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I CORREIO

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3 DE NOVEMBRO DE 20C 1111

- BRASI
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11
Editorial 2

Passe e Escola Una


Declaração d o Comitê de Ação
Um ensino impar
Carlos Augusto Nicéas

Textos - Psicanálise e medicina


Psicossomática: uma questão para a psicanálise 18
Sara Perola Fux
O corpo na psicossomática
Francisco Paes Barreto
O corpo na anorexia: da imagem ao semblante 38
Nieves Soria

Agenda 43
VJornada Brasileira de Carteis EBP - ECF
Rumoao Congresso
III Congresso - XII Encontro
XII Encontro Internacional do Camoo Freudiano

Via Internet 53

ENCARTE INFORMATIVO

Comunicado do Primeiro Colégio d o Passe 56


Comunicados 59
Agência Lacaniana de Imprensa 61
Comissão Matemas ~~tJ:5164$ 88
-
m i l e i r a de Psicorialise Sáo Paulo
Btbliow
Caro colega,
Mais um Correio que sai e chega até você.
Mais unia de nossas publicaçóes. Ágil, iiiforniativa, recheada
de pequenas mas valiosas contribuiçóes. Presença d o Uno lia EBP.
Quatido fui convidada a fazer parte da Diretoria Execiitiva
da EBP, pergiiiitei-ine como seria trabalhar eni uma equipe nio-
rando numa cidade diferente da de meus colcgas, longc d o local
das instalaçóes físicas da instituição. Como fazer com qiie a EBP
Una se realizasse. para que as tarefas as mais prosaicas não
emperrassem, para que se piidcsse assegurar uni laço e uni lugar
para ela?
Evideiitemente a forma de efetuar qualquer trabalho cem
mudado radicalmente n o mundo todo. Não é cxclusividadc da
psicaiiálise divulgar, trocar idéias e por em marcha projetos, a
despeito da distância geográfica entre os intcrlocutores, graças
ao correio eletrônico. São inúnicras as empresas virtuais e cada
vez mais o escritório é doméstico, iiiiia cadeira diante de iim micro.
O que 6 característico da psicanálise, porem, priiicipainietite se
acompaiihamos os ecos das lições de IAM esse ano sobre o lugar
e o laço, é não acreditar que podemos homogeneizar os lugares
pelo acesso físico ou tecnológico que se possa ter a eles. Há pas-
sagens e bloqueios, transferência e resistência, fantasia e defesa.
Tornar possível o funcionamento prosaico d o Uno da EBP é, por-
tanto, uma questão complexa que depende do motor da traiisfc-
rência de trabalho.
Mas o que estou chamando de funcioiianiento prosaico d o
Uno da EBP? Estabelecer liigarçs nos quais o laço de cada uin à
psicanálise e a orieiitação da AMP possa se renovar; estabelecer
laços para que cada um encontre um lugar a fim de contribuir à
renovaçáo da psicanálise. Uma resposta tautológica assim ressal-
ta que laço e lugar se imbricam - só encontranios Um no Outro.
Alg~iiisexemplos, no entanto, podem ser mais iliistrativos.
Onde encontramos o mais prosaico do Uno?
1) Nas publicações impressas: O Correio, a mais frequente
delas, cerca de oito por ano; Opçáo Lacaniana, três números por
ano. O catálogo de cartéis. O Anuárb. Publicaçóes qiie conforta-
velmente nos chegam à porta, sem qualquer custo extra às
cotizações.
2) Nas publicaçóes e divulgaçóes virtuais: a lista de Veredas;
os sites de trocas das comissões de trabalho; as tradugões dos
textos da Agência Lacaniana de Iml~rensa;a home page.
3) Nos eventos: o Encontro Nacional na Bahia cuja prepara-
çáo tem sido cuidadosa e divulgada. A Jornada de Cartéis que
acontecer5 n o Rio.
4) Na viabilização de reciirsos para as reuniões de rotina do
Conselho, d o Colégio d o Passe.
Esses sáo alg~insexemplos d o funcionamento. O que chanio
de prosaico náo é a qualidade d o trabalho implicado e nem o
avanço que esses laços permitem. O que chamo prosaico é ape-
nas viabilizar os recursos e organizar os meios para que se dêem.
Nada t i o caro em termos do que se pode dispor para ser membro
dessa comunidade. Nada mais caro àqueles que por ela traba-
lham.

Heloisa Caldas
Declaração do Comitê de Acão
10 de. setembro de 2001

Diante da controvérsia que foi levada ao coiiliecimento da npi-


nião pública francesa, o Comitê de Açáo da Escola Una endere-
ça seu apoio decidido a Jacques-Alain Miller.
A comoção suscitada pelo ensino de 1. Lacan no mundo da
psicanálise se niatiifestou, unia vez mais, com relação à questáo
chave da formaçáo dos analistas. Esse ensino teve um impacto
tão durável que apenas a tolice poderia minimizar.
No quadro da AMP, através do mundo, niilhares de psicaiia-
listas sáo formados por suas Escolas, pelo rigor de seus conceitos,
pela seriedade, o devotatnento e a atenção tio que concerneni aos
seus procedimentos, que tentam validar as coiisequências cliiiicas
do ensino de Lacan tia vida itistirucional. Essa orientação, tomada
por ].-A. Millcr, nos guia; é uni ato de paixão e de clareza. Ela nos
mostra que é possível para a psicanálise coritinuar a ser do seu
tempo, assiiii coino J. Lacan visava. A comunidade internacional,
aquela que a Escola Una constitiii e que vive essa experiência
coniiim com intensidade, saberá se iiiostrar à altura da ocasião.
O Comite de Ação
Lucía D'Angelo (Barcelona)
Luis Eriicta (Biienos Aires)
Lêda Guiniaraes (Salvador-Bahia)
Jean-Pierre Klotz (Bordeaux)
Ronald Portillo (Caracas)
Massitno Recalcati (Bologria)
Paulo Siqueira (Paris)
Mauricio Tarrab (B~iciiosAires)
Pierre Thèves (Paris)
Traduçái>:Sérb~A.uia
Um ensino ímpar"

CARLOS AUCUSTO N I C É A S

Vamos iniciar a segunda sessáo do seminário d o Conselho sobre a


formaçáo d o analista, lenibrando que o eixo da questáo deslo-
cou-se neste segundo semestre da supervisáo para o ensino da
Psicanálise na Escola. Lembrando também, e outra vez, que sáo
vários os lugares de prodiiçáo e de transmissáo onde se efetua a
formaçáo para todo aquele qiie nela entra.
No qiie toca, porém, o eiisirio da Psicanálise na Escola, eu
volto hoje à qiiestáo já levantada na sessáo anterior deste semi-
nário. Ou seja, na vez passada eii tinha anlinciado a pergiinta
que eu me fiz e que tentaria começar a tratá-la hoje, aqui: have-
n a iim ensino na Escola que, produzindo o seti efeito de forma-
ção, se mantivesse como uma marca de diferença iia comunida-
de dos analistas, compreendendo essa comuiiidade nAo somente
as Sociedades da IPA mas ranibém as associaç6es que. fora da
Escola, se reclamam d o ensino de Lacaii para a formagáo de seus
membros!
Essa questão, vocês se lenibram, eu quis articulá-la à atuali-
dade política d o problema da formaçáo do analista. Para isso nós
começamos a considerá-la, na sessão anterior, com relação a dois
textos de Lacan nos Escritos: "Variantes d o tratamento-padráo"
e "Situaçáo da Psicanálise em 1956; assim como referindo-a aos
textos contemporâneos qiie na ECF serviram de base à discussão
da Conferência institucional de 7 de julho último. Pretendi tam-
bém que aquilo qiie discutíssemos hoje sobre o ensino da Psica-
nálise na formaçáo do analista da Escola, antecipasse e preparas-
se o debate da próxima sessáo do seminário quando escutaremos

