Poetica
Material Teórico
Gêneros Poéticos e a Compreensão da Poesia
Revisão Textual:
Profa. Ms Silvia Augusta Albert
Gêneros Poéticos e a Compreensão da Poesia
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Unidade: Gêneros Poéticos e a Compreensão da Poesia
Contextualização
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Uma Breve Retomada da Noção de Gênero
Na visão clássica, gêneros são diversas produções artísticas que, essencialmente, obedecem
aos seguintes critérios: o da forma – se são dispostos em verso ou em prosa; o dos conteúdos –
se são objetivos ou subjetivos; o da composição – se são expositivos, representativos ou mistos
(expositivos/representativos) (TAVARES, 1989).
O que se percebe aqui é uma preocupação em se cuidar daquilo que é considerado produção
artística, ou, nos nossos termos, produção literária. Entretanto, se tomarmos por base outros
elementos, essa discussão, evidentemente, será ampliada.
Para Trask (2004), devemos considerar gêneros como uma variedade de texto historicamente
estável, provida de traços distintivos evidentes. Ele salienta que o conceito de gênero é comum,
pelo menos, à linguística, à antropologia e à crítica literária.
O fato fundamental a respeito de um gênero é que ele tem alguns traços distintivos,
pontualmente identificáveis, que o opõe marcadamente a outros gêneros. Esses traços
permanecem estáveis por um período de tempo considerável. Na maioria dos casos, um
gênero particular também ocupa um lugar bem definido na cultura do povo que o utiliza.
Nessa visão, gênero não se restringe a um segmento da sociedade, mas está presente em
toda a relação humana.
Tendo em vista isso, Maingueneau (2007), voltando-se para o corpus literário, aponta que
a categoria dos gêneros é definida a partir de critérios situacionais. Essa categoria designa,
na realidade, dispositivos de comunicação sócio-historicamente definidos, concebidos
habitualmente com a ajuda das metáforas do “contrato” – acordo situacional --, do “ritual” –
instituição social -- ou do “jogo” – ação/interação entre sujeitos. Ele acrescenta:
A essa enumeração feita pelo autor podemos acrescentar o foco de nossos estudos desta
disciplina: os textos poéticos. Tais textos, assim como os demais, sofreram transformações sócio-
históricas, mas preservaram certas características peculiares, que servem aos contextos em que
estiveram e estão inseridos.
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O diálogo que podemos promover com Maingueneau (2007), Trask (2004) e Tavares
(1989) envolve o seguinte problema: gêneros são formas relativamente estáveis, marcadas de
historicidade, que servem como ligações nas relações sociais. Ora, se, tomarmos por base essa
ideia, considerando, inclusive, que as produções artísticas (literárias) estão incluídas nessa trama
social, podemos afirmar que tais produções, em certo sentido, estão relacionadas às nuances
comunicativas, com um acréscimo: tais textos têm cunho expositivo/representativo, já que a
poesia implica exposição dos sentimentos de um sujeito ou a representação da realidade por
meio de uma linguagem metafórica.
Trocando Ideias
Quando se fala em representação dos sentimentos de um sujeito ou a representação da realidade por
meio de linguagem metafórica, deve-se considerar que esse tipo de linguagem pressupõe o uso de
figuras de e de recursos expressivos e que, geralmente, não estão presentes na linguagem do dia a
dia ou, se estão, não são usados de forma intencional. Essa questão será discutida mais amplamente
na unidade III, por meio da análise do texto “Metáfora”, de Gilberto Gil.
Isso posto, trataremos a seguir, mais precisamente, de alguns exemplos de gêneros literários
de forma poética. Vamos lá?
Com o intuito de ilustrar nosso percurso pela poética, vejamos alguns exemplos de
gêneros poéticos consagrados ao longo da história de acordo com Tavares (1989) e com
Goldstein (2006):
a) Balada; deriva do francês arcaico ballade. Inicialmente, foi concebida como um poema
que, acompanhado por música, deveria ser cantado durante um baile. Sendo assim, não
é raro concebê-la como uma forma fixa medieval derivada de uma canção apropriada
à dança. No aspecto literário, a balada surgiu no século XIII. A balada também pode
ser concebida como um “cantar de feição narrativa, que girava em torno de um único
episódio, de assunto histórico, melancólico, fantástico ou sobrenatural. Na verdade, trata-
se de uma forma mista, pois reúne elementos de “poesia, dramática e lírica bem como de
narrativa” (MOISÉS, 2004 , p. 50). A balada francesa é composta de três estrofes com oito
versos, três oitavas com uma finda, ou seja, uma estrofe de menor extensão. Geralmente,
as estrofes terminam com um estribilho ou refrão, como se denominam os versos que se
repetem ao final de cada estrofe ou em intervalos regulares de uma composição poética.
