deles um senhor feudal – no caso europeu – ou um rei deus – no caso americano – mas também
livres porque não tinham propriedade). Somente ficaram com a “capacidade corporal para
trabalhar” que Marx chama de “força de trabalho”. A existência de força de trabalho “livre” é, então,
um produto artificial – e violento – da história moderna.
Do outro lado, ficaram as terras e as condições materiais de vida (o que Marx chamava de
meios de produção). Como escravos – majoritariamente de origem africana – eram considerados
por seus amos como coisas e objetos, nessa ruptura da propriedade comunitária da terra ficaram
do lado dos meios de produção. No olhar de seus senhores, os escravos não eram mais do que
um tipo especial de “ferramenta”, aquela que fala. No capitalismo, tanto a capacidade humana de
trabalhar, ou força de trabalho, como os meios de produção se transformam completamente em
mercadorias. São comprados e vendidos no mercado.
Então, com a ruptura da propriedade comunitária (entendida como “expropriação”), de um
lado, ficaram os sujeitos e, de outro, o objeto. Entre estes dois polos se colocaram os banqueiros,
os comerciantes e os recém-surgidos empresários, que impunham sua disciplina de ferro. Assim
nasceu a relação social que Marx chamou de “capital”.

O que é o capital?

O capital não é uma coisa, uma soma de “fatores de produção”, uma soma de máquinas e
ferramentas, uma simples soma de dinheiro. O capital é uma relação social de produção que
relaciona, por um lado, os donos do dinheiro e dos meios de produção (previamente expropriados)
e, de outro, os trabalhadores que só são donos de seus corpos, de sua capacidade de trabalhar,
de sua força de trabalho.
Uma vez que a sociedade capitalista se baseia no mercado, e como o mercado implica na
falta de controle dos produtores sobre seus próprios produtos, sobre suas práticas e sobre suas
relações sociais, a sociedade capitalista gera, invariavelmente, alienação e fetichismo.
A alienação se constitui num processo de perda de controle. O que é que se perde no
capitalismo? Perde-se a possibilidade de gerenciar racionalmente a economia tendo como base
as necessidades da imensa maioria da sociedade, e não tomando como base a busca frenética de
lucro para a pequena minoria de empresários.
Perdendo toda a racionalidade, o mercado capitalista fica independente das pessoas,
adquire vida própria e se volta contra as pessoas. Os trabalhadores, que são os criadores da

XI EIV SP 15
sociedade, de suas riquezas e seus valores, terminam submetidos pelo produto de seu próprio
trabalho. Esta inversão, onde as coisas valem mais que o ser humano, se chama alienação.
O fetichismo é o processo de inversão pelo qual os seres humanos e suas relações sociais
se tornam coisas (“coisificação”) e as coisas adquirem características de seres humanos
(“personificação”). Esta inversão entre o sujeito e o objeto, entre as coisas e os seres humanos, é
chamada de fetichismo porque adorar uma coisa consiste, precisamente, em adorar um fetiche
(ídolos, objetos, dinheiro, etc.).
Então, a relação social de capital se constitui como relação social alienada, coisificada e
fetichizada: os meios de vida ganham existência autônoma, e os(as) trabalhadores(as) se
transformam em coisas, são feitos simples mercadorias que se pode comprar e vender no
mercado (ali onde o patrão compra a capacidade de trabalhar em troca de salário), como se fosse
uma mercadoria como outra qualquer.
O capital é uma relação social que “vive”, que tem existência autônoma, é dinheiro que por
si só gera mais dinheiro, graças à exploração produtiva da força de trabalho. Sem esta exploração
não pode crescer. Inclusive quando se deposita uma quantia de dinheiro no banco e, depois de
um mês, este dinheiro aparentemente “cresceu” sozinho, na realidade, este “crescimento” provém
do outro lado. O lucro bancário – a forma mais enganosa de capital, pois aparenta “crescer”
sozinho, sem trabalho operário – não tem vida própria. Seu “crescimento” tem sua origem no
trabalho não pago dos trabalhadores da indústria, parte que os industriais dão aos banqueiros sob
a forma de lucro pelo dinheiro que os banqueiros haviam emprestado.
Um exemplo: os capitalistas pagam, na forma de salário, somente uma parte do trabalho
incorporado pelos trabalhadores nas mercadorias. Toda uma parte do trabalho, realizado e
incorporado que concretiza a mercadoria (que é vendida no mercado) “não entra” no cálculo do
valor que o capitalista paga ao trabalhador, por ter utilizado sua capacidade de trabalhar. Essa
parte que “não entra”, mas que foi realizada é a mais-valia, o núcleo do lucro empresarial.
Dentro desta compreensão de trabalho explorado, que alimenta o lucro empresarial, não
está somente o trabalho não pago realizado pelo trabalhador ou trabalhadora no espaço da
fábrica ou da empresa. Também existe outro trabalho não pago… Menos “visível” que o trabalho
nas fábricas, mas não menos explorado pelo sistema capitalista.
O trabalho realizado em casa para que cada trabalhador e trabalhadora e sua família
possa comer a cada dia, possa vestir-se e possa voltar no dia seguinte para ser explorado na
empresa, também é trabalho não pago. É chamado trabalho doméstico – serve para manutenção
e reprodução da prole. Na sociedade capitalista, machista e patriarcal, esse trabalho doméstico é
basicamente realizado pelas mulheres.
Essa é uma das muitas razões pelas quais o sistema capitalista precisa reproduzir no
plano da subjetividade e das relações de gênero as normas e condutas de submissão patriarcal,
culturalmente consideradas “normais” e “naturais”.
O capitalismo é um sistema de exploração que, necessariamente, se alimenta de diversas
dominações justapostas e combinadas. A exploração das mulheres – duplamente exploradas:

XI EIV SP 16
como trabalhadoras na empresa e como trabalhadoras no espaço doméstico – é um dos
instrumentos fundamentais para a reprodução do capital. A dominação da mulher se encontra no
coração mesmo da sociedade e do sistema capitalista e de sua reprodução.
Homens e mulheres, capitalistas e trabalhadores, constituem grandes aglomerados de
pessoas que se denominam classes sociais. As classes sociais se definem pela posse ou não dos
meios de produção e por sua experiência de luta e consciência de classe. A classe operária, a
classe genuinamente revolucionária da sociedade moderna, se constitui como tal, na medida em
que toma consciência que foi expropriada e consciência de seu antagonismo e contradição com
seu inimigo, a classe capitalista. Essa consciência nunca surge automaticamente. É produto do
conflito e da confrontação. Assim se forma e se desenvolve a história.
No capitalismo, a força de trabalho produz mais valor do que ela mesma vale. O valor da
força de trabalho equivale à soma total dos valores de todas as mercadorias necessárias para que
a família trabalhadora subsista e a pessoa assalariada possa voltar a trabalhar, no mês seguinte.
O preço do que vale a mercadoria força de trabalho tem um nome: salário. No capitalismo (mesmo
com variações) o salário sempre é menor que o valor total do que produz a força de trabalho. A
diferença entre o valor de tudo o que se produz e o valor de tudo que se paga em salários, tem
outro nome: mais-valia.
A mais-valia é a expressão do trabalho excedente que na sociedade capitalista os
trabalhadores realizam. A mais-valia expressa aquele trabalho que o patrão não paga. Mas não é
um “roubo”, ou, em todo caso, é um roubo absolutamente legal. A mais-valia é um trabalho não
pago. Essa é a fonte autêntica do lucro empresarial. O lucro não provém de “comprar barato e
vender mais caro”, mas sim da exploração do trabalho não pago realizado pela força de trabalho e
apropriado pelos patrões.
Quando a mais-valia e o lucro que os patrões extraem dos trabalhadores são gastos em
objetos de consumo supérfluos e luxuosos – típicos da vida burguesa – não são reinvestidos na
produção. Nesse caso a mais-valia e o lucro se destinam ao crédito. Mas se o trabalho não pago
obtido pela exploração dos trabalhadores volta a ser investido, nesse caso o que existe é
acumulação.
A acumulação consiste no reinvestimento da mais-valia no processo produtivo. Assim se
incrementa o valor do capital inicial por meio da transformação da mais-valia em capital adicional.
O empresário que não acumula, a longo prazo, não pode competir com outros empresários e
quebra. Para além das boas ou más intenções de cada patrão ou do que deseja fazer com seu
capital particular, a lógica capitalista de toda a sociedade é comandada pela acumulação,
concentração e centralização do capital. A centralização do capital consiste na fusão de vários
capitais sob um controle comum (em geral, o mais poderoso). O peixe grande come o peixe
pequeno. O empresário mais poderoso engole o empresário pequeno. Esta é uma tendência de
toda a sociedade capitalista. A concentração do capital – ou acumulação – consiste no
crescimento do valor do capital em cada uma das empresas capitalistas como resultado da
acumulação e da concorrência.

XI EIV SP 17
Como a fonte de lucro capitalista surge da exploração do trabalhador, a relação social do
capital não é harmônica. Muito menos pacífica. Existe uma tensão interna, uma contradição que
atravessa esta relação. A relação entre a classe capitalista e a classe trabalhadora é contraditória.
Esta é a base da luta de classes.

Toda a história da humanidade não é mais do que a história da luta de classes

Sem esta luta não haveria história. Estaríamos iguais há milhares de anos. A luta de
classes não é uma luta pessoal entre indivíduos. Não depende da bondade ou maldade de um
patrão individual (ou de suas pretensões pessoais). É o conjunto da classe capitalista que tem
interesses contraditórios ao conjunto da classe trabalhadora. A luta de classes se expressa tanto
no nível econômico, como no político e no ideológico. Nos momentos de crise aguda, a luta de
classes se expressa no plano político militar. É o momento mais agudo da luta, o da guerra civil
entre as classes sociais. De acordo com o método dialético, a contradição está no próprio coração
da sociedade de classes. A luta entre as classes não é um “acidente”.
O modo de produção capitalista está atravessado por múltiplas contradições. Uma das
principais consiste nas forças produtivas cada vez mais sociais enquanto as relações sociais de
produção são cada vez mais privadas e concentradas.
As forças produtivas são constituídas pelos instrumentos de trabalho, a tecnologia, os
meios técnicos e a própria habilidade da classe trabalhadora. Marx afirma, em seu livro A miséria
da filosofia (1847), que: “A existência de uma classe oprimida é a condição vital de toda a
sociedade fundada na contradição de classes.” A emancipação da classe oprimida implica, pois,
necessariamente, na criação de uma sociedade nova. Para que a classe oprimida possa libertar-
se, é preciso que as forças produtivas já adquiridas e as relações sociais vigentes não continuem
existindo umas ao lado das outras.
De todo os instrumentos de produção, “a força produtiva maior é a própria classe
revolucionária”. As relações sociais de produção são aquelas relações que os seres humanos
estabelecem entre si para reproduzir suas vidas trabalhando sobre a natureza. As diversas épocas
históricas e os diversos modos de produção se distinguem entre si, fundamentalmente, pelo tipo
de relações sociais que predomina em cada época.
A contradição antagônica e a luta entre as classes (entre quem produz cada vez mais de
forma social e aqueles que se apropriam cada vez mais de forma privada) estão aninhadas no
coração da sociedade capitalista. A dinâmica da acumulação não é independente desta
contradição de classes. Assim, a base do lucro não é “economizar”, nem os ricos são ricos por
“esforço”. A base da riqueza e da acumulação é a violência e a exploração de uma classe sobre a
outra. Ambas só são entendidas a partir de sua própria história (que os ideólogos capitalistas
tentam ocultar sistematicamente com suas narrativas infantis).
A base da sociedade capitalista é a exploração e a dominação de uma classe sobre a
outra. Não há um capitalismo “bom” e um capitalismo “mau”, um capitalismo “puro” e um
capitalismo “impuro”, um capitalismo “humano” e um capitalismo “desumano”.

XI EIV SP 18
O capitalismo é um só: um pequeno setor – cada vez mais minoritário – que vive à custa
da imensa maioria dos povos do mundo. Sem esta relação de dominação e exploração o
capitalismo não poderia sobreviver. Mesmo que, à primeira vista, o capitalismo gere caos e
desordem (os capitalistas competem entre si, há crises, há desperdício de trabalho social,
guerras, etc.), na realidade este tipo de organização social tem uma lógica bem precisa: o
capitalismo gera sempre mais capitalismo. Por isso, o capitalismo gera sempre novas relações
sociais. Não de nenhum tipo, mas sempre capitalistas. O capitalismo se autoproduz, volta a
produzir-se diariamente, se reproduz.

Por que o capitalismo se reproduz?

Porque a sociedade capitalista está organizada, de tal maneira, que, de um lado, se


acumulam todas as riquezas, os capitais e os valores produzidos pelo conjunto dos trabalhadores
de todos os países e, de outro, se acumula miséria, fome, desnutrição e analfabetismo dos povos.
A minoria cada vez mais tem mais, a maioria cada vez mais tem menos. Isso não é um “acidente”
ou uma casualidade que logo será superada, como dizem os meios de comunicação... Isto é a
essência do sistema.
Este fenômeno não depende das boas ou más intenções dos empresários, da decência ou
da corrupção dos políticos burgueses que os representam, nem do profissionalismo ou do
golpismo dos militares que os defendem. Para além das intenções pessoais de empresários,
políticos, burgueses e militares, a lógica do sistema capitalista gera essa polarização. Isto
repercute sobre o conjunto da vida social.
O capitalismo é, além disso, um tipo de sociedade onde predomina a quantidade sobre a
qualidade; as mercadorias e o capital sobre as pessoas; o mercado e as trocas sobre a razão e o
amor; o frio interesse material sobre a ética e os valores; o cálculo sobre a amizade e o fetiche do
dinheiro sobre os seres humanos. Tudo se compra. Tudo se vende. Tudo tem um preço! O
capitalismo rompe todos os preconceitos e sentimentalismo das sociedades anteriores (como a
sociedade medieval) e os reduz a uma fórmula única: a do DEVE e do HAVER. Cada pessoa vale
de acordo com o que tem. O dinheiro se converte em Deus todo-poderoso deste tipo de
sociedade.
O capitalismo sempre foi assim. Não é que “agora funciona mal”. Foi assim, desde seu
início. Mas, a partir da última década do século 20, este tipo de organização social experimentou
uma violenta expansão. Devorou todo o globo! Mesmo tendo desde sua origem uma estrutura de
sistema mundial, a partir da década de 90 o mercado mundial arrastou em sua corrente todas as
sociedades nacionais.
A luta atual dos trabalhadores contra os patrões não se origina na “inveja” ou no
“ressentimento”. Os trabalhadores lutam contra o capitalismo porque a única maneira de viver
melhor pressupõe acabar com este tipo de sociedade. Enquanto um trabalhador consegue subir
na vida porque ganha na loteria ou porque seu filho se tornou um ídolo do futebol ou do boxe;
enquanto uma empregada consegue subir na vida casando-se com o patrão – casos

XI EIV SP 19
extraordinariamente raros e excepcionais – milhões seguem afundados no pântano da miséria e
da exploração.
A única saída é coletiva! Não virá das “boas intenções” ou dos “bons sentimentos” de um
patrão que “se importa com seu país”. Também não dependerá da sorte individual. Dependerá da
luta de classes dos trabalhadores de todo o mundo. A luta de classes contra o capitalismo é uma
luta por toda a humanidade.

KOHAN, N. INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO MARXISTA (GUIA DE ESTUDO). São Paulo - SP:


CEPIS, 2004.

XI EIV SP 20
Reforma Agrária Popular

Jornada Nacional de Luta Pela Reforma Agrária (MST, 2016)

ADAPTAÇÃO – CARTILHA DO SETOR DE FORMAÇÃO MST/SP

Contextualização da Questão Agrária

O Brasil é um dos países com maior concentração de terras do mundo. Em nosso território,
estão os maiores latifúndios. Concentração e improdutividade possuem raízes históricas, que
remontam ao início da ocupação portuguesa deste território no século XVI. Combinada com a
monocultura para exportação e a escravidão, a forma de ocupação de nossas terras pelos
portugueses estabeleceu as raízes da desigualdade social que atinge o Brasil até os dias de hoje.
Em 1850, mesmo ano da abolição do tráfico de escravos, o Império decretou a lei
conhecida como Lei de Terras, que consolidou a perversa concentração fundiária. É nela que se
encontra a origem de uma prática trivial do latifúndio brasileiro: a grilagem de terras – ou a
apropriação de terras devolutas através de documentação forjada – que regulamentou e
consolidou o modelo da grande propriedade rural e formalizou as bases para a desigualdade
social e territorial que hoje conhecemos.
Nos países centrais do sistema capitalista, a democratização do acesso à terra, a reforma
agrária, foi uma das principais políticas para destravar o desenvolvimento social e econômico,
produzindo matéria prima para a nascente indústria moderna e alimentos para seus operários. No
Brasil, nem mesmo as transformações políticas e econômicas para o desenvolvimento do
capitalismo foram capazes de afrontar a concentração de terras.
Desde meados do século XX, novas feições e formas de organização foram criadas na luta
pela terra e na luta pela reforma agrária. Nas diferentes regiões do país, contínuos conflitos e
eventos formaram o campesinato no princípio da segunda metade do século. Assim como todo o
povo brasileiro, eles foram privados de seus direitos de organização, reunião e manifestação
quando teve início a ditadura militar, a partir de 1964. Os militares colocaram um fim ao importante
movimento de lutas sociais, no campo e na cidade, que reivindicava a reforma agrária como forma
de favorecer o desenvolvimento capitalista brasileiro. Isto porque a grande concentração de terras

XI EIV SP 21
nas mãos de poucos no Brasil criava uma enorme desigualdade social e dificultava o
desenvolvimento da indústria.
A ampla distribuição de terras deveria manter o camponês no campo, a fim de produzir
alimentos baratos para os trabalhadores da cidade, rebaixando o custo de vida e permitindo o
crescimento da indústria. Com isso, a indústria teria um importante mercado consumidor entre os
trabalhadores para seus produtos, tanto na cidade, como no campo. O trabalhador da cidade
gastaria pouco do seu salário com alimentação e poderia comprar os produtos da indústria,
ajudando a desenvolvê-la. E o camponês teria renda, obtida pela venda de sua produção na
cidade, para também comprar os produtos da indústria que crescia na cidade.
A ditadura implantou um modelo agrário mais concentrador e excludente, instalando uma
modernização agrícola seletiva, que excluía a pequena agricultura, impulsionando o êxodo rural, a
exportação da produção, o uso intensivo de venenos e concentrando não apenas a terra, mas os
subsídios financeiros para a agricultura.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) é filho das lutas pela
democratização da terra e da sociedade. No final da década de 1970, quando as contradições do
modelo agrícola se tornam mais intensas e sofrem com a violência de Estado, ressurgem as
ocupações de terra.

Histórico de lutas e o MST

Ao longo do tempo foram muitas as lutas por terra realizadas pelos indígenas, escravos
negros, trabalhadores e trabalhadoras. No século XX, alguns movimentos foram muito importantes
como as Ligas camponesas, a ULTAB (União dos Lavradores e trabalhadores agrícolas do Brasil),
MASTER (Movimento dos Agricultores Sem Terra). O MST bebeu da fonte da experiência, formas
de luta e organização de todos esses movimentos. No começo da década de 1980, mesmo com a
repressão da Ditadura Militar, foram organizadas muitas manifestações e mobilizações exigindo
transformações políticas e sociais no país. A ocupação de terra foi uma ferramenta importante
nessa movimentação.
Em setembro de 1979, centenas de agricultores ocupam as granjas Macali e Brilhante, no
Rio Grande do Sul. Em 1981, um novo acampamento surge no mesmo estado e próximo dessas
áreas: a Encruzilhada Natalino, que se tornou símbolo da luta de resistência à ditadura militar
agregando, em torno de si, a sociedade civil que exigia um regime democrático. Em todo o país,
novos focos de resistência à ditadura das armas e das terras surgiram: posseiros, arrendatários,
assalariados, meeiros, atingidos por barragens.
Em 1984, os trabalhadores rurais que protagonizavam essas lutas pela democracia da
terra e da sociedade convergem em um encontro nacional, em Cascavel, no Paraná. Ali, decidem
fundar um movimento camponês nacional, o MST, com três objetivos principais: lutar pela terra,
lutar pela reforma agrária e lutar por mudanças sociais no país.
Ao observar o fortalecimento das lutas, os latifundiários começaram a se organizar e
criaram em 1985 a UDR (União Democrática Ruralista). Esse processo resultou em muita
violência no campo: são 137 assassinados, 188 ameaças, 30 mortos sem especificação precisa

XI EIV SP 22
do motivo, mais 8 desaparecidos, 334 presos e 190 feridos e torturados, números que
continuaram crescendo nos anos seguintes. As mortes alcançaram os apoiadores da Reforma
Agrária que, por ajudarem os trabalhadores/as, sofreram ameaças e foram brutalmente
assassinados, como foi o caso do padre Josimo em Imperatriz (Maranhão).
O país vivia um período de esperança com o primeiro presidente civil em 21 anos. O Plano
Nacional da Reforma Agrária (PNRA) de 1985 previa dar aplicação rápida ao Estatuto da Terra e
assentar 1,4 milhão de famílias. O plano, porém, fracassou.
Até 1993, quando foi regulamentada a Lei Agrária, não foi possível realizar
desapropriações para fins de reforma agrária. Até 1989, apenas 82.690 famílias haviam sido
assentadas, ou seja, 6% do total previsto pelo plano. Em 1990, teve início o governo de Fernando
Collor de Mello, que foi caracterizado por uma forte repressão. Foi durante o governo do seu vice,
Itamar Franco, que foi aprovada a Lei Agrária (Lei 8.629), na qual as propriedades rurais foram
reclassificadas com a regulamentação da Constituição. Com isso, não havia mais vieses jurídicos
que impossibilitassem as desapropriações.
Sob o primeiro mandato do governo Fernando Henrique Cardoso (1994-1998), além do
aumento do êxodo rural (provocado pela ação dos bancos contra pequenos agricultores
endividados), o Brasil testemunhou também os dois maiores massacres da segunda metade do
século XX: Corumbiara (1995), em Rondônia, e Eldorado dos Carajás (1996), no Pará.
No mesmo período, foram criadas duas medidas provisórias persecutórias a quem
ocupava terras e implantado o Banco da Terra, uma política de crédito para compra de terras e
criação de assentamentos em detrimento das desapropriações. Foram destruídas as políticas de
crédito especial para a reforma agrária e assistência técnica criadas durante o governo José
Sarney (1885-1990), prejudicando as famílias assentadas e intensificando o empobrecimento.
Embora FHC tenha propagandeado que realizou a maior reforma agrária da história do
Brasil, seu governo nunca possuiu um projeto de reforma agrária real. Durante os dois mandatos,
a maior parte dos assentamentos implantados foi resultado de ocupações de terra. Todavia, o
número de assentamentos implantados foi diminuindo ano a ano.

A hegemonia do agronegócio

Na década de 1990, os agronegócios foram impulsionados pelos governos de Fernando


Henrique Cardoso, que promoveu um conjunto de mudanças na economia e na estrutura do
Estado, a fim de torná-los um setor estratégico para o Brasil. Isto contribuiu para que as empresas
transnacionais, como Monsanto, Bunge, Dreyfus, Cargill, etc., passassem a controlar a produção
de sementes transgênicas, fertilizantes químicos, agrotóxicos, máquinas e implementos agrícolas
e uma forma de produção cada vez mais dependente do capital financeiro, na forma de crédito
rural, para financiar o acesso aos insumos.
Os empresários capitalistas brasileiros e do exterior, conjuntamente e com forte apoio do
Estado passaram a priorizar os investimentos na produção de soja, milho, cana-de-açúcar,
eucalipto. Para se ter ideia, segundo dados do Censo de 2006, do IBGE, os grandes e médios
proprietários que representam o agronegócio controlavam 85% das terras e praticamente toda a

XI EIV SP 23
produção de commodities (milho, soja, cana, etc.). Houve, ainda, um processo de
desnacionalização da propriedade da terra, ou seja, o capital transnacional também veio
comprando terras no Brasil.
Este modelo de produção da agricultura adotado pelo agronegócio é altamente
dependente de agroquímicos, fazendo do Brasil o maior consumidor mundial de agrotóxicos,
gerando vários problemas para o meio ambiente e para a saúde humana. A quantidade de
pesticidas usados por área plantada no país mais que dobrou entre o ano de 2000 e o ano de
2012, passando de 3 quilogramas por hectares para 7 quilogramas por hectare. Cada brasileiro
consome, em média, quase 7 litros de agrotóxicos por ano. E inúmeras pesquisas têm mostrado,
que o alto consumo de agrotóxicos está associado a doenças como câncer e microcefalia, por
exemplo. Isto porque o agronegócio não consegue produzir alimentos saudáveis. E a produção da
monocultura acaba com a biodiversidade.
Além disso, o agronegócio não gera empregos e àqueles que gera são, na maioria das
vezes, de baixa remuneração. Ou seja, além de expulsar o trabalhador do campo o agronegócio
também é gerador de desemprego. Tudo isso, nos impõem a necessidade de refletirmos sobre
que tipo de reforma agrária é capaz de enfrentar os problemas da classe trabalhadora gerados
pela hegemonia do agronegócio no campo. É nesse sentido que nosso Movimento vem propondo
a reforma agrária popular, como forma de enfrentar a questão agrária brasileira e os problemas
atuais gerados pelo agronegócio, como veremos no texto a seguir.

