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Universidade Nove de Julho – UNINOVE

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Alexandre Crippa Sant’Anna
Nelson Gaspar Dip Júnior
organizadores

UROLOGIA
PARA GRADUAÇÃO

São Paulo
2018
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Conselho Editorial: Eduardo Storópoli


Maria Cristina Barbosa Storópoli
Nadir da Silva Basilio
Cristiane dos Santos Monteiro
Renata Mahfuz Daud Gallotti

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Distância (EAD)

Catalogação na Publicação (CIP)


Cristiane dos Santos Monteiro – CRB/8 7474
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Urologia para graduação / Alexandre Crippa Sant’Anna, Nelson Gaspar Dip Júnior,
organizadores. — São Paulo : Universidade Nove de Julho – UNINOVE, 2018.
379 p., il. color.

ISBN: 978-85-89852-72-2 (e-book)


ISBN: 978-85-89852-75-3 (impresso)

1. Urologia. 2. Medicina. I. Autores II. Titulo

CDU 616.61
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Sumário

Apresentação......................................................................................................................................................17
Prefácio..............................................................................................................................................................18

Seção I
Anatomia, Fisiologia e Propedêutica em Urologia, 19

Capítulo I
Anatomia do Trato Urinário Superior, 20
Rafael Maistro Malta
1 Retroperitônio.................................................................................................................................................21
2 Fáscia toracolombar........................................................................................................................................22
3 Estruturas vasculares retroperitoneais ������������������������������������������������������������������������������������������������������������24
4 Sistema linfático..............................................................................................................................................28
5 Estruturas nervosas do retroperitônio ������������������������������������������������������������������������������������������������������������28
6 Anatomia cirúrgica, radiográfica e endoscópica do rim e ureter ��������������������������������������������������������������������31
7 Anatomia do sistema pielocalicial..................................................................................................................35
8 Anatomia da adrenal.......................................................................................................................................37
Leitura recomendada..........................................................................................................................................39

Capítulo II
Anatomia do Trato Urinário Inferior, 40
João Henrique Aguayo Mussy
1 Bexiga.............................................................................................................................................................41
2 Uretra..............................................................................................................................................................43
3 Próstata............................................................................................................................................................44
4 Pênis................................................................................................................................................................48
5 Testículos........................................................................................................................................................52
6 Escroto............................................................................................................................................................53
Leitura recomendada..........................................................................................................................................55

Capítulo III
Fisiologia do Trato Urinário Superior e Inferior, 56
Rafael Maistro Malta
1 Rins.................................................................................................................................................................57
2 Ureter..............................................................................................................................................................60
3 Bexiga e micção..............................................................................................................................................61
Leitura recomendada..........................................................................................................................................66
Capítulo IV
Fisiologia da micção, 67
Bruno Garcia Dias
Introdução........................................................................................................................................................68
1 Inervação.........................................................................................................................................................68
2 Fase de enchimento.........................................................................................................................................70
3 Fase de esvaziamento......................................................................................................................................71
4 Via de controle central....................................................................................................................................72
5 Arco reflexo miccional e maturação do trato urinário inferior ����������������������������������������������������������������������73
Leitura recomendada..........................................................................................................................................73

Capítulo V
Semiologia e propedêutica urológica, 74
José Vinícius de Morais
Avaliação do paciente urológico......................................................................................................................75
1 Queixa principal..............................................................................................................................................75
2 Manisfestações sistêmicas..............................................................................................................................75
3 Dor..................................................................................................................................................................75
3.1. Dor renal...............................................................................................................................................76
3.2. Dor ureteral..........................................................................................................................................76
3.3. Dor vesical............................................................................................................................................76
3.4 Estrangúria............................................................................................................................................77
3.5 Dor prostática........................................................................................................................................77
3.6 Dor peniana...........................................................................................................................................77
3.7 Dor testicular.........................................................................................................................................77
4 Hematúria........................................................................................................................................................78
5 Sintomas do trato urinário inferior..................................................................................................................78
5.1 Armazenamento.....................................................................................................................................78
5.2 Esvaziamento.........................................................................................................................................78
6 Incontinência...................................................................................................................................................79
7 Outros sintomas..............................................................................................................................................79
8 Disfunção sexual.............................................................................................................................................79
9 Exame físico....................................................................................................................................................80
9.1 Rim.........................................................................................................................................................80
10 Bexiga...........................................................................................................................................................82
10.1 Pênis....................................................................................................................................................82
10.2 Escroto.................................................................................................................................................82
10.3 Reto e ânus...........................................................................................................................................82
10.4 Genitália feminina...............................................................................................................................83
10.5 Exame neurológico..............................................................................................................................83
Leitura recomendada..........................................................................................................................................83
Seção II
Exames e Procedimentos em Urologia, 84

Capítulo VI
Imagem em urologia, 85
Nelson Gaspar Dip Júnior
Introdução........................................................................................................................................................86
1 Radiografia simples de abdome......................................................................................................................86
2 Urografia excretora (UGE).............................................................................................................................91
3 Ultrassonografia de rins e vias urinárias e de bolsa escrotal ��������������������������������������������������������������������������95
4 Tomografia computadorizada de abdome ����������������������������������������������������������������������������������������������������102
Leitura recomendada........................................................................................................................................110

Capítulo VII
Exames urológicos específicos, 111
Felipe Goulart Nehrer
Biópsia prostática........................................................................................................................................... 112
1 Considerações gerais.....................................................................................................................................112
2 Preparo do paciente.......................................................................................................................................112
3 Indicações.....................................................................................................................................................113
4 Contraindicações...........................................................................................................................................113
5 Técnica..........................................................................................................................................................113
6 Complicações................................................................................................................................................115
Uretrocistoscopia............................................................................................................................................ 116
1 Considerações gerais....................................................................................................................................116
2 Indicações.....................................................................................................................................................116
3 Preparo do paciente.......................................................................................................................................117
4 Técnica..........................................................................................................................................................117
5 Complicações................................................................................................................................................120
Uretrocistografia Retrógrada e Miccional (UCM) ������������������������������������������������������������������������������������121
1 Considerações gerais....................................................................................................................................121
2 Indicações.....................................................................................................................................................121
3 Contraindicações...........................................................................................................................................121
4 Preparo do paciente.......................................................................................................................................121
5 Técnica..........................................................................................................................................................122
6 Complicações................................................................................................................................................124
Estudo urodinâmico.......................................................................................................................................124
1 Considerações gerais....................................................................................................................................124
2 Indicações.....................................................................................................................................................125
3 Preparo do paciente.......................................................................................................................................125
4 Fases do estudo urodinâmico........................................................................................................................125
5 Achados específicos nas fases do estudo urodinâmico ��������������������������������������������������������������������������������128
6 Complicações................................................................................................................................................129
Leiura recomendada.........................................................................................................................................130
Capítulo VIII
Sondagem vesical e toque retal, 131
Felipe Guilherme Hamoy Kataoka
Cateterismo vesical........................................................................................................................................132
1 Características dos cateteres vesicais............................................................................................................132
1.1 Tipos.....................................................................................................................................................133
1.2 Tamanho...............................................................................................................................................133
1.3 Número de vias....................................................................................................................................135
1.4 Tipos de material.................................................................................................................................136
1.5 Tempo de permanência........................................................................................................................137
2 Técnicas de sondagem (cateterismo) vesical �����������������������������������������������������������������������������������������������138
2.1 Sondagem vesical masculina...............................................................................................................138
2.2 Sondagem vesical feminina..................................................................................................................139
2.3 Sondagem difícil..................................................................................................................................140
3 Complicações................................................................................................................................................140
Toque retal......................................................................................................................................................141
1 Indicações.....................................................................................................................................................141
2 Posição do paciente.......................................................................................................................................142
3 Técnica..........................................................................................................................................................143
Leitura recomendada........................................................................................................................................144

Seção III
Patologias Não Neoplásicas e Trauma, 145

Capítulo IX
Infecções do Trato Urinário Inferior, 146
Luccas Santos Patto de Goes
Introdução......................................................................................................................................................147
1 Epidemiologia...............................................................................................................................................147
2 Patogênese....................................................................................................................................................148
3 Diagnóstico...................................................................................................................................................151
4 Tratamento....................................................................................................................................................152
5 Profilaxia.......................................................................................................................................................153
6 Bacteriúria assintomática..............................................................................................................................154
Leitura recomendada........................................................................................................................................154

Capítulo X
Infecções do Trato Urinário Superior, 155
Wellington Rodrigues Porciúncula Junior
Introdução......................................................................................................................................................156
Pielonefrite aguda (PNA)..............................................................................................................................156
1 Diagnóstico laboratorial................................................................................................................................156
2 Bacteriologia.................................................................................................................................................156
3 Ultrassom renal e tomografia computadorizada ������������������������������������������������������������������������������������������157
4 Diagnóstico diferencial.................................................................................................................................157
5 Manejo inicial...............................................................................................................................................157
Nefrite bacteriana aguda focal ou multifocal (NBA) ���������������������������������������������������������������������������������159
Pielonefrite enfisematosa (PNE)...................................................................................................................159
Abscesso renal (ou carbúnculo)....................................................................................................................160
Hidronefrose infectada e pionefrose.............................................................................................................161
Abscesso perirrenal........................................................................................................................................161
Pielonefrite crônica (PNC)............................................................................................................................162
Pielonefrite xantogranulomatosa (PNX) ����������������������������������������������������������������������������������������������������162
Malacoplaquia................................................................................................................................................163
Equinococose renal (ou hidatidose)..............................................................................................................163
Leitura recomendada........................................................................................................................................164

Capítulo XI
Litíase urinária, 165
Nelson Gaspar Dip Júnior
Introdução......................................................................................................................................................166
1 Fisiopatologia................................................................................................................................................166
2 Composição...................................................................................................................................................168
3 Localização...................................................................................................................................................169
4 Tamanho........................................................................................................................................................169
5 Diagnóstico...................................................................................................................................................170
5.1 Sinais e sintomas..................................................................................................................................170
5.2 Exames laboratoriais...........................................................................................................................170
5.3 Exames de Imagem..............................................................................................................................171
6 Tratamento....................................................................................................................................................172
6.1 Tratamento clínico...............................................................................................................................172
6.2 Tratamento cirúrgico...........................................................................................................................172
Leitura recomendada........................................................................................................................................180

Capítulo XII
Hiperplasia benigna da próstata, 182
Eduardo Hidenobu Taromaru
Introdução......................................................................................................................................................183
1 Função da próstata........................................................................................................................................183
2 Anatomia.......................................................................................................................................................183
3 Epidemiogia..................................................................................................................................................185
4 Teorias fisiopatológicas.................................................................................................................................185
5 Fisiopatologia................................................................................................................................................186
6 Quadro clínico...............................................................................................................................................187
7 Avaliação diagnóstica....................................................................................................................................188
7.1 Avaliação básica..................................................................................................................................188
7.2 Avaliação especializada.......................................................................................................................188
8 Tratamento....................................................................................................................................................190
8.1 Tratamento clínico...............................................................................................................................190
8.2 Tratamento cirúrgico...........................................................................................................................192
Leitura recomendada........................................................................................................................................194
Capítulo XIII
Fimose e parafimose, 195
Luccas Santos Patto de Goes
Fimose.............................................................................................................................................................196
1 Quadro clínico...............................................................................................................................................196
2 Diagnóstico...................................................................................................................................................197
3 Tratamento....................................................................................................................................................197
4 Complicações................................................................................................................................................198
Parafimose......................................................................................................................................................199
1 Quadro clínico..............................................................................................................................................199
2 Diagnóstico...................................................................................................................................................199
3 Tratamento....................................................................................................................................................200
4 Complicações................................................................................................................................................201
Leitura recomendada........................................................................................................................................201

Capítulo XIV
Hidrocele e varicocele, 202
Felipe Guilherme Hamoy Kataoka
Hidrocele.........................................................................................................................................................203
1 Quadro clínico...............................................................................................................................................203
2 Diagnóstico...................................................................................................................................................203
3 Tratamento....................................................................................................................................................204
4 Complicações................................................................................................................................................204
Varicocele........................................................................................................................................................204
1 Quadro clínico...............................................................................................................................................205
2 Diagnóstico...................................................................................................................................................206
3 Tratamento....................................................................................................................................................206
4 Complicações................................................................................................................................................207
Leitura recomendada........................................................................................................................................207

Capítulo XV
Disfunção erétil, 208
Thiago Seiji Carvalho da Silveira
Introdução......................................................................................................................................................209
1 Anatomia do pênis.........................................................................................................................................209
1.1 Sistema Nervoso...................................................................................................................................209
1.2. Sistema Vascular.................................................................................................................................209
2 Fisiologia da ereção......................................................................................................................................210
3 Fisiopatologia...............................................................................................................................................212
3.1 Fator Vascular.....................................................................................................................................213
3.2 Fator Neurológico...............................................................................................................................213
3.3 Fator Endócrino..................................................................................................................................213
3.4 Medicamentos e Drogas Ilícitas..........................................................................................................213
3.5 Fator Psicogênico................................................................................................................................214
4 Diagnóstico...................................................................................................................................................214
4.1 Testes Diagnósticos Específicos...........................................................................................................215
5 Tratamento....................................................................................................................................................215
5.1 Tratamento Farmacológico.................................................................................................................216
Leitura recomendada........................................................................................................................................218
Capítulo XVI
Ejaculação precoce, 220
Thiago Seiji Carvalho da Silveira
Introdução......................................................................................................................................................221
1 Definição.......................................................................................................................................................221
2 Prevalência....................................................................................................................................................221
3 Fisiologia da ejaculação................................................................................................................................221
4 Classificação.................................................................................................................................................222
5 Etiologia........................................................................................................................................................222
6 Tratamento....................................................................................................................................................223
Leitura recomendada........................................................................................................................................223

Capítulo XVII
Déficit androgênico do envelhecimento masculino, 225
José Vinícius de Morais
Introdução......................................................................................................................................................226
1 Fisiopatologia...............................................................................................................................................226
2 Quadro clínico...............................................................................................................................................227
3 Diagnóstico...................................................................................................................................................227
4 Tratamento....................................................................................................................................................228
5 Riscos e controvérsias...................................................................................................................................230
Leitura recomendada........................................................................................................................................230

Capítulo XVIII
Priapismo, 231
Wellington Rodrigues Porciúncula Junior
Introdução......................................................................................................................................................232
1 Considerações gerais.....................................................................................................................................232
1.1 Priapismo isquêmico (veno-oclusivo ou de baixo fluxo) ��������������������������������������������������������������������232
1.2 Priapismo recorrente (ou intermitente) ����������������������������������������������������������������������������������������������234
1.3 Priapismo não isquêmico (arterial ou de alto fluxo) ��������������������������������������������������������������������������234
1.4 Priapismo em crianças........................................................................................................................234
2 Diagnóstico...................................................................................................................................................235
3 Tratamento....................................................................................................................................................235
Leitura recomendada........................................................................................................................................237

Capítulo XIX
Incontinência urinária, 239
Jose Carlos Losito Paiva da Fonseca Junior
Introdução......................................................................................................................................................240
1 Incontinência urinária de esforço feminina ��������������������������������������������������������������������������������������������������240
2 Incontinência urinária por hiperatividade detrusora ������������������������������������������������������������������������������������242
3 Incontinência urinária masculina..................................................................................................................244
Leitura recomendada........................................................................................................................................245
Capítulo XX
Urgências urológicas não traumáticas, 247
Octavio Henrique Arcos Campos
Escroto agudo.................................................................................................................................................248
1 Torção de cordão espermático (torção de testículo) �������������������������������������������������������������������������������������248
1.1 Torção intra-vaginal............................................................................................................................249
1.2 Apresentação clínica............................................................................................................................250
1.3 Exames complementares......................................................................................................................252
1.4 Manejo e tratamento cirúrgico............................................................................................................252
1.5 Torção intra-vaginal intermitente �������������������������������������������������������������������������������������������������������254
2 Torção extra-vaginal.....................................................................................................................................254
3 Torção de apêndice testicular e apêndice epididimal �����������������������������������������������������������������������������������254
4 Orquiepididimite...........................................................................................................................................255
5 Outras causas de dor testicular aguda...........................................................................................................256
5.1 Gangrena de fournier..........................................................................................................................256
5.2 Edema escrotal idiopático...................................................................................................................256
5.3 Purpura de henoch-schönlein..............................................................................................................256
6 Retenção urinária aguda................................................................................................................................256
6.1 Etiologia..............................................................................................................................................257
6.2 Apresentação clínica............................................................................................................................258
6.3 Diagnósticos diferenciais....................................................................................................................258
6.4 Tratamento...........................................................................................................................................259
6.5 Fatores de risco e prevenção...............................................................................................................259
7. Hematúria macroscópica..............................................................................................................................260
7.1 Considerações gerais das hematúrias ������������������������������������������������������������������������������������������������260
7.2 Abordagem inicial e tratamento da hematúria macroscópica ������������������������������������������������������������261
7.3 Hematúria macroscópica de origem prostática ����������������������������������������������������������������������������������262
7.4 Hematúria macroscópica de origem no trato urinário superior ��������������������������������������������������������262
7.5 Sangramento uretral............................................................................................................................263
Leitura recomendada........................................................................................................................................264

Capítulo XXI
Trauma urogenital, 265
Eder Oliveira Rocha
Introdução......................................................................................................................................................266
1 Quadro clinico...............................................................................................................................................266
2 Diagnóstico por imagem...............................................................................................................................267
3 Classificação.................................................................................................................................................267
4 Tratamento....................................................................................................................................................268
5 Complicações................................................................................................................................................270
Trauma ureteral.............................................................................................................................................270
1 Quadro clínico...............................................................................................................................................271
2 Diagnóstico...................................................................................................................................................271
3 Classificação.................................................................................................................................................275
4 Tratamento....................................................................................................................................................276
5 Complicações................................................................................................................................................277
Trauma de bexiga...........................................................................................................................................277
1 Classificação.................................................................................................................................................277
2 Quadro clínico...............................................................................................................................................277
3 Diagnóstico...................................................................................................................................................278
4 Tratamento....................................................................................................................................................278
Trauma de uretra...........................................................................................................................................279
1 Quadro clínico...............................................................................................................................................279
2 Diagnóstico...................................................................................................................................................279
3 Tratamento....................................................................................................................................................280
4 Complicações................................................................................................................................................281
Trauma genital...............................................................................................................................................281
Leitura recomendada........................................................................................................................................283

Capítulo XXII
Doenças Sexualmente Transmissíveis, 284
Rodolfo Anísio Santana de Torres Bandeira e Daniel Cernach Ayres
Introdução......................................................................................................................................................285
1 Corrimento uretral.........................................................................................................................................286
1.1 Etiologia..............................................................................................................................................286
1.2 Etiopatogênia.......................................................................................................................................286
1.2.1 Uretrite gonocócica..........................................................................................................................286
1.2.2 Uretrite não gonocócica...................................................................................................................287
1.2.3 Uretrites persistentes........................................................................................................................287
1.3 Métodos diagnósticos para uretrites ��������������������������������������������������������������������������������������������������287
1.4 Tratamento para corrimento uretral ���������������������������������������������������������������������������������������������������288
1.5 Fluxograma para manejo clínico do corrimento uretral ��������������������������������������������������������������������290
2 Verrugas Anogenitais....................................................................................................................................290
2.1 Etiologia..............................................................................................................................................290
2.2 Transmissão.........................................................................................................................................291
2.3 Epidemiologia......................................................................................................................................292
2.4 Formas de apresentação......................................................................................................................292
2.5 Métodos diagnósticos para o HPV �����������������������������������������������������������������������������������������������������293
2.6 Tratamento das verrugas anogenitais ������������������������������������������������������������������������������������������������294
2.7 Prevenção da infecção pelo HPV �������������������������������������������������������������������������������������������������������296
2.8 Fluxograma para manejo clínico das verrugas genitais ��������������������������������������������������������������������297
3 Úlceras genitais.............................................................................................................................................297
3.1 Etiologia da úlcera genital..................................................................................................................297
3.2 Aspectos específicos das úlceras genitais �������������������������������������������������������������������������������������������298
3.2.1 Sífilis primária e secundária.............................................................................................................298
3.2.2 Herpes genital...................................................................................................................................299
3.2.3 Cancroide..........................................................................................................................................300
3.2.4 Linfogranumoma venéreo (LGV) �����������������������������������������������������������������������������������������������������301
3.2.5 Donovanose......................................................................................................................................301
3.2.6 Fluxograma para manejo clínico das úlceras genitais �������������������������������������������������������������������302
3.3 Métodos diagnósticos para úlceras genitais ��������������������������������������������������������������������������������������302
3.4 Tratamento para úlcera genital...........................................................................................................303
Leitura recomendada........................................................................................................................................305

Capítulo XXIII
Interpretação clínica do PSA, 306
Nelson Gaspar Dip Júnior
Considerações gerais......................................................................................................................................307
Biologia do PSA..............................................................................................................................................307
Características do PSA..................................................................................................................................310
1 PSA x idade...................................................................................................................................................310
2 Densidade do PSA........................................................................................................................................311
3 Velocidade de Crescimento do PSA..............................................................................................................311
4 Relação livre/total.........................................................................................................................................311
PSA e o diagnóstico do câncer de próstata �������������������������������������������������������������������������������������������������312
PSA e o estadiamento do câncer de próstata ����������������������������������������������������������������������������������������������313
PSA como marcador de resposta ao tratamento do CAP ��������������������������������������������������������������������������313
Leitura recomendada........................................................................................................................................314

Seção IV
Tumores Urológicos, 316

Capítulo XXIV
Câncer de próstata, 317
Eduardo Hidenobu Taromaru
Introdução......................................................................................................................................................318
1 Fatores de risco ............................................................................................................................................318
2 Rastreamento (screening) do câncer de próstata ������������������������������������������������������������������������������������������319
3 Diagnóstico...................................................................................................................................................319
4 Possíveis achados da BTRP..........................................................................................................................321
5 Estadiamento.................................................................................................................................................323
6 Exames complementares...............................................................................................................................325
7 Outros exames laboratoriais..........................................................................................................................325
8 Exames de imagem.......................................................................................................................................325
8.1 US de Próstata via Abdominal.............................................................................................................325
8.2 Cintilografia óssea...............................................................................................................................326
8.3 Tomografia Computadorizada de Pelve ���������������������������������������������������������������������������������������������326
8.4 Ressonância Magnética Multiparamétrica da Próstata ���������������������������������������������������������������������326
9 Tratamento....................................................................................................................................................327
9.1 CaP Localizado...................................................................................................................................327
9.2 CaP Localmente Avançado..................................................................................................................329
9.3 CaP Metastático..................................................................................................................................330
9.4 CaP Resistente à Castração................................................................................................................331
9.5 Tratamento Complementar Paliativo �������������������������������������������������������������������������������������������������332
Leitura recomendada........................................................................................................................................332

Capítulo XXV
Câncer de bexiga, 334
Alexandre Crippa Sant’Anna
Introdução......................................................................................................................................................335
1 Fatores de risco.............................................................................................................................................335
2 Tipos histológicos.........................................................................................................................................335
3 Quadro clínico...............................................................................................................................................336
4 Diagnóstico...................................................................................................................................................336
5 Estadiamento.................................................................................................................................................337
6 Grau histológico............................................................................................................................................339
7 Tratamento....................................................................................................................................................340
7.1 Tratamento dos Tumores Não Músculo-invasivos (pTa, pT1 e pTis) 340
7.2 Tratamento dos Tumores Músculo-invasivos ��������������������������������������������������������������������������������������342
8 Seguimento...................................................................................................................................................344
9 Complicações................................................................................................................................................344
Leitura recomendada........................................................................................................................................344

Capítulo XXVI
Câncer de rim, 346
Octavio Henrique Arcos Campos
1 Classificação.................................................................................................................................................347
2 Avaliação radiológica de massas renais �������������������������������������������������������������������������������������������������������348
3 Avaliação de lesões císticas..........................................................................................................................348
4 Carcinoma de células renais (CCR)..............................................................................................................348
4.1 Considerações Gerais..........................................................................................................................348
4.2 Etiologia..............................................................................................................................................350
4.3 Síndromes Familiares e Biologia Molecular ��������������������������������������������������������������������������������������350
5 Patologia.......................................................................................................................................................350
6 Apresentação clínica.....................................................................................................................................353
7 Estadiamento.................................................................................................................................................353
8 Tratamento....................................................................................................................................................355
Carcinoma de células renais localizado ���������������������������������������������������������������������������������������������������355
Carcinoma de células renais localmente avançado ���������������������������������������������������������������������������������357
Tratamento de carcinoma de células renais avançado �����������������������������������������������������������������������������359
Manejo cirúrgico do CCR metastático �����������������������������������������������������������������������������������������������������360
Quimioterapia convencional (citotóxica) �������������������������������������������������������������������������������������������������361
9 Prognóstico...................................................................................................................................................361
Leitura recomendada........................................................................................................................................362

Capítulo XXVII
Câncer de testículo, 365
Felipe Goulart Nehrer
Introdução......................................................................................................................................................366
1 Fatores de risco.............................................................................................................................................366
2 Classificação histológica...............................................................................................................................367
2.1 Neoplasia intratubular de células germinativas (ITGCN) �����������������������������������������������������������������367
2.2 Seminoma.............................................................................................................................................367
2.3 Carcinoma Embrionário......................................................................................................................367
2.4 Coriocarcinoma...................................................................................................................................368
2.5 Tumor do saco vitelino.........................................................................................................................368
2.6 Teratoma..............................................................................................................................................368
3 Quadro clínico...............................................................................................................................................368
4 Exame físico..................................................................................................................................................369
5 Diagnóstico...................................................................................................................................................369
5.1 Ultrassonografia com Doppler............................................................................................................369
5.2 Marcadores tumorais...........................................................................................................................369
6 Manejo inicial...............................................................................................................................................370
7 Estadiamento.................................................................................................................................................371
7.1 Considerações gerais...........................................................................................................................371
7.2 Exames de imagem para estadiamento �����������������������������������������������������������������������������������������������372
7.3 Marcadores tumorais para estadiamento �������������������������������������������������������������������������������������������372
7.4 Grupos de estadiamento......................................................................................................................373
7.5 Classificação prognóstica de tumores germinativos avançados ��������������������������������������������������������373
8 Tratamento....................................................................................................................................................373
8.1 Princípios terapêuticos........................................................................................................................373
8.2 Tratamento dos tumores seminomatosos ��������������������������������������������������������������������������������������������374
8.3 Tratamento dos tumores não seminomatosos �������������������������������������������������������������������������������������374
Leitura recomendada........................................................................................................................................374

AUTORES....................................................................................................... 375
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17 - Urologia para Graduação

Apresentação

A atualização médica nos dias hoje se tornou um desafio. Buscando o termo “câncer de próstata”
em um conceituado banco de dados, constatamos que foram publicados mais de 10.000 artigos científicos
sobre o assunto em 2017, tornando humanamente impossível manter-se completamente atualizado. E
devido a grande velocidade com que surge o conhecimento na área médica, o que temos como verdade
hoje em cinco anos não mais será, fazendo com que a atualização seja fundamental.
No ensino médico, observamos as mesmas dificuldades. E mais, em sua maioria, livros textos
de Medicina para a graduação médica são voltados para as áreas básicas.
Neste contexto surge o livro “Urologia para Graduação”, um trabalho conjunto da Universidade
Nove de Julho – UNINOVE e do Serviço de Urologia do Hospital do Servidor Público Municipal
(HSPM), com o objetivo de servir de curadoria, ou seja, uma fonte de conhecimento para a formação
médica em Urologia na graduação.
E mais. Pensando no aluno, o livro foi dividido em quatro seções para facilitar a compreensão
dos temas, sendo que cada seção serve de base para as demais. São estas: Propedêutica; Exames e
Procedimentos; Patologias; e Tumores Urológicos.
Nosso objetivo é atualizar o livro a cada dois anos e lançar uma plataforma digital com casos
clínicos em Urologia, de forma a manter nosso ensino médico em consonância com os nossos tempos.
Fazemos um agradecimento especial à Diretora do curso de Medicina da UNINOVE, Dra. Renata
Mahfuz Daud Gallotti, pois seu apoio foi fundamental para que nossa iniciativa tivesse êxito.
Desejo a todos uma ótima leitura e muito obrigado!

Alexandre Crippa Sant’Anna


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18 - Urologia para Graduação

Prefácio
O livro Urologia para Graduação, impecavelmente organizado pelo Prof. Dr. Alexandre Crippa
Sant’Anna e o Prof. Dr. Nelson Dip, representa um marco para o ensino de Urologia para a gradua-
ção em Medicina, especialmente para o Curso de Medicina da UNINOVE. Mais uma vez, a Editora
UNINOVE inova ao disponibilizar a alunos de graduação em Medicina obra de tamanha expressão.
Parabenizo a todos os autores que elaboraram cada um dos capítulos de forma primorosa, clara e cien-
tificamente balizada na literatura. Apresentar o livro Urologia para Graduação é uma grande honra
para mim.
Alunos de Medicina muito se beneficiarão com a leitura, uma vez que a obra se inicia na Seção
I com a apresentação de fundamentais aspectos morfofuncionais em Urologia, incluindo trato uriná-
rio superior, trato urinário inferior e a fisiologia da micção, essenciais para a compreensão dos aspec-
tos semiológicos em Urologia. Ilustrações excelentes promovem a facilidade de leitura.
Na sequência, a valorização da Semiologia está brilhantemente apresentada na Seção II, no ca-
pítulo Semiologia e Propedêutica Urológica, introduzindo o leitor nos principais sintomas e sinais
das afecções urológicas. A seguir, ainda na Seção II, são abordados aspectos cruciais relacionados a
exames complementares, com indicações precisas e embasadas na literatura. Os procedimentos apli-
cados à Urologia são também apresentados e discutidos na mesma seção.
As afecções urológicas prevalentes, aquelas com maior risco de morte e os acometimentos uro-
lógicos com maior poder de prevenção, de origem inflamatória, infecciosa, metabólica, traumática,
neoplásica, entre outras, são brilhantemente apresentadas nas Seções III e IV, respeitando a hierarqui-
zação da atenção em saúde e as melhores evidências científicas.
Uma ótima leitura a todos.

Renata Mahfuz Daud Gallotti


VOLTAR SEÇÃO II

SEÇÃO III

SEÇÃO IV

Seção I
Anatomia, Fisiologia e
Propedêutica em Urologia
Capítulo I – Anatomia do Trato Urinário Superior, 20
Rafael Maistro Malta
Capítulo II – Anatomia do Trato Urinário Inferior, 40
João Henrique Aguayo Mussy
Capítulo III – Fisiologia do Trato Urinário Superior e Inferior, 56
Rafael Maistro Malta
Capítulo IV – Fisiologia da micção, 67
Bruno Garcia Dias
Capítulo V – Semiologia e propedêutica urológica, 74
José Vinícius de Morais
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Capítulo I
Anatomia do Trato Urinário Superior
Rafael Maistro Malta
21 - Capítulo I | Anatomia do Trato Urinário Superior

Para entender a anatomia do trato urinário superior e seus desdobramentos clínico-cirúrgicos,


faz-se necessário um entendimento base do retroperitônio e da topografia de seus órgãos.

1 Retroperitônio
O trato urinário superior está contido dentro do compartimento retroperitoneal, uma cavida-
de virtual localizada entre os músculos e ossos da parede abdominal posterior e o peritônio parietal.
O limite posterior do retroperitônio é composto pela parede abdominal em sua porção lombar
dividida entre a parede posterior e a parede lateral.
A parede posterior é formada pelos seguintes músculos:
• Psoas maior – origem entre o 12º arco costal e L5 com inserção no trocânter menor do fêmur
• Psoas menor – origem de T12 a L1 e se insere na eminência iliopúbica
• Ilíaco – origem da região caudal da fossa ilíaca e inserção no trocânter menor do fêmur
• Quadrado lombar – origem em L5 e fossa ilíaca e inserção na borda inferior da 12ª costela e
nos processos transversos de L1 a L4
• Sacroespinhais – grande grupo muscular que tem em sua face anterior um largo tendão inse-
rido na crista sacral mediana, processos espinhosos de T11 a L5, e face dorsal da crista ilíaca
e crista sacral lateral, onde junta-se aos ligamentos sacrotuberosos e sacroilíacos posterio-
res. O músculo sacroespinhal subdivide-se em 3 porções: iliocostal, longuíssimo e espinhal.

Figura 1 – Aspecto posterior do abdome. Observe o posicionamento dos rins e suas relações com a
musculatura posterior e estruturas ósseas
Rafael Maistro Malta - 22

O músculo quadrado lombar e o músculo sacroespinhal estão configurados entre a fáscia


lombodorsal.
A parede lateral é composta, abaixo do subcutâneo, pelos seguintes planos musculares e fáscias:
• Oblíquo externo – origem nos arcos costais (5º até o 12º), percorrendo em direção inferome-
dial até sua inserção na crista ilíaca e linha alba. Forma o ligamento inguinal, entre a crista
ilíaca e o púbis.
• Oblíquo interno – origem na fáscia lombossacral e na crista ilíaca, com suas fibras correndo
em direção superomedial, inserindo-se na linha alba e arcos costais inferiores.
• Transverso do abdome – origem no 1/3 lateral do ligamento inguinal, borda interna da cris-
ta ilíaca, superfície interna das cartilagens costais das últimas 6 costelas e fáscia lombodor-
sal com inserção na crista púbica e na linha iliopectínea, linha alba, perfazendo a bainha do
reto abdominal.
• Fáscia transversalis – atravessa a linha média anteriormente e se liga à fáscia lombodorsal.
O limite superior do retroperitônio é formado pelos últimos arcos costais (10º, 11º e 12º) e o dia-
fragma. Os arcos costais protegem as estruturas retroperitoneais. Desse modo, fraturas desses arcos
são fortes indicadores de prováveis lesões retroperitoneais. Esses arcos diferem dos arcos superiores
por serem mais curtos e com uma angulação menor. A 11ª e a 12ª costelas são consideradas “flutuan-
tes” por não se articularem de forma alguma com o esterno. Tais arcos são de grande importância to-
pográfica para palpação e orientação cirúrgica de punções renais. Do mesmo modo que no tórax, para
as punções renais percutâneas, é importante lembrar que o feixe vasculonervoso passa na borda in-
ferior da costela superior, entre as camadas musculares internas e externas intercostais. A ordem de
estruturas que compões o feixe vasculonervoso das costelas, de superior para inferior, é assim deter-
minada: veia, artéria e nervo.

