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Apresentação
Objetivos
Movimento Argumentativo
Os movimentos argumentativos, como sabemos, definem a direção geral
de uma argumentação, sinalizando o posicionamento do sujeito em relação aos
argumentos que lhe são expostos. Este posicionamento pode ser de
concordância, parcial ou total, como também refutação de uma dada
proposição, assim, no processo de argumentação é preciso a transformação de
estados de julgamento do interlocutor. Para tanto, faz-se necessário que se
organize, do estado de pensamento 1 ao estado 2 (E1 E2), um movimento
argumentativo global, ou seja, uma escolha e uma articulação dos argumentos
por meio de conectores específicos que determinem a orientação e a força
argumentativas. É necessário atentar para o fato de que a presença de um
movimento argumentativo global presente num texto, não exclui a participação
de outros movimentos no interior desse mesmo texto. Podemos ter um texto
com um propósito argumentativo de refutação, mas encontrarmos presentes
nesse mesmo texto, os movimentos de aprovação ou concessão localizados,
dependendo de como se efetivou a estruturação argumentativa do texto.
Certamente um dos movimentos vai prevalecer, mas não impossibilita a
presença de outro movimento.
Para tanto, três movimentos de argumentação podem ser estabelecidos:
o primeiro, o movimento de aprovação, consiste em reforçar a proposição
inicial por meio de argumentos; o segundo, o movimento de refutação, que se
passa da formulação de uma contra-argumentação à afirmação de uma
argumentação e o terceiro, o movimento de concessão, fundamenta-se na
existência de uma contradição aparente que será resolvida. Veremos a seguir
cada um destes movimentos separadamente.
MOVIMENTOS ARGUMENTATIVOS
MOVIMENTO DE
APROVAÇÃO
MOVIMENTO DE
REFUTAÇÃO
MOVIMENTO DE
CONCESSÃO
a negação
alguns lexemas: você cometeu erros, ledo engano, você deve estar
enganado, mas isso não confere...
Exemplo 1
O projeto da reserva de vagas aprovado pelo Senado tem tudo para receber a
aprovação popular. Dá a impressão de resolver uma grave injustiça social e parece
mesmo que equilibram ricos e pobres nas universidades públicas, que vêm sendo
descritas ultimamente como um universo de privilegiados. Entretanto ele nada resolve
e muito menos equilibra; ao contrário, multiplica os problemas e amplia, se não
aprofunda, as discriminações. Poderia, neste curto espaço, afirmar que o projeto fere a
autonomia universitária, garantida em Constituição. Pouco adiantaria esse argumento
num país que deixa a educação superior transformar-se em negócio, e negócio
movido pelo ânimo exclusivo do lucro. A visão estreita do que seja ensino superior
público costuma abolir as diferenças, como se a homogeneização das universidades,
desde o acesso dos estudantes, as fortalecesse como provedoras do mercado.
Qualquer pessoa medianamente informada sabe qual vai ser, em futuro muito
próximo, o custo de tamanha estreiteza: o agravamento das assimetrias entre o Brasil
e os países mais avançados, o aprofundamento da dependência, a cultura reflexa (que
nada tem de “cultura”) etc. Subdesenvolvimento vai ser pouco. O projeto, se
consolidado, vai castigar todas as famílias que, a contragosto e, na maior parte, com
sacrifícios, foram compelidas a matricular os filhos em escolas privadas de ensino
fundamental e médio, por acreditar que, nestas, a instrução de boa qualidade se alia a
processos formativos integrais e totalizantes, desenvolvidos em ambiente saudável e
seguro. Os perfis socioeconômicos dos matriculados em universidades públicas e
disponíveis nestas mostram com clareza essa opção forçada que os pais fizeram por
saberem ou sentirem que nessas universidades o ensino será de melhor qualidade,
porque nelas se cultiva ainda a ideia de que devem ser o lugar dos melhores alunos.
Infelizmente, o projeto demonstra, por vias travessas, a falência do ensino público
fundamental e médio; mais ainda, dá sinais de descrença em todos os projetos do
governo que formulam a possibilidade de recuperação desses níveis de ensino.