Sobre o programa agrário do MST e seus desafios

Até o golpe militar de 1964, nossa questão agrária era definida, basicamente, pela
existência do latifúndio no Brasil, da grande concentração de terras nas mãos de poucos
proprietários, da produção de monocultura voltada para a exportação, pelo trabalho não-
qualificado e mal remunerado e, muitas pelas, pelo trabalho escravo. Mas depois da década de
1970, estes problemas agrários ficaram mais graves e outros problemas surgiram, como: o
domínio da agricultura pelo capital financeiro; o uso intensivo de tecnologias, sementes
transgênicas, agrotóxicos; a redução drástica da utilização de força de trabalho; a degradação
mais rápida da força de trabalho empregada na agropecuária e a devastação mais intensa da
natureza.
Esses movimentos da história levou o MST a perceber que seu programa de reforma
agrária carecia de mudanças para dar conta dos problemas enfrentados pela classe trabalhadora
no campo e daqueles trabalhadores que estão na cidade e querem viver e trabalhar na terra. Em
2014, durante o VI Congresso Nacional, o MST aprovou o Programa de Reforma Agrária Popular.
Em primeiro lugar, o Movimento entende que nossa reforma agrária não pode ser de tipo
clássica, ou seja, da mesma maneira como ocorreu nos países mais desenvolvidos do capitalismo
mundial. Naqueles países, como foi o caso da Inglaterra, da França, Holanda, entre outros, a
reforma agrária aconteceu quando o capitalismo ainda estava começando a se desenvolver.
Portanto, a reforma agrária, como um grande programa de distribuição de terras, contribuiu para
um maior e melhor desenvolvimento do capitalismo. No Brasil, o capitalismo se desenvolveu sem

XI EIV SP 24
qualquer reforma agrária. Desse modo, seu programa não pode ser apenas a distribuição de
terras. Tem que ir além.
Em segundo lugar, o Movimento também considera que nosso programa de reforma
agrária não pode ser socialista, por enquanto. E por uma razão muito simples: uma reforma
agrária socialista tem ser casada com um processo revolucionário, que não é o que temos hoje no
Brasil. Embora um dos objetivos de nosso Movimento seja a luta pelo socialismo, não estamos
vivendo nenhum processo revolucionário atualmente. Dessa forma, nossa proposta atual de
reforma agrária deve contribuir para que possamos acumular forças para lutar pelo socialismo.
Por isso, o programa da reforma agrária popular vai muito além da reforma agrária clássica e
busca criar condições para a luta pelo socialismo.
Seus objetivos principais são: (a) eliminar a pobreza; (b) combater a desigualdade e todas
as formas de exploração dos camponeses e a degradação da natureza; (c) garantir trabalho e
educação para todas as pessoas que vivem no campo; (d) garantir a soberania alimentar de toda
população brasileira; (e) garantir a participação igualitária das mulheres que vivem no campo em
todas as atividades, especialmente no acesso à terra; (f) preservar a biodiversidade vegetal,
animal e cultural de cada região do Brasil; (g) garantir condições de melhoria de vida para todas
as pessoas. Mas para atingir esses objetivos, temos muitos desafios.
Alguns deles são: garantir que a propriedade, a posse e o uso da terra, assim como a água
e os recursos naturais e ecológicos estejam subordinados aos interesses do povo brasileiro, para
atender às necessidades de toda a população; orientar a produção agrícola com prioridade
absoluta para a produção de alimentos saudáveis, organizando a produção com base em todas as
formas de cooperação agrícola, rompendo a monocultura e organizando agroindústrias sob o
controle dos trabalhadores; criar um sistema de planejamento de tecnologias, livres de
propriedade intelectual e patentes, orientadas pelo enfoque ecológico e participativo e desenvolver
programas massivos de formação em agroecologia em todos os níveis, disseminando e
massificando a agroecologia como alternativa às sementes transgênicas, fertilizantes químicos e
agrotóxicos; lutar pelo acesso à educação, acesso a bens culturais e pela construção de escolas
de qualidades em nossos assentamentos; garantir infraestrutura social para toda a população do
campo, como o desenvolvimento de programas de moradia no meio rural, conjugado com acesso
à energia elétrica, água potável e transporte público de qualidade; entre outros.

Violência sem fim contra os sem-terra

O ano era 1996. Em abril, 19 trabalhadores rurais sem-terra foram assassinados pela
Polícia Militar do Pará enquanto realizavam uma marcha pacífica, no conhecido Massacre de
Eldorado dos Carajás. Dois anos depois, no mesmo estado, os camponeses Fusquinha e Doutor
também foram vítimas da violência do latifúndio.
Em 2007, o trabalhador rural Eli Dallemole, 42 anos, foi executado dentro de sua própria
casa, no Paraná. Meses antes, Valmir Mota de Oliveira, militante do MST, morreu depois de levar
dois tiros no peito durante ataque de uma empresa de segurança privada, contratada por uma
transnacional do agronegócio, a Syngenta.

XI EIV SP 25
Os episódios de violência no campo não estão no passado. Infelizmente, ainda são uma
realidade em todas as regiões de nosso país. Violações contra trabalhadores rurais, ameaças,
despejos e mortes fazem parte da realidade do pequeno agricultor brasileiro. Os números
desenham um quadro pavoroso: segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), foram
assassinados 1.469 trabalhadores rurais entre 1985 e 2009.
A certeza da impunidade e a lentidão da Justiça contribuem ainda mais para a manutenção
desta realidade. Do total de 1.469 assassinatos no meio rural, apenas 85 casos foram julgados e
somente 19 mandantes receberam condenações. Os responsáveis pelo Massacre de Eldorado de
Carajás, por exemplo, ainda estão impunes.
Ao passo em que é lento para julgar os crimes contra os trabalhadores e trabalhadoras, o
Judiciário é ágil para atender as demandas dos proprietários. É bastante eficiente para expedir
liminares de reintegração de posse de áreas ocupadas, que se transformam em sentenças
arbitrárias. Isso abre o caminho para a violência policial e a ação das milícias privadas.
A maioria dos trabalhadores e trabalhadoras assassinados nos últimos 30 anos vivia na
região Norte. Foram vítimas da violência de latifundiários e do Estado contra ações de ocupação
de terra. Muitos foram expulsos por grileiros de suas pequenas posses. Dados revelam que o
avanço do agronegócio sobre o Cerrado e a Amazônia implica o aumento dos índices de
assassinatos – historicamente atribuídos aos estados do Pará e do Mato Grosso.
A criminalização de movimentos sociais é um método de repressão e desmoralização
utilizado contra os trabalhadores e trabalhadoras rurais que lutam pela reforma agrária no Brasil.
O Poder Judiciário brasileiro muitas vezes enquadra o MST no direito criminal e pouco leva em
consideração o fato de que suas ações são reivindicações previstas na Constituição Federal -
como é o caso da luta pelo acesso à terra.
Outra frente de criminalização é a batalha travada pela mídia, que divulga ideias parciais e
distorcidas – até mentirosas – sobre movimentos sociais e a classe trabalhadora em geral, que
luta no campo e na cidade. A violência no campo é a faceta mais cruel da realidade fundiária em
nosso país. Por isso, o fim das mortes, ameaças e agressões contra trabalhadores sem-terra
depende, inevitavelmente, da realização da reforma agrária.

Desafios

Nossas propostas estão organizadas em torno da democratização da terra, da garantia do


acesso à água para toda a população, da organização da produção agrícola para alimentos sadios
e de qualidade.
Além disso, esse programa prevê a consolidação da matriz agroecológica, um processo de
industrialização no campo que desenvolva agroindústrias sob controle dos camponeses, o
desenvolvimento da infraestrutura social nas comunidades rurais, o direito à educação do campo
e uma política agrícola que incentive e qualifique a agricultura camponesa.
Para isso, a realização desta Reforma Agrária Popular exigirá do MST capacidade de
construir alianças com os trabalhadores urbanos, explicando à sociedade nosso projeto e
construindo bandeiras de lutas comum.

XI EIV SP 26
A reforma agrária é impossível sem que seja dessa forma, pois o projeto dos trabalhadores
e o do capitalismo não é conciliável. A luta pela reforma agrária passa a ser mais que a luta pela
terra, mas também a luta pela defesa da natureza, pelo controle do território e a luta contra o
grande capital.

http://www.mst.org.br/jornada-nacional-de-luta-por-reforma-agraria/. Disponível em:


<http://www.mst.org.br/jornada-nacional-de-luta-por-reforma-agraria/>. Acesso em: 13 dez. 2017.

MST. II Encontro Nacional de Educadoras e Educadores da Reforma Agrária - Programa


Agrário do MST VI Congresso Nacional do MST – Fevereiro de 2014. 1. ed. São Paulo - SP:
SECRETARIA NACIONAL DO MST, 2014.

SETOR DE FORMAÇÃO MST/SP. Formação Política de Base. Movimento dos Trabalhadores


Rurais Sem Terra (MST).

XI EIV SP 27
Projeto energético popular

Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Fonte: http://www.mabnacional.org.br/noticia/atual-modelo-energ-tico-brasileiro

Gilberto Cervinski

O atual Modelo Energético Brasileiro

O conceito de Modelo Energético tem significados diferentes para atores situados em polos
antagônicos. Para nós, Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), "modelo" significa a
Política Energética necessária ao desenvolvimento das forças produtivas que sirva ao conjunto da
nação, com respeito ao meio ambiente e à soberania nacional. No entanto, para os setores que
controlam a energia no Brasil, Modelo Energético refere-se às fontes/matrizes de produção da
energia, porque esses setores já têm clara a finalidade da energia: responder à demanda do
mercado, à voracidade das grandes corporações que controlam a indústria de eletricidade, à
indústria eletro-intensiva e no aumento da produtividade a qualquer preço.
É inegável que a energia é a locomotiva do desenvolvimento das forças produtivas e que o
resto é vagão. Sua importância estratégica está relacionada à produção de valor na sociedade
capitalista. Na sociedade atual, a energia é central para reprodução do capital, pois é utilizada
como forma de acelerar a produtividade do trabalho dos trabalhadores.
Há concordância que a energia é necessária na geração da riqueza, que a cadeia
produtiva de energia cria empregos e que a energia possibilita o bem estar das pessoas. Também
é evidente que a produção de energia pressupõe fontes para a sua geração e que hoje, nas atuais
condições de produção, a hidro tem sido a tecnologia “mais eficiente” quando comparada com as

XI EIV SP 28
demais fontes de produção de eletricidade. Ao ressaltar esses argumentos, no entanto, aqueles
que controlam o setor omitem para quê e para quem ele é planejado.
O atual modelo energético, de padrão e herança autoritária, tecnocrática e neoliberal está
a serviço das corporações transnacionais e seu modelo de desenvolvimento. O bem público serve
aos interesses de uma minoria, com predomínio do setor financeiro e seus mecanismos. Esse
modelo afeta enormemente as populações, na cidade e no campo, além de precarizar o trabalho
no setor (terceirização), utilizar os trabalhadores das obras na condição de semiescravidão,
repassar toda conta às residências e produzir impactos socioambientais no nível local, regional e
até internacional.
A energia é vista como mercadoria e não como bem público. Assim se produzem graves
injustiças. Essa lógica, que persiste na geração, transmissão e distribuição da energia, não se
preocupa com a sustentabilidade social e ambiental, apenas com o "progresso" econômico
medido pelo rendimento final e fantasiado na renda per capita que esconde quem se apropria da
riqueza. Mais: a atual política energética, em nome do desenvolvimento, avança sobre um
patrimônio que pertence também às futuras gerações, pois exportar nossos recursos a países
ricos é eticamente um assalto às novas gerações.
Atualmente, quem controla a energia é o capital internacional especulativo, são
transnacionais que controlam o setor elétrico nacional e se apropriam dos resultados.
Corporações mundiais como a Suez Tractebel, AES, Odebrecht, Queiroz Galvão, Iberdrola, Vale,
Alcoa, Billiton, Alstom, Siemens, etc. Este controle veio a partir das privatizações dos anos 90 e
segue nos dias atuais. Atualmente, até mesmo as estatais estão nas mãos do capital privado: 60%
da Eletrobrás; 80% da CEMIG; 65% da Cesp.
As estruturas de Estado estão capturadas pelas empresas privadas. As agências
reguladoras, Ministério de Minas e Energia, Empresa de planejamento e até as estatais estão à
serviço dos empresários. Foram criadas várias leis e estruturas de Estado que tentam despolitizar
o debate da energia, como se fossem questões “técnicas e neutras”. A ANEEL, agência
reguladora de finalidade e comportamento questionáveis, é parte de uma estratégia e instrumento
para servir aos empresários. É o centro onde se legaliza o modelo.
O BNDES é o principal financiador das usinas, repassando dinheiro público para as
transnacionais, enquanto que estatais são proibidas de ter a maioria das ações nas usinas. Dessa
forma, as estruturas de Estado se comportam contra os interesses sociais.
A mercantilização da energia, através do modelo privado, transformou a energia no
principal negócio dos setores privados. Foi implementado um sistema de tarifas que simula uma
falsa concorrência. As tarifas foram internacionalizadas, os preços da eletricidade brasileira
passaram a ser vinculados ao custo da energia térmica. Nossas tarifas foram elevadas a
patamares internacionais, longe da realidade dos custos de produção de nosso país. Atualmente a
energia no Brasil é 25% mais cara que na França, onde 76% da matriz é nuclear, ou seja, com
custo de produção muito mais alto.

XI EIV SP 29
A venda da energia elétrica se transformou no principal negócio deste setor, porque agora
o lucro dos empresários que controlam a energia não vem só da exploração dos eletricitários, mas
de 60 milhões de residenciais. As residências pagam a conta. Enquanto isso, os grandes
consumidores (livres) recebem energia barata, para produzir eletro-intensivos e exportar, sem
pagar imposto algum, porque são isentos pela lei Kandir. Para mudar o modelo, é necessário
mudar o sistema de tarifas.
Os trabalhadores do setor são altamente produtivos e explorados. Para se ter uma ideia,
os trabalhadores da AES Tietê produziram em 2012, cerca de R$ 2,3 milhões de lucro/trabalhador.
Está em curso uma intensificação da exploração sobre os eletricitários. As empresas
privadas e estatais estão buscando rebaixar os ganhos dos trabalhadores aos patamares mais
baixos mundialmente. Está ocorrendo um intenso processo de reestruturação do trabalho para
aumentar a produtividade, através de demissões, terceirizações, precarizações e aumento de
jornada, além da incorporação de novas tecnologias que aceleram a obsolescência programada.
Isso reflete diretamente na qualidade dos serviços de energia.
A riqueza extraordinária gerada na energia, nas diferentes áreas, não tem sido revertida
em benefício prioritário ao povo brasileiro. O que constatamos são remessas cada vez maiores de
lucro aos acionistas, enquanto o serviço púbico e a situação dos trabalhadores se deteriora cada
vez mais. Os lucros são extraordinários e tudo é enviado através de remessas de dividendos
(100%). A AES Tietê tem lucro médio de 43,5%. Cinco empresas (AES Eletropaulo e Tietê, Suez
Tractebel, Cemig e CPFL) tiveram, nos últimos 7 anos, lucro total de R$ 45,7 bi e remeteram R$
40,7 bi a seus acionistas.
Os rios são o território mais desejado e disputado pelas transnacionais que controlam a
indústria de eletricidade. Como a energia hídrica é a tecnologia mais rentável comparada às
demais fontes, aumenta a disputa mundial para controlar os melhores locais e extrair os
excedentes. Nosso território é foco de disputa internacional do capital, pois concentra as principais
reservas estratégicas de “base elevada de produtividade natural”. O Brasil possui as maiores e
melhores reservas de rios e água para geração de eletricidade, 260 mil MW de potência, dos
quais só 30% foram utilizados até agora. A América Latina tem potencial de 730 mil MW.
Entendemos que o problema central na energia é a política energética. O modelo
energético. Não queremos discutir somente a matriz, apesar de sua importância. Atuar na política
energética pressupõe incidir decisivamente no planejamento, na organização e controle da
produção e distribuição da energia, da riqueza gerada e no controle sobre as reservas
estratégicas de energia de base de elevada produtividade natural.
O Lema do Encontro Nacional do MAB, “Água e energia com soberania, distribuição da
riqueza e controle popular”, representa a síntese do projeto que defendemos para a energia.

A política energética nacional

É inegável que a energia é a locomotiva do desenvolvimento das forças produtivas. Sua


importância estratégica, no atual modo de produção, está relacionada à produção de valor nos

XI EIV SP 30
processos produtivos. No entanto, o capital a utiliza como forma de ampliar a capacidade de
trabalho dos trabalhadores para aumentar o lucro, a reprodução e acumulação de capital.
Há concordância que a energia é necessária na geração da riqueza, que a cadeia
produtiva de energia cria postos de trabalho e renda e potencializa o bem estar das pessoas.
Também é evidente que a produção de energia pressupõe fontes para a sua geração e que hoje,
nas atuais relações sociais de produção, o petróleo é indispensável e os potenciais hidráulicos
com as atuais tecnologias possuem menor custo de produção para produção de eletricidade.
Os vários usos da energia, como bem de produção, bem de consumo e bem de serviços,
impulsionados pela elevada capacidade produtiva dos trabalhadores, proporciona altíssimo grau
de produtividade do trabalho na cadeia da energia. Estes são elementos indispensáveis para
compreender a disputa pelo controle do petróleo e dos potenciais hidráulicos. Contudo, os
poderes econômicos hegemônicos que disputam o controle destas cadeias produtivas ligadas à
energia, ocultam para quê e para quem tem sido planejado.
As privatizações, da década de 90, impuseram grandes perdas ao povo brasileiro. Serviços
públicos, direitos historicamente conquistados pela luta da classe trabalhadora, foram repassados
ao regime de propriedade privada e convertidos em mercadorias. Empresas estatais estratégicas
foram transferidas ao controle das corporações transnacionais, causando redução da soberania
energética. As instituições políticas de planejamento e de regulação das leis que foram sendo
capturadas e subordinadas para o atendimento dos interesses privados, tem consolidado a
entrega de importantes reservas estratégicas de energia, o aumento da exploração sobre os
trabalhadores, consumidores e populações atingidas e inviabilizado as empresas estatais
restantes, enquanto empresas fundamentais de políticas de regulação social, ao conduzi-las a
assumir o modo de operação empresarial de mercado.
A eficiência e a excelência construída ao longo dos anos nestas empresas estatais pelos
seus trabalhadores foram sendo paulatinamente dilapidadas, resultado do conjunto das políticas
neoliberais ali instituídas. No setor elétrico, em especial, a indústria foi fracionada e transformada
em vários segmentos de negócios, estes estão organizados e comandados sob o predomínio do
sistema financeiro internacional, que associadas a regras institucionais têm viabilizado a criação
de um conjunto de práticas financeiras especulativas.
A elevada rentabilidade assegurada às empresas e acionistas privados que atuam na
cadeia de produção de eletricidade está ancorada, principalmente, nas normas determinadas pela
Agencia Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). Esta instituição tem lançado sobre os ombros de
toda a população brasileira o peso de ter que arcar com a tarifa de energia elétrica entre as mais
caras do mundo, apesar de que, a cadeia de produção de eletricidade no Brasil - certamente -
está entre as de menor custo de produção, mundialmente.
Este modelo transformou a eletricidade em sua principal mercadoria, onde 64 milhões de
residências são obrigados a pagar tarifas elétricas a preços de commodity, baseado na fonte de
maior custo internacional, que atualmente é a geração térmica. Isto tem proporcionado lucros

XI EIV SP 31
extraordinários às corporações e seus acionistas privados como mostram as elevadas somas
financeiras distribuídas na forma de dividendos e de remessas de lucros.
Na estrutura institucional de organização da indústria de eletricidade, o mercado livre de
energia (Ambiente de Contratação Livre) tem se consolidado como espaço fundamental para
impedir qualquer política de governo no sentido de exercer o controle social nos preços da
eletricidade. É uma das principais fontes de especulação sobre os consumidores brasileiros que
compram energia elétrica das empresas distribuidoras no denominado Ambiente de Contratação
Regulada e, também, um mecanismo que transfere enorme riqueza aos grandes conglomerados
exportadores de produtos de eletro intensivos, principalmente nos períodos de elevada hidrologia.
Aos trabalhadores e trabalhadoras diretamente ligados à indústria de eletricidade, este
modelo institucional vem impondo uma reestruturação do trabalho no interior das empresas com a
expansão da precarização do trabalho, através do aumento da jornada e intensificação do ritmo
de trabalho pelas metas estabelecidas, e pela forma de contratação com a redução e diminuição
dos trabalhadores do quadro próprio das empresas, concomitante, ao aumento do número de
trabalhadores terceirizados - estratégia das empresas para rebaixar os ganhos dos trabalhadores
e trabalhadoras. As condições e insegurança no trabalho e a elevação das taxas de exploração
têm alcançados níveis alarmantes, vitimando trabalhadores e trabalhadoras diariamente.
Em relação aos atingidos pelas obras, o que se verifica é a intensificação da violação de
direitos humanos. As populações atingidas até hoje não possuem um política nacional de garantia
dos direitos e reparação das perdas. As atuais regras de compensação tem se mostrado fontes de
lucros aos donos das obras. As compensações aos atingidos são monetarizadas nos custos de
investimentos, referenciando os preços de venda da energia elétrica e as respectivas receitas dos
empreendimentos, portanto, se as compensações forem evitadas os custos de investimentos
reduzem e como as receitas não mudam, as taxas internas de retorno aumentam e tornam-se
extraordinárias.
No petróleo, o plano de instaurar o modelo de mercado com a privatização total da
indústria petroleira do país, verificado a partir dos anos de 1990, foi interrompido pela luta da
classe trabalhadora. O passo inicial foi a luta para conquistar a autossuficiência na produção de
petróleo. A persistência e ampliação dos investimentos estatais em tecnologia e pesquisa levou a
descoberta em território brasileiro de uma das maiores reservas de petróleo dos últimos anos, o
pré-sal, mérito em quem acreditou na capacidade do trabalho dos trabalhadores e no
fortalecimento da empresa estatal Petrobrás.
A descoberta do pré-sal criou as condições políticas para um maior fortalecimento da
Petrobrás e mudança na lei de petróleo. A adoção de um modelo de produção mais avançado no
pré-sal, modelo de partilha, o aumento das reservas da estatal e, principalmente, a exclusividade
da operação da Petrobrás no pré-sal, sinalizam a possibilidade de construção de um futuro melhor
para população brasileira.

XI EIV SP 32
É fundamental, no próximo período, a consolidação da soberania nacional sobre estes
recursos estratégicos e a sua correta aplicação nas áreas de educação, saúde e demais áreas
sociais como determina a lei de partilha.
Apesar do reconhecimento dos avanços, medidas de fortalecimento da maior empresa do
país necessita avançar muito, a começar, revendo o modo empresarial privado de gerir a
Petrobrás. Esse modo de gestão empresarial é uma grave ameaça à saúde e segurança dos
trabalhadores e trabalhadoras, tendo causado diversos acidentes e mortes. Desde 1995, mais de
300 trabalhadores morreram no Sistema Petrobrás, sendo que destes, 80% eram trabalhadores
terceirizados. O número de terceirizados na Petrobrás é quatro vezes maior que o número de
trabalhadores efetivos da empresa, situação que eleva o número de acidentes visto a
precarização das condições de trabalho. No setor elétrico a situação é semelhante.
Assim, o modelo de mercado que organiza a produção e a distribuição da energia tem se
tornado um dos grandes obstáculos para o desenvolvimento do povo brasileiro, especialmente no
atual período de grande crise da economia mundial, onde a disputa internacional sobre territórios
de maior lucratividade se intensifica, a exemplo do que vem acontecendo sobre o pré-sal e o setor
elétrico brasileiro.
As vitórias eleitorais do campo popular desde 2002 sinalizam e reivindicam a interrupção e
superação desse modelo de mercado. As medidas políticas adotadas até o momento não foram
suficientes para recuperar a soberania energética por completo e superar o modelo atual, em
especial no setor elétrico nacional.
Nesse contexto, a plataforma operária e camponesa da energia entende que as cadeias de
produção de energia de nosso país devem estar sob controle social com o objetivo de produzir e
distribuir riquezas para o povo brasileiro.

O cenário futuro

A questão energética é tema central na disputa política mundial. É inegável que os


principais conflitos mundiais na atualidade ocorrem em função da disputa pelo controle das
principais reservas de energia, com destaque especial para o petróleo.
Os países e populações que concentram grandes reservas têm sido constantemente
atacados pelas forças militares dos países do capitalismo central, especialmente pelos Estados
Unidos, Inglaterra, França e Alemanha.
Os países centrais são os maiores consumidores de energia, no entanto são altamente
dependentes de importações. Os Estados Unidos, por exemplo, consomem 19 milhões de barris
de petróleo por dia (20% do consumo mundial) e produzem apenas 60%, dependendo de grandes
importações (algo como três vezes a produção total da Petrobrás). A estratégia destes países é
controlar as reservas mundiais e as rotas de escoamento de energia.
Nos diversos países detentores de reservas energéticas importantes, o que se verifica é
que, onde existe maior controle do Estado sobre estas riquezas é maior a possibilidade de
distribuição desta renda através de programas sociais, como se verifica na Venezuela, Noruega e
Equador.

XI EIV SP 33
No cenário internacional, as grandes corporações privadas buscam apropriar-se, de todas
as formas, dos potenciais energéticos e das empresas estatais. Neste caso, o objetivo central é a
apropriação privada, com reprodução e concentração de capital.
É inegável que no último período um conjunto de países procura se afastar da hegemonia
estadunidense, construindo um processo de articulação que tem consolidado o que chamamos de
BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Neste quadro de disputa internacional o
Brasil, articulado junto aos BRICS, nos governos Lula e Dilma adotaram uma série de medidas
que fortalece a participação do Estado na economia, retoma o processo de planejamento e
investimento no setor energético, junto de outras medidas econômicas e sociais que consolidaram
o país como referência no cenário internacional.
Aliado a estes fatores, a descoberta do pré-sal coloca o Brasil numa situação de maior
evidência mundial, configurando-se como uma potência em reserva energética. Esta situação
possibilita a elaboração de uma nova lei, como a Lei de Partilha, tendo a Petrobrás como
operadora única do pré-sal, incentivando ainda mais a produção industrial brasileira, através da
política de conteúdo local, para atender a crescente necessidade das demandas da indústria do
petróleo no Brasil.
Junto com o crescimento da indústria do petróleo, o governo adotou outra medida
importante no setor elétrico nacional. Aproveitando o momento de renovação das concessões de
energia elétrica, o governo federal além de manter a concessão nas mãos das empresas estatais,
reduziu os preços, sinalizando para um maior controle do Estado. As medidas adotadas no
petróleo e energia elétrica, vão posicionando o rumo atual do país em direção que não coincide
totalmente com os interesses econômicos e políticos dos Estados Unidos e das grandes
corporações de petróleo e de energia elétrica.
A estratégia do imperialismo e seus aliados internos, é retomar as condições para uma
futura privatização da Petrobrás e a entrega do pré-sal às empresas estadunidenses e europeias,
para isso farão de tudo para interromper que o país construa maior soberania sobre a energia.
As forças reacionárias atuarão para retroceder e impedir a consolidação da lei de partilha e
do Fundo Soberano, recursos que poderão resolver grande parte dos problemas de educação e
saúde do povo brasileiro.
O esforço realizado na renovação das concessões do setor elétrico nacional, que iniciou
um processo mais intenso do governo no controle e redução das tarifas, se transformou no
principal foco de ataque dos agentes especuladores do setor elétrico para reposicionar as tarifas
aos patamares mais elevados. Com seus ataques, os setores neoliberais reivindicam a
liberalização total dos preços de energia elétrica (e combustíveis) para manutenção de taxas
extraordinárias de lucratividade.
Os trabalhadores da energia, também têm sido foco de intensos ataques pelo capital que
fará de tudo para rebaixar os ganhos da categoria para os níveis mais baixos. Assim também é o
cenário dos direitos das populações atingidas e dos investimentos sociais e ambientais
decorrentes das obras.

XI EIV SP 34
No cenário de crise mundial do capitalismo, o capital movimenta e atua para retomar o
controle total sobre as instituições de Estado com representações políticas de sua extrema
confiança. É em meio a este cenário de grande disputa política e seus desdobramentos que os
trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade terão que atuar para defender o projeto
energético popular e derrotar os planos do capital.

O atual Modelo Energético Brasileiro | Água e energia não são mercadorias! Disponível em:
<http://www.mabnacional.org.br/noticia/atual-modelo-energ-tico-brasileiro>. Acesso em: 13 out.
2017.