2 Fáscia toracolombar
A fáscia toracolombar, também descrita como fáscia lombodorsal, é composta por 3 comparti-
mentos, envolvendo a musculatura lombar (Figura 2):
• Posterior – posterior ao músculo sacroespinhal.
• Medial – entre o músculo sacroespinhal e o músculo quadrado lombar.
• Anterior – anterior ao músculo quadrado lombar.
Próximas à ponta da 12ª costela, essas três camadas unem-se em apenas uma, que segue em di-
reção lateral, formando a aponeurose do músculo transverso do abdome. Tal região permite a facili-
dade de acesso ao retroperitônio, através de apenas uma abertura na fáscia, sem que haja necessidade
de incisão muscular. As vantagens dessa via de acesso cirúrgica são menor sangramento de parede no
intraoperatório e menos dor no pós-operatório.
23 - Capítulo I | Anatomia do Trato Urinário Superior

Figura 2 – Fáscia toracolombar e a disposição da musculatura posterior por entre seus folhetos

O compartimento no qual se localiza o trato urinário superior fica delimitado pela fáscia renal
(Gerota), composta por uma lâmina anterior (fáscia de Toldt) e uma posterior (fáscia de Zuckerkandl),
determinando os limites dos espaços retroperitoneais: espaço pararrenal posterior, espaço perirrenal
e espaço pararrenal anterior.
O espaço perirrenal contém a adrenal, o rim, o ureter, a gordura perirrenal, o pedículo vascular
e os vasos gonadais. Os espaços perirrenais apresentam pontos de comunicação (na altura do hilo re-
nal) com o espaço contralateral. Outra consideração importante a ser feita é que o espaço perirrenal é
aberto inferiormente, apresentando ligação direta com a gordura pélvica extraperitoneal. O significa-
do clínico-cirúrgico dessa disposição é que líquidos perinefréticos (coleções purulentas, urina, linfa
ou sangue) ficam contidos dentro do espaço perirrenal se a fáscia renal estiver intacta e podem drenar
contralateralmente ou inferiormente para a pelve.
O espaço pararrenal anterior é delimitado entre a lâmina anterior da fáscia renal e a porção pos-
terior do peritônio parietal. Seu valor clínico é o acesso à fáscia de Gerota e ao rim através da cavi-
dade peritoneal, após a liberação da linha branca de Toldt (formada pela fusão do peritônio posterior
e o mesentério colônico).
Rafael Maistro Malta - 24

Figura 3 – Espaço perirrenal e as estruturas nele contidas. Nessa figura estão demonstrados três elementos do espaço
perirrenal: o rim, os vasos do hilo renal e a gordura perirrenal. Note também a demonstração esquemática do acesso
por lombotomia posterior, que pode ser realizada sem incisões musculares

3 Estruturas vasculares retroperitoneais


O retroperitônio contém a aorta e seus ramos. A aorta adentra a porção retroperitoneal do ab-
dome através do hiato aórtico, localizado no diafragma na altura de T12, correndo medialmente à es-
querda da veia cava inferior (Figura 4).
Os primeiros ramos emitidos são as artérias frênicas inferiores, responsáveis pela nutrição do
diafragma e por emitir ramos adrenais superiores (artéria adrenal superior). Ao se comparar com ra-
mos adrenais médios e inferiores, os ramos superiores são os mais anatomicamente constantes. O mais
comum é que as artérias adrenais médias originem-se diretamente da aorta e as inferiores das artérias
renais ipsilaterais (Figura 5).
O segundo ramo da aorta é o tronco celíaco, que origina a artéria gástrica esquerda, a artéria es-
plênica, e a artéria hepática comum. O terceiro ramo é a artéria mesentérica superior, na parte anterior
da aorta, na altura de L1-L2, ao mesmo nível das artérias adrenais médias (Figura 4).
Os próximos ramos a emergirem da aorta são as artérias renais na altura média de L1. Existe va-
riação considerável das artérias renais em número, comprimento e localização (Figura 4). Em apro-
ximadamente 25% dos pacientes, as artérias renais direita e esquerda são acompanhadas de artérias
renais supranumerárias, sendo mais comuns a direita.
25 - Capítulo I | Anatomia do Trato Urinário Superior

As artérias gonadais são os próximos ramos pareados da aorta, e surgem anterolateralmente. São
denominadas, especificamente, artérias testiculares nos homens e ovarianas nas mulheres (Figura 4).
Ramos pareados das artérias lombares emergem posteriormente, suprindo a parede lombar pos-
terior e a coluna a cada nível vertebral. A artéria mesentérica inferior surge na linha média, ao nível
de L3-L4, suprindo o colón esquerdo e reto alto.
Próximo à bifurcação aortoilíaca, o último ramo aórtico, a artéria sacral média, emerge, corren-
do inferiormente pelo sacro.

Figura 4 – Aorta abdominal e seus ramos. Note, em destaque, a vascularização triarterial da adrenal, as artérias
renais e as gonadais partindo da face lateral e anterior da aorta, respectivamente
Rafael Maistro Malta - 26

Figura 5 – Esquema detalhando a vascularização da adrenal. Note os 3 ramos arteriais e suas respectivas origens,
além das particularidades da drenagem venosa: a veia adrenal direita é curta, calibrosa e drena direto na VCI,
enquanto que a via adrenal esquerda drena para a veia renal do mesmo lado

A maior parte do sistema venoso retroperitoneal e seus ramos acompanham a vascularização ar-
terial. Válvulas bicúspides estão presentes para manter o fluxo unidirecional cefálico. A maior estru-
tura venosa retroperitoneal é a veia cava inferior (VCI), formada a partir da união das ilíacas comuns,
inferior e a direita da bifurcação aórtica. A sua porção infra-renal corre anteriormente aos corpos ver-
tebrais e paralelamente à aorta. Em sua porção suprarrenal, a VCI torna-se mais anterior e, ao nível
do diafragma, é separada pelo pilar diafragmático direito. A VCI adentra o tórax pelo tendão central
do diafragma, ao nível de T8 e termina no átrio direito.
O sistema venoso é mais variável que o arterial, mesmo seguindo a tendência de sempre acom-
panhá-lo (Figura 5).
A veia lombar ascendente drena a parede abdominal e corre posteriormente ao músculo psoas e
lateralmente aos corpos vertebrais, juntando-se às veias lombares ipsilaterais. Ao chegarem no tórax,
formam o sistema Ázigos à direita e Hemiázigos à esquerda.
Nos homens, as veias gonadais são formadas a partir do plexo pampiniforme, percorrendo pa-
ralelamente a sua correspondente arterial e anteriormente ao ureter ipsilateral. A veia testicular es-
querda habitualmente tem sua inserção na veia renal esquerda em um ângulo reto. Por outro lado, a
veia testicular direita insere-se na VCI em sua porção anterolateral e em ângulo agudo (Figura 6).
27 - Capítulo I | Anatomia do Trato Urinário Superior

Em 10% dos casos ambas se inserem nas respectivas veias renais em 90º. O significado clínico des-
se padrão justifica a maior incidência de varicocele à esquerda. O achado clínico de uma varicocele
unilateral à direita e “súbita” deve levar a uma suspeita clínica de malignidade retroperitoneal, prin-
cipalmente tumores renais, sendo recomendada a investigação radiológica do retroperitônio. Em mu-
lheres, as veias ovarianas também são originadas do plexo pumpiniforme adjacente ao hilo ovariano,
passando pelo ligamento do infundíbulo pélvico. Sua drenagem habitual também segue o mesmo pa-
drão das veias testiculares.
As veias renais percorrem anteriormente as artérias renais e desembocam na VCI ao nível de
L1. A veia renal direita é mais curta e não tem tributárias importantes. A veia renal esquerda é mais
longa e recebe 3 tributárias: a veia gonadal esquerda (na face inferior), a segunda veia lombar esquer-
da (na face posterior) e a veia adrenal esquerda (na face superior) (Figura 6). Em 1/6 dos casos, a veia
renal direita é duplicada.

Figura 6 – Veia cava inferior e seus ramos. Note, em destaque, a veia renal esquerda recebendo 3 ramos, fato que
não ocorre na veia renal direita
Rafael Maistro Malta - 28

4 Sistema linfático
A regra geral de drenagem linfática do retroperitônio e dos órgãos genitourinários seguem o
padrão de inferior para superior e da direita para a esquerda. De modo semelhante, o padrão de dre-
nagem de metástases linfonodais de tumores primários em órgãos como rins e testículos segue a mes-
ma lógica. Tumores à direita tendem a emitir metástases para as cadeias paracavais e interaortocavais
(disseminação mais ampla), enquanto que tumores localizados à esquerda tendem a emitir suas metás-
tases linfonodais apenas para a cadeia para-aórtica (disseminação mais restrita). A Figura 7 demons-
tra essas características.

Figura 7 – Cadeias linfonodais retroperitoneais paracaval (direita), interaortocaval (meio) e para-aórtica (esquerda)

5 Estruturas nervosas do retroperitônio


As estruturas nervosas do retroperitônio são divididas em autonômicas e somáticas. O sistema
nervoso autônomo consiste, de um modo geral, em 2 nervos com 2 corpos celulares: o neurônio pré-
-ganglionar com seu corpo celular no sistema nervoso central, realizando sinapse periférica com um
segundo neurônio em um gânglio periférico. A exceção a essa regra é a adrenal, que recebe inerva-
ção direta do neurônio pré-ganglionar em sua camada medular. Assim, a medula adrenal é considera-
da um gânglio especializado do sistema nervoso autonômico.
O sistema nervoso parassimpático apresenta uma eferência de seus axônios crânio-sacral, origi-
nando-se dos pares cranianos III, VII, IX e X e do ramo ventral do 2º, 3º e 4º nervos sacrais. Por outro
29 - Capítulo I | Anatomia do Trato Urinário Superior

lado, o sistema nervoso simpático origina-se do 1º ramo torácico até os ramos de L2 pela raiz ventral,
percorrendo do nervo espinhal correspondente ao tronco simpático ipsilateral. Os troncos simpáticos
ficam próximos das artérias e veias lombares, cruzando com as mesmas, perpendicularmente. As fibras
pré-ganglionares fazem sinapse dentro dos gânglios do tronco simpático e enviam fibras pós-ganglio-
nares para a parede do corpo e extremidades inferiores. As fibras pré-ganglionares também podem dei-
xar o tronco como nervos esplâncnicos para sinapse com os gânglios dos plexos autonômicos da aorta.
O primeiro plexo nervoso abdominal é o celíaco, mandando ramos autonômicos para rins, adre-
nal, pelve renal e ureter (através do gânglio renal autonômico). Alguns ramos autonômicos do testícu-
lo também passam por esse plexo. Essa inervação explica, em parte, a presença de náuseas e vômitos
causados por uma cólica renal ou uma torção de testículo. Depois do plexo celíaco, seguem, em sequ-
ência inferior, o plexo aórtico, hipogástrico superior, hipogástrico inferior e pélvico. Os plexos mais
superiores (celíaco, aórtico e hipogástrico) são predominantemente simpáticos, enquanto que o ple-
xo pélvico tem predominância parassimpática. Grande parte da inervação das vísceras pélvicas passa
pelos plexos hipogástricos superior e inferior. Em dissecções extensas ou radioterapia do retroperi-
tônio, tais plexos podem ser inadvertidamente lesionados, causando ejaculação retrógrada (por falha
do fechamento do colo vesical no momento da ejaculação) e ausência de contração e esvaziamento
da vesícula seminal (Figura 8).
O sistema nervoso somático é responsável pela sensibilidade e motricidade do abdome e mem-
bros inferiores tem sua origem no retroperitônio, formam o plexo lombossacral com nervos origina-
dos a partir de T12 (Figura 9).
O último nervo subcostal é o T12 seguindo o padrão do feixe vasculonervoso subcostal, tendo
sua origem inferior a 12º costela. Sua função é promover sensibilidade e motricidade à parede abdo-
minal. Os seguintes nervos surgem a partir de fibras que se original dos cornos medulares e passam
pelo plexo lombossacral, quais sejam:
Ilio-hipogástrico origina-se de ramos de L1, inervando os músculos oblíquo interno e transver-
so do abdome e sensibilidade posterolateral do glúteo e região púbica.
• Ilioinguinal – surge de fibras do ramo anterior de L1 realizando também inervação motora
dos músculos oblíquos internos e transverso do abdome além de sensibilidade da região me-
dial da coxa, base do pênis, bolsa testicular e monte púbico (em mulheres, os lábios maiores).
• Genitofemoral – formado a partir de fibras de L1-L2, com função motora do músculo cremás-
ter e sensibilidade da bolsa testicular (ramo genital – passa pelo canal inguinal) e pele anterior
da raiz da coxa (ramo femoral – passa inferiormente ao ligamento inguinal). Esse nervo deve
ser protegido durante procedimentos como bexiga psoica e varicocelectomia laparoscópica.
• Cutâneo-lateral – inervação exclusivamente sensitiva da pele da coxa até o joelho em sua
porção anterolateral.
Rafael Maistro Malta - 30

• Obturador – origem nos ramos L3-L4 com inervação motora do músculo obturador externo,
pectíneo e musculatura do compartimento medial da coxa, além de função sensitiva da parte
medial da coxa. Tem especial significado clínico durante procedimentos de ressecção transu-
retral de bexiga, podendo ser estimulado pela corrente elétrica da ressecção, produzindo uma
adução abrupta da perna, podendo ocasionar a perfusão da bexiga pelo aparelho endoscópico.
• Femoral – origem em L2-L4, com inervação motora do ilíaco, do pectíneo e da musculatu-
ra do compartimento anterior da coxa e sensibilidade da região anterior e medial da perna.
• Ciático – origem de L4-S3, promovendo motricidade do compartimento posterior da coxa e
restante dos músculos da perna. Importante ressaltar que pode ser lesionado especialmente
durante procedimentos prolongados com uso de perneiras em flexão.

Figura 8 – Plexos nervosos autonômicos do retroperitônio


31 - Capítulo I | Anatomia do Trato Urinário Superior

Figura 9 – Esquema demonstrando a formação do sistema nervoso somático localizado no retroperitônio

6 Anatomia cirúrgica, radiográfica e endoscópica do rim e ureter


Os rins estão posicionados no retroperitônio, dentro da fáscia de Gerota, apoiados ou “deitados”
sobre o músculo psoas. Essa concepção facilita a memorização da posição de seus polos: o superior é
posterior e medial em relação ao polo inferior, além de apresentar uma rotação lateroposterior de 30º
em relação ao plano coronal.
Considerando a anatomia topográfica renal, o polo superior do rim esquerdo é localizado à altu-
ra da 11ª costela, enquanto o rim direito encontra-se em posição inferior em relação ao esquerdo, que
está à altura da 12ª costela. Os polos inferiores estão à altura da vértebra lombar de L3 e L4, respec-
tivamente, enquanto o hilo renal encontra-se à altura de L1 (Figura 10).
Rafael Maistro Malta - 32

Figura 10 – Posições anatômicas dos rins

O tamanho médio é de 10 a 12 cm de comprimento, 5 a 7,5 cm de largura e de 2,5 a 3 cm de


profundidade, pesando aproximadamente 125 a 170g cada um. Em crianças, os rins são relativamen-
te maiores, apresentando lobulações proeminentes, resultando em uma exposição maior ao trauma re-
nal fechado.
Em cortes longitudinais do rim, duas principais regiões macroscópicas podem ser identificadas:
o córtex, mais pálido e a medula, mais escura. A medula renal é dividida em 8 a 18 regiões estriadas
triangulares denominadas pirâmides renais, que recebem em seus ápices os cálices renais menores, as
primeiras estruturas do sistema coletor. As bases das pirâmides renais se localizam juntamente na di-
visão entre o córtex e a medula renal (divisão corticomedular). O córtex renal tem, aproximadamen-
te, 1 cm de comprimento, dispondo-se em contato com as bases das pirâmides e estendendo-se para
o interior do parênquima renal na forma de divisórias entres as pirâmides, as chamadas colunas de
Bertin. Nessa região passam as artérias segmentares e, em cirurgias percutâneas, punções nas colunas
de Bertin devem ser evitadas com o intuito de evitar a lesão dessas artérias e sangramento significati-
vo associado. A Figura 11 mostra todas as estruturas anatômicas discutidas até aqui.
33 - Capítulo I | Anatomia do Trato Urinário Superior

Figura 11 – Estruturas anatômicas que compõem o rim

As estruturas do hilo renal estão dispostas da seguinte forma: veia renal (mais anterior), artéria
renal (central), pelve renal (mais posterior). A vascularização arterial renal é feita classicamente por
uma artéria para cada rim, originando-se diretamente da aorta, à altura de L1 e L2. Após a entrada no
hilo, a artéria renal divide-se em ramos segmentares terminais (artéria segmentar anterior e posterior),
sem anastomoses ou colaterais significativas entre elas. Em vista disso, uma obstrução arterial leva a
um infarto renal segmentar. Tipicamente, o ramo segmentar posterior separa-se antes dos demais, ir-
rigando o 1/3 medial posterior do rim. O ramo anterior segue dividindo-se em 4 ramos: ramo apical,
ramo superior, ramo médio e ramo inferior. Em alguns casos, o ramo posterior passa anteriormente
ao ureter, que resulta em uma compressão extrínseca, promovendo em uma parte dos casos uma es-
tenose da junção ureteropiélica (estenose de JUP por vaso anômalo). Em 25 a 40% dos pacientes são
encontradas alguma variação anatômica da vascularização renal, sendo a maioria representada por ar-
téria renal supranumerária (Figura 12).
Rafael Maistro Malta - 34

Figura 12 – Divisão da vascularização arterial renal

Em teoria, o fato de não existirem anastomoses significativas entre artérias segmentares e de


existir uma divisão precoce entre ramos anteriores e posterior, permite que o rim apresente uma linha
avascular em seu corte coronal, denominada linha de Brodel. Nessa região, é possível uma incisão
com menor perda sanguínea, principalmente durante a cirurgia (nefrolitotomia) anatrófica.
Após adentrarem o seio renal, os ramos segmentares passam pelas colunas de Bertin, tornando-se
as artérias interlobares. Ao curvarem-se para correr paralelas as bases das pirâmides renais são identi-
ficadas como artérias arqueadas. Em seguida, emitem ramos menores, perpendiculares e denominadas
artérias interlobulares que, por fim, emitem os ramos aferentes para os glomérulos renais (Figura 13).
A drenagem venosa renal corre paralelamente à arterial. Entretanto, a drenagem venosa é com-
posta por uma grande rede de anastomoses colaterais e uma drenagem renal periférica significativa.
As veias renais percorrem anteriormente as artérias renais até atingirem a veia cava inferior. A veia
renal direita tem de 2 a 4 cm e a esquerda de 6 a 10 cm. Por conseguinte, a veia renal esquerda aca-
ba por receber mais ramos que a direita: a veia suprarrenal esquerda, a veia gonadal esquerda e a se-
gunda veia lombar (de grande significado pelo risco de avulsão durante a manipulação cirúrgica). O
cruzamento da veia renal esquerda abaixo da artéria mesentérica superior pode causar, sobretudo em
crianças e adolescentes, a síndrome de “nutcracker” (hematúria, dor no flanco esquerdo, varicocele
35 - Capítulo I | Anatomia do Trato Urinário Superior

esquerda, proteinúria ortostática, fadiga crônica e congestão pélvica). Observe, na Figura 4 deste ca-
pítulo, a relação anatômica entre a veia renal esquerda, a aorta e a mesentérica superior. A veia renal
pode ser comprimida entre a aorta (posterior) e a mesentérica superior (anterior), estabelecendo a sín-
drome descrita.

Figura 13 – Divisão da artéria segmentar, após sua entrada no parênquima renal

A drenagem linfática do rim ocorre perifericamente ou através no hilo renal. Ocorre um dife-
rente padrão de drenagem entre o rim direito e esquerdo, seguindo o padrão retroperitoneal (superior
e para a esquerda).
A inervação simpática do rim tem origem pré-ganglionar entre T8-L1 com contribuições signi-
ficativas do plexo celíaco. O ramo pós-ganglionar segue as artérias através do plexo autonômico, pro-
movendo vasoconstrição. Os ramos parassimpáticos são originários do vago e correm junto às fibras
simpáticas, provocando vasodilatação renal. Entretanto, é importante ressaltar que rins transplanta-
dos apresentam função normal porque o controle vasogênico renal é prioritariamente dependente do
controle humoral.

7 Anatomia do sistema pielocalicial


Os cálices renais variam amplamente em forma, tamanho e número, sendo diferentes, inclusive,
para cada rim no mesmo paciente. A menor estrutura do sistema coletor é o cálice menor. De modo
geral, o polo superior possui de 2 a 3 cálices menores, a região interpolar de 3 a 4, e o polo inferior,
Rafael Maistro Malta - 36

de 2 a 3. Cada cálice menor geralmente recebe uma papila renal (ápice da pirâmide renal medular).
O polo superior geralmente é drenado por um único cálice maior, assim como o inferior. Por outro
lado, o segmento médio do rim é drenado por grupamentos caliciais anteriores e posteriores de pares
de cálices. No formato clássico, todos esses cálices drenam em uma única pelve renal dentro do seio
renal (pelve intrarrenal). Uma variante desse padrão seria a drenagem para uma pelve fora do seio re-
nal (pelve extrarrenal). A capacidade da pelve renal varia de 3 a 10 ml (veja a Figura 11 e também a
Figura 14, abaixo).

Figura 14 – Disposição anatômica dos cálices renais maiores e menores, e pelve renal

Os ureteres seguem levando a urina da pelve renal até a bexiga, medindo, em adultos, de 22 a
30 cm e diâmetro interno variando de 1,5 mm a 6 mm. Três regiões anatômicas são importantes por
representarem os principais pontos de impactação de cálculos: a junção ureteropiélica (JUP), o cru-
zamento sobre os vasos ilíacos, e a junção ureterovesical (JUV). O ureter se localiza lateralmente aos
processos transversais das vértebras lombares. Arbitrariamente, o ureter é dividido em proximal, mé-
dio e distal. Segundo a nomenclatura anatômica, é dividido em abdominal (da JUP até o cruzamento
com as ilíacas), pélvico (do cruzamento até a bexiga) e intramural (JUV/parede vesical) (Figura 15).
A vascularização do ureter segue uma importante anatomia, importante em procedimentos ci-
rúrgicos que envolvem o ureter, não existindo um ramo arterial específico para a irrigação ureteral.
37 - Capítulo I | Anatomia do Trato Urinário Superior

Acima das artérias ilíacas comuns, os ramos vasculares penetram no ureter pela sua porção medial e
assim que cruza a ilíaca, os ramos passam a ser laterais. A vascularização do ureter, na região proxi-
mal recebe ramos da artéria renal e gonadal, a porção média do ureter recebe ramos diretos da aorta e
a porção distal recebe ramos da artéria hipogástrica (ilíaca interna), vesical superior e inferior. Desse
modo, deve-se respeitar essas particularidades durante a dissecção ureteral para se evitar a desvascu-
larização e possível estenose ou fístula. Assim, incisões ureterais acima dos vasos ilíacos devem ser
feitas lateralmente, enquanto que incisões mediais são mais adequadas na porção ureteral abaixo dos
vasos ilíacos (Figura 15). Além dessa regra, existe uma região anatômica crítica na qual o ureter pas-
sa imediatamente posterior à artéria uterina, o que muitas vezes pode resultar em ligadura inadvertida
do ureter durante cirurgias ginecológicas

Figura 15 – Esquerda: pontos de constrição fisiológica do ureter e possíveis áreas de impactação de cálculos.
Direita: observe a distribuição de irrigação arterial do ureter (medial para porção alta e lateral para a porção pélvica)

8 Anatomia da adrenal
As adrenais são órgãos endócrinos retroperitoneais, localizados cranialmente aos rins e separa-
dos dele por uma fina camada de tecido conjuntivo. Em ambos os lados, as adrenais estão localizadas
entre T11-T12. Sua dimensão varia de 2 a 3 cm de comprimento a 4 a 6 cm largura, pesando em mé-
dia 6 gramas. A adrenal esquerda apresenta forma de crescente (meia-lua) e a direita, forma piramidal.
A vascularização adrenal tem 3 fontes. Os ramos superiores são provenientes das artérias frêni-
cas inferiores, os médios saem da face lateral da aorta e os inferiores surgem da artéria renal ipsilateral
Rafael Maistro Malta - 38

(Veja Figura 5 nesse capítulo). Ao adentrar no órgão, as artérias distribuem-se em 3 camadas: arté-
rias capsulares, ramos corticais fenestrados que suprem o córtex e as arteríolas medulares sinusoides.
A medula renal recebe sangue de duas fontes: arterial das arteríolas medulares e venoso do sinusoide
cortical. Essa dupla vascularização é importante para a produção de catecolaminas. O suprimento ve-
noso advindo do córtex chega à medula com uma grande quantidade de glicocorticoides e isso é fun-
damental para a síntese destas.
A drenagem venosa varia em cada lado. À direita, um único ramo (veia adrenal direita) drena
direto para veia cava inferior, enquanto que à esquerda (veia adrenal esquerda) drena para a veia re-
nal ipsilateral.
A inervação da adrenal é importante para o controle e regulação de síntese das catecolaminas pe-
las células cromafins da medula renal, que recebe fibras pré-ganglionares do segmento torácico baixo
e lombar, passando direto pela cadeia simpática, realizando sinapse direta na medula renal.
A composição histológica básica da adrenal inclui o córtex e a medula. O córtex, por sua vez,
subdivide-se em 3 camadas concêntricas: a zona glomerular (15%) – responsável pela produção de
aldosterona, a zona fascicularda (80%) – responsável pela produção de glicocorticoides, principal-
mente cortisol, e a zona reticular (5%) – responsável pela produção de esteroides sexuais. A medula
adrenal é composta por células cromafins, que são, em sua essência, neurônios pós-ganglionares que
perderam os axônios e os dendritos (Figura 16).
39 - Capítulo I | Anatomia do Trato Urinário Superior

Figura 16 – A: esquema de divisão das camadas da adrenal (córtex e medula) e os


principais hormônios produzidos. B: corte histológico das mesmas estruturas

Leitura recomendada
MOORE, Keith L.; DALLEY, Arthur F.; AGUR, Anne M. R. Anatomia orientada para a clínica. 7.
ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017.
NETTER, F. H. Atlas de anatomia humana. 6. ed. Porto Alegre: Saunders-Elsevier, 2015.
SMITH, Joseph et al. Hinman’s atlas of urologic surgery. 4th. ed. Filadélfia: Elsevier; 2017.
WEIN, Alan J. et al. Campbell-Walsh urology. 11th ed edition review. Philadelphia : Saunders, 2015.
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Capítulo II
Anatomia do Trato Urinário Inferior
João Henrique Aguayo Mussy
41 - Capítulo II | Anatomia do Trato Urinário Inferior

Esse capítulo tem como propósito demonstrar a anatomia do trato urinário inferior, orientando
o aluno em relação às características de cada órgão componente desse sistema.

1 Bexiga
A bexiga, órgão cuja função é armazenar urina, tem a capacidade de aproximadamente 500ml
e, quando cheia, assume a forma ovoide. Anterior e lateralmente, a bexiga é suportada por tecido con-
juntivo e gordura perivesical retropúbica (espaço de Retzius). Esse espaço pode ser utilizado como
acesso extraperitoneal à bexiga e à próstata. A base da bexiga tem íntima relação com as vesículas se-
minais e ureteres terminais, como mostra a Figura 1 abaixo.
A superfície vesical é formada pelo urotélio, antigamente chamado de epitélio de transição,
composto por 6 camadas de células que repousam na membrana basal. Abaixo desta, segue a lâmina
própria ou muscular da mucosa, seguida pela camada muscular. A camada muscular é dividida em 3
partes, a interna e a externa que possuem fibras longitudinais, e a central com fibras circulares.
A cerca de 3 cm da entrada do ureter na bexiga, um reforço fibromuscular longitudinal chama-
do de bainha de Waldeyer é formado e estende-se até o trígono vesical. Esse mecanismo impede o re-
fluxo ureteral passivo de urina para o trato urinário superior. Nessa região é comum também ocorrer
obstrução por cálculos. O triângulo de urotélio formado entre os dois meatos ureterais e o meato ure-
tral interno é conhecido como trígono vesical.
O trígono vesical, contíguo à próstata, é firmemente fixado à pelve. No homem, o colo vesical
é formado por um anel muscular forte e composto por rica inervação noradrenérgica que contrai no
momento da ejaculação promovendo o impulso anterógrado do esperma (Figura 2).
A bexiga é irrigada pelos ramos das artérias ilíacas internas, que formam pedículos laterais e
posteriores. As artérias obturatórias e glútea inferior também participam dessa irrigação. O plexo ve-
noso vesical drena para o sistema da ilíaca interna e para o plexo vertebral.
A drenagem linfática se faz para linfonodos ilíacos internos e externos.
A inervação autonômica da bexiga e uretra é oriunda dos plexos vesical e prostático, que se ori-
ginam a partir do plexo hipogástrico inferior. Fibras eferentes autonômicas da porção anterior do ple-
xo pélvico (plexo vesical) passam pelos ligamentos laterais e posteriores para inervarem a bexiga.
O plexo hipogástrico superior, abaixo da bifurcação da aorta se divide nos dois nervos hipogás-
tricos inferiores direito e esquerdo. O nervo hipogástrico inferior atravessa o estreito superior de pel-
ve e se une com os nervos esplâncnicos sacrais, originando o plexo hipogástrico inferior.
João Henrique Aguayo Mussy - 42

Figura 1 – Relações anatômicas da bexiga no homem (acima) e na mulher (abaixo)

Figura 2 – Bexiga no homem (corte coronal). Observe o trígono vesical, o colo vesical, a próstata e uretra
prostática e membranosa
43 - Capítulo II | Anatomia do Trato Urinário Inferior

Na via parassimpática do sistema nervoso autônomo, os neurônios pré-ganglionares estão loca-


lizados na porção lateral da substância cinzenta intermédia da medula sacral, chamada de núcleo pa-
rassimpático sacral. Os neurônios parassimpáticos pós-ganglionares se localizam na parede da bexiga
e no plexo pélvico. O principal neurotransmissor do sistema parassimpático é a acetilcolina (ACh).
Os receptores de ACh se localizam principalmente no fundo da bexiga e em menor quantidade na re-
gião da uretra posterior.

2 Uretra
A uretra é dividida em porções, anterior e posterior. A porção anterior começa na membrana
perineal e vai até o meato uretral distal. Já a porção posterior começa no colo vesical e termina na
membrana perineal. A uretra é composta por epitélio transicional ou urotélio, que se torna escamoso
na fossa navicular (no homem), na sua porção mais distal. O suprimento arterial origina-se na artéria
pudenda interna.
A uretra masculina começa no colo vesical e se estende até o meato uretral na glande (Figura 3).
Ela é composta por musculatura estriada e lisa. No homem a uretra pode ser dividida em quatro por-
ções: prostática, membranosa, bulbar e peniana, essa última terminando na fossa navicular. Na porção
membranosa encontram-se camadas musculares que formam o esfíncter uretral externo. O verumon-
tanum é formado pelo alargamento e protrusão da uretra na parede posterior na uretra membranosa.
Nele encontram-se os utrículos prostáticos (remanescentes mullerianos).

Figura 3 – Uretra masculina. Note o esfíncter uretral interno (colo vesical), o esfíncter estriado externo (na uretra
membranosa), as glândulas bulbouretrais (de Cowper), utrículo prostático e a uretra mais distal (fossa navicular)

A uretra feminina estende-se do terço distal da parede vaginal anterior, do colo vesical até o me-
ato uretral. A uretra na mulher tem aproximadamente 4 cm de comprimento (Figura 4).
João Henrique Aguayo Mussy - 44

Figura 4 – Bexiga e uretra feminina (corte coronal). Observe o trígono vesical, a uretra feminina e sua íntima relação
com a vagina

3 Próstata
A próstata é uma glândula com formato ovoide e pesa cerca de 20 gramas. Ela é homóloga à
glândula de Skene na mulher. A próstata é composta por tecido glandular e fibromuscular, e posiciona-
da inferiormente à bexiga. No seu interior passa a uretra prostática, mergulhada na zona de transição.
O ápice prostático é contiguo ao esfíncter estriado uretral (Figuras 5 e 6). O nervo cavernoso, respon-
sável pela ereção, passa lateralmente à próstata, de cada lado, e deve ser preservado, quando possível,
durante a prostatectomia radical para tratamento do câncer de próstata localizado.
45 - Capítulo II | Anatomia do Trato Urinário Inferior

A próstata é dividida em 3 zonas anatômicas: zona periférica, central e de transição. A zona de


transição corresponde a 10% do tecido glandular normal, mas pode chegar até 80% na glândula com
hiperplasia benigna. A zona central se expande para a base vesical e envolve os ductos ejaculatórios.
Esta zona corresponde a 25% da glândula. A zona periférica é a maior, representando 70% da glân-
dula na sua porção posterior e lateral. Aproximadamente 70% dos tumores de próstata são encontra-
dos nessa zona. (Figura 7).

Figura 5 – Próstata (corte sagital). Note sua relação com o colo vesical e as vesículas seminais anteriormente ao
reto. Entre o reto e as vesículas seminais encontra-se a fáscia de Denonvilliers

Figura 6 – Próstata (corte transversal). Note a uretra prostática ao centro e os ductos ejaculatórios inferiormente
João Henrique Aguayo Mussy - 46

A irrigação prostática é feita tipicamente pela artéria vesical inferior. Esta se ramifica em ar-
térias uretrais que entram na junção vesicoprostática posterolateralmente (às 5h e 7h) e penetram
perpendicularmente até a uretra. Da artéria vesical inferior também se origina a artéria capsular,
que penetra e irriga a porção anterior da glândula. Ramos da artéria pudenda interna e da retal média
também complementam a irrigação prostática (Figura 8).

