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TRIBUNAL SUPREMO

Câmara do Cível e Administrativo

ACÓRDÃO

PROC. N.º 608/04

NO TRIBUNAL SUPREMO, OS JUÍZES DA CÂMARA DO CÍVEL E


ADMINISTRATIVO, ACORDAM EM CONFERÊNCIA, EM NOME DO
POVO:

JORGE MANUEL DE BARROS RODRIGUES e esposa, Maria da


Conceição Meireles Rodrigues, residentes nesta Cidade à rua dos
Enganos n.º 1 - 3º Andar, ambos sócios da Sociedade "COROD"
Construção Civil e Representações Comerciais, Lda - intentaram
uma ACÇÃO DE DECLARAÇÃO DE NULIDADE, com forma de
processo ordinário contra:

1 - NOTÁRIA DO 2.º CARTÓRIO NOTARIAL DE LUANDA;


2 - FERNANDO ALBERTO MACHADO CORREIA, casado, residente
nesta cidade na rua Rainha Ginga n.º 12, sócio da "COROD";
3 - ARMINDO MÁRIO GOMES DA SILVA, divorciado, residente
nesta Cidade, sócio da "COROD" e;
4 - "COROD" - Construção Civil e Representações Comerciais,
Limitada, com sede nesta Cidade na rua Lopes de Lima n.º 18, com
fundamento nos factos que a seguir se resumem:

- Que, os Autores são os sócios fundadores da sociedade "COROD"


que se constitui por escritura de 17 de Maio de 1991, celebrada no
2.º Cartório Notarial de Luanda e, em 1995, admitiram o réu Fernando
Correia como novo sócio que passou a deter 75% do capital social;
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- Que, o réu Fernando Correia, na qualidade de sócio maioritário,


impôs aos Autores a admissão do réu Armindo Silva como novo sócio
cedendo uma parte da sua quota, ainda que contra a vontade dos
Autores;

- Que, a escritura pública de alteração do pacto social para admissão


de novo sócio, fundou-se na acta da reunião da Assembleia Geral de
26/03/1998, tendo o capital social, no montante de Kzr.
60.000.000,00, ficado distribuído em 65% para o sócio Fernando
Correia, ora Réu, 20% para a sócia Maria da Conceição Rodrigues,
ora Autora, 10% para o sócio Armindo Silva, ora Réu, 5% para o sócio
Jorge Rodrigues, ora Autor;

- Que, esta escritura, para além de imprecisões quanto aos valores


da cessão parcial da quota do sócio Fernando Correia ao sócio
Armindo Silva, foi outorgada apenas por ambos, que não tinham
poderes de representação dadas pelos Autores, o que torna a
referida escritura nula e sem qualquer efeito, por força do disposto no
n.º 1 do art. 406.º do C. Civil e, a contrario sensu do n.º 2 do art. 111.º
do C. Notariado;

- Que, os Autores, através do Jornal de Angola de 28/09/98, tomaram


conhecimento de uma escritura pública de aumento do capital social
da sociedade aumentado para Kzr. 79.500.000.000,00, tendo os
Autores visto respectivamente os seus 20% serem reduzidos para
0,8% e os seus 5% para 0,2%;

- Que, para alcançarem tal desiderato os Réus fizeram uso de meios


fraudulentos, recorrendo a falsificação de documentos que a ré
Notária tinha a obrigação de ter verificado e, em consequência, ter
negado a celebração da escritura.
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- Que, a acta n.º 6/98 da reunião da Assembleia Geral do dia 5/06/98,


do qual resultou a escritura pública de aumento do capital social, para
além de conter falsidades sobre o que realmente se discutiu naquela
reunião, está ferida de falsidade sendo juridicamente inexistente,
porquanto, no caso das sociedades por quotas, qualquer acta da
Assembleia Geral só é tida por aprovada e legalizada quando
assinada por todos os sócios presentes ou representados, tal como
reza o art. 37.º do C. ComerciaI.

- Que, acontece que a referida acta não está assinada pelos Autores,
na qualidade de sócios que estiveram presentes à reunião, como
está assinada pelo réu Armindo Silva que, à data da reunião (5/06/98)
ainda não era sócio da ré "COROD", LDA.

- Que, não existindo juridicamente a acta da reunião da Assembleia


Geral de 5/06/98, não estarão os sócios da "COROD", LDA,
vinculados a quaisquer das suas deliberações pois estas não
existem.

- Que, a acta n.º 7/98 da reunião da Assembleia Geral de 14/07/98,


também só se acha assinada pelos sócios Fernando Correia e
Armindo Silva, sob pretexto de que os sócios ora Autores não terão
comparecido a reunião e em nenhuma circunstância poderia a ré
Notária utilizar apenas tal acta uma vez não constar da sua ordem de
trabalhos nenhum ponto relativo ao aumento do capital social;

Terminaram requerendo a nulidade das escrituras públicas da


sociedade de 3 de Julho e de 28 de Agosto de 1998 e os Réu
condenados no pagamento do imposto, custas e procuradoria
condigna.

