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Sinopse:
O notável escritor e ensaísta Jorge de Sena, que prefacia e traduz esta edição da editora
“Livros do Brasil”, afirma que não se é o mesmo antes e depois de se ler esta obra. De facto,
trata-se de uma reflexão pungente, dramática sobre a condição humana, quando o indivíduo é
confrontado com dilemas extremos, que o colocam na fronteira da morte, ao serviço de ideias
com as quais identificaram o sentido das suas existências.
Nos tempos que correm, continua a ser inexplicável a forma como alguns seres humanos são
conduzidos a atitudes e comportamentos radicais, aparentemente ao serviço de ideias políticas.
No entanto, Malraux leva-nos a compreender que o que está em jogo nessas atitudes não é
uma mera ideologia política ou uma determinada luta por convicções; é todo um sentido que se
deu à existência; é um caminho que, em certas circunstâncias conduz inexoravelmente à linha
ténue que separa o matar e o morrer.
Mas detenhamo-nos um pouco no enredo desta obra. Para os activistas comunistas de Xangai,
a acção imediata, a revolução, é a única via possível para o socialismo. No entanto, Moscovo
receia a inferioridade de forças perante o poder de Chiang Kai-Chek (Xan-Kai-Xeque nesta
tradução). Para os russos, era necessário recuar estrategicamente, entregando as armas, para
que a conquista do poder pelo socialismo se fizesse de forma paulatina. Mas para os
guerrilheiros, a fome do povo e o seu sacrifício não se compadeciam com este recuo, que viam
como capitulação. Assim deflagra a guerra civil: Chiang Kai-Chek, aliado fiel dos franceses,
recorre à mais extrema violência para reprimir a revolta. Inicia-se o ciclo fechado da violência:
violência, vingança, morte. A morte atrai a morte. “Fazem-se bons terroristas dos filhos dos
executados”, diz Suan, um dos terroristas. É por isso que matar e morrer são coisas tão
próximas: quem mata, como Tchen, já morreu um pouco. O sentido da vida aproxima-se
irremediavelmente da morte.
Talvez neste ponto se encontre a melhor explicação para o “instinto” suicida dos
revolucionários: quem procura o absoluto, o imortal, aproxima-se da morte, procura-a.
E quando não se acredita numa causa, acredita-se numa mulher. Porque o coração tem de
comandar a vida. Diz Hemmelrich, um dos revolucionários, com ironia: “se é preciso ser
sempre comido, antes por elas”.
No fundo todo o homem aspira a superar a condição humana: a ser Deus; a dominar ou
influenciar; a ter poder para modificar algo. Por vezes, a violência deixa de ser apenas uma
forma de vingança; é já um sentido definido da existência, uma forma de superar a condição
humana. Quando Hemmelrich vê a filha e a mulher mortos e esquartejados, pensa em
vingança. Mas o sentido profundo dessa atitude é o amor: “podemos matar com amor”. É a
confluência entre o amor e o ódio, entre o amor e a morte, entre o concreto e a intemporalidade.
A fronteira ultrapassável entre o homem e Deus.
Entretanto, o velho Giors vai fumando ópio para não pensar: “todos sofrem e cada um sofre
porque pensa”.
Referência bibliográfica
Malraux, André, 1901 - 1976
A condição humana / André Malraux; tradução e prefácio de Ivo Barroso. - 3ª ed. –
Rio de Janeiro: Record, 2009.
317p.
Tradução de: La condition humane
ISBN 987-85-01-05082-3
Romance francês. I. Barroso, Ivo. II.Título
“Você quer fazer do terrorismo uma espécie de religião?”, pergunta Souen a Tchen em “A
Condição Humana” (1933), de André Malraux. Souen continua: “Eu sou menos inteligente
que você, Tchen, mas para mim… para mim… não. (…) É pelos nossos que eu combato, não
por mim”. Tchen retruca: “Para os nossos você não pode fazer coisa melhor do que decidir
morrer. A eficácia de nenhum homem pode ser comparada àquela do homem que escolheu
isso”. Mais tarde, Tchen vai levar a cabo o seu ataque suicida contra Chiang Kai-shek: “Dar
um sentido imediato ao indivíduo sem esperança e multiplicar os atentados, não por uma
organização, mas por uma idéia: fazer renascerem os mártires. (…) Tchen apertou a bomba
sobre seu braço com conhecimento de causa. (…) O carro do general estava a cinco metros,
enorme. Ele correu na sua direção com uma alegria extática, se lançou por cima dele, com
os olhos fechados”.