Figura 7 – Modelo de McNeal da anatomia zonal da próstata. Note que a região periuretral está envolvida na
zona de transição e os ductos ejaculatórios, envolvidos pela zona central

A drenagem venosa é feita pelo plexo periprostático que se anastomosa com a veia dorsal pro-
funda do pênis e a veia ilíaca interna, formando o plexo venoso de Santorini. Os linfonodos obturató-
rios e ilíacos internos são os primeiros sítios de drenagem linfática da próstata.
47 - Capítulo II | Anatomia do Trato Urinário Inferior

Figura 8 – Irrigação prostática. Note os ramos arteriais prostáticos partindo da artéria vesical inferior e os ramos
nervosos do plexo pélvico (incluindo o ramo cavernoso para o pênis). Observe também a íntima relação venosa
prostática e peniana profunda (plexo venoso de Santorini)

As vesículas seminais são dois órgãos complementares e adjacentes à glândula prostática. Estão
localizadas posteriormente à bexiga e na frente do reto e tem função reprodutiva bem estabelecida
(armazenamento do esperma). Medialmente às vesículas seminais, localizam-se os ductos deferentes
que parte dos testículos e entram no abdome inferior pelo canal inguinal. Correm cefalicamente, cur-
vando-se posteriormente à bexiga para novamente deslocarem-se inferior e medialmente às vesículas
seminais para entrarem na próstata (zona central) (Figura 9). Assim que penetram na próstata, os duc-
tos deferentes recebem os ductos das vesículas seminais e passam a ser chamados de ductos ejacula-
dores, que se abrem no utrículo prostático.
João Henrique Aguayo Mussy - 48

Figura 9 – Próstata (visão posterior). Note as vesículas seminais lateralmente e os ductos deferentes medialmente.
Observe também a inserção dos ureteres na musculatura detrusora vesical, bilateralmente

4 Pênis
O pênis é composto por dois corpos cavernosos e um corpo esponjoso. Os corpos cavernosos
são responsáveis pela ereção. Um septo permeável separa os dois corpos cavernosos. Estes são reves-
tidos pela rígida túnica albugínea (Figura 10) e afastam-se de seu aspecto medial, prosseguindo late-
ralmente até a crura, mantendo íntimo contato com o ísquio (Figura 11).
Durante a ereção, as camadas externas e longitudinais e as camadas internas e circulares da tú-
nica albugínea se esticam firmemente. O corpo cavernoso é circundado pela fáscia de Buck dorsal-
mente. Essa fáscia se separa para envolver o corpo esponjoso ventralmente. A uretra é envolta pelo
corpo esponjoso, que se expande na sua porção mais distal para formar a glande (Figuras 10 e 11).
49 - Capítulo II | Anatomia do Trato Urinário Inferior

Figura 10 – Pênis, corpos cavernosos e esponjoso revestidos pela fáscia de Buck (profunda) e Dartos (superficial)
João Henrique Aguayo Mussy - 50

Figura 11 – Pênis. Corpos cavernosos e sua relação com o ísquio na crura e musculatura perineal. Corpo esponjoso
e glande estão esquematicamente separados dos corpos cavernosos para facilitar o entendimento anatômico

A irrigação peniana é feita por um sistema arterial superficial originado da artéria pudenda exter-
na e por um sistema profundo que surge lateralmente pela artéria pudenda interna. A artéria pudenda
interna origina uma artéria profunda que supre o corpo cavernoso (artéria cavernosa), além da arté-
ria dorsal e da artéria bulbouretral. Esta última supre o corpo esponjoso, a glande e a uretra. A artéria
dorsal corre entre as veias dorsais e o nervo dorsal peniano abaixo da fáscia de Buck. Distalmente, ela
supre os corpos cavernosos, o corpo esponjoso e a uretra (Figuras 12-13).
51 - Capítulo II | Anatomia do Trato Urinário Inferior

Figura 12 – Pênis (corte transversal). Note os corpos cavernosos revestidos pela túnica albugínea, corpo
esponjoso com uretra central e revestido pela túnica albugínea. Irrigação pelas artérias dorsais e veia dorsal
profunda, além da veia dorsal superficial. Observe nesse corte as artérias dorsais (mais superiormente e
logo abaixo da fáscia de Buck) e as artérias cavernosas localizadas no centro de cada corpo cavernoso

Figura 13 – Vascularização arterial do pênis


João Henrique Aguayo Mussy - 52

A drenagem venosa do pênis é feita pela veia superficial acima da fáscia de Buck e pela veia
profunda abaixo dessa. A veia dorsal corre entre os corpos e drena para o plexo venoso periprostá-
tico. A drenagem linfática converge no dorso e drenam bilateralmente para os linfonodos inguinais.

5 Testículos
Os testículos são órgãos com funções reprodutivas e endócrinas que ficam alojados no escro-
to. Cada testículo tem aproximadamente 5 cm de comprimento, com volume que varia de 15 a 25 ml.
Este órgão tem forma ovoide e cor branca, com um pequeno pedículo em seu polo superior denomina-
do apêndice testicular. O testículo é revestido por uma cápsula rígida, composta pelas túnicas vaginal
visceral e albugínea. O epidídimo fica anexado ao testículo em sua porção posterolateral (Figura 14).
Após a migração do testículo para a bolsa testicular, a comunicação entre o testículo e a túni-
ca vaginal (conduto peritônio-vaginal) se fecha. Se isto não ocorrer, a criança pode desenvolver uma
hérnia inguinal indireta.
O testículo é composto por túbulos seminíferos que contém células germinativas, células de
sustentação, dentre outras células. As células de Leydig, produtoras de testosterona, ficam dispostas no
tecido intersticial ao redor dos túbulos seminíferos. Esse tecido intersticial corresponde a 20-30% do
volume testicular. As células de Sertoli repousam na membrana basal dos túbulos seminíferos. Existem
fortes junções entre essas células que compartimenta os túbulos seminíferos num espaço luminal,
formando uma rede de anastomoses, chamada de rede testis, e forma de 12 a 20 ductos eferentes que
se anastomosam para formar o epidídimo, um órgão anexo e localizado posterolateralmente ao testí-
culo. O epidídimo é um grande emaranhado de um único ducto (se esticado teria cerca de 4 metros) e
composto por 3 estruturas: cabeça, corpo e cauda. Da porção mais distal do epidídimo (a cauda) par-
te o ducto deferente (Figura 14).
A irrigação testicular é feita por três artérias: artéria testicular (ou artéria espermática interna),
artéria do vaso deferente (ou artéria deferencial) e artéria cremastérica (ou artéria espermática exter-
na). Destas, a artéria testicular é a mais importante na irrigação. A drenagem venosa é feita pelo plexo
pampiniforme, que é uma rede de veias testiculares que se anastomosam na subida e ao redor da ar-
téria testicular. Após o canal inguinal, forma-se a veia gonadal, que drena para a veia cava à direita, e
para a veia renal esquerda à esquerda. A maior dificuldade de drenagem venosa do testículo esquerdo
está relacionada com a presença de varicocele (dilatação dos vasos do plexo pampiniforme) desse lado.
Todas as estruturas necessárias ao testículo chegam a ele (ou partem dele) pelo cordão espermá-
tico, formado por um conjunto de fáscias e estruturas. São elas: as 3 artérias, o plexo pampiniforme,
vasos linfáticos, o deferente, os nervos ilioinguinal e genitofemoral e as fáscias descritas na Figura 15.
53 - Capítulo II | Anatomia do Trato Urinário Inferior

Figura 14 – Testículo (corte longitudinal). Note os túbulos seminíferos contidos em lobos, rede testis e ductos eferentes
formando o epidídimo (cabeça, corpo e cauda) e finalmente o ducto deferente. À direita, esquema organizacional dos
túbulos seminíferos.

6 Escroto
A bolsa escrotal é uma dobra de pele da região perineal, que abriga o testículo, epidídimo e os
elementos do funículo espermático. A pele do escroto é composta por pelos, bem pigmentada, rugo-
sa, com muitas glândulas sudoríparas e ausência de gordura. Abaixo da pele encontra-se a fáscia de
Dartos, cujo músculo liso é contíguo com as fáscias de Colles, Scarpa e a fáscia de Dartos do pênis.
Depois da Dartos, seguem uma série de fáscias mais profundas que se continuam a partir das fáscias
abdominais anteriores (Figura 15).
As artérias da parede escrotal correm paralelas às rugas e não cruzam a rafe mediana. Ramos
dos nervos ilioinguinal e genitofemoral inervam a parede escrotal anterior.
João Henrique Aguayo Mussy - 54

Figura 15 – Escroto e cordão espermático. Acima: cordão espermático dirigindo-se inferiormente ao


escroto através do anel inguinal externo, o deferente, a artéria espermática e o plexo pampiniforme.
Observe o escroto com septo central e os testículos. Abaixo: as camadas que revestem o testículo (pele,
Dartos, fáscia espermática externa, fáscia cremastérica, fáscia espermática interna, túnica vaginal –
parietal e visceral, e túnica albugínea).
55 - Capítulo II | Anatomia do Trato Urinário Inferior

Leitura recomendada
MOORE, Keith L.; DALLEY, Arthur F.; AGUR, Anne M. R. Anatomia orientada para a clínica. 7.
ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017.
NETTER, F. H. Atlas de anatomia humana. 6. ed. Porto Alegre: Saunders-Elsevier, 2015.
SMITH, Joseph et al. Hinman’s atlas of urologic surgery. 4th. ed. Filadélfia: Elsevier; 2017.
WEIN, Alan J. et al. Campbell-Walsh urology. 11th ed edition review. Philadelphia : Saunders, 2015.
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Capítulo III
Fisiologia do Trato Urinário
Superior e Inferior
Rafael Maistro Malta
57 - Capítulo III | Fisiologia do Trato Urinário Superior e Inferior

O objetivo deste capítulo não é detalhar minuciosamente a fisiologia renal, mas trazer conhe-
cimentos sólidos que auxiliem o raciocínio clínico das principais patologias renais e os princípios ci-
rúrgicos das mesmas.

1 Rins
A principal função dos rins é a filtração glomerular. Através da filtração passiva do plasma pela
membrana glomerular, o rim é capaz de regular a concentração de sal e água, eletrólitos e eliminar os
subprodutos do metabolismo proteico.

Figura 1 – Modelo esquemático do néfron


Rafael Maistro Malta - 58

O processo de filtração é regido pela lei de Starling. A taxa de filtração glomerular (TFG) é de-
terminada pelas diferenças nas pressões hidrostática e oncótica entre os capilares glomerulares e o
espaço de Bowman, além da permeabilidade da membrana glomerular. A TFG reflete a função renal
total. Clinicamente, a TFG pode ser estimada pelo clearance de creatinina.
TFG = Permeabilidade glomerular x S x (pressão hidrostática – pressão oncótica), onde S é a
área de superfície glomerular.
Em condições normais, a TFG é mantida constante, apesar das flutuações nas pressões arterial
sistêmica e do fluxo renal. Esta estabilidade é alcançada através do mecanismo de auto regulação e
feedback túbulo-glomerular.
Com o aumento da pressão arterial média (PAM), ocorre um aumento do tônus da arteríola afe-
rente e consequente controle da pressão hidrostática. Da mesma forma, com a redução da PAM, ocor-
re relaxamento do tônus da arteríola aferente e aumento do fluxo do glomérulo para manter a TFG
constante. Esse é o mecanismo de autorregulação.
A taxa de fluxo do ultrafiltrado tubular é monitorado por células da mácula densa, uma área de
células especializadas, localizadas na porção ascendente da alça de Henle, na transição para o túbulo
contorcido distal. As células da mácula densa são sensíveis à concentração de cloreto de sódio no tú-
bulo contorcido distal (Figura 2).

Figura 2 – Desenho esquemático do aparelho justaglomerular e da mácula densa

Com a diminuição da TFG ocorre aumento da concentração de sódio e cloreto no ultrafiltrado.


O aumento de NaCl gera resposta da mácula densa que produz renina e ativa o sistema renina-angio-
tensina-aldosterona com o objetivo de reter sódio no organismo.
59 - Capítulo III | Fisiologia do Trato Urinário Superior e Inferior

Existe uma complexidade de hormônios e substâncias vasoativas que, direta ou indiretamente,


regulam o tônus vascular renal. Dentre eles, a endotelina é o mais potente vasoconstrictor e o óxido
nítrico o maior vasodilatador.
O rim também tem um papel importante na regulação da vitamina D. Esta vitamina contribui
para a atividade fisiológica da mineralização óssea, mantendo o cálcio sérico e o fósforo normais atra-
vés da absorção intestinal, além do aumento de reabsorção renal de cálcio. O hormônio PTH auxilia
nesse processo com aumento da reabsorção óssea de cálcio e excreção de fósforo, estimulando a pro-
dução de calcitriol.
O hormônio antidiurético (ADH) ou vasopressina aumenta a reabsorção de água passivamente
nos ductos coletores renais. Esse mecanismo tem a função de manter a osmolaridade e o volume atra-
vés da regulação da excreção de água livre nos rins.
Eritropoetina é um hormônio glicoproteico produzido essencialmente no córtex renal, mais pre-
cisamente por fibroblastos intersticiais adjacentes aos túbulos proximais renais. Em pequenas quan-
tidades é produzida no fígado e no cérebro. Sua principal função é regular a eritropoese, o processo
natural de produção de glóbulos vermelhos do sangue, atuando diretamente na medula óssea.
Os túbulos renais têm duas funções principais: absorção e secreção, sendo que cada segmen-
to do túbulo tem uma função especializada. O túbulo contorcido proximal (TCP) é responsável pela
reabsorção de 60% do filtrado glomerular. Ali o sódio é reabsorvido ativamente e traz com ele outros
solutos. Noventa por cento do bicarbonato também é reabsorvido no TCP. Junto com todos esses so-
lutos a água é reabsorvida de forma passiva devido ao gradiente osmótico desencadeado.
Na alça de Henle é absorvido cerca de 30% do sódio e reabsorvido NaCl em excesso para formar
um interstício medular extremamente concentrado. A porção descendente torna hiperosmolar o fluido
tubular, por ser permeável à água e impermeável a solutos. Na porção ascendente, ocorre o contrário,
pois não há reabsorção de água com a saída de solutos por meio do gradiente de concentração, sendo
que no final do trajeto da alça de Henle, há como resultado urina hiperosmolar. Esse complexo meca-
nismo importante para a concentração urinária é chamado de mecanismo de contracorrente (Figura 3).
No túbulo contorcido distal, ocorre a reabsorção do excesso de sódio que não foi absorvido an-
teriormente. Já no túbulo coletor, ocorre a reabsorção de água livre e concentração urinária, regula-
da pelo ADH.
Rafael Maistro Malta - 60

Figura 3 – Mecanismo multiplicador de contracorrente

2 Ureter
A função do ureter é transportar urina desde o rim até a bexiga. Esse transporte decorre da peris-
talse ureteral, através de marca-passo que se origina no cálice menor, cuja atividade elétrica determi-
na o ritmo de contração ureteral. O impulso elétrico é então propagado passivamente, célula a célula,
distalmente, promovendo o efeito mecânico de peristalse e contração ureteral que propele a urina para
baixo, em direção à bexiga. Se algo interrompe esse processo (estenose de JUP – junção ureteropiéli-
ca, por exemplo), o transporte de urina fica prejudicado.
Distalmente, o bolus de urina passa através da junção ureterovesical (JUV) e atinge a bexiga.
Esta junção permite a passagem de urina para a bexiga, porém impede seu retorno para o ureter. Este
mecanismo antirrefluxo ocorre de forma passiva e é corroborado pela bainha de Waldeyer. Quando
há uma anormalidade anatômica na JUV ou pressão intravesical é muito elevada pode ocorrer reflu-
xo de urina para o trato urinário superior.
Nas gestantes e na infância ocorrem alterações fisiológicas na contratilidade do ureter com con-
sequente dilatação fisiológica. Nas gestantes, esse efeito é devido a ação da progesterona.
61 - Capítulo III | Fisiologia do Trato Urinário Superior e Inferior

3 Bexiga e micção
A micção pode ser explicada por um complexo circuito neural entre o cérebro e a coluna espi-
nhal que coordena a atividade da musculatura lisa vesical e da uretra, promovendo assim, armazena-
mento e esvaziamento da urina. Além disso, a continência é garantida pela ação voluntária do músculo
estriado do esfíncter uretral.
A bexiga, como órgão de armazenamento, obedece a lei de Laplace, onde a tensão na parede da
bexiga para armazenar a uma certa pressão é diretamente proporcional ao raio da sua curvatura. Assim,
devido à sua complacência, a bexiga consegue armazenar urina em baixa pressão.

Figura 4 – Lei de Laplace, onde T é a tensão da parede vesical, R é o raio, Pves é a pressão
intravesical e d é a espessura da parede vesical
Rafael Maistro Malta - 62

A bexiga desempenha várias funções importantes. Primeiro, ela deve armazenar um volume so-
cialmente adequado de urina. A parede da bexiga deve ser capaz de esticar e rearranjar-se para per-
mitir um aumento no volume da mesma, sem aumento de sua pressão. Por outras palavras, a parede
vesical deve ser altamente complacente. Em segundo lugar, o músculo liso e os nervos intrínsecos têm
de ser protegidos da exposição à urina pelo urotélio. Este que também deve se expandir prontamente
durante o enchimento vesical. Em terceiro lugar, o esvaziamento da bexiga requer ativação sincrônica
do músculo liso do corpo da bexiga, porque se apenas uma parte da parede contrair, as áreas não con-
traídas podem evitar o aumento da pressão necessária para que a urina seja expelida através da uretra
de modo efetivo. Isto é o que frequentemente ocorre em um homem idoso com HPB que desenvolve
retenção urinária aguda e divertículos vesicais.
O músculo liso consiste em uma lâmina contendo inúmeras pequenas células em forma de fuso
ligadas entre si por junções justas. As células do músculo liso contêm actina e miosina, mas essas pro-
teínas não estão dispostas em um sarcômero comum. Em vez disso, cada célula muscular lisa consiste
de uma matriz mais variável de proteínas contráteis que é ligada à membrana plasmática nos comple-
xos de junção intercelular. O músculo liso mantém um nível constante de tensão que pode ser modu-
lado por hormônios circulantes, por fatores locais, como óxido nítrico, ou por atividade nos nervos
autonômicos. O músculo liso é mais adaptável do que o músculo esquelético e é capaz de ajustar seu
comprimento em uma faixa muito maior.
A contração do músculo liso é lenta, sustentada e resistente à fadiga. O músculo liso leva 30 ve-
zes mais tempo para se contrair e relaxar do que o músculo esquelético e pode manter a mesma ten-
são contrátil por períodos prolongados usando menos de 1% do custo de energia.
Os receptores muscarínicos induzem a contração do detrusor, em resposta à acetilcolina libera-
da pelas terminações nervosas parassimpáticas. Esse processo é mediado por entrada de cálcio atra-
vés de canais de cálcio. Embora o cálcio tenha o mesmo papel desencadeante na contração em todos
tipos de músculo, o mecanismo de ativação é diferente no músculo liso. A resposta contrátil é mais
lenta e mais duradoura do que a do músculo esquelético e cardíaco, por exemplo.
Evidências recentes sugerem que a bexiga “normal” pode ser espontaneamente ativa e gerar con-
trações espontâneas exacerbadas que poderiam contribuir para o desenvolvimento de uma bexiga hipe-
rativa. Uma população de células na bexiga conhecidas como células intersticiais ou miofibroblastos
parecem desempenhar um papel de marca-passo na atividade espontânea da bexiga.
A parede da bexiga também é composta pelo estroma, que entremeia as bandas de músculos, va-
sos e nervos. Os principais constituintes do estroma da bexiga são colágeno e elastina, em uma matriz
composta de proteoglicanos. As células principais são fibroblastos. As propriedades mecânicas pas-
sivas da parede vesical dependem das propriedades visco-elásticas do estroma e do músculo detrusor
relaxado. Na bexiga normal, os colágenos mais abundantes são os tipos I, III e IV.
63 - Capítulo III | Fisiologia do Trato Urinário Superior e Inferior

A proporção de tecido conjuntivo para a de músculo liso aumenta significativamente em bexigas


pouco complacentes quando comparada com bexigas normais. A relação do colágeno tipo III para o
tipo I também foi significativamente elevada. Pode-se concluir que a fraca função de armazenamen-
to vesical é secundária a uma alteração no tecido conjuntivo da parede vesical, especialmente com o
aumento do colágeno tipo III.
As funções básicas da bexiga são o armazenamento de urina, manutenção de composição de uri-
na e esvaziamento apropriado em intervalos de tempo determinados. O urotélio possui funções fisio-
lógicas vinculadas a todas essas funções básicas e, como tal, não pode ser considerado uma simples
barreira inerte entre a urina e o plasma.
A camada de glicosaminoglicanos (GAG) presente no urotélio pode ter importância na antia-
derência bacteriana e na prevenção do dano urotelial por macromoléculas. No entanto, não há evi-
dência definitiva que a camada GAG atua como a barreira epitelial primária entre a urina e o plasma.
As umbrella cells ou células em guarda-chuva são responsáveis por essa barreira primária de
várias formas. Primeiro, elas têm a capacidade de aumentar e diminuir consideravelmente a sua área
de superfície, principalmente na superfície apical (luminal). Em segundo lugar, elas podem ser multi-
nucleadas. Terceiro, elas têm uma membrana de superfície apical incomum, que é descrita como uma
unidade assimétrica, com o folheto externo constituído por placas proteicas e lipídios, e com um fo-
lheto interno de lipídios. Quarto, essas células mantêm um gradiente extremamente alto entre o plasma
e a urina em termos de concentração de água, de ureia e de potássio, osmolalidade e pH. Além disso,
proteínas chamadas uroplaquinas podem ter um papel fundamental na barreira plasma-urina primária
por atuarem como um local de ligação primária do uropatógeno Escherichia coli.
A micção depende também de um controle nervoso. O trato urinário inferior é inervado por três
conjuntos de nervos periféricos que envolvem os sistemas parassimpático, simpático e os nervos so-
máticos. Os nervos parassimpáticos pélvicos surgem no nível sacral, e tem como função contrair a be-
xiga e relaxar a uretra. Já os nervos simpáticos lombares inibem o corpo da bexiga e excitam a base
da bexiga e a uretra. Os nervos pudendos inervam o esfíncter uretral externo.
Os neurônios parassimpáticos pós-ganglionares estão localizados na parede do detrusor, bem
como no plexo pélvico. É um fato importante porque pacientes com cauda equina ou lesão do ple-
xo pélvico são neurologicamente descentralizados, mas podem não ser completamente desnervados,
mantendo alguma contração vesical.
As vias simpáticas periféricas seguem uma rota complexa que passa da cadeia de gânglios sim-
páticos para os gânglios mesentéricos inferiores e então, através dos nervos hipogástricos para, final-
mente, chegarem aos gânglios pélvicos.
Já os neurônios motores do esfíncter uretral externo estão localizados ao longo da borda lateral
do corno ventral, comumente referido como o núcleo de Onuf.
Rafael Maistro Malta - 64

A via aferente do trato urinário baixo é transmitida por axônios aferentes na região pélvica, hi-
pogástrica e pudenda para a medula espinhal lombossacra. Os neurônios aferentes primários dos ner-
vos pélvico e pudendo estão contidos nos gânglios da raiz dorsal sacral.
A via aferente pélvica, que monitora o volume da bexiga e a amplitude da contração da bexiga,
consiste em fibras mielinizadas (Aä) e não mielinizados (tipo C). Durante condições neuropáticas e
possivelmente condições inflamatórias, há recrutamento de fibras C que formam uma nova via aferen-
te funcional que pode causar incontinência de urgência e possivelmente dor na bexiga.

Figura 5 – Corte transversal da medula espinal sacral. Distribuição neuroanatômica de aferentes primários e
componentes eferentes de armazenamento e reflexos de micção. Os componentes aferentes são mostrados apenas
à esquerda e os eferentes são mostrados apenas à direita. Ambos os componentes são, obviamente, distribuídos
bilateralmente e assim se sobrepõem amplamente. Os componentes aferentes viscerais representam a bexiga, uretra
e fibras aferentes genitais (glande ou clitóris) contidos nos nervos pélvico e pudendo. Os componentes aferentes
perineais cutâneos representam as fibras aferentes que inervam a pele perineal contidas no nervo pudendo. EUS
– esfíncter uretral externo; LCP – projeção colateral lateral; MCP – projeção colateral medial; SPN – núcleo
parassimpático sacral.

Múltiplos caminhos de reflexos são organizados no cérebro e na medula espinhal e resultam na


coordenação entre a bexiga urinária e a uretra. As vias centrais que controlam a função do trato uriná-
rio inferior são organizadas como simples circuitos de liga-desliga que mantém uma relação recípro-
ca entre a bexiga urinária e a saída de urina na uretra.
65 - Capítulo III | Fisiologia do Trato Urinário Superior e Inferior

A acomodação da bexiga, com o aumento de volume de urina, é principalmente um fenômeno


passivo dependente das propriedades intrínsecas do músculo liso vesical e do estroma, bem como da
via eferente parassimpática. Existe também um reflexo simpático da bexiga que contribui como um
feedback negativo ou mecanismo de armazenamento de urina, que promove o fechamento da uretra e
inibe as contrações neuronais da bexiga durante o seu enchimento. Os nervos motores pudendos são
ativados pela via aferente da bexiga (reflexo guardião), enquanto que durante a micção esses neurô-
nios são inibidos.
A fase de armazenamento da bexiga pode ser alterada para a fase miccional involuntariamen-
te ou voluntariamente. O primeiro é facilmente demonstrado na infância ou em pacientes com bexi-
ga neuropática quando a tensão da parede da bexiga excede o limiar de micção devido ao aumento do
volume de urina. Neste momento, o aumento de tensão dos receptores aferentes inverte o padrão para
o eferente de esvaziamento, disparando as vias parassimpáticas sacrais e inibindo os caminhos simpá-
ticos e somáticos. A fase de micção consiste em um relaxamento inicial do esfíncter uretral seguido
em alguns segundos por uma contração da bexiga, um aumento de pressão da bexiga e fluxo de urina.
O relaxamento do músculo liso da uretra durante a micção é mediado por ativação de uma via paras-
simpática que desencadeia a liberação de óxido nítrico e pela remoção dos estímulos excitatórios so-
máticos para a uretra. A via parassimpática de controle de micção é regulada por uma via complexa
organizada pelo centro pontino de micção.
O sistema neural de controle de micção funciona como um simples circuito de liga-desliga para
manter uma relação recíproca entre o reservatório (bexiga) e os componentes de saída (uretra e es-
fíncter uretral). Este circuito é modulado por vários neurotransmissores e é sensível a uma variedade
de drogas. Na infância, os circuitos funcionam de forma puramente reflexa para produzir movimen-
tos involuntários. No entanto, no adulto o armazenamento de urina e a sua liberação estão sujeitas a
controle voluntário.
Lesões ou doenças do sistema nervoso em adultos podem interromper o controle voluntário da
micção, causando o ressurgimento da micção reflexa, resultando em hiperatividade do músculo de-
trusor e incontinência urinaria. Devido à complexidade do controle nervoso central do trato urinário
inferior, a incontinência pode resultar de uma variedade de distúrbios neurológicos. Estudos experi-
mentais indicam que a hiperatividade do detrusor ocorre após uma ampla gama de doenças neuroló-
gicas, incluindo a interrupção dos circuitos inibitórios corticais, interrupção da função dos gânglios
basais (doença de Parkinson), danos nas vias do cérebro para a medula espinhal (esclerose múltipla,
lesão da medula espinhal) e sensibilização dos aferentes da bexiga.
Vários mecanismos contribuem para o surgimento de disfunção vesical, incluindo reorganização
de conexões sinápticas na medula espinhal, mudanças na expressão dos neurotransmissores e recep-
tores, alterações nas interações neurais de órgãos-alvo e mudanças na função do músculo liso. Uma
compreensão dos eventos fisiológicos que regulam a micção e a continência fornece uma base racio-
nal para o manejo da disfunção do trato urinário inferior.
Rafael Maistro Malta - 66

Leitura recomendada
GUYTON, Arthur C. (in memoriam); HALL, John Edward. Tratado de fisiologia médica. 13. ed. Rio
de Janeiro : Elsevier, 2017.
MOORE, Keith L.; DALLEY, Arthur F.; AGUR, Anne M. R. Anatomia orientada para a clínica. 7.
ed. Rio de Janeiro : Guanabara Koogan, 2017.
NARDI, Aguinado Cesar. Urologia Brasil. São Paulo: Planmark; 2013.
NETTER, H. Frank. The Ciba Collection of Medical Illustrations: v. 6: kidneys, ureters, and urinary
bladder. 11 th ed. New York: [S.l.], 1973.
TANAGHO, E. A.; McANINCH, J. W. Smith’s General Urology. 17th ed. New York: The McGraw-
Hill Companies; 2008.
ZATZ, Roberto. Bases fisiológicas da nefrologia. São Paulo: Atheneu; 2011.
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Capítulo IV
Fisiologia da micção
Bruno Garcia Dias
68 - Capítulo IV | Fisiologia da micção

Introdução
O ato fisiológico de urinar é um complexo processo que envolve transmissão de impulsos ner-
vosos, contração e relaxamento de musculaturas lisa e estriada, dutos e reservatório com dois princi-
pais objetivos: armazenar e eliminar a urina. Para se compreender a fisiologia da micção é importante
entender sobre os órgãos e estruturas envolvidos nesse processo. Embora já descrita sob enfoque mais
anatômico no capítulo de anatomia do trato urinário inferior, aqui essas funções fisiológicas serão
abordadas com maiores detalhes.
A urina, formada nos rins, escoa através dos ureteres seguindo o gradiente de pressão e peristal-
tismo até a bexiga, onde é armazenada a baixas pressões. A bexiga é composta por um músculo cha-
mado detrusor e, como tal, pode contrair ou relaxar, armazenando ou eliminando a urina para o meio
externo através da uretra.
Há também dois esfíncteres fundamentais para retenção ou esvaziamento da urina: o esfíncter
interno, localizado no colo vesical e composto por musculatura lisa, e o esfíncter externo, localizado
na uretra membranosa e composto por musculatura estriada (o esfíncter externo possui também um
componente intrínseco involuntário, denominado esfíncter intrínseco) (Figura 1). Entre os esfíncteres
interno e externo temos, no homem, a glândula prostática, responsável por parte da produção do líqui-
do espermático, que não é objeto de função miccional e, portanto, não fará parte da discussão deste
capítulo. Esta glândula, no entanto, pode causar obstrução da uretra quando há hiperplasia e, portan-
to, problemas para urinar (Figura 1). O esfíncter externo está dentro de uma região conhecida como
diafragma urogenital. Na mulher, esses mecanismos esfincterianos funcionam de forma um pouco
diferente, por conta das características anatômicas da uretra feminina e suas relações com a bexiga.

1 Inervação
Entre os receptores encontrados na bexiga destacam-se o receptor muscarínico M3 e o recep-
tor β-adrenérgico β3. Na musculatura lisa do esfíncter interno (colo vesical) predominam receptores
α-adrenérgicos α1 (mais especificamente, os subtipos α1a) e na musculatura estriada do esfíncter ex-
terno (esfíncter voluntário da uretra membranosa) temos os receptores nicotínicos. O sistema nervoso
central (SNC) controla essas funções através do sistema nervoso autômono (simpático e parassimpá-
tico) e voluntário (somático).
Sinais são enviados para o trato urinário através dos nervos por três importantes vias eferentes
(motoras).
O primeiro nervo eferente, denominado nervo pélvico, é autônomo, parassimpático e se origina
da região sacral da medula espinhal entre os níveis S2 e S4. A acetilcolina (Ach) liberada pelo nervo
pélvico é ligada aos receptores M3 presentes no músculo detrusor, provocando sua contração.
Bruno Garcia Dias - 69

Figura 1 – Representação esquemática dos esfíncteres da uretra posterior masculina

O segundo nervo, que se origina também na região sacral, entre S2 e S4, é o nervo pudendo, so-
mático e que funciona sob controle voluntário. O nervo pudendo também libera Ach que atua sobre
o receptor nicotínico no esfíncter externo (uretra membranosa). A Ach, liberada a partir do nervo pu-
dendo, se liga no receptor nicotínico e promove a contração do esfíncter externo. O nervo pudendo
está sempre em funcionamento quando o organismo está promovendo a continência social, permitin-
do o aumento da resistência uretral e a permanência da urina na bexiga.
O terceiro nervo denomina-se nervo hipogástrico e é parte do sistema nervoso simpático. Suas
fibras pré-simpáticas são provenientes da região toracolombar da medula espinhal, entre os níveis T10
e L2, e fazem sinapse em um gânglio pélvico que, por sua vez, passa informações a uma fibra pós-si-
náptica. Esses estímulos seguem por duas vias distintas e atuam em órgãos alvos diferentes: a bexiga
e o esfíncter interno (colo vesical). Por ser um nervo pós-simpático, possui como neurotransmissor
principal a noradrenalina (NA). Quando a NA liga-se ao receptor β3 no músculo detrusor, provoca seu
relaxamento (um efeito negativo) e quando liga-se ao receptor α1, no esfíncter interno, provoca sua
70 - Capítulo IV | Fisiologia da micção

contração (um efeito positivo). Assim, fica claro que o nervo hipogástrico (ou sistema nervoso simpá-
tico) é completamente responsável pelo armazenamento de urina de modo continente, com a muscu-
latura vesical detrusora relaxada (aumentando a complacência vesical) e o esfíncter interno contraído
(auxiliando os mecanismos de continência).
Receptores sensoriais presentes na bexiga transmitem informações através de impulsos nervo-
sos aferentes sobre mínima e imperceptível pressão vesical e detrusora, inflamação e outros estímu-
los, acompanhando principalmente o nervo simpático e parassimpático aos seus núcleos situados na
medula espinhal toracolombar e sacral, respectivamente. Esses feixes aferentes terminam no corno
dorsal da medula espinhal, formado por substância cinzenta. Essas fibras aferentes são de dois tipos:
mielinizadas A-delta (fibras rápidas) e tipo C não mielinizadas (fibras lentas). Durante enchimento
normal da bexiga, as fibras A-delta normalmente são as responsáveis por passar informações da be-
xiga e as fibras C, que possuem alto limiar de disparo, ficam nesse momento inativas. As fibras C são
ativadas principalmente nos processos de urgência miccional, onde estímulos considerados nocivos à
bexiga são detectados nas mais diversas situações (infecção urinária, irritantes químicos, acidez, au-
mento do potássio, entre outros), gerando sensações desagradáveis como dor, queimação e desconforto
na região hipogástrica. Em uma situação considerada nociva ao armazenamento (cistite, por exem-
plo) as fibras C sensitivas podem ser danificadas, permitindo sintomas muito desagradáveis com pe-
quena distensão vesical.

2 Fase de enchimento
Com a bexiga vazia, não há alongamento das fibras musculares do detrusor. Nessa situação, o
nervo pélvico sensorial apenas envia impulsos lentos em direção aos neurônios na medula espinhal na
região sacral que estimulam o nervo hipogástrico (simpático) da região toracolombar que, de manei-
ra coordenada, sensibiliza os receptores α1 no esfíncter interno, causando sua contração. Ao mesmo
tempo, o nervo hipogástrico estimula os receptores β3 na musculatura detrusora, causando seu rela-
xamento. Essas ações do nervo hipogástrico são coordenadas pela ponte e encéfalo, e permitem que a
bexiga receba urina de forma contínua, mantendo-se complacente e com baixa pressão.
Além disso, existem alguns sinais que estão sendo enviados para a medula sacral (núcleo de Onuf,
voluntário), que inibem o nervo pélvico eferente, ao mesmo tempo que estimula, nessa mesma região,
o nervo pudendo que, por sua vez, envia estímulo aos receptores nicotínicos no esfíncter externo, cau-
sando sua contração. Por esse motivo somos capazes de manter a continência de maneira voluntária.
Em suma, os eventos mais importantes da fase de enchimento são (Figura 2):
• Sistema nervoso simpático (ativo) – relaxamento da bexiga e manutenção da continência;
• Sistema nervoso parassimpático (inibido) – contrações do detrusor ausentes;
• Sistema nervoso somático/nervo pudendo (ativo) – contração do esfíncter externo.
Bruno Garcia Dias - 71

Figura 2 – Esquema demonstrando o funcionamento das vias nervosas na fase de enchimento

3 Fase de esvaziamento
Durante a fase de esvaziamento, ou seja, quando a bexiga está repleta, ocorre a distensão das fi-
bras musculares do detrusor com envio de estímulos aferentes através do nervo pélvico (sensorial). A
grandeza dessa distensão detrusora é diretamente proporcional ao disparo de estímulos que seguem
pelo nervo pélvico sensorial. Isso significa que, quanto mais cheia a bexiga, maior será o desejo (von-
tade) para urinar. À medida que esses estímulos alcançam a ponte (centro pontino coordenador), pro-
gressivamente ocorrerá uma inibição do nervo hipogástrico (simpático) que culminará com a inibição
do relaxamento vesical e a inibição dos receptores α1, promovendo relaxamento do esfíncter interno
(colo vesical).
Além disso, o centro pontino da micção também estimulará o nervo pélvico (parassimpático)
eferente que estimulará a contração do detrusor, através da sua ação nos receptores muscarínicos M3.
72 - Capítulo IV | Fisiologia da micção

Por fim, o nervo pudendo, sob estímulo parassimpático indireto, também será inibido, fato que
promoverá o relaxamento do esfíncter externo voluntário.
Em resumo, os eventos mais importantes da fase de esvaziamento são (Figura 3):
• Sistema nervoso simpático (inibido) – relaxamento da bexiga ausente;
• Sistema nervoso parassimpático (ativo) – contrações do detrusor;
• Sistema nervoso somático/nervo pudendo (inibido) – relaxamento do esfíncter externo.

