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Teoria Literaria:

Poetica
Material Teórico
Gêneros Poéticos e a Compreensão da Poesia

Responsável pelo Conteúdo:


Prof Dr. Manoel Francisco Guaranha

Revisão Textual:
Profa. Ms Silvia Augusta Albert
Gêneros Poéticos e a Compreensão da Poesia

• Uma Breve Retomada da Noção


de Gênero

• Gêneros Literários Poéticos

Nesta unidade, estudaremos os conceitos de gêneros e a descrição


de alguns gêneros poéticos. É importante que você perceba que
o reconhecimento de certas formas fixas de composição poética é
um valioso instrumento de análise literária.
Assim como o ritmo, a rima e a métrica, é importante compreender
que esses elementos teóricos são responsáveis pela produção
de sentido dos textos, ou seja, não são apenas formas vazias de
conteúdo, mas possuem uma dimensão maior, estão a serviço da
expressividade e devem ser lidos e compreendidos dessa forma.

Para você apreender de modo adequado o conteúdo da disciplina e construir novos


conhecimentos, é necessário que você realize o seguinte percurso:
a) Leitura da contextualização;
b) Leitura do material teórico (essa leitura deve ser feita várias vezes destacando-se os
principais conceitos ou as definições contidas no texto, bem como procurando compreendê-
las por meio dos exemplos);
c) Realização das atividades de sistematização (AS);
d) Realização da atividade de aprofundamento (AP);
e) Consulta ao material complementar fornecido ou visita aos sites sugeridos;
f) Leitura da bibliografia da unidade, especialmente a que se encontra na biblioteca virtual
da universidade; e
g) Contato com o professor tutor para esclarecer dúvidas ou mesmo expor suas ideias a
respeito do assunto.
Lembre-se, a disciplina é a distância, mas isso não significa que você está sozinho nesse
processo: o diálogo é a forma mais produtiva de ensino e de aprendizagem. É preciso
compreender, ainda, que o estudo deve ir além dos conteúdos disponibilizados nos textos
da unidade e a forma de fazer isso é consultar a bibliografia indicada.

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Unidade: Gêneros Poéticos e a Compreensão da Poesia

Contextualização

Ao longo da história, constituímos nossa máquina comunicativa com peças importantíssimas:


os gêneros. Na literatura, sobretudo na poética, não é diferente. Mais que propor um conjunto
de textos aparentados, a noção de gêneros constitui um valioso instrumento para a compreensão
do sentido dos textos. Você já se perguntou por que poetas como Olavo Bilac, Manuel Bandeira,
Silva Alvarenga, entre outros, chamam seus textos de baladas, rondós, madrigais ou por que
chamamos um texto de soneto, ode ou elegia?
Nesta unidade, pretendemos propor reflexões sobre isso e também mostrar como a noção de
gêneros pode constituir uma valiosa pista de leitura.
Vamos conferir?

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Uma Breve Retomada da Noção de Gênero

Ao longo do tempo, na perspectiva das ciências da linguagem, em especial, da Literatura,


há a preocupação de cuidar da noção de gêneros. Várias são as razões, mas uma em especial
é a que, consensualmente, as produções textuais e discursivas, nas mais diversas áreas de
atividade humana, são organizadas em torno da ideia de gênero. Verificado isso, trataremos,
sinteticamente, da noção de gênero.

Na visão clássica, gêneros são diversas produções artísticas que, essencialmente, obedecem
aos seguintes critérios: o da forma – se são dispostos em verso ou em prosa; o dos conteúdos –
se são objetivos ou subjetivos; o da composição – se são expositivos, representativos ou mistos
(expositivos/representativos) (TAVARES, 1989).

O que se percebe aqui é uma preocupação em se cuidar daquilo que é considerado produção
artística, ou, nos nossos termos, produção literária. Entretanto, se tomarmos por base outros
elementos, essa discussão, evidentemente, será ampliada.

Para Trask (2004), devemos considerar gêneros como uma variedade de texto historicamente
estável, provida de traços distintivos evidentes. Ele salienta que o conceito de gênero é comum,
pelo menos, à linguística, à antropologia e à crítica literária.