Olavo Bilac, escritor Parnasiano do século XIX, escreveu quatro baladas em sua coletânea
Alma Inquieta. Abaixo você poderá ler uma delas como exemplo:
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Branca...
Vi-te pequena: ias rezando
Para a primeira comunhão:
Toda de branco, murmurando,
Na fronte o véu, rosas na mão.
Não ias só: grande era o bando...
Mas entre todas te escolhi:
Minh’alma foi te acompanhando,
A vez primeira em que te vi.
Repare que o escritor substitui o estribilho ou refrão pela expressão “que te vi”. A
característica da balada, ainda que varie quanto à forma, é a musicalidade. Às vezes
encontramos textos que os autores denominam baladas que se caracterizam pela
musicalidade, pela simplicidade e pelo lirismo.
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MOTE ALHEIO
VOLTAS SUAS
Campo, que te estendes
com verdura bela;
ovelhas, que nela
vosso pasto tendes:
d’ ervas vos mantendes
que traz o Verão,
e eu das lembranças
do meu coração.
O mote é a primeira estrofe, no caso do texto temos o mote alheio, que provavelmente foi
proposto ao poeta por outra pessoa. Há casos que o próprio poeta cria o mote. A partir dele, o
sujeito desenvolve as voltas, que são as estrofes feitas para glosar o mote, ou seja, desenvolvê-
lo. A maestria do poeta revela-se na capacidade de concluir cada volta com o último verso do
mote. Nesse caso, “do meu coração”.
c) Ode: termo originário do grego odé e do latim õde (ou õda), era, originalmente, um poema
destinado a ser cantado. Poderia representar qualquer forma de canto alegre ou triste ou
a própria ação de cantar. Era, na antiguidade clássica, um poema lírico, normalmente
extenso, e de assunto tido como elevado e nobre, expressando sentimentos de maior sorte,
em celebração de algum evento especial. Transcendendo os sentimentos ricos, a ode tinha,
também, como principais características a elaboração estrófica, bem como formalidade e
nobreza no tom e no estilo, o que a tornavam algo com caráter cerimonioso. A seguir
transcreveremos um fragmento de uma Ode de Luís de Camões.
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Tão suave, tão fresca e tão fermosa
Lemos (1987) chama atenção para um subgênero da ode, o hino, que seria uma espécie de
ode “que celebra uma divindade ou um ideal cívico, patriótico, ou religioso” (p. 748). Assim como
a ode, o hino desenvolve os temas com pensamentos sublimes e os apresenta com entusiasmo.
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“pelo menos três gêneros literários, talvez relacionados entre si, mas
afinal muito diferentes: a canção provençal, a canção italiana ou clássica
e a canção romântica. A primeira está representada entre nós pelos
poemas cultos dos trovadores galego-portugueses. A segunda é uma
criação do Renascimento, e foi cultivada em Portugal desde o século XVI
até o século XVIII. A terceira consiste num poema simples, expressivo
quase sempre dum destino (Canção do Órfão de Junqueiro) ou duma
condição (Canção do Exílio de Gonçalves Dias)” (p.140).
Segue como exemplo o fragmento de uma canção Renascentista, de Camões, Junto ao fero
e estéril monte:
e) Madrigal: forma italiana de origem popular da primeira metade do século XIV. Até o
final do século XV, o madrigal teve uma forma fixa: era constituído por versos decassílabos
rimados, dois ou três tercetos seguidos por um ou dois dísticos. Em Portugal, o gênero
perde a forma fixa e dedica-se a assuntos breves e, geralmente, amorosos, uma espécie de
confissão de amor.
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Transcreveremos a seguir um madrigal de Silva Alvarenga. Caso você queira ouvi-lo, acesse o site:
https://www.youtube.com/watch?v=V95-luNb-Gc
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Já vistes sobre o mar formando giros
D’aves ligeiras turba graciosa?