XI EIV SP 35
Colorindo o projeto popular

A página “Colorindo o Projeto Popular” divulga através do Facebook questões referentes a luta LGBT.
Fonte: http://levante.org.br/blog/?p=208

Letícia Simões Gomes - Diversidade sexual na sociedade brasileira

A vida não heterossexual se transformou muito rapidamente no Brasil do século XX, como
tudo na sociedade brasileira. A urbanização e industrialização acelerada pela qual o país passou
alterou as maneiras de se relacionar e as experiências do povo brasileiro. Ainda que a tomada do
espaço público tenha se dado com mais visibilidade a partir dos anos 70, foi um processo que
acompanhou as mudanças que o país estava passando.
Com uma urbanização crescente, mudaram os espaços de convivência, as pessoas
passaram a se relacionar com mais frequência com pessoas para além dos laços familiares. A
grande aglomeração nos centros urbanos mudou as formas de relacionamento. Ao invés de
passar a maior parte do tempo com a família e os grupos da igreja, os indivíduos – principalmente
os homens, saíam de casa para ocupar o espaço público – conseguiram formar redes de
relacionamentos alternativos. As mulheres, por estarem em sua maioria confinadas à esfera
privada (a casa, aos filhos, etc.), só conseguiram formar redes de mulheres lésbicas e bissexuais
a partir do momento em que passaram a integrar o mercado de trabalho.
No Brasil, a urbanização aconteceu em um curto espaço de tempo, e se organizou em
volta de grandes centros urbanos; foram estes centros os principais lugares de redes das
chamadas comunidades homossexuais.
Quando se fala que a família perdeu importância relativa, se trata do âmbito privado, uma
vez que os parentes deixaram de passar tanto tempo juntos, e passaram a conviver mais com
outras pessoas. Contudo, de fato, a família continua sendo um elemento central na sobrevivência
tanto afetiva – de laços de carinho e solidariedade – quanto material – econômica. Para o conjunto

XI EIV SP 36
do povo brasileiro, a unidade familiar ainda é fundamental para garantir a sobrevivência
econômica de todos os seus integrantes.
Assim, para a maior parte da população brasileira, é muito difícil pensar em independência
financeira de um só integrante da família. Além disso, por conta da incapacidade do Estado de
prover as necessidades básicas de saúde e condições de trabalho, muitas vezes a família cumpre
o próprio papel do Estado na proteção social. Ou seja, a instituição família cumpre um papel muito
importante na sociedade brasileira.
E o que isso tem a ver com diversidade sexual? Ora, se não é possível sobreviver
financeiramente sem a família, o controle dela sobre aspectos privados – como a orientação
sexual – de seus membros é muito forte, e relacionamentos homossexuais tornam-se muito
difíceis.
Como o aumento da visibilidade homossexual está ligada a uma convivência maior fora da
família, os sujeitos ocupam os espaços comunitários, que podem ser tanto espaços públicos
(praças, parques, praias, etc.) quanto estabelecimentos comerciais (casas noturnas, clubes, por
exemplo). Esses estabelecimentos foram constituindo o que se chamou de “pink economy”
(economia rosa), ou seja, uma parcela específica do mercado consumidor a ser explorado pela
lógica capitalista.
Como é de se esperar, a parcela da classe trabalhadora LGBT não têm acesso a esses
lugares e produtos e, com isso, são marginalizados já que espaços públicos são muito mais
propensos a exposição à violência homofóbica. Desse modo, há uma sobreposição entre a
política de criminalização da pobreza e das atitudes homofóbicas. Assim, as classes nas quais
esses sujeitos estão inseridos moldam suas experiências sobre sua sexualidade, eles estão mais
vulneráveis à violência, menos assistidos pelo Estado, excluídos de espaços de sociabilidade
LGBT.
A orientação sexual é uma característica que independe da inserção de classe social, ou
seja, se ela é alta, média ou baixa. Contudo, numa sociedade estruturada no patriarcado, na
homofobia, lesbofobia e transfobia, todo segmento sofre as repercussões da violência e do
preconceito. Entretanto, as vulnerabilidades e demandas desses sujeitos e sujeitas variam de
acordo com a classe na qual eles se inserem: para a população pobre LGBT, a prioridade está na
sobrevivência (tanto financeira – conseguir entrar no mercado de trabalho e ter alguma
estabilidade – quanto física) e na luta contra a discriminação social (e no caso das pessoas
travestis, transgêneros e/ou transexuais, no reconhecimento de seu nome social, de sua própria
existência enquanto pessoa).
Para aqueles e aquelas de classes média e alta, as prioridades giram em torno da
expansão de direitos econômicos, como o reconhecimento do/a parceiro/a perante a lei. As
demandas são diferentes, mas a origem é a mesma: o patriarcado enquanto organizador de uma
sociedade baseada na dominação da mulher pelo homem e do elemento feminino pelo elemento
masculino.

XI EIV SP 37
Faz-se necessário reconhecer a origem da opressão – que também é a origem (trocar) da
opressão às mulheres – possibilita entendê-la como um problema estrutural, que só pode ser
superado a partir de uma ação conjunta, que vá para além das lutas pontuais e individuais. Isso
não significa que essas sejam desimportantes, muito pelo contrário; as lutas com objetivos
específicos são essenciais para que os oprimidos reconheçam a existência do que os oprime, mas
acabar com um tentáculo não significa matar o polvo – se não se tiver a clareza de que a fonte da
opressão é muito anterior à luta específica, não se avança na tomada de consciência.

MARSIAJ, J. P. P. Gays ricos e bichas pobres: desenvolvimento, desigualdade


socioeconômica e homossexualidade no Brasil. In: Cadernos AEL: homossexualidade,
sociedade, movimento e lutas. Campinas: UNICAMP/IFCH/AEL, v. 10, n. 18/19, p.129-145, 2003.

XI EIV SP 38
Feminismo Popular

Fonte: https://www.behance.net/gallery/52132483/Book-cover-Feminismo-popular.

Nalu Faria – Perspectivas feministas para igualdade e autonomia das mulheres

Introdução

Na trajetória do feminismo, há um intenso debate sobre as explicações teóricas para a


opressão das mulheres. Esse debate passou por várias compreensões dos conceitos de
patriarcado, gênero e divisão sexual do trabalho, no sentido de definir qual deles explica melhor
essa relação de opressão e seu caráter. Este texto não retoma todo este debate, mas busca
abordar a coextensividade da opressão das mulheres com o capitalismo.
Utilizaremos o termo patriarcado para nos referir a essa dominação. Em nossa trajetória
militante na Marcha Mundial das Mulheres, recuperar o termo patriarcado contribuiu para a
afirmação de um posicionamento político antissistêmico, frente a pasteurização e perda de
radicalidade na trajetória e utilização do conceito de gênero. A utilização do termo patriarcado não
nos coloca em conflito com o conceito de divisão sexual do trabalho que, assim como Daniele
Kergoat (1996), consideramos o que está em jogo na opressão das mulheres, nas relações
patriarcais.

Capitalismo e patriarcado um só modelo?

Entendemos que o capitalismo incorporou o patriarcado como estruturante das relações


sociais. Para isso, aprofundou a divisão sexual do trabalho, a partir da definição de uma esfera
pública como da produção mercantil e a esfera privada como não-mercantil, da família e da
maternidade. Reforçou o público como o espaço da produção, da igualdade, da política e que
pertence aos homens; às mulheres cabe o espaço privado da reprodução, da intimidade, do
cuidado. Para isso, foi construída a ideia de que há harmonia e complementariedade nas relações
entre homens e mulheres. Isso tem como objetivo esconder as relações de conflito e de poder dos
homens sobre as mulheres na família e no conjunto da sociedade. Além disso, aos homens foram

XI EIV SP 39
designadas as atividades de maior valor agregado. Essa formulação permite abordar a relação
entre produção e reprodução, explica a simultaneidade das mulheres nos trabalhos produtivo e
reprodutivo e sua exploração diferenciada no mundo produtivo e no trabalho assalariado. Dessa
forma, os homens são considerados os provedores e as mulheres reprodutoras, do lar, chamadas
comumente de inativas. Ao mesmo tempo em que isso confirma o não reconhecimento dessa
enorme quantidade de trabalho doméstico e de cuidados realizado pelas mulheres, esconde que o
modelo homem-provedor é na verdade um mito e que nenhuma sociedade pode prescindir do
trabalho das mulheres no campo da produção.
Nesse modelo houve uma redução do conceito de trabalho limitado ao que ocorre na
esfera mercantil (da produção), sem considerar como trabalho as atividades de reprodução e
cuidado da vida humana – portanto, estas são consideradas como uma externalidade do modelo
econômico. Essa divisão esconde a dependência masculina do trabalho invisível e não
reconhecido das mulheres e é parte das falsas dicotomias criadas pela ideologia patriarcal. Essas
falsas dicotomias se constituem como uma caracterização do masculino e do feminino: produção-
reprodução, cultura-natureza, objetivo-subjetivo, razão-emoção. São os valores e visão de mundo
impostos pelo grupo dominante e, portanto, essas dicotomias não são neutras, mas hierárquicas
(C. Carrasco, 2003).
Uma grande parte do trabalho realizado pelas mulheres não é reconhecido, seja no campo
ou na cidade. Em uma família em que a mulher não é assalariada, muito mais bens e serviços são
produzidos em casa Quando se coloca que o lugar das mulheres é em casa, não é reconhecido
seu direito à autonomia econômica e sua inserção no mercado de trabalho é marcada pela
desvalorização e segregação em guetos definidos pela divisão sexual do trabalho. O fato é que a
desigualdade das mulheres estrutura o conjunto das relações e práticas sociais e há uma
coextensividade entre classe, raça e gênero, na medida em que estas relações se reproduzem e
produzem mutuamente.
A presença das mulheres no trabalho assalariado ou no campo não alterou em nada a
responsabilidade quase exclusiva pelo trabalho doméstico e de cuidados. Para as mulheres a
realização deste trabalho se coloca como parte de sua identidade primária, uma vez que a
maternidade é considerada seu lugar principal. Essa identidade é introjetada de forma profunda
pelas mulheres e sua vivência está marcada pela avaliação das funções maternas e valores
associados: a docilidade, compreensão e a sabedoria nos cuidados. Na verdade esse discurso da
boa mãe é uma construção ideológica para que as mulheres continuem fazendo o trabalho
doméstico.
No campo, essa divisão sexual do trabalho também se estrutura entre o que é realizado no
âmbito da casa e no roçado (Miriam Nobre, 1996). Dessa forma, historicamente muitas das
atividades produtivas realizadas pelas mulheres são consideradas uma extensão do trabalho
doméstico. Estão incluídas aí a criação de pequenos animais, o cultivo de hortas, entre outras
atividades. É importante ressaltar que essa modalidade da divisão sexual do trabalho no campo

XI EIV SP 40
está vinculada à introdução da noção capitalista de trabalho, que justamente reduz trabalho ao
que pode ser trocado no mercado.
Muitas feministas falam de um patriarcado moderno, que recebeu uma contribuição
fundamental dos filósofos iluministas, ao construir um discurso misógino de legitimação da
desigualdade das mulheres que se estendeu para os campos da medicina, da moral e da política.
A desigualdade das mulheres é naturalizada e a subordinação das mulheres aos homens é
colocada como parte de uma essência feminina. Esse discurso atribui isso à maternidade e o
papel “natural” das mulheres na criação da prole. Para isso, há uma imposição de um modelo de
feminilidade socialmente construído que define como as mulheres devem se comportar e
desenvolver sua personalidade e habilidades para que estejam adequadas ao seu “papel social”
de mãe e esposa. Ou seja, por detrás da naturalização da opressão das mulheres houve a
definição de um modelo de feminilidade considerado adequado ao ser mulher. Evidentemente,
neste modelo há cortes de classe e raça/etnia, porém a docilidade, altruísmo, paciência,
flexibilidade, disponibilidade permanente para esposos e filhos, são traços comuns.
Simultaneamente, há uma exigência de que a mulher seja bela, agradável e, cada vez mais,
magra e jovem.

Família e sexualidade

Uma estratégia fundamental para a consagração dessas relações no capitalismo foi o


estabelecimento de um novo papel da família nuclear burguesa que se estendeu para o mundo
operário como o lugar de supremacia dos homens, ou seja, onde todos os homens são senhores,
inclusive os da classe trabalhadora.
Um dos elementos estruturadores desse modelo de família foi a imposição da
heterossexualidade obrigatória, baseado na dupla moral em que para os homens é incentivado
múltiplas relações sexuais diante de uma suposta sexualidade passiva das mulheres. Assim, foi
imposto um modelo baseado na heteronormatividade, que normatiza e hierarquiza a sexualidade.
É uma sexualidade androcêntrica (centrada na experiência masculina), que naturaliza as práticas
sexuais como se fossem parte de uma essência em que a sexualidade masculina é baseada na
virilidade e agressividade descontroladas, enquanto a vivência das mulheres seria dócil e passiva.
Esse discurso foi a base para a manutenção de uma moral que justifica e incentiva a
prostituição e a aceitação das relações promíscuas para os homens e do castigo para as
mulheres. Isso é comum na história dos nossos países: homens com mais de uma família ou com
um grande número de filhos "bastardos", como se costumava definir. Hoje podemos falar de novas
modalidades e práticas sexuais, que convivem com uma alta desresponsabilização masculina
frente à paternidade, mas, no que se refere à sexualidade, segue a hegemonia de um padrão em
que as mulheres são classificadas como santas ou profanas. As mulheres negras estão
associadas ao profano, sexual e brutalmente erotizado, conceitos reforçados pela mídia e grandes
corporações que perpetuam ideias sexistas e racistas dos idos do período colonial. Uma
decorrência das relações de poder dos homens sobre as mulheres é a violência sexista, que é um
mecanismo de controle em que as mulheres são coisificadas como objetos de posse.

XI EIV SP 41
Dessa forma, quando não se incorpora a análise do patriarcado a uma visão crítica do
capitalismo e como parte de um sistema opressor, não se enxerga a forma particular como a
opressão e subordinação das mulheres foi estabelecida nesse modelo.
O feminismo teve uma ação contundente de denúncia dos traços androcêntricos desse
modelo e buscou construir novos marcos analíticos para enfocar e resolver os problemas de outra
forma. No entanto essa ainda é uma questão pendente e faz com que, facilmente, nos espaços
onde se discutem alternativas, o patriarcado continue invisibilizado, principalmente no que se
refere ao trabalho doméstico e de cuidados.
Além disso, permanecem as práticas sexistas no interior da classe trabalhadora e nas
organizações políticas de esquerda. Essa permanência do machismo e de práticas patriarcais no
interior da esquerda contribui para que, no movimento de mulheres, continue existindo uma
tensão entre luta feminista e de classes.

O modelo patriarcal e capitalista é racista e colonial

Se o patriarcado, o colonialismo, racismo e as classes sociais são anteriores ao


capitalismo, também é indiscutível que a consolidação do capitalismo redefiniu essas relações. É
um modelo que se organiza a partir da exploração da mais valia da força de trabalho e incorpora
de maneira estruturante outras hierarquias e formas de opressão. Ou seja, para compreendermos
as questões do patriarcado, do racismo necessitamos analisar como o capitalismo redefiniu essas
relações práticas sociais.
Aqui nos interessa ver como o patriarcado que é bastante universal se entrelaçou como
outras relações de opressão como é o caso de raça, classe e colonialismo. Nesse sentido a
experiência da América Latina e Caribe, é bastante elucidadora. Há a falsa ideia de democracia
racial, algo que garante privilégios de uma pequena parcela em detrimento da maioria absoluta da
população. O racismo é estruturante na sociedade capitalista e patriarcal e, no processo de
histórico de construção da nação brasileira, o povo negro sempre esteve às margens da
sociedade, colocado no centro de teorias higienistas que ainda prevalecem. O capitalismo que se
tornou hegemônico em nossa sociedade. Aqui em nosso continente, se formou a partir do
colonialismo que se utilizou de forma intensa as relações patriarcais e o escravismo que deu as
bases para o racismo. Isso significou enquanto modelo capitalista redefinir as representações
binárias sobre as mulheres e a feminilidade bastante marcadas pelos valores ocidentais cristãos e
as figuras de Eva e Maria como os dois pólos. Evidentemente entre dois pólos há um leque de
diversidade e matizes, principalmente no cruzamento com outras formas de opressão como de
classe, do racismo e da sexualidade.
As representações são parte de um discurso que busca legitimar uma opressão e não
necessariamente reflete a realidade das mulheres e muito menos de todas e que se transformam
em mitos. Por exemplo, a ideia da fragilidade feminina e da proteção masculina. A que
experiências reais se está referindo? Na verdade o capitalismo estabeleceu que a existência de
um modelo de feminilidade adequado que define o ideal de mulheres. Isso vinculado a um modelo
de família e sexualidade, funcionais a organização da divisão sexual do trabalho no marco da

XI EIV SP 42
divisão entre produção e reprodução, estruturada pelo trabalho doméstico e de cuidados na
família, e pela separação e hierarquização de trabalho de homens e trabalho de mulheres. Mas
essa definição de um modelo adequado de feminilidade continua dizendo respeito a um pólo,
onde tudo que está fora é considerado anormal e estigmatizado. Assim é em relação a
feminilidade, a sexualidade e a família. O modelo não abarca e nem é para abarcar, mas
hierarquiza e normatiza. Voltando a proteção e fragilidade: de quem? Quando? No inicio do
capitalismo quando as mulheres pobres da cidade foram incorporadas massivamente nas
fábricas, as do campo continuavam nas lavouras? As mulheres burguesas não tinham direitos
sobre seus bens, totalmente dependentes dos maridos como seu amo e senhor, ameaçadas pela
violência e sem direito legal a nada. As mulheres negras já trabalhavam de “ganho” para sustentar
suas famílias e ainda hoje são maioria nas atividades informais e sem garantias sociais.
E só podemos compreender o que realmente ocorreu com essas mudanças no
capitalismo, em nível mundial, se incorporamos a dimensão de raça e do colonialismo. Isso é
estruturante nas representações do ser mulher, como adequadas ou “desviadas” em nossa
história e para reforçar as hierarquias e divisões entre as mulheres. Na medida em que se avança
no reconhecimento de alguns direitos para as mulheres nos marcos desse modelo hegemônico
essas hierarquias se aprofundaram.
O resultado é que em nossa sociedade o racismo é estruturante do conjunto das relações
e organiza lugar social das mulheres negras, sendo estas as que estão em maior número
cumprindo tarefas do cuidado e expostas à precarização de suas condições de vida e trabalho. O
patriarcado racista e escravagista organiza uma hierarquia e desigualdade também entre os
homens brancos e negros, mas isso não significa que a vivencia do racismo torna os homens
negros igualitários com as mulheres negras. As relações patriarcais vividas pelas mulheres negras
não são apenas exercidas pelos homens brancos e da classe dominante, mas sua opressão as
coloca na base da pirâmide social e a materialidade da exploração recai sobre seus corpos e
vidas.

Os paradoxos da globalização neoliberal

É inegável que, a partir das lutas feministas, houve uma ampliação da identidade feminina
para além da maternidade. Além disso, são parte das transformações das últimas décadas a
incorporação das mulheres de forma mais diversificada no mercado de trabalho, a ampliação do
divórcio e mudanças nos padrões de sexualidade em vários países, o reconhecimento como
direitos de questões antes consideradas do mundo privado, como a questão da violência sexista e
a legalização do aborto em muitos países. Mas os dados em relação à situação das mulheres
trazem elementos complexos, seja em relação à pobreza e ao desemprego, ao tráfico e
prostituição, à responsabilidade individual de manter suas famílias, assim como o aumento da
contaminação pelo HIV, entre outros.
Tal como ocorreu nas fábricas no fim do século XIX, no neoliberalismo as mulheres foram
incorporadas massivamente aos setores da produção e de serviços com pior remuneração e que
estiveram marcados pela terceirização e pela precarização.

XI EIV SP 43
Por outro lado, um pequeno contingente de mulheres com alta escolarização foi
incorporado em funções superespecializadas e executivas. Assim, essas mulheres passaram a
ter, diretamente, interesses opostos aos daquelas que estão nos trabalhos precários, mal
remunerados e em tempo parcial.
Entre os retrocessos trazidos pelo neoliberalismo, está a expansão da mercantilização do
corpo e da vida das mulheres, que também é marcada pela dimensão de classe e raça. No mundo
inteiro, foi sobre os ombros das mulheres que recaiu uma enorme sobrecarga de trabalho, com a
diminuição das políticas sociais. Faz parte desse processo o que muitas estudiosas chamam de
globalização dos serviços de cuidados, que se refere ao grande contingente de mulheres que
migram dos países do Sul para o Norte para trabalhar como empregadas domésticas e cuidadoras
em geral.
Outro lado da mercantilização é a imposição de um padrão de beleza como norma a ser
cumprida obrigatoriamente e que, supostamente, pode ser comprada no mercado. São vendidos
centenas de produtos e tecnologias que prometem a eterna juventude e o corpo perfeito, ou seja,
magro. Essa perspectiva de beleza está vinculada ao que pode ser consumido. Ao lado da
indústria de cosméticos e da beleza, outro setor que aufere grandes lucros com o mal estar das
mulheres é a indústria de medicamentos. Esta também vende ilusões de bem-estar e felicidade
enquanto invade o corpo das mulheres e nega sua autonomia.
Essa exigência, assim como várias outras mudanças sob o neoliberalismo, se ancorou na
modernização tecnológica e na profunda mercantilização dos processos da vida. O discurso é que
as mulheres podem comprar esse padrão de feminilidade usando toda uma parafernália, que vai
de cosméticos e ginástica a tratamentos estéticos, botox, cirurgias plásticas. Tudo isso,
recentemente, prometido com mais eficiência com a utilização da nanotecnologia.
Com essa intensificação da mercantilização, houve um forte incremento do tráfico de
mulheres e da prostituição, como parte da indústria do lazer e entretenimento. Nesse debate,
muitas vezes a busca por liberdade e autonomia das mulheres é utilizada como justificativa.
Assim, retiram de cena a máfia que movimenta bilhões de dólares à custa da exploração forçada
das mulheres.
Na atualidade, tem sido mais exposta a tensão que as mulheres vivem com a presença
simultânea nas esferas da produção e reprodução. A migração das mulheres dos países do Sul
para o Norte tem um componente de solução para essa tensão, uma vez que boa parte das
migrantes vai trabalhar na casa de executivas europeias ou norte-americanas, realizando parte do
trabalho doméstico e de cuidados.
A outra ponta da estratégia do mercado tem a ver com a tentativa das empresas
transnacionais de controlar a terra, o território e a biodiversidade. Esta estratégia se encontra,
mais uma vez, com as mulheres, que historicamente têm um papel ativo na agricultura, na seleção
e preservação das sementes, no conhecimento das plantas medicinais, na defesa da
biodiversidade.

XI EIV SP 44
Mas é inegável que profundas transformações ocorreram não só com as mulheres
escolarizadas, mas também com as mulheres das camadas mais pobres. Essas mudanças estão
vinculadas às suas práticas concretas, embora estejam marcadas por uma extrema complexidade.
São exemplos a desresponsabilização dos homens pela paternidade e o aumento das mulheres
que arcam sozinhas com o sustento dos filhos, a gravidez na adolescência, a violência urbana e
envolvimento dos filhos com o tráfico.
O feminismo teve um papel fundamental para questionar as relações de opressão e
anunciar novas possibilidades para as mulheres. Ou seja, é uma radicalização da proposta de
autonomia, liberdade, autodeterminação, emancipação humana. Ao longo do século XX as
mulheres conquistaram vários direitos como fruto de sua luta organizada em várias partes do
mundo, embora isso tenha se dado de forma extremamente desigual.
Por parte de setores dominantes, em nossa sociedade gestou-se um discurso de que o
feminismo não tem mais sentido. Junto com isso surgiu também uma revalorização da
feminilidade com o argumento de que as mulheres já não precisavam mais ser feministas. No
movimento feminista houve, nos anos 1990, um forte processo de institucionalização em nossa
região e, em alguns países e setores do feminismo, houve o reforço de uma posição pós-moderna
que contribuiu para um questionamento da ideia de que é necessário um movimento articulado em
torno da luta pela igualdade das mulheres. Isso se deu a partir de um debate em torno da
diversidade e de múltiplas identidades, junto com um questionamento da visão política que se
orienta para a construção de sujeitos coletivos.
Na América Latina e Caribe, foi no bojo da resistência contra o neoliberalismo que
retomamos um discurso de crítica global ao capitalismo e ao patriarcado e também à forma como
estes se reforçam e se retroalimentam.
Nesse processo, discutimos o significado da economia capitalista e da relação de
dominação imperialista que suas transnacionais estabelecem conosco. Mas debatemos também a
mercantilização do corpo das mulheres, o incremento do turismo sexual e o lugar de nossos
países em uma divisão sexual e internacional do trabalho que tem reservado a muitas de nossas
mulheres o trabalho nas maquillas e na prostituição controlada por máfias e conglomerados de
empresas de turismo. Questionamos os motivos que fazem com que, ao lado de uma aparente
permissividade no campo da sexualidade, com o incremento do mercado da prostituição e da
pornografia, esteja o aumento do conservadorismo e o ataque ao direito das mulheres de
controlarem seus corpos. Falamos sobre as novas formas de controle sobre o corpo das mulheres
com a imposição de padrões de beleza estritos. Em nossa região, isto tem significado uma
verdadeira febre das cirurgias plásticas, do silicone e do incremento no uso de hormônios
sintéticos. Estes hormônios são produzidos pelas mesmas “indústrias da vida” que produzem
agrotóxicos e sementes transgênicas.
Esse debate se deu ancorado em uma forte organização das mulheres do campo e da
cidade que constituiu a recomposição de um campo de esquerda no movimento e atualizou uma
ação anticapitalista e antipatriarcal em nossa região.