O fato fundamental a respeito de um gênero é que ele tem alguns traços distintivos,
pontualmente identificáveis, que o opõe marcadamente a outros gêneros. Esses traços
permanecem estáveis por um período de tempo considerável. Na maioria dos casos, um
gênero particular também ocupa um lugar bem definido na cultura do povo que o utiliza.
Nessa visão, gênero não se restringe a um segmento da sociedade, mas está presente em
toda a relação humana.

Tendo em vista isso, Maingueneau (2007), voltando-se para o corpus literário, aponta que
a categoria dos gêneros é definida a partir de critérios situacionais. Essa categoria designa,
na realidade, dispositivos de comunicação sócio-historicamente definidos, concebidos
habitualmente com a ajuda das metáforas do “contrato” – acordo situacional --, do “ritual” –
instituição social -- ou do “jogo” – ação/interação entre sujeitos. Ele acrescenta:

Falamos, assim, de ‘gêneros do discurso’ para nos referirmos a um jornal


diário, a um programa de televisão, a uma dissertação etc. Por sua própria
natureza, os gêneros evoluem sem cessar par a par com a sociedade. Uma
modificação significativa de seu modo de existência material basta para
transformá-los profundamente. (MAINGUENEAU, 2007, p. 234)

A essa enumeração feita pelo autor podemos acrescentar o foco de nossos estudos desta
disciplina: os textos poéticos. Tais textos, assim como os demais, sofreram transformações sócio-
históricas, mas preservaram certas características peculiares, que servem aos contextos em que
estiveram e estão inseridos.

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Unidade: Gêneros Poéticos e a Compreensão da Poesia

O diálogo que podemos promover com Maingueneau (2007), Trask (2004) e Tavares
(1989) envolve o seguinte problema: gêneros são formas relativamente estáveis, marcadas de
historicidade, que servem como ligações nas relações sociais. Ora, se, tomarmos por base essa
ideia, considerando, inclusive, que as produções artísticas (literárias) estão incluídas nessa trama
social, podemos afirmar que tais produções, em certo sentido, estão relacionadas às nuances
comunicativas, com um acréscimo: tais textos têm cunho expositivo/representativo, já que a
poesia implica exposição dos sentimentos de um sujeito ou a representação da realidade por
meio de uma linguagem metafórica.

Trocando Ideias
Quando se fala em representação dos sentimentos de um sujeito ou a representação da realidade por
meio de linguagem metafórica, deve-se considerar que esse tipo de linguagem pressupõe o uso de
figuras de e de recursos expressivos e que, geralmente, não estão presentes na linguagem do dia a
dia ou, se estão, não são usados de forma intencional. Essa questão será discutida mais amplamente
na unidade III, por meio da análise do texto “Metáfora”, de Gilberto Gil.

Isso posto, trataremos a seguir, mais precisamente, de alguns exemplos de gêneros literários
de forma poética. Vamos lá?

Gêneros Literários Poéticos

Com o intuito de ilustrar nosso percurso pela poética, vejamos alguns exemplos de
gêneros poéticos consagrados ao longo da história de acordo com Tavares (1989) e com
Goldstein (2006):
a) Balada; deriva do francês arcaico ballade. Inicialmente, foi concebida como um poema
que, acompanhado por música, deveria ser cantado durante um baile. Sendo assim, não
é raro concebê-la como uma forma fixa medieval derivada de uma canção apropriada
à dança. No aspecto literário, a balada surgiu no século XIII. A balada também pode
ser concebida como um “cantar de feição narrativa, que girava em torno de um único
episódio, de assunto histórico, melancólico, fantástico ou sobrenatural. Na verdade, trata-
se de uma forma mista, pois reúne elementos de “poesia, dramática e lírica bem como de
narrativa” (MOISÉS, 2004 , p. 50). A balada francesa é composta de três estrofes com oito
versos, três oitavas com uma finda, ou seja, uma estrofe de menor extensão. Geralmente,
as estrofes terminam com um estribilho ou refrão, como se denominam os versos que se
repetem ao final de cada estrofe ou em intervalos regulares de uma composição poética.
Olavo Bilac, escritor Parnasiano do século XIX, escreveu quatro baladas em sua coletânea
Alma Inquieta. Abaixo você poderá ler uma delas como exemplo:

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Branca...
Vi-te pequena: ias rezando
Para a primeira comunhão:
Toda de branco, murmurando,
Na fronte o véu, rosas na mão.
Não ias só: grande era o bando...
Mas entre todas te escolhi:
Minh’alma foi te acompanhando,
A vez primeira em que te vi.