' Transcri~ão
da segiinda sessm do xmin0rio do Conselliu da EBP-Rio ciwrdcnado.
;I con\,itc do Comclho, par Cnilos Aiizusto NicCns (EBP-SP). rm srrenibro de 2001.
e discutiremos a experiência qiie 6 a de alguiis desta Seção da
EBP-Rio de ensinar a Psicanálise na Universidade. Discussão que
qiieremos orientar para que pensemos os efeitos desse ensino so-
bre a formação de nossos jovens analistas qiie lá a prociiraiii, e
sobre sua traiisferência a Escola.
Eu dei à minha intervenção de hoje neste seminário, iim tí-
t~ilo:"Um ensino ímpar". E vou abri-la sublinliando em Lacan
algumas de suas posições sobre a relação de seu ensino com a
formação do analista.
Uma primeira e fundametital referêiicia: "Funç-ao e campo
da palavra e da liiiguageni ein psicanálise", relatório de Lacan
para ser disciitido n o Congresso de Ronia em setembro de 1953
(Escritos, Seuil, Paris 1966), eiii cujas linhas iniciais d o prefácio
ele nos diz: "O discurso qiie se encontrará aqui merece ser ititro-
duzido por suas circunstâncias. Porque, delas, ele traz a iiiarca".
As circunstâncias, n6s já nos referimos a elas na sessão de
abertura d o seminário, quando retonianios o momento da crise
eclodida por ocasião da criaçáo d o Instituto de Psicanálise da
SPP com a fuiidação, cni seguida, da SFP. A tarefa à qual se
propóe Lacati nesse discurso de Ronia é a de renovar na Psicaná-
lise os fiindanientos que ela retira da lingiiagem. O que ele faz
rompendo coiii o estilo tradicional que classicamente situa um
relatório "entre a conipilação e a síntese, para lhe dar o estilo ir6-
nico de iim questionamento dos fundamentos desta discipliiia".
Uma denúncia importante sobrc a maneira de se ensinar a
psicanálise em 1953, é introduzida imediataniente por Lacan,
assinalando que as formas iniciáticas e organizadas por Freud ao
criar a IPA, para qiie seiis analistas formados por elas pudesseni
defender a causa da Psicanálise contra a sua prática selvagem,
reduziram-se eiii seus Institutos a um puro formalisnio: "As regras
técnicas, diz Lacan, assiniilarani-se a receitas, fechando à expe-
riência todo o alcaiice de conhecimento e mesmo todo critério
de realidade". Daí. anuncia Lacan, a iirgêricia da "tarefa de res-
gatar nas noç6es que se amortizaram num liso rotiiieiro, O seiitido
qtie elas reencontraiii tanto num retorno à sua história quanto
numa reflexão sobre seus fundamentos sul~jetivos".O que o faz
concluir que operaiido esse retorno e desenvol\~endoessa reflcxão,
ter-se-ia definida a fiinção daquele que ensina, fiinção "da qual
todas as outras dependem".
Laca11 se decide entáo, em 1953. por começar o ensino que
duraiite dez anos o manteve senianalmeiite diante de seu audi-
tório, a promover uni retorno a o sentido de Frei~d.
Foi então o inconsciente freiidiano, enquanto referido a uma
prática, que serviu de indicador a Lacaii para inaugurar o seu
ensino. A hipótese de ser esse inconsciente freiidiano estruturado
como uma linguageni, ele se dedicou a partir de entáo a demons-
trar, formulando em seu nome próprio um ensino.
Com Freud, para quem a Psicanálise. no início, antes da criação
da IPA, se aprendia na experiência niesma da análise d o analista, a
formação conjtigava, tão somente, convencer-se da existência do
inconsciente e beneficiar-se nas análises, em conversas ou em trocas
de cartas, dos ensinamentos do mestre fundador. Uma forma de en-
sino que transmitia, em permanência. na origem da expansão do
círculo de analistas, primeiros alunos de Freud, os conceitos funda-
nientais da doutrina que iam sendo produzidos por ele numa
interdependência necessária à maniitenção da experiência.
Ein 1953, na abertura d o livro I do seu seiiiinário, liç-ao inau-
gural de 18 de novembro, Lacaii evoca tini mestre biidista aplica-
do a imprimir ao seii ensiiio a técnica zen de interromper o silên-
cio "com qualquer coisa, um sarcasmo, uni pontapé". Aos alunos
desse mestre cabia procurar as respostas para siias próprias qiies-
tóes, já que esse mestre "não ensina 'ex-cathedra' uma ciência
acabada", somente trazendo a resposta "qiiando os alunos esta0
no ponto de encontrá-ia".
Essa maneira de ensinar interessa a Lacari precisá-la: "Este
ensino é uma reciisa de todo sisteina. Ele descobre um pensa-
mento em movimeiito - preparado, n o entanto, para o sistema,
porque ele apresenta necessariamente uma face dogmática". O que
lhe permite, desde então, retornar a Freud: "O pensamento de
Freud é o mais perpetuamente aberto à revisáo. É iim erro redu-
zi-lo a palavras gastas. Cada noção, nele, possui sua vida própria.
É o que se chama precisamente a dialética".
Depois, ainda em 1953, e já se introduzindo nos comentários
sobre os escritos técnicos de Freud, Lacan se endereça aos repre-
sentantes d o seu grupo de psicanálise nestes termos: "Se vocês
náo vêni aqui para pôr em caiisa toda a atividade de vocês, eu
não vejo porque vocês estão aqui. Aqueles que não perceberiam
o sentido desta tarefa, por que permaneceriam ligados a nós em
vez de irem se juntar a uma forma qualquer de burocracia?".
Relação estreita e já estabelecida, portanto, entre seu ensino
e a formação do analista que o recebe. É que a Lacan interessa-
va, na abertura mesma do seu ensino, denunciar, antes de tiido,
o primeiro efeito da b u r ~ c r a t i z a ~ ãdao formação do analista. efei-
to de reduçáo das regras técnicas da Psicanálise à condição de
"standards", deixadas de serem tratadas conio as tratou Freud, à
maneira de um instrumento que se tem bem posto na máo, como
ele nos leiiibrava.
Lacan, que em 1946 já se tornara membro da coniissáo de
ensino da SPP, desde 1951 começara a dar um seminário de lei-
tura de textos freiidianos em sua casa. Durante período conipre-
eiidido enrre o primeiro deles consagrado a Dora e o seminário
sobre o Homem dos Lobos, ainda eiii curso no momento da crise
da criaçfio do Instituto, vários analistas em formação constit~iíam
o seu público ouvinte. Foi sobretudo para esses alunos qiie ar6
então recebiam sol) essa forma o seu ensino, que ele endereçou o
seu discurso de Roma.
Em 1953, ano da primeira cisáo na coiiiiinidade psicanalítica
francesa, uni projeto de emenda aos estatutos propostos por Nacht
para o Iiistituto de Psicanálise, foi encaminhado por Lacan, en-
táo seu diretor provisório, à Assenibléia da SPP em janeiro de 53
para discussão. Projeto de emenda siistentado por uma "intençáo
evidente de coiiciliação", conio observoii JAM.
Esse projeto merece ser lembrado ein suas linhas principais,
Lima vez que as idéias nele já sustentadas por Lacan, interessam
a toda discussão eiii torno da natureza e da incidência do erisitio
da Psicanálise sobre a formação do analista. Ele é eiicimado por
um título: "Exposição de motivos - Psicanálise e ensino". E Freiid
é citado em exerglic: "Se a gente tivesse - idéia que hoje parece
fantástica - de fundar uma faculdade analítica, a geiite ensina-
ria nela, claro. matérias que a Escola de medicina ensina tain-
bém: ao lado da 'psicologia das profuiidezas"', a do iiiconscieiite,
que permaneceria sempre a peça de resistência, precisaria lá apren-
der, de uma maneira a mais ampla possível, a ciência da vida
sexual, e Lá familiarizar os alunos com os quadros clínicos da psi-
quiatria. Por outro lado, o ensino analítico abarcaria também ra-
mos muito estrangeiros ao médico e dos qiiais ele não entrevê
sequer a sombra no curso do exercício de sua a história
da civilização, a mitologia, a psicologia das religiões, a história e
a crítica literárias...".
O projeto reconhece a necessidade, na época, de dar ao en-
sino da psicanálise, um órgão onde exercê-lo, uma vez que exis-
tente desde antes da guerra, e fechada desde a sua declaração,
cabia à SPP garantir até então, institucionalmente, o ensino da
Psicanálise na França, respondendo às exigências de formar ana-
listas. E entre as novas exigências que se apresentavam aos res-
ponsáveis pclo ensino da Psicanálise na França, depois da guerra
"a passagem das psicoterapias para a escala dos fenômenos sociais"
impunha já distinguir, segundo Lacan, os princípios da disciplina
desfigurada por sua difusão e as regras que orientavam sua práti-
ca usurpada.
Mas a leitura desse projeto-emenda de Lacan também nos
revela a sua preocupação com a política psicanalítica de direção
d o Instituto. Ele teme, com efeito, um perigo de desfiguração
daquela nova e necessária "organização materialmente diferen-
ciada" a ser criada pela Sociedade dos analistas. Ele insiste para
que haja preservação da autonomia de uma coniissão de ensino
articulada com a direção do Instit~ito.Soniente assim ele achava
possível garantir uma transmissão da experiência, d o analista for-
mador para o analista em formação, transniissão que, para Lacan,
"faz a virtude do gradus psicanalítico". Garanti-la, portanto, sob
a vigilância de uma comissão de ensino aut6noma e livre da inci-
dência de toda política pessoal na direção d o Instituto, era tão
importante para Lacan quanto o era a 1130-formaiização, nele,
dos estudos. Com efeito, estes deveriam ser, no dizer de Lacan,
"tão liberaln~enteconcebidos quanto aqueles que conduzem a
uma ciência q u e merece, e n t r e todas, ser qualificada d e
humanista". O ensino teórico da Psicanálise não poderia, assim,
e sobretudo, para Lacan, "limitar-se a um ciclo de conhecimento
que a gente fecha uma vez por todas". Enfim, para Lacaii e m
1953, a formaçáo do analista deveria participar principalmente
das pesquisas que fundam as categorias de unia experiência ana-
lítica e que ele resLiriie em número de quatro.
A primeira delas, certamente ele a refere à sua própria expe-
riência ensinando a Psicanálise: o comentário dos textos origi-
nais de Freud, "a mais segura via e a mais racional" para se al-
cançar e manejar os conceitos fiindamentais da experiência.
Lacan, desde eiitáo, fazia, n o entanto, valer a exigência de qiie
as noçóes freudianas tivessem sempre o seu valor ressituado n o
contexto em que elas surgiram. isto é, enquanto geradas niiin
momento dado, q ~ i a n d ose fizeram "indispensáveis a Freud por-
que elas traziam uma resposta a uma questão que ele tinha for-
mulado antes noutros termos", como ele diz na abertura do seu
primeiro seminário.
A segunda categoria qiie funda a experiência do analista em
formação, Lacan a vi. n o aprendizado supervisionado da técnica
"onde o estiidante pode reconhecer a funçáo criadora da praxis e
o valor da análise coiiio ciência d o particular, pondo à prova, ria
duração de lima experiência, a relaçáo das regras com seus efeitos
no caso" .
A terceira categoria é a crítica que, subordinada aos dados
analíticos, questiona "tanto as normas da psicopatologia clássica,
quanto o valor efetivo da própria iiiterveiiçáo técnica".
Finalmciite, uma quarta categoria nos fundaineiitos da for-
iiiaçáo analítica: a extensáo do seu campo. A psicanálise com
crianças, de Lima clínica dita ainda, eni 1953, a ser definida,
seguramente se apresentava na época como "a fronteira onde se
oferece à Psicanálise o qiie de mais desconhecido existe a se
conqiiistar".
Por outro lado, a não-formalizaçáo dos estiidos n o Instit~ito
que ocupa e preocupa Lacan e m 1953, ele a concebe conio uma
vantagem essencial: é favorável ao analista em foriiiação o fato
dele "1130 participar das exigências formais de assiduidade e de
exames que, por se exercerem talvez iim pouco em demasia nos
nossos dias nos estiidos superiores, mostram suficieiitemeiite que
elas degradam o cstilu seni elevar o nível".
E quanto ao programa freudiano geral para a formaçáo do
analista, composto de matérias várias e imprecisamente relacio-
nadas, o intento de Lacan não foi o de alinhar apenas a teoria
psicanalítica entre os saberes já reconhecidos mas, desde o início
d e seu ensino, ao contrário, o de reunir e questionar esses sabe-
res visando torná-los afins à psicanálise. Como ele o fazia? Pela
via indicada por ele mesmo como sendo "a única formação que
nós possamos pretender transmitir": um estilo.
Anos depois, nós sabemos, a solidariedade entre a enunciação
de Lacan e a resposta dada ao seu ensino pelos ouvintes do seu
seminário, firmou-se ainda mais coni a produçáo dos niatemas e
com s formalizaçáo dos quatro discursos. Antes porém, ainda em
1964, uma vez já tendo acontecido a segunda cisão na comuni-
dade psicanalítica francesa, também editada e documentada por
IAM num volume iiititulado "A excomunháo", Lacan. no Semi-
nário livro I I do seu seminário Os quatro conceitos fundamentais da
Psicariálise, já tinha reafirmado que seu ensino permanecia, como
antes, tendo a mesma Finalidade: formar analistas. O u seja, per-
severar à frente do seu seminário. ensinar a psicanálise como ele
o fez e do modo como fez, era continuar a oferecer aos seus alu-
nos um ensino produtor em permanência de efeitos de formaçáo.
E porque o seu ensino, em 1964, como em 1953, continuava avan-
çando sem ser movido por um ideal de forinação acabada, o ana-
lista que dele se beneficiava só podia ser dito em formaçáo per-
manente.
Mas a concepçáo de Lacan do modo de ensinar a Psicanálise
náo deixa, n o entanto, a formaçáo do analista sem uma articula-
çáo institiicional precisa. Assim, se ele disse que cada um tia
Escola pode ensinar a seu próprio risco, ele também afirmou que
a siia Escola dispensa unia formaçáo. Por isso, ao fundá-la em
1964 para garantir essa formaçáo, nós o vemos naquele momento
usar de um argumento de autoridade para proclamar que a for-
mação do analista depende do seu ensino.
De fato, no Seminário livro 1 1 , depois de se autorizar a conti-
nuar falando dos fundamentos da psicanálise, pelo fato de du-
rante 10 anos ter cumprido "o que se chaniava um seminário que
se dirigia a psicanalistas", ele estabelece nestes termos a relação
d o seii ensino com a formação d o analista: "Quanto aos funda-
mentos da psicanálise, meu seminário, desde seu início, estava,
se eu puder dizer, implicado neles. Ele era um elemento deles
uma vez que ele contribuía a fi~ndá-Ia"in concreto", já que ele
fazia parte da própria praxis, pois ele estava ein seu interior, pois
ele era dirigido para aquilo que é um elemento dessa praxis, a
saber, a formação de psicanalistas".
Assim, depois da excomunháo, depois da censura que se aba-
teu sobre o seu ensino, proscrito como nulo para a habilitação de
um analista, e exigido ser para sempre banido de sua formaçáo, e
em oposição aos que quiseram manter separados ensino e forma-
ção, Lacaii se pôs lima vez mais, em 1964, na mesma posição de
servir ao discurso analítico para que este vencesse - como ele
dirá nos tempos da Dissolução - na mesma posição de nos rein-
traduzir à mesma questão: "o que é a psicanálise?".
O que se seguiu, a gente sabe, até o final de sua vida ele
ensinou a Psicanálise jamais desfazendo o nó que mantinha soli-
dários ensino e formação d o analista. I'or isso, em outiibro de
1976, quando ele aceitou apresentar a edição de IAM da cisáo
de 1953, ele pôde escrever cinco frases apenas, curtas, das quais
a primeira é esta: "Eu ganhei, sem dúvida. Pois eu fiz escutar o
que eu pensava do inconsciente, princípio da prática".
A questáo quanto ao ensino da Psicanálise na Escola, quan-
d o nos dispomos. reunidos nestes seniinários, a interrogar outra
vez a formação do analista, me aparece assim: seria verdadeiro
afirmar, hoje, que na Escola a forniaçáo do analista guarda ainda
essa dependência essencial d o ensino de Lacan, ensino cuja fi-
nalidade, no mesmo Seminiirio livro I I , ele qualificou conio sendo
transferencial!
Acredito que podemos dizer que sim, que essa mesma solida-
riedade entre ensino e formação d o analista 116s a reeiicontraiiios
mantida na Escola sob a orieiitaçáo lacaniana d o ensino de
Jacqiies-Alaiii Miller. E é de nossa relação com esse ensino que
eu gostaria agora de falar, falar nesta noite da importância de
sua orientação sobre a nossa formaçáo permanente.
Para falar disso eu coiiieço com Lacan, depois da Dissoluçáo,
numa "Segunda carta do Foro", datada de 1 I de maio de 1981,
falando de sua nova Escola ao convocar seus alunos - "aqiieles
qiie ainda me amam" - para, nela, constituírem "o núcleo a par-
tir d o qual é possível que o meu ensino subsista".
Em "Enciclopédia" (Ornicar? 24, 1981), IAM retorna a esse
ensino de para nos lembrar como ele, náo querendo inventar outra
vez a Psicanálise, apenas colocou o começo do seu ensino sob o
signo de um retorno a Freud pois era preciso responder a lima
questão: em que condições a psicanálise é possível! Miller, n o
mesmo "Enciclopédia". nos lembra ainda que Lacan para nos
ensinar isso, obrigoii-se a dar conta de sua prática publicamente
e a cada semana.
A o reler em "Enciclopédia" essas notações de Miller, voltou-
me à lembrança um nioniento do Seminário 11, no qual Lacan,
por sua vez, nos lembra como os pós-freudianos passaram a dirigir
seus tratamentos eiii nome de suas particulares teorias: Abraham,
Ferenczi, Numberg, cada um desvelando por elas o que desejam
que seus pacientes façam deles, mestres, portanto, de teorias in-
conciliáveis mas consagradas como saberes partilhados por uma
mesma comunidade de analistas. Comunidade assini transforma-
da numa Babel, no dizer de Lacan.
Em Julho de 1998 em Barcelona, na quarta parte do seu relató-
rio à Assembléia Geral da AMP, sob a acusação de não querer
separar direção e orientação, IAM retomou os modos de articula-
ção d o UM e d o múltiplo ria IPA e no Campo freudiano. Particu-
larmente, ele concebeu que para a IPA o "standard" é o seu "ci-
mento iinitário", enquanto que no Campo freiidiano o Um se
exprime "no que chamamos, sem ter estabelecido seu conceito,
a orientação". Enfatiza Miller: "A orientação e não o Standard".
É importante ter essa diferença muito claramente estabelecida
entre n6s.
"A Orientaçáo e não o Srandard". Querendo então nos fazer
compreender "porque fomos levados à noção e a prática da ori-
entação", Miller nos reenvia aonde, "para dar-lhe unia definição
apropriada"? A o mo\~inieiitolacaniano em sua origem mesma, isto
é, ao "gesto inaugural de Lacan" ensinando-nos, desde o início,
a restaurar o campo da palavra e a função da linguagem na des-
coberta freudiana.
Eu isolei alguns trechos desta mesma quarta parte d o relató-
rio de Miller. E vou lê-los agora na articulação que eu Ihcs dei.
"Quando se fala de "retorno a Freud", diz Miller, ainda não
se disse nada: foi uni slogan, um significante mestre, ao qual o
sentido só vem do significante do contexto ao qual se articula.
O "retoriio a Freud", ostentando uma significação regressiva, con-
servadora, ortodoxa, era só de fgchada, para proteger a investida
inovadora de Lacaii da acusação de desvio mortal, num campo
onde a referência ao fundador constitui uni shibolet obrigatório
(...). Na realidade, tratava-se bein outra coisa: Lacan voltou a
Freud como à língua comum d:i psicanálise (...). Resumindo, o
significante d o "retorno a Freud" toma seu sentido do significante
"Babel" com o qual Lacan designava o estado da coniuiiicação
n o movimento psicanalítico. (...) "Retorno a Freud" quer dizer:
re-elaboração a partir de Freud de uma Iíngiia comum na psica-
nálise. (...) Desde sempre, desde a origem, a orientação lacaiiiana
é a anti-Babel, é a possibilidade da comunicação dos psicanalis-
tas entre eles e com o público. com a "esfera pública", é a busca
da grande Conversação Analítica (...). A Conversação analítica
começou com Freud. Prosseguiu com Lacaii, e por nossa vez, nós
a continuamos com o Campo freudiano. Começamos a falar jun-
tos em 1980 (...). Assim fazendo. damos seqüência à Grande
Conversação freudiaiia, inscrevendo-nos na aiiti-Babe1 de Lacan".
Essa declaração de Miller reinscrevendo-se, em 1998, depois
de Freud e de Lacan, na tarefa de restabelecer a Conversação
que se opóe à "multiplicação das línguas especiais", eu gostaria
de colocá-la não em paralelo, nias em prolongamento do ensino
de Lacan, porque a orientação, como o próprio Miller nos lem-
bra, "é dita lacaniaiia por ter sido Jacques Lacan o primeiro a
debater com Freud, e por nos ter deixado a única língua comum
existente na Psicanálise". A orientação sustentada, depois de
Lacan, por Miller, seinanalmeiite, em seu seiiiiiiário das quartas-
feiras, é sua resposta permanente à aposta de Lacan de que o seu
ensino subsistiria cni sua nova Escola.
O seu ensino, Miller o desenvolveu, prinieirameiite, sob a
forma de cursos consagrados à coerência sistemática do ensino
de Lacan, durante sete anos, de 1972 a 1979. Depois de uma
interriipçáo de dois anos ele voltou para retomar, sob sua respon-
sabilidade. a orientação lacaniana da Escola; tomando como ponto
de partida uma urgência: a promoção de um outro Lacan (curso
inédito de 1982, "Sintoma, fantasma e retorno") : "Eu parei a
série na junta desta década (...). Aconteceu também que nessa
junta eu me engajei na prática da psicanálise. E sobretudo que
Lacan está morto. Então, isso me levou, no ano passado, a iniciar
uma segunda série do ensino de Lacan".
"Eu me engajei na prática da psicanálise". Unia autorização
que o faz suportar a orientação. agora, não somente para ensinar
a psicanálise como um mestre entre outros mestres, mas para pros-
segui-la sabendo, como analista ensiiiante, quem opera na expe-
riência. Assim, nos anos oitenta, Miller se autoriza a tomar para
si o encargo de re-elaborar permaneiiteniente, depois de Lacan,
a língua comum da Psicanálise. Não seria exagerado supor que, a
partir desse momento, tendo se engajado na prática da psicanáli-
se, o seu ensino tenha se tornado em consequência, para ele,
assim como o foi para Lacaii, a cada semana e publicamente, um
mesmo prestar conta diante do seu auditório de sua prática como
analista.
A orientação, Miller o diz, só lhe interessava se ele não tives-
se de desenvolver o ensino de Lacan como lima dogmática: "Ali-
ás, eu creio que isso não é possível. Isso só pode ser desenvolvido
conio uma orientação, quer dizer, conio um caminho, ou um tra-
çado, pode-se mesmo dizer como um progresso se a gente enten-
de precisamente por aí que isso não permanece imóvel. E assim
que eu me esforço para assumir, adotar o que Lacan pode formu-
lar em siias variaçóes. Porque eu tenho o ponto de vista da orien-
tação, eu posso tratar os ditos de Lacan que, considerados d o
ponto de vista dogmático, seriam puramente e simplesmente con-
traditórios. Esses ditos só encontram sua funçio do ponto de vista
da orientação" (curso inédito "1, 2, 3, 4, ...", lição de 14/11/84).
Vamos nos aproximando d o final desta sessão do seminário
para que possamos ter ainda, algum tempo para conversar.
Ensinar a Psicanálise impôs-se a Lacati porque era preciso abordá-
Ia a partir do seu próprio campo. E esse campo, campo freudiaiio,
encontrou com ele sua definição. A orientação lacaniana, ação
específica de JAM na Escola, é aquela, portanto, que, recusando
todo "magister dixit", recria e reelabora, em permanência, o pró-
prio campo da Psicanálise.
As relaçóes dos analistas na Escola com esse ensino ínipar de
IAM mereceram recentemeiite um testemunho e uni comentário
interessantes de Juan Carlos Indart. membro da EOL. Em Opção
lacaniana, n. 26, de dezembro d e 2000 ele lios fala de um fato
novo acontecido numa experikncia partilhada de estiidos de tex-
tos. Para niuitos, a leitura de Miller reduzira-se, Iiá um certo
tempo já, segundo Indart, a procurar rapidamente em seu texto,
respostas às interrogaçóes qiie eles se punham, quando liam Lacan
ou Freud. Conientar e discutir um curso de IAM duraiite todo
iim ano trouxe novidades à experifiicia de cada um: começar a
interrogá-lo "revelou-se para nós que o pensamento de Jacques-
Alain Miller não é fácil. Não se trata dessa famosa facilidade
para resolver iim ponto complexo em Lacaii. mas sim de que a
própria textura lógica de seus cursos provocou entre nós unia
disparidade grande de pontos de vista, tinia diversidade de leitu-
ras e. inclusive, rerornos a uni modo de ler que acreditávamos
estar superado e que veio à luz intacto" .
N o q u a r t o curso da segiiiida série d e s u a O r i e n t a ç á o
lacaniana, "1, 2, 3, 4, ...", IAM nos lembra que n o dicionário
francês, desde 1834, a palavra orieiiraçáo equivale à arte de re-
conhecer o lugar onde estanios. Mas ele nos faz saber mais algu-
ma coisa sobre o qiie é uma orientação. Ela é lima direçáo, é o
fato de dar um iiiovimento, é o faro de sustentar essa diregáo.
Orientação lacaniaiia foi, por isso, o nonie qiie ele mesmo deu às
suas duas séries de ensino, a primeira, interrompida depois de
sete anos, a seg~inda,a que continua até hoje. A direçáo, é a
direção que Lacan imprimiu à Psicanálise, à prática psicanalí1:ica
e ao mo\~imentopsicanalítico.
Miller representa a orientação por uin vetor, por um segmen-
to munido de unia orientação, para afirmar a orientação como
fator de diferenciaçáo: "Há mais numa figura geométrica orieii-
tada d o que niinia figura que náo o é". E ele desenha, numa de
suas liçóes, para ilustrar essa diferenciação, um círculo rijo ori-
entado e dois outros círculos orieiitados eiii direçóes contrárias.
Eu penso isto: nós náo somos iim círculo náo-orientado, e
nem somos somente aqueles que, embora orientados, só reconhe-
cem o lugar onde estão, ainda que este lugar se chame Escola.
Nós nos representanios enquanto diferenciados por uma orienta-
çáo. Nós tenios. na Escola, o nosso fator de diferenciaçáo. E essa
diferenciaçáo, eu acredito, pode ser testemunhada e reconhecida.
Por hoje, e à guisa de concliisão, eu Ihes deixaria com este
pensamento que me veio agora: pensei naqueles que puderam
fazer a sua análise na Escola e que puderam ter supervisionada,
nela, a sua prática clíiiica. Muitos deles escolheram e puderam
partir, deixar a Escola, decidiram fazer outros agrupamentos.
Certamente, formados como eles o foram, os grupos para os quais
eles se foram, serão eiiriquccidos com o trabalho deles, com a
traiismissáo que, lá, eles fizereiii. O qiie eles 1150 poderáo certa-
mente transportar é esse ensino do qual Lacati fez depender a
própria formaçáo d o analista, e que sob a orientaçáo de J A M
subsistiu na Escola. Q u e tenhamos na Escola esse ensino que
continua, portanto, e em permanência, a fundar "in concreto" a
Psicanálise para a qual ela nos forma, é o que, sem dúvida, nos
mantém, junto aos outros, diferentes na coniunidade iiiternacio-
na1 dos analistas. Náo só com relaçáo à IPA, já dissemos, mas
com relação, também, àqiieles que, mesmo se reclamando do
ensino de Lacan em sua formação, siibtraem-se, hoje, à marca da
direçáo milleriana para os tempos e o destino atuais da Psicanálise.
Vamos conversar?
PSICANÁLISEE MEDICINA