XI EIV SP 45
A luta feminista e seus desafios

Em todas as experiências de lutas e resistência dos povos oprimidos, encontramos a


presença das mulheres, embora, na maior parte da história, as representações predominantes
apresentem as mulheres dentro de casa e sem nenhuma participação pública. No caso da
América Latina, aqui e acolá, aparece a figura de mulheres excepcionais. E quase sempre o relato
é que participaram das lutas a partir da relação com um marido ou amante. Na verdade, com
frequência se oculta o fato de que, desde as lutas abolicionistas e anticoloniais, as mulheres
indígenas e negras lutaram ombro a ombro com os homens.
A organização de um movimento de mulheres e do feminismo como corrente teórica e
prática marcou uma mudança nesse processo. Além de afirmar as mulheres como sujeitos
políticos permitiu recuperar partes da história sistematicamente ocultadas para invisibilizar a
presença e contribuição das mulheres. Também foi fundamental para mostrar que o debate sobre
a igualdade entre os sexos é muito mais antigo que se imaginava. Como afirma Alicia Puleo
(2004), “o estudo do discurso filosófico nos mostra que muitas vezes – ou quase sempre -, quando
há um discurso profundamente misógino é porque paralelamente existe um discurso feminista,
nessa mesma época”.
A situação atual mostra que as vitórias não serão consolidadas enquanto não se mudar
estruturalmente o modelo. As atuais resistências organizadas pelas mulheres e o dinamismo de
um setor do movimento de mulheres cada vez mais conectam essas várias dimensões. Ou seja, a
luta das mulheres não é apenas uma agenda específica a ser agregada a uma agenda macro. É
uma luta de transformação integral da sociedade e se entende por isso que não se mudará a vida
das mulheres enquanto a vida de todas não for transformada. A utopia que define nosso projeto é
a superação da sociedade capitalista e machista e a construção de uma sociedade socialista que
rompa com todas as formas de exploração, opressão e discriminação em todos nossos povos.
Do ponto de vista dos desafios atuais, continua a necessidade de uma politização que
afirma que o centro do movimento de mulheres é a luta contra a opressão feminina e afirmação do
feminismo socialista como a possibilidade de transformar a vida das mulheres. Isso passa por
enfrentar a banalização paulatina do conceito de gênero e a redução desta agenda ao tema dos
direitos das mulheres como direitos humanos.
Ou seja, é necessário atuar para a transformação do conjunto das atuais relações sociais,
incluindo as relações sociais de sexo. Portanto, são necessárias mudanças no modelo como um
todo.
A tarefa que se coloca é a construção de uma visão crítica em toda a sociedade sobre a
opressão das mulheres. Hoje esta parece uma tarefa difícil, pois predomina a ideia de que não há
mais opressão. Existe um discurso modernizante de que a vida das mulheres mudou muito e que,
em parte, foram assimilados aspectos do discurso feminista. Há um discurso de positivação do
feminino, que estrutura o retrocesso no padrão de feminilidade, o qual define que tudo o que as
mulheres são no mundo tem a ver com a maternidade. O que ocorre é que há um reforço contínuo
da ideologia de que todas as mulheres devem ser mães e que é essa experiência que define seu

XI EIV SP 46
lugar no mundo, inclusive como profissional ou política. Na verdade, este discurso afirma que as
mulheres se inserem no mundo a partir das qualidades, virtudes e capacidades definidas como
parte de sua natureza porque são mães.
É recorrente a dificuldade de perceber que há uma base material da desigualdade
expressa na divisão sexual do trabalho. Dessa forma, há uma tendência de tratá-la apenas como
um problema de uma cultura patriarcal arraigada ou como uma questão ideológica.
Um ponto fundamental de nossa compreensão é de que não haverá igualdade se
pensarmos mudanças apenas na chamada esfera pública e do trabalho produtivo. Ou seja, se as
mulheres continuarem arcando sozinhas com o trabalho doméstico, de cuidados e com os afetos,
se a casa continuar sendo considerada naturalmente o espaço de supremacia masculina.
Essa questão, por sua vez, está vinculada à ruptura com uma divisão sexual do trabalho e
do poder nos espaços públicos. Não basta apenas o avanço da participação das mulheres nesses
espaços como se a cada vez que ocupamos um espaço masculino tenhamos avançado. Isto
porque, a cada avanço das mulheres, vivenciamos uma forte reação machista e conservadora.
Portanto, estão colocados desafios teóricos, políticos e organizativos, que exigem
posicionar o debate a partir da compreensão de que há uma opressão das mulheres. Neste
sentido, continuamos fortalecendo a afirmação política de um projeto feminista e socialista que
questiona as bases da sociedade capitalista e patriarcal. Isso exige um movimento enraizado, com
capacidade de grandes mobilizações, campanhas próprias e que também seja parte da
construção de uma luta articulada na América Latina.
Um avanço no feminismo é a separação cada vez menor entre o que é reivindicação das
mulheres e as chamadas lutas gerais, dando lugar à compreensão de que, para mudar a vida das
mulheres temos que mudar o mundo e, portanto, todas as lutas por mudanças são das mulheres.
Mas o principal ganho é que, nesse processo, se afirma cada vez mais o direito de autonomia e
soberania para as mulheres, e que a igualdade tem que ser parte constitutiva de todos os
processos de transformação.

Um feminismo militante e anticapitalista

Nossa atuação tem buscado ampliar temas e contribuições feministas na perspectiva de


construção de novas relações sociais e de um modelo de desenvolvimento em que se supere a
divisão sexual do trabalho e se estabeleça um novo modelo de produção e consumo, em um novo
paradigma de sustentabilidade da vida humana.
A partir de um trabalho de formação, elaboração e articulação política, temos buscado
contribuir para o fortalecimento da autonomia das mulheres e de sua presença como um sujeito
político organizado em um processo mais amplo de lutas e resistências, orientadas para a
construção de uma nova dinâmica de relações sociais e pela projeção de um novo modelo de
sociedade.

CARNEIRO, S. Mulheres em movimento. Estudos Avançados, v. 17, n. 49, p. 117–133, dez.


2003.

XI EIV SP 47
O que é o popular do feminismo brasileiro? SOS Corpo, 13 jul. 2017. Disponível em:
<http://soscorpo.org/o-que-e-o-popular-do-feminismo-brasileiro/>. Acesso em: 10 nov. 2017

TORNQUIST, C. S.; FLEISCHER, S. R. Sobre a marcha mundial das mulheres: entrevista com
Nalu Faria. Revista Estudos Feministas, v. 20, n. 1, p. 291–312, abr. 2012.

XI EIV SP 48
Enegrecendo o Projeto Popular

Fonte: http://unecombateaoracismo.blogspot.com.br/2009/11/baixe-de-graca-livro-as-politicas.html

ADAPTAÇÃO – DESIGUALDADES RACIAIS, RACISMO E POLÍTICAS PÚBLICAS: 120


ANOS APÓS A ABOLIÇÃO (Ipea, 2008)

Hoje, 13 de maio de 2008, a Lei Áurea, que estabeleceu o fim da escravidão no Brasil,
completa 120 anos. Apesar desse longo período, a situação de discriminação racial no país –
somada à desigualdade e pobreza material dos negros – continua a ser um problema que se
encontra longe de solução.
A compreensão a respeito das interpretações e do desenrolar das desigualdades raciais no
período, principalmente a relação entre o racismo e as políticas públicas são de grande
importância para se qualificar e entender a situação atual dos negros no país.
Para tanto se mostra na primeira parte uma breve discussão a respeito da emergência e
reprodução das interpretações que são desenvolvidas no Brasil para as desigualdades raciais,
desde o período da colonização até hoje. Mostrando que o racismo está fortemente relacionado à
escravidão e que ganha status discursivo após a abolição.
Na segunda parte é apresentada a evolução das condições de vida de negros e brancos
nas últimas quatro décadas. Mostra-se a evolução do quadro demográfico, educacional, no
mercado de trabalho e nas condições de pobreza e desigualdades.

A construção da ideologia racial no Brasil

O racismo é amplamente reconhecido como princípio ativo do processo de colonização.


Contudo, a valorização do homem branco e de sua cultura não desaguou, no Brasil colônia, na
construção de um pensamento racista sistematizado. Os defensores da escravidão
compartilhavam um conjunto de estereótipos negativos em relação ao negro que amparava sua
visão hierárquica de sociedade. Contudo eles recorriam pouco às teses de inferioridade racial,
inclusive devido à importante presença de descendentes de africanos entre a população livre

XI EIV SP 49
brasileira. Paralelamente, outros elementos – como o projeto missionário da Igreja Católica, o
imperativo econômico face ao risco de ruína da economia nacional ou o próprio direito de
propriedade – também atuavam como importantes elementos legitimadores da escravidão.
Assim, se o racismo nasce no Brasil associado à escravidão, é após a Abolição que se
organizam as teses de inferioridade biológica dos negros e que elas se difundem no país como
matriz para a interpretação do desenvolvimento nacional. A adoção pela elite brasileira das teses
do chamado “racismo científico”, então em pleno desenvolvimento na Europa, teve início nos anos
1870 e tornaram-se amplamente aceitas entre as décadas de 1880 e 1920. Não mais separadas
pelo direito de propriedade, pela história, religião ou cultura, as raças se separariam por
desigualdades naturais. Tais desigualdades definiriam as potencialidades individuais e resvalariam
para o cenário político e social em que a capacidade de participação dos negros não poderia ser
entendida sem restrições. Ampliam-se então os preconceitos quanto à participação dos negros
nos espaços públicos, acentuam-se os mecanismos discriminatórios e impõe-se a tese do
branqueamento, conciliando a crença na superioridade branca com a busca do progressivo
desaparecimento do negro, cuja presença era interpretada como um mal para o país.
Esse período foi marcado tanto por uma ausência de políticas públicas para os ex-
escravos e a população negra livre, como pela implementação de iniciativas que contribuíram para
que o horizonte de integração dos ex-escravos ficasse restrito às posições subalternas da
sociedade. Dentre as políticas públicas que contribuíram para o aprofundamento das
desigualdades no país destaca-se a promoção da imigração. Claramente assentada na ideologia
do branqueamento, a entrada maciça de imigrantes europeus deslocou a população negra livre
para as colocações menos atraentes no mercado de trabalho.
Medidas anteriores ao fim da escravidão já haviam propiciado situações de exclusão da
população negra. A lei nº 601/1850, a chamada Lei de Terras, promulgada no mesmo ano em que
se determinou a proibição do tráfico de escravos (lei Euzébio de Queiroz), significou uma drástica
restrição das possibilidades de acesso à terra na transição do regime escravista para o de
trabalho livre. De outro lado, o acesso à instrução também não fora garantido por políticas
públicas durante o século XIX, não sendo sequer acolhido como objetivo ou garantia de direitos na
Constituição Republicana de 1891.
O período que se seguiu à Abolição foi caracterizado pela aceleração do desenvolvimento
econômico, com um incipiente processo de urbanização acompanhado por tentativas de
desenvolver a indústria, a construção de ferrovias, a organização de instituições de crédito, o
incremento do comércio e a abertura de nova fronteira agrícola a oeste. Essas oportunidades,
contudo, não foram aproveitadas pelos ex-escravos ou mesmo pela população negra livre.
Efetivamente, os preconceitos partilhados pela sociedade branca difundiam a crença da menor
capacidade do trabalhador negro face ao branco, ampliando a expectativa favorável que cercava a
entrada de trabalhadores europeus. De fato, as desigualdades observadas no seu processo de
inclusão econômica são não apenas como fruto de diferentes pontos de partida, mas também
como reflexo de oportunidades desiguais de ascensão social após a abolição.

XI EIV SP 50
A concentração da população não branca em regiões pouco dinâmicas também contribuiu
para o quadro atual das desigualdades raciais. Como produto de uma história de mais de três
séculos de escravidão, à época da abolição, a grande maioria da população afro-brasileira
permanecia fora da região onde uma sociedade urbana e industrial estava em formação. As
políticas públicas voltadas à promoção da imigração vieram a acentuar o quadro de desigualdades
regionais.
O ideal do branqueamento consolida-se nas décadas de 1920 e 1930, mesmo com o
progressivo enfraquecimento das “teorias deterministas da raça”. As elites nacionais percebiam a
questão racial de forma cada vez mais positiva: o Brasil lhes parecia branquear-se de maneira
significativa, e o problema racial se encaminhava para uma solução. Como foi a evolução da
população brasileira em função da política de embranquecimento mediante imigração?

População

Os censos demográficos mostram que o peso da população negra na população brasileira


não tem sido constante ao longo do tempo e sim sujeita a variações relativamente fortes. O Censo
de 1890 contava 56% de negros, mas a política de imigração europeia subvencionada aumentou
de tal maneira a população branca que em 1940 este total tinha caído para 35,8% da população
brasileira. Este percentual se manteve mais ou menos estável durante as próximas duas décadas
durante as quais tanto a população negra como a branca cresceram rapidamente, sendo que no
Censo de 1960, pretos e pardos respondiam por 37,5% da população brasileira.
A partir da década de 70, o país entrou na transição demográfica e as taxas de
crescimento populacional começaram a cair. No entanto, esta queda não foi homogênea. Como
em quase todas as experiências de transição demográfica na América Latina, os grupos
populacionais mais afluentes viram suas taxas de natalidade cair antes que os menos afluentes.
No Brasil, isto quer dizer que as taxas de natalidade brancas, na média, caíram antes das taxas
de pretos e pardos.
Em 1976, o primeiro ano no qual a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios
(Pnad) faz uma cobertura mais ou menos nacional, a população brasileira era constituída por
57,2% de brancos e 40,1% de negros. Esta divisão foi mudando com pretos e pardos aumentando
gradualmente seu peso populacional para 43,0% em 1987, 44,2% em 1996 e 49,5% em 2006.
Como a transição demográfica ainda é um fenômeno em curso, a população negra deve
continuar crescendo mais que a branca até chegar a ser maioria absoluta no país. Uma projeção
das tendências da última década sugere que em algum momento de 2008 a população negra será
mais numerosa que a população branca. Se as tendências de fecundidade continuarem como nos
últimos anos, a partir de 2010 o Brasil será um país de maioria absoluta de negros. Como as taxas
de fecundidade estão caindo também entre as mulheres negras, haverá uma estabilização da
proporção de negros, talvez em torno de 50% da população.

XI EIV SP 51
Os mecanismos de reprodução das desigualdades raciais

A partir dos anos 30, o ideal da democracia racial impõe-se como hegemônico, vigorando
praticamente sem contestação até o final dos anos 1970. Contudo, durante todo o decorrer desse
século, em que pese importantes mudanças sociais por que passou o país, seja no campo da
modernização da economia, da urbanização, ou da ampliação das oportunidades educacionais e
culturais, não se observou uma trajetória de redução das desigualdades raciais.
Examinando as desigualdades raciais brasileiras entre as décadas de 1940 e 1970,
estudos sobre mobilidade social concluem que a posição relativa dos negros e brancos na
hierarquia social não foi substancialmente alterada com o processo de crescimento e
modernização econômica ocorridos no país. A industrialização não eliminou a raça como fator
organizador de relações sociais e oportunidades econômicas, nem reverteu a subordinação social
das minorias raciais. De fato, o racismo opera mecanismos de desqualificação dos não-brancos
na competição pelas posições mais almejadas. Ao mesmo tempo, os processos de recrutamento
para posições mais valorizadas no mercado de trabalho e nos espaços sociais operam com
características dos candidatos que reforçam e legitimam a divisão hierárquica do trabalho, a
imagem da empresa e do próprio posto de trabalho.
A questão racial somente retorna ao debate público nacional com a redemocratização.
Começa-se a discutir quais são os mecanismos por meio dos quais a discriminação racial opera
na sociedade brasileira? A bibliografia sobre o tema aponta que as desigualdades raciais não se
reproduzem apenas nos processos e relações sociais pessoais. A discriminação racial também
pode ser resultante de mecanismos discriminatórios que operam, até certo ponto, à revelia dos
indivíduos. A essa modalidade de racismo convencionou-se chamar de racismo institucional ou,
ainda, de racismo estrutural ou sistêmico. A grande inovação que este conceito traz refere-se à
separação das manifestações individuais e conscientes que marcam o racismo e a discriminação
racial – tal qual conhecido e combatido por lei – e o racismo institucional, que atua no nível das
instituições sociais. Esse último não se expressa por atos manifestos, explícitos ou declarados de
discriminação mas atua de forma difusa no funcionamento cotidiano de instituições e
organizações, que operam de forma diferenciada na distribuição de serviços, benefícios e
oportunidades aos diferentes grupos raciais. Diz respeito às formas como as instituições
funcionam, seguindo as forças sociais reconhecidas como legítimas pela sociedade e, assim,
contribuindo para a naturalização e reprodução da hierarquia racial, orientados por motivos
raciais, mas, ao contrário.
Esses mecanismos de discriminação racial não apenas influenciam na distribuição de
lugares e oportunidades. Reforçados pela própria composição racial da pobreza, eles atuam
naturalizando a surpreendente desigualdade social desse país. Ou seja, o racismo, o preconceito
e a discriminação operam sobre a naturalização da pobreza, ao mesmo tempo em que a pobreza
opera sobre a naturalização do racismo, exercendo uma importante influência no que tange à
situação do negro no Brasil.

XI EIV SP 52
Presença de racismo e ausência de políticas

Durante as seis décadas que separam 1930, que pode ser considerado um ano no qual as
ideologias deterministas da raça já não influenciavam decisivamente o debate nacional, e a
redemocratização a vida da população negra no Brasil foi marcada por uma presença e uma
ausência. A presença foi a permanência do racismo interpessoal e institucional na sociedade
brasileira. Esta funcionou como uma barreira à ascensão social de negros em todas as esferas da
sociedade.
A ausência, tão ou mais importante que a presença do racismo, foi a falta quase total de
políticas públicas universais para a população mais pobre do país, na qual se encontrava
concentrada a população negra. A falta de oportunidades educacionais, de políticas de proteção
social e de quase qualquer política de inclusão no mercado de trabalho formal da população mais
pobre foi tão eficaz para impedir a ascensão social da maioria da população negra quanto a
permanência do racismo.
É possível ver com clareza os efeitos desta ausência nos dados das pesquisas
domiciliares das últimas décadas, que iniciam sua cobertura das condições sociais brasileiras em
1976 e continuam quase que ininterruptamente até o dia de hoje, sendo que 2006 é o último ano
para o qual se têm dados. O restante desta nota será dedicado a apontar o que estas pesquisas
têm a dizer sobre a condição no negro no Brasil de 1976 a 2006 no que tange a adoção de
políticas universais de educação e proteção social a partir do processo de redemocratização.
Um dos avanços da década de noventa, consolidado nos últimos anos, é a conquista do
acesso universal à educação fundamental. Esta conquista ilustra como as políticas universais tem
o poder de reduzir diferenciais raciais no Brasil.
Uma equidade de acesso maior deve refletir-se em resultados mais equitativos em termos
dos resultados educacionais da população adulta. É possível analisar isto mediante comparações
da porcentagem média da população adulta negra ou branca que atinge um dado nível de
instrução. No entanto, isto mascara a magnitude dos efeitos uma vez que há um grupo grande de
adultos que já passaram a idade escolar. Um modo alternativo e mais sensível de fazer estas
mesmas comparações e mediante comparações de porcentagem da população de uma dada
idade negra ou branca que atinge um dado nível de instrução ou habilidade cognitiva.
Ainda em 1976 havia diferenças muito fortes na capacidade de ler e escrever de negros e
brancos: enquanto 92% dos brancos sabiam ler e escrever apenas 78% dos negros tinha esta
habilidade cognitiva, levando a um hiato de quase 14 pontos percentuais. Com a universalização
da instrução fundamental, o diferencial foi se reduzindo paulatinamente até que em 2006 quase
todos negros e todos os brancos de 16 anos sabiam ler e escrever, deixando o diferencial em
menos que dois pontos percentuais. É um claro indicador de sucesso de uma política universal.
Não houve, neste período, qualquer tipo de ação afirmativa, mas acesso ao ensino fundamental
para todos quer dizer, inclusive, acesso para todos os negros.
Isto, no entanto, não é verdade para todas as políticas públicas. Em 1976 em torno de 5%
da população branca tinha um diploma de educação superior aos 30 anos contra uma

XI EIV SP 53
porcentagem essencialmente residual para os negros. Já em 2006 algo em torno de 5% dos
negros tinha curso superior aos 30 anos. O problema, para as desigualdades raciais, é que quase
18% dos brancos tinham completado um curso superior até os 30 anos. O hiato racial que era de
4,3 pontos quase que triplicou para 13 pontos.
A história da educação superior mostra que não é qualquer política que é redutora das
desigualdades raciais. Hoje, o fechamento das universidades aos negros é um dos fatores mais
importantes que impedem sua mobilidade social ascendente. Não se vislumbra que a
universidade em algum momento seja para todos. No entanto, quando a cor da universidade,
pública ou privada, é tão mais branca que negra, a educação superior passa a ser um elemento
de reprodução das desigualdades raciais ao impedir a formação de uma elite negra, ou melhor, ao
impedir o acesso dos negros à elite do país.

A redução recente da razão de rendas

A principal dimensão socioeconômica da desigualdade entre grupos raciais é a


desigualdade de renda. A menor renda dos negros brasileiros acarreta uma série de
consequências, que se estendem da dependência dos serviços educacionais e de saúde,
geralmente de baixa qualidade, providos pelo Estado à residência em áreas carentes de
condições de saneamento e urbanização adequadas. Veremos nesta seção que nos últimos cinco
anos há, pela primeira vez, uma tendência de redução dos diferenciais raciais na renda.
Há, na evolução da razão de rendas entre negros e brancos, dois períodos distintos. O
primeiro compreende o período de 1982 a 1999, durante o qual há uma estagnação nesta relação
próximo do valor de 2,4. Há grandes oscilações típicas dos erros de medida do período
hiperinflacionário, mas não se vislumbra qualquer tendência de redução. É compreensível que os
estudiosos do tema não observassem uma tendência de redução nas desigualdades raciais.
O segundo período vai de 2001 até o presente e mostra uma clara e inequívoca redução
das desigualdades raciais. A razão de rendas cai a um ritmo de 0,04 ao ano. O leitor cuidadoso já
deve ter notado que a queda das desigualdades raciais coincide com o período de queda na
desigualdade em geral, que também se iniciou em 2001. Não há dúvida que a redução das
desigualdades mediante as políticas públicas e processos econômicos beneficia imensamente a
população negra. Afinal, 80% do décimo mais pobre é composto de negros e 80% do décimo mais
rico de brancos.
A expansão da aposentadoria rural e do piso do regime geral urbano mediante o aumento
do salário mínimo, os próprios efeitos dos aumentos do salário mínimo no mercado de trabalho, o
Benefício de Prestação Continuada e o Programa Bolsa Família são todas políticas públicas
predominante negras porque são universais. Não resta dúvida de que estas são as políticas que
levaram à redução da razão de rendas entre brancos e negros. Embora a existência de uma clara
tendência de queda deva ser comemorada, a velocidade de redução não. A manter o ritmo de
queda inalterado, se passariam 32 anos até que brancos e negros tivessem, em média a mesma
renda.

XI EIV SP 54
Os 32 anos se tornam ainda mais desconcertantes quando se considera que o ritmo de
queda dos últimos anos reflete um período extraordinariamente positivo que dificilmente se
manterá nos próximos anos. Os maiores efeitos distributivos do salário mínimo já passaram e só
se 13 pode criar o Bolsa Família uma vez. Adicionalmente, é possível que subestimem a razão de
rendas uma vez que a população branca detém mais rendimentos do capital, que são
imperfeitamente captados nas pesquisas domiciliares.
Em suma, este dado mostra tanto o potencial como as limitações das políticas universais
para reduzir as desigualdades raciais. Um sistema de seguridade social universal, acesso à
educação universal e instituições que garantam um bom desempenho do mercado de trabalho
para todos são importantes para reduzir a desigualdade racial, mas não são suficientes.
Para combater as desigualdades raciais são necessárias mais que políticas universais.
São necessárias políticas de ação afirmativa. Se a única coisa que mantivesse os negros
trancados nos estratos mais baixos de uma distribuição de renda muito desigual, ainda assim
haveria argumentos a favor de ações afirmativas. Dada a existência de racismo pessoal e
institucional, as ações afirmativas se transformam no único meio de grandemente reduzir as
desigualdades raciais no Brasil.

Mercado de trabalho

De acordo com os dados atuais, a inserção da população negra e branca no mercado de


trabalho difere muito no Brasil. É verdade que a população em idade ativa e a população
economicamente ativa são semelhantes. Mas, uma vez dentro do mercado laboral, a inserção de
negros e brancos distingue-se de várias maneiras.
A taxa de desocupação aberta é maior entre o grupo negro, no qual corresponde a 9,3%
(4,5 milhões de trabalhadores). No grupo branco, essa taxa reduz-se para 7,5% (3,7 milhões). Há
quase um milhão a mais de negros em situação de desocupação aberta em todo o país. Os
setores econômicos com as piores condições laborais (em termos de remuneração, de
estabilidade, de proteção e assim por diante) contam com acentuada participação da parcela
negra da força de trabalho. Pode-se citar:
● Agricultura (60,3% dos ocupados são negros)
● Construção civil (57,9%)
● Serviços domésticos (59,1%)
De outro lado, a parcela branca da força de trabalho concentra-se em setores com
atributos inversos (maior remuneração, mais estabilidade etc.). Como exemplo:
● Indústria de transformação (56,5% dos ocupados são brancos)
● Comércio e os serviços não financeiros (54,5%)
● Serviços financeiros (62,5%)
● Administração pública, os serviços sociais e de utilidade pública (57,2%)
A população negra está sub-representada nas posições mais precárias da estrutura
laboral:
● Trabalhadores não remunerados (55,0% deles são negros)

XI EIV SP 55
● Assalariados sem carteira (55,4%)
● Trabalhadores domésticos (59,1%)
Por sua vez, a população branca tem maior representação nas posições mais
estruturadas:
● Assalariados com carteira assinada (57,2% deles são brancos)
● Empregadores (71,7%)
Ainda dentro da estrutura laboral, o grupo negro localiza-se principalmente em meio às
ocupações classificadas como de nível baixo (com atribuições simples, que exigem pouca
capacitação e que se caracterizam pela subordinação dentro das instituições – 54,4% dos
trabalhadores são negros), bem como em meio às ocupações militares (51,1%). Por sua vez, o
grupo branco situa-se nas ocupações de alto escalão (73,5% dos trabalhadores são brancos), de
nível superior (72,3%), de nível médio (60,3%) e administrativas (62,1%).
Como resultado dessa inserção diferenciada no mercado de trabalho, o rendimento da
parcela negra é muito inferior ao da branca. Em média, os ocupados negros recebem R$ 578,24
ao mês – valor que corresponde a apenas 53,2% do recebido pelos brancos, que é de R$
1.087,14. Não por acaso, os ocupados negros correspondem a 60,4% dos que ganham até 1
salário mínimo e a somente 21,7% dos que ganham mais de 10 salários mínimos. Entre os
ocupados brancos, esses percentuais equivalem a 39,0% e 76,2%, respectivamente.

CERQUEIRA, V. L. DE. A inserção do negro no mercado de trabalho brasileiro na década


passada (2000 - 2010). TCC—Campinas - SP: Unicamp, 2012.

MARQUES, E. P. DE S. POLÍTICAS PÚBLICAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL:


ONDE CHEGAMOS, AONDE QUEREMOS CHEGAR? Educação e Fronteiras, v. 3, n. 6, p. 81–
102, dez. 2010.

MÁRIO THEODORO (ORG.) et al. As políticas públicas e a desigualdade racial no Brasil 120
anos após a abolição (IPEA). 1. ed. Brasília: Ipea, 2008.

