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m ó d u l o

Ana Maria Serra - Ins titut o de Terapia Cognitiva São Paulo-SP

Objetivo: aprimorar os conhecimentos de estudantes


e profissionais da Psicologia sobre a Terapia Cognitiva.
Elaboração: Ana Maria Serra, PhD.
ITC – Instituto de Terapia Cognitiva, São Paulo-SP

transtornos alimentares
dependência química
organizações
Coordenação: Claudia Stella, Psicóloga Clínica,
Doutora em Educação, Docente em Psicologia e
Editora da revista Psicologia Brasil.
Módulos: oito módulos que serão publicados em
revistas seqüenciais.

Conteúdo dos módulos:

1 Introdução à Terapia Cognitiva

2 Conceitos e preconceitos sobre Terapia Cognitiva

3 Terapia Cognitiva e Intervenção em Crise


Terapia Cognitiva e Depressão
Terapia Cognitiva e Suicídio

4 Terapia Cognitiva e Transtornos de Ansiedade


Tópicos especiais em Terapia Cognitiva aplicada aos Transtornos
de Ansiedade, TOC (Transtorno Obssessivo-Compulsivo), Fobias,
Transtorno de Pânico, TEPT (Transtorno de Estresse
Pós-Traumático), Ansiedade Associada à Saúde

5 5 Terapia Cognitiva e Dependência Química


Terapia Cognitiva e Transtornos Alimentares
Terapia Cognitiva nas Organizações

6 Terapia Cognitiva com Casais e Famílias


Terapia Cognitiva com Crianças e Adolescentes
Terapia Cognitiva e Prevenção de Depressão em
Crianças e Adolescentes