Psicossomática:
uma questão para a psicanálise

SARA PEROLA FUX

O avanço da ciência produziu progressivamente duas vertentes


da medicina. A vertente que tinha como referência o direito à
vida visava no horizonte a batalha contra a doença e a morte. A prá-
tica médica, nessa sua incansável batalha, era então guiada por
normas para prolongar ou, até mesmo, eterniiar a vida. A medici-
na, nessa época, se orientava pela doutrina d o pensamento
hipocrático segundo o qual "o médico que chega a ser filósofo se
assemelha a um deus". A posição d o médico detinha, pois, pode-
res inquestionáveis e o atendimento clínico praticamente se abs-
tinha de Lima atençáo multidisciplinar. A vertente atual da me-
dicina, diferentemente da anterior, se inscreve eni torno d o di-
reito à saúde, princípio da Organização Mundial de Saúde. Nes-
sa vertente, o médico está colocado na posição de ser tão somen-
te mais um colaborador inserido numa equipe multidisciplinar
que se ocupa em manter o bem estar e o perfeito funcionamento
da engrenagem d o organismo humano. A ênfase, atualmente,
então, é colocada lia qualidade de vida.
Na medicina, o corpo é visto apenas com« um "sistema" bio-
lógico, que se auto-regula visando um equilíbrio homeostático,
reduzindo desta forma o homem à sua pura organização anatômica,
excluindo-o da relação com a palavra e, conseqüentemente, com
o desejo que ela veicula para barrar o gozo. A este perfeito equi-
líbrio homeostático, ao "silêncio dos órgãos", segundo Bichat,
chamamos saúde. A perturbação deste equilíbrio nomeamos do-
ença. Nessas circunstâncias, na medicina, o sintoma 6 identifi-
cado pelas manifestações de dor ou de sofrimento físico, manifes-
tações estas que a psicanálise identifica como gozo.
Diferentemente da medicina, na psicanálise o corpo é defini-
do pela sua organização libidinal. Em psicanálise, portanto, é d o
corpo erógeno e não do biológico d o qual se trata e foi isso que
Freud póde apreender e descobrir com as histéricas. E, pois, pre-
cisamente numa questão que fazia enigma para a medicina que
Freud se encontra com a histérica. cujos sintomas causavam per-
plexidade e desafiavam o saber médico, j i que desobedeciam às
leis anatomofisiológicas e náo "encaixavam" no modelo científi-
co vigente. Tomando essa encruzilhada como caminho para a
sua invenção, Freud abriu a possibilidade de ele próprio médico
consentir em se deparar com uma nova anatomia, a anatomia
fantasística. A psicanálise surge, então, somente quando Freud,
enquanto ainda iiiédico, se desloca da sua posição de mcstria e
se dispõe a sustentar uma posição diferente, fundando um novo
campo de demanda. E é nessa posiçáo que ele ratifica aquilo que
já tinha constatado: que adoecer é unia forma de falar, de falar
com o corpo, quando já não se consegue falar através da palavra.
Não foi, porém, exatamente Freud queni descobriu a relação ou
a analogia entre o sofrimento e a palavra. A medicina já o tinha
detectado e sempre constatou que, quando o corpo se torna uma
maneira de falar, ele "somatiza". Da niesma forma, a Igreja co-
nhece desde sempre o valor de alívio da coiifissáo, da penitência
ou da palavra de absol\~ição.Há muito já se sabia, então, que
falar produz alívio para o sofrimento ainda que. por vezes. tempo-
rariamente.
Hoje, a alopatia, as medicinas alternati\,as, as diferentes li-
nhas psicoterapêuticas, em alianças diversas, tentam "compre-
ender" ou "explicar", por exemplo. um dos desafios contemporâ-
neos ao saber médico: a psicossoniática. A psicanálise, porém,
não compreende nem explica: ela ouve. A verdade estii sempre
d o lado d o sujeito, seja pelo dizer d o sintoma, seja pela escrita da
lesão no corpo. Diferente d o sintoma, pois, que é da ordem da
letra, e, por isso, se oferece para ser lido, Lacan compara a lesão
psicossomática a tini hieróglifo no deserto, que também está lá para
ser lido, mas, é de difícil acesso e deciframeiito, pois sua escrita é
feita num código de signos bastante enigmático e singular.
Freud nunca falou de psicossomática, mas chamou de "com-
placência somática" ou "participação na conversação" à escolha
de um determinado órgão do corpo para suporte do sintoma. Por
"complacência soniática" Freud define a parte tomada pelo corpo
no nascimento do sintoma histérico, supondo-a, portanto, como
base da con\;ersão histérica. j á a "participação na conversação" se
dá quando o sintoiiia problemático aparece ou aumenta de inten-
sidade na medida em que a análise se aproxima do núcleo patógeno,
interferindo na elaboração da sua causa. Por outro lado. tentando
distinguir o psicossomático da coiiversão histérica, Frcud curiosa-
mente enfatizava niais a influência dos efeitos do orgânico sobre o
psíquico do que a dctcrminação psíquica de unia lesão orgânica.
O termo psicossomática parece ter sido primeiramente pro-
posto por Johann Heinroth, no ano de 1818. Heinroth, no seu
atendimento clínico a pacientes com cáncer e t~ilierculose,cons-
tatou qiie as paixóes sexuais tinliam influência na gênese e no
curso dessas dociiças. Ele abria dessa forma uina perspectiva que
indicava uina influência d o psiquismo sobre o corpo. A partir de
então, muitas outras hipóteses surgiram, o que levou a qtie o
conceito de psicossomática seja niúltiplo e variado. Algumas teii-
dem a interpretar a doença como um "acontecimento psicológi-
co". S. Sontag, por exemplo, leva as pessoas a acreditarem que
"elas adoecem porque querem adoecer e podem tanto se curar
pela mobiliza~áoda vontade, quanto escolher entre morrer ou
não morrer da doença". Estas teorias "psicologizani o sujeito".
segundo Lacan, pois colocam em relevo siipostos sentimentos,
crenças ou precoiiceitos conscierites dos iridivíduos, toniaildo-os
elas suas manifestações coniportamentais ou emocionais, excluin-
do, desta forma, a existsncia determinante do inconsciente. O que,
porém, ~ o d e m o sdeduzir das teorias que tentam conceitiiar a
psicossomática é que a maioria delas parece admitir, cada uma a
seu modo, a noção de um sujeito psicossomático específico. Isso
apontaria para a idéia de unia quarta estrutura psíqiiica, posiçáo
totalmente refutada por Lacan. Todas elas, contiido, mantêm
em comum a indicação indispensável de uma intervenção médi-
ca, sem excluir a inlportância de iim trataniento analítico ou
psicoterapêutico como uma abordagem necessária.
Para podermos seguir adiante, é essencial diferenciar suma-
riamente o sintoma histérico da doença psicossomática: se na
conversão histérica náo há nenhuma alteração anatomofisiológica
comprová\~el,a manifestação psicossomática apresenta de fato
uma lesão de 6rgáo.
Resta-nos agora diferenciar o que seria uma doença pura-
m e n t e orgânica e o q u e seria Lima d o e n ç a considerada
psicossomática. Freiid trata da doença orgânica como uma dis-
tribiiiçáo da libido. A doença orgânica, pclo represamcnto da
libido, provocaria uma modificação no eu, modificaçáo esta que
apareceria sob a fomia de unia retirada dos investimentos libidinais
dos objetos para o próprio eu. Uma doença orgânica, então, po-
deria produzir o abandono da neurose, sendo vivida como uma
"puiiiçáo do destino", servindo para a manutenção de certa dose
de sofrimento. Esta abordagem de Freud bem poderia ser consi-
derada como uma excelente introdiigão ao estudo da psicos-
somática.
Diferentemente de uma doença orgânica, o que Lacan con-
sidera como sendo da psicossomática apresenta surgimento,
mobilização. recidiva, agravamento ou remissão e m função de
determinados acontecimentos. datas específicas ou até mesmo,
surpreendentemente. uma palavra. Isto nos aponta que, a partir
d e Lacan, em psicanálise, para ser considerada da ordem da
psicossomática, a doença deve produzir uma lesão e ter causali-
dade significante, ser efeito de indiição significante. Esta retifi-
cação na abordagem da psicossomática proniovida por Lacan des-
carta, pois, a psicologização, oii seja, não se trataria de efeito das
manifestações afetivas ou de variaçóes de humor nem resultado
de modificaçóes de temperamento ou carência de afeto e muito
menos da prevalência da vontade ou de força espiritual. O que
Lacan enfatiza é a causalidade significante a partir de inanifestações
n o simbólico, manifestações que nos remetem à singularidade
dos significantes da Iiistória de cada um, tais como a ruptura da
estrutura d o nome próprio, a erogeiieizaçáo d o órgão afetado conio
materialização d o gozar de unia parte do Outro, a emergência de
significarites particulares congelados, o efeito patógeno dessa
gelificação.
Partindo do axioma de Lacan "o inconsciente é estruturado
conio uma linguagem", então, a psicanálise somente considera como
psicossomáticas as lesões comprovadameiite induzidas pela açáo
do simbólico. A lesão seria, pois, efeito do significante e, por isso, a
hipótese é que seja vulnerável aos efeitos da fala e permeável a
psicanálise. Assim sendo, por efeito do dispositivo analítico, elas
seriam reversíveis ou controláveis pela incidência que o simbólico
exerce sobre a inércia da libido - a demonstrar. Para Lacan, entáo,
as explicações possíveis para uma manifestação lesional
psicossoniática estariam no registro simbólico, na medida em que o
simbólico é a base do inconsciente. A lesáo ocorreria por efeito
parasitário da linguagem, pois haveria unia espécie de congela-
mento significalite quc impediria o deslizamento da cadeia. Este
bloqueio paralisa a associação livre justo nesse ponto de nó, ponto
de inércia dialética, a holófrase, que, pela junção SI-S,, impede a
emergência do sujeito e a consequente perda de gozo.
A psicossoniática, sendo entendida por Lacan como "tinia
incidência no soma d o saber incoiisciente", a colocaria num para
além da simples definiçáo do psicossoniático como "um sujeito
entendido como lima ~inidadeintegrada: niente e corpo", no qual
a origem da doença seria psíquica ou psicológica. Se se trata de
um saber que o sujeito não sabe que sabe, saber parasita que se
torna patcigeno e lesa o corpo próprio, a grande questto é como
animar esse saber, como nio\~imeiitara cadeia significante para
se obter efeitos de descongelameiito da liolófrasc. Esta separação
significante poderia vir a introduzir o psicossomático no caminlio
de se questionar acerca do enigma d o desejo d o Outro, ao iiivés
de permanecer na posiçso de assujeitamento a um gozo niortífero
" q ~ i enão serve para nada".
Ali onde está a dificuldade parece estar presente o elo d o
desejo, nos esclarece Lacaii. Daí que, na psicanálise, é preciso
fazer o sujeito com lesão psicossomática encontrar algo que dê
testemunho d o campo do Outro - de preferência pela vertente
de se questionar sobre o desejo d o Outro em vez de tão somente
se lamentar sobre a sua crueldade. Se a angústia é mediana en-
tre o gozo e o desejo, enquanto imerso no gozo O paciente nao
conseguirá entrar na via de acesso ao enigma d o desejo d o O u -
tro, via na qual cabe ao analista guiá-lo.
É n o momento em que se esgotam seus recursos terapêuticos
que o médico conclui que "aquela" doença é de "fundo emoci-
onal" e encaminha o paciente que está sofrendo para iima aju-
da psicoterapê~itica.E, então, que aparece para a medicina a
classificaçáo "psicossoniática": quando o caso é rebelde $I me-
dicação prescrita, quando a lesão é inexplicável, quando sua
etiologia é desconhecida, quando, enfim, coloca e m xeque o
saber médico, circunstáiicia a que Lacaii denominou "falha
epistemossomática". Sabemos, porém, que um sofrimento físico
por si só e por maior que seja não é suficiente para levar o doen-
te a buscar uma psicoterapia. O sofrimento é, às vezes, um par-
ceiro fiel. um companheiro d o qual aquele que sofre dificil-
mente consente em se livrar. Para que esse sujeito procure um
analista é preciso que esse sofrimento faça signo, signo que ele
endereça a um Outro sob a forma de questão, questão enquan-
to demanda dirigida ao saber.
Se a lesão é efeito patógeiio da linguagem no corpo, segundo
Lacan, concluínios que não há doenças psicossomáticas, como as
relaciona a OMS, mas, sim, sujeitos com lesáo psicossomática, já
que a lesa0 apareceria como iitn modo próprio de resposta singu-
lar de cada um, resposta que aponta a um gozo específico, parti-
cular, bastante enigmático até. Segundo Lacan, o organismo ul-
trapassa os limites d o corpo: o organismo inclui o corpo mais a
própria libido conio órgáo extracorpóreo que o circunda. Assim,
o organismo é o corpo mais a libido que lhe é exterior. Na
psicossomática, porém, pareceria que a libido se torna corpo-
rificada sob a forma d o adoecimeiito d o órgáo: a lesáo seria a
libido corporificada. O órgão "escolhido" para adoecer parece
gaiiliar valor significante e adquire uma função erógena. Por essa
vertente, a do gozo específico, que produz um "gozo retornado"
(Miller) ao corpo prbprio, Lacan nos permite propor uina série:
esquizofreriia - na qual gozo faz retorno ao corpo de maneira
catastrófica; paranóia - na qual o gozo está alojado no Outro.
com movimentos alternantes de iiitrusão no corpo e sua expul-
são; psicossoniática - na qual o gozo seria estiiiiiilado pelo senti-
d o do significante iiidutor da lesão.
Segundo Merlet, d o ponto de vista clínico, Lacan distinguia
as reações psicossoniáticas, do fenômeno psicossoniático e do pa-
ciente psicossomático. Ele definia a reação psicossomática como
um modo eventual de resposta a uma sitiiação que exija uina
elaboraçáo simbólica - tal como uma perda inesperada ou uma
separaçáo abrupta. Esta siiiibolização não ocorrendo, o luto pode
retornar ao sujeito pela via de uma soniatizaçáo repentina. Esta
reação somática pode, inclusi\~e.desaparecer definitivamente sem
deixar vestígios e sem que nenhuma intervenção psicoterapéutica
tenha sido necessária.
Por sua vez, o fenômeno psicossoniático seria uma lesáo orgâ-
nica. E fenônieno porque acarreta algo de anormal, algo até cri-
ativo, pois produz uma iiiodificação iia textura tecidual d o corpo,
que pode acometer a qualquer pessoa em qualquer época da sua
vida; é psicossomático desde q u e tenlia, como dissemos, sua
eclosáo, agravamento ou recidiva a partir de iiidução significante.
Então, o fenômeiio é psicossotnático porque a lesáo é dcteriniiia-
da por causalidade significante e sua etiologia escapa ao saber
médico. O s fenômenos sáo entendidos como uma marca, uma
letra misteriosa e gelificada no corpo, uma espécie de tatuagem
ou brasão, passíveis até de serem lidos, mas difíceis de serem de-
cifrados, pois estáo cifrados numa linguagem de signos próxima
de um hieróglifo. Essa é a primeira concepção de Lacaii (1965)
sobre a psicossomática: se sáo hieróglifos, seriam passíveis de se-
rem sigtiificanrizá\reis. É só mais tarde (1975) que Lacan nos dirá
que esses fenômenos são da ordem do número, pois seus surtos e
sua cifragem de gozo podeiii se repetir e ser contados uin a um.
Assim, esses fenômenos se diferenciam d o sintoma por se situa-
rem no liniite da estrutura da Linguagem: apesar de serem efeito
da palavra, iim congelaniento sigiiificaiite, estariam fora da
subjetivaçáo. Parece que o Outro está aí colocado entre paréii-
teses [nno como Lacaii usa (A) - é d o Outro], porquanto não
póem eni questão o desejo do Outro, mas, sim, o contornam. As-
sim, nem sempre o sujeito se questiona sobre sua causa. Se náo
há endereçamento ao Outro, como propiciar a sua introduçáo no
dispositivo analítico e fazer com que sejam subjetivados e se tor-
nem passíveis de se transformarem numa questão que se ofereça
ao deciframento!
Já o doente psicossomático seria aquele indivíduo que apre-
senta permanentemente uni modo de resposca somática ou surtos
do tipo orgâriico. Neles se manifestaria uma certa economia no
deslizamento das palavras, indicando uma espécie de empobreci-
mento d o simbólico. Falam a respeito de si mesmos através de
fraseados impessoais, remetendo as questóes não a eles próprios,
mas a sit~iaçõesobjetivas. Parecem estar aprisionados a um gozo
anônimo, como que fixados a um estatuto de "náo pessoa". Tratam
e falam do seu corpo com uma certa estranheza e alteridade, como
se, enfim, ele não Ilies pertencesse. Seria, sobretudo, nas enferma-
rias dos hospitais gerais que se encontraria esse tipo de paciente.
Raramente, ou nunca, procuram um analista, a não ser por indica-
ção do seu niédico assistente quando este vê se esgotarem seus
recursos terapêuticos e conclui, enfim, que "a causa é emocional".
Raramente, ou nunca, estes pacientes permanecem em análise,
pois parecem não possi~iraquilo que tanto orgulha os analisantes
que é a curiosidade e a virtude de se fazerem perguntas. Eles che-
gam, habitualmente, anunciando que foram encaminhados pelo
seu niédico e introduzem a sua queixa sob a forma de uma espécie
de demanda de urgência. Passam, então, a descrever o seu sofri-
mento da mesma forma como o descreveriam a um médico, solici-
tando, ao final dessa descrição, a orientação do terapeuca, sem
sequer se colocarem qualquer q~iestãonem tentarem investir no
dispositivo analítico. Se há questão, ela é d o terapeuta que, se-
gundo o médico assistente, certamente saberia Ihes dizer as causas
d o seu mal e a forma de se curar. Assim, parece que o doente
psicossoniático teni um modo particular de se posicionar frente à
ética que o dispositi\~oimpõe àq~ieleque escolhe falar a um analis-
ta: ele se recusa a abrir questóes e é rebelde à associaçáo livre.
Então, é pela via do (não) deslizaniento significante qiic Lacan con-
clui que parece haver nesses pacientes um enfraquecimento da
metáfora subjetiva, colocando-os, assim, numa outra série: psicose -
debilidade mental - psicossomática. Nesta série, o sujeito cessa de
ser representado por iim significante para um outro significante, por
não se estar em presença de uma articulação significante, mas, sim.
na presenga de um S1 absoliito. Nesse sentido o sujeito passa a ser
designado por um significante e não mais representado.
Conclusão: A clínica quanto à psicossomática nos exige bas-
tante reserva e prudência, pois não pode prescindir de um inter-
câmbio oii assistência niultidisciplinar. Se, porém, para a eficiên-
cia e eficácia d o atendimento médico basta que ele coerente-
mente tome "cada caso" na universalidade de "todos os casos",
para o analista "cada caso é um ~ i o \ ~caso".
o É a singularidade dos
significanres particulares que conta, é a escuta d o relato d o dra-
ma pessoal de cada iim que prevalece. I1or outro lado, o aiialista
deve estar bastante atento e não se deixar iludir, pois, embora
possa parecer demandar a cura. o paciente, na maioria das vezes.
se esforça bastante eiii preservar a todo custo o gozo d o seu sofri-
mento. Poderá ser muito difícil libertá-lo seja d o gozo específico
da lesão, seja do benefício secundário que sua posição de doente
eventiialmente lhe aufere. Ele poderá se recusar a modificar a
modalidade de gozo na qual está aprisionado, pois talvez acrcdi-
te ser esta a única ?I qual teni direito. Afinal de contas, o que é
que poderia levar um sujeito a recorrer a um analista para Ilie
pedir algo que se chama saúde quando o seu sofrinieiito é feito
para lhe trazer tanto gozo! É, então, que a possibilidade de unia
aixálise poderá se traiisforniar numa verdadeira "qiicda de braço"
que op0e gozo e desejo: do lado d o sujeito, a iiisistêiicia do gozo;
d o lado do analista, a persistência do desejo.
Bibliografia
FREUD, S. "Introduç2o ao narcisismo", 1914, Obras Completas,
R], Imago Editora, 1974, V. XIV.
"O problenia econômico do masoquisino,l924, ibid,
vol. XIX
"Estudos sobre a liisteria", 1905. ibid, vol.11.
LACAN, J. Psicanálise e Medicina, intervenção em mesa redon-
da do Colégio de Medicina do Hôpital Salpêtrière, Paris, 161
0211966.
MILLER, J . - A . "Algumas reflexóes sobre o FPS", e m
Psicossomática e Psicanálise, Roger Wartel org., Rio de Janei-
ro, Jorge Zahar Editor, 1990.
------- "Psicoternpia e psicanálise", e m Psicanálise ou
psicoterapia, Jorge Forbes org., São Paulo, Papirus Editora, 1997.
KALTENBECK, F. "A complacência somfitica", ibid
VALAS, P. "Horizontes da psicossoinática", ibid.
MERLET, A. "Todo órgão determina deveres", ibid.
SONTAG, S. A doença como metáfora , Rio de Janeiro, Editora
Graal ,1984.
FUX, S. " O gozo específico da psicossomática". eni Opção
Lacaniana 26/27 - abril de 2000.
O corpo na psicossomática

FRANCISCO PAES BARRETO

Em seu artigo Psicanálise e Medicina, Lacan comenta que, quando


se considera a história da medicina, constata-se que o grande
médico, o médico padrão, era um homem de prestígio e autorida-
de. O que acontece entre médico e paciente, ilustrado agora pelo
aforismo de Balint - o iiiédico, ao receitar, receita a si próprio -
sempre aconteceu: assim, por exemplo, o imperador Marco Auré-
lio convocava Galeno para que esse Ilic vertesse com siias próprias
mãos a teriaga (xarope que se presuiiiia eficaz contra picadas de
animais peçonhentos). Foi o pr6prio Galeno quem escreveu em
seu tratado que o boni médico é tanibéni uni filósofo!
A entrada da medicina em sua fase científica. contudo, pro-
duz rápida mudança na função d o médico e eni seu personagem.
Com Bichat, a clínica funda-se lia anatomia patolóL' rica, e com
Claude Bemard a exigência experimental alcança a mediciiia,
estabelecendo as bases científicas em termos fisiológicos. A rela-
ção médica com a saúde se modifica numa evolução que vai cul-
minar situando o corpo na expectativa de ser inteiramente foto-
grafado, radiografado, calibrado, diagraiiiado e condicionado. E
também na prodiição de núiiiero infinito de agentes tcrapêuticos
novos que são colocados à disposição d o público. Esse desenvol-
vimento científico inaugura e põe, cada vez niais eni primeiro
plano, um novo direito do Iiomem à saúde, que se motiva já em
organização mundial. E nesse contexto que o médico deve res-
ponder a algo que se chama a denianda.
Lacan observa que nem sempre o que o paciente demanda
do médico é a cura. Às vezes, ele desafia o ii~édicoa retirá-lo de

I LACAN. I. "Psico:inAlisis y rncdicina". 111: Iiifeni~ncimiery Tmror. Bucnos Aircs:

M;innnrial, 1985. p. 67.


sua condição de enfermo - o que implica estar ligado à idéia de
conservá-la. Outras vezes, demanda d o médico que o autenti-
que como enfermo. O u ainda, demanda que lhe preserve em sua
enfermidade. Além d o mais, não é necessário ser psicanalista,
sequer médico, para saber que, quando a l g u h demanda algo,
isso não é idsntico, e às vezes é inclusive diametralmente oposto,
àquilo que se deseja. Introdiiz-se, assim, a estrutura da falha que
existe entre a demanda e o desejo.
A noção de falha é retomada, logo em seguida, como falha
epi~temossomática,para definir o efeito d o progresso da ciência
sobre a relação da medicina com o corpo. Dizendo em poucas
palavras em que consiste esta falha: um corpo é algo que está
feito para gozar. gozar de si próprio; ora. a dimensão do gozo está
c o m p l e t a m e n t e excluída d o q u e foi d e n o m i n a d o relação
epistemossomática. A ciência não 6 incapaz de saber o qiie pode,
mas ela, tal como o sujeito que ela fabrica, não pode saber o que
quer.'A falha epistemossomiitica, portanto, é a que se verifica
entre o corpo considerado como iim sistema homeostático, em
sua pura presença animal - corpo-máquina estabelecido pela ci-
ência niédica - e o organismo desejanre e gozoso.
É exataiiiente nesta k~lha,assim situada por Lacan, que se
introduz toda uma série de teorias psicossomáticas, algumas das
quais procurarei apontar. A psicossomática já conheceu períodos
de entusiasmo e de descrédito. Tanto da parte dos médicos como
da parte dos psicanalistas houve. numa certa época - o auge
foram os anos 60 -, uma expectativa recíproca por certo exagera-
da. Como resultado sobreveio, de parte a parte, cepticismo e
arrefecimetito. Sem dúvida, tivemos muito "falatório estéril", ter-
mos de Lacaii, mas, certamente, seria uni despropósito afirmar
que tanto trabalho resultou em nada. Tentemos entáo, pelo me-
nos. organizar um pouco a casa, fazendo um retrospecto de tais
concepçóes, inicialmente dos pós-freudianos e , finalmente. de
Lacan.

' LACAN, 1. "Psiconn:iliiis mcdicins') Op. r i [ . , p. 92


Os pós-freudianos
Groddeck
Um dos pioneiros na abordagem psicanalítica dos probleiiias da
mediciiia orgânica, Groddeck estabeleceu uma identidade ima-
ginária entre processos soniáticos e psíquicos, a partir da qual
tentou interpretar os processos fisiopatológicos através da aplica-
ção de instrumentos conceit~iaispsicanalíticos. Chegou, por esse
caminho, a resultados extravagantes, tal como "interpretar" a
febre de unia enfermidade infecciosa como "signo" de excitação
sexual, ou a congestão de deteriiiinado órgáo como "signo" de
ereção deslocada, ou ainda o câncer como satisfaçáo substitutiva
de desejo recalcado de ter filhos, e assim por diante. Na mesma
linha, outro autor. Garnia, via na úlcera péprica a projeção d o
seio materno na mucosa do estômago. Nesse delírio, chegou-se a
supor que todas as enfermidades seriam psiquicaniente determi-
nadas. Tal atitude estende a todos os processos orgânicos o que
foi estabelecido por Freud para a histeria de conversão: a víscera
afetada expressaria uma significaçáo iiiconsciente. Tal eiifoque
psicossomático é talvez o mais antigo ria psicanálise, e na atuali-
dade está abandonado por completo.

Alexander
A investigaç~opsicossomática de Alexander distingue os sinto-
mas de conversão histérica das respostas vegetativas às enioçhes.
O sintoina histérico seria unia expressáo simbólica (deslocada)
de uni coiiteúdo ernocioiial definido, mecanismo restrito ao sis-
tema neuroniuscular voluntário ou ao sistema perceptivo. O sin-
toma neurovegetativo não é uma expressão substitutiva da enio-
çáo, mas, sim, o seu concornitante fisiológico normal. A natureza
patológica da condiçáo ocorre quando, diante de conflitos não
resolvidos, as respostas vcgetativas tornam-se crônicas.
Inspirando-se nos trabalhos fisiológicos de Cannon, Alexaiider
adinite certa especificidade 110s Feiiônieiios psicossoniáticos. Náo
haveria relação simbólica entre coiiflito e lesão, mas a cada esta-
d o emocional corresponderia unia resposta fisiológica caracterís-
tica, que em si mesma iiáo seria patológica, mas integrante d o
estado emocional. Tomando conio base, por exemplo, a conduta
agressiva, Alexander supóe três fases: 1) A fase conceitual, com
a preparação d o ataque na fantasia, siia organização e visuaiização
mental; 2) A preparaçáo vegetativa do corpo com mudanças do
metabolismo e da circulação; 3) A fase neuromuscular, com a
consumação d o ato agressivo. O imp~ilsohostil, contudo, devido
a conflitos pode ser detido ou inibido. Se o processo detém-se na
primeira fase, sobrevem a enxaqueca; na segunda fase, a hiper-
tensáo arterial, e na terceira fase, a artrite reumatóide?

A complac@nciasomática
Uma terceira posiçáo inclui pós-freudianos que rechaçam toda e
qualquer especificidade do fenômeno psicossomático. O u seja: não
haveria nenhuma relação entre a natureza do conflito e a natureza
da lesão. Esta concepção aceita só iim componente do conceito
freudiano de conversão lustérica, a saber, a m n p k & ~ i snmátiui.
a A na-
tureza do distúrbio vegetativo depende inteiramente de fatores cons-
titiicionais ou de uma vulnerabilidade previainente adquirida
pelo órgão afetado. Cada enfermo tem iim ou mais órgãos de choque
nos quais a Icsão se manifesta seiii neiiliuma especificidade.

Lacan
Passarei agora às contribuições da psicanálise de orientação
lacaniana à psicossomática, qiie serão apresentadas sob a forma
de sinopse ou introdução, visando despertar o iiiteresse dos que
têm condição de investigar o tema.