XI EIV SP 56
Análise de conjuntura
Há uma crise internacional do modo capitalista de organização a produção, que vem desde
2008. Com consequências ainda mais graves para as economias periféricas, como o Brasil, e
mudanças das políticas vigentes para o capital seguir acumulando. Há um processo em curso de
mudanças na natureza do ESTADO burguês, que foi gestado no capitalismo industrial e que agora
no capitalismo financeiro precisa de outro estado. Isso criou uma crise na forma eleitoral de
mudanças de governo. O capital controla o estado independente de eleições. A crise de
representatividade no sistema político se intensifica com a ofensiva neoliberal.
Reflexo desse controle do capital financeiro sobre os Estados é a rápida retomada na taxa
de lucros exorbitantes dos grandes bancos, em movimento contrário a queda de crescimento na
maioria das economias do mundo pós 2008.
No plano internacional, a grave crise do sistema capitalista, a decadência da globalização
neoliberal e o reposicionamento da China e da Rússia na geopolítica global formam um quadro de
multipolaridade do sistema de nações. O imperialismo estadunidense reage a esta situação
através de sua política de exploração sobre as nações subdesenvolvidas, intervindo na soberania
e democracia destes países, como nos exemplos atuais da Venezuela, de Honduras e do Brasil.
Há uma crise profunda no Brasil: na economia, política, social e ambiental. Que se
assemelha a que vivemos antes em 1930/60/80. Será prolongada e suas saídas dependem de
uma intensa luta de classes. Há uma ofensiva do capital internacional sobre as economias
periféricas, em busca de recursos naturais, matérias primas, energia, minérios, biodiversidade e
mercado para saírem de sua crise. A crise econômica brasileira esgotou o modelo
neodesenvolvimentista (desenvolvimento interno, distribuição de renda, acúmulo de riqueza pela
burguesia e conciliação de classes).
A burguesia precisava ter o controle absoluto de todos os poderes como legislativo,
judiciário, mídia e executivo, para poder sair da crise, jogando todo seu custo sobre a classe
trabalhadora. Desde a derrota eleitoral de 2014, eles vinham conspirando para se apoderar do
executivo. Houve muitos erros e fragilidades de nosso campo: a política econômica de 2015 tirou
base popular do governo.
O golpe vitorioso da burguesia foi também uma derrota da estratégia de acumulo de forças
pela conciliação de classes e da prioridade apenas no eleitoralismo. A hegemonia da burguesia
subordinada aos interesses do capital dos Estados Unidos alterou a correlação de forças na
América Latina e levou ao enfraquecimento do Mercosul, Unasul, Celac e Brics.
O golpe impulsionado pelas forças reacionárias quebrou a ordem democrática,
favorecendo a aplicação de um programa de restauração do neoliberalismo. O quadro agrava-se
com o aprofundamento do desemprego e das desigualdades sociais. A escalada da violência,
vitimando principalmente a juventude, a população negra, LGBTs e mulheres lança desesperança
no povo brasileiro. O ataque à autonomia das universidades públicas pela via da intervenção
policial é mais um capítulo desta nova situação política que vive nosso país. Os golpistas

XI EIV SP 57
objetivam realinhar o Brasil com os interesses geopolíticos dos Estados Unidos, recompor as
taxas de lucros dos capitalistas acabando com direitos históricos da classe trabalhadora e
apropriar-se de recursos naturais como é o caso do petróleo da camada pré-sal.
Os planos da burguesia são aplicar um programa neoliberal (subordinando a política aos
interesses do capital financeiro e das empresas transnacionais) para aumentar a taxa de lucro e o
processo de acumulação, ou seja, salvar as 500 maiores empresas que dominam nossa
economia, e para isso, é necessário: Aumentar a exploração dos trabalhadores retirando direitos
históricos (salários, emprego e direitos- fim da CLT e rasgar a constituição de 88; reforma
trabalhista, terceirização); Disputar a mais valia social recolhida pelo estado (os recursos públicos)
e assim diminuir os gastos que antes iam para educação, saúde/ SUS, moradia popular... e se
apoderar deles.
Não por acaso, essa conjunção de forças antinacionais já impuseram a aprovação da PEC
dos gastos que corta drasticamente o orçamento de áreas essenciais para o povo como saúde e
educação. A aprovação da reforma trabalhista, as políticas de privatização da Petrobrás e da
Eletrobrás, assim como a destruição do parque industrial, demonstram que o objetivo é desmontar
o Estado brasileiro e ferir de morte a soberania nacional. Para alcançar seus objetivos o
movimento golpista patrocina a quebra do pacto constitucional de 1988, jogando na lata do lixo
direitos sociais, políticos e civis. Conquistas civilizatórias como o direito à presunção de inocência,
o amplo direito de defesa e o devido processo legal estão sendo brutalmente atacadas.
Lança-se, dessa forma, as bases de um regime de exceção. Para reverter esta situação,
as forças patrióticas, amparadas num amplo movimento de massas e num governo democrático e
popular, terão que travar uma persistente luta política capaz de criar uma correlação de forças
favorável a oportuna convocação de uma assembleia Nacional Constituinte que construa uma
nova institucionalidade para o Estado brasileiro que restabeleça a democracia e favoreça o
avanço do Projeto nacional, democrático e popular.
Para a burguesia a apropriação privada dos recursos naturais permite uma renda
extraordinária futura bem superior a qualquer taxa de exploração do trabalho. Estão querendo se
apropriar do petróleo, minérios, energia elétrica, água, biodiversidade.. etc. E até das terras
liberando a venda para capital estrangeiro. A tendência da burguesia é abrir o mercado do setor
de serviços controlados pelo estado, liberar agrotóxicos, quebrar do marco regulatório da internet,
etc. O realinhamento de nossa economia de forma subordinada, às empresas/capital
Estadunidenses.
Para a burguesia executar seu plano de seguir acumulando capital, e ter maior controle da
agricultura está em curso um plano que afeta diretamente toda agricultura e os trabalhadores que
vivem no interior: Entregar as terras brasileiras, mesmo dos fazendeiros, para o capital
estrangeiro. Acabar com a Previdência, aposentadoria e beneficios dos trabalhadores/as rurais,
afetando em especial as mulheres. Liberar a exploração do trabalho escravo, diluindo o conceito
na lei e impedir qualquer punição aos criminosos, isso inclui legalizar o pagamento do salário dos
assalariados rurais com comida e aluguel. Acabar com a reforma agrária, mesmo nos limites de

XI EIV SP 58
realizar poucos assentamentos e desapropriações de terras e destruir o Incra. Acabar com as
políticas públicas voltadas para a agricultura familiar, camponesa e assentamentos, como os
programas de Habitação rural, a educação no campo (Pronera), aquisição de alimentos (PAA),
apoio a produção de sementes e assistência técnica. Estimular a venda dos lotes dos assentados
através da titulação privada e individual e com isso desmoralizar a reforma agrária. Acabar com a
demarcação de terra dos povos Indígenas, Quilombolas e reservas ambientais, bem como retirar
direitos dos pescadores, ribeirinhos e outras comunidades tradicionais. Liberar o uso dos
agrotóxicos e produtos transgênicos, que afetam nossa saúde e o meio ambiente e retirar sua
identificação nos rótulos, para que a população não saiba o que esta comendo. Perdoar todas as
multas, dívidas e impostos bilionários que os latifundiários e o agronegócio tem com o Estado.
Entregar para as empresas estrangeiras os recursos da natureza, a biodiversidade, a água, o
credito de carbono (venda de oxigênio das florestas) a energia eólica etc.
O golpe não conseguiu legitimar-se. O governo golpista se manteve no poder, baseado na
compra de deputados, porem não conseguiu apoio popular. O índice de apoio é de apenas 5% da
população. Não há paralelos na nossa historia e nem em outros países. As medidas econômicas
que estão tomando vão agravar a crise econômica. A economia segue atolada. E isso vai trazer
consequências políticas e eleitorais. A crise social vai se ampliar, há um clima de indignação
generalizada, que ninguém sabe como vai estourar. A classe média tinha ido as ruas exigir o golpe
e foi a portavoz do processo. Mas agora ficou desmoralizada, porque o discurso da corrupção
afeta a todos seus lideres. E por isso ela não consegue mais se mobilizar. A direita esta dividida
no comando político. A direita não tem um candidato que seja popular, para enganar o povo, e que
ao mesmo tempo os unifique.
Para o golpe se completar a burguesia precisa inviabilizar a candidatura de Lula em 2018.
Já que ele seria o único líder popular capaz de derrotar o projeto golpista eleitoralmente. A
direita/os capitalistas precisam inviabilizar a candidatura Lula, por representar a única alternativa
viável da classe trabalhadora. Porem já perderam tempo e moral. Pois ao inocentar a quadrilha do
Planalto e dos tucanos, agora não tem moral de apenas criminalizar o Lula. Eles não tem certeza
das reações populares, já que lula tem 42% de voto.
A campanha eleitoral de 2018 terá diversos candidatos na direita e Lula deve ser
candidato, mesmo criminalizado. Com isso a campanha se insere num quadro de intensa luta de
classes, no campo ideológico e de debate de projeto para sair da crise. Lula já tem apresentado
compromissos claros em suas caravanas, nos marcos da luta de classes, de que: a) convocaria
um plebiscito popular, revogatório de todas as medidas tomadas pelos golpistas nesses dois anos.
b) Faria uma reforma dos meios de comunicação; c) debateria a convocação de uma assembléia
constituinte.
Diante do avanço da restauração neoliberal, é uma necessidade histórica a construção da
unidade das forças democráticas, nacionais e populares. O que está em jogo é a soberania
nacional e o restabelecimento da democracia. Não devemos medir esforços para conter e derrotar
o avanço do programa neoliberal e reacionário pela via da luta de massas. O Brasil passa por uma

XI EIV SP 59
crise de destino que só será resolvida quando avançarmos na construção de uma estratégia de
poder em torno de um Projeto de Nação. Trata-se de recolocar o desenvolvimento nacional e as
reformas estruturais no centro da luta política. Isto exige uma força social de massas que garanta
a hegemonia das forças populares. Portanto, é fundamental a construção da Frente Brasil Popular
para seguir acumulando no debate programático. A Frente Brasil Popular deve ser um espaço
aberto às diversas contribuições do campo democrático e popular.
Retomar o debate de projeto de nação não é mero exercício acadêmico, mas uma
necessidade histórica que exige o conhecimento das especificidades da realidade brasileira, a
retomada da luta de massas e o debate com o povo brasileiro. Diante da necessidade de dar
continuidade ao acúmulo programático e de nos prepararmos para a batalha eleitoral de 2018,
precisamos ter mais enraizamento social da Frente Brasil Popular. Para isso, devemos fazer muito
trabalho de base utilizando uma metodologia de educação popular culminando em 2018 no
Congresso do Povo.
Politizar o processo eleitoral em torno da necessidade de um projeto de nação e avançar
no enraizamento da Frente Brasil Popular constituem as metas sínteses do Congresso do Povo.
Certamente será um rico processo de participação popular que envolverá partidos, movimentos
populares, intelectuais, artistas, dentre outros.
Todo este processo de participação popular será potencializado se conseguirmos garantir o
direito de Lula ser candidato a presidência da república. Defender o direito de Lula ser candidato é
defender a democracia e dar um importante passo para a derrota do golpe. Os inimigos do povo
não vão toleram a liderança de Lula e são capazes de tudo para evitar seu retorno a presidência
da república. Por isso, não descartamos a farsa de um golpe dentro do golpe pela via dos setores
reacionários do poder judiciário, pelo parlamentarismo ou pelo semipresidencialismo. O êxito
dessa construção passa, portanto, por derrotar os golpistas nas urnas e nas ruas. Apesar da
gravidade da crise, temos a certeza de que o Brasil pode reencontrar seu rumo. Nosso povo tem
capacidade de luta e merece viver em um país digno, soberano e democrático.

XI EIV SP 60
Projeto popular e América Latina

Encontro de movimentos sociais na Bilívia, 2015. Fonte: http://seapac.org.br/wp-content/uploads/2015/06/Encontro-Mov-Sociais-


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Manoel Piñero - A crise atual do imperialismo e os processos revolucionários na América


Latina e no Caribe

As Revoluções de Libertação Nacional e Social

Toda época imprime suas marcas às revoluções sociais que acontecem em tal tempo
histórico. Isto também é válido para os processos de libertação nacional. Lenin sublinhou esta
ideia ao afirmar: "A época de 1789 a 1871 é uma época especial na Europa. Isto é indiscutível.
Não se pode compreender nenhuma das guerras de libertação nacional, especialmente típicas
daqueles tempos, sem compreender as condições gerais da época".
As revoluções de libertação nacional da fase pré-monopolista do capitalismo formaram
parte das grandes transformações antifeudais, de conteúdo democrático-burguês; o caráter social
capitalista predominante nelas e, portanto, as tarefas que lhes correspondeu desenvolver, eram
inerentes ao deslanchamento mundial, daquele sistema. Desde então, sem deixar de se
considerar o curso de expansão e desenvolvimento da formação socioeconômica capitalista, os
processos de libertação nacional anticoloniais encerravam particularidades próprias,
condicionadas pelo caráter de dominação externa e as circunstâncias históricas e a configuração
econômica e sociológica específica destes países. Desta maneira, o fator nacional representou o
ingrediente peculiar, característico, distintivo daquelas revoluções, enquanto seu substrato mais
geral foi a inserção destes países ao sistema capitalista.
No compasso desta dupla determinação, as múltiplas experiências das lutas
emancipadoras do século XIX em nossas terras, nos previnem do equívoco de pretender igualá-

XI EIV SP 61
las às revoluções europeias daquele período histórico. Nem então, nem agora é válido aplicar de
forma mecânica, sem distinções, o conceito geral de um tipo de revolução a cada situação
específica. Neste caso, como talvez em nenhum outro, aplica-se a conhecida afirmação marxista-
leninista: a alma do marxismo é a análise concreta da situação concreta.
Na nossa época, as revoluções de libertação nacional também apresentam caracteres
peculiares determinados pela crise geral do capitalismo, pela existência de um poderoso sistema
socialista em desenvolvimento e pela confrontação histórica entre os dois sistemas. Isto causa
grandes diferenças entre as atuais lutas de libertação nacional e aquela do período pré-
monopolista do capitalismo. Enquanto o imperialismo cria e sustenta a opressão das nações com
novas relações de dominação – que têm seu centro no capital monopolista e no capital
monopolista de Estado –, as revoluções a que dá lugar nos países subdesenvolvidos tem como
aspecto fundamental a destruição destas premissas e, portanto, seu primeiro aspecto
característico é o caráter anti-imperialista.
Ao mesmo tempo, e pela sua própria natureza anti-imperialista as revoluções de libertação
nacional são elos do processo de transição do capitalismo ao socialismo. Daí nascem,
precisamente, as mais importantes peculiaridades destas revoluções, tanto pelos seus objetivos,
composição social e tarefas, como pelo seu rumo histórico estratégico. São mais avançadas que
suas predecessoras e mantém com elas uma continuidade que culmina em superação dialética.
As realidades materiais predominantes movem-nas, em prazos e formas variáveis, à
liquidação das bases de toda opressão. É a solução inevitável dos países dependentes frente à
encruzilhada em que os coloca a exploração imperialista.
As revoluções de libertação nacional de nossos tempos têm um profundo conteúdo social,
de tal maneira que as convertem em fatos de alcance mundial. Elas são parte indivisível de um
único processo revolucionário internacional, em que a contradição fundamental - socialismo
versus capitalismo - é agudizada pelo seu avanço.
Seu curso anti-imperialista, e sua tendência anticapitalista, as coloca entre as principais
forças de transformação do regime burguês, junto ao sistema socialista mundial e ao movimento
operário internacional. As revoluções de libertação nacional e social da América Latina e do Caribe
são expressão nítida e elementos constituintes destas circunstâncias gerais.
Por outro lado, elas encerram modalidades significativas em relação com os atuais
processos de libertação da África e da Ásia. Nossas revoluções como as da África e da Ásia
avançam também pelo caminho histórico mundial que se iniciou com a revolução de outubro de
1917 e fazem parte dos três continentes subdesenvolvidos que se enfrentam ao imperialismo.
Porém, devido às premissas materiais originadas pela dominação imperialista em nossas terras -
de um nível médio de desenvolvimento superior aos da Ásia e da África -, criaram-se melhores
condições para um avanço mais intenso e radical das revoluções. Estas, em seu curso dialético,
numa primeira etapa assumem tarefas de conteúdo democrático, popular e anti-imperialista e
tendem, em seu desenvolvimento - como parte indissolúvel de seu próprio processo e de acordo
com seu caráter histórico geral-, a realizar tarefas puramente socialistas.

XI EIV SP 62
Neste sentido, a Plataforma Programática do Partido Comunista de Cuba expressa: "Não
existe uma barreira intransponível entre a etapa democrática-popular e anti-imperialista e a etapa
socialista. Ambas fazem parte, na época do imperialismo, de um processo único em que as
medidas de libertação nacional e de caráter democrático – que em certas ocasiões tem já um
matiz socialista – preparam o terreno para as tarefas puramente socialistas. O elemento decisivo e
definitório deste processo é a questão de quem o dirige, em mãos de que classe se encontra o
poder político”.
Desta maneira, os processos de libertação nacional e social deste continente tem que
enfrentar, de forma direta e imediata, o imperialismo, em especial o estadunidense, enquanto
sistema de dominação condicionante da fisionomia do capitalismo na América Latina e no Caribe.
Aqui amadureceram estados nacionais burgueses, que se constituíram há mais de cento e
cinquenta anos, apesar de suas deformações, na maioria de nossos países.
Nestas terras existe uma formidável variedade de experiências nas lutas nacionais e
classistas, as quais deram seu fruto mais completo com a vitória da primeira revolução socialista
do hemisfério, demonstração inequívoca do grau de amadurecimento alcançado por estas
sociedades. Na nossa América o proletariado – agente histórico principal da nova sociedade – é a
força social mais importante, não apenas pelo seu valor qualitativo, mas também pelo seu número
em vários países da região, sem diminuir a significação do campesinato pobre e demais forças
populares. Finalmente, e para citar outro fator relevante, o domínio externo é exercido neste
continente pela potência imperialista mais poderosa, que lhe atribui um caráter geopolítico
estratégico para seus interesses globais, fazendo assim mais difícil - mas também mais radical e
urgente - a libertação de nossos povos. Estas realidades não deixaram de expressar-se
contraditoriamente - com avanços e retrocessos - durante os últimos 25 anos. Mas, ao final da
década passada e de modo crescente no começo desta, nossa região apresenta o maior nível de
aceleração do movimento revolucionário das áreas subdesenvolvidas e inclusive em escala
mundial.
Do que se apresentou até aqui, depreende-se uma original combinação das tarefas
democrático-populares e de reivindicações econômicas, políticas e sociais, que favorecem o
histórico curso socialista da revolução; tarefas anti-imperialistas de libertação nacional junto às de
consolidação do poder dos operários, camponeses e demais camadas trabalhadoras contra a
exploração latifundiária e capitalista. Trata-se, em síntese, de um inter-relacionamento complexo e
dinâmico, de uma tessitura da luta de classes e do combate antineocolonial ou anticolonial em
alguns países. Referindo-se à experiência de Cuba, o Comandante em Chefe Fidel Castro afirmou
no Informe Central ao I Congresso do partido: “Nossa libertação nacional e social estavam
indissoluvelmente unidas, avançar era uma necessidade histórica, parar uma covardia e uma
traição que nos haveria levado a ser de novo uma colônia ianque e escravos dos exploradores”.
Vale a pena indagar nas realidades materiais e históricas que explicam a intensidade,
extensão, profundidade e perspectivas da atual luta de classes em nossas sociedades, para
identificar os fatores objetivos e subjetivos que motivam a atual crise estrutural do capitalismo no

XI EIV SP 63
continente, o auge de vários processos revolucionários e o incremento do movimento combativo
das massas populares.

A Crise do Capitalismo e os Processos Revolucionários da América Latina e Caribe

Existem na América Latina e Caribe, como reflexo do que acontece na realidade, uma
crise dos modelos capitalistas de desenvolvimento econômico. Os projetos de desenvolvimento
autônomo — tentativas das burguesias nacionais de vários países nas décadas de trinta a
cinquenta e variantes desenvolvimentistas posteriores — transformaram-se em frustrações
sucessivas, em consequência dos limites asfixiantes impostos pelo capital monopolista
estrangeiro. Canceladas estas opções, as variantes de desenvolvimento ficaram reduzidas a uma
alternativa: a opção das empresas transnacionais imperialistas e as relações econômicas
internacionais que elas representam, ou o projeto revolucionário das classes populares, em
primeiro lugar do proletariado: a via socialista.
Uma opera nos limites do conjunto de estruturas capitalistas impostas pelo domínio
imperialista, a nível regional, que implica a reprodução das conhecidas condições econômicas e
sociais deformantes e deformadas, e permite a agudização e complicação das contradições do
subdesenvolvimento latino-americano e caribenho, fundamentalmente à polarização da luta de
classes como expressão inevitável da concentração e centralização do capital.
A outra permite alcançar o desenvolvimento autônomo – ou verdadeiro desenvolvimento –
e as desprende das próprias contradições geradas pelo sistema de opressão e exploração; o
socialismo aparece assim como a única solução histórica que possibilita vencer os tremendos
obstáculos de subdesenvolvimento, insolúveis dentro do sistema capitalista.
As economias latino-americanas, como parte do regime capitalista mundial, estão sujeitas
desde os anos setenta ao processo de instauração de uma nova divisão internacional capitalista
do trabalho, promovida pelos países reitores deste sistema. Isto determinou, em primeiro lugar, a
consolidação da hegemonia do grande capital monopolista e financeiro, que se converteu,
definitivamente, no eixo determinante da maioria das economias da região. O destino da evolução
econômica da área depende da dinâmica global do capitalismo em escala internacional como
nunca tinha ocorrido até então. Por extensão, a crise prolongada que o afeta nos últimos anos têm
uma repercussão mais direta e brutal na América Latina e Caribe. O processo de
transnacionalização das economias latino-americanas e caribenhas não excluiu quase nenhum
país, e se expressa, por exemplo, na integração final – ou na sua dependência estrutural – das
burguesias do continente ao grande capital monopolista e financeiro.
Desta maneira o padrão de acumulação de capitais inerente à instauração da nova divisão
internacional capitalista do trabalho, origina uma maior integração das economias nacionais. Esta
nova divisão internacional capitalista do trabalho supõe, para os países desenvolvidos, a
especialização de produção de bens de tecnologia mais complexa e no aperfeiçoamento da
ciência e da técnica, com o objetivo de manter o controle das tecnologias mais avançadas; ao
mesmo tempo, cresce o setor dos serviços e, em geral, aumenta as atividades de caráter

XI EIV SP 64
parasitário da economia monopolista, confirmando-se assim esta tendência do imperialismo
assinalada por Lenin.
Os países subdesenvolvidos são “elevados” a um patamar mais moderno mediante a
incorporação Ir de novas técnicas de produção, levadas até eles pelos países industrializados por
causa da maior densidade relativa de força de trabalho que elas exigem, razão pela qual são mais
rentáveis para exploração dos países dependentes onde a classe operária tem níveis salariais
muito menores. Apesar disto, uma das fórmulas que tem recebido mais apoio do capital
transnacional é o regresso às relações econômicas liberais, que como demonstra plenamente o
caso chileno, representa uma variante extrema de dependência ao capital estrangeiro, de
concentração e centralização das riquezas naturais por ele e pelo grande capital nacional
“associado”, e da aplicação das mais altas taxas de superexploração dos trabalhadores que
registra a história de nossa região. Algumas variantes do capitalismo de Estado, ou inclusive do
capitalismo monopolista de Estado — também dependente pela natureza da sociedade em que
nasce –, repousam no mesmo princípio de modernização mediante a atração do capital
estrangeiro, ainda que por vezes surjam contradições com este como consequência de eventuais
divergências de interesse que podem chegar a ser significativas.
Não é nosso propósito tratar extensamente a complexidade deste processo, senão
assinalar sua importância para o exame do tema que nos ocupa, dadas as contradições e novas
circunstâncias que suscita, em particular a tendência à redução da democracia burguesa e a
instauração de regimes militares repressivos. Isto em nosso entender aumenta as condições
propícias para as atividades das vanguardas revolucionárias e ao mesmo tempo exige delas sua
mais alta capacidade de luta em todas as frentes e a compreensão científica das novas
reacomodações do capitalismo em suas diversas manifestações globais e nacionais.
Queríamos assinalar neste sentido, algumas das contradições que se observam neste
processo e que de uma ou outra forma estão presentes na maioria dos países da região. Há uma
contradição inicial, que surge da necessidade das economias da área de incrementar os
investimentos para conseguir o desenvolvimento e os limites que lhes impõem estreito mercado
interno, precisamente devido ao domínio exercido pelos monopólios estrangeiros.
Paradoxalmente, os efeitos da moderna tecnologia utilizada em novos investimentos pelas
empresas transnacionais são minimizados no mercado interno dos países receptores, pois não
tendem a elevar a quantidade de empregos e inclusive, quando se deslocam as tecnologias
velhas e as atividades artesanais, o impacto sobre o mercado interno é totalmente negativo. Por
outro lado, como consequência do controle monopolista dos preços, o absoluto domínio das
finanças e da possibilidade de expandir-se devido a quebra dos concorrentes, as empresas
transnacionais não se interessam especialmente na ruptura das relações agrárias tradicionais
baseadas no latifúndio.
De tal modo, a sobrevivência destas estruturas agrárias arcaicas – apesar de sua
modernização relativa, como consequência de outros fatores que analisaremos depois – e o
aumento sustentado do desemprego e do subemprego – cuja manifestação mais ostensiva são os

XI EIV SP 65
bairros periféricos infra-humanos impõem fronteiras muito estreitas à expansão dos investimentos,
traduzindo-se isto tudo em maior estagnação econômica. Outra contradição significativa se
manifesta no interesse primordial das empresas transnacionais por obter altos lucros para cobrir
rapidamente o capital investido e aumentar seus dividendos. Assim, os benefícios de sua gestão
não são reinvestidos no país que os origina, pois as limitações de seu mercado interno
determinam que as empresas transnacionais desviem os lucros para os novos mercados de
outros países.
Tal circunstância gera um antagonismo entre a necessidade dos países subdesenvolvidos
de aumentar os investimentos e os interesses das empresas transnacionais por elevar sua
rentabilidade global, acentuando-se deste modo a descapitalização daqueles e sua dependência
financeira. Como efeito da nova divisão internacional capitalista do trabalho, os desequilíbrios
endêmicos da balança comercial e de pagamentos dos países latino-americanos são manipulados
ainda mais intensamente pelo Fundo Monetário Internacional e pelos bancos privados
internacionais, com o fim sistemático de lhes impor uma política de acordo com os interesses do
grande capital imperialista.
Esta espécie de neodesenvolvimentismo modernizante do capitalismo dependente eleva a
níveis superiores e decisivos a transnacionalização das economias e abrange a quase todos os
países do continente. Junto a consolidação da hegemonia do capital monopolista e financeiro
como centro reitor das economias da região se reforça sua aliança com os setores do grande
capital local, num processo onde a desnacionalização se traduz em níveis superiores de
submissão ao padrão de acumulação imperialista. Esta dinâmica que corresponde à atual etapa
de crise e recessão do capitalismo internacional, esgota definitivamente as etapas anteriores de
relativo desenvolvimento industrial nacional, sustentado na substituição das importações e na
ampliação do mercado interno. Ao mesmo tempo, tende a provocar no plano político a crise dos
agrupamentos multiclassistas de corte populista e das organizações estatais democrático-
burguesas.
Apresenta-se uma acelerada tendência para a polarização entre as classes da estrutura
social, demarcando-se fronteiras mais claras entre as forças em pugna. Definem-se desta maneira
na maioria de nossos países, dois grandes blocos classistas: as classes e setores vinculados
organicamente ao capital estrangeiro, e, outro de ampla base, integrado pela classe operária em
primeiro lugar, o campesinato, os desempregados, subempregados e segmentos crescentes dos
chamados setores médios.
A crise na região dos modelos capitalista de desenvolvimento, colocaram em destaque e
com maior vigência a questão do desenvolvimento socialista como única alternativa ao
subdesenvolvimento gerado pelo capitalismo. Nas últimas duas décadas, o reformismo econômico
e político colocam em prática variantes diferentes a fim de diminuir os efeitos da implantação do
novo padrão de acumulação capitalista. Entretanto, todas resultaram em fracassos pela sua
debilidade em enfrentar as estruturas econômicas, sociais e políticas que sustentam o sistema de
dominação capitalista da região. Um propósito dos projetos reformistas tem sido o de atenuar a