Propondo-se a reserva de vagas, confirma-se o desconhecimento que muitos políticos
têm das universidades públicas. Imaginam eles que as universidades são fábricas de
profissionais demandados pelo mercado. Esquecem-se das funções que as
universidades públicas desempenham com diferentes grau e natureza, por razões
históricas e geográficas; esquecem-se principalmente, no quadro dessas funções,
daquela que as centraliza no Brasil: a pesquisa científica e tecnológica. Como abrigar
alunos fora das exigências de qualidade? Fazendo isso, não se estará praticando o
inverso do pretendido pelo projeto, ou seja, não se estará aumentando o índice (já
elevado) de evasão de alunos? Que tal um projeto de investimento maciço e
necessariamente prioritário na qualidade do ensino público fundamental e médio? Se
isso ocorresse – e estou convicto de que as universidades públicas se empenhariam
na sua concretização –, em pouco tempo teríamos estudantes egressos de escolas
públicas competindo em pé de igualdade com os das escolas privadas nos processos
seletivos para o ensino superior; e, depois de mais algum tempo, a desvantagem seria
do outro lado, a começar do fato de que poucas escolas privadas subsistiriam. Que
famílias iriam procurá-las se o ensino público gratuito fosse de boa ou de melhor
qualidade?
Antônio Manoel dos Santos Silva, 57, professor de literatura brasileira, é reitor da Universidade
Estadual Paulista (UNESP) e presidente do Conselho de Reitores das Universidades Estaduais
Paulistas (CRUESP).
Fonte: “A lei dos crimes hediondos deve ser revogada?” (Folha de São Paulo - 3 out.
1999). Acesso: 30 de junho de 2013.
“O projeto da reserva de vagas aprovado pelo senado tem tudo para receber a
aprovação popular. Dá a impressão de resolver uma grave injustiça social”.
2º momento
Coloca-se em dúvida a validade dos argumentos: após
parecer concordar parcialmente, ocorre a refutação da ideia,
através de uma negação frontal:
1
As análises aqui expostas foram adaptadas do artigo intitulado: A refutação no gênero artigo de opinião,
de Clemilton Lopes Pinheiro, Revista Letras, Curitiba, n. 65, p. 173-189, jan./abr. 2005. Editora UFPR,
3º momento
Apresenta-se novo argumento em favor de uma nova
conclusão, na tentativa de influenciar o posicionamento do
leitor: apresenta um primeiro argumento que poderia justificar a
refutação, mas o próprio locutor assume que esse argumento não
é pertinente para o caso. O fato de o locutor refutar o próprio
argumento constitui uma forte estratégia argumentativa.
4º momento
Apresentação de uma sequência de argumentos colocando
em discussão a verdade das proposições emitidas: se o
projeto “fere a autonomia universitária, garantida em
Constituição”, e isso não serve como argumento que justifique a
sua reprovação é porque esse projeto trará para o país
consequências muito mais sérias. Ao longo do texto, o locutor vai
apresentando outras justificativas para sua refutação:
Fonte: “A cobrança de pedágio urbano é uma boa alternativa para o trânsito?” (Folha
de São Paulo – 9 out. 1999). Acesso: 30 de junho de 2013.
Fonte: Adaptado de: VIGNER, G. Écrire pour convaincre: observer... s’antraîner... écrire.
Paris Hachette Livre, 1996, p. 54-69.
Não sei por que razão a abdicação de Bento XVI causou tanta surpresa; embora
excepcional, não era algo imprevisível. Bastava vê-lo, fragilizado e como perdido no
meio das multidões nas quais sua função obrigava que ele submergisse, fazendo
esforços sobre-humanos para parecer o protagonista destes espetáculos obviamente
estranhos ao seu temperamento e vocação. Diferentemente do seu predecessor, João
Paulo II, que se movia como um peixe n'água entre essas massas de fiéis e curiosos
que o papa congrega em todas as suas aparições, Bento XVI parecia totalmente
alheio a esses faustos gregários que constituem tarefas imprescindíveis do pontífice
na atualidade. Desse modo compreende-se melhor sua resistência a aceitar a cadeira
de São Pedro que lhe foi imposta pelo conclave, há oito anos, e à qual, como ficamos
sabendo agora, nunca aspirou. Só abandonam o poder absoluto com a facilidade com
que ele acaba de fazê-lo aqueles raros indivíduos que, em vez de cobiçá-lo,
depreciam-no.
Não era um homem carismático nem um comunicador, como Karol Wojtyla, o papa
polonês. Era um homem de biblioteca e de cátedra, de reflexão e de estudo,
seguramente um dos pontífices mais inteligentes e cultos que a Igreja Católica teve
em toda a sua história. Numa época em que as ideias e as razões importam muito
menos que as imagens e os gestos, Joseph Ratzinger já era um anacronismo, pois
pertencia ao grupo mais seleto de uma espécie em extinção: o dos intelectuais.