Assim vagam nos ares mil suspiros,
Ó Glaura venturosa;
Mas se queres piedosa
Recolher o que leva as minhas dores;
Não chames os que são de várias cores,
Nem verdes, nem azuis, nem cor de rosa;
Chama aquele que já cansado gira,
Que expira de ternura,
E as asas roxas tem de mágoa pura.
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Perceba o tom triste, solene, que percorre todo o texto, reflexo do estado de espírito do sujeito poético.
g) Idílio: é o poema lírico em que o eu-poético expressa uma homenagem à natureza e às belezas
e às riquezas que ela dá à humanidade: “pequeno poema em que se representa, idealizada,
a vida rústica” (MARTINS, 1987, p. 453). É o poema bucólico, ou seja, que exprime o desejo
de lograr, ou seja, de usufruir, de gozar, dessas belezas e riquezas ao lado da amada (pastora),
que enriquece e embeleza ainda mais a paisagem, espaço ideal para a paixão.
O fragmento a seguir é um idílio composto pelo poeta português Manuel Maria Barbosa du
Bocage. Repare como ele idealiza a natureza por meio do retrato do amor puro das aves que contrasta
com a situação em que se encontra o pastor Elmano e a pastora Anália, que têm inveja dos pássaros.
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h) Égloga ou pastoral: é um poema em forma de diálogo ou de solilóquio, ou seja, o
monólogo, o ato de falar consigo mesmo, sobre temas rústicos. Seus intérpretes são, de
modo geral, pastores. Do mesmo Bocage, podemos encontrar a seguinte égloca, em que
há uma contextualização do cenário bucólico que é sucedida pelo diálogo entre os pastores
Elmano e Francino:
FRANCINO
Que tens, Elmano? Que fatal desgosto
Banha de tristes lágrimas teu rosto?
Tu, que, ainda ha brevíssimos instantes,
Te aclamavas feliz entre os Amantes,
Logrando mil carinhos, mil favores
De Urselina gentil, dos teus Amores,
Vens tão choroso, tão aflito agora!
Ah! Conta-me a paixão, que te devora,
Das ânsias tuas o motivo explica:
Comunicado o mal, mais brando fica.
ELMANO
Ai de mim! Venho louco, estou perdido.
Oh peito ingrato! Coração fingido!
Oh desumana, oh bárbara Pastora!
Fementida Mulher enganadora!
Glossário
E tiveste valor para a mais feia Atroar = soar como um trovão;
Traição, que pode conceber a ideia?[...] Fementida = pérfida, enganosa.
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i) Rondó ou rondel: é formada por duas quadras e uma quintilha, cujo primeiro ou os
dois primeiros versos da primeira quadra se repetem no início ou no fim da composição.
O primeiro verso do poema, também costuma ser o último. Surgiu na França, no século
XIII. Não há variações na sua forma.
A seguir, transcreveremos um rondel de Eugênio de Castro, que inaugurou o Simbolismo em
Portugal com seu livro Oaristos:
Epitalâmio
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Eis a maga que encanta e desencanta!
Eis a que te dará (roubando à bruxa Dor)
três maravilhas de virtude santa,
(que são: a Ave-que-fala, e a Árvore-que-canta
e a Fonte-azul,) por um condão de amor!
E a Ave murmurará num gorgeio: “Coragem!”;
a Árvore cantará teu nome e loa;
e a Fonte espelhará céus puros em miragem!
k) Triolé (do francês Triolet): é um poema curto, de oito versos, com apenas duas rimas
utilizadas por toda parte. As regras são simples: a primeira linha é repetida nas linhas de
quarta e sétima, a segunda linha é repetida na linha final, e apenas os dois primeiros finais
das palavras são usados para completar o esquema de rimas apertado. Assim, o poeta
escreve apenas cinco linhas originais, dando ao triolé uma aparência enganosamente
simples: ABAAABAB, em que as letras em vermelho e azul (ver poema a seguir) indicam
os versos repetidos.
Em seguida, transcrevemos um fragmento de um triolé de Machado de Assis.