XI EIV SP 66
luta de classes, o que tem sido conseguido apenas em alguns casos e durante breves momentos,
pois as massas tendem a radicalizar ainda mais sua atividade ao não poder resolver os problemas
de fundo, que as faz aumentar a consciência sobre as vias de como consegui-lo.
Como se comprovou em diferentes países e momentos, o reformismo aspira apenas a
destruir a economia exportadora tradicional e a compartir o poder econômico com os monopólios
estrangeiros, opondo-lhes o capitalismo de estado. Já não se trata de conseguir a independência,
que sabe inalcançável; aceita, como premissa, a dependência do capital estrangeiro, e tenta obter
o máximo proveito para os interesses econômicos que diz representar. As camadas sociais que
sustentam esta posição são, regularmente, as burocracias civis e militares, que se apoiam de
forma parcial e eventual em estratos dos setores médios. Elas tratam de herdar nas novas
condições a função da burguesia nacional, que fracassou em seus projetos nas décadas de trinta
a de cinquenta. Agora a situação material dominante torna mais fatal o desenlace negativo destes
projetos. Por isto, sua debilidade não é apenas econômica. No âmbito político costumam aceitar
também como inevitável a imposição de restrições à democracia burguesa e o emprego de
mecanismos estatais repressivos, que garantam os altos níveis de exploração e miséria a que são
submetidas as massas populares.
Coincidindo nestes anos com o agravamento da crise econômica mundial, fizeram-se
visíveis na área as consequências negativas derivadas da nova divisão internacional capitalista do
trabalho, o esgotamento das tentativas reformistas, o crepúsculo dos regimes democráticos
burgueses e a tendência de sua substituição por regimes democráticos burgueses e a tendência
de sua substituição por regimes militares ditatoriais. Tudo isto marca o final de uma época
histórica no continente, ao mesmo tempo que promove um novo cenário para a luta de classes, no
qual os povos e suas organizações revolucionárias encontram maiores potencialidades para
desenvolver suas lutas. Estas são mais radicais, pela natureza da base material que as
condiciona e, consequentemente, se tornam mais complexas e diversas em suas expressões
nacionais. Elas têm um objetivo comum: a solução definitiva das contradições do sistema de
exploração e opressão imperialista pela via das transformações revolucionárias das estruturas
econômicas e políticas. Este caminho é o que percorrem, com suas especificidades de ritmos e
formas, Nicarágua e Granada, enquanto em El Salvador e Guatemala observam-se avanços muito
promissores. Cuba, na vanguarda histórica, demonstrou a viabilidade da alternativa e segue por
ela vitoriosamente.
América Latina e Caribe começam desde meados dos anos setenta, uma etapa de aguda
polarização de suas estruturas sociais, de acirramento dos enfrentamentos políticos e de
antagonismo cada vez mais definido entre revolução e contra-revolução. Em resumo, as bases
materiais dos atuais processos revolucionários latino-americanos e caribenhos foram criadas
pelas mudanças ocorridas nas relações econômicas e sociais dos nossos países, em especial a
partir dos anos cinquenta. Estas transformações conformaram níveis – inclusive médios – de
desenvolvimento do capitalismo, de uma compleição deformada – e deformante – que é

XI EIV SP 67
necessário ter muito em conta para definir o caráter das revoluções de libertação nacional e social
desta parte ao mundo.
O crescimento do capitalismo na região provoca um desenvolvimento do
subdesenvolvimento, por causa da dominação imperialista e da não ruptura essencial das
relações agrárias arcaicas, baseadas no latifúndio. Estas circunstâncias acentuam
ininterruptamente a contradição entre o caráter e o desenvolvimento das forças produtivas, em
ambos os casos moldados pelo capital estrangeiro, pela burguesia local a ele associada e pelos
proprietários de terras. Trata-se, portanto, de uma formação socioeconômica capitalista
subordinada ao sistema imperialista mundial mediante relações neocoloniais.
Precisamente neste ponto reside a natureza histórica da crise atual das sociedades latino-
americanas e caribenhas; histórica porque além de ser econômica e social, não existirá uma
transformação substancial no futuro do continente sem transformações anti-imperialistas e
anticapitalistas. Por isto, a crise atual da região é simultaneamente crise da dominação
imperialista, das relações agrárias obsoletas e do conjunto das relações de produção do
capitalismo dependente. É uma crise simultânea de todas estas estruturas, que se liga com uma
crise política, jurídica e ética; é uma crise global da sociedade, agravada pelos efeitos negativos
crescentes da crise geral do capitalismo. A convergência destes fatores e processos determina o
caráter histórico das revoluções contemporâneas de nosso continente. Este caráter não exclui e
de fato pressupõe, a possibilidade de várias formas e ritmos de aproximação ao socialismo e de
diferentes caminhos nacionais que facilitam o acesso à uma primeira etapa anti-imperialista,
democrática e popular da revolução.
Não obstante, é importante ressaltar que as bases materiais criadas pelo desenvolvimento
do capitalismo na maioria dos países do continente estabelecem as condições necessárias que
permitem às revoluções triunfantes avançar de modo ininterrupto - ainda que por etapas, em um
só processo histórico rumo ao socialismo. Um fator que propicia este desfecho factível são as
múltiplas experiências acumuladas por nossos povos em suas intensas e variadas lutas,
especialmente depois de 1959.
Desde então, assistimos ao desenvolvimento de movimentos reformistas democrático-
burgueses; de diversas experiências nacionalistas, em busca de opções para conseguir o
desenvolvimento, a independência e a autodeterminação. A atividade da classe operária tem sido
incessante, com o resto do movimento popular. Formidáveis exemplos acumularam-se na
utilização revolucionária das armas pelas vanguardas e pelos povos: vivemos uma experiência
interessante e útil – a chilena – para alcançar o socialismo. Ditaduras militares de velho e novo
tipo proliferaram, produziram-se levantamentos de militares patriotas e instauraram-se governos
nacionalistas dirigidos por eles. Houve uma notável incorporação à luta de setores cristãos
progressistas e revolucionários. Nicarágua e Granada, com suas revoluções vitoriosas,
reafirmaram a validade do caminho ao poder aberto por Cuba e enriqueceram o acervo da cultura
revolucionária continental.

XI EIV SP 68
Estes quase vinte e cinco anos de pelejas e sacrifícios, impregnados com o sangue de
milhares de combatentes, representam a melhor escola atual para o movimento revolucionário de
nossa América; agora, além do aval teórico-científico, das ricas experiências acumuladas pelos
nossos povos desde as guerras de independência, dispõe-se de um volume de situações vividas
por eles e pelas várias gerações revolucionárias em lutas, suficientemente vasta e clara em suas
lições fundamentais. Temos diversidade de experiências e situações, avanços seguros,
retrocessos temporais, porém uma verdade se reafirma, uma e outra vez fazendo-se
incontestável: o curso histórico rumo ao socialismo não depende só das leis objetivas do sistema
capitalista; em sua cristalização, as vanguardas revolucionárias têm a primeira e decisiva
responsabilidade de impulsionar este processo e isto deve demonstrar-se antes de mais nada, na
capacidade de conduzir os povos na conquista do poder.
Problema cardinal de toda revolução, ele sintetiza os diversos aspectos que se devem ter
em conta e solucionar-se corretamente para aumentar as possibilidades deste momento crucial,
fim de um complexo processo e garantia de seu desenvolvimento.
Entre tantos fatores vinculados ao problema de luta pelo poder, consideramos
imprescindível examinar primeiro a estrutura de classes e das forças sociais que objetivamente
tendem a participar na revolução.

Estrutura de Classes e Forças Motrizes da Revolução

Não nos deteremos extensamente no tema, pois na conferencia teórica celebrada em 1980
tivemos ocasião de fazê-lo. Interessa aqui, a propósito do objeto central da conferencia, identificar
os principais atores da atual luta de classes no continente. A análise da estrutura de classes é
inseparável de suas lutas pois estas, no seu desenvolvimento modificam aquelas, assim como as
demais estruturas da sociedade. Por isto, o primeiro fator a considerar é a dominação imperialista,
a que atribuímos a função condicionante principal da estrutura e da luta de classes em nosso
continente. Examinemos então o bloco das classes dominantes.
Os processos econômicos modernizadores descritos, motivam nos últimos anos a
conformação de uma espécie de nova oligarquia que representa as diferentes frações da grande
burguesia – industrial, comercial, financeira e agrária. Ela está subordinada e comparte a mesma
estratégia de desenvolvimento e dominação do capital imperialista, ainda que em ocasiões
apareçam certas divergências de interesse que resultam não desprezíveis para o combate tático
do movimento revolucionário.
Outro ingrediente do bloco das classes exploradoras é a declinante burguesia média ou
nacional, debilitada substancialmente pelos rigores da aliança da grande burguesia e das
empresas transnacionais. Geralmente, esta burguesia se vê reduzida ao setor industrial mais
tradicional – bens de consumo não duráveis – e diminuem progressivamente suas possibilidades
de reprodução econômica. Tal circunstância faz que muitos setores da burguesia média possam
converter-se em aliados importantes do processo revolucionário, ainda que isto não dependa
sempre de uma tática estabelecida com relação à ela, mas decorra da armação de seus
interesses com diferentes ramos da economia, de fatores ideológicos e de situações específicas

XI EIV SP 69
de luta. A terceira força deste conjunto são os proprietários de terras. Em alguns países, eles
mantêm seu poder, baseando-se, fundamentalmente, no controle da propriedade da terra. Em
vários países, entretanto, as distintas reformas capitalistas feitas no campo incidiram sobre esta
classe, desintegrando-a ou modificando-a em uma ou outra medida. Em quase todos os casos,
surge um setor de empresários capitalistas agroexportadores, pecuaristas modernos e
agroindustriais, enquanto subsiste uma parte sob a forma tradicional de latifundiários, muitos dos
quais se convertem em arrendatários de suas terras.
Este processo de dissolução de classe dos proprietários de terras encontra-se ainda
inconcluso na maioria dos países, e comportará numerosos passos e ritmos diferentes, de acordo
com as circunstâncias de cada país. Mas em seu movimento geral, é conveniente assinalar que a
fração modernizadora – a grande burguesia rural mencionada, – tende a estreitar seus nexos com
setores da burguesia comercial e financeira local, subordinando-se também em última instância
aos interesses e ao padrão de acumulação da burguesia imperialista – que se torna beneficiária e
centro decisório principal das novas relações de exploração capitalista na agricultura latino-
americana.
Deve registrar-se que este processo de transformações no campo gera contradições entre
os setores do capital modernizante e os proprietários de terras defensores do latifúndio tradicional.
Estes últimos reagem com força ante certos 8 aspectos das reformas agrárias e ante todas
aquelas modificações que alterem seu estado, acentuando-se seu desempenho reacionário nas
lutas de classes e conformando em muitos países uma parte significativa da contrarrevolução.
Para resumir, se observa uma tendência à homogeneização das classes dominantes,
como nunca antes na história continental, determinada pelos processos internacionais do
capitalismo antes assinalados, sem descontar, por outro lado, que os diferentes níveis econômicos
das sub-regiões e países não permitem uma generalização absoluta; por exemplo, ao comparar-
se a situação de alguns países da América Central e do Caribe com outros do continente.
Ao mesmo tempo é útil apontar, pelo seu valor prático evidente, que as transformações
que se vêm operando no sistema capitalista de nossa região, originam várias contradições no
interior do bloco das classes dominantes, entre elas se destacam:
– pugna entre setores da grande burguesia local e o capital monopolista estrangeiro, ao
buscarem os primeiros, melhores possibilidades econômicas no mercado externo.
– diferença de interesses entre os latifundiários e a grande burguesia agrária.
– conflito da burguesia média com a grande burguesia ou nova oligarquia e o capital
transnacional.
– setores médios integrados e defensores do sistema, mas que aspiram a uma reforma e à
renegociação da dependência frente ao capital transnacional.

Convêm agora examinar em seu conjunto aos chamados setores médios. Nas sociedades
latino-americanas estas forças são difíceis de definir - talvez mais que em outras países
capitalistas, devido à diversidade de elementos que as integram, a reduzida estabilidade

XI EIV SP 70
econômica de uma grande parte delas e outros fatores da dinâmica da luta de classes. Devido à
estas características, é muito difícil acomodar todos estes setores no bloco das classes
dominantes ou no das classes exploradas. É válido, entretanto, identificá-los a partir de uma
posição classista.
Compartimos o critério de que eles, por si sós, não conformam uma classe social orgânica.
O componente fundamental desta força social é a pequena burguesia urbana, integrada por
comerciantes e empresários pequenos, profissionais com negócios individuais, entre outros. A ela
se somam diversas camadas da população – funcionários, estudantes, empregados públicos,
trabalhadores qualificados, profissionais liberais, etc.
A característica distintiva dos setores médios é sua heterogeneidade econômica e social,
que determina seu conteúdo sumamente contraditório. Em decorrência disto, os setores médios
não podem elaborar um projeto histórico independente e é comum que seus componentes
necessitem uma aliança com uma classe determinada.
Por um lado, tem um nível de vida médio superior ao dos trabalhadores manuais; são, no
geral, suscetíveis de ser influenciados pela ideologia burguesa, criando-se neles valores e
expectativas próprias dela. Algumas de suas camadas atuam como administradores do Estado
capitalista e estão plenamente comprometidas com ele.
Por outro lado, muitos dos membros destes setores são assalariados ou pequenos
empresários não vinculados ao capital monopolista nem a oligarquia local, pelo que ambos sofrem
as consequências das crises do sistema e da imposição do novo padrão de acumulação, que os
leva à miséria ou fazem-nos diminuir sensivelmente seus níveis de vida.
Além disto, a ausência de garantias individuais e de uma institucionalidade democrática,
repercute na posição de tais setores frente ao sistema. Estes fatores, entre outros, tornam
possíveis que numerosos membros dos setores médios adotem uma linha progressista e inclusive
de identidade com os interesses da classe operária. Corresponde às forças políticas da burguesia,
de um lado, e as classes exploradas de outro, atrair aos membros dos setores médios, que se
inclinam pelas razões assinaladas, a uma ou outra direção ou posição de classe. Em tais setores,
muito numerosos na maioria de nossos países e com um papel qualitativo sempre importante, se
encontra uma força que resulta decisiva para o desenvolvimento vitorioso da revolução latino-
americana. Daí a atenção priorizada que lhes concedem os partidos e organizações
representativas das classes exploradas, com o fim de isolar suas camadas reacionárias,
neutralizar e atrair o máximo de elementos ambivalentes e ganhar para a revolução aos que estão
objetivamente em condições de incorporar-se neste projeto histórico. Muitas vezes, componentes
numerosos dos setores médios se convertem numa força avançada, catalisadora das lutas
revolucionárias de seus povos e com importante presença nas vanguardas.
Ao compasso das transformações ocorridas em anos recentes nas estruturas capitalistas
da América Latina e do Caribe, produziram-se algumas mudanças na correlação interna do bloco
das classes exploradas. Assim, se incrementam sensivelmente os níveis de pauperização relativa
e absoluta de todas as classes e setores oprimidos.

XI EIV SP 71
Devido aos novos processos de industrialização assinalados, a classe operária tende a ser
mais heterogênea na sua composição por setores, o que contribui para fazê-la mais
representativa do conjunto dos interesses populares. Simultaneamente, é necessário considerar
que a industrialização em curso tende a concentrar o setor de trabalhadores que lhe está
associado e a estratificá-lo com relação ao resto da classe. Isto se acentua nos lugares onde
desaparecem ou diminui a importância de outros setores econômicos, por exemplo, a indústria
nacional média ou pequena, e a mineração. É conveniente tomar tais diferenças em consideração,
para evitar que se convertam em obstáculos à unidade da classe operária industrial.
O setor rural do proletariado também se modificou. A ampliação das relações capitalistas
no campo suscita um incremento relativo deste segmento vital da classe operaria e, o que é ainda
mais importante, gera uma maior concentração no contexto de grandes fazendas. Isto aumenta
sua capacidade de organização classista, que às vezes também se vê beneficiada por uma
qualificação superior e pelas relações com o proletariado industrial urbano. As amplas massas do
campesinato pobre constituem a outra força fundamental dentro do bloco popular.
O campesinato de nossos países segue integrado por diversos segmentos – meeiros,
parceiros de vários tipos, pequenos proprietários, posseiros, entre outros – mas o fator comum
que os caracteriza é sua extrema e crescente pobreza; suas formas mais infra-humanas seguem
concentradas nas massas indígenas, submetidas aos níveis mais altos de exploração e
marginalidade social. O campesinato é ainda a classe numericamente mais importante da
população rural em vários países da região, enquanto em outros já não é assim, como
consequência das transformações capitalistas ocorridas no campo. Pelo seu impacto, a fração dos
camponeses proprietários sofre a pressão da concorrência das grandes fazendas produtivas, que
muitas vezes ocasiona a ruína ou o despojamento de sua parcela. Em geral, este processo
implica uma tendência à eliminação do campesinato, pois a modernização capitalista do campo
tende a reduzir a composição desta classe; proletarização e semi-proletarização, de um lado, e
expulsão para as cidades – especialmente para os cinturões periféricos, de outro lado. Ao mesmo
tempo, em várias regiões, ao diminuir notavelmente a extensão das terras às quais tem acesso os
camponeses – ou manter-se igual –, o aumento da população faz com que não possam manter-se
como parcelas de subsistência familiar. Toda esta complexa situação amplia a consciência do
campesinato sobre a necessidade de executar profundas reformas agrárias e incrementa o
potencial de suas lutas reivindicativas e de caráter revolucionário, o que contribui objetivamente
para as possibilidades de desenvolvimento de sua aliança com a classe operária.
Ao lado destas classes exploradas, às vezes formando parte de uma ou outra ou separada
por fronteiras muito sutis, está o subproletariado urbano e rural. Ele representa um numeroso
setor da população latino-americana e caribenha, instável por natureza ou em via de transição,
que pode chegar a constituir-se em população marginal, em lumpenproletariado, ou incorporar-se
ao sistema produtivo. Estas forças sociais pressionam pela resolução de seus problemas –
urbanizar suas populações, etc. – protagonizando às vezes violentas explosões. Por sua
composição e situação, tendem a ser inconstantes e maleáveis pelos partidos do sistema, ainda

XI EIV SP 72
que também se demonstrou que é factível orientá-las para objetivos revolucionários quando se
realiza um trabalho efetivo com elas, por exemplo, com as populações marginais.
Para completar o amplo leque que abrange a base social dos processos revolucionários
atuais do continente, é forçoso incluir a abundante e ascendente massa de desempregados,
vítimas extremas do regime capitalista ao não disporem do mínimo de possibilidades para sua
subsistência. Este conjunto de classes, camadas e setores que compartem níveis de vida
semelhantes e situações de exploração sem solução possível dentro do sistema dominante –
muitas vezes, além disto, submetidos aos terríveis rigores de governos ditatoriais reacionários –
não podem deixar de entrar em contradição radical com a formação socioeconômica que existe.
Constitui, portanto, o sujeito histórico das revoluções atuais em nosso continente, correspondendo
à classe operária ocupar o centro fundamental deste multi-facético leque de forças, todas
importantes na luta pelo poder e no desenvolvimento posterior do projeto socialista. É impossível
definir por igual o papel de cada uma destas forças em todos os países; corresponde a suas
vanguardas fazer esta análise e conseguir a correlação acertada de suas táticas, em função de
otimizar a participação efetiva delas nas diferentes etapas e cenários de luta.
As especificidades e matizes condicionados pelo enfrentamento histórico geral e decisivo
de nosso tempo, o da burguesia e o proletariado, incluem contribuições indispensáveis para o
triunfo das revoluções no continente. Vale a pena sublinhar, neste sentido, o papel destacado que
desempenharam os camponeses nas revoluções vitoriosas e nas que estão atualmente em
desenvolvimento em El Salvador e na Guatemala. Neste último país é decisiva a incorporação
indígena na luta pelo poder.

Estratégia e táticas da Revolução e Considerações Gerais

Partimos de uma verdade elementar: a luta de classes não é planificável, nem


programável; menos ainda o é o triunfo das revoluções. Também nos baseamos em outra verdade
conhecida: quando as revoluções são autênticas sempre respondem a leis universais, mas
também sua própria autenticidade fazem-nas singulares em relação aos seus perfis nacionais.
Queremos expor somente nossas considerações de alguns fatores e problemas mais gerais, que
estão presentes nos processos atuais da região; estes ingredientes comuns, ainda que também
exibam suas tinturas nacionais, foram confirmados com o triunfo de Cuba, Nicarágua e Granada,
repetem-se claramente em El Salvador e Guatemala e demonstram sua vigência em outros
processos em desenvolvimento.
Para os marxistas-leninistas, o problema central da revolução é a tomada, do poder. Isto
significa propiciar as condições materiais e subjetivas que permita fazer avançar ininterruptamente
o processo rumo à etapa socialista. A primeira e mais importante destas condições é a destruição
do aparelho estatal burguês e sua suplantação por um Estado revolucionário baseado na
hegemonia do proletariado em estreita aliança com as demais classes e setores populares. Esta
ruptura histórica é insubstituível em toda revolução verdadeira. Nem todos os componentes do
Estado burguês podem ser destruídos ao mesmo tempo, nem com iguais métodos. No entanto o
núcleo do aparelho do Estado, sua força repressiva, é a chave para conseguir o domínio sobre o

XI EIV SP 73
resto do corpo estatal; portanto, sua destruição é a prioridade indispensável e definitória do triunfo
de qualquer revolução. O aparelho repressivo é, em última a instância, aquilo que garante à
burguesia a conservação do poder, como se torna evidente nas situações de crise.
Certamente é possível encontrar diferenças substanciais na comparação das formas de
dominação política e ideológica dos regimes burgueses; mas as diferenças são mínimas com
relação às formas de organização e atuação dos aparelhos repressivos deste tipo de Estado.
Portanto, o problema do poder repousa, sobretudo, na validade da estratégia para alcançar este
fim. Consequentemente, a estratégia revolucionária deve cumprir, pelo menos, os seguintes
requisitos: definição do caráter da revolução; avaliação da correlação mundial, regional e nacional
de forças; identificação do inimigo principal, seus aliados e as contradições entre eles; definição
da classe dirigente da revolução, seus aliados e os pontos convergentes e divergentes com estas
forças; elaboração das diretrizes principais da via de luta selecionada e das demais formas
complementares, indispensáveis para o avanço da revolução.
A estratégia do movimento revolucionário se apoia em critérios científicos que, portanto,
resultam eficazes apenas na medida em que se adaptam às condições específicas de cada país.
O desenvolvimento da revolução supõe o amadurecimento, durante um período mais ou menos
longo, das forças protagonistas da dupla tarefa de destruir a velha ordem e construir a nova. As
múltiplas atividades destas forças, desde as lutas reivindicativas até os objetivos políticos e
militares gera, em determinado momento, o inicio de um período pré-revolucionário, caracterizado
por um alto grau de enfrentamento entre as classes, e pela crise do poder burguês. Neste
processo, a atividade incessante dos partidos e organizações de esquerda é decisiva.
A partir de então ampliam-se as possibilidades de triunfo revolucionário e o assalto ao
poder se converte na prova definitiva da eficácia de estratégia assumida e da capacidade tática da
vanguarda para conduzir as massas rumo à meta decisiva. Em primeira instância, o fundamento
de toda estratégia reside nas condições objetivas que a determinam e lhe dão viabilidade
histórica. Deste modo, se as condições subjetivas não correspondem com a estratégia assumida,
isto não supõe sua substituição por outra de menor alcance. Neste caso, e é o que acontece na
maior parte das vezes, é necessário utilizar as táticas adequadas que permitam alcançar a
compreensão prática da viabilidade e necessidade da estratégia assumida.
Esta compreensão é consequência de uma complexa e dinâmica participação direta e das
massas que consciente ou inconscientemente assimilam e fazem sua a estratégia elaborada e
dirigida pela vanguarda. As massas não atuam somente por uma convicção que se lhes injete de
fora – sem diminuir o valor da propaganda revolucionária. Elas não se lançam ao combate pela
simples fé nas promessas de um mundo melhor e um ideal futuro; é a própria experiência que
acumulam ao confrontar seus interesses vitais com as realidades econômicas e políticas de onde
vivem, que se torna a principal escola na qual aprendem o caminho estratégico de sua libertação
e os meios práticos de avançar por ele. Portanto, frente ao problema de como fazer triunfar a
estratégia somente pode-se responder mediante as diferentes táticas de luta. Por conseguinte, a
elaboração e aplicação vitoriosas das táticas revolucionárias é a prova mais completa e definitiva

XI EIV SP 74
de uma vanguarda. Na vida real, não existe tarefa mais difícil que a adequação das táticas à linha
estratégica adotada pois enquanto esta repousa numa análise científica da realidade, as primeiras
devem ter em conta, além disto, múltiplos fatores conjunturais, dificilmente controláveis ou
predizíveis cientificamente. Por isto, a ação cotidiana requer junto com a formação teórica da
vanguarda, uma especial capacidade e sensibilidade para captar o concreto-real. Somente assim
se poderá manejar a dialética da luta, com tal flexibilidade que permite implementar decisões
rápidas e eficazes frente ao desenvolvimento dos acontecimentos, em especial nos períodos
revolucionários, que costumam apresentar frequentemente situações inéditas.
A rigor, as vanguardas e as lideranças individuais nascem precisamente onde, além de sua
estratégia correta, se define e desenvolve, em cada momento, a tática acertada de luta. Este é em
síntese o atributo fundamental de uma legítima vanguarda.
O desafio decisivo para toda vanguarda é a elaboração de táticas ajustadas às
circunstâncias concretas e aos objetivos estratégicos da revolução. Sem pretender uniformizar os
fatores que se devem ter em conta na formulação de táticas, a experiência indica que existem
certos pontos de referência úteis de serem considerados pelo seu valor geral. São eles entre
outros a correlação das forças em cada instante da luta; as contradições no seio das classes
dominantes; os objetivos táticos e as manobras políticas do inimigo; a organização, consciência,
tradição de luta e psicologia social das massas, e a coesão e fortaleza integral da vanguarda.
Como se sabe, nenhum destes fatores é estático. Por exemplo, um enfoque metafísico
atribui sempre à classe dominante uma força superior à das classes oprimidas. Mas a correlação
de forças se caracteriza pelo seu dinamismo; a ação atinada e audaz dos destacamentos
revolucionários, com o apoio das massas, pode originar bruscas mudanças em favor dos mesmos.
O contrário acontece quando as forças revolucionárias são inadequadas ou não alcançam o nível
e a criatividade que exige determinada conjuntura. A história demonstra o alto preço que pagam
os povos nestes casos, pois cada um dos erros, deficiência e fracassos do movimento
revolucionário é profundamente explorado pelo adversário.
Finalmente, é importante considerar que muitas vezes não é possível definir os limites
entre a estratégia e a tática, devido à sua inter-relação e complementação recíprocas. Ao elaborar
sua estratégia e tática de lutas, o movimento revolucionário latino-americano e caribenho tem à
sua frente condicionamentos fundamentais e permanentes; o caráter da dominação imperialista no
continente e a política dos governos norte-americanos.
Os EUA incluem nossa região no núcleo interior e medular de sua estratégia mundial. O
imperialismo norte-americano mantém com relação ao nosso continente uma linha integral, na
qual estão presentes todos os elementos necessários para seu controle hemisférico. Como parte
de uma estratégia global, a política dos EUA com relação aos seus vizinhos do Sul está
sustentada em princípios simultaneamente internacionais e continentais; também em certos
casos, existem enfoques particulares das relações com determinados países e regiões.
Junto à importância econômica, militar e política que os EUA atribuem às nossas terras,
desempenha um papel significativo em sua arrogância de não admitir o triunfo de revoluções

XI EIV SP 75
libertadoras dentro das que considera suas fronteiras de segurança nacional. Estas circunstâncias
determinam o enfrentamento cada vez mais agudo entre os processos democráticos, populares e
revolucionários da área e o imperialismo norte-americano. É por isso que em suas estratégias, as
vanguardas populares brindam uma especial atenção aos objetivos anti-imperialistas, e se
convertem na linha principal de combate revolucionário estratégico e tático.
Ao mesmo tempo, os revolucionários sabem que a crise do imperialismo norte-americano
engendra correntes e forças políticas internas, com enfoques diferenciados a respeito das formas
mais adequadas de resolver a crise e manter o domínio mundial. Assim, pode-se observar
diversidades reais nos matizes de um ou outro governo norte-americano – e inclusive no interior
de cada um deles –, que se expressa logicamente em sua política para nossa região.
A experiência ensina que nas questões táticas, os revolucionários devem conceder a mais
esmerada atenção à política que desenvolve as administrações norte-americanas, com o fim de
identificar seus pontos fracos e deles conseguir os melhores frutos. Cuba e Nicarágua nos
entregam valiosas experiências na compreensão acertada e no uso tático conveniente das
brechas abertas por diferentes governos estadunidenses.
Do anterior se deduz que a concepção estratégica e as táticas dos processos
revolucionários latino-americanos e caribenhos adotam como linha principal de seus esforços para
a derrota do inimigo global. Este critério é compartido por todos os partidos e organizações
revolucionárias da região. As mudanças socioeconômicas e políticas que demandam estas
sociedades têm como pré-requisito a liquidação do domínio do imperialismo norte-americano
sobre cada um dos países, o que implica desalojar do poder a cada um dos seus representantes.
Por isto, a solidariedade entre todas as forças anti-imperialistas é uma necessidade histórica e
uma condição iniludível para alcançar a libertação nacional e social de nossos povos.