7 Terapia Cognitiva e Transtornos de Personalidade


Terapia Cognitiva e Esquizofrenia
Terapia Cognitiva e Transtorno Bipolar

8 Resistência em Terapia Cognitiva


Terapia Cognitiva com pacientes difíceis
A aliança terapêutica em Terapia Cognitiva
Questões relacionadas a treinamento em Terapia Cognitva
TERAPIA COGNITIVA DA continuar abstinente. É nessa área que as técnicas
DEPENDÊNCIA QUÍMICA da TC padrão para ansiedade e depressão são
Cory Newman, PhD aplicáveis, conforme ilustrado em estudos nos quais
Tradução: Carla Andrea Serra a sua aplicação no tratamento da dependência
Revisão da Tradução: Ana Maria Serra, PhD química foi diferencialmente eficaz para pacientes
A terapia cognitiva (TC) pode representar uma que eram também depressivos. Da mesma forma,
importante aliada no tratamento de pacientes alguns pacientes tentam aumentar os seus
dependentes, especialmente se habilmente sentimentos positivos com álcool e outras drogas, a
combinada com farmacoterapia e terapia de fim de celebrar, mas também (talvez) para evitar o
apoio em grupo. seu medo de enfrentar sua vulnerabilidade em um
estado sóbrio.
Este estudo focalizará as habilidades adquiridas
em TC e os meios pelos quais estas podem ser Crenças disfuncionais sobre drogas, e a
utilizadas no tratamento do abuso de substâncias respeito de si mesmo em relação a drogas
e da dependência química. Terapeutas cognitivos ajudam pacientes a acessar
O modelo da TC para a dependência química, e modificar suas crenças errôneas sobre as
descrito por Beck, Wright, Newman & Liese substâncias psicoativas. Algumas dessas crenças
(1993), expõe sete principais áreas potenciais de mal-adaptativas relacionam-se às próprias
intervenção, que são descritas a seguir. substâncias, como, por exemplo, quando pacientes
acreditam que “você não se torna um alcoólatra
Situações de alto risco, externas e internas apenas por tomar cerveja” e “cocaína é segura
Aos pacientes é prescrita a tarefa de avaliar as se você cheirá-la e não fumá-la”. Outras crenças
“pessoas, lugares e coisas” que eles associam ao disfuncionais referem-se às relações do paciente
seu uso de drogas. Essas são as situações externas com as drogas, como, por exemplo, “se eu parar
de alto risco, com as quais os pacientes devem de tomar drogas, não terei mais amigos”. Talvez
tentar limitar o seu contato. Exemplos podem incluir as crenças mais difíceis de abordar são aquelas
o primo com quem o paciente injetava heroína que são sugestivas de um diagnóstico duplo, como,
(“pessoas”); a esquina onde costumava comprar por exemplo, o paciente que acredita “eu sou uma
suas pílulas (“lugar”), e o cachimbo especial que má pessoa e não mereço ter uma vida normal,
costumava utilizar para consumir crack (“coisas”). por isso não me importo se estragar a minha vida
Os pacientes são encorajados de forma ativa a ou morrer”. Intervenções em TC devem focalizar
estruturar suas vidas, a fim de que possam evitar não somente o uso de drogas pelo paciente, mas
ao máximo esses estímulos externos de alto risco. também sua baixa auto-estima, desamparo e
Terapeutas cognitivos ensinam seus pacientes a tendência suicida.
estarem conscientes de seu processo de tomada
de decisões, a fim de que possam planejar o seu Pensamentos automáticos que aumentam
dia de forma deliberada, a fim de maximizar ordem a fissura e intenção de utilizar drogas
e previsibilidade, e reduzir as chances de contato Esses são os pensamentos e imagens instantâneos
“acidental” com altos riscos externos. Entretanto, que os pacientes têm em situações, nas quais
nem todos estes estímulos são perfeitamente teriam a oportunidade de consumir álcool ou
evitáveis, e os pacientes terão de aprender outras drogas. Freqüentemente, estes são
habilidades de enfrentamento que os ajudarão a se pensamentos breves e exclamatórios, tais como
manterem abstinentes, mesmo se tiverem contato “quem se importa?”, ou “preciso de algo agora”.
inadvertido com tais estímulos. Tais pensamentos levam a um aumento na ativação
Os estados de humor do paciente representam do sistema nervoso autônomo do paciente (por
suas situações internas de alto risco. Muitos exemplo, suor, respiração pesada) e a um aumento
pacientes são intolerantes a desconfortos e na fissura pela substância química. Em TC, os
tentarão anestesiá-los com álcool e outras drogas, pacientes são ensinados a reconhecer a sua
na tentativa de não se sentirem ansiosos, sozinhos, tendência a esses pensamentos automáticos, bem
deprimidos, entediados, culpados, envergonhados como a preparar “respostas” para eles, a fim de
ou bravos. Esses estados internos precisam reduzir a fissura, relaxar e poder refletir com mais
ser gerenciados através de medidas cognitivas cuidado sobre a situação.