Tão branca e moça! O olhar tão brando!


Tão inocente o coração!
Toda de branco, fulgurando,
Mulher em flor! Flor em botão!
Inda, ao lembrá-lo, a mágoa abrando,
Esqueço o mal que vem de ti,
E, o meu ranço estrangulando,
Bendigo o dia em que te vi!

Rosas na mão, brancas... E, quando


Te vi passar, branca visão,
Vi, com espanto, palpitando
Dentro de mim, esta paixão...
O coração pus ao teu mando...
E, porque escrevo me rendi,
Ando gemendo, aos gritos ando,
- Porque te amei! Porque te vi!

Depois fugiste... E, inda te amando,


Nem te odiei, nem te esqueci:
- Toda de branco... Ias rezando...
Maldito o dia em que te vi!

Repare que o escritor substitui o estribilho ou refrão pela expressão “que te vi”. A
característica da balada, ainda que varie quanto à forma, é a musicalidade. Às vezes
encontramos textos que os autores denominam baladas que se caracterizam pela
musicalidade, pela simplicidade e pelo lirismo.

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Unidade: Gêneros Poéticos e a Compreensão da Poesia

b) Vilancete: gênero comum no Renascimento Ibérico, o vilancete é um poema construído


em medida velha (formas de inspiração medieval, com cinco ou sete sílabas poéticas) e
a partir de um mote de dois ou três versos. Quando o último verso do mote é repetido
no último verso do poema, tem-se um vilancete perfeito. A seguir, transcrevemos um
vilancete de Camões:

MOTE ALHEIO

Verdes são os campos


da cor do limão:
assi são os olhos
do meu coração.

VOLTAS SUAS
Campo, que te estendes
com verdura bela;
ovelhas, que nela
vosso pasto tendes:
d’ ervas vos mantendes
que traz o Verão,
e eu das lembranças
do meu coração.

Gado, que paceis,


co contentamento
vosso mantimento
não o entendeis; Glossário
isso que comeis Assi = assim;
não são ervas, não: Paceis = Apascentas
são graças dos olhos (levas ao pasto, pastoreias);
do meu coração. Co = contração de com.

O mote é a primeira estrofe, no caso do texto temos o mote alheio, que provavelmente foi
proposto ao poeta por outra pessoa. Há casos que o próprio poeta cria o mote. A partir dele, o
sujeito desenvolve as voltas, que são as estrofes feitas para glosar o mote, ou seja, desenvolvê-
lo. A maestria do poeta revela-se na capacidade de concluir cada volta com o último verso do
mote. Nesse caso, “do meu coração”.

c) Ode: termo originário do grego odé e do latim õde (ou õda), era, originalmente, um poema
destinado a ser cantado. Poderia representar qualquer forma de canto alegre ou triste ou
a própria ação de cantar. Era, na antiguidade clássica, um poema lírico, normalmente
extenso, e de assunto tido como elevado e nobre, expressando sentimentos de maior sorte,
em celebração de algum evento especial. Transcendendo os sentimentos ricos, a ode tinha,
também, como principais características a elaboração estrófica, bem como formalidade e
nobreza no tom e no estilo, o que a tornavam algo com caráter cerimonioso. A seguir
transcreveremos um fragmento de uma Ode de Luís de Camões.

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Tão suave, tão fresca e tão fermosa

Tão suave, tão fresca e tão fermosa,


nunca no Céu saiu
a Aurora no princípio do Verão,
as flores dando a graça costumada,
como a fermosa, mansa fera, quando
um pensamento vivo m’inspirou,
por quem me desconheço.

Bonina pudibunda ou fresca rosa


nunca no campo abriu,
quando os raios do Sol no Touro estão,
de cores diferentes esmaltada,
como esta flor que, os olhos inclinando,
o sofrimento triste costumou
à pena que padeço.

Ligeira, bela Ninfa, linda, irosa,


não creio que seguiu
Sátiro, cujo brando coração
de amores comovesse fera irada,
que assi fosse fugindo e desprezando
este tormento, onde Amor mostrou
tão próspero começo.
Glossário
Nunca, enfim, cousa bela e rigorosa Fermosa = formosa;
Natura produziu Bonina = flor do campo;
que iguale àquela forma e condição, Pudibunda = que mostra
que as dores em que vivo estima em nada. excessivo pudor, pudica;
Mas com tão doce gesto, irado e brando, Assi = assim;
o sentimento e a vida me enlevou Cousa = coisa;
que a pena lhe agradeço.[...]
Natura = natureza.