Refletia com profundidade e originalidade, respaldado por uma enorme informação
teológica, filosófica, histórica e literária, adquirida na dezena de línguas clássicas e
modernas que dominava, entre elas latim, grego e hebraico. Embora concebidos
sempre dentro da ortodoxia cristã, mas com um critério muito amplo, seus livros e
encíclicas ultrapassavam com frequência o estritamente dogmático e continham
reflexões inovadoras e ousadas sobre os problemas morais, culturais e existenciais do
nosso tempo que leitores ateus podiam ler com proveito e, muitas vezes - como
aconteceu comigo - com profunda perturbação. Seus três volumes dedicados a Jesus
de Nazaré, sua pequena autobiografia e suas três encíclicas - sobretudo a segunda,
Spe Salvi, de 2007, dedicada à análise da natureza bifronte da ciência que pode
enriquecer de maneira extraordinária a vida humana, mas também destruí-la e
degradá-la - têm um vigor dialético e uma elegância expositiva que as destacam
nitidamente entre os textos convencionais e redundantes, escritos para os convictos,
que, há muito tempo, o Vaticano costuma produzir.
Período de crise. Bento XVI viveu num dos períodos mais difíceis enfrentados pelo
Cristianismo em seus mais de 2 mil anos de história. A secularização da sociedade
avança a largos passos, principalmente no Ocidente, cidadela da Igreja até poucas
décadas atrás. Esse processo se agravou com os grandes escândalos de pedofilia nos
quais estão envolvidas centenas de sacerdotes católicos, que parte da hierarquia
protegeu ou tratou de ocultar e continuam se revelando em toda parte, ao lado das
acusações de lavagem de dinheiro e de corrupção que atingem o Banco do Vaticano.
O furto de documentos perpetrado por Paolo Gabriele, o próprio mordomo e homem
de confiança do papa, trouxe à luz as lutas ferozes, as intrigas e os obscuros enredos
de facções e dignitários da Cúria Romana que o poder tornou inimigos.
Ninguém pode negar que Bento XVI respondeu a esses desafios descomunais com
valentia e determinação, embora sem sucesso. Ele fracassou em todas as suas
tentativas, porque a cultura e a inteligência não bastam para se orientar no labirinto da
política terrena e para enfrentar o maquiavelismo dos interesses criados e os poderes
fáticos no seio da Igreja, outro ensinamento trazido à luz nesses oito anos de
pontificado de Bento XVI, que foi descrito, com toda justiça, pelo jornal L'Osservatore
Romano como "um pastor rodeado por lobos".
Mas é preciso reconhecer que, graças a ele, o reverendo Marcial Maciel Degollado, o
mexicano de antecedentes satânicos, recebeu por fim um castigo oficial na Igreja e a
congregação fundada por ele, a Legião de Cristo, que até então havia recebido apoios
vergonhosos na mais alta hierarquia vaticana, está sendo reformulada. Bento XVI foi o
primeiro papa a pedir perdão pelos abusos sexuais em colégios e seminários
católicos, a se reunir com associações de vítimas e a convocar a primeira conferência
eclesiástica com a finalidade de colher o testemunho das próprias vítimas e de
estabelecer normas e regulamentos com o propósito de evitar a repetição no futuro de
semelhantes iniquidades. Mas também é certo que nada disso bastou para apagar o
desprestígio trazido para a instituição, pois constantemente continuam aparecendo
inquietantes sinais de que, apesar das diretivas dadas por ele, em muitos lugares, os
esforços das autoridades da Igreja ainda são orientados a proteger ou dissimular os
crimes de pedofilia que são cometidos, mais que a denunciá-los e puni-los.
Tampouco tiveram aparentemente muito sucesso os esforços de Bento XVI para pôr
fim às acusações de lavagem de dinheiro e de transações criminosas do Banco do
Vaticano. A expulsão do presidente da instituição, Ettore Gotti Tedeschi, próximo da
Opus Dei e protegido do cardeal Tarcisio Bertone, por "irregularidades de sua gestão",
decidida pelo papa, bem como sua substituição pelo barão Ernst von Freyberg,
ocorrem tarde demais para impedir os processos judiciais e as investigações policiais
já em andamento. Relacionadas, aparentemente, a operações comerciais ilícitas e
transações que alcançariam cifras astronômicas, só contribuirão para corroer a
imagem pública da Igreja e confirmar que, no seu interior, o terreno predomina às
vezes sobre o espiritual, e no sentido mais ignóbil do termo.