e comportamentais apropriadas, a fim de que Fissuras fisiológicas
o paciente possa maximizar suas chances de Essas são sensações fisiológicas que geram
uma sensação desconfortável e não resolvida 1. só usarei um pouquinho;
de “ativação” ou “apetite”, motivando o indivíduo 2. ninguém ficará sabendo dessa vez;
a alterar seu estado mental através do uso de 3. tenho-me comportado bem há um bom tempo,
substâncias psicoativas (Newman, 2004). Muitos portanto agora eu mereço “ficar alto” (usar
pacientes acreditam que não podem enfrentar sua drogas);
fissura e que não “têm escolha”, a não ser satisfazer 4. só vou testar-me para ver se agora consigo
seu desejo. Estão erroneamente convencidos de dominar a vontade de usar essa droga.
que seus desejos irão aumentar perigosamente e
Essas crenças favorecem o uso da droga e,
atingir o ponto de um “breakdown” mental ou físico,
conseqüentemente, atuam como uma grave
em que a “única saída” para seu alívio é render-se
ameaça à sobriedade, mesmo em pacientes que
aos desejos e à vontade de beber e usar drogas.
expressam desejar tratamento para abandoná-la.
Os terapeutas cognitivos educam seus pacientes
Para contra-atacar essas crenças de permissão,
sobre a natureza cíclica (não linear) de sua fissura
pacientes em TC precisarão desenvolver respostas
(Newman, 1997), indicando que a fissura alcança
racionais claras, não-ambíguas e bem treinadas, que
um ponto máximo e então diminui por si mesma.
favorecem a abstinência. Essas respostas podem
Pacientes podem ajudar-se a si mesmos, enquanto
ser escritas em cartões ou praticadas verbalmente
esperam que sua fissura diminua, aprendendo
em forma de “role-play” com o terapeuta. Exemplos
uma técnica conhecida como “distrair e adiar”,
de respostas racionais (às crenças disfuncionais
na qual eles desviam sua atenção a uma lista
acima) são:
de tarefas significantes e de alta prioridade
1. Não existe somente um único “uso”. Este levará
(por exemplo, retornar ligações importantes) ou
a mais “usos”, que significarão problemas.
prazeres pequenos e não-aditivos (ouvir música),
2. Saberei que usei e isso me perturbará e outros
até que os desconfortáveis desejos e compulsões
descobrirão de qualquer forma.
diminuam naturalmente.
3. Necessito manter minha sobriedade. Mereço
Os pacientes aprendem que, cada vez que permitem uma vida melhor e não retornar a usar drogas.
à fissura seguir seu curso natural, sem “satisfazê-la”
4. Testar-me é uma armadilha para o fracasso. O
com álcool ou outras drogas, eles estão sendo bem
verdadeiro teste é continuar nesta linha, que já
sucedidos na redução da força média de fissuras
completa 35 dias.
futuras, através de um aumento gradual no domínio
sobre elas. Entretanto, os pacientes devem ser Rituais e estratégias comportamentais
alertados de que certas situações de alto risco generalizadas, associadas ao uso de drogas
ocasionalmente causarão desejos e compulsões Quando terapeutas formulam uma conceituação
de, por exemplo, reforçar uma bebida com álcool. cognitiva do caso de seus pacientes dependentes,
Nesses casos, devem ter prontamente à mão eles também avaliam os rituais comportamentais
um plano de enfrentamento e podem necessitar nos quais os pacientes se envolvem, associados
estar preparados para contatar seu sistema de ao seu uso de álcool e outras drogas. Esses
apoio de emergência. comportamentos podem ocorrer no âmbito social
Crenças de permissão que os pacientes (por exemplo, ir a um bar específico em um certo
utilizam para justificar o uso de drogas horário da noite), e/ou no âmbito individual ( montar
sua parafernália para uso da droga no banheiro,
Freqüentemente os pacientes lutam contra o
com o chuveiro ligado e a porta fechada). As
conflito psicológico referente à escolha de beber
intervenções nessa área têm como objetivo evitar,
e usar drogas ou de se abster. Eles querem lutar
abortar, interromper ou contra-atacar o progresso
em direção à meta da abstinência, mas também
de tais rituais. Isto tipicamente envolve uma grande
querem reduzir a dor da retirada da substância
dose de motivação, a fim de re-estruturar suas
e voltar a experienciar as alterações mentais
rotinas, a fim de que as aquisições de álcool e
associadas aos efeitos de drogas ilícitas. Uma
outras drogas se tornem o mais inconveniente
das formas mal-adaptativas que os pacientes
possível. Por exemplo, os pacientes podem
utilizam para resolver esse conflito é por meio
comprometer-se a esvaziar suas casas de álcool,
de suas crenças de permissão, em que eles dizem
drogas e equipamentos relacionados a drogas; a
a si mesmos que não há problema em beber e usar
estruturar sua rotina diária para que estejam em
drogas essa vez. Exemplos dessas crenças