Juntam procuração forense e documentos.


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Citados para contestarem, vieram os Réus fazê-lo de modo seguinte:

I - Por impugnação contestou a ré Maria da Conceição Lourenço de


Jesus Pataca, casada, notária do 2º Cartório Notarial de Luanda e
aqui residente, aduzindo, em resumo, que o réu Armindo Silva
passou a ser sócio da "COROD", LDA, por escritura pública
celebrada a 3 de Julho de 1998, tendo a mesma sido outorgada na
presença dos réus Fernando Correia como cedente e Armindo Silva
como cessionário, na divisão em duas novas quotas da quota
daquele que detinha 75% no capital da sociedade.

Aquela escritura da cedência de quota teve como base a acta da


reunião da Assembleia Geral realizada a 26/03/98, devidamente
assinada pelos participantes, intervindo o autor Jorge Rodrigues, por
si individualmente e ainda como procurador da autora Maria da
Conceicão Rodrigues, cujas posições estão patentes no referido
documento.

Dispõe o artigo 41.º da Lei n.º 11de Abril de 1901, que a alteração do
pacto social se obtém com 3/4 partes dos votos e o réu Fernando
Correia por dispor de 75% do capital social, entendeu-se ter
legitimidade para a prática do acto.

Terminou requerendo que a acção fosse julgada improcedente e a


Ré absolvida do pedido.

Juntou documentos.

II - De seguida contestaram os réus "COROD, LDA", Fernando


Correia e Armindo Silva, fazendo-o por excepção e impugnação.
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Por excepção alegaram a ineptidão da petição inicial, a ilegitimidade


das partes e a forma do processo.

Por impugnação aduziram, em resumo, que os Autores não


entendem que as sociedades comerciais por quotas são geridas pela
maioria qualificada do capital social e não pela maioria dos sócios e
era o réu Fernando Correia o sócio maioritário que detinha 75% do
capital social.

Em Assembleia Geral de 26/03/98, com todos os sócios presentes,


foi deliberado por maioria de 75% do capital social a entrada do novo
sócio o ora réu Armindo Silva, sendo a acta confeccionada pelo
próprio Jorge Rodrigues.

Para os Autores o que está em causa na presente acção, são as


alterações ao pacto social da sociedade ora Ré, as actas das
Assembleias Gerais a que a ré Notária é completamente alheia,
questões estas que só podem ser analisadas e impugnadas em
accão própria - a de anulação de deliberação social, - no prazo de 20
dias, nos termos do artigo 46.º da Lei das Sociedades por Quotas.

Terminaram requerendo que as excepções suscitadas fossem


julgadas procedentes ou declarada improcedente a acção e os Réus
absolvidos do pedido, sendo os Autores condenados em custas,
procuradoria, multa e indemnização como litigantes de ma fé.

Juntaram documentos.

III - Finalmente contestou o Estado, representado pelo Digno


Magistrado do Ministério Público nos termos referidos na contestação
de fls. 105 a 106 que aqui se dá por inteiramente representada.
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Às contestações, replicaram os Réus nos termos referidos a fls. 118


à 131.

Efectuada audiência preparatória para tentativa de conciliação, não


logrou o Mm.º Juiz, fazer chegar as partes a qualquer acordo.

De seguida foi proferido despacho saneador no qual o Mm.º Juiz "a


quo" ao apreciar as excepções suscitadas pelos Réus, julgou
procedente a de ineptidão da petição inicial com fundamento no facto
de existir contradição entre o pedido e a causa de pedir tendo,
consequentemente, absolvido os Réus da Instância.

Inconformado com a decisão dela recorreram os Autores, tendo o


recurso sido admitido como de Apelação e efeito suspensivo, (fls.
159).

A espécie do recurso foi alterado nesta Instância para a de Agravo


pelas razões constantes na exposição de fls. 193 vº.

Apresentaram os Autores a sua alegação de recurso e concluíram:

- Ao contrário do que conclui o Tribunal "a quo" na sentença recorrida,


a excepção de ineptidão da petição inicial invocada pelos Réus na
contestação não pode proceder, porquanto, não há contradição entre
o pedido e a causa de pedir na acção.

- A causa de pedir na accão não se prende com irregularidades e


nulidade verificadas nas Assembleias Gerais, com as deliberações
sociais em si, mas efectivamente com a ausência dos requisitos
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formais e materiais para a celebração das escrituras públicas cuja


nulidade se pede.
- Assim, a causa de pedir é claramente compatível e adequada ao
pedido que se formula.