Figura 3 – Esquema demonstrando o funcionamento das vias nervosas na fase de esvaziamento

4 Via de controle central


A formação reticular da ponte é fundamental para o controle do armazenamento e esvaziamen-
to normal de urina. Sua projeção medial é conhecida como centro miccional da ponte e sua ativação
estimula o processo de micção, gerando uma redução da pressão uretral via projeções para neurônios
Bruno Garcia Dias - 73

inibitórios sacrais na coluna celular intermediária (comissura cinzenta dorsal), que em parte inibe os
neurônios motores do esfíncter externo no núcleo de Onuf.
Ocorre também um aumento da pressão vesical por meio da via parassimpática sacral excitatória
que contrai o detrusor e relaxa a musculatura pélvica. Enquanto a projeção lateral da formação reti-
cular é conhecida como centro de continência da ponte, essa segue o caminho oposto, isto é, excita a
musculatura estriada do esfíncter externo após ativar o núcleo de Onuf. O controle de inibição central
se projeta de um centro do giro frontal inferior do telencéfalo para neurônios que inibem a atividade
do giro cíngulo, da área parassimpática pré-óptica e da substância cinzenta periaquedutal.

5 Arco reflexo miccional e maturação do trato urinário inferior


Nos primeiros anos de vida, o sistema urinário funciona por arco reflexo. Ainda por imaturidade
no desenvolvimento das vias supramedulares de regulação do processo miccional, as fibras muscula-
res do detrusor, quando estiradas pelo enchimento de urina, enviam sinais aferentes à medula espinhal
que, por meio de um arco reflexo, provoca a micção. Conforme o sistema nervoso ganha maturidade,
esse processo fica sob controle de centros cerebrais superiores.
O controle voluntário, nesse circuito, requer uma grande quantidade de fibras neuronais e é, pro-
vavelmente, acompanhado pela inibição da via interneuronal sacral, que promove o reflexo miccio-
nal. Quando há lesão ou interrupção das fibras da medula espinhal com perda de controles superiores
(trauma ou doença neurológica, por exemplo), as vias sacrais interneuronais são restabelecidas e o
arco reflexo miccional começa a predominar novamente. Essa via interneuronal sacral pode estar en-
volvida na patogênese da hiperatividade detrusora.

Leitura recomendada
McANINCH, Jack W.; LUE, Tom F. Urologia geral de Smith e Tanagho. 18. ed. – Porto Alegre:
AMGH, 2014.
NARDI, Aguinado Cesar. Urologia Brasil. São Paulo: Planmark; 2013.
WEIN, Alan J. et al. Campbell-Walsh urology. 11th ed. edition review. Philadelphia: Saunders, 2015.
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Capítulo V
Semiologia e propedêutica urológica
José Vinícius de Morais
75 - Capítulo V | Semiologia e propedêutica urológica

Avaliação do paciente urológico


Pacientes podem necessitar de avaliação urológica desde o pré-natal até a senilidade. Apesar da
evolução dos métodos diagnósticos, a abordagem básica depende de história e exame físico.
É importante investigar, além dos sintomas relacionados à queixa principal, antecedentes pessoais
como comorbidades, doenças pregressas, uso de medicações, cirurgias prévias, manipulação do trato
urinário e antecedentes familiares. Hábitos como, por exemplo, tabagismo, e exposição ocupacional,
são também relevantes para diversas patologias do trato geniturinário (TGU).

1 Queixa principal
Esse tópico deve ser categoricamente definido mesmo que a avaliação identifique situações
mais sérias e urgentes. É importante avaliar duração, severidade, cronicidade, periodicidade e grau
de limitação gerada.

2 Manisfestações sistêmicas
As principais manifestações sistêmicas de patologias urológicas são febre e perda de peso.
Febre está associada a processos infecciosos de órgãos parenquimatosos, tais como o rim (pielo-
nefrite) e próstata (prostatite). Cistite é, essencialmente, patologia que não provoca febre. Perda pon-
deral pode acontecer em estágios avançados de neoplasias, porém também pode estar presente em
infecções crônicas ou falência renal.

3 Dor
Geralmente associada à obstrução (cálculos independente do tamanho e coágulos, por exemplo)
ou inflamação, podendo ser caracterizada por dor local ou referida.
Processos inflamatórios provocam dor mais severa quando envolvem o parênquima de órgãos
sólidos do trato geniturinário, a citar: pielonefrite, prostatite e epididimite. Geralmente a dor é conse-
quente ao edema e distensão da cápsula do órgão envolvido. Quando a inflamação envolve a mucosa,
tais como a da bexiga e do ureter, produz desconforto.
Tumores geralmente não causam dor, exceto em casos de obstrução, ou extensão além do órgão
primário, envolvendo nervos adjacentes. É manifestação tardia de doenças avançadas.
José Vinícius de Morais - 76

3.1. Dor renal


É decorrente da distensão da cápsula renal e localizada no ângulo costovertebral, lateral ao
músculo sacroespinhoso, abaixo da 12ª costela. Pode irradiar-se anteriormente para flanco, quadrante
inferior do abdome e genitália (testículos ou parede vaginal).
Doenças renais e retroperitoneais podem ser suspeitadas se houver dor testicular, cujo testículo
se apresente normal ao exame físico. Esse fato é explicado pela origem embriológica do órgão.
Pode haver associação com sintomas gastrintestinais pela proximidade ou por estímulo reflexo
do gânglio celíaco. Diferentemente de dor de origem intraperitoneal, em que o repouso ameniza o sin-
toma, a dor renal cursa com agitação e inquietação do paciente durante a crise álgica.

3.2. Dor ureteral


A dor ureteral caracteriza-se por ser aguda, tipo cólica e consequente a processos obstrutivos,
promovendo distensão, hiperperistalse e espasmo da musculatura lisa do ureter.
Pode-se inferir possível localização da obstrução de acordo com localização da dor:
• No ureter superior pode-se associar a dor testicular ipsilateral ou vagina.
• No ureter médio, a dor se localiza em quadrantes inferiores do abdome, podendo simular
apendicite ou diverticulite aguda.
• No ureter distal, a dor costuma se irradiar para a região inguinal e escroto ou grandes lábios
vaginais.
• Na junção ureterovesical (JUV), a dor associa-se a sintomas de armazenamento, e/ou dor ao
longo da uretra ou ponta do pênis (glande).

3.3. Dor vesical


A dor vesical é causada por retenção urinária aguda ou inflamação. Dor suprapúbica constante,
sem retenção, raramente tem origem urológica.
77 - Capítulo V | Semiologia e propedêutica urológica

Figura 1 – Projeção cutânea da dor renal (pontilhado) e da dor ureteral (linhas)

3.4 Estrangúria
Dor suprapúbica ao final da micção.

3.5 Dor prostática


Vago desconforto perineal ou retal e lombalgia. Associa-se a sintomas de armazenamento.

3.6 Dor peniana


No pênis flácido, geralmente é secundária à inflamação da bexiga ou uretra, sendo referida prin-
cipalmente no meato ureteral, ou parafimose.
No pênis ereto, está relacionada a priapismo ou à doença de Peyronie.

3.7 Dor testicular


Pode ser dor referida de origem renal, ureter superior, retroperitônio ou hérnia inguinal.
José Vinícius de Morais - 78

Como dor primária, pode ser aguda decorrente de processos inflamatórios (orquite ou orquie-
pididimite) e isquêmicos (torção de testículo), ou crônica não inflamatórias, decorrentes de hidroce-
le e varicocele.

4 Hematúria
Hematúria é definida como presença de sangue na urina, sendo significativa se houver mais que
3 hemácias por campo de grande aumento (400x). Pode ser microscópica (ou seja, aparece apenas no
exame de urina) ou macroscópica (vista a olho nu), com aumento da chance de patologia significativa
quanto maior o grau da hematúria. Geralmente é indolor. Entretanto, quando dolorosa costuma estar
relacionada a processos inflamatórios ou obstrutivos.
Pode ser dividida em hematúria inicial (proveniente da uretra anterior), total (originária da be-
xiga e do trato urinário superior) ou terminal (proveniente do trígono, colo vesical ou próstata).
A presença de coágulos indica grau mais significativo, com maior probabilidade de que uma pa-
tologia urológica seja identificada.

5 Sintomas do trato urinário inferior

5.1 Armazenamento
• Frequência – ocorre por aumento da diurese ou diminuição da capacidade vesical. O espera-
do para adulto é de 5 a 6 vezes com volume aproximado de 300 ml em cada micção.
• Noctúria – aumento da frequência urinária noturna.
• Urgência – vontade imperiosa de urinar.
• Disúria – dor ou desconforto durante a micção.
• Incontinência de urgência – vontade imperiosa de urinar associada à perda involuntária de urina.

5.2 Esvaziamento
• Jato fraco – diminuição da força ou calibre do jato.
• Hesitância – atraso para iniciar a micção.
• Intermitência – interrupção involuntária da micção.
• Esforço miccional – uso de musculatura abdominal para realizar micção.
• Gotejamento terminal – perda de pequenas quantidades de urina após terminar micção.
• Esvaziamento incompleto – sensação de presença de urina na bexiga após micção.
79 - Capítulo V | Semiologia e propedêutica urológica

6 Incontinência
Perda involuntária de urina. Apresenta-se de diversas formas:
• Incontinência contínua (verdadeira) – perda contínua de urina decorrente de fístulas ou ec-
topia ureteral.
• Incontinência de esforço – perdas que ocorrem com atividades que aumentam a pressão
intra-abdominal.
• Incontinência de urgência – perda involuntária de urina precedida de urgência.
• Incontinência por transbordamento ou paradoxal – perda de urina que ocorre com a bexiga com-
pletamente repleta, com elevação de pressão intravesical capaz de vencer a resistência uretral.
• Enurese – incontinência urinária durante o sono, geralmente noturna, normal até os 3 anos.

7 Outros sintomas
• Poliúria – aumento do volume da diurese.
• Polaciúria – aumento de frequência com baixo volume urinado.
• Oligúria – diurese menor que 500 ml em 24 horas.
• Anúria – ausência completa de produção de urina.
• Pneumatúria – presença de gás na urina. Relacionada a fístulas intestinais ou infecções por
bactérias produtoras de gás.
• Fecalúria – conteúdo intestinal presente na urina.
• Quilúria – urina de aspecto leitoso, por presença de linfa.
• Urina turva – precipitação de fosfatos ou presença de pus (piúria).
• Descarga uretral – saída de secreção uretral não relacionada à micção.

8 Disfunção sexual
• Perda de libido – perda do desejo ou impulso sexual por decréscimo de níveis de androgênios.
• Disfunção erétil (impotência) – inabilidade de ter ou manter ereção suficiente que permita
intercurso sexual.
• Ejaculação precoce – ejaculação que ocorre em curto período de tempo, impedindo ativida-
de sexual satisfatória.
• Anejaculação – falha de ejaculação resultante de agentes farmacológicos, denervação sim-
pática consequente a doenças sistêmicas (Diabetes, por exemplo) ou cirurgias envolvendo o
colo vesical, a próstata ou o retroperitônio.
• Anorgasmia – ausência de orgasmo, de origem psicogênica, farmacológica ou neuropatia periférica.
José Vinícius de Morais - 80

• Hematospermia (ou hemospermia) – presença de sangue no sêmen, decorrente de inflama-


ção ou lesão mucosa da vesícula seminal.

9 Exame físico

9.1 Rim
Ausculta na área costovertebral pode revelar sopro sistólico por estenose de artéria renal.
Inspeção é importante principalmente para diagnóstico diferencial como em casos de dor neu-
rológica causada por Herpes zoster.
O melhor método palpatório é com paciente em posição supina. Consiste na compressão com
uma das mãos no ângulo costovertebral, enquanto outra mão palpa região subcostal ipsilateral duran-
te inspiração profunda (Figura 2).
Existem duas manobras semiológicas para palpação:
Método de Guyon – na palpação do rim direito, a mão esquerda do examinador posiciona-se na
parte superior da região lombar do paciente com a extremidade dos dedos no ângulo formado
pela última costela, exercendo pressão de média intensidade ou superior, enquanto a mão direi-
ta deprime pouco a pouco a parede abdominal anterior (hipocôndrio direito e flanco na linha he-
miclavicular) por baixo do rebordo costal direito. Para o rim esquerdo, a mão esquerda realiza
a palpação na parede anterior do abdome e a mão direita é aplicada na região lombar.
Método de Israel – paciente em decúbito lateral contrário ao lado que se pretende examinar. O
membro inferior contralateral deve se manter em extensão e o ipsilateral em flexão sobre a ba-
cia. O examinador deve se posicionar ao lado oposto do que se examina, olhando para a cabeça
do paciente. A posição das mãos é semelhante ao método de Guyon.
A tentativa de palpação do rim com a mão anterior se faz durante a inspiração, momento em
que o órgão desce, tornando-o mais acessível. Normalmente tem consistência firme, superfície regu-
lar, lisa e não dolorosa.
Os rins podem se tornar palpáveis nas seguintes situações: distopia renal, rins policísticos, hi-
dronefrose e tumor renal.
O sinal de Giordano é uma manobra crucial no paciente com dor lombar, pois ela é capaz de
identificar processos inflamatórios renais, distinguindo-os de outras causas. O sinal de Giordano é re-
alizado através da punho-percussão da região lombar acometida e traduz-se como positivo quando o
paciente apresenta dor no momento em que o punho do examinador percute a região lombar acome-
tida. Sinal de Giordano positivo é clássico em quadros de pielonefrite aguda, mas também pode estar
positivo em qualquer processo inflamatório/infeccioso que acomete os rins (abscesso renal e pielone-
frite xantogranulomatosa, por exemplo) (Figura 3).
81 - Capítulo V | Semiologia e propedêutica urológica

Figura 2 – Exame bimanual do rim

Figura 3 – Sinal de Giordano, realizado através da punho-percussão lombar


José Vinícius de Morais - 82

10 Bexiga
A bexiga normal não é palpável ou percutível com menos de 150 ml. Percussão é superior à
palpação para diagnóstico de distensão vesical, isto é, para a identificação de um bexigoma.
O exame bimanual (associação de palpação com toque vaginal ou retal com a palpação vesical),
é fundamental para avaliar a mobilidade vesical, e pode ajudar na diferenciação de tumores infiltrati-
vos, principalmente em tumores de bexiga.

10.1 Pênis
A inspeção é passo essencial do exame físico, pois permite diagnóstico de diversas patologias
penianas, desde inúmeras doenças infecciosas, como por exemplo, herpes, sífilis, HPV, corrimentos
uretrais, assim como lesões sugestivas de neoplasias, estenoses do meato uretral, fimose, parafimose,
hipospádias e epispádias, entre várias outras.
A palpação pode revelar presença de placas endurecidas que auxiliam no diagnóstico de doen-
ça de Peyronie.

10.2 Escroto
A inspeção pode revelar aumento de volume, alterações cutâneas sugestivas de infecção, HPV,
varicoceles de graus avançados, entre outras. Ao realizar o teste de transiluminação, pode-se diagnos-
ticar hidroceles.
A palpação permite avaliar posição, consistência e tamanho dos testículos, presença de nódulos
testiculares ou epididimários, dilatação do plexo pampiniforme e avaliação de hérnias inguinais com
palpação do anel inguinal externo simultânea à manobra de Valsalva. Ainda mais, a palpação do cor-
dão espermático permite identificar os ductos deferentes, nódulos, cistos e outras condições que aco-
metem o cordão. Sendo essa uma região termosensível, é desejável que o exame físico do escroto seja
executado em ambiente com temperatura adequada.

10.3 Reto e ânus


A inspeção anal avalia presença de lesões neoplásicas, cutâneas, fissuras, fístulas, hemorroidas
e HPV.
Como discutido e detalhado em outro capítulo, o exame digital permite avaliar tonicidade do
esfíncter, o que pode sugerir alterações neurológicas, presença de lesões intrínsecas do reto e avalia-
ção de tamanho, consistência, sensibilidade e presença de nódulos na próstata.
83 - Capítulo V | Semiologia e propedêutica urológica

10.4 Genitália feminina


A genitália feminina deve ser avaliada com a paciente em posição de litotomia. A inspeção é em-
pregada para identificar lesões ulcerosas ou vegetantes, presença de secreções não fisiológicas, trofis-
mo vaginal e presença de perdas urinárias ou prolapsos às manobras de Valsalva.
A palpação pode identificar nódulos e cistos uretrais, abaulamentos ou infiltração de órgãos
adjacentes.

10.5 Exame neurológico


Importante para avaliar alterações sensitivas ou motoras pélvicas, principalmente relacionadas
à disfunções miccionais.

Leitura recomendada
DENKER, B. M. Alterações da função renal e urinária. In: KASPER, D. L. et al. Harrison medicina
interna. 16. ed. Porto Alegre: McGrw-Hill; 2006.
GERBER, G. S. Evaluation of the urologic patient: history, physical examination, and Urinalysis. In:
WEIN, A. J. et al. Campbell-Walsh Urology. 11th ed. Philadelphia: Elsevier; 2016.
McANINCH, J. W. Symptoms of disorders of the genitourinary tract.In: McANINCH, J. W.; KUE, T.
F. Smith & Tanagho’s general urology. 18th ed. Philadelphia: McGraw-Hill; 2013.
MENG, M. V. Physical examination of the genitourinary tract. In: McANINCH, J. W.; KUE, T. F.
Smith & Tanagho’s General Urology. 18th ed. Philadelphia : McGraw-Hill; 2013.
VOLTAR SEÇÃO I

SEÇÃO III

SEÇÃO IV

Seção II
Exames e Procedimentos
em Urologia
Capítulo VI – Imagem em urologia, 85
Nelson Gaspar Dip Júnior
Capítulo VII – Exames urológicos específicos, 111
Felipe Goulart Nehrer
Capítulo VIII – Sondagem vesical e toque retal, 131
Felipe Guilherme Hamoy Kataoka
VOLTAR

Capítulo VI
Imagem em urologia
Nelson Gaspar Dip Júnior
86 - Capítulo VI | Imagem em urologia

Introdução
A prática clínica urológica é amplamente baseada em métodos de imagem, fundamentais para
o diagnóstico, tratamento e acompanhamento de várias doenças urológicas.
Litíase urinária, tumores urológicos, ITU altas e suas complicações, HPB patologias congêni-
tas do trato urinário, avaliação de hematúrias, entre muitas outras, em algum momento de sua evolu-
ção necessitarão de avaliação por imagem.
Exames urológicos específicos que envolvam imagem (uretrocistoscopia e uretrocistografia re-
trógrada e miccional) serão discutidos no capítulo Exames Específicos em Urologia.
Esse capítulo presta-se à discussão da radiografia de abdome, urografia excretora, US de rins e
vias urinárias e TC de abdome.

1 Radiografia simples de abdome


O R-X simples de abdome é um método de imagem simples, de baixo custo e de grande valia em
algumas situações urológicas. Pode ser realizado, inclusive, no leito com aparelhos portáteis. Embora a
emissão de radiação e a baixa contrastação de partes moles, o R-X simples pode ser útil em identificar
patologias nos rins, ureteres e bexiga, seja no diagnóstico, seja no acompanhamento de tratamentos.
Dessa forma, uma radiografia simples de abdome em incidência ântero-posterior pode demons-
trar anormalidades ósseas, calcificações anormais (determinados padrões de calcificação indicam do-
enças específicas), grandes massas de tecidos moles e os limites renais. Além disso, o R-X simples
de abdome pode ser utilizado no controle de tratamentos após litotripsia extracorpórea por ondas de
choque e implante de cateteres duplo J na via excretora urinária. Veja as Figuras 1 a 5, exemplifican-
do alguns exemplos desses usos.
Nelson Gaspar Dip Júnior - 87

Figura 1 – R-X simples de abdome AP. Note a presença de um cálculo radiopaco em ureter distal esquerdo
88 - Capítulo VI | Imagem em urologia

Figura 2 – R-X simples de abdome AP. Note a presença de um cálculo de ureter superior esquerdo
Nelson Gaspar Dip Júnior - 89

Figura 3 – R-X simples de abdome AP. Note um cálculo coraliforme completo no sistema coletor do rim direito
90 - Capítulo VI | Imagem em urologia

Figura 4 – Cálculo renal localizado em cálice inferior esquerdo


Nelson Gaspar Dip Júnior - 91

Figura 5 – Cálculos renais esquerdos, localizados nos cálices médio e inferior (setas completas). Note um cateter
duplo J bem posicionado no sistema coletor à esquerda, com uma curvatura na pelve renal (seta incompleta) e a
outra na bexiga (calcificada)

2 Urografia excretora (UGE)


Com o estabelecimento da TC de abdome sem contraste como método de imagem ideal para
a maioria das patologias urológicas, a UGE deixou de ser utilizada em larga escala por urologistas.
Embora limitada para diagnosticar uma série de condições, ela tem seu valor, principalmente para o
estudo do sistema coletor.
Trata-se de um método contrastado, bem tolerado e de simples realização, realizado a partir de
uma sequência de radiografias do abdome, antes e depois da injeção do contraste, que será filtrado e
delineará os cálices menores, maiores, pelves renais, ureteres e bexiga.
92 - Capítulo VI | Imagem em urologia

As indicações clássicas da UGE são: (1) delineamento do sistema coletor e ureteres, (2) iden-
tificação do nível de lesão ureteral, (3) opacificação do sistema coletor para identificação de cálculos
durante a LECO ou cirurgia percutânea, (4) demonstração da função renal na avaliação de emergên-
cia de pacientes instáveis e (5) demonstração da anatomia dos rins e ureteres em situações especiais
(transureterouretero anastomose ou após derivações urinárias, por exemplo).
Antes da realização do exame, as seguintes observações são fundamentais:
• O paciente deve estar hidratado.
• Medicações que interferem na filtração glomerular (captopril, por exemplo) e hipoglicemian-
tes orais (risco de acidose lática) devem ser suspensas.
• Ausência de ITU (pelo risco de disseminação da infecção).
• Função renal satisfatória (creatinina até 2,0 mg/dL)
• História negativa de alergia ao iodo (incluindo frutos do mar que são ricos em iodo).
A sequência seriada de radiografias está relacionada com as fases da UGE, como seguem (Figura 6):
• Fase pré-contraste – É uma radiografia simples AP do abdome realizada antes da injeção in-
travenosa do contraste, com o objetivo de avaliar alterações no sistema urológico previamen-
te ao uso do contraste (identificação de litíase, por exemplo).
• Fase nefrográfica – É a fase onde o contraste se impregna no parênquima renal, mas é pouco
visualizado pela radiografia. Portanto, é uma fase de pouco valor diagnóstico.
• Fase excretora – É a fase mais importante do exame, onde o contraste preenche todo o sis-
tema coletor renal, a pelve e os ureteres. Essa fase é estudada através de uma série de radio-
grafias realizadas com intervalos de 5 minutos (5 – 10 – 15 – 20 – 25 minutos), com objetivo
de se identificar problemas como falhas de enchimento (cálculos, tumores da via excretora,
por exemplo), estreitamentos (estenose de JUP e ligaduras ureterais, por exemplo) e extrava-
samento do meio de contraste (trauma de ureter, por exemplo). Além disso, faz parte da fase
excretora uma radiografia com a bexiga vazia, a fim de se identificar problemas com o esva-
ziamento vesical (obstrução infravesical) e a presença de lobo mediano prostático. Quando
existem obstruções importantes, a drenagem da urina pode ficar muito lentificada, com pre-
juízo da filtração renal. Nesses casos, radiografias tardias (12, 24 ou 36 horas) também po-
dem ser realizadas.
Nelson Gaspar Dip Júnior - 93

Figura 6 – UGE nomal. A: radiografia pré-contraste; B: início da fase excretora (5 minutos); C e D: fase excretora; E: fase
excretora com bexiga cheia; F: fase excretora com bexiga vazia

As Figuras 7 e 8 são fases excretoras de UGE identificando uma estenose de JUP direita e um
tumor de pelve renal direita, respectivamente.
94 - Capítulo VI | Imagem em urologia

Figura 7 – Estenose de JUP direita muito bem identificada pela UGE (fase excretora)
Nelson Gaspar Dip Júnior - 95

Figura 8 – Carcinoma urotelial de pelve renal direita. Observe a falha de enchimento na pelve renal promovida pelo
contraste (fase excretora).

3 Ultrassonografia de rins e vias urinárias e de bolsa escrotal


O US dos rins e vias urinárias e o US de bolsa escrotal têm ampla utilidade na prática clínica
urológica.
Dentre as indicações para realização de um US de rins e vias urinárias, as principais são:
• Rins – Rins normais (parênquima renal e seio renal possuem ecogenicidades diferentes –
relação corticomedular), cálculos renais, cistos renais simples e complexos (não é possível
classificar os cistos complexos pelo US, apenas pela TC), espessura do parênquima renal,
dilatações (hidronefrose), doença renal policística, trauma renal leve (acompanhamento).
96 - Capítulo VI | Imagem em urologia

• Ureteres – Cálculos de JUP e JUV (não é bom para identificar cálculos de ureter médio) e
dilatações. Se associado ao Doppler, é possível identificar a ejaculação de urina pelos mea-
tos ureterais.
• Bexiga – Espessura da parede, resíduo pós-miccional, lobo mediano prostático (projeção ve-
sical), cálculos vesicais, divertículos vesicais, tumores de bexiga.
O US de bolsa testicular também é um método de imagem muito útil, com as seguintes indica-
ções principais:
• Escroto – Espessamento de parede, invasão tumoral, síndrome de Fournier, hérnias inguino-
-escrotais (indiretas).
• Testículos e Epidídimos – Tumores, hidrocele (simples, encistada e infectada), abscesso tes-
ticular, cistos testiculares, cistos de epidídimo, tumores de epidídimo, trauma contuso/pene-
trante (hematomas e integridade da túnica albugínea). Quando associado ao Doppler, pode
definir os principais diagnósticos diferenciais de escroto agudo, ou seja, a torção de testícu-
lo e a orquiepididimite.
• Cordão espermático – Varicocele, tumores, cistos de cordão (espermatocele), hérnias ingui-
no-escrotais (indiretas).
As figuras a seguir demonstram uma série desses diagnósticos.

Figura 9 – Rim direito normal. Note sua relação com o fígado e a evidente diferença de ecogenicidade
entre o córtex e a medula
Nelson Gaspar Dip Júnior - 97

Figura 10 – Cisto renal simples em rim direito. Note as paredes finas e conteúdo hipoecogênico líquido, sem
outros comemorativos

Figura 11 – Tumor renal em polo renal inferior


98 - Capítulo VI | Imagem em urologia

Figura 12 – Cálculo coraliforme (setas incompletas). Observe a presença da sombra acústica


posterior

Figura 13 – Múltiplos cálculo renais (seta completa). Observe a presença da sombra acústica
posterior (seta incompleta)
Nelson Gaspar Dip Júnior - 99

Figura 14 – Cálculo na junção ureterovesical (JUV) esquerda (seta)


100 - Capítulo VI | Imagem em urologia

Figura 15 – Duas lesões tumorais na bexiga. Note a diferença de ecogenicidade entre as lesões (cinza) e a urina (preta),
tornando-as facilmente identificáveis
Nelson Gaspar Dip Júnior - 101

Figura 16 – Cálculo vesical (seta maior) e espessamento da musculatura vesical (bexiga de esforço – setas menores),
ambas alterações relacionadas à evolução da HPB
102 - Capítulo VI | Imagem em urologia

Figura 17 – Tumor de testículo (seta)

4 Tomografia computadorizada de abdome


Para identificação de condições patológicas do trato urinário, a tomografia computadorizada
(TC) pode ser realizada com ou sem a injeção do contraste iodado intravenoso. É um método de ima-
gem muito eficiente em demonstrar problemas urológicos, relativamente barato e seguro.
A TC sem contraste do abdome total (abdome superior e pelve) é o padrão-ouro para diagnósti-
co da litíase urinária. Ela determina com precisão o número, tamanho, localização e densidade (dure-
za) dos cálculos urinários, fatores cruciais relacionados às decisões de tratamento. A TC sem contraste
é realizada em tempo curto, apresentando 98% de sensibilidade e 99% de especificidade para o diag-
nóstico da litíase urinária. Além disso, também permite o diagnóstico diferencial de flebólitos e pro-
cessos inflamatórios intra-abdominais (apendicite e diverticulite, por exemplo). Entretanto, a TC sem
contraste não determina a função renal e não é isenta de radiação que, embora em baixas doses, de-
vem ser consideradas em gestantes e crianças.
Por outro lado, a TC com contraste é realizada em várias outras situações em urologia, como
por exemplo, no diagnóstico de tumores urológicos, avaliação de nódulos de adrenal, processos obs-
Nelson Gaspar Dip Júnior - 103

trutivos não litiásicos, trauma do sistema urinário (principalmente rins e ureteres), entre outros. Uma
TC com contraste também é cabível em casos de dúvida diagnósticas de processos litiásicos, e tam-
bém na identificação de complicações da litíase urinária (pielonefrite obstrutiva e abscesso renal, por
exemplo). Quando os cortes da TC possibilita a visualização do meio de contraste nos rins e sistema
coletor (cortes coronais) ela é denominada Uro-TC. As principais contraindicações para o uso do con-
traste são alergia ao iodo e insuficiência renal instalada.
A TC com contraste é composta de 4 fases (Figura 18):
• Fase pré-contraste – obtenção de imagens dos órgãos abdominais sem a administração de
contraste endovenoso. Essa fase é importante para a avaliação de calcificações (litíase uriná-
ria) e gordura (angiomiolipoma, por exemplo)
• Fase arterial – Fase que ocorre imediatamente à administração do contraste (em torno de 20-
30 segundos), que aparece no interior dos vasos arteriais, incluindo a Aorta e as artérias re-
nais. Essa fase também promove o realce de contraste nos córtices renais. Ela é importante
para pesquisa da anomalias vasculares (aneurismas e fístulas arteriovenosas, por exemplo) e
tumores hipervascularizados (carcinoma renal de células claras, por exemplo).
• Fase nefrográfica – Após a fase arterial, o parênquima renal torna-se homogêneo para o re-
alce de contraste (90-120 segundos após a injeção). A pesquisa de cistos renais, tumores do
parênquima renal e processos inflamatórios/infecciosos do rim é feita nessa fase.
• Fase Excretora / Fase Tardia – Fase em que o contraste é filtrado pelos rins e aparece den-
tro do sistema coletor (cálices e pelve renal, ureteres e bexiga). Essa fase é importante para
o diagnóstico de falhas de enchimento (tumores da via excretora) e anomalias congênitas ou
adquiridas do sistema coletor.
104 - Capítulo VI | Imagem em urologia

Figura 18 – Fases da TC de abdome com contraste. Note, a presença do contraste nas artérias renais e no córtex renal
(B – fase arterial), a homogeneidade do contraste no parênquima renal (C – fase nefrográfica) e a presença do contraste
na pelve renal (D – fase excretora)

A densidade dos órgãos antes e depois da injeção do contraste (realce) é feita através das unida-
des Hounsfied (UH), uma medida numérica (Tabela 1). É importante entender essa avaliação numé-
rica, porque desfechos diagnósticos e de tratamentos são dados a partir dessa análise. Por exemplo,
a densidade de um cálculo pode ser medida em UH, definido a dureza do mesmo. Isso permite a to-
mada da melhor decisão terapêutica (veja detalhes sobre essa discussão no capítulo Litíase Urinária).
Outro exemplo clássico é no estudo de tumores renais, onde, um realce de contraste de uma lesão só-
lida maior que 15 UH, praticamente define o diagnóstico de tumor maligno (veja detalhes dessa dis-
cussão no capítulo Câncer de Rim).
Nelson Gaspar Dip Júnior - 105

Tabela 1 – Densidade dos tecidos e componentes do organismo em unidades Hounsfield (UH)

Fonte: Autores

Figura 19 – A: litíase renal direita; B: litíase ureteral direita


106 - Capítulo VI | Imagem em urologia

Figura 20 – Cisto renal Bosniak I. Fase nefrográfica

Figura 21 – Tumor de rim. Fase nefrográfica


Nelson Gaspar Dip Júnior - 107

Figura 22 – Cálculo coraliforme. Fase pré-contraste


108 - Capítulo VI | Imagem em urologia

Figura 23 – Angiomiolipoma . Fase pré-contraste


Nelson Gaspar Dip Júnior - 109

Figura 24 – Abscesso renal. Fase nefrográfica

Figura 25 – Trauma renal grau IV. Note o extravasamento de contraste através do sistema coletor
na fase excretora da TC (seta)
110 - Capítulo VI | Imagem em urologia

Leitura recomendada
BRISBANE, Wayne; BAILEY, Michael R.; SORENSEN, Mathew D. An overview of kidney sto-
ne imaging techniques. Nat Rev Urol. v. 13, 2016. Disponível em: <https://doi.org/10.1038/nru-
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Capítulo VII
Exames urológicos específicos
Felipe Goulart Nehrer
112 - Capítulo VII | Exames urológicos específicos

Biópsia prostática

1 Considerações gerais
A ultrassonografia transretal de próstata é um dos exames de imagem mais utilizados em uro-
logia, incluindo diversas condições benignas e malignas, sendo a principal ferramenta diagnóstica do
câncer de próstata.
Além de permitir a identificação da próstata e estruturas adjacentes, como vesículas seminais e
bexiga, também possibilita a realização de biópsia prostática para coleta de material histopatológico
e realização de tratamentos minimamente invasivos como braquiterapia e radioablação.
A posição anatômica da próstata, localizada anteriormente ao reto, entre o colo vesical e o dia-
fragma urogenital, proporciona um acesso ideal de tal método de imagem por via transretal.
Atualmente, com o desenvolvimento tecnológico, diversas melhorias vêm sendo incorporadas à
ultrassonografia transretal convencional de próstata, como por exemplo a fusão de imagens em tempo
real de ressonância magnética, aumentando ainda mais a acurácia diagnóstica do câncer de próstata.