Separação entre sujeito e corpo


Situarei de inicdiato uma observação. Na perspectiva lacaniana,
a psicossomática nada teni a ver com concepsões holísticas, que
pregam uma tinidade fundamental entre os dois aspcctos. Para
ela, muito pelo contrário, entre o sujeito e o corpo existe uma
separação fundamental. O sujeito é alguém de quem se fala an-
tes que ele possa falar, é alguém de quem se fala inclusive antes
mcsmo dele nascer. Antes de ter um corpo. portanto, o sujeito já

' ALEXANDER. F. & SZASZ, T.S. "El cnl~oqiiepsicossom5tico cn rncdicina': In:


Priqiiiairio Diwirnica. Rucnus Aircs: Paido:. 1962. pp. 3W~32i.
existe na fala de seus alitecessores, e mesmo depois de sua morte,
ele continua sustentado pela diiiiensão significante, ultrapassan-
do, por conseguinte. a temporalidade do corpo. É exatamente isto
que permite dizer: "Eu tciiho um corpo", ou seja: tomar tiosso cor-
po como atributo e não como nosso ser. Coino sujeitos do significaiite
estamos separados de nosso corpo, podenios prescindir dele4
Psicossomática ou psico-somática? Durante alguni tempo houve
hesitação quarito à forma de escrever. Na verdade, não se tratava
apenas de problema de ortografia, nias de interrogar sobre a coiiti-
nuidade ou sobre a descontinuidade dos dois registros. No enfoqiie
lacaniaiio, não há iio feiiômeno psicossoniático nada da ordem de
um salto do psíquico para o somático; cle se situa fora das constru-
çóes neuróticas. estando a linha divisória coiistitiiída pelo narcisisnio.
Entre o psíquico e o soniático existe descontiniiidade, e as relações
psicossomáticas se situam no limite das elaborações coriceituais da
psicanálise: elas estão no nível do real?

Sintoma histérico e FPS


Prosseguirei orientando-me, a partir de agora, por meio da oposi-
çáo entre sintoma histérico e fenôineno psic»ssomático (FPS). O sin-
toma histérico, embora implique o corpo, tcm valor de mensagem do
siijeito dirigida ao Outro do significanre, ao Oiitro do dõcjo, inensa-
gem que se faz enigma a ser decifrado. E o FPS! Nesse caso, náo
se trataria de iiiensageni dirigida ao Outro d o significaiite, c milito
menos ao lugar d o Outn) que pode ser ocupado por um sujeito. O
que estaria eni jogo seria o corpo como Outro; ou seja, teríamos
aqui, em operação, aquela definição de Lacan: " O corpo é o
Outro". Haveria. n o FPS, uma escrita tio corpo, a lesão conio
uma inscrição no corpo. Várias palavras sao utilizadas na tentativa
de nomear a escrita em jogo neste caso: S, absoluto, assinatiira,
traço unário, nome próprio, sincte, seio, marca, escarificaçãd

< SOLER, C. "El cucrpo cn I a rnscfinci:a dc L7can''. 111: E I I I I ~ ~de


U IPsicoss~>nWcIC(~.
GOR4LI. V. ed. Buenas Airrs: Ariicl CAP, 2a o . ,1994. r. 100.
LACAN, J. O Scn~itõrio,livrii 2: O ev Tia teoria de I:reudc riu ti'oiica da I>ncoiõlirr. Rio
dc Janeiro: Jorgi Zahar Editor, 1985. p.12i.
DMILLER.1.-A. "Algiiniai rcflcxiics sohrc ofeiiómciiopsicimni5riço': Iii:PricownidtlcB
e I'sicmujIr>e. WARTEL, R. Rio iIc janeiro: Jurgc Zaliar Llit<ir, 1987. pli. 95-96.
Constelação de termos que denuncia a dificuldade de traduzir
de modo teoricamente satisfatório o efeito psicossomático.
Vou preferir Lima expressão cara a Lacan: o FPS seria Lim
hieróglifo no deserto. Quer dizer, uma escrita enigmática e em que
não há apelo ao Outro. E a razão pela qual o paciente que pade-
ce do problema não tem demanda de análise.
Que condiçáo estaria associada a essa escrita no corpo! O que
determinaria esse caniinho como uma possibilidade! Ao que tudo in-
dica, na dinâmica psicossomática a metáfora paterna não funcionaria
corretamente. Uma falha na função paterna instituiria o FPS. Uma
falta de intervalo entre SI e S,; uma gelificaçáo, uma solidificaçáo da
primeira dupla de significantes, condiçáo que se denomina hohfrae,
e que estaria presente na psicossomática, na debilidade e na psicose!
A questáo de fundo do FPS, então, seria esta: a metáfora
paterna funcionaria em certos sítios d o discurso e n8o em outros.
Em momentos específicos, provocaria desencadeamento no cor-
po. Em casos extremos, poderia acarretar a morte d o sujeito. Por
outro lado, a aglutinaçáo S,S, que se verifica na holófrase pode-
ria funcionar conio novo significante, como s,, voltando então
numa cadeia significante clássica." E o que explicaria as reinis-
sóes comuns ncsscs casos.

Sintoma FPS

Fala .................:.....................................Escrita
Dialktica ........................................... Inbrcia
Substituição..........................................Identificação
Inconsciente ....................................... Corpo
Cadeia significante ........ . ...................S I Holúfrase
Para decifrar ...................................... a não ser lido
Signo............................ . ............... Assinatura9

' LACAN, 1. O S~mii6no.livro 1 I: Os quatro conceitos fui&menr<iir do psktidlise. Rio


dc Jnnciro: Jorge Znliar Editor, 19i9. p. 225.
RCUIR. J . "Fen6mcnos paicossumáricos e funçáo paterna". In: Pricoriomú~icoc
PricoMfke. WARTEI.. R. Rio de Janciro: ]urge Zahar Editor. 1987, p. 48.
" I~E\VAMBRECHICS-LASACNA, c. "Drr Iesions scnsrhles 2 Ia pamle'! In: @mo.
Briixclss: Rcvuc dc YEci>le dc La Caw ircudicnnc, 5937~39,mar$" de 1996, p. 39.
O gozo especifico d o FPS
Na sua Conferéncia em Genebra sobre o sintoma, Lacan fornece
três indicaçóes precisas sobre o FPS: 1) De que ele está, em seu
fundamento, profundamente arraigado no iniagiiiário; 2) De que
o corpo deixa a escrever algo da ordem do número; 3) De que há
um gozo específico em sua fixaçião (frxiemng).'9ituam-se, desse
modo, os três registros: o enraizamento rio imaginário; o simbóli-
co, com o corpo funcionando conio superfície de inscriçáo; e o
real, pela cifração d o gozo por meio d o número.
Haveria uiii gozo específico do FPS! Lembramos, antes de
mais nada, que o gozo inclui o prazer e o desprazer; o sofrimento
de um sintoma, por exeniplo, é unia forma de satisfação pulsional.
Para responder à pergunta, é preciso estabelecer a distinçáo en-
tre corpo e organisnio. Enx seu textoPosição do inconsciente, Lacan
assinala que os limites de um organismo alcançam iiiais longe do
que os limites de um corpo." Parece que a referência inicial é
Aristóteles. para o qual o organismo é o corpo instrumentalizado
+
pela alma; para Aristóteles, corpo alma = orgaiiisino. Em Lacan,
o organisnio teria como fórmula uiii corpo completado. ou seja, o
corpo niais o órgão não corporificado que é a própria libido: corpo
+ libido = organismo. Isto é válido particularmente para o siiito-
ma histérico: a libido como um órgão incorpóreo e extracorpo.
Ora, sabemos que a libido freudiana é um dos nomes do gozo.
O que haveria no FPS! Precisamente isto: a libido não mais
seria um órgão incorpóreo, a libido se tornaria corporificada. Esta
hipótese - da lesão como libido corporificada - não deve, toda-
via, ser estendida para todas as doenças."
Na prática, o que niuda coiii essas colocaçóes! Primeiro: o
FPS deve ser abordado pela revelação d o gozo específico que há
em sua fixação. embora se verifique, aqui, um paradoxo: qiiaiido
a palavra gozo adquirir um sentido para o sujeito, ele já náo é
mais uni psicossomático. Segundo: delineia-se a tarefa de trans-

LACAN, J . '%i>iifcrcncin eti Girichn sohne cl sinraii>i;i''. In: Iiiienioiruiricr y Textos 2.


'O

Bucnor Aires: Mnri;iiirial. 1988. pp. 139-140.


" IACAN, J. Escdos. Rio dc Jaiieiro: Jargc Zalwr Editor. 1998, p. 862.
" MILLER J.-A. "Al&mma\ rcflcxUes suhrc o fciiiimeno psicommárico" Oii. N.,,pp. 95-96.
formar o FPS em sintoma, fazendo com que o Outro em qiiestão
não seja somente o corpo próprio, e convertendo-o em questáo
sobre o desejo.
Mais uma vez, não há regra geral, é preciso considerar os casos
um a um. Mesmo porque existem aqui dois agravantes. Primeiro: o
sujeito psicossomático (se é qiie há um siijeito, neste caso) não
demanda tratamento analítico. Segundo: uma viragem neste sen-
tido não está isenta de complicaçóes, que podem ser sérias.
Termino minhas considerações com um comentário: se, num
primeiro tempo. a investigação psicossomática exibiu entusiasmo
insustentável, e se, num segiindo tempo, veio a rcbote iim des-
crédito generalizado, é possível descortinar, hoje, alguns
balizamcntos seguros. e uni campo aberto 21 investigação.

Exemplos clínicos
Caso 1
Joana foi-me encaminhada por seu médico, com o qual se trata
de um câncer de mama. Desde o início, ciii sua análise, fala com
motivação de suas questões amorosas e, coin menor assiduidade,
de suas questões profissionais. Suas consultas com seus médicos,
bem como siias sessões de qiiimioterapia, são trazidas como notí-
cias; em nenhum momento se detém nesses temas. que não cons-
tituem, para ela, questáo analítica.

Caso 2
Celina estava há cerca de dois anos em análise, quando me trouxe o
relato qiie se segue. "Hoje, vou falar de assunto sobre o qual nunca
falei: as minhas crises de herpes (e aponta para um herpes labial). É
iim problema por demais incômodo, milito doloroso e muito feio. Lá
em casa, eu tenho herpes, minha imiã teni heqxs e minha mãe tem
herpes. É uma marca registrada das tiiulhercs da família".

Caso 3
Recentemente. um colega gastroenterologista encaminhou-me
urna jovem senhora que, há vários dias, vinha apresentando sin-
toma intenso e rebelde: náusea. Tudo fez para averiguar as possí-
veis causas: anamnese e exaiiie físico, endoscopia, ultra-sonografia,
exames laboratoriais, etc. Entretanto, nada foi identificado e o caso
se agravava. Pensou em hospitalização para alimentação e hidra-
tação parenteral; antes, porém, resolveu insistir para que a pacien-
te consultasse uni psicanalista, e indicou o meu noiiie. Da parte
dela, muita resistência; acreditava firmemente tratar-se de proble-
ma orgânico e, além do niais, não gostava de psicanalistas. Resol-
veu aceitar, relutante, por estar com pouca escolha.
Daniela entrou abatida em miiilia sala, sentou-se e disse: "Eu
estou com náusea". Perguiitou-iiie, em seguida, se eu poderia
fazer alguma coisa por ela. Respoiidi-lhe que poderia tentar es-
clarecer o que se passava, desde que contasse com sua colabora-
ção. Ela concordou, e tivenios cerca de dez entrevistas em duas
semanas de tratamento. Seu relato espontâneo organizou-se em
torno de três temas sucessivos, que assim nomearei: o pai, a expe-
riência americana e o cruzeiro no Caribe.
Sol~reo pai: A figura paterna estava niarcada por dois mo-
mentos radicalmente distintos. Num primeiro momento, um ho-
mem rico e poderoso, qiie lhe proporcionoii uma infância suntu-
osa; lembra-se beni dos passeios de iate, iim iate tão grande que
se destacava dos outros. mais parecia uni iia\.io. Aventuras mar
adentro, sensação de que vi\reu tinia época de sonhos. Num se-
gundo momento, a falência d o pai, as dificuldades financeiras de
toda sorte. E o que foi pior: seu pai faliu taiiil~émcomo sujeito. A
partir daí, nunca iiiais se reergueii.
A experiência americana: na adolescência, fugindo d o anibi-
ente familiar pesado, mudou-se para os Estados Unidos, partici-
pando de progrania de intercâmbio cultiiral. Antes disso, já fala-
va fluentemente o inglês: havia recebido educação I~ilíngue.Nos
EUA, desenvolveu "paixão platônica" por seu "irmão" anierica-
no, e notou, da parte dcle, certa correspondência. Poucos dias
antes de regressar ao Brasil. resolveram se declarar, trocaram beijos,
fizeram promessas, mas coni a viagem houve uni corte, e a distân-
cia silenciou aquela relaçáo.
O cruzeiro no Caribe: anos iiiais tarde, ela se casou com iim
homem que admirava, cie queni gosta\ra. e que Ilie fazia sentir
segura. Mas, paixão e tesão ainda ficavam por conta da lembrança
d o irmão americano, coni seu ar aventureiro de quem sabia viver a
vida. Com o marido resolveu, um dia, fazer um cruzeiro pelo Caribe.
Numa das illias paradisíacas, receberam a visita de seus "pais" e de
seu "irmáo" americano. Foi quando notou que, tambkm da parte
dele, algo niuito forte ainda estava presente. Retomou do passeio,
retomou sua vida, seu trabalho, até que, pouco tempo depois, o
sintoma conieçou de forma implacável. Neste momento. interpre-
tei: -- O seu sintoma é nausea. Podemos separar essa palavra em
duas: NAU e SEA (em inglês. mar). O que você acha disso! As
associaçóes que se seguiram tiveram duas conseqüências: o fim d o
sintoma e o fim d o tratamento. A paciente agradeceu, náo quis
continuar, despediu-se e não mais voltou.
Comentários
Considerenlos, agora, os três fragmentos clínicos. No primeiro caso,
o de Joana, o câncer de mama aparece exclusi\~amentecomo
doença orgânica. No relato da paciente, ele não assumiu Lima
dimetisáo simbólica de maior relevância, entrou exclusivameiite
como notícia, como informação que ela detecta sobre o que se
passa no real do corpo.
No segundo caso, o de Celina, o herpes aparece como fenô-
meno psicossomático: inscrição identificatória no corpo, marca
registrada das mulheres da família. Tal como as marcas que se
inscrevem n o corpo d o gado. para registrar a sua pertença.
No terceiro caso, o de Daniela, a iisusea revelou-se um sin-
toma histérico, embora não hoiivesse. no caso, uma verdadeira
demanda de análise; apenas. uma demanda terapêutica, ou seja,
uma demanda exclusiva de levantamento do sintoma. A coiiclu-
sáo de que se tratava de sintoma histérico pode ser fundamentada
a partir dos seguintes argumentos: 1) A náusea pode ser, retroati-
vamente, caracterizada coiiio mensagem cifrada dirigida ao O u -
tro, e cuja decifração proporcionoii a sua remissão; 2) O sintoma
estava em total consonância com a sua histbria, pleno de sentido,
ao contrário d o feiionieno psicossomático, que náo é para ser lido;
3) O sintoma de Daniela apresenta, claran~ente,um sentido goza-
do (jou~s-sens),do qual ela nada quer saber (não gosta de psicana-
listas) - diferente do herpes de Celina, que fica como um ponto de
gozo no corpo, como um retomo localizado do gozo ao corpo, im-
possível de ser decifrado ou de produzir efeito de sentido.
O corpo na anorexia:
da imagem ao semblante*

NIEVES SORIA

Hilda reporta o início de sua anorexia aos dezeiiove anos, logo


depois de ter sua filha. Durante a gravidez, havia engordado ex-
cessivamente, depois emagreceu até pesar apenas 40 kg. Ela diz:
"Foi o momento da minha vida em que nie vi melhor, embora ain-
da me achasse gorda". Tanto essa gravidez quanto seu casamento
posterior, que duraria escassos quatro meses, foram produto de sua
urgência em fiigir da casa materna, a qual chegou aos seis anos,
momento em que sua mãe, grávida, casa-se coni o liomem que
ainda hoje é seu marido. Até esse momento, tinha sido criada por
seus avós maternos. Hilda desconhece as circunstâncias de seu
nascimento, assim como a seu pai, de quem só sabe o nome. Tinha
tentado se encontrar com ele, conseguiu lhe falar por teleforie,
mas ele não só negou ser seii pai como tanibém se negou a vê-la.
Aos seis anos, o ardente marido da mãe llie dá o seu sobreno-
me. Quando Hilda cresce, começa a olhá-la coni evidente dese-
jo sexual, irrompe no banlieiro quando ela está se banhando. e
tira fotos suas nua. Hilda niantém o jejuiii até se enamorar. Co-
meça a tomar gosto pela comida. Quando a prepara com ele,
sente prazer em comer. Quando fica só, provoca o vôinito.
O desencadeainento da anorexia de Hilda nie parece ilus-
trar de maneira exemplar iima dupla vertente que permite preci-
sar o statiis d o corpo na anorexia. Por uni lado, é possível situar a
aspiração anoréxica de existir como pura imagem. Nessa linha,
recordamos a proposta que fazia Javier Araniburu, nas Jornadas
d o C A P de 1997, de peiisar a aiiorexia eiii relação com a realida-
de virtual. Efetivaniente, tal como ocorre na realidade virtual, a
anoréxica tenta extrair d o corpo o excesso próprio da carne,
rechaçando o corpo eni sua dimensão real, ali onde poden~os