Lemos (1987) chama atenção para um subgênero da ode, o hino, que seria uma espécie de
ode “que celebra uma divindade ou um ideal cívico, patriótico, ou religioso” (p. 748). Assim como
a ode, o hino desenvolve os temas com pensamentos sublimes e os apresenta com entusiasmo.

d) Canção: é um texto escrito em verso ou em prosa literária, voltado ao canto. Diferentemente


da música que corresponde à combinação de sons que produz melodia por meio de
instrumentos musicais, a canção é uma combinação de duas linguagens: a verbal e a
musical. Talvez seja o mais musical dos gêneros poéticos ou o mais poético dos gêneros
musicais. É deveras popular em todas as culturas ocidentais. Martins (1987) esclarece que
a designação abrange

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Unidade: Gêneros Poéticos e a Compreensão da Poesia

“pelo menos três gêneros literários, talvez relacionados entre si, mas
afinal muito diferentes: a canção provençal, a canção italiana ou clássica
e a canção romântica. A primeira está representada entre nós pelos
poemas cultos dos trovadores galego-portugueses. A segunda é uma
criação do Renascimento, e foi cultivada em Portugal desde o século XVI
até o século XVIII. A terceira consiste num poema simples, expressivo
quase sempre dum destino (Canção do Órfão de Junqueiro) ou duma
condição (Canção do Exílio de Gonçalves Dias)” (p.140).

Segue como exemplo o fragmento de uma canção Renascentista, de Camões, Junto ao fero
e estéril monte:

Junto de um seco, fero e estéril monte,


inútil e despido, calvo, informe,
da natureza em tudo aborrecido,
onde nem ave voa, ou fera dorme,
nem rio claro corre, ou ferve fonte,
nem verde ramo faz doce ruído;
cujo nome, do vulgo introduzido,
é Félix, por antífrase infelice;
o qual a Natureza
situou junto a parte
onde um braço de mar alto reparte Glossário
Abássia da arábica aspereza, Fero: duro, feroz;
onde fundada já foi Berenice,
Abássia: o mesmo que
ficando a parte donde Abissínia, região da África
o Sol que nele ferve se lhe esconde; [...] Ocidental.

e) Madrigal: forma italiana de origem popular da primeira metade do século XIV. Até o
final do século XV, o madrigal teve uma forma fixa: era constituído por versos decassílabos
rimados, dois ou três tercetos seguidos por um ou dois dísticos. Em Portugal, o gênero
perde a forma fixa e dedica-se a assuntos breves e, geralmente, amorosos, uma espécie de
confissão de amor.

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Transcreveremos a seguir um madrigal de Silva Alvarenga. Caso você queira ouvi-lo, acesse o site:
https://www.youtube.com/watch?v=V95-luNb-Gc

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Já vistes sobre o mar formando giros
D’aves ligeiras turba graciosa?
Assim vagam nos ares mil suspiros,
Ó Glaura venturosa;
Mas se queres piedosa
Recolher o que leva as minhas dores;
Não chames os que são de várias cores,
Nem verdes, nem azuis, nem cor de rosa;
Chama aquele que já cansado gira,
Que expira de ternura,
E as asas roxas tem de mágoa pura.

É bastante significativo o caráter melódico da composição, além da simplicidade do tema


bem como o vínculo que o sujeito estabelece entre seu sentimento e a natureza.

f) Elegia: composição de caráter patético, ou seja, voltada para o pathos (sofrimento).

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Veja o link https://www.youtube.com/watch?v=AqNjbqQwOzE. Nele, Caetano Veloso recita o poe-


ma Elegia, da Carlos Drummond de Andrade.

Transcreveremos, a seguir, um trecho de uma elegia de Luís de Camões:

CORRENTES ÁGUAS FRIAS DO MONDEGO

Correntes águas frias do Mondego,


dignas de ser somente celebradas
de outro engenho, menos que o meu cego:

correi agora, claras e apressadas,


por esses campos verdes saudosos,
banhando-lhe as flores prateadas;

e por desertos montes cavernosos,


vosso natural curso repugnando,
segui novos caminhos espantosos.