2 Preparo do paciente
O termo de consentimento informado deve ser sempre obtido antes da realização da biópsia
transretal de próstata (BTRP), bem como orientações sobre possíveis riscos e benefícios do procedi-
mento ao paciente.
Pelo caráter invasivo do exame, a BTRP geralmente é realizada em ambiente hospitalar sob se-
dação, com monitorização e suporte clínico adequados.
Não há necessidade de interrupção de ácido acetilsalicílico (aspirina/AAS), entretanto, medica-
ções anticoagulantes, como varfarina e clopidogrel, devem ser descontinuadas 5-7 dias antes da rea-
lização do procedimento. Na impossibilidade de suspensão, devem ser substituídos por heparina não
fracionada ou heparina de baixo peso molecular.
Antibioticoprofilaxia é recomendada para todos pacientes, independente da presença ou não de
fatores de risco, por um período máximo de 24h. Em geral, podem ser utilizados fluoroquinolonas,
sulfametoxazol-trimetropim, cefalosporinas ou aminoglicosídeos como antibióticos de escolha, de-
vendo-se atentar à necessidade de mudança do espectro de cobertura em condições especiais, como
por exemplo em pacientes portadores de válvulas cardíacas e próteses ortopédicas, devido ao maior
risco de infecção.
A realização de fleet enema anteriormente ao exame é uma prática urológica de rotina para re-
duzir a quantidade de fezes no reto e permitir uma melhor janela acústica de visualização. Entretanto,
para fins de redução de infecção, esse tema ainda é controverso.
Felipe Goulart Nehrer - 113

3 Indicações
A principal indicação da biópsia prostática é diagnosticar o câncer de próstata na presença de
PSA alterado e/ou anormalidades sugestivas de malignidade no toque retal (presença de nódulos ou
áreas de endurecimento).

4 Contraindicações
As principais contraindicações absolutas à realização da biópsia prostática compreendem coa-
gulopatia significativa, imunossupressão severa e prostatite aguda.
Condições anorretais dolorosas e estenose anal não são consideradas contraindicações à realização
do exame, devendo ser considerado bloqueio anestésico regional ou anestesia geral em tais situações.

5 Técnica
O paciente é posicionado em decúbito lateral esquerdo com membros inferiores fletidos a 90°,
podendo também ser utilizado, quando necessária, a posição de litotomia ou decúbito lateral direito.
Antes de se iniciar o procedimento, deve ser realizado toque retal em busca de nodulações prostáticas
e anormalidades anorretais (Figura 1).

Figura 1 – Posição de decúbito lateral esquerdo (DLE) com membros inferiores fletidos a 90°. Nota-se o aparelho
de ultrassom introduzido no canal anal para visualização prostática através da parede anterior do reto
114 - Capítulo VII | Exames urológicos específicos

Após introdução do aparelho via transretal, identifica-se a próstata, uretra prostática e estrutu-
ras adjacentes nos planos sagital e transverso. Além da aferição do volume prostático, qualquer al-
teração sugestiva de malignidade, como por exemplo, a presença de nódulos hipoecoicos, deve ser
documentada (Figura 2).

Figura 2 – Visualização da próstata pelo USTR em corte sagital. A seta azul representa o probe do aparelho de
ultrassom, a seta vermelha representa a próstata e a seta verde representa a bexiga. A zona periférica (ZP) é o local
mais frequente de desenvolvimento do câncer de próstata. ZC = Zona Central

Procede-se então à anestesia prostática através da infiltração de lidocaína a 1-2% nos nervos ca-
vernosos periprostáticos bilateralmente, devendo-se evitar injeção direta intravascular pelo risco de
absorção sistêmica e toxicidade pelo anestésico local.
A obtenção de fragmentos prostáticos é feita através de uma agulha específica acoplada ao probe
do ultrassom, de forma sistemática e randomizada a partir da base prostática, seguindo ao terço mé-
dio, até o ápice prostático em ambos lobos. O material obtido é colocado em solução de formol para
conservação e encaminhado ao patologista para avaliação histopatológica (Figura 3).
Felipe Goulart Nehrer - 115

Figura 3 – Frascos com formol para acondicionamento dos fragmentos prostáticos e posterior avaliação histopatológica

Classicamente, eram obtidos 6 fragmentos no total (biópsia sextante), mas com o passar dos anos
foi evidenciado que 6 fragmentos eram insuficientes para identificação de tumor. Estudos demonstra-
ram que um número estendido a 10-12 fragmentos, ou até mesmo 18-21 fragmentos (biópsia de satu-
ração) propiciam melhor acurácia diagnóstica.

6 Complicações
Por ser um exame invasivo, não é isento de complicações. Contudo, a incidência de complica-
ções com necessidade de hospitalização é baixa (< 1%).
Apesar de incomuns, as complicações mais frequentes são infecção e sangramento. As com-
plicações infecciosas em sua maioria envolvem bactérias provenientes do intestino grosso (E. coli) e
apresenta-se como ITU sintomática manejadas com antibioticoterapia oral. Entretanto, deve-se atentar
para o desenvolvimento de prostatite bacteriana aguda em qualquer paciente que apresente sinais de
sepse após biópsia de próstata, porque esses casos necessitam de internação, antibioticoterapia endo-
venosa e suporte clínico. Um segundo problema para o qual deve-se sempre estar atento é a resistên-
cia bacteriana, por conta do uso indiscriminado de antibióticos (principalmente quinolonas). O atraso
em reconhecer essa situação pode levar a evoluções mais graves e complexas das ITU que ocorrem
após a BTRP.
116 - Capítulo VII | Exames urológicos específicos

Sangramento retal é a complicação mais comum, sendo em geral autolimitado e controlado por
compressão direta pelo ultrassom durante o exame. Raramente, na presença de sangramento persis-
tente, pode haver necessidade de tamponamento direto, anuscopia/colonoscopia com injeção de agen-
tes esclerosantes e até mesmo angioembolização.
Complicações menos frequentes incluem: hematospermia com resolução espontânea em 4-6 se-
manas, reflexo vasovagal manejado com expansão volêmica e posição de Trendelemburg, e retenção
urinária aguda com necessidade de sondagem vesical de demora.
O desenvolvimento de disfunção erétil pós biópsia prostática ainda não está bem caracterizado,
porém estudos atuais apontam para possível lesão inadvertida dos nervos cavernosos periprostáticos
durante o procedimento, principalmente em pacientes submetidos à múltiplas BTRP.

Uretrocistoscopia

1 Considerações gerais
A uretrocistoscopia é um dos procedimentos endoscópicos mais comuns na prática urológica,
sendo realizado rotineiramente em ambiente ambulatorial ou em centro cirúrgico.
Tal exame permite a visualização direta de todas as porções da uretra e bexiga masculina e fe-
minina, além de possibilitar a avaliação do trato urinário alto através da cateterização ureteral e insti-
lação de contraste iodado retrógrado (pielografia retrógrada).
Esse exame é realizado através de um aparelho urológico denominado cistoscópio (ou uretrocis-
toscópio), que possui características bem específicas. Existem diversas marcas de uretrocistoscópios
disponíveis, que variam em tamanho (em French – Fr) e tipos (rígido ou flexível).

2 Indicações
A maioria das indicações destina-se a fins diagnósticos. Entretanto, no mesmo procedimento
com objetivo diagnóstico também podem ser realizadas intervenções terapêuticas (passagem endos-
cópica de cateter duplo J, por exemplo).
As principais indicações diagnósticas da uretrocistoscopia são:
• Investigação de hematúria macroscópica ou microscópica
• Investigação de neoplasias de uretra ou bexiga
• Avaliação no trauma de uretra e bexiga
• Investigação de sintomas do trato urinário inferior, como infecção urinária de repetição, LUTS,
incontinência urinária e síndrome da dor pélvica crônica
Felipe Goulart Nehrer - 117

3 Preparo do paciente
O termo de consentimento informado deve ser sempre obtido antes da realização do procedimento.
A presença de infecção urinária ativa deve ser sempre tratada antes da uretrocistoscopia devido
ao risco de bacteremia e sepse após manipulação do trato urinário.
A antibioticoprofilaxia (isto é, o uso de antibióticos para se evitar uma infecção) não deve ser
realizada de rotina em procedimentos com intuito diagnóstico, ou seja, sem realização de terapêutica
intervencionista no trato urinário, exceto em pacientes com fatores de risco (Tabela 1).

Tabela 1 – Fatores de risco do hospedeiro relacionados ao maior risco de infecção do trato urinário

Fonte: Os autores

Para pacientes que serão submetidos a procedimentos terapêuticos, como biópsia ou ressecção
transuretral de bexiga (RTUb), é recomendada a administração profilática de fluoroquinolona ou sul-
fametoxazol-trimetropina com duração menor que 24 horas.
Antes da realização da uretrocistoscopia, a pele é preparada com soluções antissépticas, segui-
do de injeção uretral de lidocaína gel lubrificante, seguindo os mesmos princípios da sondagem vesi-
cal de demora (ver capítulo específico).

4 Técnica
Antes da introdução do uretrocistoscópio na uretra, deve-se realizar inspeção da genitália exter-
na em busca de lesões cutâneas e anormalidades anatômicas. A introdução do aparelho em homens e
mulheres segue técnicas distintas devido às diferenças anatômicas da uretra.
118 - Capítulo VII | Exames urológicos específicos

Em homens, o pênis deve ser angulado 90º graus em relação à parede abdominal enquanto o
uretrocistoscópio atravessa a uretra anterior, sendo realizado um posicionamento anterior ao alcançar
a uretra membranosa e prostática até a entrada na bexiga. Esse movimento deve ser realizado devido
ao formato anatômico em J da uretra masculina ao avançar na pelve (Figura 4).

Figura 4 – Posicionamento adequado do pênis em ângulo de 90° graus para introdução do


uretrocistoscópio rígido na uretra anterior masculina

A introdução do uretrocistoscópio em mulheres é mais simples devido ao comprimento curto


da uretra feminina, devendo o aparelho ser posicionado anteriormente desde o início do procedimento,
do meato uretral até a bexiga (Figura 5).
Felipe Goulart Nehrer - 119

Figura 5 – Posicionamento adequado do uretrocistoscópio rígido em posição anterior para introdução na


uretra feminina

Deve-se realizar uma avaliação sistemática do trato urinário inferior com o avançar do aparelho
na uretra, buscando identificar a presença de lesões ou estenoses, localizar estruturas importantes
(veromontanum, glândulas de Littrè e utrículo prostático em homens) e aferir o tamanho dos lobos
prostáticos (comprimento da uretra prostática) (Figura 6).

Figura 6 – Esquerda: Uretra peniana; Meio: veromontanum (seta branca); Direita: Lobos prostáticos laterais
(setas azuis)

Uma vez alcançada a bexiga, deve-se localizar os meatos ureterais e o trígono vesical, avaliar
cuidadosamente a mucosa vesical em busca de lesões, corpos estranhos (cálculos vesicais, por exem-
120 - Capítulo VII | Exames urológicos específicos

plo) ou alterações estruturais (trabeculações, divertículos vesicais e tumores, por exemplo) em toda
sua parede (Figura 7).

Figura 7 – Da esquerda para a direita: Bexiga normal, bexiga com trabeculações (bexiga de esforço),
divertículo vesical e tumor de bexiga

Após o término do procedimento, a bexiga deve ser esvaziada ou, se necessário, realizar a pas-
sagem de sonda vesical de demora.

5 Complicações
As complicações da cistoscopia diagnóstica são incomuns, sendo as mais frequentes aquelas
de etiologia infecciosa (ITU sintomática), que geralmente são manejadas com antibioticoterapia oral.
A tentativa de introdução forçada do aparelho em uretras doentes (estenoses, por exemplo) pode
promover lesões agressivas da mucosa e da parede uretral, causando sangramentos às vezes impor-
tantes, edemas ou falsos trajetos uretrais. Quando a uretra é lesionada e ocorre impossibilidade de as-
censão do uretrocistoscópio até a bexiga, geralmente uma cistostomia é necessária porque o trauma
uretral causado pelo aparelho impedirá o paciente de urinar espontaneamente.
No caso de uretrocistoscopia com abordagens terapêuticas, as complicações variam conforme
o procedimento realizado, podendo ocorrer sangramento, infecção urinária, lesão uretral e até mesmo
perfuração vesical extra ou intraperitoneal.
Felipe Goulart Nehrer - 121

Uretrocistografia Retrógrada e Miccional (UCM)

1 Considerações gerais
A uretrocistografia retrógrada e miccional é um exame radiológico contrastado que tem como
objetivo avaliar as relações anatômicas e as características funcionais da uretra e da bexiga.
O exame é dividido em fases pré e pós-injeção de contraste iodado visando avaliar a morfolo-
gia, comportamento estático e dinâmico do trato urinário inferior em momentos semelhantes aos do
funcionamento fisiológico normal.

2 Indicações
As indicações principais da UCM são a avaliação do trato urinário inferior em condições pato-
lógicas ou traumáticas, podendo ser realizada em crianças ou adultos.
Na população pediátrica é um dos principais exames para avaliação de anormalidades anatômicas
congênitas como o refluxo vesico-ureteral (RVU) em pacientes com história de infecção urinária febril
em meninas e meninos, bem como na investigação de válvula de uretra posterior (VUP) em meninos.
No contexto de trauma urológico é utilizada para avaliação de lesões uretrais (lesões traumáti-
cas da uretra anterior e posterior) e vesicais (lesões traumáticas extra ou intraperitoneais de bexiga)
em busca de distorções anatômicas e extravasamento de contraste.
Também pode ser realizada na investigação de LUTS, fístulas urinárias e evolução pós-opera-
tória de cirurgias urológicas.

3 Contraindicações
As contraindicações principais à realização da uretrocistografia são infecção urinária ativa, ges-
tação e história prévia de alergia/hipersensibilidade ao contraste iodado.

4 Preparo do paciente
O termo de consentimento informado deve ser obtido antes do procedimento, bem como o pa-
ciente deve ser orientado a respeito dos riscos e benefícios do exame para reduzir a ansiedade e faci-
litar a colaboração durante sua realização.
A profilaxia antibiótica é indicada apenas na presença de fatores de risco que favoreçam o de-
senvolvimento de infecção, não sendo realizada de rotina em todos os pacientes.
O paciente é orientado a urinar antes de iniciar o exame e, a seguir, colocado em decúbito dor-
sal horizontal, com membros inferiores fletidos e abduzidos (posição de rã) para passagem do cateter
uretral, após assepsia adequada.
122 - Capítulo VII | Exames urológicos específicos

5 Técnica

Fasé pré-contraste

Inicialmente, antes da injeção do contraste, realiza-se uma radiografia simples da bexiga em in-
cidência anteroposterior (AP) com o paciente em decúbito dorsal horizontal para avaliar a téc-
nica empregada, posicionamento ideal e possíveis variações anatômicas.

Fase retrógrada

A seguir é realizada a cateterização da uretra distal com instrumento específico ou sonda de


Foley, com insuflação do balão na fossa navicular em pacientes do sexo masculino, ou sonda-
gem vesical em pacientes do sexo feminino (em mulheres, a sonda fica posicionada no interior
da bexiga, e não na uretra), para injeção de contraste iodado.
Inicia-se a infusão de contraste na uretra com realização de radiografias nas incidências oblíqua es-
querda (OE) e oblíqua direita (OD), buscando identificar alterações anatômicas, falhas de enchimen-
to, imagens de adição ou extravasamento de contraste ao longo do seu trajeto até a bexiga (Figura 8).
Em pacientes do sexo masculino, é importante não confundir, durante a fase retrógrada, a ima-
gem fisiológica em ‘ponta de lápis’ relacionada ao esfíncter uretral fechado na uretra membra-
nosa, com patologias relacionadas à estenose de uretra (Figura 8).

Figura 8 – Fases da uretrocistografia retrógrada. A: fase pré-contraste; B e C: fase retrógrada em incidências


oblíquas. Note a seta demonstrando a imagem em ponta de lápis promovida pelo esfíncter uretral masculino
fechado (seta vermelha)

Cistografia

A fase cistográfica em geral é realizada como continuação da fase retrógrada da UCM, porém
pode ser feita de forma isolada em contextos específicos.
Felipe Goulart Nehrer - 123

Nessa fase, avalia-se a bexiga com diversos volumes, sendo realizadas radiografias em incidên-
cia AP com pequeno enchimento (100ml), médio enchimento (200ml) e grande enchimento ve-
sical (300-500ml), além de incidências oblíquas com a bexiga repleta.
Avalia-se a parede e mucosa vesicais, presença de imagens de adição, falhas de enchimento e
extravasamento de contraste extravesical (que pode ocorrer para o retroperitônio – extraperito-
neal – ou para dentro da cavidade peritoneal – intraperitoneal).
Além disso, é importante identificar a junção ureterovesical (JUV) bilateralmente em busca de
refluxo vesico-ureteral (RVU) que já pode se pronunciar nessa fase de cistografia.

Fase miccional

Após a bexiga estar repleta de contraste, pede-se ao paciente para iniciar a micção enquanto se
obtém radiografias nas incidências oblíquas, buscando anormalidades no colo vesical e uretra
prostática durante essa fase dinâmica de esvaziamento vesical (Figura 9).
Além disso, é importante avaliar a presença de RVU para o trato urinário superior através de
uma radiografia em incidência AP que inclua a topografia renal, permitindo sua classificação em
diversos graus, se presente (Figura 9).
Por fim, realiza-se uma radiografia simples em incidência AP da bexiga a fim de avaliar a pre-
sença de resíduo pós-miccional ao final da micção.
Após o término do procedimento, é realizado o esvaziamento vesical completo e remoção de
cateteres utilizados.

Figura 9 – Fase miccional da uretrocistografia. A: fase miccional normal. Observe o colo vesical aberto
(seta vermelha); B: incidência AP incluindo a topografia renal. Note a presença de refluxo vesico-ureteral
(seta amarela) e dilatação dos cálices renais, com presença de contraste em ambos os ureteres, pelves e
cálices renais (refluxo grau V)
124 - Capítulo VII | Exames urológicos específicos

6 Complicações
As complicações mais comuns após a realização da UCM são disúria e desconforto perineal
transitórios, em geral mais atribuídos à cateterização uretral que à presença do material contrastado.
O risco de ITU sintomática é inerente a qualquer procedimento que envolva cateterização ure-
tral, que geralmente é minimizada com assepsia adequada e profilaxia antibiótica, sendo manejada
com antibioticoterapia oral, se necessário.
Complicações menos comuns incluem hipersensibilidade/reação alérgica ao contaste iodado,
trauma uretral, reflexo vasovagal e disreflexia autonômica devido à distensão vesical. Reflexo vaso-
vagal e disreflexia autonômica são condições diferentes. Embora ambos geralmente ocorram devido
ao enchimento rápido da bexiga, o primeiro é representado por um hiperestímulo parassimpático, en-
quanto que o segundo, por hiperestímulo simpático.
O reflexo vasovagal pode ocorrer em qualquer indivíduo, saudável ou não, levando a uma res-
posta parassimpática exagerada, principalmente sobre os vasos sanguíneos (hipotensão) e o coração
(bradicardia). Esses sinais devem ser prontamente identificados e o tratamento iniciado. Esses casos
são melhor manejados com esvaziamento vesical imediato, infusão parenteral de volume (solução
cristaloide) e uso de drogas alfa-adrenérgicas, se necessário.
A disreflexia autonômica é uma condição potencialmente grave que ocorre em pacientes com
lesão medular acima de T6 (paraplégicos, tetraplégicos). Essa síndrome se caracteriza pela respos-
ta exacerbada do sistema simpático ocasionada pela falta de controle do sistema parassimpático, de-
corrente do enchimento rápido da bexiga. Esse hiperestímulo simpático promove hipertensão (muitas
vezes grave) com bradicardia (ou outras bradiarritmias) reflexa. Total atenção deve ser dada a esse
tipo de complicação e os sinais e sintomas prontamente reconhecidos para que se institua o tratamen-
to precoce, que inclui esvaziamento vesical imediato, retirada dos cateteres, monitorização contínua
dos sinais vitais e do coração e uso de anti-hipertensivos, se necessário.
Se não adequadamente tratados, pacientes que apresentam reflexo vasovagal ou disreflexia au-
tonômica podem evoluir para parada cardiorrespiratória e óbito.

Estudo urodinâmico

1 Considerações gerais
O estudo urodinâmico tem como principal objetivo avaliar a função do trato urinário inferior,
que em condições normais deve ser responsável pelo armazenamento de urina em baixas pressões e
posterior eliminação de forma voluntária com fluxo normal.
É um exame invasivo, desconfortável, dependente da compreensão do paciente e da interpretação
do examinador, devendo assim ser indicado de forma direcionada quando a história clínica, exame
Felipe Goulart Nehrer - 125

físico e exames anteriores não foram suficientes para realizar um diagnóstico acurado e instituir
tratamento adequado.
O estudo urodinâmico é dividido em 3 fases principais: urofluxometria livre, fase de enchimen-
to vesical (ou fase cistométrica) e fase miccional (ou estudo fluxo-pressão).

2 Indicações
O estudo urodinâmico tem diversas indicações para avaliar o funcionamento do trato urinário
inferior. Resumidamente, busca-se investigar patologias que alterem a capacidade normal de enchi-
mento vesical, prejudiquem o esvaziamento vesical e resposta de tratamentos previamente instituídos.
Segue abaixo as principais indicações do estudo urodinâmico:
• Avaliação complementar do LUTS
• Avaliação complementar da incontinência urinária
• Avaliação complementar da bexiga hiperativa e bexiga neurogênica
• Avaliação complementar da resposta insatisfatória a tratamentos instituídos

3 Preparo do paciente
O paciente deve ser informado a respeito do procedimento, a fim de reduzir a ansiedade e faci-
litar a colaboração para melhor resultado final.
Na fase de urofluxometria livre o paciente é orientado a ingerir líquidos (água) até repleção ve-
sical completa e posterior micção espontânea sem sondagem (não invasiva) no aparelho de aferição
urodinâmica, não necessitando de preparo específico.
Caso seja indicado o estudo completo com as fases cistométrica e miccional, o paciente é posiciona-
do em decúbito dorsal horizontal para realização de sondagens após assepsia adequada da região genital.
Após sondagem, a posição para realização do exame pode ser ortostática ou sentada, dependen-
do da decisão do paciente e do examinador.
A profilaxia antibiótica é indicada apenas na presença de fatores de risco que favoreçam o de-
senvolvimento de infecção (veja tabela anteriormente descrita nesse capítulo), não sendo realizada de
rotina em todos os pacientes.

4 Fases do estudo urodinâmico


Conforme já descrito acima, as 3 fases principais do estudo urodinâmico serão descritas aqui.
• Urofluxometria livre
A urofluxometria livre é uma fase não invasiva que avalia o fluxo urinário em um período
de tempo (fluxo urinário x tempo), sendo indicativo do esvaziamento vesical, podendo ser
126 - Capítulo VII | Exames urológicos específicos

realizada de forma isolada ou complementar ao restante do exame. Durante essa fase do


exame avalia-se o volume urinado, o tempo de micção e o fluxo urinário máximo (Qmax).
A presença de fluxo urinário reduzido não permite diferenciar entre causas obstrutivas ana-
tômicas/funcionais ou contração inadequada da musculatura detrusora, visto que não há
passagem de sondas para aferição pressórica nessa fase do exame.

Figura 10 – Urofluxometria livre. A curva vermelha evidencia o fluxo urinário em mililitros por segundo (ml/s), onde
o pico é referente ao fluxo máximo (Qmax), apresentando na figura acima um padrão sinusoidal compatível com a
normalidade. A curva azul se refere ao volume urinado em mililitros (ml) durante um determinado tempo medido em
segundos (s), do início ao fim da micção

• Fase de enchimento vesical ou cistométrica


A fase de cistometria avalia a relação pressão x volume da bexiga durante seu enchimento.
Nessa fase, inicia-se o enchimento da bexiga enquanto são avaliados parâmetros relacio-
nados à sensibilidade, complacência e capacidade vesical em diversos volumes infundidos.
São introduzidas 2 sondas uretrais, sendo uma de maior calibre e responsável pela instila-
ção de soro fisiológico ou água destilada para enchimento vesical, e outra de menor calibre
responsável pela aferição da pressão intravesical. Por último, é introduzida uma sonda re-
tal responsável pela aferição da pressão intra-abdominal.
A partir da diferença entre as pressões intravesical e intra-abdominal consegue-se avaliar a
pressão detrusora (Pves – Pabd = Pdet).
Durante essa fase, é possível avaliar características da bexiga relacionadas à sua capacida-
de de armazenamento de urina, presença de contrações involuntárias da musculatura detru-
sora e alterações do esfíncter uretral.
Felipe Goulart Nehrer - 127

Figura 11 – A curva vermelha é referente à pressão intravesical, que deve apresentar apenas pequenas variações
durante o enchimento vesical, porque em condições normais a bexiga deve armazenar urina sob baixas pressões.
Nessa curva avalia-se os desejos miccionais em volumes variados de enchimento e a capacidade cistométrica
máxima (CCM) ao atingir o volume máximo de urina suportado pelo paciente no interior da bexiga. A curva verde
se refere à pressão intra-abdominal, que sofre variações de acordo com situações de aumento pressórico, como tosse
ou manobra de Valsalva. A curva roxa evidencia a pressão detrusora, que em condições normais de enchimento
deve permanecer sem alterações, uma vez que a musculatura da bexiga está relaxada durante essa fase. Na condição
chamada de bexiga hiperativa ocorrem contrações dessa musculatura (hiperatividade detrusora), independente da
pressão abdominal, notando-se picos pressóricos que podem ou não estar associados a perdas urinárias

• Fase miccional ou estudo de pressão-fluxo


A fase miccional avalia a relação pressão detrusora x fluxo urinário durante o esvaziamen-
to vesical. Ela é iniciada com a micção espontânea do paciente, sendo avaliados pressão
detrusora de abertura, volume urinado, fluxo urinário máximo, tempo de micção e resíduo
pós-miccional.
Durante essa fase consegue-se diferenciar alterações do fluxo urinário relacionadas a obs-
truções anatômicas/funcionais ou devido à contração inadequada da musculatura detruso-
ra da bexiga.
128 - Capítulo VII | Exames urológicos específicos

Figura 12 – A fase miccional estuda o esvaziamento vesical. A curva azul indica o volume urinado em mililitros
(ml) durante determinado período de tempo em segundos (s). A curva vermelha representa o fluxo urinário em
mililitros por segundo (ml/s), sendo identificado o fluxo urinário máximo (Qmax) representado pelo pico da
curva. O formato da curva vermelha deve ser correlacionado aos valores da curva roxa (pressão detrusora) a fim
de se avaliar a força realizada pelo detrusor para vencer a resistência uretral (pressão detrusora) e iniciar a micção

5 Achados específicos nas fases do estudo urodinâmico


• Urofluxometria livre (fluxo x tempo)
Parâmetros avaliados: (1) volume urinado, (2) tempo de micção e (3) fluxo urinário máxi-
mo (Qmax).
Como já citado anteriormente, a presença de fluxo urinário alterado (Qmax < 12 ml/s) não
permite diferenciar causas obstrutivas anatômicas/funcionais de contração inadequada da
musculatura detrusora. Entretanto, através da interpretação dos valores e formato da curva,
pode-se direcionar o raciocínio clínico a respeito da patologia subjacente.
A curva compatível com fluxo urinário normal tem formato sinusoidal ou formato de sino.
• Fase cistométrica ou de enchimento vesical (pressão x volume)
Parâmetros avaliados: (1) sensibilidade, (2) complacência e (3) capacidade vesical.
A sensibilidade é avaliada através da percepção de enchimento vesical pelo paciente em
volumes distintos, podendo estar reduzida, normal, aumentada e até mesmo ausente. Esse
parâmetro é subjetivo.
A complacência vesical é definida pela capacidade da bexiga em armazenar urina em baixas
pressões fisiológicas, sendo determinada por propriedades da musculatura lisa detrusora e
componentes viscoelásticos do tecido conectivo. Pode estar reduzida, normal ou aumentada.
Felipe Goulart Nehrer - 129

A capacidade vesical máxima é determinada pela quantidade máxima de urina que o paciente
pode suportar antes de iniciar a micção, sendo os valores normais aqueles entre 350 e 500ml.
Contrações involuntárias da musculatura detrusora (hiperatividade detrusora) podem ser
evidenciadas durante essa fase, sendo definidas por contrações que ocorrem sem o desejo
do paciente, podendo acarretar, a longo prazo, deterioração do trato urinário superior por
refluxo vesico-ureteral, se a pressão detrusora estiver acima de 40cmH20.
Em mulheres em investigação de incontinência urinária, podem ser realizadas manobras de
esforço (Valsalva) a fim de evidenciar perdas urinárias (VLPP) na ausência de contração de-
trusora, as quais podem estar relacionadas à hipermobilidade uretral (VLPP > 90 cmH20)
ou à deficiência esfincteriana intrínseca (VLPP < 60 cmH20).
• Fase miccional ou estudo de fluxo-pressão (pressão x fluxo):
Parâmetros avaliados: (1) pressão detrusora de abertura, (2) volume urinado, (3) fluxo uri-
nário máximo, (4) tempo de micção e (5) resíduo pós-miccional.
A pressão detrusora de abertura é definida como pressão necessária realizada pela muscu-
latura detrusora para vencer a resistência uretral e iniciar a micção.
Três condições básicas devem ser avaliadas para direcionar o raciocínio clínico:
o Pressão detrusora de abertura normal (Pdet < 20) associada a fluxo urinário normal
(Qmax > 12) é compatível com a normalidade.
o Pressão detrusora elevada (Pdet > 40) associada a fluxo urinário reduzido (Qmax <
12) é indicativo de obstrução infravesical. O exemplo clássico desse tipo de situação
patológica é obstrução (anatômica e/ou funcional) consequente à evolução da HPB.
o Pressão detrusora reduzida (Pdet < 20) associada a fluxo urinário reduzido (Qmax < 12)
é indicativo de hipocontratilidade detrusora (detrusor sem força de contração). O exem-
plo clássico desse tipo de situação é a falência detrusora consequente à evolução da HPB
ou trauma raquimedular com lesão do plexo pélvico parassimpático (trauma sacral).
Ao final da micção é realizado o esvaziamento vesical através dos cateteres inseridos para afe-
rição do resíduo pós-miccional.

6 Complicações
As complicações mais comuns são disúria e desconforto perineal devido à passagem dos cate-
teres, em geral transitórios e que desaparecem em 1-2 dias.
Apesar da assepsia adequada e profilaxia antibiótica quando indicada, pode haver ocorrência de
ITU sintomática, quase sempre tratada com antibióticos orais sem intercorrências.
Complicações menos comuns incluem traumatismo uretral, reflexo vasovagal e disreflexia au-
tonômica, já discutidos anteriormente nesse capítulo.
130 - Capítulo VII | Exames urológicos específicos

Leiura recomendada
AMERICAN CANCER SOCIETY. Tests for prostate cancer. Early detection, diagnosis and staging.
Disponível em: <https://www.cancer.org/cancer/prostate-cancer/detection-diagnosis-staging/how-di-
agnosed.html>. Acesso em>: 04 set. 2018.
BURKHARD. F. C. EUA Guidelines on urinary incontinence in adults: 2016. Disponível em: <https://
uroweb.org/wp-content/uploads/EAU-Guidelines-Urinary-Incontinence-2016.pdf>. Acesso em>: 04
set. 2018.
CUTRESS, M. L. et al. Long-term endoscopic management of upper tract urothelial carcinoma: 20-year
single-centre experience. BJU Int., v. 110, n. 11, Dec. 2012. Disponível em: < https://doi.org/10.1111/
j.1464-410X.2012.11169.x>. Acesso em: 04 set. 2018.
HOOMA, Y. et al. Urodynamics. Disponível em: <https://www.ics.org/Publications/ICI_2/chapters/
Chap07.pdf>. Acesso em: 04 set. 2018.
JOHN HOPKINS MEDICINE. Retrograde cystography. Disponível em: <https://www.hopkinsme-
dicine.org/healthlibrary/test_procedures/urology/retrograde_cystography_92,P07712>. Acesso em:
04 set. 2018.
LUCAS M. G. et al. Guidelines on urinary Incontinence: 2014. Disponível em: <https://uroweb.org/
wp-content/uploads/20-Urinary-Incontinence_LR.pdf>. Acesso em: 04 set. 2018.
NITTI, W. V. et al. Urodynamic and video-urodynamic evaluation of the lower urinary tract . In:
WEIN, Alan J. et al. Campbell-Walsh urology. 11th ed edition review. Philadelphia : Saunders, 2015.
PROSTATE CANCER UK. Prostate biopsy. Disponível em: <https://prostatecanceruk.org/prostate-
-information/prostate-tests/prostate-biopsy>. Acesso em: 04 set. 2018.
SAMPLASKI, M. K.; JONES, J. S. Two centuries of cystoscopy: the development of imaging, ins-
trumentation and synergistic technologies. BJU Int., v. 103, n. 2, Jan. 2009. Disponível em: <https://
doi.org/10.1111/j.1464-410X.2008.08244.x>. Acesso em: 04 set. 2018.
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Capítulo VIII
Sondagem vesical e toque retal
Felipe Guilherme Hamoy Kataoka
132 - Capítulo VIII | Sondagem vesical e toque retal

Cateterismo vesical
O procedimento de cateterização vesical motivado por retenção urinária aguda tem origem no an-
tigo Egito, sendo encontradas descrições a esse respeito, também, em outras civilizações do passado,
tanto do oriente quanto do ocidente. Esses fatos demonstram que, de longa data, a humanidade deparou-
-se com essa situação clínica e, mesmo que de princípio não compreendesse a necessidade da drenagem
sob o ponto de vista fisiológico, compreendia, ao menos, a necessidade do alívio sintomático imediato.
Galhos, juncos e madeira oca foram alguns dos artifícios utilizados para tal intento, tendo ape-
nas a partir do século XIX se desenvolvido alguns dos dispositivos utilizados atualmente, alguns dos
quais homenageando seus próprios criadores (Nelaton, Foley, por exemplo).
Tão importante quanto saber realizar a cateterização vesical, é saber quando indicar o procedi-
mento. Didaticamente, as indicações podem ser divididas em diagnósticas e terapêuticas. Na prática
as indicações mais corriqueiras são: retenção urinária aguda ou crônica, eliminação de resíduo pós-
-miccional, quantificação de débito urinário, irrigação vesical para hematúria macroscópica, dilata-
ção uretral, coleta de urina para análise laboratorial, mensuração de pressão intravesical e uretral em
estudo urodinâmico e terapia intravesical com BCG para câncer de bexiga.
Conhecer e respeitar as características anatômicas do trato urinário masculino e feminino é es-
sencial para a realização adequada do procedimento. Por não se tratar do escopo do capítulo, não se-
rão realizadas considerações a esse respeito, devendo o leitor consultar o capítulo pertinente inserido
na obra (Anatomia do Trato Urinário Inferior).