* Arrigo c i ~ i"El Caldero dc Ia Escucln". no 74, iiuv-diz dc 1999


colocá-lo, nos termos de J.-A. Miller, como substância gozante,
como carne. Se o corpo se introduz na economia d o gozo através
da imagem, tal como o assinala Lacan em "A terccira", Iiá algo
nele que excede a dimensão imaginária: ali aonde se póe em jogo
como vivente, é o que resta da operação significante que mata a
Coisa. Nesse nível, o corpo é o apoio d o percurso pulsional. Nele,
a pulsão encontrará aquelas bordas que lhe permitirão se satisfa-
zer n o seu percurso. Devido a essas bordas, o corpo não é somente
uma superftcie imaginária, mas também adquire um peso e uma
consistêiicia que a anoréxica pretende apagar, como se quisesse
se satisfazer da pulsão tão somente no plano imaginário.
A contrapartida dessa ambição anoréxica é o retorno do ex-
cesso rechaçado através da deformação da imagem especular,
essa insistência em se ver gorda ou a gulodice bulímica na qual o
alimento se apresenta em maior ou menor grau como dejeto, qiiase
como a própria Coisa.
Quando o excesso retorna unicamente na imagem, que é o
correlato de um jejum bem sucedido, o domíiiio do eu enlouqiiece
no espelho, ali aonde culminaria a satisfação narcisista se o iniagi-
nário pudesse tramitar todo o gozo. Quando a anoréxica controla o
jejum, habitualmente o único ponto de irrupção da angústia é a
cena frente ao espelho. O eu, que controla perfeitamente a conta
dos quilos, das calorias, etc., se procura no espelho para completar
juhiioso sua satisfação, mas sempre há algo que permanece ali,
irredutível, como uma mancha n o quadro. E, entáo. que se faz
presente o olhar como anamorfose. como torção que sinaliza o
itiassimilável ao imaginário, o não especularizA\~el,o ponto de fuga
d o imaginário no sei1 enlaçameiito com os outros registros.
Diferentemente da anorcxia psichtica, na anorexia neurótica o
objeto olhar foi efetivaniente extraído do campo da percepção. E por
isso que retoma demarcado no espellio, recortado numa superfície
de projeç" que. por isso mesmo, já participa da estrutura do véu; efeti-
vaniente, o espelho é uma comna que cobre algo que há por deuss.
Embora não se trate da Outra cena que é o uicoiisciente, é uma cena
que se destaca do resto do campo prrceptivo, é unia cena na cena.
De todo modo, tal como o coloca Laca11 no seminário sobre a
Angústia, Iiá dois aspectos em jogo iia relação especular: iim é a
iiiversão esquerdo/direito no nível da imagem; o outro é que essa
inversão que sofre a projeção de uma superfície a outra já implica
uma topologia irredutível em jogo, que é a da luva pelo avesso.
Temos assim o espelho coiiio unia luva pelo avesso. Não é só uma
superfície, não é só uma cena na cena, mas também uma luva
pelo avesso, e Lacan faz referência aí ao famoso botão, não
especularizável, que fica de iim lado só. Podemos fazer desse bo-
tão uma metáfora do olhar para dizer que, se o sujeito rechaça a
corporificação d o olhar que implica o corpo, buscando reduzi-lo
a uma pura imagem bidimensional, esta rerornará na próprilr ima-
gem. Ali aonde o sujeito anoréxico se nega a reconhecer a estru-
tura do véu na imageni d o corpo, rechaçando o seu ser de sem-
blante, aq~iiloque não pode ser velado retorna na iniagem.
Se a anoréxica fosse psicótica conseguiria viver como a se-
nhorita B. da apresentaçáo de enfermos que Lacan faz n o mesmo
ano do seu seminário sobre Joyce. Na sua transcrição (p~iblicada
pelo Centro Descartes). se ressalta, a título de introduçjo, que,
iieste texto, o corpo "parece que, mais radicalmente, teria uma
consistência própria ao real, simbólico e iniaginário tomados um
por um e também pelo fato de que se sustentam juntos". É esse
erilaçaniento do imaginário com os demais registros, particular-
mente o real, o que a anoréxica tenta desconhecer. Diferente-
mente da senhorita B., porém, para ela estão, apesar de tudo,
enlaçados, daí os efeitos de retorno táo Localizados. Por seu lado,
a senhorita B., segundo Lacan, "não tem a menor idéia d o corpo
que tem para por dentro desse vestido. Não há ninguém para
habitar a roupa. Ela é esse trapo. Ela ilustra aquilo a que eu clia-
mo o seniblante. Ela é isso. Há Lima roupa e ninguém para meter-
se nela". É por isso que ].-A. Miller dirá em "Enseiianzas de Ia
preseiitación de enfermos" (publicado em Uno por Uno) que,
iieste caso, se trata "da emancipação da relação imaginária, da
reversibilidade de a-a', extraviada por não estar submetida à
escansáo simbólica [...I, a dinieiisáo própria d o Outro está e m
déficit". Na anorexia há um recliaço do Outro e nesse ponto
podemos situá-la como lima patologia da separação. Sem dúvida,
esse Outro se faz presente n o próprio espelho, já que nela jiista-
mente a relação imaginária não está eniancipada.
É o ponto que nos leva à segunda vertente que iliistra o caso de
Hilda e que é a determinaçáo significante em jogo em sua anorexia,
a maneira segundo a qual o registro siiiibólico se intromete no imagi-
nário pela via do falo. Agradeço a Gerardo Maeso haver precisado
esse aspecto do caso numa apreseiitação do Ateneu de investigaçáo
sobre anorexia e bulimia da qual participou como convidado. Ali,
sublinhou a intençáode Hilda de se transformar i10 próprio falo através
de sua anorexia como modo de se ausentar, de se dissipar, de se
tomar evanescente frente à investida do olhar do pai. A medida que
o olhar do pai avança, ela se evapora. Ele assinalava que o sujeito
procura se fazer falo ao mesmo tempo que encarna a castraçáo. Des-
se modo, barra o olhar incestuoso do Outro, faz consistir a lei pater-
na, devendo, porém, suportá-la com seu corpo.
É interessante como, nesse mesiiio movimento, Hilda se iden-
tifica, por sua vez, com o objeto d o desejo d o pai, já que este goza
em olhá-la, com seu corpo conio imagem. imagem que Ilie furta
prescindindo totalmente de seu corpo vivente, encarnado. Ela.
com sua anorexia, parece ir se transformando paulatinamente
nessc corpo pura imagem, desencarnado, pronto para ser supor-
tado e gozado pelo olhar do Outro. I'ara se fazer tocar pelo olhar
d o pai basta tornar-se urna imagem, colocar seu ser ali.
Tal como em "Bate-se uma criança", assistimos aqui a uma
fantasia que em sua própria constitiiição enlaça o desejo e a lei
em torno d o pai. Neste caso existe a complicaçáo particular de
que há dois pais: aquele que náo a reconhece nem quer vê-la, e
aquele que a olha demasiadamente, a desnuda, aquele que per-
fura o véu d o incesto, o que iniplica que o pai pode fechar os
olhos extraindo de sua intimidade tinia imagem. Entre o não olhar
de um e o olhar gozador do Outro, Hilda constrói uma fantasia
com aquilo que suborna seu corpo, dando consistência a esse
olhar para se assegurar desse modo a ex-sistéiicia.
Nessa vertente, o corpo se torna o semblante por excelência.
Tal como coloca J.-A. Miller em Silet, podemos situar no olhar o
motivo pelo qual a iniagcni do corpo traduz sempre a relaçáo d o
sujeito com a castraçáo. Na última aula desse seminário. Miller
coloca que na histeria a imagem d o corpo pode vir conio substituto
da falta de significante que representaria ao sujeito rio Outro:
A particularidade da histeria consiste em que essa iniagem
fracassa na sua intenção de representar o sujeito. Miller ressalta
ali o modo pelo qual na anorexia o (-(p) que esvazia o objeto oral,
transformando-o eni objeto nada, cai tambéni sobre a imagem do
corpo próprio, e que é essa a fornia das imagens do grande luto
anoréxico, como a encarnação da castraçjo e da morte. Podería-
mos acrescentar que essa invasáo que a castração opera na ima-
gem provoca a queda do véu, deixando de funcionar os parênteses
que separam I dc a: na própria iniageni se presentifica o objeto.
Nesta via podeinos propor a aiiorexia conio unia modalidade
pela qual a histérica buscaria se nomear conio mulher através da
imagem de seu corpo, procurando esgotar na imagem a pergunta
sobre a femlliilidade. É o corpo fiiiicioiiaiido como nome do feiniiiino,
nomeação imaginária que, tal como coloca Lacan eni RSI, se maiiifes-
ta conio inibição. Tal inibipo ronia a via da saída freudiana da inibi-
ção da sexualidade e chega a deter uma função homloiial, o que leva
ao apagamento dos caracreres sexuais secundários e à amenorréia.
É habitual que essa intenção de nomeação fracasse, como ocorre
no caso de Hilda, quando o corpo é tomado pela alceridadc d o
sexo no encontro com um Iiomem. Ali, o recurso à iniagem fracas-
sa, entra em jogo outro olliar que desbarata a cena fantasística. A
bulimia é uma intenção - fallia - de voltar à Iiomeostase do estado
anterior. O corpo, porém, já despertou para o gozo da vida, ali
aonde a iniageni não pode aprisioná-lo, o que possibilita a coiisti-
tuição d o sintonia. Aqui, o corpo fala já de iim sujeito dividido
entre a sua aspiraçjo egóica ao gozo narcisista da imageni e o de-
sejo que o reenvia em direção à outra diinens~odo gozo. Neste
caso isso não se produz sem a passaçeiii por Liiria encariiação do falo
no corpo d o homem, o que dialetiza sua própria identificação com
o falo. Graças ao amor, nem todo o peso da barra cai sobre o sujeito,
algo fica a cargo do Outro. É também o que possibilita a análise.

Traduçáo: Sara Prruki Fux


V Jornada Brasileira
de Cartéis
Rio de Janeiro, 23 de novembro

III Congresso da AMP


Bruxelas - j u l h o de 2002

XII Encontro Internacional


do Campo Freudiano
Clínica d a sexuaçáo
impossível e posicionamento

Paris - j u l h o de 2002
Caros colegas,
Anunciamos a realização da V jornada Brasileira de Cartéis
da EBP-ECF, para a qual estão todos convidados.
O tema dessa Jornada será livre e os trabalhos inscritos de-
vem ser produto de cartel. Esses trabalhos podcráo ser reinetidos
até o próximo dia 10 de novembro para o e-mail da EBP-ECF:

Além do iiome do autor, títiilo do traballio e seu eixo teniático,


é interessante que sejani informados também o tema do cartel no
qual ele foi produzido, sua coniposiçãi~e o nome do Mais-uni. Os
trabalhos recebidos passarão por uma seleção, cujo objetivo é favo-
recer a transniissáo de qiiestões que possani caiisar uni boni deba-
te. A comissão de seleção estará coniposta por: Eliana Bentes Cas-
tro, Heloísa Caldas, Rômulo Ferreira da Silva e Sara Perola Fux.
Local: Sede da Seção Rio de Janeiro.
Rua Viúva Lacerda, 117 - Huii~aitá.Tellfax: 21 2539-0960.
Data: 2311 1/01
Inscrições: R$ 25,00 (no local, a partir das 12:OOh)
Programação
13:OO li - Abrrrura
Aprescntasáo: Bernariiiiiu Homc
Ii:30 li - Mesa de rral~alhosdcCartel
Comciirador: Romildodo Rep, Barriis
Debarcdora: Aiigclitia Harari
Coordcliador: Rilmiilo Ferreira Silva
G>i>rdoiad~>r;i:
Sara Perula Fiix
15:OOh - Mesa de traballiosdeCaitcl
Debatedora: SrellaJimcnrí 19:30 li - Eticcrranienti~
Coordenadora: Heloísa Caldas
Rumo ao Congresso*

O tema do nosso próximo Congresso da AMP foi lançado em


Buenos Aires, em julho de 2000. Desde então, o debate sobre a
formaçáo d o psicanalista tem acontecido em todas as nossas
Escolas.
Mas nossas Escolas já começam a extrair consequências dis-
so. A nomcaçáo de novos membros é examinada, caso a caso,
quanto a essa exigência de que a forniaçáo (assim como escrevia
recentemente Jacqiies-Alain Miller) é ainda mais forte q~iatido
não é forinaliíada. A entrada pelo passe foi suspensa em toda
AMP,pelo menos até Bruxelas em 2002. As garantias que dáo
nossas Escolas estão submetidas a um exame crítico.
É um movimento fundamental que atravessa toda a AMI',
rumo a esse Congresso que será reservado apenas aos membros.
E eis que Jacques-Alain Miller acaba de soprar um vento de
entusiasmo, uma tempestade que atinge a mídia. uma abertura
da conversação bem mais além dos nossos membros, de nossas
Escolas, d e nosso "meio" psicanalítico: (para a "opinião
esclarecida"). A psicanálise tem uma chaiicc para rerornar, as-
sim, sobre os debates do mundo.
Vejamos bem do que se trata. Trata-se de toniar a opinião
como testemunho de um direito de resposta? Certaniente. Mas
trata-se. sobretudo, de fazer valer as nossas exigências quanto à
formação do psicanalista quando um texto questiona essa forma-
ção na ECF. E, mais ainda: trata-se de realizar "a educação

L Extraído dr: Coiirrier dr I'ECF. riihricn DLOC-NOTES DE L'AMP.


freudiana d o povo francês". Qiie os psicanalistas façam de novo
incidir suas vozes n o mal-estar da civilizaçáo.
É bastalite v u l i u o ~ oo que esr6 em jogo. a voz que o porra se
faz, pouco a pouco, suave. tonitruante, exigente ou ironica, seni-
pre tocante quanto à verdade. Cabe a nós acompanliarmos isso.
Br~ixelas,21 de setenibro de 2001,

Alexandre Stevens
Meiiibr,~do G,nsrlho da AMP

Tredi~$ão:
Sérgio Laia
III Congresso - XII Encontro

A EBP rumo ao III Congresso de Membros da AMP


A EBP se prepara para o 111 Congresso de Membros da AMP tra-
balhando em consotiâricia coni os dociiiiienti~srecenrcmentc apre-
sentados pelo Comitê de Açao da Escola Una sobre a Garantia e
a Super\~isão.
Para que este trabalho alcance seus objetivos, o Conselho e a
Diretoria Geral da EBP têni propostas concretas:
O Conselho da EBP, em recente reuniáo (27-28 de maio). no
Rio de Janeiro, definiu que iim Seminário. sob sua coordenação,
acontecerá nas várias Seções e coiii a presença de pelo menos um
Membro desse Conselho. O s temas, prcviamcnte determinados,
serão em tomo de questóes, tais como "A psicanálise e a época da
psicoterapia de massas", "Psicanálise Pura e Psicanálise Aplica-
da", "A questão da supervisão", "A Escola e a garantia", entre
outros. A possibilidade de nos debruçarinos sobre um tema que,
por si só já nos questiona no âmago de nosso próprio trabalho, po-
derá produzir iim vetor que mobilizará no sentido d o estabeleci-
mento da tão desejada Coniunidade analítica na EBP. Um relató-
no final destas atividades deverá ser produzido com o objetivo de
transmitir o que se pôde recolher deste período de trabalho.
Mantendo a mesma orientaçãi~,Angelina Harari nos disse
que a recente reunião da Diretoria Geral da EBP (19 de maio)
em Salvador, Bahia, estabeleceu metas de trabalho visando o I11
Congresso da AMP. E é nessa trilha que está sendo pensado o
XII Encontro Brasileiro que acontecerá em abril de 2002, ou seja,
às vésperas de nosso Congresso. O tema a ser definido deverá pri-
vilegiar a questão da "Forniação do Analista", procurando articu-
lar a "Supervisão e o Ensino em relação coni a causa analítica,
dando destaque ao real em jogo na Formação do Psicanalista".
Sérgio Laia eni receiite texto apresentado em iim dos semi-
nários preparatórios ao Congresso, nos lenibrou que Lacan num
primeiro iiiomento, ao fundar sua Escola ein 1964, se disse só di-
ante da causa analítica, mas que três anos depois ele afirmava,
110 Discurso a EFP, que, ria verdade reiiiiriciava à solidão fun-
dando a sua Escola. Este momento, que poderemos chaniar de
segundo momento da fiindação, se define na proposta concreta
sobre o Analista da Escola que traz em seu conjunto a idéia de
que, se por tini lado a autorizaçá~só acontece a partir d e um
percurso que culmina na possibilidade do analista poder se auto-
rizar deste lugar onde a garantia falta, por outro lado, e exata-
mente por isso, apresenta a Escola como podetido dar tinia garan-
tia da formação do psicanalista, determinando, ao iiiesmo teiiipo,
que somos todos responsáveis pela formação que esta Escola siis-
tenta.
~ ~

Cumpre ressaltar que o aro de autorizar-sc não deixa o sujei-


to eternamente na solidão mas o relaiiça na busca d o novo ali
onde uma satisfação fugaz insiste em proniover a estagnação.
Haiinah Areiidt, em um Iielíssimo texto, nos diz que "As açi>es
humanas, se elas não são conservadas na lembrança, são as coisas
mais fugazes e niais perecíveis sobre a terra; elas não duram mui-
to mais do q ~ i ea atividade ela iiiesiiia e certamente por elas nies-
mas não podem nunca pretender a esta permanência que possu-
em até os objetos de uso ordinários quando eles sobrevivcnl a seu
fabricante, para não falar das obras de arte, que nos falam para
aléni dos S~CLIIOS. A ação liuniana, projetada num tecido de rela-
çóes onde se ericonrram perseguidos os fins iiiúltiplos e oposros,
nunca cumprem sua intenção original; nenliiiin ato pode jamais
ser reconhecido pelo scu autor coiiio scu coni a mesma certeza
feliz que lima obra de não importa qual espécie pelo seu autor."[l]
E importante, neste iiiomento que precede ao 111 Congresso
da AMP, que possanios sustentar, não soineiite na EBP mas n o
conj~intoque constitui a AMP, tini espaço que leve em conta o
fato de que foi lançada lima aposta. Unia aposta de que serenios
capazes de retomar q~icstõestais como as levantadas pelo Conse-
lho e Diretoria da EBP, questões que tocam a autorizaçáo e nos
incitam a estabelecermos que, como rios diz J.A.Miller[2], afinal
de contas não temos responsabilidades apenas no que concerne
ao "progresso da Escola, como associação nioral, mas taiiibéni a
co-responsabilidade d o que os outros desta Escola elucubram,
escrevem, professani, a co-responsabilidadc d o que eles fazem,
antes de tiido, conio analistas".
A sorte está lançada, uma aposta foi feita, e um espaço está
criado. É preciso deixar de recorrer ao velho como forma de nada
saber deste momento presente que possibilita o novo, pois náo se
trata de renovar o fio ronipido da tradiçáo nem de inventar al-
guni sucedâneo ultramoderno. nias de saber exercitar-se na bre-
cha que se abriu coiii :as qi~estóesque estão ct~locadassobre a
Formação e a prática do Psicanalista.

Celso Rennó Lima


XII Encontro Internacional do Campo Freudiano
Clínica da sexuaçáo
Impossível e posicionamento
20 e 21 julho 2002 - Paris

Apresentação
Em torno do Encontro! Como o escreve Judith Miller : "sendo o
dia 1' de julho a data liiiiite para (pré-) inscrever-se no 111 Coti-
gresso da AMP, reservado aos seus membros, a Coniissáo de Or-
ganização do XII Encontro pode coineçar, a partir de 2 de julho,
a informar ao público, ao qiial o Eiicoiitro está aberto, suas linhas
de força e as questões qiie ele trabalhará, sob o títiilo: A clínica
da sexiiaçáo".
O Encontro acontecer6 durante dois dias, 20 e 21 de julho de
2002, em Paris; "'renovado', ele deverá fazer corte, c ele o fez res-
pondendo a uni conceito inteiramente diferente dos Encontros
precedentes: unia parte d o produto dos traballios d o Campo
Freudiano tiele será exposta, selecionada segundo critérios cieiití-
ficos, tanto mais exigentes quanto a qualidade das intervenções
que devcráo suscitar a discussão, e ciijo núniero deixará, portanto,
o espaso indispensável para seu desetivolviniento orgrianizado".
Assim, dia 20 de julho se desenvolverão 7 joriiadas simultâ-
neas, atiitnadas pelas diferentes rcdes d o Campo Freudiano. De
agora em diante, as questóes postas ao trabalho e os argumentos
de algumas delas já sáo conhecidos (cf. doc. anexo).
Cereda "Como o sexo chega às crianças"
Responsáveis
Patricia Bosquin - gil.caroz@advalvas.be
Susanna Carro - susana-car@cop.es
Liliana Cazenave - cuneocaz@tibo.com.ar

Cien "Respostas a questão d o sexo; os 'saber-fazer' e os


embaraços"
Responsáveis
Philippe Lacadée - P.Lacadee@insat.com
BeatrizUdenio - brufur@sininter.com.ar

R13 "Sexo sem édipo"


Responsável
Véronique Mariage - mariage.vQhonet.be

Seções clínicas "O amor nas psicoses"


Responsáveis
Carole De\i~ambrecliies- cdls@wa~iadoo.fr
Leonardo Gorostyza - goro@eol.org.ar

Toxicomania e Alcoolismo "Uso das drogas: soluções e rupturas"


Responsáveis
Estela Paskvan-paski~an@sct.ictnet.es
Fabien Naparstek-faiiapa@eoI.org.ar

Clip medicina (meia jornada) "A medicina oblitera o sexo?"


Uma outra meia jornada será dedicada às qiiestóes concernindo
à psicossomfitica, à anorexia e à bulimia.
Responsáveis
Alguém. a ser determinado, do Clip Médecine (França) e
Vera Gorali (ICBA, departamento corpo):uerage@satlink.c»ni

Bibliotecas d o Campo freudiano "Clínica da sexuação e


(não) clínica d o gênero"
Esta jornada é uma inovação que toca particularniente aos cole-
gas da EEP-Desenvolvimento (em especial, àqiieles da Diagonal
anglofôiiica) q u e se associarão a outros grupos d o Canipo
freudiano em construção, assim como a todas as bibliotecas d o
CF: as Bibliotecas hispanof6nicas começam a trabalhar a clínica
d o gênero, a da ECF se encarrega da crítica da literatura analíti-
ca, os colegas coiividados d o Canipo freudiano em construção
poderiam começar a expor sobre a qiiestão da sexuação em Freud
e Lacan.
Desde agora é possível inscrever-se (ficha de inscrição ane-
xa), pela soma de 110 euros. Um número de código para iiiscre-
ver-se por depósito bancário será comunicado a partir do mo-
mento cnt que dispusernios dele.
O site do Encontro será aberto e m breve ; o d o 111 Congresso
da AMP littp://www.ch.freudie~i-be.org já funciona, assim como
um eiidereço (e-niail) para todas as demandas de informação,
tias cinco línguas da AMP :

Uni volume preparatório será pciblicado em francês, espanhol


e portugiiês, e endereçado a todos os inscritos.

Marie-Hélène Doguet-Dziornba
Respuilsável pela difun;io pela
EEP-Dévclopl~cnient
ALP - Agence Lacanienne de Presse
Agência Lacaniana de imprensa

Caros colegas:
Como já foi anunciado 1iá alg~imassemanas e efetivado a partir
de 15/08/2001, AMP-VEREDAS está agora instalada em um site
de listas eletrónicas. Assim, o endercço a ser utilizado para se
postar mensagens para nossa lista náo é mais o que consta nesta
mensagem. mas:

Cyber-cordialmente,
Sérgio Laia
A WEB do X1I0 Encontro Internacional do Campo Freudiano
A página Web do XII Encontro Internacional doCaiiipo Freiidiano que se
realizará em Paris nos dias 20 e 21 de Jiilho de 2002, já pode ser
visitada n o segiiinte endereço:

Também se poderá ter acesso a ela mediante tini liiik desde o


site da AMP:
http://www.wapol.org

A Web será atualizada periodicamente com informações so-


bre esse importante evento.

Visitem-na!
/
!
encarte informativo- ,
Escola Brasileira de Psicanálise
COMUNICADO DO PRIMEIRO COLÉGIO DO PASSE
D A ESCOLA BRASILEIRA DE PSICANÁLISE
Data: Domingo, 21 de Outubro de 2001 10:24

O Colégio do Passe reuniu-se no dia 18 de agosto dc 2001, em


São Paulo, a partir da convocação do Presidente da Escola Brasi-
leira de Psicanálise, Jésus Santiago. A reunião teve por objetivo
principal iniciar as discussões e o trabalho d o Colégio d o Passe na
EBP. Foram convocados todos os Membros da Escola Brasileira
de Psicanálise que participaram da Secretaria ou dos Carréis d o
Passe, desde a implantação d o dispositivo, em 1995, até a data da
reunião. Estiuerani presentes:

Ana Lydia Santiago Luiz Henrique Vidigal


Angelina Harari Marcus André Vieira
Antônio Beiieti Maria de Fátima Sarmento
Beriiardino Horrie Maria d o Carino Dias Batista
Carlos Augusto Nicéas Mário Alnieida
Celso Reniió Liiiia Nora Gonçalves'
Elisa Alvarenga Roniildo do Rego Barros
Jésus Santiago Sandra Grosteiii
Jorge Forbes Stella Jinienez
A reuniáo iniciou-se com a fala do Presidente da Escola Bra-
sileira de Psicanálise, Jésus Santiago, que sitirou o momento no
qual se instalou o Colégio d o Passe na EBP como de extrema
importância, pois marcado pela reoiientação política da AMP
com relação à formação d o analista. Ressaltou que a decisão pela
instalação do Colégio foi do Conselho da EBP, seguindo orienta-
ção da AMP através da qual, após seis anos de funcionamento do
Passe em uma Escola, deve-se promover a existência dessa ins-
tância. O Presidente agradeceu a presença de todos e as contri-
buiçóes teóricas à discussão.
A reuniáo transcorreu num clima de grande cooperação en-
tre os membros: examinou-se os seis anos de experiência d o Passe
de entrada na EBP, sua sitiiação atual e, também, o fato de que
há onze colegas que aguardam sua homologaç50 como membros
da Escola e da AMP. além d o fitturo do dispositivo d o Passe na
entrada no Brasil. Foram discutidos textos elaborados por mem-
bros da Escola, designados pelo Presidente, para trabalhar temas
que auxiliariam numa avaliação geral do procedimento d o Passe,
dentro das vertentes clínica, política e epistêmica .
O tema da admissão c da política de entrada pelu Passe foi
apresentado por Jorge Forbcs. O s pressupostos dessa política, por
Bernardino Horne. A doutrina, d o ponto de vista clínico, ficoir a
cargo de Elisa Alvarenga; d o ponto de vista epistêmico, sob a
respo~isabilidadede Angelina Harari; d o ponto de vista político,
apresentada por Celso Reii~ióLima. De um outro ponto, a inci-
dencia d o Conselho na entrada pelo Passe, encarregaram-se
Romildo do Rêgo Barros e Sandra Grosteiri, niembros do Conse-
lho da EBP e um último ponto, os desvios n o fi~ncionamento,foi
tratado por Antonio Beneti e Mário Almeida, que trabalharam
na Secretaria d o Passe nos dois últimos anos.
Julgou-se importante convidar a comunidade da Escola para
participar desse debate e sugeriu-se a instalação de uma lista, via
internet, para dar Lugar a essa discussáo com o conjunto dos mem-
bros da Escola. Para co~icluir,os encaminhamentos propostos pelo
Colégio do Passe, a partir dessa primeira reunião, foram os se-
guintes:
1) As discussões do Colégio do Passe da EBP deveni continu-
ar até agosto de 2002.
2) Várias reuniões seráo realizadas nesse período.
3) O tema a ser disciitido nas reuniões é: *A política lacaniana
e seu diferencial".
4) As discussões sobre o tema deverão ser implementadas nas
Seções, através de Semiiiários, nos quais seráo retomados os *Sá-
bados da Escola".
5) Será aberta lima lista na internet para que os iiiembros da
EBP possam escrever e debater coiii o Colégio d o Passe.
6) Preparar-se-á unia piiblicação dos textos apresentados e
das discussões d o Colégio d o Passe.
7) Unia parte desse trabalho poderá ser enviada às disciissões
d o Congresso dos Membros da AMP sobre a formaçáo do analis-
ta, em Br~ixelas,julho 2002.
8) Será elaborado relatório da discussáo após cada lima das
reuniões d o Colégio do Passc da EBP.