companhia de pessoas sóbrias; e a estar sempre
de permissão são:
em contato com outros, comunicando onde estão.
Reações psicológicas adversas a exposição a comportamentos disfuncionais de
a lapsos e recaídas pares relativos à alimentação, as dificuldades nas
Caso o paciente recaia no uso de drogas, ele ainda relações interpessoais, e outros aspectos, se
terá a oportunidade de limitar o dano e fazer conjugam e resultam na instalação e manutenção
um novo compromisso de manter a sobriedade. desse tipo de transtorno. Aspectos comuns às
Infelizmente, suas fissuras agora serão mais várias modalidades de TA’s referem-se a dietas
fortes, suas funções cerebrais executivas estarão rigorosas; pensamentos recorrentes sobre comida,
afetadas e muitas de suas crenças disfuncionais sobre forma e peso corporais; perda de controle
serão ativadas (por exemplo, “sou um fracasso sem sobre a alimentação; medo mórbido de engordar,
esperanças e nunca me recuperarei”). A despeito regras rígidas e, eventualmente, transtornos
disso, o uso de álcool e drogas compreende emocionais (depressão, ansiedade) e orgânicos
muitas decisões distintas, qualquer das quais (distúrbios hidroeletrolíticos, cardiológicos e
poderá referir-se a uma auto-instrução para parar. dentários), estes especialmente associados aos
Conseqüentemente, é errôneo para os pacientes comportamentos purgativos e à desnutrição, que
acreditar que eles não podem parar de beber ou podem ocasionar até a morte do portador.
de usar drogas, uma vez que tenham começado; Os TA’s compreendem a anorexia nervosa
um lapso que os leva a beber e usar drogas não (AN), a bulimia nervosa (BN) e o transtorno de
necessariamente se tornará uma completa “binge” (TB), também denominado transtorno de
recaída. Os pacientes em TC aprendem a estudar compulsão alimentar. Este último tem sido descrito
seus lapsos, ao invés de sentir-se desamparados. recentemente na literatura, sendo caracterizado
Eles registram dados a respeito de seus lapsos, por episódios recorrentes de compulsão alimentar,
o que usaram, quanto, quem os acompanhava, durante os quais uma quantidade grande de
quais foram suas “crenças de permissão”, como alimento é consumida em tempo curto, não
se sentiram etc. Esses dados constituirão uma satisfazendo, porém, os critérios de dieta excessiva
parte importante da agenda da sessão seguinte, e preocupação excessiva com forma e peso
de modo que o paciente possa aprender lições corporais, característicos dos diagnósticos de AN e
importantes de seu lapso. Os pacientes aprendem BN. A obesidade, por sua vez, é classificada como
que a abstinência é o seu melhor resultado, e um transtorno médico e não como a manifestação
que os lapsos não devem ser tratados como uma principal de um transtorno psicológico, o qual, caso
catástrofe. Ao contrário, seus efeitos prejudiciais se apresente, requer tratamento psicoterápico, à
podem ser limitados, desde que o paciente utilize semelhança dos demais TA’s.
seus recursos de enfrentamento e se comprometa Quanto à incidência, os TA’s afetam cerca de 3%
novamente com o programa de tratamento. da população no Brasil, cerca de 8 milhões de
americanos e aproximadamente 70 milhões de
TERAPIA COGNITIVA E pessoas ao redor do mundo. 90% dos portadores
TRANSTORNOS ALIMENTARES de algum tipo de TA são mulheres entre 12 e 25
Ana Maria Serra, PhD anos. Cerca de 30% dos adultos obesos sofrem de
O tema da TC aplicada aos transtornos alimentares transtorno de compulsão alimentar. A ocorrência
(TA’s) é apresentado em seguida ao tema da TC de TA’s entre homens vem aumentando, afetando
aplicada à dependência química graças a que os hoje cerca de 1% da população masculina nos EUA.
modelos cognitivos específicos para ambos os Estimativas de ocorrência de alguma forma de TA’s
transtornos têm importantes características em entre atletas são particularmente preocupantes
comum. As crenças de permissão, que desempenham e indicam uma taxa de incidência que varia entre
um papel decisivo na instalação e manutenção da 15 e 60%. A taxa de mortalidade para portadores
dependência química, também exercem uma forte de transtornos alimentares é maior do que para
influência nos processos cognitivos de tomada de qualquer outro transtorno psicológico.
decisão dos portadores de TA’s. Com relação a comorbidades, além de quadros
Os TA’s referem-se a severas perturbações no associados de depressão, ansiedade e dependência
comportamento alimentar, que podem levar química, um terço dos anoréxicos tem transtornos
ao emagrecimento extremo ou à obesidade. de personalidade evitativa e 40% dos bulímicos têm
Constituem uma manifestação bio-psico-social, em personalidades borderline. O transtorno obsessivo