- A nulidade de escritura pública não pode ser arguida através do


incidente de falsidade.

- Uma nulidade por vício de forma não é uma falsidade. Não se trata
de aqui pôr em causa a força probatória de um documento autêntico
existente. Trata-se sim de pedir ao Tribunal que declare que tal
documento é nulo, isto é, que não existe juridicamente.

- Não é, pois, o incidente da falsidade o meio processual idóneo para


se pedir ao Tribunal que declare a nulidade do documento autêntico.
Esse meio processual não pode deixar de ser a acção declarativa de
nulidade que agravantes se socorreram.

Terminaram pedindo que seja revogada a sentença recorrida.

Contra alegaram os Réus sustentando o mérito da sentença recorrida


e pugnaram pela sua manutenção.

O Digno Magistrado do M.º P.º junto desta Instância emitiu douto


parecer concordante com a sentença recorrida.

Correram os vistos legais.


Apreciando e decidindo.
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O presente recurso de Agravo tem como objectivo o despacho


saneador proferido pelo Tribunal "a quo" e que julgou procedente a
excepção dilatória de ineptidão da petição e em consequência
absolveu os Réus do pedido.

Nas conclusões da sua alegação sustentam os Autores que a


excepção de ineptidão não pode proceder porque não há contradição
entre o pedido e a causa de pedir na acção e isto porque, a causa de
pedir não se prende com irregularidades e nulidades verificadas nas
Assembleias Gerais com as deliberações sociais em si, mas
efectivamente com a ausência dos requisitos formais e materiais para
a celebração das escrituras públicas cuja nulidade se pede. Assim, a
causa de pedir é declarada compatível e adequada ao pedido que se
formula.

A tese acima exposta pelos Autores ora Agravantes, não colhe e só


deformando a realidade dos factos narrados na petição se pode
chegar a semelhante conclusão.

Na verdade, da leitura atenta da petição inicial, facilmente se


constata que ao longo dos vinte e oito artigos que constituem a causa
de pedir, cerca de metade deles referem-se às actas das Assembleia
Gerais realizadas mormente nos artigos VI, XIII, XIV, XV, XVI, XVII,
XVIII, XIX, XX, XXI, XXII, XXIV e XXVI, da petição inicial colocando
os Autores em causa a forma como decorreram as Assembleias
Gerais cujas deliberações deram origem às escrituras ali referidas,
questionando a regularidade e a legalidade das deliberações
tomadas nas referidas Assembleias.

No entanto, ao formularem o pedido os Autores pedem que seja


"declarada a nulidade das escrituras públicas da sociedade datadas
de 3 de Julho e 28 de Agosto de 1998, publicadas no Jornal de
Angola dos dias 27 e 28 de Setembro de 1998.
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Sendo assim, é manifesta a existência de contradição entre a causa


de pedir e o pedido por ser evidente a inexistência de uma relação
lógica entre esses dois elementos essenciais da petição.

O professor Alberto dos Reis ao pronunciar-se sobre a contradição


da petição inicial expende o seguinte:

"A petição inicial para ser uma peça bem elaborada e construída,
deve ter a contextura lógica de um silogismo, deve poder reduzir-se,
em esquema, a um raciocínio, com a sua premissa maior (razões de
direito), a sua premissa menor (fundamentos de facto) e a sua
conclusão (pedido). O Autor ao preparar e organizar a petição, há-de
raciocinar como raciocinará mais tarde o Juiz, na sentença, para
julgar procedente a acção. O esqueleto da petição terá de ser
forçosamente um silogismo, sob pena de não poder desempenhar
convenientemente a função que lhe é própria...se a conclusão, em
vez de ser a consequência lógica das premissas, estiver em oposição
com elas, teremos, não um silogismo rigorosamente lógico, mas um
raciocínio viciado e portanto uma conclusão errada" (v. comentários
ao C.P. Civil, pág. 381).

Com efeito, a petição em questão tal como se acha formulada devia


culminar com o pedido de anulação de deliberação social e não com
o pedido de declaração de nulidade de escritura pública tal como foi
formulado e os Autores só não enveredaram por essa via por terem
deixado precludir o prazo legal de 20 dias imposto pelo art. 46.º § 1
da Lei das Sociedades por Quotas (Lei de 11 de Abril de 1901).

Deste modo, bem andou a Instância recorrida ao decidir como


decidiu.
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Pelos fundamentos expostos, acordam o desta Câmara em


negar provimento ao recurso confirmando a sentença recorrida.
Custas a cargo dos Agravantes.

Luanda, aos 15 de Julho de 2005.

André Silva Neto


Belchior Samuco
Tobias Epalanga

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