Próxima reuiiião marcada para 11111101, em Belo Horizonte,


na sede da Seção Minas, das 10h00 às 17h30.

Atenciosamente.
Jésus Santiago e Nora Go~qalves
COMUNICADO 1
AMP-VEREDAS, 2 5 DE SETEMBRO DE 2001

A Carta nu 1, dirigida por Jacqries-Alain Miller 2 opinião escla-


recida, já está disponível em português. Ela teni dezesseis pági-
nas e pode ser adquirida nas Seçóes da Escola Brasileira de Psi-
canálise ou, até o rnoniento, nas seguintes livraria$:

Casa do Psicólogo - R. Alves Guimarães, 436 - São PauloISP -


Tel: (11) 3062-4633 - casa~si@uol.com.br

Livraria Pulsional - R. Dr. Homem de Melo. 351 - São PauloISP


Tel : (1 1) 3675 1190 / 3663 0232 -pulsionalOiiol.com.br

Contra Capa Livraria - R. Dias Ferreira, 214 - Rio deJaneiro/RJ -


Tel: (21) 2236 1999 - ccapaOeasvnet.com.br

Livraria Oiividor - R. Fernandes Tourinho, 253 - Belo Horizonte/MG


Tel : (31)3221 7473 - savassi@livrariaouvidor.com.br

COMUNICADO 2
A Carta n" 2 , dirigida por Jacques-Alain Miller à opinião
esclarecida, acaba de ser publicada eni português, por Jorge Forbes.
Ela tem 32 páginas e pode ser adquirida nas Seçóes da Escola
Brasileira de Psicanálise e nas seguintes Livrarias :

Casa do Psicólogo
R. Alves Guimarães, 436 - São PauloISP - Tel : (1 1 ) 3062 4633
Livraria P~ilsional
R. Dr. Homem de Melo, 351 - São Paulo/SP - Tel : (1 1) 3675 11 90
Contra Capa Livraria
R. Dias Ferreira, 214 - Rio de JaneiroIRJ - Tel : (21) 2511 4082
Livraria Ouvidor
R Fernandes T o u ~ h o253
, - Belo Horizonte/BH - Tel : (31) 3221 7473
Grandes Autores Sliopping Cultiiral
Av. Adhemar de Barros. 88 - SalvadoriBA - Tel : (71) 331 2248
Livraria Eleotério
R. Amintas de Barros, 140 - CuritibaiPR - Tel : (41) 324 0308
Alexandria Editora e Livraria
R. Manano Torres, 146 - Lj. 01 - CuritibaPR - Tel : (41) 223 2893

Sérgio Laia

COMUNICADO 3
A terceira ediçáo das "Cartas à opiiiiáo esclarecida* está em
vias de ser impressa.
Ela compreende as Cartas 3 , 4 e 5, sob o título: A TERNURA
D O S TERRORISTAS.
A priiiieira opõe o canallia ao terrorista.
A segunda se endereça à Galáxia Lacaniana.
A terceira, "A memória de Freud", é um fragmento de "auto-
análise" .
A o todo, sáo 40 páginas; preço: 60FF.
Essa ediçáo estará a venda na sede da Écok - 1, rue Huysmans -
a partir de sábado de niaiihá.
Paris. 11 de outubro de 2001
AGÊNCIA LACANIANA DE IMPRENSA 5
Paris, 24 de setembro de 2001

AS TORRES GÉMEAS: A OPINIÁO DE TRÉS PSICANALISTAS


Éric Laureiit (Écofe de fa Cause Freudienne, Paris)
Abel Fainstein (Asociacion Psicoanalitica A l g e n t i ~ Buenos
, Aires)
Jacqlies-Alain Miller (Association Mondiale de Psyclianalyse, Paris)

AS TORRES NÃO FORAM ATINGIDAS COMO SIMBOLO


Paris, 21 de setembro (ALI') - Éric Laurent, psicanalista com con-
sultúrio ria Rue Saint-Koch em Paris, Presidente da École de la
Cause Freudienne (AMP), enviou para a AgCncia o seguinte co-
mentArio: "Antes de desabar e, por isso mesmo, de existir como
um dos nomes de horror, dizia-se que as Torres eram "símbolos".
As torres gêmeas, nomeadas originalmente com o nome de dois
irmãos Rockefeller, David e Nelson, que levaram o projeto a ter-
mo, simbolizavam a cidade. Mas qual? Segundo os críticos, todas
as significaçóes se encontram aí: o poder. a riqueza. o orgulho, a
guerra, mas também, a paz, a banalidade, a iiicoerêiicia. Um sím-
bolo náo representa uma única significação, ele encarna - Lévi-
Strauss fala isso d o maná - algo do poder da significação em si.
O funcionalismo eni arquitetura detesta o simbolismo. Fa-
zendo pouco da significação, ele se prende à função. A casa é
"máqiiina de habitar" (expressão de Le Cabusier). Esta ablação
semântica tem resultados paradoxais: isso náo funciona. Na ex-
posiçáo Mies Van Der Rolie que visitci, nesse verão, n o M O M A
de New York, pode-se seguir os avatares do processo interminá-
vel que contrapõe a contratante de uma cidade paradigmática
ao arquiteto: a casa era genial, mas inabitável. Da mesma forma,
as Tzuin Towers, concebidas como "máquinas de escritórios para
financistas" ficaram muito tempo vazias.
Foi preciso a expansão da pretendida New Economy para que
elas se igualassem, enfim, a sua função. Elas toriiaram-se, logo
depois, o símbolo do modo de vida da "cidade-vertical". Foram,
portanto, ao mesmo tempo função e símbolo. Mas existiram, an-
tes de tudo, como objeto. O objeto do qual se trata aqui é a mais-
valia (ou o mais-de-gozar) extraído por \Vali Street da
mundializaçáo dos mercados.
Se os terroristas tivessem visado o sínibolo ou a função, Ihes
seria suficiente atingi-las à noite, quando as Torres estivesseni
vazias. Sua vontade era, ao contrário. de atingir o objeto de gozo
e de matar os homens, de assassinar em massa, o inaior número
possível. O s assassinos-suicidas queriam a morte. Eles gozaram
d o horror do outro. Sua transfiguração repercuti11 eni cadeia pela
niídia. S ~ i aambição é de produzir o que seria o puro signo d o
ódio, aquele que hipnotiza absolutamerite, abole toda a signifi-
cação, e testemunlia Lima vontade tão má quanto aquela d o Deus
de Angelus Silesius. Então, ela nasceu, a progenitura maldita: a
nova cruz gamada d o século XXI.

Paris, 22 de setembro (ALP) - ].-A. Miller nos comunica sua ma-


dução resumida d o artigo publicado, neste dia, no Jornal Clorin,
de Buenos Aires. que reproduz as declaraç6es de Abel Fainstein,
Presidente da APA (Associação Psicanalítica Argentina, IPA).
Ele lembra o ateiitado que houve em Buenos Aires, eni julho de
1994, contra o edifício da AMIA, a Aliança Judaica Argentina,
no qual niorreram 85 pessoas, e a participação dos psicanalistas
da APA tanto n o Hospital da Univcrsidadc da cidade (URA).
como no trabalho de pre\,eiição lias escolas na zona do ateiitado.
A APA igualmente criou uni grupo de pesquisas clínicas consa-
gradas aos "Efeitos da realidade social sobre o psiquismo", que
ainda existe.
A barbárie do ato de 11 de setembro, explica M. Fainstein,
ultrapassa toda possibilidade psicológica de compreensáo. "A an-
gústia diante disso que aconteceu, o estiipor diante d o que po-
deria se passar (uma guerra sem duração previsível e sem fim
preciso), sáo de natureza a engendrar rraumatismos. O ataque
contra as Torres gêmeas e o Pentágono tem um alto valor sim-
bólico, porqiie esses edifícios são símbolos do poder d o país mais
potente d o planeta, e, para muitos, a referência da liberdade e
d o progresso n o Ocidente. A crise das referências simbólicas
nos deixa sem defesa para fazer face às exigências da vida coti-
diana. O q u e se passa n a realidade, e o q u e nos acontece,
estanios habituados a compreender em função das referências,
e seu desabamento nos deixa na perplexidade: nós não sabemos
onde estamos.
O praticante explica como a psicanálise aborda o problema a
partir da teoria d o trauma: "De início, náo é preciso buscar dar
muito sentido ao que se passou, mas reconstruir a situação o mais
objetivamente possível a partir dos dados perceptivos. Em segui-
da, segundo a natureza d o caso, começa-se, ou não. lima sobre-
carga psicológica. Uma depressão pode aparecer".
Abel Faiiistein evoca os efeitos psicológicos d o atentado sobre
a população argentina, que em sua maior parte vive atiialmente
em uma situação econômica muito difícil, aiites de dar um sinal de
otimismo, confiando na eficácia do laço social para "fazer barreira
ao sentimento de desamparo e as ameaças de violência".

O DELIRIO COLETIVO DOS ENFURECIDOS DA MORTE


Paris, 23 de setembro (ALI') - J:A. Miller nos declarou: "Recebi
o artigo do Clarin por correio eletronico, de meu amigo Mario
Goldenberg, psicaiialista de Buenos Aires, Diretor-adjunto da
EOL (AMP). Não é surpreendente que o mais difundido dos di-
ários argentinos tenlia querido recolher os comentários de um
psicanalista sobre o acontecimento de 11 de setembro, conside-
rando a penetração d o freudismo em todas as camadas da popu-
lação; é normal que ele tenha se dirigido ao Presidente da mais
importante Associação argentina de psicanálise, a mais antiga e
mais numerosa, que está presente e ativa na vida intelectual e
social d o país. Neste sentido, a APA é um exemplo para os psica-
nalistas do mundo inteiro.
Com quem o senhor está d e acordo, Fainstein ou Laurent?
Com os dois! Suas abordagens sáo complemeiitares. O b s e r ~ oini-
cialmente que os dois analistas, independente iim do outro, qui-
seram comentar o acontecimento. Um o fez no boletim da ALP,
difundido gratuitamente por correio eletronico aos 3000 inscritos
da lista AMP-UQBAR (em cinco línguas: francês, espanhol, por-
tuguês, italiano, inglês) e, eni papel, a 500 personalidades fran-
cesas da cultura, da imprensa, e da psicanálise. O outro se ex-
pressa em uni diário nacional com tiragem de mais de um milhão
de exemplares. Ainda temos muito a fazer para atingir o nível
argentino.
Abel Fainstein e Éric Laureiit se conhecem e se admiram. Laureiit
recenreniente fez unia conferência na APA, Fainstein foi entre-
vistado n o El CaMero, a revista iiieiisal da EOL, a Escola argenti-
na d o Campo Freudiano. Abel Fainstein não é lacaniano, mas
reconhece ser influenciado pelo pensamento de Lacan; do meu
ponto de vista, ele estaria de acordo se for dito que sua idéia de
refcréncias simb6licas indispensáveis à compreeiisão d o "que se
passa" traduz a influência lacaiiiana.
Mas eles dizem o contrário um do outro: Laurent pensa que não
se trata de símbolos, Fainstein coloca a énfase sobre o simbólico.
Não, é mais sutil que isso. Laurent privilegia a versão do "obje-
to", mas reconliece que as Torres são também síiiibolos. Faisntein
privilegia o símbolo, mas trata também dos efeitos d o atentado
sobre o psiquismo dos vivos. Com efeito, cada uni ilustra as duas
versóes d o p e n s a m e n t o psicanalítico a t u a l : a versão d o
significante, d o enquadre sinibólico, a versão do objeto, d o gozo.
Esses dois momentos não sáo para se colocar em oposição, mas
para se dialetizar, para se colocar em tensão.
Qual a opiniáo d o senhor.
Ainda não sei! Soti lento. Estou taiiibém eiii desvantagem pelo
fato de não ter televisáo, e náo tive tempo esses dias de ler as
notícias. Sei o que me dizem, em particular meus pacientes. Aí.
eu noto tinia reação terapêutica positiva, e\~identeineiitetraiisi-
tória: o que sao minhas pequenas iiiisérias eni comparação com
isso, etc. É um efeito já observado por Frcud: em tempo de guerra
ou de catástrofe, os neur6ticos ficam melhores. Em coinpensa-
ção, estes mesmos acontecimentos são drnatureza a provocar
delírios. até a desencadear psicoses, mas só naqueles sujeitos que
têm uma certa estrutura clínica: náo 6 louco quem quer, dizia
Lacan. Quanto aos perversos, o acontecimento é de natureza a
satisfazer o sadismo dos niais exigentes. Há, se posso dizer, "algo
de sangue. da vontade e da morte" - título de Maurice Barrès do
qual Montherlant riu. Mas sádicos todos somos, no nível da pulsão.
As grandes frases sobre o horror, que todos prodigalizam sempre
diante das catástrofes, sáo um rito, feito para esconder a satisfa-
ção inconsciente, ilícita, moralmente inadmissível, que o acon-
tecimento confere ao sujeito. Além disso, somos todos sobrevi-
ventes, portanto estamos contentes.
Irão reprová-lo por esta frase!
Por que os psicanalistas, como dizem aproximadamente Heidegger
e Jean-François Revel, nesses tempos de desamparo, se é para
dizer o que todo mundo diz tão bem! O inconsciente, o fato de
que existe inconsciente, quer dizer que todo mundo mente. Se-
ria preciso que os psicanalistas o fizessem um pouco menos.
"Estamos contentes", inconscientemente, é claro. quer dizer tam-
bém, como sublinhou Abel Fainstein, que, mesmo a milhares de
quilômetros, somos todos vítimas dos atentados de Nezu York e
Washington. A mídia, ao difundi-lo, divulga o terror. Ela o eterniza
passageiramente em um tempo suspenso, aquele da fantasia. É o
que Lacan chamava o "entre-duas-mortes": a morte física ocor-
reu. mas antes que sua lembrança se dissipe e que o aconteci-
mento seja absorvido pela ordeni imutável da "natureza" onde
nada aconteceu. nada mesmo, nesse intervalo, retiramos d o acon-
tecimento, que reprovamos conscientemente, a sua mais-valia
de gozo inconsciente.
11 d e setcmbro tornou o Universal definitivamente presente, efe-
tivo, wirklich. Todo mundo (ou quase, porque a televisão náo
está em toda parte, nos confins da África ou na minha casa, por
exemplo) falou da mesnia coisa ao mesmo tempo. Ela está aí, a
Sociedade d o Espetáculo total, genialmente antecipada nos anos
60 por Guy Debord a partir das reflexões de seu mestre Henri
Lefebvre, marxista original. E o teatro de niarionetes planetário,
acompanhado das deplorações obrigadas d o coro da tragédia:
"Horror! Desolação! Assustador!". A televisão, em particular,
instala a hipnose nos lares, como observa Laurent.
Depois de ter con\:ocado a uma cruzada d o bem contra o mal, o
que testemunhava uma identificação coni o agressor, o Presiden-
te da grande ilação enlutada felizmente entrou em uma inesqui-
ta. Bravo! Há 110s Estados Unidos tima p o t e n t e o p i n i ã o
esclarecida, que luta contra os setores obscurantistas e belicistas.
Sei1 sadismo obsceno se expressa frequentemente de peito aber-
to: discute-se a vitrificação d o Afeganistão. Isso lembrará, àque-
les de minha geraçáo, Curtis Le May prometendo "to bomb Vietnam
back to the stone Age" (fazer o Vietiiam retornar à idade da pedra
à força de bombardeios). Sabe-se o que aconteceu. Conhece-se
também, por suas Memórias, o drama subjetivo de um Roberto
Mc Namara, treinado na loiicura do body-count.
É além da raiva, do horror, do assonibroso, que é preciso explorar
as vozes da razno. Os filhos de Freud não se deixarão intiniidar
pelas boas consciências de todos os lados foiiientando suas abje-
ções. O sistema nervoso das massas, como dizia Nietzsclie, está
hoje abalado pelo o que ele chamava de "delírio coleti\ro dos
eiifurecidos da morte", e cujo grito atroz - "E viva a morte" - ,
ele estigniatizava, e via como resultado d o "training da penitência
e da redenção" (A genealogia da moral, 111, 2 1 , p.331 da ed. NRF,
1971). A saúde pública, peso minhas palavras, exige hoje a revol-
ta dos intelectuais. Chamo "intelectuais" aqueles que se esfor-
çam para "pensar por eles próprios" (Kant), e que não pretendem
se deixar levar pelos grupinhos de "padres ascéticos" de oposição
que se esforçam para agregar as massas para levá-los ao açougue
a fim de satisfazer o gozo de alguni obscuro iMoloch. Leinbreni-se
da guerra Iraque-Irã. Precisaria de Comitês "anti-morte" de base!
E o senhor, o que vai fazer?
Inicialmente, pouco, porque parto de zero. Penso em uma revista
mensal, que seria um dos órgáos dessa revolta necessária de que
falo, o esclareccdor das Novas Luzes. Eu farei mais se esta iiiicia-
tiva fizer e c o n a opinião esclarecida à qual me dirijo
prioritariameiite. Vou niobilizar meus amigos, e também aqueles
que não o são. Conto com a ajuda da casa que edita Lacan desde
1966, as Éditions du Seud. Não se edita Lacan tão fielmente h6
tanto tempo sem ter o sentido da urgência. O s intelect~iaisame-
ricanos se manifestam. Lemos noLe Monde Susan Sontag, a grandc
barthesiana de Além-do-Atlâiitico. Isso é bom. Viva a América!

Tradu~áo
Aiw Lúcw Lulterboch Rudriguer Hokck
Revisãci
Sérgio Laia
AGENCIA LACANIANA DE IMPRENSA 7
Paris, sábado, 29 de setembro de 2001

- CORRESPONDENCIA DE NOVA IORQUE, por Maria Cristina


Aguirre (26 de setembro).
- A CRONICA DO MUNDO, por Éric Laurent (27 de setembro).
- CRIAÇÃO DO PREMIO SENHOR DENIS (28 de setembro).
- A CRONICA DOS FILMES, por Anne-Sophie Janus (28 de se-
tembro).
- ORNICAR? NOVA SÉRIE (28 de setembro).
- A IMAGEM DE UMA CIDADE, p o r Cérard Wajcman (28 de
setembro).
- A PRIMAVERA DA PSICANÁLISE, entrevista com JAM (29 de
setembro).