Conservador. Joseph Ratzinger pertencia ao setor mais progressista da Igreja durante
o Concílio Vaticano 2.º, no qual foi assessor do cardeal Frings e onde defendeu a
necessidade de um "debate aberto" sobre todos os temas, mas logo foi se alinhando
com a ala conservadora. Posteriormente, como prefeito da Congregação para a
Doutrina da Fé (a antiga Inquisição), foi um adversário decidido da Teologia da
Libertação e de toda forma de concessão em temas como a ordenação de mulheres, o
aborto, o casamento homossexual e até mesmo o uso de preservativos que, em algum
momento do seu passado, havia chegado a considerar admissível.
Evidentemente, isso fazia dele um anacronismo dentro do anacronismo que a Igreja se
tornou. Mas suas razões não eram tolas nem superficiais e os que a rechaçam devem
procurar entendê-las, por mais extemporâneas que nos pareçam. Estava convencido
de que, se a Igreja Católica começasse a se abrir para as reformas da modernidade,
sua desintegração seria irreversível e, em vez de abraçar a sua época, entraria em um
processo de anarquia e deslocamentos internos. Tudo isso acabaria transformando-a
em um arquipélago de seitas em luta entre si, algo semelhante às igrejas evangélicas,
algumas circenses, com as quais o catolicismo compete cada vez mais - e sem muito
sucesso - nos setores mais deprimidos e marginais do Terceiro Mundo. A única
maneira de impedir, em sua opinião, que o rico patrimônio intelectual, teológico e
artístico fecundado pelo Cristianismo se dilapidasse em uma barafunda revisionista e
em uma feira de disputas ideológicas seria preservando o denominador comum da
tradição e do dogma, embora significasse que a família católica foi se reduzindo e
marginalizando cada vez mais em um mundo devastado pelo materialismo, pela
cobiça e pelo relativismo moral.
Veredito. Julgar até que ponto Bento XVI agiu de maneira acertada ou não a esse
respeito é algo que, evidentemente, cabe apenas aos católicos. Mas nós, não crentes,
não deveríamos festejar como uma vitória do progresso e da liberdade o fracasso de
Joseph Ratzinger no trono de São Pedro. Ele não só representou a tradição
conservadora da Igreja como também sua melhor herança: a da ilustre e
revolucionária cultura clássica e renascentista que, não podemos esquecer, a Igreja
preservou e difundiu, por meio de seus conventos, bibliotecas e seminários, a cultura
que impregnou o mundo com ideias, formas e costumes que acabaram com a
escravidão e, distanciando-se de Roma, tornaram possíveis as noções de igualdade,
solidariedade, direitos humanos, liberdade e democracia, impulsionando
decisivamente o desenvolvimento do pensamento, da arte, das letras e contribuindo
para acabar com a barbárie e para promover a civilização.
A decadência e a vulgarização intelectual da Igreja evidenciada pela solidão de Bento
XVI e a sensação de impotência que aparentemente o rodearam nesses últimos anos
são sem dúvida fatores primordiais de sua renúncia e um vislumbre inquietante de
quão incompatível nossa época seja com tudo o que representa vida espiritual,
preocupação pelos valores éticos e vocação pela cultura e pelas ideias.
TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA
MARIO VARGAS LLOSA, ESCRITOR PERUANO, RECEBEU O PRÊMIO NOBEL DE
LITERATURA EM 2010.
Fonte: Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticia_imp.php?req=impresso,embora-
excepcional-renuncia-do-papa-nao-era-imprevisivel-,1000742,0.htm> Acesso em: 28 fev. 2013.
“Bento XVI viveu num dos períodos mais difíceis enfrentados pelo
Cristianismo em seus mais de 2 mil anos de história.”
Leitura complementar
Para maior aprofundamento sobre os movimentos argumentativos, você
pode fazer a leitura da seguinte obra:
CHARAUDEAU, Patrick. Modo de organização argumentativo. In: ____.
Linguagem e discurso: modos de organização. São Paulo: Contexto, 2009.
Na obra, Patrick Charaudeau apresenta de forma mais completa os
modos de organização do texto argumentativo.