1 Características dos cateteres vesicais


A função básica de um cateter vesical é permitir a drenagem de urina. Além disso, um cateter ve-
sical também pode ser usado para quantificar a diurese, irrigação vesical (lavagem da bexiga quando
existem sangramentos) e instilação de determinados tipos de medicações no interior da bexiga (insti-
lação de BCG para o tratamento de tumor não músculo-invasivo de bexiga, por exemplo).
A escolha do tipo e tamanho do cateter depende das seguintes variáveis: indicação primária,
tipo de fluido ao qual se espera drenar, cateterização prévia, idade, gênero, história prévia e peculia-
ridades anatômicas do paciente. Além do tipo e tamanho, outras características como número de vias,
tempo de permanência e tipo de material (látex, silicone, policloreto de polivinil – PVC) são impor-
tantes atributos relacionados ao cateter e à função que será atribuída ao mesmo.
Felipe Guilherme Hamoy Kataoka - 133

1.1 Tipos
Considerando o tipo, os cateteres (ou sondas) podem apresentar vários tipos de pontas e orifícios
de abertura. Cateteres ou sondas de Robinson, Coudè, Malecot, Nelaton e Foley são os mais conhecidos,
sendo os dois últimos os mais utilizados na prática clínica (Figura 1).

Figura 1 – Tipos de cateteres (sondas) vesicais

1.2 Tamanho
A unidade de medida adotada internacionalmente é o French (Fr), onde 1 Fr equivalente a 0,33
mm (1 mm corresponde a 3 Fr). Existem cateteres de vários tamanhos, desde aqueles muito pequenos
e delicados usados em crianças ou procedimentos delicados (6 ou 8 Fr), até aqueles bastante calibrosos
(24 a 30 Fr) usados em situações específicas em adultos.
O tamanho (em Fr) de um cateter sempre representa o diâmetro externo (e não o interno) do
mesmo. Desse modo, é importante considerar o material utilizado na confecção do cateter, porque,
dependendo do material, o diâmetro interno do cateter pode variar. Por exemplo, considerando que
ambos tenham o mesmo tamanho, um cateter de Nelaton possui diâmetro interno maior que um cate-
ter de Foley de 2 vias, porque o PVC é material mais rígido e resistente, permitindo que a parede do
cateter seja mais fina e, consequentemente, uma luz (diâmetro interno) maior.
134 - Capítulo VIII | Sondagem vesical e toque retal

Universalmente, cada tamanho (diâmetro externo) de cateter é representado por uma cor, iden-
tificada na válvula de enchimento do balão. Assim, o tamanho de uma sonda de Foley pode ser reco-
nhecido por sua cor, sem a necessidade de avaliação mais detalhada do número descrito na própria
sonda ou em sua embalagem. Para fins de aprendizado, seguem abaixo os principais tamanhos de ca-
teteres e suas respectivas cores:
• 8 Fr  preto
• 10 Fr  cinza
• 12 Fr  branco
• 14 Fr  verde claro
• 16 Fr  laranja
• 18 Fr  vermelho
• 20 Fr  amarelo
• 22 Fr  azul escuro ou roxo
• 24 Fr  azul claro
• 26 Fr  rosa
A Figura 2 demonstra alguns exemplos do que está descrito acima.

Figura 2 – Tamanhos diferentes representam cores diferentes dos cateteres de Foley


Felipe Guilherme Hamoy Kataoka - 135

1.3 Número de vias


De forma bem didática, os cateteres podem ter uma, duas ou três vias. O tipo mais básico de
cateter é o de uma via, cujo exemplo mais clássico e utilizado é representado pelo cateter de Nelaton.
O cateter (ou sonda) de Nelaton, também denominado sonda uretral ou sonda de alívio, é feito de
PVC e utilizado para drenagem de urina da bexiga que, por algum motivo, não pode ser eliminada por
micção espontânea (retenção urinária aguda por raquianestesia, por exemplo). Como o próprio nome
sugere, esse cateter é usado de forma temporária, isto é, é introduzido na bexiga para drenagem da
urina retida, e retirado. Cateteres de uma via podem possuir um ou mais orifícios de drenagem e não
possuem balão para insuflação.
Cateteres de duas vias são classicamente representados pelas sondas de Foley. Uma das vias (a
menor) possui uma válvula e é utilizada para insuflar um balão localizado na extremidade distal da
sonda, cuja função é mantê-la locada no interior da bexiga através da uretra (todas as sondas de de-
mora, por conceito, devem possuir um balão que permite a ‘fixação’ da sonda no interior da bexiga).
A segunda via (a maior) é utilizada para drenagem do conteúdo vesical (urina) e acopla-se a um cole-
tor do tipo sistema fechado na extremidade proximal da sonda.
Cateteres de três vias são também representados por sondas de Foley e, além das duas vias des-
critas no parágrafo anterior, possuem uma terceira via que funciona para irrigação da bexiga. A irriga-
ção vesical é usada principalmente para a ‘lavagem’ vesical em situações de sangramentos dos mais
diversos tipos (consequentes a doenças ou de pós-operatórios), seja da bexiga, da próstata ou do trato
alto. Entretanto, a irrigação vesical também pode ter o objetivo de instilação de medicamentos no in-
terior da bexiga (por exemplo, o alúmen para tratamento de hematúria incoercível). De um modo ge-
ral, as sondas de três vias utilizadas para irrigação vesical são mais calibrosas que aquelas usadas para
cateterismo de alívio ou sondagem vesical de demora para drenagem de urina.
136 - Capítulo VIII | Sondagem vesical e toque retal

Figura 3 – Sondas de Foley de 2 e 3 vias e sonda uretral (Nelaton) de 1 via

1.4 Tipos de material


O material utilizado na confecção de sondas ou cateteres podem variar. O tipo de material
utilizado confere determinadas características para as sondas. O material ideal para sondagem vesical,
principalmente para aquelas que permanecem por um tempo determinado no interior do organismo e
em contato com as mucosas uretral e vesical, deve ser atóxico, apirogênico, maleável e de fácil manejo,
permitir o máximo conforto e evitar infecções. Materiais como o látex, a borracha, o silicone e o PVC
são os mais utilizados, podendo até mesmo serem revestidos com antibióticos. Nenhum desses materiais
possuem todas essas características ideais, tendo, portanto, vantagens e desvantagens.
Sondas de látex são maleáveis, fáceis de manusear e relativamente confortáveis, mas podem ser
tóxicas e pirogênicas (por conta da alergia ao látex desenvolvida por alguns pacientes), e permitem
a formação de biofilmes, tornando contaminados todos os pacientes que permanecem sondados por
mais de 4 semanas. Por outro lado, sondas de silicone são praticamente atóxicas e apirogênicas, não
formam biofilmes, mas são mais rígidas e muito mais desconfortáveis para os pacientes.
Felipe Guilherme Hamoy Kataoka - 137

Figura 4 – Sondas de Foley de 2 e 3 vias de látex e de silicone

Embora a confecção de sondas e cateteres com revestimento de antibióticos siga um racional


muito interessante, seu uso ainda não está bem estabelecido. Muitas limitações ao uso de antibióticos
em sondas ainda são evidentes e não existem até o momento estudos que respaldem seu benefício clí-
nico, não sendo, portanto, recomendados de rotina.

1.5 Tempo de permanência


Cateteres ou sondas podem permanecer por tempo curto ou prolongado. Conceitualmente, tempo
curto se refere àquele tipo de sonda que, assim que cumprida sua função, é imediatamente retirada.
O exemplo mais claro desse tipo de situação é a sondagem vesical de um paciente que, após cirurgia
realizada com raquianestesia, evolui com retenção urinária aguda temporária por ação da anestesia
locorregional sobre a função vesical. Nesse caso, a sondagem vesical é denominada de alívio e realizada
com sonda uretral de uma via. Assim que o efeito da raquianestesia termina, as funções miccionais
fisiológicas são recuperadas, e o paciente volta a urinar normalmente.
Por outro lado, o tempo prolongado de sondagem, embora sem limite definido, deve ser sem-
pre o menor possível. Quanto maior o tempo de permanência da sonda no organismo, maior também
é a chance de ocorrer infecções urinárias e outras complicações. Por esse motivo, o problema que le-
vou à necessidade de sondagem vesical deve ser solucionado, a fim de que a sonda seja removida no
menor intervalo de tempo possível. O exemplo clássico desse tipo de problema é a sondagem vesical
de um paciente portador de HPB que evolui com retenção urinária aguda, uma complicação da doen-
138 - Capítulo VIII | Sondagem vesical e toque retal

ça. Nesse caso, a sondagem é denominada de demora e realizada com sonda de Foley (de látex ou si-
licone) de duas vias. Se houver hematúria, uma outra complicação da HPB, a sondagem de 3 vias é
recomendada, porque assim a irrigação vesical pode ser utilizada para tratamento do sangramento. A
sonda de demora só será retirada quando o problema de base for resolvido, isto é, o tratamento cirúr-
gico da próstata (retirada do fator obstrutivo) for realizado. Caso haja necessidade de manutenção da
sonda de demora (uso prolongado), trocas regulares são recomendadas, no máximo, a cada 30 dias.

2 Técnicas de sondagem (cateterismo) vesical


Em um paciente adulto, sem história urológica prévia e risco de anormalidades, sugere-se rea-
lizar a primeira tentativa de sondagem com um cateter 16 Fr, não sendo essa uma regra fixa e imutá-
vel, mas apenas uma orientação.
A técnica de cateterização vesical deve ser efetuada com o médico em posição lateral ao pa-
ciente no lado correspondente ao da sua mão dominante. Todos os materiais a serem utilizados devem
estar disponíveis e acessíveis. O paciente deve estar em posição supina (em mulheres com as pernas
em posição “frog-leg”). O procedimento deve ser realizado de forma asséptica e, se a sondagem for
de demora e necessitar ativação do mecanismo de retenção, o mesmo só deve ser insuflado após con-
firmação do posicionamento da sonda na bexiga e com água destilada, não devendo se utilizar outros
fluídos que permitam cristalização. Na impossibilidade de confirmação do posicionamento da sonda
no interior da bexiga, é recomendável insuflar o balão com 5 ml para evitar lesão uretral significati-
va. Caso a extremidade da sonda esteja posicionada fora da bexiga e, portanto, em qualquer porção da
uretra, o mínimo enchimento do balão promoverá dor e desconforto importante no paciente, exigin-
do a parada imediata de insuflação do balão da sonda vesical. Nesses casos, a sonda deve ser retirada
e um método alternativo de sondagem deve ser utilizado. O procedimento de sondagem vesical, seja
de demora ou de alívio, não exige, por si só, o uso de antibióticos. Antibióticos só devem ser usados
quando a situação ou patologia urológica (ou não urológica) exigir.
A técnica de sondagem vesical é diferente em homens e mulheres e, portanto, serão descritas
separadamente a seguir.

2.1 Sondagem vesical masculina


Após o paciente posicionado em decúbito dorsal, a assepsia deve ser realizada na região genital,
incluindo o púbis, o escroto, o corpo do pênis e a glande (para isso, o prepúcio deve ser obrigatoriamente
retraído).
Previamente à inserção da sonda, deve-se realizar a lubrificação uretral com lubrificante anes-
tésico em forma de geleia (lidocaína a 2%), devendo a mesma ser instilada lentamente (1 ml de lu-
brificante por segundo, em média). O volume de lubrificante anestésico deve respeitar o tamanho da
uretra masculina, e um volume de 20 ml deve ser instilado e permanecer na uretra por pelo menos 15
Felipe Guilherme Hamoy Kataoka - 139

minutos para benefício máximo do paciente. Volumes menores de 20 ml de anestésico não permiti-
rão lubrificação adequada da uretra, podendo ocorrer lesões na uretral provocadas pela passagem ou
mal posicionamento da sonda. A instilação rápida do lubrificante anestésico pode provocar distensão
abrupta das paredes uretrais e provocar sangramentos (uretrorragia) desnecessários. O uso de lubrifi-
cantes sem anestésico é possível, sendo até mesmo discutível a vantagem teórica do componente anes-
tésico. Contudo, na prática clínica, é habitual o uso de lubrificantes anestésicos.
Após a instilação e ação do lubrificante anestésico, a técnica consiste em içar o pênis a 90 graus
com a mão não dominante e progredir a sonda por 7-12 cm, devendo-se então horizontalizar o pênis
e continuar a progressão até a bifurcação da sonda, quando então confirma-se a drenagem e ativa-se o
mecanismo de retenção/fixação da sonda (isto é, insufla-se o balão com água destilada). Em pacien-
tes não circuncisados o prepúcio deve ser colocado em posição normal para evitar a parafimose, após
o término da sondagem. A sonda deve ser gentilmente fixada no abdome ou na coxa, de maneira que
não permita lesões iatrogênicas como ulcerações e hipospádia no meato uretral.
Como descrito anteriormente, o tamanho e o tipo de cateter escolhido dependerão de cada si-
tuação específica. Sondas de demora (Foley) adequadas à uretra masculina geralmente têm tamanho
mínimo de 16 Fr. Para sondas de alívio, um tamanho de 10-12 Fr são adequados à drenagem de uri-
na da bexiga de um homem.

2.2 Sondagem vesical feminina


Em mulheres, o meato uretral estará 1 a 2,5 cm abaixo do clitóris. Os mesmos princípios relativos
à assepsia e lubrificação utilizados para a uretra masculina devem ser aplicados à uretra feminina, mas
com algumas diferenças. Primeiro, a melhor posição para realizar o procedimento é aquela denominada
‘frog leg’, onde as pernas são posicionadas em flexão e abdução. Segundo, a assepsia deve incluir o
púbis, as regiões inguinais (as faces internas das coxas também podem ser incluídas), os lábios maiores
e menores, o clitóris, o vestíbulo vaginal e o meato uretral. Em algumas situações, a assepsia também
deve envolver as paredes vaginais. Terceiro, pelo fato de a uretra feminina ser mais curta (3-5 cm),
a quantidade de lubrificante anestésico deve ser menor, e um volume de 5-10 ml já é suficiente para
uma sondagem vesical adequada.
Após a assepsia e lubrificação, os lábios vaginais devem ser afastados com uma das mãos, o me-
ato uretral identificado e a sonda gentilmente progredida até sua metade, não sendo necessária pro-
gressão até a bifurcação. Assim que ocorrer a drenagem de urina, o balão deve ser insuflado.
Sondas de demora (Foley) 14 Fr, 16 Fr e 18 Fr são, de forma geral, adequadas à uretra femini-
na. Outras situações (irrigação vesical após uma RTU de bexiga, por exemplo) podem exigir catete-
res maiores para irrigação. Sondas de alívio 8 ou 10 Fr são cabíveis às mulheres.
140 - Capítulo VIII | Sondagem vesical e toque retal

2.3 Sondagem difícil


A dificuldade de cateterização geralmente ocorre em homens por uma série de situações, quais
sejam: aumento prostático, aumento do tônus do esfíncter estriado (geralmente por dor ou medo),
estenoses da uretra, obesidade mórbida (com pênis embutido), fimose importante, hipospádias, entre
outras condições que, de alguma forma, impedem a visualização/identificação do meato uretral ou
promovem estreitamento de alguma porção da uretra masculina.
Em mulheres, condições que alteram a anatomia do meato uretral ou da uretra feminina geral-
mente são as causas associadas à sondagem difícil. São exemplos dessas situações: atrofia vaginal,
obesidade mórbida, radioterapia pélvica, fístulas que envolvem a uretra, cirurgias prévias e distopias
genitais ou vesicais.
Dentre as várias estratégias usadas para solucionar essas situações incluem: maior lubrificação
e anestesia, uso de guia rígido de sondagem, uso de fio guia hidrofílico, sondas para dilatação, son-
das de silicone, sondagem guiada por toque retal ou toque vaginal e até mesmo com uretrocistoscopia
(preferencialmente flexível). Na falha dessas alternativas, geralmente procede-se a uma cistostomia
(introdução da sonda no interior da bexiga através da parede abdominal) que pode ser realizada por
punção ou por cirurgia aberta.

3 Complicações
Uma das complicações comuns da cateterização vesical é a infecção, que só deve ser tratada
quando sintomática. Bacteriúria assintomática dispensa antibioticoterapia, salvo condições subjacen-
tes que demandem tratamento. Em caso de sintomas, o tratamento antibiótico não deve exceder 5-7
dias. O uso de profilaxia antibiótica antes, durante e após retirada do cateter é desencorajado, exce-
to para situações de risco (por exemplo, imunossupressão, idade avançada, uso de corticoides, etc.).
Hematúria microscópica é quase que uma regra em pacientes sondados. Hematúria macroscópica ou
uretrorragia podem ocorrer por trauma direto da sonda na uretra ou como consequência de uma infecção.
Em homens, o prepúcio, exposto no momento da assepsia e não retraído ao final do procedi-
mento, pode sofrer edema importante e ser incapaz de ser retraído posteriormente, situação conheci-
da como parafimose. Nesses casos, a redução digital da glande pode ser muito traumática e dolorosa,
havendo necessidade de tratamento cirúrgico (postotomia ou postectomia).
Outra situação relativamente comum em pacientes sondados por tempo prolongado é a lesão
uretral provocada pela presença da sonda. A sonda comprime determinadas porções da uretra, poden-
do ocasionar hipospádias (em homens e mulheres), lesões na glande e estenoses de uretra.
Sondagem difícil, principalmente em homens, pode ser desafiadora. O manejo inadequado da
sonda pode provocar traumas uretrais de graus variados, incluindo lesões uretrais complexas e fal-
sos trajetos.
Felipe Guilherme Hamoy Kataoka - 141

Por fim, uma complicação incomum é a incapacidade de esvaziamento do balão no momento


da retirada da sonda. Isso geralmente ocorre por problemas na válvula ou na via do balão, ou enchi-
mento do balão com a mesma seringa utilizada para a instilação da xilocaína geleia, que se cristaliza
na via do balão, entupindo-a. Esse problema pode ser resolvido através de uma das alternativas: la-
vagem da via do balão com o objetivo de desobstruí-la, e rompimento do balão com (1) a introdução
de fio guia resistente na via do balão, (2) uretrocistoscopia, (3) punção supra-púbica ou (4) injeção de
2-3 ml de éter sulfúrico na via do balão.

Toque retal
Parte essencial do exame físico urológico, o toque retal (ou exame digital da próstata) é realiza-
do em indivíduos do sexo masculino, com o objetivo de avaliar a próstata. Entretanto, além da prós-
tata, também podem ser avaliados o esfíncter anal (tonicidade), o canal anal e o reto terminal. Como
método auxiliar, o toque retal é realizado no estudo bimanual da bexiga e em casos de sondagem ve-
sical difícil em homens.

1 Indicações
As indicações clássicas para toque retal são: propedêutica da HPB, propedêutica e estadiamen-
to clínico do câncer de próstata, patologias inflamatórias da próstata (prostatites), propedêutica de ou-
tros diagnósticos diferenciais (tumor de reto, por exemplo) e trauma urológico pélvico envolvendo a
uretra e/ou bexiga.
O toque retal é fundamental, junto com anamnese dirigida e dosagem do PSA, para a avaliação
do paciente com HPB. Nesses casos, o toque retal traz informações importantes no que diz respeito
às características da doença, permitindo a mensuração do tamanho aproximado da próstata e a análi-
se da consistência, sensibilidade e nodulações da zona periférica.
Para o câncer de próstata (CaP), além das características descritas no parágrafo anterior para HPB,
a avaliação da presença de nodulações e/ou áreas de endurecimento que ocorrem na zona periférica
e são cruciais para a suspeita diagnóstica do CaP e direcionamento da biópsia transretal. Além disso,
o toque retal é capaz de definir a extensão da doença, permitindo o estadiamento clínico da doença.
Prostatites são processos inflamatórios que acometem a próstata e podem ocorrer tanto em adul-
tos jovens, homens de meia idade e idosos. Prostatites em homens mais jovens são sintomáticas (febre
alta, prostração, desconforto pélvico e sintomas urinários) e o toque retal demonstra próstata muito
sensível e dolorosa, quente e de consistência amolecida (prostatite aguda ou tipo I). Em homens ido-
sos, as prostatites são geralmente assintomáticas e o toque retal pode mostrar próstata amolecida, mas
indolor e sem sinais flogísticos importantes (prostatite bacteriana assintomática ou tipo IV).
Em relação aos traumas urogenitais, aqueles que envolvem a pelve óssea (fratura de bacia em
livro aberto) podem levar a lesões muitas vezes graves da bexiga e, principalmente, da uretra. Quando
142 - Capítulo VIII | Sondagem vesical e toque retal

ocorrem lesões uretrais complexas por cisalhamento que promovem a ruptura completa da uretra, tan-
to a próstata quanto a bexiga (segmento vesicoprostático) se deslocam em direção cefálica e a próstata
assume posição anatômica anômala, fora da sua topografia habitual. Desse modo, o toque retal permi-
te a suspeita diagnóstica dessas alterações, onde o dedo do examinador não é capaz de tocar a prósta-
ta, mas sim a loja prostática ocupada por um hematoma. Além disso, o reto e o esfíncter anal também
podem ser avaliados. Sangue e espículas ósseas podem ser encontradas dentro da luz retal, determi-
nando a lesão do reto, e a hipotonicidade do esfíncter pode sugerir um trauma raquimedular associado.

2 Posição do paciente
O toque retal é melhor executado com o paciente em ortostase e curvado sobre a mesa de exa-
me, ou na posição de prece maometana (genuflexão). Outras posições também cabíveis são o decú-
bito lateral e o decúbito dorsal.
Na posição de ortostase, o paciente deve se posicionar com as coxas próximas à mesa de exa-
me, com os pés separados a uma distância de aproximadamente 45 cm e os joelhos discretamente fle-
xionados. Ele deve então se curvar em 90 graus sobre a mesa ou maca de exame, até que seu tórax
repouse sobre os antebraços. As vantagens dessa posição incluem o relativo conforto para o paciente
e para a mão/dedo do examinador (em pronação).
A posição de genuflexão, também dita posição de prece maometana, é bem adequada à realiza-
ção do toque retal, porque essa posição facilita o acesso do dedo do examinador à próstata (em prona-
ção). Além disso, a posição em genuflexão permite a fácil inspeção da região perianal e do esfíncter
anal, às vezes importantes para a propedêutica e diagnósticos de patologias da região anal e perianal
(condiloma acuminado e hemorroidas, por exemplo). Contudo, ela traz desconforto ao paciente, que
muitas vezes se sente constrangido ao assumi-la.
A posição em decúbito lateral com os membros inferiores fletidos fornece bom acesso do dedo
do examinador à próstata e permite exame ectoscópico adequado. Embora o examinador tenha que
trabalhar com a mão/dedo lateralizados, ela é bastante confortável ao paciente.
Por fim, o decúbito dorsal com as pernas fletidas e abduzidas (posição ginecológica) pode ser
utilizado para o toque retal. É também confortável ao paciente, mas tem como desvantagens a inspe-
ção limitada da região anal e perianal, e a maior dificuldade de alcance do dedo do examinador à prós-
tata, principalmente em pacientes obesos.
Todas as posições aqui descritas estão demonstradas na Figura 5.
Felipe Guilherme Hamoy Kataoka - 143

Figura 5 – Posições para a realização do toque retal

3 Técnica
O toque retal deve ser realizado ao término do exame físico, não costuma durar mais que 30 se-
gundos e não gera grandes desconfortos ao paciente.
Ao médico cabe calçar luvas de procedimento (não são necessárias luvas estéreis) e lubrificá-las
generosamente. Por conta da brevidade do exame, o uso de gel lubrificante anestésico não tem valor es-
tabelecido. Quando em decúbito dorsal, ao iniciar o exame, o médico deve repousar a palma da mão não
dominante sobre o abdome inferior do paciente de maneira a contê-lo e causar-lhe contrapressão gentil.
O exame em si se inicia com o afastamento das nádegas e inspeção estática e dinâmica do ânus.
Inicialmente projeta-se apenas uma falange do dedo indicador para permitir tempo de relaxamento e
acomodação do mesmo, prosseguindo-se então a introdução do dedo até que a próstata seja alcança-
da. A avaliação de tônus esfincteriano deve ser realizada no momento em que a porção inicial do dedo
indicador (primeira falange) é introduzida.
A próstata então deve ser “varrida”. Nesse momento são avaliados o tamanho, a consistência,
a sensibilidade e a pesquisa de nódulos ou áreas de endurecimento na zona periférica. Normalmente,
a próstata tem o diâmetro de uma castanha, a consistência semelhante à oposição do polegar com o
dedo mínimo, e é indolor ao toque. Além da próstata, deve se examinar toda a circunferência retal em
busca de sinais sugestivos de malignidades ou outras doenças anorretais (Figura 6).
144 - Capítulo VIII | Sondagem vesical e toque retal

Figura 6 – Toque retal em posição de ortostase (em pé com o tronco fletido)

Se necessário e disponível, o conteúdo de fezes em dedo de luva deve ser utilizado para cultura
com intuito de detectar patologias gastrointestinais.
É mandatório oferecer ao paciente lenços, sabão e toalhas para higienização após o exame e,
de bom alvitre por parte do médico, que se retire por alguns instantes, permitindo ao paciente que se
recomponha para conclusão da consulta.

Leitura recomendada
TAILLY, Thomas; DENSTEDT, John D. Fundamentals of urinary tract drainage. In: WEIN, Alan J. et
al. Campbell-Walsh urology. 11th ed edition review. Philadelphia: Saunders, 2015.Cap 6, p. 119-135.
VOLTAR SEÇÃO I

SEÇÃO II

Seção III SEÇÃO IV

Patologias Não
Neoplásicas e Trauma
Capítulo IX – Infecções do Trato Urinário Inferior, 146
Luccas Santos Patto de Goes
Capítulo X – Infecções do Trato Urinário Superior, 155
Wellington Rodrigues Porciúncula Junior
Capítulo XI – Litíase urinária, 165
Nelson Gaspar Dip Júnior
Capítulo XII – Hiperplasia benigna da próstata, 182
Eduardo Hidenobu Taromaru
Capítulo XIII – Fimose e parafimose, 195
Luccas Santos Patto de Goes
Capítulo XIV – Hidrocele e varicocele, 202
Felipe Guilherme Hamoy Kataoka
Capítulo XV – Disfunção erétil, 208
Thiago Seiji Carvalho da Silveira
Capítulo XVI – Ejaculação precoce, 220
Thiago Seiji Carvalho da Silveira
Capítulo XVII – Déficit androgênico do envelhecimento masculino, 225
José Vinícius de Morais
Capítulo XVIII – Priapismo, 231
Wellington Rodrigues Porciúncula Junior
Capítulo XIX – Incontinência urinária, 239
Jose Carlos Losito Paiva da Fonseca Junior
Capítulo XX – Urgências urológicas não traumáticas, 247
Octavio Henrique Arcos Campos
Capítulo XXI – Trauma urogenital, 265
Eder Oliveira Rocha
Capítulo XXII – Doenças Sexualmente Transmissíveis, 284
Rodolfo Anísio Santana de Torres Bandeira e Daniel Cernach Ayres
Capítulo XXIII – Interpretação clínica do PSA, 306
Nelson Gaspar Dip Júnior
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Capítulo IX
Infecções do Trato Urinário Inferior
Luccas Santos Patto de Goes
147 - Capítulo IX | Infecções do Trato Urinário Inferior

Introdução
Infecção do trato urinário baixo (ITU baixa) é definida como uma resposta inflamatória do uroté-
lio do trato urinário inferior frente à invasão bacteriana. Gera sintomas urinários como disúria, polaciú-
ria e urgência miccional, mas não cursa com febre. Essa patologia deve ser diferenciada da bacteriúria
assintomática, que, por definição, é a presença de bactérias na urina na ausência de sintomas urinários
(nesses pacientes, a urocultura também pode estar positiva). Além disso, ITU baixa também deve ser
distinguida de ITU alta (pielonefrite aguda, por exemplo), que, além dos sintomas mencionados, tam-
bém apresentará febre e dor lombar com sinal de Giordano positivo.
É definida laboriatorialmente como a presença de leucócitos e bactérias no exame de urina tipo
I (piúria e bacteriúria, respectivamente), associada a urocultura positiva para o patógeno em questão.
ITU baixa é condição muito frequente e geralmente apresenta curso benigno e autolimitado. Em
alguns casos, podem ocorrer quadros de ITU alta por ascenção bacteriana ao trato urinário superior.

1 Epidemiologia
ITU baixa é o tipo de infecção mais comum na prática clínica, gerando cerca de 7 milhões de
consultas por ano nos EUA, com 100.000 internações. É responsável por 1,2% das consultas em mu-
lheres e 0,6% em homens. Acomete preferencialmente mulheres (30 x mais que homens), sendo que
destas, 30% apresentam a doença com ate 24 anos de idade. Cinquenta por cento das mulheres apre-
sentarão pelo menos um episódio de ITU baixa durante a vida. É de baixa incidência antes puberda-
de, com aumento progressivo com o início da atividade sexual. Após este período, a incidência média
é de 1-2% por ano, significando, portanto, que o avançar da idade aumenta progressivamente o risco
de ITU baixa, principalmente em mulheres (Figura 1). Em homens é incomum, mas o crescimento
prostático é o principal fator responsável pelo aumento da incidência de ITU após os 50 anos de vida,
chegando a se equiparar com as taxas em mulheres.
As recorrências podem ser comuns principalmente em mulheres, sendo que sua proporção se ele-
va de acordo com o número de infecções subsequentes. A taxa de cura espontânea varia de 57- 80%.
ITU recorrente (ou de repetição) é definida como 3 ou mais infecções em 6 meses ou 4 ou mais
episódio em 1 ano e, comumente, há um fator desencadeador do quadro. Mesmo em situações de re-
corrência, os danos ao trato geniturinário em longo prazo não ocorrem ou são mínimos, e certamente
não ocorrerá lesão renal em quadros de ITU baixa.
Luccas Santos Patto de Goes - 148

Figura 1 – Prevalência de ITU em mulheres em relação à idade

2 Patogênese
O germe mais comum associado à ITU baixa é a E. coli, que ocorre em 85% dos casos e é pro-
veniente do reservatório intestinal humano. A infecção se dá pela ascensão bacteriana à parede e in-
tróito vaginal, seguindo pela uretra até se alojar na bexiga (via ascendente). Em ambiente hospitalar,
outras bactérias passam a ter importância maior, sendo este fato variável de acordo com a microbiota
da instituição em questão. A Figura 2 mostra os agentes bacterianos mais comuns envolvidos.
149 - Capítulo IX | Infecções do Trato Urinário Inferior

Figura 2 – Principais agentes etiológicos causadores de ITU baixa

Outras vias de infecção como a hematogênica e a linfática também podem promover ITU bai-
xa, mas são muito incomuns.
O conhecimento dos fatores de virulência associados ao agente bacteriano e dos mecanismos de
defesa do hospedeiro são de fundamental importância para o manejo da infecção.
Os fatores de virulência mais importantes são: a capacidade de adesão das bactérias ao urotélio
vesical, a receptividade do epitélio vesical e a presença de biofilme.
O processo de adesão bacteriana ocorre através da produção de adesinas (fimbrias) pelo micror-
ganismo. As cepas que possuem fímbrias (fimbriadas) têm maior facilidade para adesão. Fímbrias tipo
1 favorecem a adesão ao urotélio da bexiga (ITU baixa), enquanto que fímbrias (ou pili) do tipo P
(pielonefritogênicas) são aquelas que permitem maior facilidade de adesão ao trato urinário superior.
Outro fator que influi na virulência do agente é a receptividade do epitélio. O urotélio é um epi-
télio impermeável, fator que dificulta a adesão bacteriana. Assim, para que a bactéria penetre nas cé-
Luccas Santos Patto de Goes - 150

lulas do epitélio urotelial, uma ligação molecular deve ocorrer entre ambas. No interior do citoplasma
celular, as bactérias se multiplicam e se desenvolvem em comunidades estruturadas, coordenadas e
funcionais (Figura 3). Neste cenário urotelial intracelular, a ação dos antimicrobianos fica prejudicada
pela pouca penetração destas substãncias. Quando a proliferação bacteriana atinge um pico de repli-
cação, ocorre a lise celular e as bactérias deixam o interior da célula urotelial para atingirem o interior
(luz) da bexiga, perpetuando a infecção.

Figura 3 – Biofilme. Note, à esquerda, o grande número de bactérias se multiplicando no interior da célula urotelial.
À direita, observe o rompimento da célula urotelial com a liberação das bactérias para o interior da bexiga

Defesas naturais do organismo são importantes para evitar a instalação da infecção ou combater
uma ITU baixa já instalada. O principal fator protetor é a micção, porque o ato de urinar promove ou
clearance bacteriano, carreando as bactérias para fora do organismo antes de aderirem. Ainda, o pH
urinário ácido, a presença de ureia, ácidos orgânicos e proteína de Tamm-Horsfall na urina também
progetem o urotélio porque impedem o crescimento e a adesão bacteriana. A presença de lactobacilos
no introito vaginal e uretra distal competem com os patógenos causadores de ITU. Além disso, a pre-
sença de estrógeno e o pH vaginal também proporcionam um meio hostil às bactérias.
Alterações nos mecanismos de defesa, como a obstrução infravesical e o refluxo para o trato
urinário alto facilitam a infecção. Patologias ou situações como diabetes mellitus, gota, anemia falci-
forme e idade avançada também podem elevar as taxas de ITU baixa.
A gestação gera um ambiente propício à infecção bacteriana. Em média, 4-7% das gestantes
apresentam bacteriúria assintomática, e destas, 25-35% desenvolvem pielonefrite aguda se não trata-
das. Isso ocorre pela alteração do pH vaginal, dilatação ureteral decorrente da presença de progeste-
rona (alteração da contração ureteral) e da obstrução mecânica do útero sobre o ureter.
Outra patologia que altera estes mecanismos é a bexiga neurogênica, que prejudica o esvazia-
mento vesical, principalmente quando acompanhada de dissinergismo vesico-esfincteriano, que ele-
va a pressão intravesical e pode permitir a ascenção desses patógenos.
151 - Capítulo IX | Infecções do Trato Urinário Inferior

3 Diagnóstico
Primeiramente, deve-se avaliar o quadro clínico do paciente que pode envolver disúria, polaciú-
ria e urgência miccional. Hematúria macroscópica terminal também pode ocorrer como consequência
da contração do trígono e colo vesical inflamados. A presença de febre indica infecção do trato alto.
Os exames complementares inicialmente solicitados são a urina tipo I (leucocitúria, hematúria,
bacteriúria presentes e nitrito positivo) e a urocultura.
Leucocitúria ocorre frente a qualquer dano ao trato geniturinário. Leucocitúria associada a sin-
tomas tem 80-95% de sensibilidade e 50-76% de especificidade para diagnóstico de ITU. Leucocitúria
(piúria) positiva com urocultura negativa define o conceito de piúria estéril que pode estar associada
à tuberculose, à litíase urinária ou a tumor urológico.
A hematúria macro ou microscópica está presente em 40-60% das ITU. Quando associada à bac-
teriúria, sua especificidade para infecção urinária se eleva consideravelmente.
De importância relevante para o diagnóstico, a urocultura demonstra, além da presença de infec-
ção, o microrganismo responsável e sua sensibilidade aos principais antibióticos utilizados para trata-
mento (antibiograma). Mesmo na presença de ITU instalada, uroculturas podem ser negativas em até
20% dos casos (falso-negativos), principalmente por conta de hiperidratação. Exames falso-positivos
podem ocorrer por contaminação do meio externo.
A coleta de urina para análise pode ser feita através do jato urinário médio ou punção suprapú-
bica. Em culturas do jato médio, a presença de 102 e 105 UFC/ml indica infecção em mulheres sinto-
máticas e em homens, respectivamente. Já pela punção suprapúbica, o achado de qualquer número
de bactérias indica infecção, porque a urina armazenada no interior da bexiga é estéril em condições
fisiológicas.
A técnica da punção consiste em inserir uma agulha ou jelco na linha média do abdome, logo
acima da sínfise púbica, num ângulo cefálico de 20º, após assepsia correta do local e aspirar urina
para análise (Figura 4).
Os exames de imagem ficam reservados para presença ou suspeita de complicações que serão
discutidos no capítulo de ITU alta. Os exames de imagem mais usualmente utilizados são o US de rins
e vias urinárias e a TC de abdome.
Luccas Santos Patto de Goes - 152

Figura 4 – Técnica de punção suprapúbica. Note a região anatômica correta de punção (desenho inferior) e
angulação cefálica da agulha de punção (desenho superior)

4 Tratamento
O tratamento da ITU baixa tem como objetivo primordial a erradicação do microrganismo causa-
dor com antibióticos. Um antibiótico ideal deve ter as seguintes características principais: sensibilida-
de para o agente, altas concentrações urinárias, facilidade de administração, poucos efeitos colaterais,
tratamento por tempo curto e baixo custo. Para a erradicação efetiva do agente etiológico, níveis uri-
nários do antibiótico devem ser maiores que a concentração inibitória mínima (CIM) capaz de inibir
o crescimento bacteriano. A concentração plasmática não tem relevância para ITU baixa, ganhando
importância para infecções altas e complicações.
A resistência bacteriana é uma realidade nos dias atuais, principalmente devido ao uso indiscri-
minado de antibióticos. Temos, basicamente, 3 tipos de resistência desenvolvidas ou herdadas pelo
agente etiológico, a saber:
• Herança autossômica – é uma resistência natural, onde o patógeno está fora do espectro de
ação da droga.
• Adquirida por resistência cromossômica – seleção natural por uso indiscriminado prévio da droga.
• Adquirida mediada por plasmídeo – compartilhamento de material genético (plasmídeo) en-
tre as cepas, com transmissão de genes de resistência.
153 - Capítulo IX | Infecções do Trato Urinário Inferior

Existem diversas classes de drogas consideradas adequadas para o tratamento da ITU baixa. As
mais utilizadas são as quinolonas, a macrodantina, as cefalosporinas e as sulfas. O tempo de tratamen-
to pode variar, sendo que em mulheres hígidas apresentando ITU baixa não complicada, o uso de anti-
bióticos por 3 dias é suficiente e efetivo. Para homens, o tratamento não deve ser menor que 5-7 dias.