CORRESPONDENCIA DE NOVA IORQUE


hiova Iorque, 26 de setembro (ALP) - Maria Cristiiia Agliirre,
psicanalista em Nova lorque, enviou a seguinte carta a Jacques-
Alain Miller, eni francês:

"Muito obrigada pela sua resposta, sobretudo nesse inonieiito


quando há tanto a fazer em Paris. Você me pergunta quais são os
efeitos do atentado das Twiti Towers sobre os nova-iorquinos.
Pois bem, os efeitos sáo paradoxais. Os sentimentos são mescla-
dos. Por tini lado, o estupor inicial, o choque do inlpossível. a
esperança, por outro lado o desespero em encontrar sobre\~iveiites,
a angústia com relaç.20 ao futuro e com relação às cotisequêiicias.
Agora se fala etn guerra biológica. Uiii grande sentimento
religioso, bastante sóbrio, sem grandes exclamações, muito
iiiteriorizado. Fotos dos desaparecidos em todos os lugares, nas
paradas de ônibus, nos inuros dos hospitais, nas praças públicas.
com velas. Cóleras e desejos de vingança, de represálias, mas
também medo de desencadear uma guerra. As entrevistas das
crianças na televisão são emocionantes e muito sensatas, incrí-
veis. Elas descrevem siia cólera, mas não encontram sentido em
uma vingança cega contra vítimas inoceiites e crianças como
elas. A questão lancinaiite: "Why?" seguida da perda da inocên-
cia: "Why do they hate us?"
De repente, as pessoas se tornaram amáveis e solidárias, elas
se deslocam para encontrar um endereço para você ou para aju-
dar a carregar pacotes. Somos menos empurrados nos transportes
públicos e nas ruas. As pessoas sorriem e fazem contatos com os
olhos.
O acoiitecimento provocou a manifestação d o melhor e do
pior nas pessoas. Há sempre aqueles que quereni se aproveitar,
com falsos I.D. ou abrir processos contra a cidade e outros. O s
discursos contraditórios entre: os psi sáo iiecessários em todos os
lugares, ou nada de psi para não acalmar rapidamente a cólera,
mas mantê-la? Um grande nacionalismo, mas também consciên-
cia de que isso atingiu todas as camadas sociais, sexos, idades,
religiões e nacionalidades.
Eu ofereci meus serviços como voluiitária e fui nesse sábado
ao Pier 94, Centro de assistência às vítimas e siias famílias. Eu
estava no "Kid's Comer". Havi:i crianças diretamente afetadas.
tendo perdido um membro de siia família; outras acompanham os
pais quando eles fazcm tentativas de obter indenizações ou ou-
tras. Eu retomarei ao Centro nessa semana.
No N'FL - Study Group (Grupo de estudos Freud-Lacan de
Nova Iorque). abrimos um espaço de reflexão e de trabalho sobre
os textos que podem nos ajudar a elaborar esse encontro com o
impensável d o real, pois na nossa clínica 116s somos conduzidos a
escutar isso. Pensanios. como você assinalou, que é importante
que os psicanalistas ocupem tini lugar nos debates da cidade.
A imprensa utilizou significantes espantosos para nomear, dia
após dia, os acontecimentos. Seria interessante fazer uma review.
Depois do bombardeio de imagens e de informações, nós reen-
contramos agora outros assuntos, niesmo se esse continua sendo
o numero 1.

O SR. BRICMONT DESVENDA OS MISTÉRIOS DA HISTÓRIA


Paris, 27de srtenihro (ALP) - Éric Laurent, psicanalisra ruasaint-Rochein
Paris, enviou à aggncia o seguinte coinentário:

"Há quatro anos, iim livro ruim cativou, durante unia estação, a
atenção da opinião pública parisieiise mais ou menos esclarecida.
Em nome da ciêiicia, ele deniinciava a impostura intelectual das
ciências litiniaiias, criticando eiisaístas conhecidos. O s dois au-
tores, Sr. Jeaii Bricinont, professor de física na Universidade de
Louvain e o niistificador aniericaiio Sr. Alan Sokal, tiveram seus
quinze niinut»s de glória warholiana. Muitos se divertiram, pou-
cos perceberam a cpisteniologia inapta dos dois cúmplices,
incriminando os filósofos das ciências que iiiconiodavam suas
calmas seguranças sobre o real. Até onde os teiilianios compre-
endido, a injúria feita à evidência havia conieçado com W. V.
O. Quine.
O Sr. Jean Bricmont continua seu coiiibate ein um artigo
publicado essa semana sob o título 'Algumas questões ao império
e aos outros'. Esse comentário d o atentado das Twin Towers atin-
ge o rnesiiio grau de confiisáo intelectual, de nialvadeza e d e
irresponsabilidade q u e o livro de então. Ele quer aplicar à
geo~olíticao frio rigor científico. Isso resulta cni frases do gêne-
ro: 'O massacre de civis inocentes não me parcce nunca desejá-
vel. O que não impede que iiic pareça necessário, na ~icasiáo
dessa tragédia, se colocar algumas qiiesrões'.
As qiiestbes se fazem entretanto raras no texto: oito pontos
de interrogaçáo ao todo. se eu contei beni. A ciência obriga: o
autor muito mais as respostas, 115 unia pletora delas.
T u d o se explica fiindamentalinente por uma dialética mirrada,
reduzida ao talião. Ela nos é revelada sem volteios no final do
artigo: "Os iiiilhares de pessoas vencidas, huniilliadas e esmagadas
pelos Estados Unidos através do mundo, terão a tentação de ver
n o rerrorisnio a única arma que possa realmente atingir o inipé-
rio". Isso é sem nuanças. O nosso pensador despreza as distinções
inúteis entre a direita e a esquerda, entre o povo e o governo,
entre paz e guerra, entre tirania e democracia. Resumamos: ele
despreza a política simplesmente. A esse preço, os mistérios da
história e do ódio sáo enfim elucidados. Tudo se explica, a única
causa do hitlerismo era a miséria alemã.
Se ele lê o Le Monde, que publicou seu artigo, o Sr. Bricmont
poderá se referir, com bom proveito, ao artigo de Susaii Sontag
que se segue ao seu. Barthesiaiia, esta desdobra os instrumentos
os mais finos para pensar o que ela chama "a monstruosa dose de
realidade da terça-feira 1 1 de setembro". Ela assinala o caráter
mítico da retórica d o consenso bushiano, convocado para asse-
gurar "que náo se pedirá ao público para carregar lima parte de-
masiada do fardo da realidade". Depois de ter lido Susan Sontag,
acalmados, nós podemos seguir o Sr. Bricniont q u a n d o ele
relembra os danos da direita americana, obtusa e brutal quando
ela está n o comando, ou o efeito de retorno que sofre a CIA de
seu apoio aos fundamentalistas. Entretanto, n6s recuamos diante
das categorias que ele maneja e nos perguntamos em que estra-
nha nietáfora ele niesmo vive. Com o seu pacifismo e seu ódio d o
capital anglo-saxáo. o Sr. Bricnioiit não nos embalaria com ilu-
sóes de uma época, aquela de Munique por exemplo, que não
fizeram o bem em 1940, e o impedem agora de pensar a nossa?
O nosso especialista das massas é a favor d o choque das ci-
vilizações, à moda Huntington. Ele não recua diante de nenhu-
ma grande generaiizaçáo vazia como "o mundo ortodoxo e eslavo"
em luta contra a O T A N , ou "o mundo árabe-muçulmano" e m
luta contra o Ocidente. Logicaniente. ele é pró-serbo sem reser-
va e pró-iraquiano seni sentiniciitalismo. Isso náo o impede abso-
lutamente de se dizer pacifista. O destino d o Iraque, como resul-
t a d o da conferência d e D u r b a n , o tornam decididamente
antiisraelense. Nada o desperta i complexidade da questáo ju-
daica. Com qual instrumento físico nosso professor Nimbus vê a
terra e sua política!
O imaginário bricmontiano se revela em toda a sua força
quando ele incrimina os intelectuais d o "Ocidente": "Nós en-
contraremos quantidades de intelect~iaispara ligar esses atenta-
dos a tudo o qiie os desgosta n o mundo: Saddani Hussein, os
pacifistas ocidentais, o movimento de liberaçáo palestino e, por-
que não, o movimento dito aiiti-niundialização." Mas onde eri-
contra ele esses "iiitelectuais" qiie fazem esse tipo de amálgama?
O Sr. Berlusconi é o único a colocar n o mesnio saco Gênova e o
atentado de Nova Iorque. Na verdade, o Sr. Bricmont faz o in-
ventário da frente da qual ele qiier ser o porta-voz. Que tripula-
ção, que coclieiro! Essa seria sua grande obra política. A última
frase d o artigo anuncia isso. "E por isso que unia luta política. e
não terrorista - respiramos! - é mais do que nunca necessária".
Nós também somos partidários de um conibatc a ser conduzi-
d o para "poder suportar unia dose riiaior de realidade". Gostaría-
mos somente que nosso idealista apaixonado deixasse a outros o
cuidado de se ocupar dos negócios e das ciêiicias dos homens,
dos quais ele está realmente muito distanciado. Se esse artigo
tivesse sido assinado por Alan Sokal, nós teríamos acreditado na
repetição da mistificação de outrora, da qual teria sido vítima,
dessa vez, nosso grande cotidiano da noite. Mas iião, é realnieiite
o Sr. Jeati Briciiioiit que persiste. sozinho.

O PREMIO SENHOR DENIS ATRIBU~DOA SILVIO BERLUSCONI


Paris, 28 de setembro ('4LP) - A ALP anunciou hoje em Paris a
criação do Prêniio Senhor Deiiis, em homenagem a Denis Diderot.
Esse prêmio, que será atribuído em cada boletim pela redação da
Agência, é destinado a recompensar pessoas ou instituições pre-
sentes na arlialidade e que se distinguem através de um espírito
oposto àquele das Luzes: ignorância, intolerância, presunção,
enfatiiação, obscurantismo, teimosia, satisfação de si mesmo, cri-
ação de sitirações embaraçosas para si niesiiio c para os outros,
má fé, desiiieiitidos que não o são, grosseria, avareza, etc. Dcnis
Diderot era, ao contrário, sábio, tolerarite, modesto, esclarecido,
flexível, inteligente, informado, scmpre insatisfeito consigo mes-
mo, diploiiiata, astucioso, clegaiite e generoso. O priiiieiro titular
d o Prêmio Seiilior Denis é Silvio Berlusconi, distinguido por suas
palavras relatadas no jornal La Croii de 28 de setembro: ,"Nós
náo podenios colocar todas as civilizações no niesmo plano. E pre-
ciso estar coiiscieiite de nossa supreiiiacia, da superioridade da
civilização ocidental. O ocidente continuará a ocidentalizar e a
se impor aos povos. Isso já teve êxito com relação ao mundo co-
munista e uma parte d o mundo muçulmano". Todos os nossos
cumprimentos ao magnata.

DOS MACACOS E DOS HOMENS


Paris, 28 de setembro (.4LP) - Anne-Sophie Janus, que prepara
uma tese de doutorado em cinema, inaugura sua "Crônica de
filmes" para a Agência lacaniana apresentando Human Nature
de Michel Gondry, e Planet of the Apes de Tim Burton: Um casal
e uma criança passeiam em um zoológico. "Um cromossomo. Um
simples cromossomo separa vocês dois": o pai aponta sucessiva-
mente o jovem Nathan e o chimpanzé anão à sua frente. Pensati-
vo, o menininho anota com cuidado essas informações na sua
caderneta. A descoberta é importante: se não fosse um simples
cromossomo, ele mesmo se encontraria atrás das grades dessa jaula.
A humanidade só se mantém por um fio.
O pesadelo percebido por Nathan, o sábio louco de Human
Nature. toma corpo em O Planeta dos Macacos: os homens, redu-
zidos em escravidão pelos macacos dominantes, estão a ponto de
perderem para sempre sua humanidade. O s filmes de Gondry e
Burton têm em comum o fato de colocarem macacos e homens
em equilíbrio precário sobre a gangorra da evolução, a lingua-
gem sendo o pivô desse dispositivo.
O Planeta se situa no cruzamento de duas evoluçóes simétri-
cas e inversas: os humanos, em via de perder o uso da palavra,
regridem à animalidade; os macacos, mestres da linguagem e da
escrita, acedem à civilização. A esta dicotomia simplista respon-
de o emaranhado cinematográfico de Gondry, n o qual a mestria
da linguagem é relegada ao segundo plano para dar lugar ao uso
que dela é feito.
Eni Human hlature, as palavras são fatalmente equívocas, in-
cessantemente desviadas e despojadas de seu sentido. Nathan,
preocupado com a hiimanidade sustentada por seus semelhan-
tes, cultiva uma ambição: super-civilizar o Homem inculcando-
lhe as boas maneiras e o "belo falar". Imobilizando assim a lingua-
gem na paralisia da polidez, ele a deixa definhar. Sua compa-
nheira Lila desconfia das palavras, percebe sua potência
malfeitora. Em busca de um acordo perdido, ela renuncia à pala-
vra para viver em harmonia com sua verdadeira natureza. Enfim,
o discurso serve à duplicidade d e Gabrielle, amante de Nathan,
que finge ser parisiense pontuando suas frases com expressões
francesas pronunciadas com um sotaque ridículo. Contra tudo o
que se esperava, Puff, o homem que se toma por tini macaco, é o
mais humano de todos: depois de ter sido civilizado à força por
Nathan e depois re-animalizado por Lila, depois de ter explorado
a linguagem sob todas as suas facetas, ele é o único a fazer bom
uso dela.
O cinema americano parece ser assim a cena de uma dupla
evolução cruzada. Burtoii, gênio hollywoodiano, recua um passo:
seu filme é unilateral, seu discurso maniqueísta. Gondry, realiza-
dor de uídeo clips, progride: ele faz coabitar com felicidade Walt
Disney e Tex Avery, imagens d e síntese e imagens reais, huma-
nas simiescas e macacos humanos.

ORNICAR? NOVA SÉRIE


Paris, 28 de setembro (ALI>) - A n u n c i a - s e e m Paris o
reaparecimento de Ornicar? Eia será uma publicaçáo semestral.
de mais ou menos 300 páginas, difundida pelas edições d o Seuil.
Revista d o Campo Freudiano, Ornicar! será doravante aberta a
todas as capacidades na psicanálise, nacionais e internacionais.
0manuscrito d o primeiro número foi entregue à gráficaDarantière
para orçamento. A saída está prevista para o primeiro trimestre
de 2002. A ALP publicará o sumário nas suas próximas notas à
imprensa.

A IMAGEM DE UMA CIDADE


Paris, 28 de setembro (ALP) - Gérard Wajcman, escritor e psica-
nalista, rua Poliueau e m Paris, nos enviou o texto de sua crônica,
lido na última quarta-feira na emissão mensal de Daniel Arasse
na rádio France-Culture:

"Essa primeira emissão, dedicada ao pensamento das artes visu-


ais, ocorre no momento em que, nós o sentimos bem, o século
XXI acaba de surgir nas cinzas dos dois arranha-céus de Nova
Iorque. Náo sei se há razóes de acreditar que a história dá à luz
um século sempre na dor, mas acontece que os dois séciilos que
conhecemos nasceram na destruição; o século XX havia saído
das trincheiras de 1914. e no último I 1 de setembro o século XX
acabou, sem dúvida, de morrer. O novo mostrou sua face.
Eu gostaria de falar de algo que me parece estar n o âmago
desse acontecimento e que concerne ao que nos ocupa aqiii, pois
o qiie se passou em Nova lorq~ietoca diretamente às imagens, e
terá sem dúvida algumas consequências na arte. Eu não falo,
claro, do fato de que os artistas são sujeitos como os oiitros e que
eles são afetados como todo mundo. Não falo tampouco do apa-
recimento provável desse acontecimento como temas de obras
futuras - a arte sempre teve uma função memorial do horror. Eu
quero simplesmente tornar sensível o seguinte: há acontecimen-
tos que mudam não somente a história do mundo, mas também a
forma de ver o mundo e nós mesmos. Eles mudam as imagens. Eu
penso que o atentado de Nova lorque é desse tipo.
Em geral, para falar de uma mudança nas imagens, refletimos
em termos de história da arte. Mas o pensamento mesmo de uma
história da arte repousa sobre a idéia de que a arte engendra
arte, e que o que muda a arte só pode, n o fundo, vir da própria
arte.
Ora, creio que há, às vezes, arrombamentos do mundo na
arte, acontecimentos que a afetam intimamente. Isso não vaie
para todo grande acontecimento; as guerras podem alimentar as
imagens, elas não as mudam necessariamente. Eu falo de fatos
dos quais não vemos imediatamente como, com o curso das coi-
sas, eles mudam a imagem das coisas, mas o fato é que eles as
mudam, e frequentemente só compreendemos isso mais tarde,
pelas próprias imagens, n o momento em que compreendemos que
elas mudaram.
É isso que me orientou com relação às câmaras de gás. Esse
crime transtornou o século XX e ele mudou algo nas imagens - e
isso, é iim filme. Shoah, que nos mostrou. Mas o que as mudara,
ali, foi o surgimento, na metade de um século de imagens, de um
crime absoluto. absolutamente sem imagem. Foi a ausência de
imagem que se abateu sobre as imagens; era um real com o qual
cada imagem devia doravante contar. Eu compreendi a partir
desse filme, que depois das câmaras de gás, nenhuma imagem
poderia aparecer sem trazer com ela, mesmo sem querer, mesmo
d e forma invisível, a marca dessa falta d e imagem. A ausência
das imagens fazia parte doravante da história da representaçáo.
Com o atentado de Nova Iorque encontramos outra coisa,
não mais uma imagem fairante, mas, ao contrário, lima imagem a
mais, uma imagem de sobra. Nisso também esse crime difere das
câmaras de gás. Aqui, nada escondido ou irrepresentável: nós
vimos tudo, a histhria ao vivo. Evidentemente, se pensarmos no
desabamento incrível das torres, tenios também de haver-niiscom
a ausência, porqiie essas duas torres faltam hoje em seu lugar.
Nisso aliás, elas se tornaram mais reais do que nunca o foram,
quando elas faziam parte do skyline de Nova lorque: não estamos
prontos para poder desviar os ollios desse buraco onde elas se
erguiam. Náo se deve desconhecer que houve, com esse atenta-
do em uma cidade, um atentado contra a cidade, contra a ima-
gem de uma cidade, contra sua beleza, contra uma imagem uni-
versal e universalmente amada. Não é qualquer parte de Nova
Iorque que foi visada e, mais além do sín~bolodas torres ligado à
sua funçáo ou ao seu nome, náo há necessidade de um psicana-
lista para supor aqui o desejo de uma castraçáo, à medida da
visão fálica de Nova lorque que tinha Celine, um 6dio decidido
a machucar o orgulho de uma cidade e a puni-la: envia-se avi»es
como castigos vindos de cima para abater as torres blasfemadoras
que pretendem arranhar o céu.
Mais de seis mil pessoas e um pedaço de uma cidade riscados
do mapa. Mas não é isso o novo. O novo. é que vimos todo c>
crime, porque quiseram nos mostrar tudo. N o princípio desse cri-
me está o dar tudo a ver, que ele seja um espcráculo. Falou-se de
uma espantosa proximidade com os filmes holl?woodianos. Mas é
mais que uma ~roximidadeporque, o que explica o alcance do
acontecimento não é que a realidade tenha, como se diz. iiltra-
passado a ficção 6 , ao contrário, que o projeto do crime foi de
reconduzir a realidade a uma ficção: reduzir o real a imagem;
houve a vontade de transformar pessoas, uma cidade, um país
inteiro em filme catastrófico; vieram nos dizer: "Vocés não pas-
sam de ficções, e nós vamos mostrar-lhes isso reduzindo-os ao
estado de imagens de televisão". Tudo foi feito aqui com a ima-
gem. Falou-se de estiletes e de aviões de linha, mas a televisão
foi um instrumento essencial dos matadores. Não falo de um ca-
ráter ultra midiatizado do crime, mas de siia profunda natureza
visual. Digo que sua novidade atroz resulta do fato de que ele
visou transformar realmente pessoas, arranha-céus, uma cidade
inteira em simples imagens, que a gente pode rasgar com um
golpe de estilete. Quiseram mostrar à América e ao mundo que
eram os verdadeiros Mestres das Imagens - nisso eu vejo um sen-
tido no fato de que o Comandante Massoud foi morto pela explo-
são de uma câmara armadilha.
Com Nova Iorque, não se trata mais da guerra. que visa des-
truir os inimigos; náo se trata mais de massacrar seu semelhante;
não se trata mais de ossário, de corpos gasificados ou queimados
para apagar uma casta inteira; aqui, os homens não foram reduzi-
dos ao estado de animais, de números ou de sabão: desejou-se
reduzi-los ao estado de vírgulas, essas vírgulas negras das quais
falava um testemunho que tomava seu café ein seu terraço em
Manhattan: "Tudo o que eu posso dizer a vocês, confessava ele a
um jornalista de Le Monde, é que eu náo poderei nunca mais
fechar os olhos sem ver as Vírgulas caindo do céu, esses corpos
curvados, como virgulas negras, se jogando 3s dúzias pelas jane-
las do edifício, diante de meu loft". Essas "vírgulas negras" são
uma imagem indelével. Elas são a verdade do crime. Para realizá-
lo, foi preciso que os homens vissem os homens como pequenas
imagens, como vírgulas se agitando sobre o fundo de arranha-
céus. Eles conceberam esse crime olhando o mundo através do
olho de uma câmara ou de não sei quem, captando de longe, ou
de muito alto, insignificantes pequenas vírgulas humanas.
O horror é o fato de descobrir que há hoje, entre nós, homens
que vêem os homens como pequenas sombras sobre as telas, como
pedaços de película que se corta ou seres virtuais que se pode
mudar continuamente de canal de televisão com o controle re-
moto. Crime da época do cinema e da televisão, ele emprega os
meios da época contra a época. O horror é que esse crime contra
o homem se reduz a iini crime contra a imagem. O ataque das
torres do World Trade Center é um atentado contra a imagem
humana. E o primeiro grande crime icoiioclasta. Ele só poderia
ter sido realizado por ico~ioclastasfanáticos. os mesmos que en-
terram as niulheres sob um véu, os mesiiios que destroem Rudas
gigantes a golpes de metralhadora. Nós liavíamos pensado que
um zelo embrutecido impelia religiosos a manifestarem seu ódio
das imagens iiias>acrando obras de arte; n6s acredirávamos que o
seu furor abjeto só coiiceriiia às pedras, imagens talhadas altas
como as torres: compreendemos hoje que isso só era o primeiro
ato de uma guerra que visa o ser infinito dos sujeitos humanos.
Há imagens que podem mudar as iinagciis, acredito que elas
serão habitadas doravante pelas vírgulas negras.