Ler, reler André Malraux é quase uma obrigação nestes tempos. A história não acabou, como
previam alguns, e poucos, como o escritor francês, puderam retratar com tanto vigor os
conflitos entre o indivíduo e a história, a associação política e a decisão moral, os atos da
vontade e a fatalidade dos fatos. O centenário de seu nascimento, no próximo dia 3 de
novembro, é também um bom pretexto para voltar a sua obra. Outro ainda é o que o Mais!
oferece agora ao leitor, com a publicação de um desconhecido e apaixonado texto do crítico
e escritor Paulo Emílio Salles Gomes sobre Malraux. O texto de Paulo Emílio (1916-1977) é
uma longa resenha a respeito da mais célebre biografia do escritor francês: “André Malraux –
Une Vie dans le Siècle” (Uma Vida no Século), feita pelo jornalista Jean Lacouture. Foi escrita
em 1973, ano em que a editora Seuil publicou o livro na França. No mesmo estilo que Paulo
Emílio consagraria em suas críticas de cinema, a resenha é simultaneamente um apanhado
extensivo da vida de Malraux, uma análise de sua obra, de seu perfil moral e político e uma
crítica propriamente dita ao livro de Lacouture.
Radiografia do terrorismo
A Folha conversou com Lacouture em Paris a respeito de um dos elementos que hoje
aparecem com mais força na obra do escritor: a sua observação radiográfica do terrorismo e
da violência da história. Para o biógrafo, Malraux, que morreu em 1976, já tinha consciência
do que aguardava o mundo nestes dias. “Ele acreditava em duas coisas: que o mundo é
transformado pela violência e que a religião teria papel bastante importante no século 21″,
afirma Lacouture, hoje com 80 anos.
A escritora Lygia Fagundes Telles, que foi casada com Paulo Emílio, conta que Malraux era
uma das grandes admirações do crítico. “Ele adorava “A Condição Humana”. Achava que
ninguém havia falado com tanta precisão no romance sobre os dramas dos revolucionários.
Paulo conheceu Malraux em Paris. Tinha um exemplar do livro com dedicatória”, diz Lygia.
Malraux teve simpatias pelo socialismo, lutou ao lado dos comunistas contra Hitler e junto
com os republicanos espanhóis contra Franco, mas nunca aderiu ao marxismo. “A Condição
Humana” conta as ações secretas dos comunistas na China e a insurreição armada
promovida por eles em Xangai, em 1927.
Paulo Emílio, por sua vez, foi desde a juventude um marxista que iria se inclinar pelo
trotskismo. Por conta de sua militância, foi preso aos 19 anos, no bojo das perseguições
feitas após o fracasso da Intentona Comunista (1935). Protagonizou uma fuga sensacional
do presídio do Paraíso, em São Paulo, com 16 outros detentos, através de um túnel de dez
metros. Exilou-se em Paris, onde passou dois anos. Nesse período, revela Lygia, Paulo Emílio
foi analisado por Jacques Lacan. “Mas ele não gostaria que eu contasse isso.”
Segundo a escritora, Paulo Emílio identificava as suas atribulações políticas com aquelas por
que passou Malraux -muito mais trágicas e aventurosas, aliás, como a sua tentativa de
roubo de peças arqueológicas do Camboja, pelo que também foi preso e passou um ano no
cárcere oriental. “Paulo falava muito da vida do Malraux, dos dramas que viveu, de sua fibra.”
Lygia define, porém, a fascinação de Paulo Emílio pelo escritor como “contraditória”. “Ele
lamentava o fascínio que Malraux tinha pelo poder, o seu envolvimento com o Estado francês
do pós-guerra. Paulo era um trotskista muito rigoroso e, para ele, Malraux teria traído a
causa socialista”, conta a escritora.
A escritora Lygia Fagundes Telles, que foi casada com Paulo Emílio, conta que Malraux era
uma das grandes admirações do crítico. “Ele adorava “A Condição Humana”. Achava que
ninguém havia falado com tanta precisão no romance sobre os dramas dos revolucionários”,
diz
Não foi só ele que pensou assim. Uma nova biografia publicada na França, “André Malraux –
Une Vie” (ed. Gallimard), do jornalista Olivier Todd, enfatiza o anti-comunismo do escritor e
revela, a partir de documentos da antiga KGB (o serviço secreto soviético), que os russos
planejavam matá-lo durante a Guerra Civil Espanhola, por julgá-lo próximo demais dos
anarquistas.
Lygia não se lembra por que o texto de Paulo Emílio permaneceu inédito, mas talvez seja
esse o motivo: foi escrito em pleno governo Médici (1969-1974), quando o regime militar de
64 vivia a sua fase mais repressiva. Sem descuidar do personagem nem da biografia, Paulo
Emílio procura no livro os temas que lhe interessam no momento. Sua desmontagem do mito
Malraux é também uma forma de afrontar o poder instituído. Seu comentário sobre a tortura,
ao final do texto, é um protesto contra as práticas do regime militar brasileiro e contra o
terrorismo de Estado.
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* Fonte: Folha de S. Paulo, Mais, 28.10.2001. Disponível
emhttp://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs2810200105.htm