Resumo
A renúncia e as ruínas
O ato renunciante de Bento XVI exibe, para a legião de católicos em todo o mundo,
grito de alerta e um espasmo de esmorecimento. É como se alguém dissesse: “Não
suporto mais!” A retidão ética e a resistência ortodoxa, traços marcantes na história de
sua personalidade, impedem de levar adiante o mandato vitalício. Bento XVI, ao
anunciar, em caráter irrevogável, a renúncia, sutilmente, no melhor estilo germânico,
recatado, produz a abertura necessária ao questionamento do que, realmente, ocorre
nos subterrâneos das muralhas do Vaticano, extensivo às arquidioceses espalhadas
pelo mundo.
A mídia brasileira, ciente de ter diante de si, por estatística, a maior população de
católicos no mundo, sem levar em conta de que os reais praticantes são bem menos,
adota uma postura oscilante: uma pauta mista entre a sugestão de denúncia do
renunciante e informações quanto ao possível sucessor. Nossa mídia adora uma
média! Para ela, o que importa é não perder leitores nem audiência. A verdade fica em
segundo plano.
O manto da hipocrisia
É insólito o fato histórico de, no centro pulsante do coração de Roma, haver um
Estado independente: República de San Marino. Ocorrência similar não se verifica no
judaísmo, no islamismo, menos ainda, na vertente cristã do protestantismo. Não
abordaremos, aqui, as razões históricas (ou histéricas) que firmaram o fato. Basta o
registro dele. Ao instalar-se o Estado autônomo, foi aberto o portal para práticas
delituosas, seja no plano moral, seja no âmbito econômico-financeiro, a exemplo do
escândalo que, há décadas, envolveu o Banco Ambrosiano.
É claro que matérias jornalísticas, publicadas em diversas partes do mundo, trazem
conteúdos cuja origem só pode provir de fontes internas do Vaticano. Sexo e
corrupção vêm à tona. De quem jornalistas extraem tais informações? Não será Bento
XVI a declará-las. Não, ele não quer mais desgastes. Para tanto, usou a frase: “Não
tenho mais força!” A que força Bento XVI se referiu? Física ou política? As crescentes
denúncias de corrupção e de desvios sexuais, dentro e fora das fronteiras do Vaticano,
deixam claro que a razão é política. O papa não está vendendo barato sua renúncia.
Deixa, para o sucessor, pesado fardo. O enfrentamento ou a cumplicidade silenciosa.
Enfim, a renúncia de Bento XVI envia uma mensagem, sem negociações: ou a igreja
católica assume uma estratégia de varredura, eliminando todas as vergonhas de
ordem sexual e econômico-financeiras, ou terá de se expor a sucessivos desgastes de
sua credibilidade.
Qual foi o impasse subjetivo de Bento XVI para, com sua ortodoxia, não mais levar
adiante sua função vitalícia? A rigidez germânica de suas convicções ortodoxas. Com
a renúncia, ele diz ao sucessor: “Por favor, promova as transformações necessárias!”
Quais? A principal delas, no mundo de hoje, é a de liberar o clero para constituir
família, a exemplo do que Martin Lutero, há séculos, entendeu ser a solução.
Estatísticas são reveladoras: quantos casos de desvios sexuais ocorreram na vertente
cristã protestante, em confronto com as denúncias de perversão sexual nas hostes
católicas? A diferença é assombrosa. A razão que instituiu o celibato, na Idade Média,
foi de ordem econômica. Foi o modo encontrado pelo Vaticano para manter controle
rígido e receita garantida sobre cada paróquia no mundo. Somente os mais crédulos
ainda creem que não houve união carnal entre Jesus e Madalena. Não há, portanto,
nenhum fundamento religioso, capaz de condenar uma relação amorosa.
A hipocrisia mórbida (contra si) e perversa (contra o outro) que, ainda, rege o
imaginário falido do Vaticano precisa, urgentemente, ser aniquilada. Que o sucessor
tenha a coragem e força para libertar o corpo de futuras gerações de cônegos, padres,
bispos, cardeais e papas de uma “prisão” que violenta as leis da natureza. Se o
Vaticano não libertar corpos, perderá mentes. Remover o manto da hipocrisia é a
palavra de ordem. Se, assim, não for, haverá de multiplicarem-se as ruínas, até as
muralhas se desmancharem de vergonha.
***
[Ivo Lucchesi é ensaísta, articulista, doutor em Teoria Literária pela UFRJ, professor titular de
Linguagem Impressa e Audiovisual da FACHA (RJ)]
Disponível em: <observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed735_a_renuncia_e_as_ruinas>
Acesso em 28/02/2013 12:03:42
Referências