Flor da mocidade
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[...]
m) Haicai: o haiku, traduzido para o português como haicai, é a forma de poesia mais
tradicional da cultura japonesa. Autores ocidentais tendem a definir o haicai como um poema
de 17 sílabas dispostas em três linhas de 5, 7 e 5 sílabas métricas. O haicai deve promover
um momento de reflexão, de forma que cause no leitor, uma sensação de descoberta. O
haicai também deve conter um kigo, palavra que se refere a uma das estações do ano,
que indica quando foi escrito. O tema do haicai é principalmente observações de cenas
que acontecem na natureza. À medida que o haicai ganhava a simpatia dos ocidentais,
algumas de suas características foram sendo deixadas de lado, enquanto que outras foram
sendo incorporadas à sua forma. Isto fez com que o haicai fosse moldado ao gosto de seu
praticante, conforme as influências literárias de sua cultura. A seguir, transcreveremos um
haicai escandido (com os versos divididos em sílabas poéticas) em que se percebe tanto
a rigidez dessa forma poética quanto a temática.
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Solidão
n) Soneto: o soneto é de origem italiana, composto por 14 versos, duas quadras e dois
tercetos, rimados. No soneto dito petrarquiano ou regular esse esquema é, sobretudo,
ABBA ABBA CDC (CDE) DCD (CDE). Contudo, já no Renascimento foram usadas
diversas variantes. A mais notável é a do “soneto inglês”, no qual o esquema passa a
ser três quadras e um dístico. O verso usado é o decassílabo, embora hoje em dia sejam
aceitas outras formas. Quanto ao conteúdo, as quadras expõem o assunto, cujas conclusões
aparecem nos tercetos ou, no caso inglês, no dístico. O soneto foi cultivado em todas as
épocas, mesmo quando o Romantismo iniciou o culto do verso branco. Em nossa língua,
o grande sonetista foi Luís de Camões e ainda temos muitos outros que se notabilizaram
por composições do gênero, entre eles Cláudio Manuel da Costa. O Parnasianismo, o
Simbolismo e as tendências modernas não abandonaram o soneto: Vinícius de Moraes,
por exemplo, foi um grande sonetista do século XX.
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Assista ao vídeo em que Vinícius de Moraes recita um de seus mais famosos sonetos, o Soneto de
Fidelidade: http://www.youtube.com/watch?v=eHgU4ERc7Nc
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Depois deste breve inventário dos gêneros líricos tradicionais, esperamos que você tenha
percebido que há gêneros que se caracterizam mais pela forma, enquanto outros pelo conteúdo.
No primeiro caso, encontram-se a sextina, o triolé, o soneto; e no segundo caso, o epitalâmio,
o idílio, a elegia.
Contemporaneamente, os poetas têm brincado com esses gêneros e a evocação deles, quer
no título, quer na forma de composição, são pistas de leitura, elementos que produzem sentido
se analisados em função da intencionalidade do sujeito que compõe o texto. Desse modo, o
estudo dos gêneros não pretende ser uma atividade que serve para classificar textos, mas para
entendê-los à luz das especificidades do gênero em que forma compostos.
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Material Complementar
Como material complementar dessa unidade, indicamos a leitura dos capítulos restantes da
obra: Na Sala de aula, de Antonio Candido, cuja referência completa é:
CÂNDIDO, A. Na sala de aula: caderno de análise literária. 8ª ed. São Paulo: Ática, 2000.
(E-book), que se encontra na Biblioteca Virtual.
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Referências
CHARAUDEAU, P; MAINGUENEAU, D. Dicionário de Análise do Discurso. Trad. Fabiana
Komesu. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2006.
GOLDSTEIN, N. Versos, sons e ritmos. 14 ed. São Paulo: Ática, 2007. (E-book)
LEMOS, E. Verbete Ode. Dicionário de Literatura. V. II. Dir. Jacinto do Prado Coelho. 3ª ed.
Figueirinhas : Porto, 1987, p. 748-749.
MAINGUENEAU, D. Discurso literário. Trad. de Adail Sobral. São Paulo: Contexto, 2006.
MOISÉS, M. Dicionário de termos literários. 12ª ed. São Paulo: Cultrix, 2004.
TRASK, R. Dicionário de Linguagem e Linguística. Trad. Rodolfo Ilari. São Paulo: Contexto,
2004.
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Anotações
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