5 Profilaxia
Antes da discussão sobre profilaxia, alguns conceitos importantes precisam ser definidos: os ti-
pos de ITU de repetição e as formas de utilização dos antibióticos.
Existem basicamente 2 tipos de ITU de repetição (ou recorrente): aquele causado por persis-
tência bacteriana (isto é, a despeito do tratamento, a bactéria persiste viável e não tratada) ou aqueles
oriundos de reinfecção (isto é, a bactéria é debelada e reinfecta o hospedeiro). No primeiro caso (per-
sistência bacteriana), é obrigatória a investigação detalhada do trato urinário a procura de anomalias
(litíase obstrutiva, cálculo coraliforme, HPB). No segundo caso (reinfecção), as reinfecções podem
ser provocadas pelo mesmo ou por outro microorganismo.
Em relação ao uso de antibióticos, existem 3 formas de emprego:
• Antibioticoterapia – emprego do antibiótico para fins de tratamento, ou seja, da erradicação
do agente etiológico e da infecção.
• Antibioticoprofilaxia (ou profilaxia antibiótica) – emprego do antibiótico com o objetivo de
diminuir reinfecções, isto é, o uso do antibiótico em indivíduos livres de infecção para pre-
veni-las. Exemplo: mulher com ITU baixa de repetição por reinfecção.
• Antibioticossupressão – uso do antibiótico com o intuito de evitar complicações, mas não
de erradicar a infecção. Exemplo: mulher com cálculo coraliforme completo e ITU alta de
repetição. Nesse caso, o uso do antibiótico tem a finalidade de evitar a disseminação bacte-
riana e suas complicações. A erradicação do agente só será alcançada com o tratamento ci-
rúrgico e remoção do cálculo.
Em caso de ITU de repetição por reinfecção não complicada, a profilaxia com ¼ a ½ da dose
de antimicrobianos pode ser utilizada. Existem 3 tipos de profilaxia antibiótica: (1) quimioprofilaxia
prolongada, (2) automedicação orientada e (3) profilaxia pós-coito.
A quimioprofilaxia prolongada pode ser feita diariamente ou em dias alternados, por perío-
dos prolongados (6 a 12 meses) objetivando um controle das recorrências. A quimioprofilaxia possui
eficácia de 95%, porém, após seu término, as chances de reinfecções serão as mesmas que aquelas
pré-tratamento.
A automedicação orientada é um tratamento feito em dose e tempo usual para tratamento de um
ITU baixa não complicada. A paciente mantém a medicação consigo e, aos primeiros sintomas mic-
cionais, inicia o tratamento. Essa estratégia de tratamento só deve ser feita em mulheres que enten-
dam a doença, o objetivo do tratamento e as orientações médicas.
Luccas Santos Patto de Goes - 154

A terceira forma é a profilaxia pós-coito. Está bem estabelecida uma forte correlação entre ITU
e relações sexuais em mulheres. Logo, pode-se orientar o uso de uma dose de antibiótico após o ato
sexual em mulheres com ITU de repetição, a fim de se evitar novos episódios.
A profilaxia com antimicrobianos para procedimentos urológicos deve ser iniciada entre 30 a
120 minutos antes do início do procedimento, sendo mantida por um período de até 24 horas ou até
a retirada da sonda vesical de demora, a fim de prevenir ITU em procedimentos invasivos. Esse tipo
de profilaxia deve ser utilizado em cirurgias urológicas em geral, biópsia de próstata e litotripsia ex-
tracorpórea. Não devemos utilizá-la em casos simples como, por exemplo, a troca de uma sonda ve-
sical de demora.

6 Bacteriúria assintomática
Pacientes com ITU instalada devem ser sintomáticos. Bacteriúria assintomática ocorrem quan-
do bactérias estão presentes em exame de urina e/ou urocultura positiva em pacientes assintomáti-
cos. Apenas devemos tratar essa condição em gestantes (risco de prematuridade, ascenção da infecção
com pielonefrite e sepse materna) e em casos onde houve anteriormente uma manipulação cirúrgica
do trato geniturinário.
Em todas as demais situações (principalmente em idosos), a bacteriúria assintomática não deve
ser tratada devido à baixa virulência destas cepas, com intuito de evitar uma futura resistência cro-
mossômica adquirida por seleção natural.

Leitura recomendada
ANTHONY J. et al. Infections of the urinary Tract. In: WEIN, Alan J. et al. Campbell-Walsh urology.
11th ed edition review. Philadelphia: Saunders, 2015.
CAI, T. et al. The role of asymptomatic bacteriuria in young women with recurrent urinary tract in-
fections: to treat or not to treat? Clin Infect Dis, v. 55, n. 6, Sept. 2012. Disponível em: <http://www.
ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22677710> <https://doi.org/10.1093/cid/cis534>. Acesso em: 05 set. 2018.
GRABE, M. et al. Guidelines on urological infections 2015. European Association of Urology.
Disponível em: <https://uroweb.org/wp-content/uploads/19-Urological-infections_LR2.pdf>. Acesso
em: 05 set. 2018.
NABER, K. G. (Ed.) et al. Urogenital Infections. European Association of Urology, 2010. Disponível
em: <http://www.icud.info/urogenitalinfections.html>. < http://www.icud.info/PDFs/ICUD%20
Urogenital%20Infections.pdf>. Acesso em: 05 set. 2018.
NGUYEN, Hiep T. Bacterial infections of the urinary tract. In: McANINCH, Jack; LUE, Tom F. (Ed.).
Smith and Tanagho’s General Urology (Smith’s General Urology). 18th ed. New York: McGraw-Hill
Medical, 2013. cap. 14.
SHOSKES, D. Urinary tract infections retrieved from: The American Urological Association
Educational Review Manual in Urology. 3rd ed. 2011. p. 737-766. Chapter: 23.
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Capítulo X
Infecções do Trato Urinário Superior
Wellington Rodrigues Porciúncula Junior
156 - Capítulo X | Infecções do Trato Urinário Superior

Introdução
Infecções do trato urinário alto (ITU alta) são menos frequentes que infecções que acometem a
bexiga (ITU baixa – cistites). Quando ocorrem, são mais graves para o paciente e de mais difícil ma-
nejo urológico, principalmente por conta da grande variedade de apresentação clínica.
Sintomas clássicos de ITU alta incluem febre, calafrios e dor lombar, que podem não estar presen-
tes em todos os casos, nem mesmo indicar severidade ou gravidade. Também, os achados de imagem
não estão diretamente relacionados à gravidade dos casos. Por exemplo, uma paciente imunossupri-
mida por diabetes mellitus pode apresentar um quadro de evolução muito grave e letal sem apresen-
tar febre ou alterações de imagem importantes.
A principal entidade clínica é a pielonefrite (aguda, enfisematosa, xantogranulomatosa), mas
abscessos que acometem o rim e suas imediações, pionefroses e outras condições menos comuns po-
dem caracterizar uma ITU alta.

Pielonefrite aguda (PNA)


É uma condição patológica de diagnóstico clínico com apresentação variada. A apresentação
clássica da PNA se dá pelo início súbito de calafrios, febre ≥ 37.9ºC, dor no flanco ou lombar uni ou
bilateral. Estes sinais/sintomas podem estar associados à disúria, aumento da frequência urinária e
urgência.
O diagnóstico clínico é dado pela história clínica que claramente inclui os achados acima, além
de sinal de Giordano positivo. Esse sinal é característico de processos inflamatórios/infecciosos que
acometem o trato urinário superior, principalmente o rim e a pelve renal. Contudo, outras condições
patológicas podem simular sinal de Giordano positivo (Herpes zoster no dermátomo lombar, absces-
so de psoas, tumores renais grandes com necrose central, entre outros).

1 Diagnóstico laboratorial
Exames de sangue podem revelar hemograma com leucocitose e predominância de neutrófilos,
aumento na velocidade de hemossedimentação (VHS), níveis elevados de proteína C reativa (PCR) e
creatinina (se insuficiência renal estiver presente). Além disso, o clearance de creatinina pode dimi-
nuir, hemoculturas podem ser positivas, exame de urina tipo I pode revelar numerosos leucócitos (com
ou sem hematúria) e urocultura geralmente positiva identificando o agente etiológico.

2 Bacteriologia
Culturas de urina são positivas na quase totalidade dos casos. Contudo, por volta de 20% dos
pacientes apresentam urocultura cultura negativa. É importante pontuar que uroculturas que demons-
trem o agente etiológico em número menor que 100.000 unidades formadoras de colônias por mililitro
Wellington Rodrigues Porciúncula Junior - 157

de urina (UFC/ml) são consideradas negativas. Escherichia coli (E. coli) é o principal agente bacteria-
no envolvido e está presente em 80% dos casos. Isso se deve aos fatores de virulência presentes nes-
se subgrupo, principalmente o pili P (pielonefritogênico), que permite a adesão da bactéria ao epitélio
da pelve e parênquima renal. Espécies mais resistentes podem estar presentes (Proteus, Klebsiella,
Pseudomonas, Serratia, Enterobacter ou Citrobacter) e devem ser suspeitadas em pacientes com ITU
recorrentes, hospitalizados ou com cateteres internos, bem como naqueles que necessitaram de ins-
trumentação do aparelho urinário recente. Outras espécies de bactérias Gram-positivas como E. fae-
calis, S. epidermidis e S. aureus raramente causam pielonefrite.
Hemoculturas são positivas em quase 25% das PNAs não complicadas em mulheres, mas este fato
não influencia a decisão terapêutica. Hemoculturas ficam reservadas para pacientes com necessidade
de hospitalização ou com fatores de risco associados (gravidez, por exemplo).

3 Ultrassom renal e tomografia computadorizada


Esses exames geralmente são solicitados quando não existe melhora do quadro após 72 horas de
antibioticoterapia adequada. Eles podem evidenciar um aumento renal, parênquima atenuado ou hipo-
ecoico e uma compressão do sistema coletor. Além disso, a TC pode demonstrar um fator obstrutivo
(cálculo ureteral, por exemplo) e outras complicações como pionefrose e abscesso renal associados.
Se contraste for utilizado, ele pode não ser excretado pelo rim acometido pelo processo infeccioso
(edema parenquimatoso), condição conhecida como exclusão funcional renal.

4 Diagnóstico diferencial
Doenças que podem causar algum grau de dor semelhante ao da pielonefrite devem ser elenca-
dos. Patologias como apendicite aguda, diverticulite e pancreatite podem causar dor lombar, mas de
características diferentes daquelas da PNA. Outras doenças podem representar um desafio para o diag-
nóstico diferencial porque, embora não acometam o rim e a pelve renal, cursam com sintomas mui-
to semelhantes e, como já mencionado acima, com sinal de Giordano positivo. O herpes zoster pode
causar dor superficial na região lombar, mas não está associado a sintomas de ITU, e o diagnóstico
será feito por inspeção quando as erupções bolhosas e dolorosas surgirem. Na grande maioria dessas
doenças, o exame de urina é normal e a urocultura negativa.

5 Manejo inicial
Inicialmente deve-se diferenciar PNA não complicada, que geralmente não requer hospitaliza-
ção, da PNA complicada, que requer internação e intervenção cirúrgica urológica. Fatores compli-
cadores de uma PNA são representados por obstrução e estase urinária, abscessos, imunossupressão,
gestação e comorbidades associadas. Um outro fator complicador são as anomalias do trato urinário,
158 - Capítulo X | Infecções do Trato Urinário Superior

que podem dificultar a drenagem adequada no sistema coletor. Anomalias urológicas são encontradas
em aproximadamente 16% dos casos de PNA.
PNA não complicada pode ser de tratamento hospitalar ou ambulatorial. Casos de evolução mais
precoce em pacientes hígidos e que se apresentam em bom estado geral podem ser tratados com anti-
bióticos por via oral, em regime ambulatorial. Contudo, portadores de PNA não complicada de evolu-
ção mais prolongada e que cursam com febre alta, desidratação, prostração e mal estado geral devem
ser internados para antibioticoterapia parenteral. Fatores complicadores (PNA complicada) sempre
exigem internação e, geralmente, uma intervenção cirúrgica.
Em pacientes com diagnóstico de PNA não complicada candidatos à tratamento ambulatorial,
uma avaliação radiológica inicial não é mandatória. Já em casos de PNA complicada ou suspeita, o
exame preconizado é a tomografia computadorizada sem contraste, que permite uma excelente ava-
liação do trato urinário, da gravidade e extensão da infecção. Em situações específicas, o uso do con-
traste pode ser necessário.
Para tratamento ambulatorial, a droga de escolha é uma fluoroquinolona por 7-10 dias. Na sus-
peita de microrganismos Gram-positivos, a amoxicilina ou amoxicilina/clavulanato é a droga reco-
mendada. Uma dose parenteral de antibiótico pode ser administrada, porém não existe consenso se
essa conduta tem benefícios.
Para o paciente que necessita de internação, exames de imagem são sempre necessários, assim
como os exames laboratoriais recomendados e descritos anteriormente nesse capítulo. Os antibióticos
recomendados por via parenteral incluem as fluoroquinolonas, aminoglicosídeos com ou sem ampici-
lina ou uma cefalosporina de terceira geração com ou sem aminoglicosídeo. Na suspeita de bactérias
Gram-positivas, ampicilina/sulbactam com ou sem aminoglicosídeo é o antibiótico recomendado. O
período adequado de tratamento é de 14-21 dias. Havendo melhora do quadro (clinicamente estável)
nas primeiras 72 horas e ausência de fator complicador, o paciente poderá receber alta hospitalar e
completar o tratamento em regime ambulatorial.
Naqueles com obstrução do trato urinário a drenagem deve realizada da maneira mais simples e
eficaz possível, visto que o rim obstruído tem dificuldade em concentrar e excretar o agente antibiótico.
Quando a resposta ao tratamento inicial é lenta, parcial ou ausente, uma reavaliação imediata é
mandatória. Culturas de urina e sangue devem ser repetidas e a troca do antibiótico orientada pelo an-
tibiograma. Uma TC deve ser realizada em busca de complicações como abscessos, anomalias ana-
tômicas ou fator obstrutivo não suspeito. O uso de contraste não é necessário para o diagnóstico, mas
quando utilizado pode demostrar alterações funcionais como diminuição do fluxo sanguíneo renal,
atraso na função de pico e na excreção do radioisótopo, além de defeitos corticais associados ao re-
fluxo vesicoureteral.
O seguimento do paciente é obrigatório. Uma urocultura por volta do sexto dia é preconizada
para confirmar que o trato urinário está livre de infecção. Entre 10 e 30% dos pacientes apresentarão
Wellington Rodrigues Porciúncula Junior - 159

uma recaída e necessitarão de um novo curso de terapia por 14 dias. Em alguns casos, o tratamento
com antibióticos pode se prolongar por até 6 semanas.

Nefrite bacteriana aguda focal ou multifocal (NBA)


É uma infecção renal aguda grave e incomum com um infiltrado leucocitário exuberante confinado
a um (focal) ou a vários lobos renais (multifocal). Clinicamente tem apresentação semelhante à da
PNA, porém é mais severa. Metade dos pacientes é diabética e a sepse é comum. Bactérias Gram-
negativas geralmente são as responsáveis e quase 50% apresentam bacteremia. Existem evidências
que sugerem que a NBA seria o ponto médio da evolução entre a PNA e o abscesso renal.
Avaliação por imagem é necessária e define o diagnóstico. No ultrassom, a lesão geralmente é
mal delimitada, marginada e hipoecogênica. Na TC o uso de contraste é necessário, pois a lesão é de
difícil visualização se o contraste não for utilizado. Áreas sólidas em forma de cunha com pouco real-
ce são identificadas no parênquima renal.
O tratamento inclui medidas de suporte e antibioticoterapia parenteral por pelo menos 7 dias,
seguidos de mais 7 dias de antibiótico via oral. Na falta de resposta, novos exames devem ser reali-
zados a fim de descartar complicações como uropatia obstrutiva, abscesso renal ou perirrenal, tumor
renal ou trombose aguda da veia renal.

Pielonefrite enfisematosa (PNE)


É uma urgência urológica caracterizada por infecção necrotizante do parênquima renal causada
por uropatógenos formadores de gás. Sua patogênese é pouco conhecida. A taxa global de mortalida-
de relatada está entre 19% e 43%. É incidente em diabéticos e muito rara em não diabéticos. Diabetes
juvenil parece não ser fator de risco. É mais comum em mulheres.
Usualmente, apresenta-se com uma PNA grave, onde a maioria dos pacientes exibe a clássica
tríade de febre, vômitos e dor lombar. E. coli é a principal bactéria identificada, porém outros orga-
nismos menos comuns como Klebisiella e Proteus podem estar presentes.
O diagnóstico é confirmado através de exames de imagem que mostram a presença de gás no
parênquima renal. À medida que a infecção progride, o gás se estende para o espaço perirrenal e re-
troperitônio. O principal diagnóstico diferencial é a pielite enfisematosa que se traduz pela presen-
ça de gás na via coletora (pelve renal), geralmente em pacientes não diabéticos e com quadro clínico
mais ameno e não letal.
O ultrassom geralmente sugere a presença de gás no interior do parênquima renal, que é confir-
mada pela TC, exame de escolha para definir a extensão e a gravidade do processo. A presença de gás
disposto de forma irregular ou a presença de gás em bolhas está associada a uma destruição rápida do
parênquima e altas taxas de mortalidade (50-60%).
160 - Capítulo X | Infecções do Trato Urinário Superior

Logo, trata-se de uma emergência urológica que deve ser conduzida com medidas para sepse,
pois a grande maioria dos pacientes está séptica no momento do diagnóstico. Nefrectomia é manda-
tória se não há mais função renal e se não há resposta satisfatória ao antibiótico nas primeiras horas.
Havendo obstrução da via coletora, esta deve ser imediatamente solucionada.

Abscesso renal (ou carbúnculo)


É uma coleção organizada de material purulento confinado ao parênquima renal. O paciente
acometido por abscesso renal tem história de doença (PNA, por exemplo) ou obstrução renal prévia
(cálculo obstrutivo associado à infecção, por exemplo), sem predomínio de gênero ou lateralidade. O
organismo típico é uma bactéria Gram-negativa, que acessa o rim por via ascendente.
Carbúnculo é um termo utilizado quando o abscesso renal é causado por Stafilococos por via
hematogênica, que era responsável por 80% dos casos antes da descoberta dos antibióticos.
Além da tríade clássica, perda de peso ocasionalmente está presente na apresentação clínica.
História prévia de 1 a 8 semanas de infecção por Gram-positivos ou PNA/outra ITU por Gram-negativos
comumente estão presentes, ainda mais quando há fatores complicadores como estase, litíase, gravidez
ou diabetes tipo II. Tipicamente, o paciente apresenta hemograma com leucocitose. Piúria e bacteriú-
ria não estão presentes, exceto quando há comunicação do abscesso com sistema coletor. Urocultura,
hemocultura e cultura do abscesso pode identificar o agente etiológico em 13-15% dos casos.
Após suspeição clínica de uma coleção purulenta no interior do parênquima renal, deve-se pro-
ceder sua confirmação com estudos de imagem. O US renal pode mostrar uma lesão hipoecoica e de
margens indeterminadas na fase aguda que, posteriormente, se tornará bem definida. A diferenciação
entre abscesso e massa tumoral muitas vezes pode ser impossível. A TC, quando disponível, deve ser
o exame de escolha, pois proporciona excelente delineamento do abscesso tanto antes quanto após o
uso de contraste intravenoso. Na persistência de dúvida diagnóstica uma biópsia por agulha fina guia-
da deve ser realizada.
Embora o tratamento clássico do abscesso seja a drenagem cirúrgica aberta ou percutânea, para
lesões menores que 3 cm (ou menores que 5 cm em pacientes estáveis) um tratamento conservador
com antibiótico intravenoso e observação clínica cursa com bons resultados. Na ausência de resposta
ao tratamento clíni­co ou em abscessos maiores que 5 cm, a drenagem cirúrgica é mandatória. A anti-
bioticoterapia empírica depende da fonte de infecção suspeita. Quando o agente etiológico é Gram-
positivo instalado por via hematogênica, uma penicilina de largo espectro ou vancomicina são as drogas
de escolha. Se suspeita-se de infecção por Gram-negativo instalado por via ascendente, as opções mais
adequadas são cefalosporinas de terceira geração, aminoglicosídeos ou penicilinas anti-Pseudomonas.
Exames de imagem seriados devem ser realizados até resolução do abscesso.
Wellington Rodrigues Porciúncula Junior - 161

Hidronefrose infectada e pionefrose


Hidronefrose infectada é infecção bacteriana que ocorre em um rim hidronefrótico. O termo
pionefrose refere-se à hidronefrose infectada associada à destruição supurativa do parênquima renal
(presença de pus), onde existe perda total ou quase total de função renal. Geralmente é difícil deter-
minar quando termina uma e inicia outra.
Clinicamente, o paciente apresenta sinais graves de infecção, febre alta, desidratação, prostra-
ção, dor em flanco e sinal Giordano positivo. Contudo, nem todos esses sintomas podem estar presen-
tes e o paciente pode relatar apenas uma leve dor no flanco associado a sintoma gástrico leve ou vago.
Além disso, pode não ocorrer bacteriúria, se houver completa obstrução do trato urinário. Logo, uma
história em busca de fatores complicadores é importante, principalmente sobre litíase.
Os achados de ultrassom incluem a presença de hidronefrose e níveis de debris no sistema cole-
tor dilatado. Na TC, além do sistema coletor dilatado, podem ser identificados aumento da espessura
da pelve renal, infiltração da gordura perirrenal e estrias nefrográficas. O tratamento consiste na anti-
bioticoterapia adequada e drenagem do sistema coletor quando necessário. Após estabilização clínica
do paciente, o tratamento definitivo da causa da obstrução deve ser instituído.

Abscesso perirrenal
Usualmente resulta de uma ruptura de um abscesso agudo localizado na cortical do rim, com in-
filtração do espaço perinefrético, ou por via hematogênica, responsável por um terço dos casos. Nesse
último caso, a fonte da infecção é a pele na grande maioria dos casos. Além disso, quase um terço dos
pacientes são portadores de diabetes mellitus.
Quando há ruptura da fáscia de Gerota e o abscesso estende-se a tecidos vizinhos, passa a ser
chamado de abscesso paranefrético. Entretanto, a ruptura da Gerota raramente ocorre. Desse modo,
abscessos paranefrético se originam, primariamente, de processos infecciosos de órgãos vizinhos e que
mantêm relação anatômica com os rins, como o pâncreas, o intestino ou cavidade pleural. As princi-
pais bactérias envolvidas são E. coli, Proteus, e S. aureus.
A apresentação clínica é semelhante à da PNA, porém com início insidioso e sintomas presentes
por mais de 5-7 dias. Quase metade dos pacientes pode estar afebril e uma massa pode ser palpável na
região lombar. O diagnóstico diferencial com abscesso de psoas deve ser lembrado, principalmente
quando o sinal do psoas é positivo. O abscesso perinefrético deve ser suspeitado quando não há res-
posta após 3 a 4 dias de antibioticoterapia adequada para tratamento de uma PNA. Entretanto, geral-
mente esses casos são acompanhados de abscessos renais.
O exame de escolha é a TC, que na maior parte das vezes identifica o abscesso perinefrético e
sua extensão para psoas ou flanco quando presentes, fornecendo informações anatômicas para o mane-
jo correto. A mortalidade é de aproximadamente 12% nas séries mais recentes devido à melhor acurá-
cia dos métodos de imagens. A despeito disso, apenas 35% tem o diagnóstico correto na apresentação.
162 - Capítulo X | Infecções do Trato Urinário Superior

Após o diagnóstico, a antibioticoterapia parenteral e medidas de suporte para sepse (se houver)
devem ser prontamente iniciadas. Os tipos de antibióticos são os mesmos que para o abscesso renal.
Para abscessos menores que 3 cm, o tratamento conservador em pacientes imunocompetentes
tem uma boa taxa de cura. Em coleções maiores ou sem resposta à terapia inicial conservadora, o tra-
tamento cirúrgico é a escolha e consiste de drenagem. Nefrectomia deve ser realizada em rins não
funcionantes ou gravemente infectados. Na sequência, o fator causal, quando presente, deve ser iden-
tificado e tratado.

Pielonefrite crônica (PNC)


É uma doença rara e caracteriza-se por infecções bacterianas recorrentes que ocorrem durante
um período prolongado. Esse processo inflamatório renal crônico leva à cicatriz renal devido à des-
truição dos néfrons, que são substituídos por tecido cicatricial. Contudo, PNC dificilmente evolui
para insuficiência renal terminal, exceto quando há anomalias funcionais ou estruturais do trato uri-
nário. Infelizmente, PNC é assintomática e os sintomas só vão aparecer se ocorrer insuficiência renal.
Os achados essenciais de imagem são as assimetrias no contorno renal e áreas de cicatriz com defor-
midade de um ou mais cálices adjacentes. O manejo consiste no tratamento da infecção, se presente,
evitando drogas nefrotóxicas. Medidas gerais preventivas de futuras infecções e a monitorização da
função renal são estratégias importantes.

Pielonefrite xantogranulomatosa (PNX)


É uma infecção renal crônica rara e grave, com uma prevalência de 0,6-1,4%, que geralmente
resulta em destruição renal difusa ou segmentar. A apresentação unilateral é a mais comum e culmina
com rim não funcionante e aumentado de volume, secundário à obstrução por cálculos. Diabetes pa-
rece ser fator de risco e o pico de incidência vai da quinta a sétima década de vida.
O processo se inicia pela pelve e cálices renais, que posteriormente se estende ao parênquima
renal, destruindo-o juntamente com os tecidos adjacentes. Pode ser confundido com praticamente to-
das as doenças inflamatórias do rim e com carcinoma de células renais (tumor renal) em exames de
imagem e congelação.
Nefrolitíase, obstrução e infecção são os fatores primários envolvidos na patogênese, associada
a uma resposta inflamatória aguda inadequada. Histologicamente, PNX é caracterizada por acúmu-
lo de macrófagos ricos em lipídeos, também chamados de células de xantoma (foam cells), mas que
não são específicas da doença.
PNX deve ser suspeitada em pacientes com ITU em rim aumentado, não funcionante ou mal
funcionante, com cálculo ou lesão indistinguível de tumor. Os principais sintomas são dor lombar ou
no flanco (69%), febre e calafrios (69%) e bacteriúria persistente (46%). Outros sintomas vagos, como
mal-estar, podem estar presentes. A principal bactéria envolvida é o Proteus, mas E. coli também é
Wellington Rodrigues Porciúncula Junior - 163

muito comum. TC é método de escolha para confirmação diagnóstica. Malacoplaquia e linfoma de-
vem fazer parte dos diagnósticos diferenciais. Nefrectomia total ou parcial consiste na base do trata-
mento com remoção de todo tecido comprometido além do renal. Por fim, a PNX tem sido associada
com carcinoma de células renais, carcinoma urotelial papilar da pelve renal ou bexiga e carcinoma de
células escamosas da pelve renal.

Malacoplaquia
Palavra de origem grega que significa “placa macia”, é uma doença inflamatória incomum
que foi originalmente descrita por Michaelis e Gutmann (1902). Pode afetar, além do rim, outros ór-
gãos como a bexiga, órgãos gastrointestinais, a pele, os pulmões, os ossos e linfonodos mesentéricos.
Malacoplaquia é mais comum em homes (4:1) na quinta década de vida, geralmente imunodeprimi-
dos e debilitados ou portadores de doenças crônicas.
Sua patogênese exata é desconhecida, mas acredita-se que resulte de uma função anormal de
macrófagos em resposta à infecção bacteriana, mais comumente E. coli, dando origem aos corpúscu-
los de Michaelis-Gutmann. Além disso, a associação de malacoplaquia com comprometimento do es-
tado de saúde é bem aceita.
O diagnóstico é feito pela presença de macrófagos teciduais grandes (células de von Hansemann)
com inclusões citoplasmáticas (corpúsculos de Michaelis-Gutmann) observados na biópsia do órgão
acometido. Esses achados são patognomônicos da doença. A massa renal pode ser única ou múltipla
e pode complicar com trombose de veia renal. Nos estudos de imagem os rins estão aumentados de
volume com múltiplos defeitos de enchimento. Na TC, os focos de malacoplaquia são menos densos
do que o parênquima normal e geralmente não há obstrução e cálculos como na PNX. A lesão pode
ser indistinguível de processos inflamatórios ou neoplásicos. O controle das ITU estabiliza a doença
e, em caso de progressão, o tratamento cirúrgico (nefrectomia) deve ser realizado. O prognóstico de-
pende da extensão da doença, apresentando sobrevida curta (6 meses) em doença bilateral ou trans-
plantados ou mais longa em doença unilateral.

Equinococose renal (ou hidatidose)


A infecção constitui-se em uma zoonose causada pela larva do parasita Echinococcus granu-
losus. Apresenta distribuição mundial, sendo Portugal considerado endêmico. A doença renal é rara,
ocorrendo em apenas 2% dos casos. Homem é o hospedeiro intermediário e, após ingestão, a larva é
filtrada pelo fígado e pode atingir os pulmões. Destas, 3% caem na corrente sanguínea e acometem o
rim, onde sofrem processo de encistamento (cistos hidáticos), que crescem a uma velocidade de 1cm/
ano. Os sintomas aparecem 5 a 10 anos após o processo inicial. Geralmente é lesão única e no córtex
renal. A maioria dos pacientes é assintomática ou tem massa no flanco. Raramente altera função renal
e pode se comunicar com a via coletora causando hidatidúria (nesses casos, o diagnóstico pode ser
164 - Capítulo X | Infecções do Trato Urinário Superior

feito pela presença de cistos hidáticos na urina). O teste mais confiável para o diagnóstico utiliza antí-
genos hidáticos. A ultrassonografia e a TC são úteis para caracterizar a massa. O prognóstico da equi-
nococose é bom, mas depende do local e do tamanho dos cistos. A cirurgia é o principal tratamento e
o cisto deve ser removido sem ocorrer ruptura, pois seu conteúdo é altamente antigênico, podendo le-
var a choque anafilático fatal e recorrência da doença.

Leitura recomendada
ANTHONY J. et al. Infections of the urinary Tract. In: WEIN, Alan J. et al. Campbell-Walsh urology.
11th ed edition review. Philadelphia: Saunders, 2015.
CAI, T. et al. The role of asymptomatic bacteriuria in young women with recurrent urinary tract in-
fections: to treat or not to treat? Clin Infect Dis, v. 55, n. 6, Sept. 2012. Disponível em: <http://www.
ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22677710> <https://doi.org/10.1093/cid/cis534>. Acesso em: 05 set. 2018.
GRABE, M. et al. Guidelines on urological infections 2015. European Association of Urology.
Disponível em: <https://uroweb.org/wp-content/uploads/19-Urological-infections_LR2.pdf>. Acesso
em: 05 set. 2018.
NABER, K. G. (Ed.) et al. Urogenital Infections. European Association of Urology, 2010. Disponível
em: <http://www.icud.info/urogenitalinfections.html>. < http://www.icud.info/PDFs/ICUD%20
Urogenital%20Infections.pdf>. Acesso em: 05 set. 2018.
NGUYEN, Hiep T. Bacterial infections of the urinary tract. In: McANINCH, Jack; LUE, Tom F. (Ed.).
Smith and Tanagho’s General Urology (Smith’s General Urology). 18th ed. New York: McGraw-Hill
Medical, 2013. cap. 14.
SHOSKES, D. Urinary tract infections retrieved from: The American Urological Association
Educational Review Manual in Urology. 3rd ed. 2011. p. 737-766. Chapter: 23.
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Capítulo XI
Litíase urinária
Nelson Gaspar Dip Júnior
166 - Capítulo XI | Litíase urinária

Introdução
A formação e o desenvolvimento de cálculos no trato urinário é condição bastante comum, com
taxas médias de incidência de 20% ao redor do mundo. Essa patologia torna-se importante pelo fato
de acometer indivíduos jovens e em fase produtiva, podendo promover impactos consideráveis na
economia de um país. Embora de curso benigno e com impacto relativamente limitado na qualidade
de vida do paciente, pode evoluir de modo a propiciar complicações graves e algumas vezes letais.
O pico de incidência de cálculos urinários se dá em torno dos 30 anos, mas a taxa de incidên-
cia se mantém elevada entre 30-69 anos em homens e 40-79 anos em mulheres. A doença é 2-3 vezes
mais comum em homens que em mulheres, estando diretamente relacionada ao estilo de vida e à in-
gesta hídrica. Populações que vivem em pontos geográficos do globo terrestre quentes, áridos, secos,
montanhosos, desérticos ou regiões tropicais possuem mais chance de desenvolverem cálculos uriná-
rios, por conta da maior perda líquida por transpiração e formação de urina mais concentrada. Pelos
mesmos motivos, a incidência de litíase é maior em meses mais quentes do ano e em populações mais
expostas aos raios solares. Também, atividades ocupacionais que envolvem altas temperaturas se asso-
ciam a taxas mais altas de litíase. Além disso, a obesidade, o Diabetes mellitus e a síndrome metabó-
lica estão associadas à formação de cálculos no sistema urinário. Este fato é explicado pelo aumento
da resistência à insulina, que leva a pH urinário ácido (precipitação de ácido úrico) e à hipercalciú-
ria. Assim, constituem-se fatores de risco para a doença: altas temperaturas, baixa ingesta hídrica, se-
dentarismo, obesidade, diabetes e síndrome metabólica. Embora não bem estabelecidos, hipertensão
arterial e ingesta de sódio em níveis elevados parecem também se relacionarem positivamente com a
formação de cálculos urinários.