A unidade, as massas e as armas na luta pelo poder

As experiências das revoluções vitoriosas e dos múltiplos processos que se desenvolvem


neste continente, ratificam o critério geral formulado pelo companheiro Fidel Castro sobre os três
ingredientes decisivos para alcançar o triunfo revolucionário: a unidade, as massas e as armas. É
conveniente examinar separadamente o valor específico de cada um destes fatores.
A vida demonstra que não é suficiente proclamar a necessidades da unidade para avançar
em sua realização. É precisamente deste modo que se prova a maturidade real de uma
vanguarda e a plena entrega à causa de seu povo. As paixões individuais, os desvios sectários e
demais limitações, devem 13 ceder lugar aos interesses coletivos das massas. O processo
unitário abrange todas as forças motrizes da revolução e os setores democráticos aliados.
Entretanto, seu nervo vital é a sólida união da vanguarda.
O certo é que quando os diferentes destacamentos de esquerda conseguem cimentar sua
unidade de ação, tem uma estratégia coerente e sustentam táticas de lutas comuns, as massas
populares – solidárias entre si por instinto – multiplicam esta unidade, até faze-la virtualmente

XI EIV SP 76
irreversível. E quanto mais amplo é o leque de forças – nacionais e internacionais – que intervém
na luta contra o inimigo imediato, tanto maior é o imperativo de unidade da vanguarda.
A esta altura da história revolucionária latino-americana e caribenha, isto significa o
reconhecimento objetivo de que na maioria de nossos países junto aos experimentados partidos
comunistas, desenvolveram-se outros partidos e organizações de esquerda que conquistaram na
luta o respeito de seus povos e muitas vezes representam destacamentos exemplares de sua
condução pelo caminho da libertação definitiva. Por isto, a unidade de tais partidos e
organizações, e destes com os comunistas, é premissa indispensável para fazer avançar as
revoluções democráticas, populares e anti-imperialista em nosso continente. É imprescindível
compreender os processos unitários e evitar dar passos superficiais que mais tarde resultem ser
contraproducentes. É necessário, da mesma maneira, conseguir que o espírito não-sectário, de
efetiva colaboração, se implante nos diferentes níveis dos partidos e organizações, porque muitas
vezes na vida real, eles desenvolvem suas atividades em espaços geográficos e setores sociais
que se revelam complementares no desenvolvimento da revolução.
Naqueles países onde imperam ditaduras militares, o campo da unidade aumenta ao
abarcar, inclusive, setores interessados somente na destruição das estruturas repressivas de corte
fascista e no regresso às normas constitucionais democrático-burguesas. Nestes casos, é ainda
mais fértil o terreno para a criação de uma frente democrática antiditatorial, com a condição de
que os partidos e organizações revolucionárias consigam consolidar previamente o seu núcleo
dirigente.
Devemos sublinhar o caráter eminentemente popular das revoluções proletárias na
América Latina e no Caribe. Para tomar o poder e mantê-lo, a classe operária necessita
estabelecer aceleradamente laços políticos, ideológicos e militares com o resto da massa. A
unidade da classe operária e de seus aliados deve colocar-se como uma força política de massas,
pois ela não surgirá espontaneamente dos interesses econômicos comuns, nem da invocação
propagandística de tais interesses. As premissas para a unidade de ação das massas populares
existem objetivamente nas bases econômicas do sistema. Mas o processo que conduz a esta
unidade no terreno político e ideológico depende da ação das vanguardas; estas, e não uma
predeterminação econômica, é a responsável prática da conquista da unidade democrática e
revolucionária.
Em vários países da área, o problema da unidade é hoje o obstáculo principal para o
avanço da revolução. Sendo esta uma verdade descarnada, existem também evidências de que
representa um estímulo para resolver a tendência daninha à divisão da esquerda em alguns dos
nossos países. Todo passo adiante no caminho da unidade é um passo adiante no caminho da
revolução.
A inércia, o atraso ou o desvio do caminho unitário é um presente gratuito que o
movimento revolucionário faz ao inimigo. É comum o critério de que a melhor forma de avançar na
unidade se dá mediante a colaboração nas lutas concretas. Esta relação direta entre o
desenvolvimento dos processos revolucionários e os níveis unitários das vanguardas, se

XI EIV SP 77
comprova em El Salvador, Guatemala e em outros países da América Central, como Honduras. O
triunfo sandinista reafirmou, entre algumas importantes questões, o valor crucial da unidade da
vanguarda, como núcleo coesionador e orientador do conjunto das forças antiditatoriais,
democráticas, anti-imperialistas e revolucionárias. Vemos também no Chile avanços unitários
promissores para o futuro das lutas deste povo. A unidade do movimento revolucionário dentro
das fronteiras de um país é uma contribuição à unidade mais ampla, de alcance continental e
mundial. No que se refere à dimensão regional, os fatores históricos e econômicos, o
enfrentamento contra um mesmo inimigo e a inter-relação política de nossas sociedades,
favorecem a identidade de propósitos e a solidariedade recíproca da esquerda. Mas também aqui
estes condicionamentos existem potencialmente e não podem avançar por si mesmos, no terreno
prático, a colaboração efetiva das forças 14 revolucionárias. Impõe-se haver uma vontade
individual e coletiva que demonstre praticamente o latino-americanismo e o internacionalismo que
se proclama. Existem muitos e conhecidos exemplos de solidariedade.
Os revolucionários latino-americanos e caribenhos temos oferecido demonstrações
convincentes de nossa compreensão do internacionalismo. Entretanto, sua importância para o
triunfo das revoluções nacionais em um ou outro momento histórico é tão grande, é tão complexo
e dinâmico o papel da solidariedade concreta a um ou outro processo de luta, que ainda é
necessário perguntar-nos quanto nos falta avançar e aperfeiçoar a colaboração de todos os
partidos e organizações revolucionarias da área. Ainda que na América Latina não ocorra em igual
grau que em outras regiões, às vezes se apresentam confusões ou desvios da imprescindível e sã
independência que os partidos e organizações de esquerda têm o direito e o dever de preservar.
Entretanto, sua verdadeira soberania longe de excluir, pressupõe a necessidade de somar os
esforços coletivos para encarar os problemas internacionais comuns e apoiar os processos
revolucionários mais necessitados de solidariedade em um dado momento. Finalmente, junto ao
trabalho unitário, é indispensável priorizar a atividade que aproveite as contradições que surgem
no interior das classes dominantes de cada país aquelas que se originam em escala
interimperialista ou entre os países da região. A experiência latino-americana neste sentido
confirma as ideias de Lênin: “Só se pode vencer um inimigo mais poderoso colocando em tensão
todas as forças e aproveitando obrigatoriamente com o maior zelo, minuciosidade, prudência e
habilidade a menor “fissura” entre os inimigos, toda contradição de interesse entre a burguesia
dos distintos países, entre os diferentes grupos ou categorias da burguesia no interior de cada
país; assim mesmo, há que se aproveitar as menores possibilidades de conseguir um aliado de
massas ainda que seja temporário, vacilante, instável, pouco seguro, condicional. Quem não
compreende isto, não compreende nem uma palavra de marxismo nem de socialismo científico,
contemporâneo, em geral. Quem não demonstrou na prática, durante um lapso bastante
considerável e em situações políticas bastante variadas, sua habilidade para aplicar esta verdade
na vida não aprendeu ainda a ajudar a classe revolucionária na sua luta para libertar de
exploradores a toda a humanidade trabalhadora".

XI EIV SP 78
Ainda que apresentem múltiplas diferenças nos distintos países e sub-regiões, é possível
oferecer uma caracterização de quatro forças fundamentais, com relação às quais o movimento
revolucionário latino-americano e caribenho desenvolve alianças táticas ou estratégicas. Nos
referimos à socialdemocracia, à democracia-cristã aos movimentos cristãos e os setores militares
progressistas. Nossa posição com relação à atividade e ao conteúdo ideológico e político da
socialdemocracia foi claramente exposta no Informe Central ao II Congresso do Partido
Comunista de Cuba pelo companheiro Fidel Castro.
Levamos em consideração que a socialdemocracia não é uma corrente política
homogênea, senão reflexo inevitável das diferentes forças sociais que a integram a nível mundial
e regional e das contradições interimperialistas. Isto explica que, não obstante os posicionamentos
políticos e ideológicos comuns, seus partidos adotem posturas nem sempre coincidentes ante os
processos de luta revolucionária e inclusive em certas ocasiões, notoriamente divergentes. Por
isto a aliança com as forças da socialdemocracia tem que se basear em princípios claros e
honestos de colaboração, sem detrimento dos objetivos finais pelos quais combatem os
revolucionários. Portanto, devemos acentuar esta colaboração nos aspectos políticos que nos
unem e não nas diferenças ideológicas que nos separam, porque ainda que sejam iniludíveis
tampouco devem se tornar obstáculos insuperáveis para a ação unida em prol de objetivos
coincidentes.
Em compensação a tendência mais geral da democracia-cristã se inclina para a
colaboração ativa com a política e os interesses do imperialismo norte-americano. Mas de tal
extremo não é correto deduzir uma posição excludente de todas as forças democrata-cristãs. No
seu interior também existem importantes setores verdadeiramente democráticos e cristãos, que
em ocasiões se viram forçados a romper abertamente com as direções oficiais e entreguistas de
seus partidos.
Nestes casos, e dadas as situações nacionais específicas, nos cabe estender-lhes a mão
franca e limpa de preconceitos para trabalhar de comum acordo em todas as tarefas que seja
possível compartir e com disposição firme de ampliá-las, inclusive na linha estratégica pela
conquista do poder e a construção da nova sociedade.
É conhecido nosso amplo enfoque em relação aos movimentos cristãos, que incluem
sacerdotes e membros da hierarquia católica identificados com as aspirações humanas, políticas
e econômicas de seus povos. Em diferentes ocasiões o companheiro Fidel Castro destacou o
caráter decisivo das forças marxistas-leninistas e os cristãos que atuam junto aos seus povos por
iguais objetivos essenciais. Nós os consideramos irmãos na luta pelas grandes mudanças
históricas do continente. Não haverá revoluções vitoriosas sem a participação das imensas
massas cristãs que povoam nossas terras. Por conseguinte, é um ato natural das vanguardas
abrir suas portas aos cristãos de base, sacerdotes e membros das hierarquias eclesiásticas
comprometidos, muitas vezes ao preço de suas vidas, com o combate emancipador latino-
americano e caribenho.

XI EIV SP 79
Pensamos que em vários países o movimento revolucionário não conseguiu ainda o
avanço necessário e possível de alcançar no tocante à colaboração e integração com tais forças;
em alguns casos, elas demonstram uma maior vocação prática mais certeira de seu papel
revolucionário.
Outro problema que é importante abordar é o das relações com os militares progressistas.
Em nossa opinião, a conduta das Forças Armadas não pode ser analisada à margem do contexto
histórico de cada país e dos enfrentamentos de classes.
Não obstante a função geral que corresponde aos aparatos militares dentro do Estado
burguês, seria errôneo considerar todo homem uniformizado como seu servidor incondicional.
Também neste aspecto as experiências acumuladas indicam a conveniência de distinguir os
elementos progressistas das Forças Armadas, importantes em alguns países, com a finalidade de
conhecer as possibilidades práticas de colaboração para o desenvolvimento da luta anti-
imperialista, democrática e revolucionária.
Uma política correta em relação aos militares não pode se basear em esquemas rígidos e
excludentes; ela deve surgir de cada realidade específica e ter em conta todos os fatores desta
instituição. Mas tampouco seria válido esquecer os princípios fundamentais do marxismo-
leninismo, que ensinam a imperiosa necessidade de destruir a máquina repressiva do Estado e
substituí-la por um Estado de novo tipo.
Detenhamo-nos agora na análise do papel que devem desempenhar as massas. Sua
incorporação à revolução para alcançar o poder e preservá-lo representa o único motor capaz de
garantir ambas as coisas. Mas como sabemos não basta conclamar a classe operária e o resto do
povo para derrocar a burguesia para que as massas acudam a esta convocatória. Lenin nos
ensinou, e a vida confirma, que a propaganda e a agitação, por si mesmas, são insuficientes para
levar o povo a compreender e se integrar nas atividades revolucionarias: para isto se necessita a
própria experiência política das massas e sentenciou, tal é a lei fundamental das grandes
revoluções.
Então, o problema consiste em contribuir à experiência das massas, em ajudá-las a
desenvolver suas energias revolucionárias pelos canais mais idôneos, em cada etapa de
desenvolvimento da luta de classes. Isto não poderá se derivar dos desejos e aspirações finais da
vanguarda. É possível que o subjetivismo conduza à substituição do papel das massas pela
vanguarda à precipitação de suas ações decisivas – que devem se reservar para os momentos
oportunos – ou a algo tão negativo como o anterior, ao critério metafísico de adiar uma e outra vez
as ações com o subterfúgio de que as massas não têm ainda a preparação adequada para
marchar rumo à conquista do poder.
Nem receitas, nem fórmulas gerais resolvem o problema crucial da incorporação das
massas às tarefas de sua revolução. Entretanto, existem experiências úteis de serem
consideradas. Por exemplo, as revoluções de Cuba, Nicarágua e Granada mostram que o
programa de luta contra a ditadura e pela democracia é o que mais possibilidades têm de
mobilizar as amplas massas populares e outras forças políticas alia das. Portanto, nas condições

XI EIV SP 80
atuais da maioria de nossos países o decisivo não reside em acentuar os objetivos finais ou
posteriores da luta, senão nas palavras-de-ordem aglutinadoras diretamente vinculadas com as
circunstâncias que mais asfixiam a vida dos povos nos planos econômico, social e político.
Ao dirigir-se a atividade central das massas na conquista de suas aspirações antiditatoriais
e democráticas e à solução de seus mais angustiantes problemas humanos – emprego, saúde,
educação, entre outros – crescem as possibilidades de sua ação e com elas aumenta o potencial
do movimento revolucionário na luta pela conquista do poder e pelo início da etapa democrática e
anti-imperialista da revolução.
O terceiro e último fator – junto com a unidade e as massas – que garante o triunfo das
revoluções genuínas, é o emprego consequente e oportuno das armas. Isto não representa um
dogma, senão uma resultante do sistema de dominação imperante na maioria dos países latino-
americanos e caribenhos. Significaria uma grave atitude voluntarista o esboço de uma única
estratégia continental para uma geografia tão extensa e abrangente de sociedades nacionais,
enriquecidas pelas suas lutas históricas e peculiaridades sociológicas. Mas, ao mesmo tempo,
não podem ser esquecidos certos princípios de toda revolução.
As armas são indispensáveis para fazer triunfar qualquer revolução libertadora no
continente e ainda para algo mais importante: preservar sua continuidade e plena realização. Esta
afirmação não prescinde da realidade objetiva dos diferentes países. Naqueles onde imperam
regimes de extrema direita – quase sempre ditaduras militares de corte fascista –, o emprego das
formas de luta armada ou a preparação consequente da vanguarda nesta direção, é um
imperativo virtualmente iniludível. Em outros, onde prevalecem normas democráticas de vida e as
vanguardas dispõem de canais constitucionais para o adequado exercício de sua atividade, a
vigência das armas não estará dada pela sua utilização inoportuna, senão pela preparação
psicológica e pela criação na consciência de todos os militantes de que a confrontação militar será
possível em um outro momento ou outro de uma forma ou outra, ainda que nas circunstâncias
existentes isto não seja válido.
Trata -se, pois, de uma atitude a ser criada em todos os revolucionários, e de avançar tudo
que seja possível na preparação militar revolucionária dos quadros e militantes. Trata-se além
disto de não subordinar a seleção da via armada ao instante em que as condições políticas assim
o exijam, a sobrevivência de algumas formas democráticas comprometedoras das ações
estratégicas do movimento revolucionário e popular. Nos referimos, por último à necessidade de
forjar persistentemente nos acontecimentos diários da luta de classes às condições que
propiciarão o avanço pelo caminho da conquista do poder, que em uma variante ou outra, e com
suas modalidades nacionais têm sempre como razão de seu triunfo a criação e desenvolvimento
de um força militar própria.
Por vezes, se colocaram falsas disjuntivas ao se opor às formas armadas e não armadas
de lutas. Uma luta não é reformista porque seja legal ou pretenda abrir espaços democráticos;
nem o título de revolucionário vem dado pelo seu caráter armado. Em nossa opinião, o conteúdo
revolucionário de qualquer forma de luta se mede pelos seus resultados, ou seja,s pelo seu

XI EIV SP 81
avanço ou retrocesso relativamente aos objetivos finais das massas populares. A capacidade de
direção das vanguardas reside em sua preparação integral para utilizar todas as formas de luta,
que lhe permitam articular respostas enérgicas e oportunas ante as diversas mudanças que
impõem o enfrentamento classista. Neste sentido, as experiências de vários processos
revolucionários da área demonstram que a divisão das funções políticas e militares – em particular
quando se impõem o uso resoluto e popular das armas – dá lugar a uma mutilação de ambas.
Por isto, só uma concepção estratégica político-militar e a correspondente formação e
preparação proporciona às vanguardas a destreza para acometer uma nova forma de luta
principal, de acordo com a etapa e a conjuntura de cada processo nacional. Às vezes se identifica
incorretamente o necessário uso das armas com a aplicação mecânica de uma determinada
experiência de luta armada. As revoluções de Cuba, Nicarágua e Granada apresentam diferenças
conhecidas, mas, entre outros ingredientes similares, tem o selo característico do uso das armas.
Neste sentido, junto a certas bases comuns – sobretudo nas revoluções de Cuba e Nicarágua –
existem diferenças nas táticas militares empregadas, nas formas insurrecionais, etc. Por exemplo,
em El Salvador estão se aplicando criativas fórmulas revolucionárias na utilização das armas,
sustentadas na mais estreita vinculação com as massas e em condições geográficas adversas –
sua pequena dimensão territorial e outros fatores. Todas as revoluções do continente terão suas
próprias características e brindarão, sem dúvida, novas contribuições ao acervo revolucionário
mundial. Não haverá esquema capaz de guiar aos processos de libertação nacional e a
construção da sociedade socialista em terras americanas. Cada povo fará sua revolução e
chegará ao socialismo nutrindo-se das raízes de sua própria história nacional, latino-americana e
caribenha. E isto não será uma contradição, pois toda revolução social verdadeira é, ao mesmo
tempo, filha de leis universais descobertas por Marx, Engels e Lênin. Neste sentido, nosso
Comandante em Chefe Fidel Castro afirmou:
"Aos teóricos do socialismo científico, Marx, Engels e Lênin devem os revolucionários
modernos o imenso tesouro de suas ideias. Nós podemos assegurar com absoluta convicção que
sem eles nossos povos não poderiam realizar um salto tão colossal na história de seu
desenvolvimento social e político.
Mas ainda com eles não haveríamos sido capazes de realizá-lo sem a semente frutífera e
o heroísmo sem limites que semearam em nosso povo e em nossos espíritos Martí, Maceo,
Gomez, Agramonte, Cespedes e tantos gigantes de nossa história pátria".
“Assim é como se fez a revolução verdadeira em Cuba, partindo de seus caracteres
peculiares, suas próprias tradições de luta e a aplicação consequente de princípios que são
universais”.

PIÑERO, M. A CRISE ATUAL DO IMPERIALISMO E OS PROCESSOS REVOLUCIONÁRIOS NA


AMÉRICA LATINA E NO CARIBE. Texto apresentado na Conferência Teórica Internacional
“Características Gerais e Particulares dos Processos Revolucionários na América Latina e
no Caribe”, publicado na Revista Cuba Socialista setembro-novembro de 1982, pp. 15 a 53.

XI EIV SP 82
A importância da disputa da universidade

Ocupação de escolas por estudantes. Fonte:


https://acasadevidro.files.wordpress.com/2017/06/estudantes-do-parana-ocupam-escolas-
governo-do-psdb-decreta-recesso.png?w=474&h=315

Para entender a importância de disputar a universidade, o primeiro passo é compreender o


que a universidade significa para a sociedade em que estamos inseridos, nacional e
internacionalmente. Entendemos que a Universidade é um pilar de sustentação dessa sociedade,
ou seja, ela é fundamental para manter as coisas como estão, e isso se reproduz em alguns
pontos.
É da Universidade que sai a mão de obra, ou seja, nos mais diversos empregos se
encontram pessoas que saíram de universidades, e elas carregam consigo a ideologia lá
reproduzida. Quando se coloca em exemplos como professores, que são responsáveis pela
formação de outras diversas pessoas, ou juízes e políticos, que vão definir o senso de justiça, é
compreensível como esse ponto é central.
Outra questão colocada é a produção de tecnologia, que é responsável por boa parte do
desenvolvimento do país, e que tem um papel central no avanço da sociedade. Portanto, pode ser
utilizada de forma a otimizar o trabalho, para baratear custo de vida, ou de forma a aumentar os
lucros. Ou seja, é outro ponto oriundo da universidade que é central para a sociedade.
A produção de Ideologia também é decorrente da universidade, pois, sendo responsável
pelo currículo da formação de diversas pessoas, pode influenciar na ponderação de quais são os
pontos que devem ser tratados. Cabe, dessa forma, a universidade decidir o que falar ou não, ou
como colocar por exemplo, a perspectiva do que acontece na realidade.
Por último, a universidade também é um espaço de investimento econômico, e, dessa
forma, capaz de trazer grande retorno lucrativo, sendo outro ponto que a coloca no centro da
disputa da sociedade.
Dessa forma, tendo compreensão da importância da sua disputa, é preciso avaliar como
devemos fazê-la, e para tal, é necessário ter clareza dos nossos objetivos. Dentro dos espaços da

XI EIV SP 83
universidade podemos fazer dois tipos de disputa, as ideológicas, e as corporativistas, e é
fundamental diferenciá-las para conseguir colocar nos momentos certos, e garantir ambas com
suas devidas importâncias. A disputa corporativista consiste em pautas que dizem respeito às
coisas materiais, concretas, aqueles pontos que são mais voltados para o cotidiano interno à
universidade. Em geral, são pautas que não se relacionam necessariamente com a luta de
classes e a disputa da sociedade como um todo. Já as pautas ideológicas são aquelas que
necessariamente tem um lado, são pautas que escancaram o conservadorismo.
É necessário, para da Universidade, conseguir medir o peso que se dá para esses dois
lados, pois, não se pode abrir mão de nenhuma dessas duas disputas. As pautas corporativistas,
em geral, são as que aglutinam o maior número de pessoas, são pautas que as pessoas se
identificam de imediato, e são pautas que dão uma resposta concreta pra vida das pessoas. É a
partir delas que a gente vai garantir uma grande mobilização, a mobilização para além dos
estudantes que já são organizados, militantes. Porém, é papel do movimento estudantil fazer para
além disso, fazer o debate ideológico, porque é esse debate que vai trazer saldo político
organizativo. É fundamental conseguir, a partir das pautas corporativistas, fazer o debate
ideológico e ir para além da pauta em si, relacionar aquela questão com a sociedade em geral,
sendo assim, fundamental apresentar uma alternativa de organização. A partir do debate
ideológico se consegue colocar a necessidade de organização, e nesse momento é importante
colocar o Levante como referência organizativa.
É necessário entender que a transformação da universidade é diretamente relacionada
com a transformação da sociedade, mas não podemos nem subestimar e nem superestimar o
papel do movimento estudantil. Ou seja, não podemos colocar a expectativa de que ao mudar
minimamente a universidade isso vai transformar completamente a sociedade, mas não podemos
também abrir mão da disputa da universidade por não compreender a importância.
A partir dessa análise, identificamos que a melhor forma de disputar a universidade é a
partir da construção movimento estudantil organizado, e enxergando na União Nacional dos
Estudantes (UNE) como essa ferramenta, capaz de impulsionar a disputa das universidades a
nível nacional. A UNE surge em 1937, já em luta, e trava ao longo de sua história muitos
processos importantes para a esquerda no Brasil, como por exemplo a luta contra o nazi-fascismo
na segunda guerra mundial, pressionando o atual governo, de Getúlio Vargas, a entrar na guerra
contra o Eixo. Nos anos 50 a UNE também trava uma importante luta na sociedade contra os
leilões de petróleo, na campanha “O Petróleo é nosso”, que resulta na criação a Petrobras, e em
seguida, na ditadura militar assume a campanha pelo Diretas já!, sendo fundamental na
mobilização dos estudantes. No período mais atual a UNE encampa a luta pelos 10% do PIB para
a educação, uma importante vitória do movimento estudantil.
Ao ter clareza da conjuntura atual, da tarefa revolucionária que é a construção do
movimento estudantil para a disputa da universidade, se torna nítido o nosso papel e a
importância da disputa das entidades locais e nacionais.