ENTREVISTA COM JAM: A PRIMAVERA DA PSICANÁLISE


Paris, 29 desctemhro (ALP)

Agora que você renunciou a requerer aos Senhores Denis


e Diatkine um direito d e resposta, você continuará a escre-
ver suas Cartas a opinião esclarecida?
Sim. Minhas duas Cartas encontraram iitn eco bem mais além d o
pequeno acontecinieiito que me havia forçado a escrevê-las e
bem mais além do meio psicanalítico. Eu recebo encorajanientos
que tocani diretamente o coração, me ordenam continuar, fiz
vibrar uma corda sensí\:el, aquela da revolta contra a mordaça.
Essa é a surpresa de niinlia vida: considcrani-me escritor, falam
de minhas "Provinciales"'. Eu escrevo desde sempre assiiii qiiari-
d o não presto atenção, nunca havia dado a isso um valor. Trata-
se da carta roubada, cxceti~pelo fato de que eu a havia roubado
de mim mesmo.
Falemos d o efeito sobre o meio analítico.
A exceção de Jean Allouch, é o silêncio. O silêncio público, pois
às escondidas se rivaliza para ver quem fala niais. Isso é o degelo.

Nota: IIS Provi,iciaks, derignago tradicional das Carr;,~escritas a uin provincial


por u i i ~ile rcils aniigos. uhr;, pul21iiica dc Pnscal.
Momento emocionante. Perigoso tambéni: pedaços de gelcira vão
derivar antes de se derreterem, por sua vez. Esse é, aliás, todo o
sentido d o incidente Denis, nós o percebemos a posteriori.
Você fala por imagens. Você poderia ser mais concreto?
As montanhas se debatiam, elas se apaziguam. A gente se virava
as costas, a gente se beija. Uma época d o espírito acaba de enve-
lhecer. A serpente da sabedoria se despoja de sua velha pele. O
urso branco vai de braço dado com a baleia, o guarda-chuva im-
portuna a máquina de costurar sobre a niesa de dessecação.
Ainda os símbolos!
Um fato. Como conscquência da "Carta clara como o dia", Jean
Laplanche mandou entregar lima caixa de Pommnrd 1988 na rua
d'Assas.
Não!
Mas é verdade. Quarta-feira de manhá. As garrafas sáo estupendas.
Você tomou o vinho?
Ainda não. Eu o beberei hoje à noite, festejando com os nove
colegas italianos que vêem a Paris para uma reunião da última
chance com o delegado geral da AMP. Essa é a nossa última
chancc de colocar em marcha uma Escola italiana d o Campo
Freudiano, antes de minha partida da Presidência da AMP em
julho próximo. O Pommard 1988 certamente ajudará a colocar a
Escola em marcha.
Você agradeceu Laplanche?
Eu lhe escrevi que cle estava quite com Lacan e que eu perdoa-
va seus pecados. Conio você pode constatar, eu não sou somente
o filho de Monte-Cristo, mas tambéni às vezes o Redentor. Eu
devo ter explodido, como disse alguém, mas então Jean Laplanche
explodiu comigo. É antes a golilha na qual nós vivíamos que ex-
plodiu e , de repente. o passado se desativa a todo o pano.
Uma andorinha n i o faz a primavera!
Primeirameiite, isso faz duas andorinhas com o outro Jeaii, de
sobrenome Allouch. E eu sei de outras andorinhas, ainda frioren-
tas, que só esperam alçar o vóo. Chegou a hora. "Ding! Dang!
Dong!" A primavera da psicanálise está chegando. Omicar ? nova
série vai publicar seu primeiro número e marcaremos o aconteci-
mento organizando em iiiarço ou abril de 2002 uni Colóqiiio ao
qual serão convidadas as "capacidades" do niovimeiito analítico,
como diziam os orleanistas, que elas sejaiii Campo Freiidiano,
não Caiiipo Freiidiano, na verdade anti-Campo Freudiano Todo
mundo não virá, sem dúvida, mas será suficiente para iniciar a
argentinização da psicanálise francesa. As associações ipeístas
francesas, S P P e AFP. sofriam d e supremacia aguda, d e
prepotência. A recente colocação em evidência do convívio ana-
lítico franco-argentino do qual eles estão niuito ausentes por en-
quanto, os obrigará infali\~elmentea entrar no jogo e os obriga
desde agora a tratar com inais consideração seus colegas latiiio-
americanos, coin quem eles têni niiiito a aprender, como nós
mesmos aprendemos muito. Vejam então o novo sue eletrônico
da SPP. Ele cobre de flores Marcio Giovaiietti. Você sabe quem
é Marcio! Não! Pois bem, eu direi a você na próxima vez. Marcio
em todo caso está muito contente,Jorge Forbes tambéni está con-
tente, e eu com eles.
A o mesmo tempo que a argentinização, a lacanização progride.
E1 CaMero de I'EOL publicará logo unia entrevista de sua direto-
ra, Silvia Bauditii, com o Presidente da Al'deBA, Asbed Aryan,
que me critica geiitilnieiite de ter dito, em iiiiia entrevista a ser
publicada na Ln Lettre mensuelle da ECF e que eu lhe havia co-
municado com antecedência, que sua associação não comporta-
va lacanianos, diferentenieiite da APA. Não é verdade, diz ele,
IAM se engana e foi mal informado. nós também temos os nossos
lacanianos, nós ensinamos Lacan, etc. Eu nie desculpo com rela-
ção a ele por ter me exprimido nial: eu conheço e respeito os
lacaniaiios da APdeBA, eii queria somente sublinhar que, tião
estando organizada em correntes, diferentemente da APA, a
APdeBA não comportava corrente lacaiiiana reconhecida. Isso
dito, eu não esqiieci qiie o Presidente da APdeBA, predecessor
de Asbed, qiie é poeta, quando ele me acolheu no magnífico
edifício de cinco andares que sua associaçáo construiu, me in-
troduziu diante de 500 pessoas (um anfiteatro de 300 lugares,
uma sala de televisão de 200), dizendo: "IAM deve saber que,
aqui, ele está em casa". Mesino descontando a parte da poesia e
da cortesia dos argentinos com relação aos franceses, que é extre-
ma, foi um grande momento para mim, eu que fui outrora "o zulu"
da psicanálise. Eu guardei o cartaz que anunciava o evento.

LAPLANCHE, CHATEAU POMMARD


ROUTE D'AUTUN, 21630 POMMARD
O único vinho d o mundo cultivado e engarrafado por um antigo
aluno de Jacques Lacaii.

Traduçác
Maria de Souza
AGÊNCIA LACANIANA D E IMPRENSA 8

COLÓQUIO ORNICAR? EM FEVEREIRO


ENTREVISTA COM JAM (04 de outubro)

COLÓQUIO ORNICAR? EM FEVEREIRO. EM PARIS


Paris, I deoutubro (ALI') - Durante :i Confersncia institiicioiial daÉcokde
la Cause freudienne que se realizou nesse Domingo pela manliã, na rue
Huysnians, Paris 6,arrondissemenr.A :] Miller nniinciou a realização de um
Colóqiiio em Paris, ein fevereiro de 2002. sob a égide deomicor! e aberto a
todas as capacidades do movimento psicanalítico francês e internacional.O
Colóqiiio se inrirulará: L'avant-[~rinrinips
de la1)sychanalyse (A pré-primavera
du psica~lise).
Paris, 02 de outubro (ALP) - Omicar!retoma sua p~iblicaçáore-
novando sua fórmula. Será iim volume semestral de aproximada-
mente 300 páginas, no forinato d o Seminário de Lacan. O pri-
meiro volunie sairá durante o Colóquio de fevereiro.
O sumário, preparado por J.-A Millcr, é o seguinte:
A o leitor
Jacques Lacaii, Hoiiieiiageni a Lewis Carroll
PSICANALISE PURA
Dominique Laurent, Desidentificação de uma mulhER.
Patrick Monribot, Erótica de Escola.
Marie-Hélène Roch. Croqui de um movimeiito.
MAL-ESTAR NA CIVILIZAÇÁO
François Regnault. Nosso objeto.
Eric Laurent, Eng~ilira pílula.
Jean-Claudc Maleval, A psicanalise suscita patologias iatrogênicas!
ESTUDOS
François Legiiil, Do estilo.
Serge Cottet, Sobre Fcrenczi.
Marie-Hélène Brousse, Da devastação

CONEXOES
Miqiiei Bassols, Raymond Lulle e a psicanálise.
Sophie Marret, Tandis qu'il l o u m i t de suffeches pensées
Aline-Sophie Janus, A prova da escada em Robert Aldrich (filial)

CL~NICA
Dominique Laurent, O fiitiiro de Aimée.
Moniyue Amirault, O caso Gaston Chaissac.
Marie-Hélène Briole, Devoradora de homem

PSICANÁLISE APLICADA
Daniel Roy, Fenômenos de corpo na psicose infantil.
Viviane Durant. Quando eii era pequeno eu me afogara.
Frariçoise Kovache, Pierre, a criança das rendas.
Dominique Jamniet, Quando isso não passa.
Maric-France Prenion, Uma falha de ponderação.
Isabelle Cordier, A síndrome Tupperware.
Catherine Vachcr, Engravidar.
Caniille Cambron. Coniplacência.
Mireille Dargelas, Um dedo cortado.
Jeari-Pierre Klotz, Estar por dentro.
Edirh Magnin, Não toque em meu TOC.
Geiieviève Bouquier, Dores inoportunas.
Anne-Marie Brossier, O s percalços de um caminliar (Le parcours
du combattant)
Jacques-Alain Miller, Conversaçáo sobre as embnilhadas do corpo.

Paris, 03 de outubro (ALP) - O Colóquio Omicar? acontecerá nos


dias 08, 09 e 10 de fevereiro próximo (sexta-feira, sábado e do-
mingo) no Palais des Congrès da Porte Maillot. Como nenhuma
sala de 2000 lugares estará disponível em Paris eni fevereiro, o
Colóquio se desenvolverá na Salte Bleue (820 lugares), 2 qual se
acrescentarão salas de televisão (400 lugares aproximadanien-
te). Scrá proposto aos diferentes grupos analíticos francescs um
certo número de lugares, para inscrições eventuais antes de uma
certa data. A mesma possibilidade será aberta a grupos estran-
geiros, pertencentes, ou não, ao Campo freudiaiio. Após essa data,
a organizaçjo irá dispor desses lugares.
A livraria do Colóqiiio colocará à venda o conjunto das pu-
blicações psicanalíticas disponíveis, assim como as publicações
psiqiiiátricas e outras que interessem à saúde mental. Será pro-
posta lima seleção das piiblicações recentes em todos os domínios
da cult~irae da ciência.
O conjunto d o Colóqiiiose desenvolverá em plenária. O módulo
das interueiiçóes será de 15 minutos. O s oradores serão coiivida-
dos a debaterem entre si e a responderem às qiiestíxs da sala. O tem-
po será dividido em seqiéncias. Dentre os temas das seqüências:
A psicoterapia não existe I De uni tratado de paz entre psicana-
listas I Que podeni os psicanalistas na sociedade e em política? I
Terrorismo e terror conformista / A família e a psicanálise 1 O medi-
camento: seus danos, seu boni uso / O psicanalista escritor.
Paris, 03 de outubro (ALI') - Anúncio das Conferências do Campo
freudiaiio 2001-2002. A pnmcira Coiiferêricia acontecerá quinta-
feira, 25 de outubro, às 20:OOh nos salões d o Lutetia, Paris, 6,
arrondissement. Ela será pronunciada por Jacques-Alaiii Miller, so-
bre uni tema a ser definido. O segundo encontro acontecerá n o
sábado, dia 17 de novembro, de 14:OOli às 19:00h nos salóes do Cm-
corde-Lafayette, Paris 17, arrondksement: duas conferências-debate.

ENTREVISTA COM J A M
Paris, 04 de outubro (ALP)

O senhor faz muitas coisas a o mesmo tempo, não é?


Muitas coisas e sempre a mesma coisa.
Quem será convidado a participar d e seu Colóquio de feve-
reiro?
Eu nao recuso ninguém, nenhum daqiieles que, qualquer qiie
seja o método, exploram o 'Continente-Freud', ou seja, a dimen-
são da experiência subjetiva aberta por Freud. Eu recuso aqueles
que tentam dar crédito à idéia de que a psicoterapia merece
existir de maneira autonoma, independentemente da psicanálise.
O q u e o senhor espera d a nova fórmula d e Ornicav??
O volume que sairá em fevereiro foi preparado durante o primei-
ro semestre d o ano. A partir d o próximo número, eu o abrirei a
todas as 'correntes' da psicanálise. na França e no mundo. O s
critérios: novidade, utilidade, clareza. rigor, estilo. O s anti-cri-
térios: repetição enfadonha, opacidade, nulidade, confusão,
verborréia. Fui formado para corrigir cópias.
E quem decide sobre a qualidade?
Eu lhe dou a resposta de Medéia: "Eu, eu - digo - c isso basta".
Há outras revistas.
O senhor falava d e uma revista mensal. Ela s e fará?
Ela se faz. 'Muito bem, Jacqiies-Alain' - me disse uma vez Roland
Barthes quando eu lhe dava os Cahiers pour l'anrilyse - 'sua revis-
ta é fina, mas pelo nienos a lemos'. A revista mensal responderá ao
módulo Barthes. Ela será endereçada aos 'não-idiotas', no sentido
da opinião esclarecida. Não será tinia revista de psicanálise como
h l c a r ! , mas uma revista parisiense, que será um dos órgãos d o
despertar dos intelectuais. Pedi à Nathalie Georges, que deixou
na última semana a direção editonal da Lettre i n m u e l k da Écolr de
ia Caicse freudienne ao final de seu mandato, que se encartegasse
de siia redação. A editora Seuil respondeu ao meu apelo e a difun-
dirá nas livrarias. A gestjo das assinaturas será assegurada pela
empresa Huysmns, que depende da ECF. O número 1 estará nas
livrarias no final de janeiro.
Uma última questáo: quem é Márcio Ciovannetti?
Márcio é o novo Presidente da Sociedade Psicanalítica de São
Paulo, a mais importante d o Brasil (ela conta com 700 membros,
e candidatos). Mas. para mim, ele é sobretudo um amigo, gra-
ças a quem pude assistir ao Congresso da IPA em Barcelona,
pois foi ele quem assinou minha demanda de inscrição. Pude
conhecê-lo à mesa de Betty e Jorge Forhes, eni São Paulo, e foi
durante esse jaiirar que surgiu a idéia de nos encontrarmos to-
dos juntos em Barcelona. Márcio foi, portanto, nosso avalista, o
de Jorge e o meu, junto da Internacional. Quando os franceses
d o Conselho executivo da IPA armaram um escândalo por cau-
sa da minha presença, o caro Márcio foi seriamente maltratado,
e muito injustanieiite, pois eu insistira para que ele tivesse car-
ta branca de seu alto protetor, que não era Horacio Etcliegoyen.
Portanto, estou bem contente que o site da SPP tenha dado
destaque para um texto de Márcio. É uma reparação muito sim-
pática pelo vexame que ele passou em Barcelona por me haver
caucionado.
Márcio acaba de assistir à terceira das quatro Conferências que
François Leguil, membro da ECF. deu essa seniana em São Paulo
a convite de Jorge Forbes, sobre o tema 'A psicanálise e as
psicoterapias'. Ele toiiiou a palavra na discussão para pronunciar
um longo comentário, dizer de seu acordo coni o orador e levan-
tar unia qiiestão que lhe parecia fuiidamental: 'O que é um psi-
canalista!'. Em seguida, ele convidou alguns nienibros da Escola
Brasileira para tomar uni drinque ein sua casa: Célio Garcia, de
Minas Gerais, Romildo do Rego Barros, do Rio, Sandra Grostein
e Márcio Peter de Souza, de São Paulo. Jorge indicou-me esta
nianhá que a disciissão teve como objeto as niinhas cartas, e as
novas funções d o próprio Márcio, que dirige, de agora em diante,
o Comitê das trocas internacionais da IPA.
Assim, o senhor tem informações sobre a IPA por todos o s
lados?
De forma alguma. A IPA ainda é niuito ciunieiita dc sua iiiti-
midade, muito Carbonara. N o Brasil, foi através de meu aniigo
Jorge Forbes que pude conhecer colegas da IPA, charniosos e
charmosas. Na Argentina, conheço, pelo intermédio de Diana
Paiilozky, os nicmbros da Sociedade de Córdoba. Em Bueiios
.Aires, conheço, na APA. Estlier Krieçer e Maria Teresa Reyes.
N o Congresso de Barcelona fui apresentado a Raquel Zak de
Godstein, aluna favorita de Willy Baraiiger, e que se tornou
uma amiga pessoal, sendo ao mesmo tempo, e há niuitos anos,
uma amiga íntima do casal Kernberg. Tive o prazer de jantar
com Abel Fainstein, o novo Presidente da APA, e sua esposa,
na casa de lima amiga comiim, Maria Leonor Solimano, da EOL,
e seu marido. Em razáo d o nome da Sra. Fainstein - Aida -
conversamos muito sobre nomes. Na APdeBA, creio poder di-
zer q u e o secretário científico da diretoria anterior, Carlos
Moguillansky, é uni amigo: selamos nossas boas relaçóes noRelais
h u i s XIII, riia do Pont-de-Lodi. Depois da Conferência que fiz.
a seu pedido, fomos convidados para jantar, minha esposa e eu,
nas magníficas dependências da Associação, com os membros
do Diretório. Havia nas paredes belas fotos dos antigos Presi-
dentes. No Colóquio Lacan, Carlos retomou coni humor o epíteto
'zoulou', coni o qual eu me deleitara. Coloco à parte meu ami-
go, e se posso dizer, meu mestre em malícia, Horacio Etchegoyen.
Ele é um debatedor de primeira classe, nunca se tem razão quan-
d o se argumenta com ele. Prefiro sempre lhe dar razáo quando
ele está presente.
Ele não e lacaniano.
Náo é de forma alguma lacaniano. E um kleiniano, formado na
Argentina, coni parte de sua análise em Londres, coni Meltzer.
Ele tcin suas idéias sobre todas as coisas desse mundo. Ele lê
Lacan, aprecia Lacan, gosta que eu lhe conte anedotas sobre
Lacan. Lacan dá, certamente, uma coloração à sua concepçáo
da psican$lise, mas ele não é lacaniano: é horaciano. Eu gostaria
de poder introduzi-lo junto ao público francês, piiblicando al-
guns de setis trabalhos. A SPP, a APF poderiam também se con-
sagrar a isso. Sua bibliografia é bastante rica: tem para todo o
mundo. E lamentável qiie ele náo seja conhecido na França.

O PRÊMIO MONSIEUR DENIS DA SEMANA


O segundo prêmio Monsieur Denis será atribuído n o próximo
boletim. A competição está acirrada.

Tradução
Yol<m<ia F. Vilela
Revisáu
Sérgio Laia
CADERNOS 0.0

A Coniissáo Matemas dos Institutos Brasileiros foi criada na ú1-


tima conversação da EBIJ coni o objetivo d e elaborar as bases
epistêniicas de uin Instituto Brasileiro, que virá evetit~ialnieiite
unificar os quatro Institutos aticaliiieiite em atividade no Brasil.
Buscaremos contribuir para que os significantes qire orien-
tem esta reflexão sobre o Uni do Instituto sejaiii aqueles articiila-
dos a unia coiiceituação consistente da relação entre Escola e
Instituto do Campo freudiano, no sentido de sua depuração em
matenia.
Coiisideranios ser uma condição fundamcntal que o trabalho
de recenseamento de textos e de elaboraçáo da comissão seja
acompanhado concretamente pela Escola e que a partir daí seja
possível a constiruiçáo de uiii espaço de reflexão e formaçáo per-
manente de cunho nacional. Trata-se de mapear a organização
dos atuais Institutos, levantar os textos sobre o Institlito e suas
relações com a Escola, resenhá-los e articulá-los visando uma
elaboração que oriente nosso esforço de reflexão. Esperamos que
este trabalho torne possível a formulaçáo de propostas práticas de
funcionamento.
Vamos publicar,on-line, os "Cadernos da Comissão Matemas",
que veicularão gradiialmeiite os resultados d o trabalho. Neste
primeiro número, além de situar o uso dos Cadernos, percorre-
nios uni certo número de textos fundamentais buscando exaniin5-
10s sob o prisma da investigação em sua relação com o ensino da
psicanálise. A partir de nossa leitura destacamos quatro eixos
que organizam os resultados. O s dois primeiros se colocam sob
forma interrogativa: Existe unia crise no ensino e na pesquisa da
psicanálhe? e O qiie é unia iiivestigaçáo psicanalítica? O s outros
dois de forma afirmativa: O analista náo deve se curvar a demanda
de saber e O analista deve propo~s01~çúe.~ para a angústia de seu
tempo. A o final deste número vocês encontrará0 a lista de textris
trabalhados, assim como Iinks para os endereços de onde podem
ser carregados.

~NDICE
I. Foucault, os hypomnemata
2. Crise no ensino e na pesquisa psicanalítica
3. O que é unia investigação?
4. O analista não precisa se curvar à demanda de saber
5. O analista propóe soluções para a angústia de sua 6poca
6. Notas e Bibliografia
I...]
Para este primeiro número a Comissão resenhou e discutiu os
textos mencionados nas notas; todas as resenhas e textos citados
estão disponíveis e m uni site especialmente criado para tal fim.

COMISSÃO M A T E M A S
Sáo Paulo
Maria Josefina Sota Fuentes
Márcio Peter Leite
Minas Gerais:
Márcia Rosa
Jésus Santiago
Bahia:
Marcela Antelo
Marcelo Veras
Rio d e Janeiro
Ana Lucia Lutterbach-Holck
Marcus André Vieira (coordenador)

3 de outibro de 2001
COMISSÃO DE PUBLICAÇÕES
ESCOLA BRASILEIRA DE PSICANÁLISE

CORREIO
revista e encarte
Redação
Vera AVellar Ribeiro
Rubricas
Textos institucionais: Rornulo Ferreira da Silva
Textos temáticos: psicanálise e medicina
Coordenação: Sara Perola Fux
Edição/Revisão
Elisa Monteiro
D i r e t o r d e Publicaçáo
Angelina Harari

ANUÁRIO
Angelina Harari
Meire Kanashiro

C A T Á L O C O DE C A R T É I S
Rlrrnulo Ferreira da Silva

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