que a genética, o estresse, a baixa auto-estima, compulsivo (TOC) apresenta-se associado a 60%
a pressão cultural para a forma corporal magra, dos casos de AN e a 33% dos casos de BN, e
estudos reportam transtornos de personalidade mas não proporcionam o alívio do afeto negativo; ao
narcisista e evitativo entre os portadores de TA’s. contrário, o agravam, resultando na manutenção
Modelo cognitivo dos TA’s dos transtornos. No caso da AN, o foco excessivo
Distorções cognitivas refletem uma característica em forma e peso, bem como a insatisfação
proeminente nos TA’s, sendo consideradas, pela continuada decorrente, estão associados também
TC, como a característica central dessa forma de ao afeto negativo como causa e efeito. Porém,
psicopatologia. Para a TC, especialmente a AN e a no caso da AN, a psicopatologia cognitiva e os
BN são consideradas transtornos cognitivos. efeitos da desnutrição são vistos como realização
e não como um problema, o que igualmente
As distorções cognitivas apresentam-se
perpetua o quadro. Em conseqüência, enquanto
freqüentemente associadas ao perfeccionismo e
que os portadores de BN e TB apresentam-se
pensamento dicotômico, que resultam em: foco
motivados para a terapia, os portadores de AN
excessivo em alimentos e dietas; rigidez e dietas
não reconhecem sua necessidade de tratamento,
muito restritivas; idéias radicais de que pequenas
resultando em que o foco sobre a promoção da
transgressões em regras e dietas auto-impostas
motivação para a terapia torna-se com freqüência a
são interpretadas como graves violações, ou seja,
primeira meta terapêutica.
qualquer coisa aquém de “controle perfeito” não
tem valor. O modelo cognitivo enfatiza o papel das Trataremos, abaixo, de aspectos cognitivos e gerais
crenças disfuncionais do paciente sobre si, sobre referentes a cada modalidade dos TA’s.
peso e forma corporais, sobre o papel desses Aspectos gerais e cognitivos
aspectos na determinação do valor pessoal do da Bulimia Nervosa (BN)
indivíduo, sobre alimentos, sobre autocontrole e BN, dentre os transtornos alimentares, conta
disciplina, sobre expectativas culturais e sociais com o maior volume de literatura que aponta para
etc., que resultam em estratégias compensatórias a eficácia de TC, inclusive com a proposição em
tais como perfeccionismo, rigidez, monitoramento 1993, por Fairburn, do Oxford Manual para seu
constante e controle excessivo. Conforme dito tratamento. Os sintomas mais característicos
acima, as crenças de permissão (por exemplo, da BN incluem: consumir uma quantidade
“estou triste, portanto mereço comer”, “comerei objetivamente excessiva de alimentos em um
hoje, mas amanhã retomarei uma dieta ainda mais período de tempo limitado, em forma de episódios
rigorosa”, “portei-me tão bem por uma semana que periódicos compulsivos, mantidos em segredo;
posso comer o que quiser hoje” etc.) têm um papel preocupação constante e exagerada com
fundamental na manutenção dos quadros de TA’s. comida, forma e peso; condutas inapropriadas
O paciente resolve o conflito entre, por exemplo, para compensar a ingestão excessiva a fim de
iniciar ou não um episódio de “binge” através de evitar o aumento de peso, tais como o uso de
uma permissão para prosseguir, a qual atua como laxantes e diuréticos, vômitos auto-induzidos,
uma “desculpa” temporária. A permissão resulta de jejum ou exercícios físicos excessivos; culpa e
uma avaliação de fatores a favor e contra a decisão vergonha desses comportamentos, que procuram
de comer compulsivamente, avaliação que enfatiza ocultar. Fatores cognitivos e emocionais podem
metas de curto prazo em detrimento de metas desencadear um episódio de compulsão, tais como:
de médio e longo prazo, conduzindo a sentimentos cognições relacionadas a peso, forma do corpo e
posteriores de culpa e fracasso, que exacerbam o alimentos; queda de humor; estressores ambientais,
afeto negativo e perpetuam o quadro de transtorno. especialmente de ordem interpessoal; ou ainda,
O afeto negativo, freqüentemente associado aos fome após um período de restrição alimentar ou
TA’s, e resultante das distorções cognitivas e dieta excessivamente rigorosa. Contudo, o alívio
da ativação das crenças disfuncionais, garante obtido através da ingestão alimentar é rapidamente
perpetuação do quadro através de dois círculos substituído por culpa, queda da auto-estima, auto-
viciosos. No caso da BN e da TB, o primeiro círculo crítica, e o desamparo decorrente da percepção de
refere-se à queda de humor, que encoraja o episódio auto-controle reduzido ou ausente, e depressão.
de compulsão alimentar, o qual, por sua vez, Magreza e perda de peso são valores idealizados,