Deixai de ir docemente murmurando


pelos troncos dos freixos e salgueiros,
que o Zéfiro move, fresco e brando;

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Unidade: Gêneros Poéticos e a Compreensão da Poesia

e as fontes de cristal, frescos ribeiros,


refúgio pola sesta dos pastores, Glossário
que de vós correm mansos e ligeiros, Zéfiro: vento brando;
Pola sesta: pela sesta,
todos tornem atrás; sequem-se as flores ou seja, no momento do
que nos alegres prados floresciam descanso;
com mil diversidades de lavores. [...] Lavores: labores, trabalhos.

Perceba o tom triste, solene, que percorre todo o texto, reflexo do estado de espírito do sujeito poético.

g) Idílio: é o poema lírico em que o eu-poético expressa uma homenagem à natureza e às belezas
e às riquezas que ela dá à humanidade: “pequeno poema em que se representa, idealizada,
a vida rústica” (MARTINS, 1987, p. 453). É o poema bucólico, ou seja, que exprime o desejo
de lograr, ou seja, de usufruir, de gozar, dessas belezas e riquezas ao lado da amada (pastora),
que enriquece e embeleza ainda mais a paisagem, espaço ideal para a paixão.
O fragmento a seguir é um idílio composto pelo poeta português Manuel Maria Barbosa du
Bocage. Repare como ele idealiza a natureza por meio do retrato do amor puro das aves que contrasta
com a situação em que se encontra o pastor Elmano e a pastora Anália, que têm inveja dos pássaros.

Que cena tão suave aos Amadores!


Capaz de amenizar o horror da Morte,
Que, de asas negras, me esvoaça em torno!
Que cena tão suave aos Amadores!
Com brando murmúrio além revoam
De Vênus, e de Anália, (iguais no encanto)
De Vênus, e de Anália as avezinhas.
Ali mágoas não há, não há saudades,
Vivem como eu vivi, como eu não morrem!
Doce é ver-lhe os desejos inocentes,
Os momentos de Amor! É doce ouvir-lhe
Ternos gemidos em delícias ternas!
Unindo os bicos, se namoram, se instam,
Se afagam longamente, e arrulham juntas.
Nelas pejo não há, nem crime o gosto,
O altar da Natureza urdiu seus laços!
Férreo Dever, que o Sentimento anseia,
Dever, algoz de Elmano, algoz de Anália,
Nos tenros corações lhes não carrega!

Felizes Passarinhos melindrosos,


De Anália inveja sois, de Elmano inveja,
Sois da ternura, e do prazer a imagem.
Felizes Passarinhos! Esquecei-vos
Um momento de vós para lembrar-vos Glossário
De dois saudosos, míseros Amantes: Pejo: pudor, vergonha;
Vós os vistes viver, morrer de amores, Nume: poder celeste,
Viste-os Mortais, e pareciam Numes. [...] divindade.

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h) Égloga ou pastoral: é um poema em forma de diálogo ou de solilóquio, ou seja, o
monólogo, o ato de falar consigo mesmo, sobre temas rústicos. Seus intérpretes são, de
modo geral, pastores. Do mesmo Bocage, podemos encontrar a seguinte égloca, em que
há uma contextualização do cenário bucólico que é sucedida pelo diálogo entre os pastores
Elmano e Francino:

Seu manto desdobrava a Noite escura,


E a Rã no charco, o Lobo na espessura
Vociferando, os ares atroavam;
Do trabalho diurno já cessavam
Os rudes, vigorosos camponeses:
O Vaqueiro, cantando atrás das reses,
Após as Cabras o Pastor cantando,
Íam para as malhadas caminhando,
Tudo jazia em paz, menos o triste,
O desgraçado Elmano, a quem feriste,
Oh pernicioso Amor, cruel Deidade,
Flagelo da infeliz humanidade:
Tudo, enfim, descansava, exceto Elmano,
Que a mão do Fado, universal tiranno,
Sentia sobre si descarregada; [...]

FRANCINO
Que tens, Elmano? Que fatal desgosto
Banha de tristes lágrimas teu rosto?
Tu, que, ainda ha brevíssimos instantes,
Te aclamavas feliz entre os Amantes,
Logrando mil carinhos, mil favores
De Urselina gentil, dos teus Amores,
Vens tão choroso, tão aflito agora!
Ah! Conta-me a paixão, que te devora,
Das ânsias tuas o motivo explica:
Comunicado o mal, mais brando fica.