XI EIV SP 84
Trabalho de base e organização no movimento estudantil universitário

O movimento estudantil (ME) tem a


dupla tarefa de lutar pela transformação da
universidade e contribuir com a
transformação da sociedade, guiado por
um projeto político de emancipação da
classe trabalhadora, que denominamos
projeto popular para o Brasil. Além disso,
Trabalho de base, MPA. Fonte: https://cedhor-
nosso movimento estudantil precisa ter informa.blogspot.com.br/2014/07/metodo-pedagogico-educacao-
popular-e-o.html
centralidade na luta de massas e aliança
com a classe trabalhadora através dos movimentos populares do campo e da cidade, assim como
o movimento sindical.
Ao longo da história do nosso país o movimento estudantil teve importante contribuição
nos processos de luta, seja na defesa da democracia e soberania nacional, a exemplo da luta
contra a ditadura militar e da campanha “O petróleo é nosso”, assim como na luta por uma
universidade democratizada e mais popular, a exemplo da luta pela reforma universitária na
década de 60 e mais recentemente na defesa das políticas implementadas pelos governos
petistas que ampliaram e democratizaram o acesso ao ensino superior através da política de
cotas sociais e raciais, REUNI, PROUNI, etc. Além da luta pela ampliação dos recursos que
financiam a educação, travada no ano de 2013 na disputa do Plano Nacional de Educação, que
resultou na conquista de colocar como meta para o governo brasileiro alcançar o investimento de
10% do Produto Interno Bruto (PIB) na educação através dos royalties do pré-sal. Conquista que
está ameaçada pelo golpe que sofremos no nosso país.
Todas essas lutas exigiram do movimento estudantil alta capacidade de organização e
mobilização da base estudantil. Para atingir essa capacidade o ME utiliza ferramentas de
organização e métodos de trabalho que cumpram a tarefa de politizar os estudantes, envolvê-
los nos processos de mobilização, além de coesionar o conjunto dos estudantes em torno de
bandeiras comuns a nível nacional ou local.
As entidades estudantis como os Centros Acadêmicos ou Diretórios Acadêmicos (CA ou
DA) dos cursos, o Diretório Central dos Estudantes (DCE) de cada universidade e a União
Nacional dos Estudantes (UNE) são ferramentas organizativas que foram desenvolvidas ao longo
da história e são até hoje as principais formas de organização no ME, sobretudo quando se
trata da necessidade de construir lutas de massa para incidir na luta de classes no Brasil.
Novas ferramentas foram desenvolvidas ao longo do tempo, como as executivas de curso,
que organizam nacionalmente estudantes de um mesmo curso universitário (como biologia,
engenharia florestal, etc.), os coletivos auto-organizados, os grupos de extensão populares
(grupos de agroecologia; educação popular; assessoria jurídica popular etc), os fóruns

XI EIV SP 85
acadêmicos, a exemplo dos de saúde. Todos esses exemplos são formas de organização
estudantil que devem ser canalizadas para a luta.

Mas por onde começar? Como construir um M.E. com a cara do projeto popular? Como
construir hegemonia do projeto popular no movimento estudantil?

Não há receita de bolo ou fórmula para realizar o trabalho de base, pois cada realidade vai
apresentar características independentes da nossa vontade, que exigem de nós criatividade e
habilidade política para lidar com as especificidades (particular; pública; federal; estadual; capital;
interior; universidades gigantes; universidades pequenas; regiões do país etc.). Mas existem
alguns acúmulos gerais produzidos que extrapolam o ME, como a sistematização dos princípios
do trabalho de base organizado pelo CEPIS, bem como lições extraídas de experiências
concretas nas universidades que deram certo e nos aproximam dos nossos objetivos. A partir
desses acúmulos apresentaremos neste texto alguns passos importantes que contribuem na
construção de força social nas universidades.

1. Princípios básicos do Trabalho de Base

Trabalho de base é fincar a bandeira num determinado território, que no nosso caso se
traduz em construir referência na universidade. Para isso, é necessário conhecer profundamente
“os quatro” cantos do território, ou seja, conhecer o sujeito (estudante), a estrutura da
universidade (os conselhos, os departamentos, os campi, os cursos, a política de assistência
estudantil, etc.), a história do ME local, as organizações políticas que atuam na universidade,
sobretudo as contradições que estão dadas. Será através delas que vamos conseguir apontar as
melhores ações para os territórios.
Não devemos entender com isso que primeiro tem que conhecer (estudando) o território
para depois atuar, o profundo conhecimento da universidade advém da atuação cotidiana paralela
ao processo de estudo, consulta e observação dos processos. É vivendo a universidade e
atuando no movimento estudantil, experimentando com acertos e erros, que vamos avançando
no conhecimento profundo da realidade, ela se faz em movimento e não de forma estática.

2. Só militante faz trabalho de base

O primeiro passo é sempre a constituição de um grupo de militantes, que pode começar


com uma dupla, ou um trio e por aí vai. Esse grupo deve ser dotado de uma linha política e
compreensão comum dos objetivos, ou seja, de onde se quer chegar com o trabalho realizado. E
a partir de um debate coletivo traçar um planejamento do caminho a ser seguido, dividir as tarefas
nesse grupo e avaliar cada processo para extrair lições e aprendizados. Em síntese o trabalho
de base tem sempre intencionalidade.

3. O nosso trabalho precisa dialogar com os anseios dos estudantes

As pessoas se organizam e se mobilizam por questões que tocam a sua realidade. E por
isso, a primeira aproximação de estudantes do nosso grupo se dará através de demandas

XI EIV SP 86
concretas. Uma demanda concreta universal do conjunto dos estudantes que entram na
universidade é se formar, pois a maioria dos estudantes entra na universidade com a expectativa
de se qualificar para o mercado de trabalho. Na corrida por esse objetivo diversas questões se
impõem, desde a qualidade dos cursos e sua estrutura curricular, até os limites econômicos
impostos aos mais pobres. Todas essas demandas podem ser portas para um início de trabalho.
Precisamos buscar envolver os estudantes na resolução dessas demandas concretas e
ligar as questões específicas e imediatas à questão geral e política, de forma a educar
politicamente os sujeitos a partir da sua própria experiência. Ex. A falta de bolsas por ausência de
financiamento para educação pública; o aumento de mensalidades à mercantilização da educação
para garantir o lucro aos empresários.
Para identificar essas questões e conseguir envolver os estudantes é necessário estar no
dia-a-dia do estudante, conviver, escutar e entender seus anseios, dialogar com o senso comum e
principalmente despertar a indignação em torno das contradições que se apresentam. Não
podemos nos distanciar, nem nos colocar como “iluminados e iluminadas” que tudo sabe e tudo
resolve. É fundamental tornar a estudantada protagonista da luta pela transformação da sua
própria realidade.

4. Duas principais portas do trabalho de base na universidade

a) O trabalho nos cursos

Este é sem dúvidas o trabalho que dá mais condição para o enraizamento. As demandas
que surgem nos cursos são muito diárias, e exigem atenção da militância inserida no território.
Algumas questões são corriqueiras, a exemplo de autoritarismo de professores em sala de aula
com estudantes, ausência do acesso à pesquisa e extensão, filas imensas e preços exorbitantes
na xerox, currículo que trata pouco (ou nada) da realidade brasileira, geralmente baseados em
matriz europeias. Em geral, esse trabalho tem como pilar central o debate sobre a formação
profissional, que deve ser disputada em relação ao papel da profissão e o tipo de profissional que
a universidade irá formar. A formação do nosso curso serve a quais interesses? Como formar
profissionais comprometidos com as reais necessidades do povo brasileiro? Essa é uma questão
que precisamos nos debruçar neste trabalho de base.
A melhor forma de canalizar essas questões, podendo impulsionar um processo de
transformação da realidade dada é através dos centros e diretórios acadêmicos. Ainda que não
possamos ficar restritos a essa ferramenta para agir, mas eles são sem dúvidas um importante
canal de diálogo com estudantes, professores e servidores. Além de ser uma ferramenta
institucional, carrega legitimidade, tendo geralmente trânsito entre o território e capacidade de
aglutinar estudantes a partir das demandas que forem sendo apresentadas.
Sabemos também que a galera gosta de viajar, de participar de congressos e eventos
acadêmicos, por isso devemos estar sempre atentos a essas demandas e correr atrás de
viabilizar o transporte e participar também, pois nesses momentos é possível fazer o trabalho de
base, sobretudo em eventos de conteúdo crítico (que é os que devemos priorizar).

XI EIV SP 87
Ainda, temos as executivas e federações de cursos, que são articulações nacionais que
envolvem os DAs e CAs de cada curso. São espaços em que se discute com amplitude a inserção
profissional de estudantes aliada a conscientização de uma intervenção crítica na realidade.
Muitas executivas, sobretudo as que se apresentam mais vinculadas às organizações populares
(sindicatos e movimentos sociais), conseguem apontar um caminho para a militância popular pós-
movimento estudantil. Por isso, é importante que sempre acompanharmos as ações das
executivas e federações onde seja possível o destacamento de militantes para essas tarefas e
também após uma análise coletiva da coordenação do levante que avalie o potencial de cada uma
das executivas. Ex. As que têm relevância na categoria e através do debate profissional
conseguem dialogar mais com o sujeito do curso; as que nos possibilitam nos inserir nas
universidades particulares. Etc. O fundamental é compreender que não devemos construir nada
apenas por construir, mas se houver avaliação objetiva de que acumula para nosso trabalho.

b) Movimento estudantil geral

Esse trabalho é o que envolve as questões gerais da universidade, que extrapolam a


realidade de cada curso, vai desde as demandas da assistência estudantil e questões estruturais
da universidade até greves e a luta pela democracia interna nas instâncias deliberativas da
universidade. Em síntese, disputamos nesse trabalho a educação e a universidade como um todo.
Cabe nesse terreno os debates sobre o financiamento da educação; a luta pela ampliação de
bolsas; restaurantes universitários; residências; paridade nos conselhos; segurança; transporte
intercampi e público do município; bibliotecas; aumento de mensalidades; fim de taxas; defesa do
direito de se organizar, entre outros. Além dos debates da política geral que extrapolam os muros
da universidade, como as questões nacionais e democráticas. A ferramenta organizativa que
canaliza e organiza essas lutas é o Diretório Central dos estudantes (DCE), que tem papel e
importância similar às entidades de base ou dos cursos, porém a um nível mais amplo e geral,
representando a universidade como um todo.

c) O movimento estudantil estadual e nacional

A construção de hegemonia no movimento estudantil a nível a nível de estado e nacional,


através da disputa das entidades estaduais – União Estadual dos Estudantes (UEE) e da entidade
nacional (União Nacional dos Estudantes – UNE) – não é um processo distinto da construção de
trabalho de base e força social organizada nos cursos e no ME geral das universidades que
atuamos. Quanto mais trabalho e referência tivermos num determinado curso, teremos maior
capacidade de conduzir o CA desse curso. Quanto mais tivermos enraizamento nos cursos e
entidades de base de uma determinada universidade, teremos maior capacidade de conduzir a
entidade geral dessa universidade, no caso o DCE. Quanto mais DCE’s tivermos, ou seja, mais
enraizamento e força no conjunto das universidades brasileiras, teremos maiores condições de
conduzir o ME brasileiro. Em síntese, a disputa das entidades locais, estaduais e nacionais não se
dão em abstrato, serão reflexo da força social, do enraizamento e da referência que temos nos
territórios que atuamos.

XI EIV SP 88
5. Criatividade nas ações cotidianas

O movimento estudantil, por ter uma composição muito heterogênea e um caráter


transitório, tende a ser imediatista para dar respostas que são exigidas no calor dos
acontecimentos. Isso acaba formando uma militância pragmática que não consegue forjar luta a
partir de um processo, inibindo a capacidade criativa que é elemento vivo na juventude. Nós, a
partir da agitação e propaganda, temos possibilidade de nos reinventar a todo momento, e
devemos abusar da criatividade nas nossas ações. Porém, não podemos esquecer de construí-las
coletivamente, pensando sempre que o diálogo com amplo território é fundamental para criarmos
referência. É preciso ter a sacada de propor intervenções a partir do momento em que uma
demanda específica surja na universidade, sabendo conduzi-las a partir dos anseios dos
estudantes e politizá-las, sem perder de vista o diálogo também com sujeitos fora dos muros da
universidade - a unidade é um princípio fundamental para as intervenções.

6. Exemplo pedagógico, relação com a academia e busca de professores parceiros

O movimento estudantil tem muitas dificuldades, e uma delas é combate aos desvios.
Esses, giram em torno do princípio da vaidade e da zona de conforto que se constrói dentro da
própria Universidade. A militância não pode esquecer nunca que a Universidade é um espaço de
poder, e que ainda é conformada hegemonicamente pela ideologia dominante. O disputismo e
sectarismo também são exemplos de desvios que dificultam a construção de um movimento
estudantil com capacidade de intervir na luta de classes, rebaixa o papel e o potencial que
podemos desenvolver. Cabe portanto a nós, o papel de ser educadores populares a todo
momento, não com objetivo de sermos superiores a ninguém, mas de ser os melhores para a
construção da luta popular, seja na Universidade ou fora dela. Isso significa não se vangloriar dos
acertos, mas sim olhar com atenção o processo de construção de nossas atitudes e
comportamentos. Mais do que chegar até as pessoas e convida-las para as atividades do
movimento, a inserção de militantes do Levante em grupos de extensão, pesquisa, monitorias,
PETs, e outros espaços acadêmicos, tem o potencial de criar referência em torno da nossa
militância. Muitas vezes relutamos em fazer o trabalho de base nesse tipo de espaço,
descartando-os sob o rótulo do “academicismo”. Mas, na realidade, a criação de referência
acadêmica pode ser um primeiro passo para a criação de referência política entre professores e
estudantes. O desempenho em sala de aula também é importante para a criação de referência.
Muitas pessoas se afastam do ME por conta da imagem do “militante vagabundo”, que falta aulas,
atrasa o curso e etc. Sabemos que a luta ensina mais do que a própria sala de aula, mas como
estratégia de convencimento é importante nos esforçarmos e estarmos presentes em sala. Isso
cria vínculo com os estudantes e contribui para forjar outra imagem do movimento estudantil. Os
professores parceiros (especialmente os mais progressistas) jogam importante papel no
convencimento de mais estudantes e no trabalho de base. Ter professores apoiando o Levante é
uma forma de melhorar a credibilidade do movimento e atrair mais pessoas para a organização.
Pode ser o(a) seu(sua) orientador(a), o coordenador(a) do grupo de pesquisa ou até o(a) diretor(a)

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da Faculdade. Infelizmente, a relação estudante-professor ainda é baseada em uma cultura
hierárquica, onde o professor é a autoridade. É preciso explorar essa contradição e utilizar a
referência desses professores para melhorar nosso trabalho de base.

7. Estudar para intervir melhor

Compreendemos que o militante que se pretende fazer trabalho de base tem por princípio
o valor do estudo. Compreender desde a realidade local onde está inserido até a conjuntura
internacional é fundamental no processo de convencimento - que significa vencer junto com
alguém os desafios que são colocados. Não estudamos para ficar mais sabidos, estudamos para
intervir melhor na realidade, para transformá-la. Não podemos perder de vista que o estudo pode
se dar de forma individual, mas sobretudo coletiva, convidando os estudantes para participar de
grupos de estudos, organizando seminários, cursos de formação, vivências, etc. Estar em sala de
aula e confrontar o conservadorismo de professores e colegas também é muito importante. Além
do mais, a prática educativa não se dá apenas nos espaços formais - sala de aula, bibliotecas,
cursos, etc. - mas sobretudo nos espaços não-formais, como atos de rua, ações com movimentos
sociais, numa ocupação de reitoria, etc. Muitas vezes aprende-se numa única luta o que muitos
livros não ensinarão em um ano. Mas não se pode esquecer de apontar durante a luta o que os
clássicos da revolução afirmam em seus escritos. O movimento estudantil desenvolveu ao longo
da história algumas importantes ferramentas de formação política a exemplo dos Estágios
Interdisciplinares de Vivência em áreas de reforma agrária (EIV´s), assim como as Vivências
e Estágios na Realidade do Sistema Único de Saúde (VER-SUS). É nossa tarefa conhecer
essas ferramentas e construir caso dialogue com nossos desafios, assim como criar e
experimentar novas ferramentas de formação.

8. Vínculo com os estudantes e democracia no ME

A tarefa básica para construir vínculo com os estudantes, profundos laços de confiança e
referência, é sobretudo estar e passar em sala de aula. Estar em sala de aula para conhecer,
vivenciar e identificar as contradições e demandas concretas dos estudantes. E passar em sala
para comunicar, convocar e despertar o interesse do conjunto dos estudantes em relação a
organização e luta estudantil. Por vezes, o ME comete o grave equívoco de menosprezar a
ferramenta da passada em sala de aula ou até de restringir essa tarefa aos períodos eleitorais. O
nosso movimento estudantil precisa se diferenciar e ser exemplo nesse sentido, para construir
cada vez maior legitimidade do ME organizado. Além de cumprir um importante papel de organizar
e mobilizar, a passada em sala é um processo bastante formativo para militância que aprende a
dialogar com a base estudantil, desenvolver a habilidade do discurso e argumentação, e
aprofundar o conhecimento da realidade em que atua.
Outra tarefa fundamental para um movimento estudantil que tem como objetivo elevar o
nível de consciência dos estudantes, é construir mecanismos democracia, que possibilitem a
participação ativa dos estudantes que não estão organizados em movimentos ou entidades. As

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assembleias estudantis por curso ou gerais, são um exemplo de instrumento que contribui para
ampliar a participação dos estudantes nas decisões do ME.

9. Ações de referência ou de massas na universidade e formas de luta

Nosso trabalho de base precisa combinar o trabalho de formiguinha e cotidiano, com ações
de referência ou de massas. Ações que se colocam para dialogar com o todo da universidade, que
de alguma forma nos apresentam à totalidade do corpo discente. Temos que marcar nosso
território com ações que façam os estudantes reconhecer nossa existência na universidade.
As calouradas de curso ou gerais são exemplos de ações fundamentais nesse sentido.
Primeiro, porque esse momento de entrada na universidade é cheio de curiosidades por parte dos
calouros e calouras, é um momento de abertura para o novo, para o desconhecido. Temos que
aproveitar essa disposição para disputar as mentes e corações. Segundo, que essas pessoas que
acabaram de entrar na universidade ainda não estão completamente absorvidas pelas questões
acadêmicas, o que deixa o terreno mais favorável para a organização em entidades e
movimentos. Nunca é demais repetir, por isso lá vai: As calouradas precisam dialogar com as
questões que interessam aos sujeitos que pretendemos organizar.
Outras ações de massas são as próprias lutas do ME, que podem ser feitas de várias
formas a depender da cultura política da universidade, da correlação de forças e do nível de
emergência e apelo da pauta reivindicatória. A depender desses elementos precisamos avaliar
que tipo de ação corresponde ao objetivo que queremos alcançar. Alguns exemplos de formas de
lutas são as ocupações de reitoria ou outros espaços da universidade; os abaixo-assinados; os
atos em locais de grande circulação ou simbólicos; as ações dentro e fora das universidades, etc.

10. A disputa cultural da universidade

A universidade é um território privilegiado no que diz respeito à riqueza e diversidade


cultural. Nesse sentido, nosso trabalho precisa investir na construção de ações que
desnaturalizam as falsidades do capitalismo, especialmente as que são propagadas com força
nas universidades a exemplo da meritocracia.
Precisamos combater a reprodução das opressões contra as mulheres, negras e negros e
diversidade sexual e de gênero. Essa disputa se dá tanto no plano ideológico quanto no material,
lutando por conquistas concretas para essas pessoas.
Toda essa disputa deve ser feita com muita arte, através das mais diversas linguagens e
inovando nas formas. Devemos usar e abusar da agitação e propaganda como um método de
educação política das massas, com grande capacidade de mobilização e luta.
Mais do que nunca vivemos um período da nossa história que exige de nós um esforço
máximo para organizar o povo dentro das universidades, construir vínculos e laços profundos de
confiança com os estudantes, contribuindo para que essa parcela da sociedade tenha lado, tenha
projeto de sociedade, que é o Projeto Popular para o Brasil! A tarefa está dada! Está em nossas
mãos o desafio de cumprir a missão do nosso tempo. Sigamos com força, dedicação, mística e
disciplina na organização da juventude!

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Canta XI EIV !
1. Bang (FUNK do EIV)
4. Revolución Socialista
EIV intencionalidade pra você
Chávez Chávez (2x)
Vai em itapeva acontecer
Chávez, Fidel y Che (2x)
Aqui você vai se preparar pra lutar
Revolucion Socialista, me gusta usted, me
Iii contra o Capital, Racista e Patriarcal
gusta usted (2x)
Eu vou continuar te provocando
Ahora que estamos todos (2x)
Iii contra o Capital, Racista e Patriarcal
Y ahora que se nos ve
Só vou parar quando te ver lutando
Abajo el Imperialismo que vá caer, que vá
Vem aqui pro EIV, aqui pro EIV trás um
caer (2x)
amiguinho que no estágio de vivência a gente
E arriba el socialismo que vá vencer, que vá
curte assim:
vencer. (2x)
MAB, MST, MAB, MST
5. Revolución Feminista
2. Eu só quero é ser feliz
Pagu, Pagu (2x)
Eu só quero é ser feliz
Pagu, Dandara e Rosa (2x)
E andar tranquilamente com a roupa que
Revolucion Feminista,me gusta usted, me
escolhi Ééé
gusta usted (2x) Ahora que estamos todas,
E poder me assegurar que de burca ou de
Ahora que estamos todos,
shortinho todos vão me respeitar (2x)
Y ahora que se nos ve
Atenção meus companheiros que agora eu vou
Abajo o patriarcado que vai cair, que vai cair
dizer:
(2x)
Esse papo de machismo já não tem mais nada
E arriba el feminismo que vai vencer, que vai
haver
vencer (2x)
O tal patriarcado que queremos derrubar
E com o feminismo vamos nos libertar 6. Negro Nagô
Junto com as companheiras eu me auto
Eu vou tocar minha viola, eu sou um negro
organizo construindo e lutando pelo feminismo!
cantador êoêoêo O negro canta deita e rola,
3. Vamos lá Mulherada lá na senzala do Senhor
Dança aí negro nagô (4X)
Vamos lá mulherada pra rua quero ver essa
Ooooh Ooooh Ooooh
saia rodar
Tem que acabar com esta história de negro
Entoando esse canto de luta, se movendo pro
ser inferior êoêoêo
mundo mudar Desse jeito é que começa,
O negro é gente e quer escola, quer dançar
rodando a saia e largando o fogão
samba e ser doutor
Rompendo com a velha estrutura, pois
Dança aí negro nagô (4X)
queremos a revolução
Ooooh Ooooh Ooooh
Rompendo com a velha estrutura, pois
O negro mora em palafita, não é culpa dele
queremos a libertação.
não senhor êoêoêo

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A culpa é da abolição que veio e não o libertou eu tenho um tratorzinho
Dança aí negro nagô (4X) Ô dig dig dig da viola, eu quero formar uma
Ooooh Ooooh Ooooh bola (2x)
Vou botar fogo no engenho aonde o negro Meu pai é um lutador
apanhou eu sou um lutadorzinho
O negro é gente como a gente, quer ter carinho Minha mãe é uma lutadora
e ter amor eu sou uma lutadorzinha
Dança aí negro nagô (4X) Ô dig dig dig da viola, eu quero formar uma
bola (2x)
7. Negra Nagô
Meu pai e minha mãe é do MST e essa luta é
Eu vou contar pra todo mundo, que existe pra valer
homem opressor eôeôeô
9. Militante Enrolador
Tem desse homem branco, negro, que é rico e
trabalhador Vamos simbora pra Plenária
Canta aí esse terror (4x) Que a Plenária começou êoêoêo (2x)
Tem que acabar com essa história de violência Vamos acabar com essa história de militante
sim, senhor eôeôeô enrolador êoêoêo (2x)
Mulher é gente de direito, quer liberdade e tem Que a Plenária começou (4x)
valor
10. Canção da Terra
Dança aí mulher nagô (4x)
A mulher negra quer escola, fim do racismo e Tudo aconteceu num certo dia
da dor eôeôeô Hora de ave maria o universo vi gerar
E quer seu território livre, viver em paz e com No princípio o verbo se fez fogo
amor Nem atlas tinha o globo
Dança aí mulher nagô (4x) Mas tinha nome o lugar
Vou botar fogo no engenho aonde a negra Era terra, terra
apanhou eôeôeô E fez, o criador, a natureza
O nosso bloco tá na rua, feministas no tambor Fez os campos e florestas
Dança aí mulher nagô (4x) Fez os bichos, fez o mar
Fez por fim, então, a rebeldia
8. Dig Dig da Viola
Que nos dá a garantia
Ô dig dig dig da viola, eu quero formar uma Que nos leva a lutar
bola (2x) Pela terra, terra
Meu pai é um sem terra Madre terra nossa esperança
eu sou um sem terrinha Onde a vida dá seus frutos
Minha mãe é uma sem terra O teu filho vem cantar
eu sou uma sem terrinha Ser e ter o sonho por inteiro
Ô dig dig dig da viola, eu quero formar uma Ser sem-terra, ser guerreiro
bola (2x) Com a missão de semear
Meu pai tem um trator À terra, terra
eu tenho um tratorzinho Mas apesar de tudo isso
Minha tem um trator O latifúndio é feito um inço

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Que precisa acabar a luta multiplica (2x)
Romper as cercas da ignorância Juventude que ousa lutar, constrói poder
Que produz a intolerância popular (2x)
Terra é de quem plantar
À terra, terra

11. Arrocha da agroecologia

Arrocha, arrocha, arrocha com alegria


Cuidando da terra com Agroecologia (2x)
Se Juventude é a arma
você é a munição
A luta é necessária para fazer Transformação
(2x)
180, 180, 360 (2x)
Se a Juventude se dedica

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