favorece cognições que denotam arrependimento, em cuja busca os pacientes bulímicos se envolvem
desgosto consigo e medo redobrado de ganhar continuamente. A auto-estima é em grande
peso, exacerbando o humor negativo. No segundo parte baseada em termos de forma e peso, em
círculo vicioso, comportamentos pugativos muitos casos porque esses aspectos do auto-
compensam o “binge” ou episódio de hiperfagia, conceito são social e facilmente reforçados e
parecem aos portadores mais “controláveis” do a exacerbação da dependência da forma e do
que outros aspectos de suas vidas. Os pacientes peso para a manutenção, mesmo falsa, de uma
têm fundamentalmente um autoconceito negativo, auto-imagem positiva; o isolamento social eleva a
que os leva a sentirem-se, sempre, insatisfeitos preocupação consigo e intensifica o foco em peso e
consigo, o que, por sua vez, incentiva a importância forma.
exagerada devotada à aparência e ao peso, o Alguns indivíduos acham que têm um excesso de
conseqüente uso de estratégias compensatórias peso global. Outros percebem que estão magros,
para alcançá-los, a culpa e auto-recriminação mas ainda assim se preocupam com o fato de
posterior, que implicam em autoconceito ainda mais certas partes de seu corpo, particularmente
negativo, em forma de uma espiral descendente em abdômen, nádegas e coxas, estarem “muito
direção à depressão. gordas”. O ganho de peso é percebido como
A forma do pensamento do portador de BN é um inaceitável fracasso do autocontrole. Eles
rígida e inflexível, características que se originam a tipicamente negam as sérias implicações de seu
partir de suas tendências perfeccionistas (critérios estado de desnutrição e não se percebem como
demasiado altos e não realistas de expectativas, e tendo um problema. Ao contrário, percebem
insatisfação profunda quando falham em alcançá- sua perda de peso como uma conquista e uma
los) e dicotômicas (pensamento extremista ou “tudo demonstração de intensa autodisciplina. Devido
ou nada”). Pequenas transgressões a suas rígidas a esse aspecto, é comum que o portador de AN
regras alimentares ou à dieta, inevitáveis dado o se apresente resistente a receber tratamento.
caráter perfeccionista das mesmas, são vistas Quando busca tratamento espontaneamente,
como graves, levando a um padrão de alternância isto geralmente ocorre em razão do sofrimento
entre restrições à alimentação e episódios de subjetivo acerca das seqüelas somáticas e
comer compulsivamente. Por fim, é comum a psicológicas da inanição, e não propriamente de
associação da BN, especialmente do tipo purgativo, uma queixa referente à perda de peso.
com transtornos de personalidade, especialmente O tratamento basicamente consiste em: buscar
evitativo e borderline. a flexibilidade nos hábitos de alimentação e nas
idéias sobre seu corpo, e desafiar os critérios do
Aspectos gerais e cognitivos
portador a respeito de peso e forma corporais;
da Anorexia Nervosa (AN)
focalizar o autoconceito negativo, na intenção
A AN é caracterizada pela busca de um peso de elevar a auto-estima do paciente; abordar as
corporal abaixo do mínimo aceito como normal, crenças disfuncionais sobre padrões culturais de
considerados idade e altura, e obtido basicamente beleza, suas próprias medidas, muitas vezes
através da redução do consumo alimentar e de super-estimadas, e a importância da saúde; e,
dietas severas. Mas o portador pode também finalmente, desenvolver habilidades de resolução
recorrer a métodos purgativos e ao exercício físico de problemas, com relação à dieta rigorosa,
excessivo como meio de redução do peso. Envolve isolamento social, problemas interpessoais, uso de
ainda um temor mórbido de ganhar peso; perda substâncias psicoativas etc.
intensa de peso em um período relativamente curto
de tempo; distorções na percepção de forma e Aspectos gerais e cognitivos do Trastorno
tamanho corporais, mas sem atingir o nível de um de Binge (TB) ou de Compulsão Alimentar
transtorno dismórfico; sentimento de culpa ou auto- O TB resulta do emprego de uma dieta em
depreciação quando come; mudanças de humor, que os pacientes restringem a alimentação de
como irritabilidade, tristeza e insônia; e amenorréia. forma estereotipada e inflexível, o que resulta
A mortalidade a longo prazo, superior a 10%, em uma pressão fisiológica contínua para comer.
devido especialmente à inanição e desequilíbrios Caracteriza-se por episódios recorrentes de
hidroeletrolíticos, é maior do que em qualquer outro orgias alimentares, também chamadas de
quadro de transtorno psicológico. “hiperfagias” ou “binge”, porém sem a presença
Certos efeitos psicológicos e fisiológicos da dos comportamentos de controle exagerado de
desnutrição observados na AN concorrem para a peso que caracterizam a AN e a BN, tais como