ELMANO
Ai de mim! Venho louco, estou perdido.
Oh peito ingrato! Coração fingido!
Oh desumana, oh bárbara Pastora!
Fementida Mulher enganadora!
Glossário
E tiveste valor para a mais feia Atroar = soar como um trovão;
Traição, que pode conceber a ideia?[...] Fementida = pérfida, enganosa.

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Unidade: Gêneros Poéticos e a Compreensão da Poesia

i) Rondó ou rondel: é formada por duas quadras e uma quintilha, cujo primeiro ou os
dois primeiros versos da primeira quadra se repetem no início ou no fim da composição.
O primeiro verso do poema, também costuma ser o último. Surgiu na França, no século
XIII. Não há variações na sua forma.
A seguir, transcreveremos um rondel de Eugênio de Castro, que inaugurou o Simbolismo em
Portugal com seu livro Oaristos:

A lilial Virgem Maria


Todas as tardes, ao poente,
Surge na Lua marcescente,
- Celestial janela fria!

D’essa janela liquescente


Vê tudo, e tudo espia,
A lilial Virgem Maria
Todas as tardes, ao poente. Glossário
Lilial: relativo ao lírio;
Lá vem a lua fugidia...
Marcescente: que murcha,
Sê minha amiga, ó Flor dormente! que seca;
Esse teu ar indiferente,
Liquescente: que é líquido
Esse teu ar desgostaria ou que tende a tornar-se
A lilial Virgem Maria. líquido.

j) Epitalâmio: é um cântico nupcial, de natureza religiosa, destinado a suplicar aos noivos


a bênção dos deuses. Também era chamado himeneu, em evocação a Himeneu, deus
grego do casamento. Como exemplo, transcrevemos abaixo o poema Epitalâmio, da obra
Carrilhões, de Murilo de Araújo.

Epitalâmio

Salve! Este amor no arminho te reveste


Contra a dor - contra o mal! Salve! Coros, cantai!...
Salve! O amor vindo, vai-se e dor agreste!

Disseste - amigo - ao vê-la: “Eu sonho!” E a luz celeste...


a luz celeste que te surge e atrai...
ilumina-te a noite - a amargura - o perigo
com que a vida nos trai!

E eis a bem terna


que florirá jardins no pedregal antigo!

Eis a velar por ti - sonhar comigo -


outra irmã... outra irmã... outra sombra materna!

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Eis a maga que encanta e desencanta!
Eis a que te dará (roubando à bruxa Dor)
três maravilhas de virtude santa,
(que são: a Ave-que-fala, e a Árvore-que-canta
e a Fonte-azul,) por um condão de amor!
E a Ave murmurará num gorgeio: “Coragem!”;
a Árvore cantará teu nome e loa;
e a Fonte espelhará céus puros em miragem!

Ei-la! Feliz, oh! beija-lhe a roupagem,


com sorrisos na fronte e rosas na coroa!

k) Triolé (do francês Triolet): é um poema curto, de oito versos, com apenas duas rimas
utilizadas por toda parte. As regras são simples: a primeira linha é repetida nas linhas de
quarta e sétima, a segunda linha é repetida na linha final, e apenas os dois primeiros finais
das palavras são usados para completar o esquema de rimas apertado. Assim, o poeta
escreve apenas cinco linhas originais, dando ao triolé uma aparência enganosamente
simples: ABAAABAB, em que as letras em vermelho e azul (ver poema a seguir) indicam
os versos repetidos.
Em seguida, transcrevemos um fragmento de um triolé de Machado de Assis.

Flor da mocidade

Eu conheço a mais bela flor; A


És tu, rosa da mocidade, B
Nascida aberta para o amor. A
Eu conheço a mais bela flor. A
Tem do céu a serena cor, A
E o perfume da virgindade. B
Eu conheço a mais bela flor, A
És tu, rosa da mocidade. B

Vive às vezes na solidão, C


Como filha da brisa agreste. D
Teme acaso indiscreta mão; C
Vive às vezes na solidão. C
Poupa a raiva do furacão C
Suas folhas de azul celeste. D
Vive às vezes na solidão, C
Como filha da brisa agreste. D

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Unidade: Gêneros Poéticos e a Compreensão da Poesia

l) Sextina: é um poema formado de seis sextetos e um terceto final, a coda. Utilizando


versos decassilábicos, tem as rimas finais repetidas em todas as estrofes, num esquema
pré-estabelecido. Assim, rimas que aparecem na primeira estrofe, na sequência de versos
1, 2, 3, 4, 5, 6, repetem-se na estrofe seguinte, na sequência 6, 1, 5, 2, 4, 3. E se faz na
estrofe seguinte a sequência 6, 1, 5, 2, 4, 3 em relação à estrofe anterior. E assim até a
sexta estrofe, finalizando os sextetos. O terceto final, ou coda, tem, em cada verso, no meio
e no fim, marcando as sílabas tônicas, as rimas utilizadas no poema todo, na posição em
que se apresentaram na primeira estrofe.
Transcreveremos, em seguida, uma sextina de Luís de Camões destacando o esquema de
rimas para que você possa perceber a complexidade da composição.

(1) Foge-me, pouco a pouco, a curta vida,


(2) Se por caso é verdade que inda vivo;
(3) Vai-se-me o breve tempo de ante os olhos;
(4) Choro pelo passado; e, enquanto falo,
(5) Se me passam os dias passo a passo.
(6) Vai-se-me, enfim, a idade e fica a pena.

(6) Que maneira tão áspera de pena!


(1) Pois nunca uma hora viu tão longa vida
(5) Em que possa do mal mover-se um passo.
(2) Que mais me monta ser morto que vivo?
(4) Para que choro? Enfim, para que falo?
(3) Se lograr-me não pude de meus olhos?

[...]

Morrendo estou na vida(1), e em morte vivo(2);


Vejo sem olhos(3), e sem língua falo(4);
E juntamente passo(5) glória e pena(6).

m) Haicai: o haiku, traduzido para o português como haicai, é a forma de poesia mais
tradicional da cultura japonesa. Autores ocidentais tendem a definir o haicai como um poema
de 17 sílabas dispostas em três linhas de 5, 7 e 5 sílabas métricas. O haicai deve promover
um momento de reflexão, de forma que cause no leitor, uma sensação de descoberta. O
haicai também deve conter um kigo, palavra que se refere a uma das estações do ano,
que indica quando foi escrito. O tema do haicai é principalmente observações de cenas
que acontecem na natureza. À medida que o haicai ganhava a simpatia dos ocidentais,
algumas de suas características foram sendo deixadas de lado, enquanto que outras foram
sendo incorporadas à sua forma. Isto fez com que o haicai fosse moldado ao gosto de seu
praticante, conforme as influências literárias de sua cultura. A seguir, transcreveremos um
haicai escandido (com os versos divididos em sílabas poéticas) em que se percebe tanto
a rigidez dessa forma poética quanto a temática.

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Solidão

Noi/te. Às/ ho/ras/ mor/tas


o/ ven/to/ per/pas/sa len/to
pe/las/ er/mas/ por/tas..
Eduardo Martins

n) Soneto: o soneto é de origem italiana, composto por 14 versos, duas quadras e dois
tercetos, rimados. No soneto dito petrarquiano ou regular esse esquema é, sobretudo,
ABBA ABBA CDC (CDE) DCD (CDE). Contudo, já no Renascimento foram usadas
diversas variantes. A mais notável é a do “soneto inglês”, no qual o esquema passa a
ser três quadras e um dístico. O verso usado é o decassílabo, embora hoje em dia sejam
aceitas outras formas. Quanto ao conteúdo, as quadras expõem o assunto, cujas conclusões
aparecem nos tercetos ou, no caso inglês, no dístico. O soneto foi cultivado em todas as
épocas, mesmo quando o Romantismo iniciou o culto do verso branco. Em nossa língua,
o grande sonetista foi Luís de Camões e ainda temos muitos outros que se notabilizaram
por composições do gênero, entre eles Cláudio Manuel da Costa. O Parnasianismo, o
Simbolismo e as tendências modernas não abandonaram o soneto: Vinícius de Moraes,
por exemplo, foi um grande sonetista do século XX.