manutenção do quadro: a preocupação excessiva comportamentos purgativos, exercício físico
com pensamentos sobre comida e comer exagera excessivo e dietas excessivamente restritivas.
preocupações sobre alimentar-se; a queda do Além disso, e ao contrário dos quadros de AN e
humor intensifica a auto-avaliação negativa e BN, não se observa a ênfase excessiva em forma
e peso corporais. Quando os portadores de TB sobre os TA’s, o qual se mantém através do tempo.
se mostram preocupados com forma e peso Especialmente no caso da BN, a TC mostra um
corporais, sendo que muitos entre eles estão impacto positivo sobre todos os aspectos de sua
significantemente acima do peso, essa preocupação psicopatologia. Finalmente, estudos sugerem
geralmente não tem a mesma intensidade e grave a superioridade da TC quando comparada a
significado pessoal dos portadores de AN e BN. outros tipos de tratamento, psicoterápicos e
Além disso, ao contrário de portadores dos demais farmacoterápicos.
TA’s, os hábitos alimentares dos pacientes com TB
são relativamente normais, exceto pelos episódios
TERAPIA COGNITIVA NAS ORGANIZAÇÕES
de “binge”, os quais parecem estar associados
Ana Maria Serra, PhD
a humor depressivo ou ansioso, e a distorções Conforme visto anteriormente, o modelo cognitivo
cognitivas que refletem perfeccionismo, rigidez e de personalidade e funcionamento humano postula
pensamento dicotômico. As crenças de permissão que as nossas crenças, através dos processos de
também desempenham um papel importante na representação e significação do real, influenciam
manutenção do quadro de TB, ao concorrer para os nossas respostas emocionais e comportamentais.
episódios de “binge”. Durante esses episódios, três Este estudo apresentará uma proposta para
dos seguintes indicadores devem estar presentes: aplicação de conceitos, estratégias e técnicas
comer muito mais rápido do que o normal; comer cognitivos na esfera organizacional.
até se sentir desconfortavelmente farto; comer No contexto corporativo ou organizacional em
grandes quantidades, mesmo sem fome; comer em geral, as crenças de indivíduos sobre o real
segredo e com vergonha da quantidade; e sentir-se interno e externo, e as cognições pré-conscientes
culpado ou deprimido após o episódio. a elas associadas, são de grande importância
na determinação do comportamento desses
Implicações para Tratamento
indivíduos e de sua produtividade, influenciando sua
O tratamento cognitivo compreende basicamente competência, motivação e autoconfiança. Deve-se
três estágios: Primeiro, apresentação do notar que esses fatores – competência, motivação
modelo cognitivo, automonitoramento de e autoconfiança, ou otimismo – representam os
hábitos alimentares, aplicação de técnicas três ingredientes para o sucesso em qualquer área
comportamentais para o estabelecimento de realização, incluindo a profissional.
de hábitos alimentares regulares, bem como
Segundo Martin Seligman, indivíduos
a psicoeducação do paciente sobre seu
continuamente constroem hipóteses sobre as
transtorno e sobre o modelo. Segundo, uma
regularidades do real, as quais lhes permitem a
vez obtida a instituição de hábitos alimentares
representação de contingências e os habilitam a
saudáveis, associada à redução na dieta, nessa
exercer controle sobre o real interno e externo. Os
fase enfatiza-se também a intervenção sobre
estilos de atribuição, segundo essa visão, refletiriam,
distorções cognitivas, crenças disfuncionais,
portanto, a maneira pela qual indivíduos tendem a
atitudes e valores autodepreciativos. Os focos das
explicar sucessos e insucessos. Em outras palavras,
intervenções cognitivas mais freqüentes são o
estilos individuais de atribuição de sucessos e
autoconceito negativo, as crenças de permissão,
fracassos a diversos fatores refletiriam a tendência
as crenças disfuncionais relativas a incapacidade
predominantemente otimista ou pessimista
e inadequação, as estratégias compensatórias,
desses indivíduos. Deve-se notar que os estilos
especialmente refletindo rigidez, perfeccionismo
de atribuição, ou, em última análise, o otimismo
e busca permanente de controle, bem como os
ou o pessimismo, podem ser medidos através de
comportamentos compensatórios. As relações
questionários ou de análise de conteúdo.
interpessoais também demandarão intervenção
Os estilos de atribuição variam segundo três
cognitiva e abordagem de resolução de problemas.
dimensões: personalização, abrangência
No terceiro estágio, promove-se a manutenção das
e permanência. Com relação à dimensão
mudanças e plano de acompanhamento, visando
personalização, as pessoas podem fazer
o gerenciamento de indicações de recaídas e sua