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Assista ao vídeo em que Vinícius de Moraes recita um de seus mais famosos sonetos, o Soneto de
Fidelidade: http://www.youtube.com/watch?v=eHgU4ERc7Nc

Transcreveremos a seguir um soneto de Luís de Camões:

O dia em que nasci moura e pereça,


O dia em que nasci moura e pereça,
Não o queira jamais o tempo dar;
Não torne mais ao Mundo, e, se tornar,
Eclipse nesse passo o Sol padeça.

A luz lhe falte, O Sol se [lhe] escureça,


Mostre o Mundo sinais de se acabar,
Nasçam-lhe monstros, sangue chova o ar,
A mãe ao próprio filho não conheça.

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Unidade: Gêneros Poéticos e a Compreensão da Poesia

As pessoas pasmadas, de ignorantes,


As lágrimas no rosto, a cor perdida,
Glossário
Cuidem que o mundo já se destruiu.
Moura e pereça: morra e pereça,
trata-se de uma construção
Ó gente temerosa, não te espantes, pleonástica, pois perecer é o
Que este dia deitou ao Mundo a vida mesmo que morrer: deixar de
Mais desgraçada que jamais se viu! viver. O sujeito amaldiçoa o dia
em que nasceu.

Depois deste breve inventário dos gêneros líricos tradicionais, esperamos que você tenha
percebido que há gêneros que se caracterizam mais pela forma, enquanto outros pelo conteúdo.
No primeiro caso, encontram-se a sextina, o triolé, o soneto; e no segundo caso, o epitalâmio,
o idílio, a elegia.
Contemporaneamente, os poetas têm brincado com esses gêneros e a evocação deles, quer
no título, quer na forma de composição, são pistas de leitura, elementos que produzem sentido
se analisados em função da intencionalidade do sujeito que compõe o texto. Desse modo, o
estudo dos gêneros não pretende ser uma atividade que serve para classificar textos, mas para
entendê-los à luz das especificidades do gênero em que forma compostos.

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Material Complementar
Como material complementar dessa unidade, indicamos a leitura dos capítulos restantes da
obra: Na Sala de aula, de Antonio Candido, cuja referência completa é:
CÂNDIDO, A. Na sala de aula: caderno de análise literária. 8ª ed. São Paulo: Ática, 2000.
(E-book), que se encontra na Biblioteca Virtual.

Lembre-se de que para a atividade de aprofundamento recomendamos a leitura de um


capítulo específico dessa obra, aquela que trata especificamente da questão do gênero, mas
é fundamental que você tenha acesso às várias análises de poemas feitas pelo crítico. Todas
elas têm em comum a proposta de um método que parte das questões formais e chegam às
questões conteudísticas e são excelentes exemplos de como colocar os elementos teóricos até
aqui estudados a serviço de uma leitura interativa das obras.
Sugerimos, inclusive, que você faça uma resenha desse livro, pois essa atividade auxiliará
no estudo e na compreensão dos textos. Caso tenha dúvidas quanto à confecção de resenha,
sugerimos que visite o site http://www.pucrs.br/gpt/resenha.php. Lá, você encontrará exemplos
de como se constrói esse gênero.
Para encontrar o livro de Candido, você deve acessar o site da Biblioteca Virtual em https://
cruzeirodosul.bv3.digitalpages.com.br/reader .
Bom Trabalho!

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Unidade: Gêneros Poéticos e a Compreensão da Poesia

Referências
CHARAUDEAU, P; MAINGUENEAU, D. Dicionário de Análise do Discurso. Trad. Fabiana
Komesu. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2006.

GOLDSTEIN, N. Versos, sons e ritmos. 14 ed. São Paulo: Ática, 2007. (E-book)

LEMOS, E. Verbete Ode. Dicionário de Literatura. V. II. Dir. Jacinto do Prado Coelho. 3ª ed.
Figueirinhas : Porto, 1987, p. 748-749.

MAINGUENEAU, D. Discurso literário. Trad. de Adail Sobral. São Paulo: Contexto, 2006.

MARTINS, A. C. Verbete Canção. Dicionário de Literatura. V. I. Dir. Jacinto do Prado Coelho.


3ª ed. Figueirinhas : Porto, 1987, p. 140.

MOISÉS, M. Dicionário de termos literários. 12ª ed. São Paulo: Cultrix, 2004.

TRASK, R. Dicionário de Linguagem e Linguística. Trad. Rodolfo Ilari. São Paulo: Contexto,
2004.

TAVARES, H. Teoria literária. 9. ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1989.

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Anotações

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