atribuições, ou explicar eventos, de forma interna
prevenção. Note-se que, no caso particular da AN, a
(atribuindo-os a si) ou externa (atribuindo-os a
motivação para a terapia necessitará ser abordada
outros). A dimensão abrangência, por sua vez,
antes dos demais objetivos terapêuticos.
refletiria atribuições abrangentes ou específicas. E,
Estudos indicam um impacto importante da TC
por último, a dimensão permanência se referiria a
atribuições permanentes ou temporárias. Note-se cognitiva, encorajando a adoção de crenças mais
que as pessoas têm formas diferentes, segundo funcionais. Os programas compreendem ainda a
as três dimensões, para explicar sucessos e introdução do conceito de estilos de atribuição,
fracassos. Otimistas tenderiam a atribuir sucessos as dimensões dos estilos de atribuição, sua
a fatores internos, abrangentes e permanentes, aplicação a situações específicas, profissionais e
enquanto que atribuiriam fracassos a fatores pessoais, finalizando pela integração de estratégias,
externos, específicos e temporários. Por outro lado, planejamento do programa de mudança, e
pessimistas tenderiam a atribuir sucessos a fatores generalização de ganhos e prevenção de recaídas.
externos, específicos e temporários, enquanto Os processos de treinamento incluem:
que atribuiriam fracassos a fatores internos, questionamento socrático, discussão em grupo,
abrangentes e permanentes. auto-observação, experimentação e atividades
No contexto corporativo ou organizacional, individuais e em grupo. O formato das sessões,
estudos indicam que os estilos de atribuição inclui: revisão do seminário anterior, discussão da
correlacionam-se com: suscetibilidade à depressão tarefa de casa, introdução ao tópico de seminário,
clínica e à doença orgânica, ao risco de recaída atividades individuais e/ou em grupo, feedback e
em depressão, à motivação e desempenho em discussão, sugestão e definição das tarefas de
educação e esportes, e à satisfação no trabalho e, casa, resumo da sessão, e avaliação pelos
especificamente, ao desempenho em vendas, na participantes de suas reações à sessão.
esfera ocupacional. Comparado à TC individual, o programa de re-
treinamento em estilos de atribuição, no campo
Programas de re-treinamento de estilos
ocupacional, envolvendo dois terapeutas oferecendo
de atribuição na área organizacional
21 horas a 12 sujeitos, é cerca de 50 vezes mais
Estilos de atribuição podem ser modificados. eficaz, encorajando esforços similares no contexto
Através de programas de re-treinamento em estilos corporativo.
de atribuição podemos transformar pessimistas em
otimistas. Esses programas têm como objetivos:
aumentar a satisfação no trabalho; melhorar a
qualidade do relacionamento interpessoal; melhorar
o estado intrapessoal dos indivíduos, reduzindo a
depressão e a ansiedade, quando presentes; reduzir
o “turnover”; reduzir a baixa persistência; e, de Ana Maria Serra
forma geral, melhorar o desempenho operacional PhD em Psicologia e Terapeuta Cognitiva
de indivíduos nas organizações. pelo Institute of Psychiatry da Universidade
Esses programas têm, tipicamente, a duração de Londres, Inglaterra. Presidente
de 21 horas. São estruturados de forma a incluir Honorária da ABPC – Associação Brasileira
7 seminários de 3 horas cada, à razão de um de Psicoterapia Cognitiva. Diretora do ITC
seminário por semana. Incluem tarefas entre – Instituto de Terapia Cognitiva, que atua
sessões, destinadas a possibilitar a experimentação nas áreas de clínica, pesquisa, consultoria
e a aplicação de novas estratégias. O conteúdo do e treinamento de profissionais, oferecendo
programa, apresentado durante os seminários, regularmente Cursos e Palestras, dentre
assemelha-se muito à proposta clínica na área da os quais um Curso de Especialização em
TC, ou seja: introdução ao modelo cognitivo e ao Terapia Cognitiva credenciado pelo CFP
conceito de pensamentos automáticos negativos; – Conselho Federal de Psicologia.
definição de metas e estratégias; planejamento de
E-mail: itc@itc.web.com
tarefas; gerenciamento de tempo; identificação de
Site: www.itc.web.com
pensamentos automáticos negativos e técnicas
para modificá-los; a noção e as categorias de
Cory F. Newman
erros cognitivos típicos; acesso a crenças básicas
disfuncionais e promoção da re-estruturação Diplomado em Psicologia Comportamental
pelo Conselho Americano de Psicologia
Profissional. Diretor Clínico do Centro de
Terapia Cognitiva. Professor Associado de
Psicologia em Psiquiatria. Membro Fundador
© Ana Maria Serra, PhD.
Todos os direitos reservados. Publicação e reprodução da Academia de terapia Cognitiva.
exclusivamente mediante autorização expressa da autora.

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