1 Fisiopatologia
Fisiopatologicamente, três processos devem ocorrer: (1) supersaturação, (2) nucleação e (3)
agregação/crescimento. De forma bastante didática, supersaturação é uma quantidade maior de solu-
to em relação àquilo que o solvente pode dissolver. O excesso de soluto não dissolvido precipita-se,
permitindo que uma etapa fundamental do processo ocorra, que é a formação do núcleo inicial do cál-
culo urinário (nucleação). A partir desse núcleo e da manutenção de um ambiente supersaturado, no-
vos cristais se decantarão e se agregarão ao núcleo inicial, desencadeando o crescimento do cálculo.
Vários fatores podem interferir direta ou indiretamente nessas etapas. Existem fatores inibidores
e indutores da formação de cálculos. Entre os inibidores (protetores) da formação de cristais, encon-
tram-se a proteína de Tamm-Horsfall, o citrato e o magnésio. Produzida na alça de Henle ascendente e
no túbulo contorcido distal, a proteína de Tamm-Horsfall é a mais abundante na urina e funciona atra-
vés da inibição direta da ligação entre Cálcio e Oxalato. O citrato e o Magnésio atuam de forma pro-
tetora através da formação de citrato de Cálcio (em vez de oxalato de Cálcio) e oxalato de Magnésio
(em vez de oxalato de Cálcio). Tanto citrato de Cálcio como o oxalato de Magnésio possuem pKa mais
Nelson Gaspar Dip Júnior - 167

elevado, isto é, têm maior capacidade de se dissolverem na mesma quantidade de soluto. Por outro
lado, o grupo de indutores da formação de cristais estão em maior número e compreendem o Cálcio, o
Sódio, o oxalato, o ácido úrico, o fosfato, a cistina e as bactérias produtoras da enzima urease. Cálcio
e oxalato permitem a formação do principal composto de cálculos urinários. O Sódio, através de uma
série de condições, permite o aumento da excreção renal de Cálcio. Àcido úrico, fosfato e cistina são
componentes diretos de cálculos urinários e bactérias produtoras de urease se relacionam com a pro-
dução de cálculos infecciosos de estruvita (fosfato-amônio-magnésio).
Além do fenômeno fisiopatológico geral descrito acima, uma série de processos característi-
cos estão relacionados à formação de vários tipos específicos de cálculos. Aqui descreveremos os três
mais importantes.
Cálculos de oxalato de Cálcio podem se originar de uma gama de condições renais ou sistêmi-
cas que culminam com o excesso de Cálcio na urina, isto é, hipercalciúria. O mais importante deles,
entretanto, é aquele denominado hipercalciúria absortiva, que, basicamente, ocorre por um aumento
da capacidade absortiva intestinal de Cálcio. O excesso de Cálcio na corrente sanguínea leva à inibi-
ção transitória do PTH e aumento da excreção renal de Cálcio (hipercalciúria), mantendo os níveis de
Cálcio sanguíneo normais.
Cálculos de ácido úrico ocorrem principalmente por baixa capacidade de dissolução (diminui-
ção do pKa) por diminuição do pH urinário (pH ácido). Quando o pH da urina atinge valores menores
que 5,5 (urina ácida) inicia-se o processo de precipitação do ácido úrico e as demais etapas de nucle-
ação e agregação/crescimento. Além disso, baixo volume urinário e a hiperuricosúria também corro-
boram com a aceleração do processo de formação de cálculos de ácido úrico.
O terceiro importante processo é aquele associado à formação de cálculos de infecção, deno-
minados cálculos de estruvita ou fosfato-amônio-magnesiano. A presença de urina infectada por bac-
térias produtoras de urease é condição fundamental para que esse tipo de cálculo ocorra. Em síntese,
na presença de urease, a ureia é transformada em amônia (NH3). Amônia reage com a água para for-
mar NH4+ e liberação de OH-. A alcalinização da urina permite a reação para formação do fosfato
e a incorporação do Magnésio, culminando com os três componentes da fórmula: amônio, fosfato e
Magnésio. Bactérias estão entremeadas às camadas de estruvita, o que os estabelecem como cálculos
infecciosos e, necessariamente, precisam ser extraídos do organismo para que a infecção seja tratada
de forma definitiva. A Figura 1 ilustra o processo descrito acima.
168 - Capítulo XI | Litíase urinária

Figura 1 – Fisiopatologia do cálculo de estruvita e sua relação com o pH urinário

2 Composição
Os principais tipos de cálculos são os compostos por Cálcio, mas existem cálculos que não con-
tém Cálcio. Por volta de 80% dos cálculos contêm compostos de Cálcio e mais da metade deles (60%)
são formados por oxalato de Cálcio. Hidroxiapatita e brushita são também compostos de Cálcio, mas
menos comuns. Cálculos sem Cálcio são formados por ácido úrico, estruvita e cistina e têm incidên-
cia de 7%, 7% e 1-3%, respectivamente.
Quanto mais Cálcio em sua composição, mais duro e radiopaco é o cálculo. A concentração de
Cálcio aumenta a dureza, que pode ser traduzida por aumento da densidade na tomografia. Quanto
mais densos (mais duros) os cálculos, mais difíceis de serem tratados.
Nelson Gaspar Dip Júnior - 169

3 Localização
Cálculos urinários se localizam mais frequentemente nos rins e nos ureteres. Menos comumen-
te, pode ocorrer litíase na bexiga e na uretra.
Nos rins, eles podem ocupar os cálices superiores, médios ou inferiores, e também a pelve renal.
Quando se trata de localização, duas localizações anatômicas são importantes: (1) cálculos que estão
localizados nos cálices superiores ou médios (também chamados de grupamento calicial não inferior)
e (2) cálculos que estão localizados nos cálices inferiores (grupamento calicial inferior). Considerando
apenas a localização, cálculos do grupo calicial superior/médio são mais facilmente tratados que aque-
les localizados no grupamento inferior. O ângulo infundíbulo-piélico, o comprimento e a largura do
infundíbulo (via de saída) são componentes importantes que são estudados quando se planeja o trata-
mento de um cálculo localizado no cálice renal inferior.
Cálculos de estruvita (de infecção) podem se tornar muito volumosos e atingir um ou mais cá-
lices e a pelve renal. Por definição, cálculos que acometem a pelve renal e pelo menos um cálice é
denominado coraliforme incompleto, enquanto que aqueles que acometem todos os cálices e a pelve
renal são chamados de coraliformes completos.
Nos ureteres, os cálculos podem ocupar qualquer uma das suas 3 porções: ureter superior (proxi-
mal), ureter médio ou ureter inferior (distal). De um modo geral, os cálculos impactam nos pontos de
estreitamento fisiológico do ureter, isto é, na junção ureteropiélica (JUP – ureter proximal), no cruza-
mento do ureter com os vasos ilíacos (ureter médio) e na junção ureterovesical (JUV – ureter distal).
Cálculos da bexiga (ou vesicais) geralmente são formados dentro da própria bexiga e, portanto,
não são provenientes do trato alto (rins e ureteres). A fisiopatologia clássica envolvida na formação
desses cálculos dá-se por dificuldade de esvaziamento da bexiga e acúmulo (estase) de urina conse-
quente a uma obstrução infravesical, como ocorre na HPB.
Por outro lado, cálculos da uretra (ou uretrais) raramente são formados na própria uretra. Eles
geralmente impactam nos pontos de constrição fisiológica da uretra, na tentativa de eliminação espon-
tânea feita pelo organismo, a partir da bexiga.

4 Tamanho
Cálculos em diversas localizações do trato urinário podem assumir tamanhos variados. Quanto
maior o tamanho (volume) de um cálculo, mais difícil sua eliminação (tratamento).
Para a escolha de tratamento de cálculos renais, considera-se tamanhos diferentes, dependendo
do grupo calicial em que se localiza o cálculo. Assim, para o grupamento superior/médio (não infe-
rior), cálculos de até 2 cm (20 mm) são tratados de forma menos invasiva, enquanto que aqueles > 2
cm merecem tratamentos mais agressivos. Para o grupamento inferior, justamente por conta da maior
dificuldade de trajeto e de eliminação, o tamanho limite desses cálculos é diferente. Desse modo, cál-
170 - Capítulo XI | Litíase urinária

culos de até 1 cm (10 mm) são passíveis de tratamento menos invasivo, enquanto que estratégias mais
invasivas estão indicadas para cálculos > 1 cm de tamanho.
Em relação aos cálculos ureterais, aqueles de até 0,5 cm (5 mm) têm chance em torno de 80%
de serem eliminados espontaneamente, com ou sem auxílio de medicamentos específicos (terapia ex-
pulsiva – será discutida adiante). A partir de então, para cada 1 mm de incremento no tamanho, dimi-
nui-se aproximadamente 10% na chance de eliminação espontânea. Dessa forma, um cálculo de 0,6
cm tem chance média de 60-70% de eliminação, 0,7 cm de 40-50%, 0,8 cm de 30-40%, 0,9 cm de 20-
30% e 1 cm < 10% de chance.

5 Diagnóstico

5.1 Sinais e sintomas


Cálculos urinários só provocam dor quando causam obstrução do fluxo de urina. A dor de ori-
gem renal é tipo cólica (cólica renal ou nefrética), localizada na região lombar do lado acometido e
consequente à dilatação da cápsula renal. Por outro lado, a dor de origem ureteral é também tipo cóli-
ca (cólica ureteral), mas provocada pelo aumento do peristaltismo do ureter, com o intuito de eliminar
o cálculo. Como mencionado antes, cálculos ureterais impactam nos três pontos anatômicos de cons-
trição fisiológica do ureter e provocam quadros álgicos diferentes. Cálculos impactados na JUP/ureter
proximal causam dor lombar com irradiação para o testículo/parede vaginal ipsilateral. Cálculos que
impactam no ureter médio (cruzamento do ureter com os vasos ilíacos) geram dor na região do flan-
co. Cálculos impactados no ureter distal provocam dor em fossa ilíaca ipsilateral, com irradiação para
o escroto/lábios vaginais. É importante salientar que um cálculo ureteral impactado em qualquer po-
sição pode promover dilatação de todo o sistema coletor e promover, consequentemente, dor de ori-
gem renal por distensão capsular.
Além da dor, outros comemorativos podem estar associados, sendo os mais comuns a hematú-
ria e a infecção urinária. A hematúria, que pode ser micro ou macroscópica, é decorrente do hiperpe-
ristaltismo ureteral associado ao dano da mucosa do ureter promovido pelo deslocamento do cálculo.
A infecção urinária é decorrente da impactação do cálculo e estase urinária no sistema coletor. Vale
lembrar que a presença de leucócitos na urina nem sempre significa infecção, mas sim uma resposta
de defesa esperada do organismo durante o deslocamento do cálculo e a crise álgica.

5.2 Exames laboratoriais


• Hemograma – geralmente não apresenta alterações. Leucocitose com ou sem desvios à es-
querda só será observada se houver obstrução urinária associada à infecção instalada.
• Urina I – quase sempre apresenta alterações. Hematúria e leucocitúria são frequentemente
observadas e ocasionadas pelo deslocamento do cálculo associado ao dano mucoso do siste-
Nelson Gaspar Dip Júnior - 171

ma coletor. Bactérias (bacteriúria) e sais relacionados à composição do cálculo (oxalato, ura-


to, fosfato) podem estar presentes. Cálculos de estruvita podem alcalinizar a urina, enquanto
que os de ácido úrico, podem torná-la ácida.
• Urocultura – a menos que uma infecção esteja instalada, seja por obstrução e estase, seja
pela presença de um cálculo de estruvita (coraliforme), a urocultura encontrar-se-á negativa.
• Creatinina – provas de função renal geralmente estarão dentro dos limites da normalidade,
exceto em paciente desidratado (por conta de infecção febril ou desidratação), obstruções bi-
laterais ou obstruções unilaterais em pacientes com rim único.

5.3 Exames de Imagem


Exames de imagem são fundamentais no diagnóstico e programação de tratamento de cálculos
urinários. Um exame de imagem adequado é capaz de fornecer ao médico o número, a localização, o
tamanho e a dureza de um cálculo urinário, além de fornecer informações adicionais como a presença
de obstrução (dilatações) e o diagnóstico de complicações (pionefrose, abscessos renais, por exemplo).
Cálculos que contêm Cálcio são radiopacos e podem ser vistos em radiografias simples do ab-
dome. Quanto maior a concentração de Cálcio em sua composição, mais radiopaco torna-se o cálcu-
lo. Cálculos sem Cálcio também podem aparecer no R-X, mas são menos radiopacos, entretanto. De
maior para menor radiopacidade, estão os cálculos de fosfato de Cálcio, oxalato de Cálcio, estruvita e
cistina. Cálculos de ácido úrico são radiotransparentes e, portanto, não aparecem no R-X de abdome.
A ultrassonografia dos rins e vias urinárias pode demonstrar dilatações do sistema coletor (rins
e ureteres) e identificar cálculos renais, e nas porções proximal e distal dos ureteres. Por conta das al-
ças intestinais e do músculo psoas, os cálculos de ureter médio são difíceis de serem visualizados. A
ferramenta técnica ultrassonográfica que consolida o diagnóstico de um cálculo urinário é a presença
da sombra acústica posterior, que aparece em cálculos geralmente ≥ 5 mm.
A Tomografia Computadorizada (TC) é o exame ideal para a pesquisa e diagnóstico da litíase
urinária. Ela deve compreender todo o abdome e, salvo raras exceções, ser realizada sem contras-
te. Tanto o contraste como o cálculo apresentam cor branca nos filmes da tomografia e, portanto,
a presença do contraste pode prejudicar a análise das características do cálculo (número, tamanho,
posição e densidade). A TC de abdome sem contraste é capaz de identificar cálculos de qualquer
composição e determinar o número, o tamanho, a posição e a densidade desses cálculos dentro do
trato urinário.
172 - Capítulo XI | Litíase urinária

6 Tratamento

6.1 Tratamento clínico


Fazem parte do tratamento clínico da litíase urinária: (1) a terapia expulsiva, (2) o tratamento
específico para determinados tipos de cálculo e (3) as medidas gerais de prevenção à formação de no-
vos cálculos.
O conceito de terapia expulsiva é definido pela utilização de uma ou mais medicações com o
objetivo de eliminar o cálculo sem a necessidade de uma intervenção cirúrgica. Dentro desse racional,
duas drogas desempenham papel de importância: os α-bloqueadores e os corticoides. Os α-bloqueadores
são drogas bem estabelecidas no auxílio farmacológico da eliminação de cálculos, principalmente os
ureterais. O papel central do α-bloqueador é promover o relaxamento da musculatura lisa ureteral, fa-
cilitando a passagem do cálculo até a bexiga. O uso de corticoides tem um papel menos estabelecido,
mas essa classe de drogas pode ser empregada com o objetivo de reduzir o edema mucoso do ureter,
complementando a ação do α-bloqueador. Entretanto, as características do cálculo são importantes,
isto é, terapia expulsiva não está indicada para todos os tipos de cálculos. Os cálculos que mais se be-
neficiam desse tipo de tratamento medicamentoso são aqueles ≤ 5 mm localizados no ureter distal.
Com exceção do cálculo de ácido úrico, tratamentos específicos utilizados para cálculos de ou-
tros compostos (oxalato de Cálcio, por exemplo) não têm o objetivo de reduzi-los de tamanho, mas
sim de prevenir a formação de novos cálculos. Esses tratamentos só podem ser utilizados a partir do
momento em que se conhece a composição do cálculo ou a alteração metabólica instalada no organis-
mo. Por exemplo, cálculos de oxalato de Cálcio geralmente são formados a partir de duas alterações
metabólicas clássicas: a hipercalciúria (excesso de Cálcio na urina – fator formador) e a hipocitratúria
(níveis reduzidos de citrato na urina – fator protetor). Nesses casos, a hidroclorotiazida pode ser usada
para bloquear a bomba de Na+/Ca++, permitindo uma excreção menor de Cálcio na urina. Além dis-
so, o citrato pode ser reposto na forma de citrato de potássio por via oral. Outro exemplo é a alteração
do pH urinário associada à formação de cálculos de ácido úrico (nesse caso, pH ácido). A alcaliniza-
ção da urina com bicarbonato de sódio pode evitar a formação de novos cálculos e reduzir o tamanho
dos cálculos já formados, por mudança do pKa do ácido úrico.

6.2 Tratamento cirúrgico


Assim como para o tratamento clínico, as características do cálculo são importantes para a de-
cisão terapêutica. Os fatores mais importantes envolvidos na estratégia de tratamento são o tamanho,
a posição e a densidade do cálculo.
Para facilitar o entendimento, o tratamento será demonstrado de forma ilustrativa, consideran-
do o tratamento cirúrgico padrão para cada situação específica.
Para o tratamento de cálculos renais, tamanho e posição são os fatores mais importantes.
Nelson Gaspar Dip Júnior - 173

• Cálculo renal – cálice não inferior

o ≤ 20 mm (2 cm)

o LECO

o Ureterolitotripsia flexível

• Cálculo renal – cálice não inferior

o ≥ 20 mm (2 cm)

o Cirurgia Percutânea

• Cálculo renal – cálice inferior

o ≤ 10 mm (1 cm)

o Avaliar a via de saída

o LECO

o Ureterolitotripsia flexível
174 - Capítulo XI | Litíase urinária

• Cálculo renal – cálice inferior

o ≥ 10 mm (1 cm)

o Cirurgia percutânea

o Ureterolitotripsia flexível (se


percutânea contraindicada)

A via de saída é um fator importante que deve ser considerado, principalmente quando se opta
por formas de tratamento menos invasivas para cálculos < 1 cm em cálice inferior (LECO, por exem-
plo). Trata-se do trajeto que o cálculo deve percorrer, a partir do cálice inferior, até acessar o ureter.
Esse trajeto é formado basicamente pelo infundíbulo do cálice inferior, pela pelve renal e pela relação
anatômica entre eles. Desse modo, quanto mais largo e mais curto o infundíbulo, mais fácil será o per-
curso que o cálculo deve percorrer. Também, quanto mais obtuso o ângulo (> 90º) formado entre o in-
fundíbulo e a pelve renal (ângulo infundíbulo-piélico) maior facilidade o cálculo terá de ser eliminado.

Figura 2 – O estudo da via de saída do cálice inferior


Nelson Gaspar Dip Júnior - 175

Os cálculos coraliformes (estruvita) completos ou incompletos certamente são os de tratamen-


to mais desafiador porque, além de possuírem grandes volumes (grande massa de cálculo) são, ainda,
infecciosos. Esses cálculos devem sempre ser tratados cirurgicamente e acabam envolvendo formas
mais agressivas de tratamento para sua resolução completa.

• Cálculo coraliforme

o Completo ou incompleto

o Cirurgia percutânea

o Nefrolitotomia anatrófica
(cirurgia aberta)

Considerando o tratamento de cálculos ureterais, os fatores mais importantes são localização e


tamanho. Cálculos ≤ 1 cm localizados nas porções mais distais do ureter são mais facilmente tratados,
por conta da facilidade de acesso ureteral por via endoscópica.

• Ureter superior

o LECO

o Ureterolitotripsia flexível

o Ureterolitotripsia semirrígida
(casos selecionados)
176 - Capítulo XI | Litíase urinária

• Ureter médio/distal

o Ureterolitotripsia semirrígida

o LECO (não indicada para ureter


distal devido ossos pélvicos)

A densidade é um fator que também deve ser considerado, porque cálculos menos densos (mais
moles) podem ser tratados de forma menos invasiva (LECO, por exemplo), porque se fragmentam
mais facilmente. A densidade é mais utilizada para cálculos renais, podendo também ser útil para cál-
culos ureterais. A densidade é uma medida tomográfica, cujo valor é dado em unidades Hounsfield
(UH). Quanto mais hidratado é um cálculo, menos denso (mais mole) ele é e, portanto, os valores UH
são também menores. Densidades ≤ 500 UH definem cálculos moles, entre 500 e 1000 UH cálcu-
los de dureza intermediária e, ≥ 1000 UH cálculos duros. Isso significa, por exemplo, que é grande a
chance de fragmentação de um cálculo com densidade < 500 UH submetido a tratamento com LECO.
A LECO (Litotripsia Extracorpórea por Ondas de Choque) é, na verdade um tipo de tratamento
minimamente invasivo, e não um procedimento cirúrgico propriamente dito. A LECO é aplicada atra-
vés de uma máquina (existem vários modelos) em regime ambulatorial e com o paciente sob sedação
e analgesia para evitar dor, contratura muscular e movimentação. A máquina possui um foco que é di-
recionado sobre o cálculo que se deseja tratar e ondas de choque mecânico (impulsos mecânicos) são
liberadas. Esses impulsos atravessam a pele, a parede muscular, a cápsula e o parênquima renal, in-
cidindo sobre o cálculo, permitindo a sua vibração e fragmentação. Os fatores mais importantes para
a indicação da LECO são o tamanho e a posição do cálculo, a via de saída favorável (para cálculos
de cálice inferior), a distância pele-cálculo (não deve ser maior que 10 cm) e a densidade do cálcu-
lo. Quando bem indicado, é um procedimento bastante efetivo, com altas taxas de sucesso. Contudo,
complicações como hematúria, infecção, fragmentação incompleta, rua de cálculos e cólica renal pós-
-LECO podem ocorrer. A Figura 3 demonstra a LECO de forma esquemática.
Nelson Gaspar Dip Júnior - 177

Figura 3 – Esquema demonstrando a LECO

Cirurgia percutânea ou nefrolitotripsia percutânea, como o próprio nome indica, é realizada


através de um trajeto cirúrgico feito pelo cirurgião a partir da pele, com o paciente sob anestesia ge-
ral. Através desse canal de trabalho cirúrgico, um aparelho denominado nefroscópio acessa o sistema
coletor e identifica o cálculo. O nefroscópio permite a entrada de uma fonte de litotripsia intracorpó-
rea (litotridor ultrassônico, laser, litotridor balístico pneumático) que fragmenta o cálculo. A cirurgia
percutânea, quando bem indicada, é muito efetiva. Suas principais complicações incluem sangramen-
to, infecção, perfuração de outros órgãos abdominais e torácicos (cólon e pleura, por exemplo) e difi-
culdade ou impossibilidade de acesso ao cálculo. A Figura 4 demonstra esquematicamente a cirurgia
percutânea.
178 - Capítulo XI | Litíase urinária

Figura 4 – Esquema demonstrando a nefrolitotripsia percutânea

A ureterolititripsia é realizada através de um aparelho delicado, fino e comprido, denominado


ureteroscópio. Dependendo do tamanho e posição ureteral em que se encontra o cálculo, o paciente
pode ser submetido à anestesia geral ou raquianestesia. Cálculos de ureter médio e inferior geralmente
são de acesso mais fácil e, por isso, o ureteroscópio semirrígido é o mais adequado e o paciente sub-
metido à raquianestesia. Por outro lado, cálculos localizados em ureter superior, principalmente em
homens, são tratados com o ureteroscópio flexível sob anestesia geral. As fontes de litotripsia intra-
corpóreas mais utilizadas para a ureterolitoripsia semirrígida são o litotridor balístico pneumático e
o laser. Já para a ureterolitotripsia flexível, a única fonte de litotripsia cabível é o laser. As principais
associadas a esses métodos de tratamento são as lesões ureterais, sangramentos, extrusão do cálculo
para fora do ureter e estenoses ureterais que se desenvolvem mais tardiamente. Quando existe dano
ureteral ou presença de múltiplos fragmentos após a litotripsia, um cateter de drenagem ureteral cha-
mado duplo J geralmente é implantado no ureter com o objetivo de evitar cólica ureteral pós-opera-
tória, facilitar a cicatrização do ureter e a eliminação dos fragmentos residuais.
Nelson Gaspar Dip Júnior - 179

Figura 5 – Ureteroscópio semirrígido (imagem superior) e flexível (imagem inferior). Note que o
aparelho flexível é mais delicado e muito mais maleável, permitindo uma deflexão de até 270º de sua
extremidade distal

Figura 6 – Ureterolitotripsia semirrígida. A: identificação do cálculo em ureter médio. Note a presença do


fio guia e a resposta inflamatória ureteral na imagem superior. B: imagem do cálculo sendo fragmentado
com laser. C: fragmento menor sendo retirado com basket extrator de Dormia
180 - Capítulo XI | Litíase urinária

Figura 7 – A: Visão endoscópica da passagem do cateter duplo J. B: R-X simples de abdome demonstrando o
posicionamento correto de cateteres duplo J implantados bilateralmente

Leitura recomendada
BARRIONUEVO MORENO, P. et al. Surgical management of kidney stones: a systematic review.
Mayo Clinic 2015.
BRIAN, R. et al. Surgical management of upper urinary tract calculi. In: WEIN, Alan J. et al. Campbell-
Walsh urology. 11th ed edition review. Philadelphia : Saunders, 2015, p. 1772.
FULGHAM, P. F. et al. Clinical effectiveness protocols for imaging in the management of ureteral cal-
culous disease: AUA technology assessment. J Urol., v. 189, n. 4, Apr. 2013. Disponível em: <https://
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FURYK, J. S. et al. Distal ureteric stones and tamsulosin: a double-blind, placebo-controlled, rando-
mized, multicenter trial. Ann Emerg Med, v. 67, n. 1, Jan. 2016. Disponível: <https://doi.org/10.1016/j.
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HYAMS, E. et al. A prospective, multi-institutional study of flexible ureteroscopy for proximal urete-
ral stones smaller than 2 cm. J Urol., v. 193, n. 1, Jan. 2015. Disponível em: <https://doi.org/10.1016/j.
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LABADIE, K. et al. Evaluation and comparison of urolithiaisis scoring systems in percutaneous kid-
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MARGARET, S. et al. Urinary lithiasis: etiology, epidemiology and pathogenesis. In: WEIN, Alan J.
et al. Campbell-Walsh urology. 11th ed edition review. Philadelphia : Saunders, 2015. p. 1623.
MICHAEL, E. et al. Evaluation and medical management of urinary lithiasis. In: WEIN, Alan J. et al.
Campbell-Walsh urology. 11th ed edition review. Philadelphia : Saunders, 2015. p. 1662.
PEARLE, M. S. et al. Medical management of kidney stones: AUA guideline. J Urol., v. 192, n. 2,
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PICKARD, R. et al. Medical expulsive therapy in adults with ureteric colic: a multicenter, randomized,
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TÜRK, C. et al. EAU Guidelines on urolithiasis 2016. European Association of Urology. Disponívele
em: <https://uroweb.org/wp-content/uploads/EAU-Guidelines-Urolithiasis-2016-1.pdf>. Acesso em:
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WEIN, Alan J. et al. Campbell-Walsh urology: urodynamic and video-urodynamic evaluation of the
lower urinary tract: overview of specific urodynamics studies. 11th ed edition review. Philadelphia
: Saunders, 2015. Video 73. Disponível em: <http://booksite.elsevier.com/Wein/CampbellWalsh11e/
videos/ch_073_056.php>. Acesso em: 05 set. 2018.
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Capítulo XII
Hiperplasia benigna da próstata
Eduardo Hidenobu Taromaru
183 - Capítulo XII | Hiperplasia benigna da próstata

Introdução
A hiperplasia prostática benigna (HPB) é uma doença urológica de maior prevalência em ho-
mens com idade acima de 45 anos. O diagnóstico é histológico e se refere à proliferação do músculo
liso e das células epiteliais da zona de transição da próstata. O crescimento da glândula pode contri-
buir para o aumento dos sintomas do trato urinário inferior (STUI) de duas maneiras: obstrução direta
ao esvaziamento vesical devido ao aumento tecidual (componente estático) e pelo aumento do tônus
e da resistência da musculatura lisa (componente dinâmico).

1 Função da próstata
A principal função da próstata é armazenar e secretar um fluido claro e levemente alcalino (pH
7,29), compondo 10-30% do volume do fluido seminal que, junto com os espermatozoides (5%), cons-
titui o sêmen. O resto do fluido seminal é produzido pelas duas vesículas seminais (60-70%). A alca-
linidade do fluido seminal ajuda a neutralizar a acidez do trato vaginal, prolongando o tempo de vida
dos espermatozoides. (WIKIHOSP).

2 Anatomia
A próstata é anatômica e macroscopicamente dividida em lobos. O lobo anterior (ou istmo) cor-
responde a uma porção da zona de transição e o posterior, da zona periférica. Os lobos laterais direito
e esquerdo englobam todas as zonas e o lobo mediano (ou lobo médio) corresponde a uma porção da
zona central. Embora a divisão zonal de McNeal seja algumas vezes descrita como um modelo ana-
tômico, essa divisão é mais uma divisão histológica que anatômica, onde zonas diferentes estabele-
cem patologias diferentes. A Figura 1 mostra a localização de cada zona dentro da próstata e a Tabela
1 descreve suas características. Para mais detalhes sobre a anatomia prostática, veja o capítulo refe-
rente à anatomia do trato urinário inferior.
Eduardo Hidenobu Taromaru - 184

Figura 1 – Modelo de McNeal (1988) demonstrando a anatomia zonal da próstata

Tabela 1 – Características das zonas prostáticas

Fonte: Autores
185 - Capítulo XII | Hiperplasia benigna da próstata

3 Epidemiogia
O avançar da idade e a presença dos testículos representam as determinantes mais importan-
tes para o desenvolvimento da HBP, que é a principal causa de STUI. É a doença urológica mais pre-
valente em homens idosos. Existem alguns fatores que contribuem para o desenvolvimento da HPB.
Atividades físicas regulares e ingestão moderada de álcool parecem atenuar as manifestações clínicas
indesejáveis da HBP. Fatores sócio-econômicos podem influenciar, e pacientes de alta renda possuem
maior incidência de HPB, devido à melhor percepção do quadro clínico e facilidade de acesso ao uro-
logista. Em contrapartida, os pacientes de baixa renda cursam com altas taxas de tratamento cirúrgi-
co, por conta da dificuldade de acesso aos serviços de saúde.
Outros fatores, como raça, obesidade, tipo de atividade profissional e ritmo de atividade sexu-
al, têm sido implicados no processo, mas, de acordo com dados mais recentes, não se correlacionam
claramente com o desenvolvimento da HBP.

4 Teorias fisiopatológicas
Existem 6 teorias que explicam o crescimento da próstata. Elas serão resumidas nos parágrafos
a fim de propiciar o entendimento do processo complexo e multifatorial relacionado à doença.
• Papel dos andrógenos – A testosterona é produzida principalmente pelas células de Leydig
dos testículos, que são responsáveis pela produção de 90 a 95% desse hormônio. Essas cé-
lulas sofrem estímulo da hipófise através do hormônio luteinizante (LH) que, por sua vez, é
controlado pelo hipotálamo por meio da liberação do LHRH. Os restantes 5 a 10% da testos-
terona são produzidos pelas glândulas adrenais. A testosterona circulante se liga à albumina
e às globulinas, representando 95% da testosterona plasmática. A forma livre corresponde a
apenas 2-5% da testosterona circulante, que penetra nas células prostáticas passivamente, so-
fre a conversão em di-hidrotestosterona (DTH) por ação da enzima 5-alfa redutase. A DHT,
um metabólito 30 vezes mais potente que a testosterona, liga-se aos receptores androgênicos
(RA) no citoplasma (complexo DHT-RA). Esse complexo receptor-hormônio é então trans-
portado ativamente ao núcleo e se liga a sítios específicos DNA, estimulando a proliferação
celular e, consequentemente, o crescimento da próstata.
• Papel dos estrógenos – Os estrógenos não têm papel muito bem estabelecido. Entretanto, ob-
serva-se que, com o avançar da idade, há uma diminuição da testosterona livre plasmática,
enquanto que o estradiol livre permanece em mesmos níveis, alterando-se de forma impor-
tante a relação testosterona/estradiol livres, com aumento proporcional de 40% deste último.
Acredita-se que esse desequilíbrio hormonal afetaria a disposição e o número de RA prostá-
ticos, influenciando igualmente no crescimento da próstata. Além disso, as células prostáticas
possuem receptores estrogênicos (α no estroma e β no epitélio) que podem ser diretamente
estimulados pelo estrógeno, promovendo a proliferação celular.
Eduardo Hidenobu Taromaru - 186

• Fatores de crescimento – A interação entre os fatores de crescimento e os hormônios esteroi-


des podem alterar o equilíbrio entre a proliferação e a morte celular (apoptose). Esse dese-
quilíbrio pode estimular o crescimento da glândula.
• Teoria linfocitária – Estudos sugerem uma associação entre inflamação e HPB. Isso ocorre
pela intensa resposta ao processo de inflamação ativadas pelas células T (linfócitos T), pro-
vocando a HPB.
• Redespertar embriológico – Fatores de crescimento, hormônios, citocinas e outras substân-
cias atuam na próstata do embrião promovendo seu crescimento. Essa teoria defende que to-
dos esses fatores voltem a atuar na próstata com o avançar da idade do homem.
• Genética – O papel da hereditariedade parece estar consolidado. Filhos de homens com HPB
têm de 3-5 vezes mais chances de serem submetidos à cirurgia prostática por crescimento be-
nigno. Além disso, esses indivíduos apresentam próstatas de maior volume e doença que se
instala em idades mais precoces.

5 Fisiopatologia
A HPB se instala na zona transicional, situada em torno da uretra. Nessa região ocorre a proli-
feração de nódulos formados por tecido glandular ou estroma fibromuscular, que variam em quanti-
dade e constituem os dois padrões histológicos da HPB.
O processo de hiperplasia prostática condiciona o aparecimento de sintomas miccionais que, na
verdade, resultam de três mecanismos fisiopatológicos distintos:
• Obstrução uretral propriamente dita (aumento da resistência uretral) – fator mecânico (estático).
• Hiperatividade de musculatura lisa – fator funcional (dinâmico).
• Resposta do detrusor à obstrução – fator funcional (dinâmico).
O processo de obstrução uretral decorre do efeito mecânico causado pelo crescimento prostático
e de um efeito funcional, relacionado com a contração das fibras musculares existentes no colo vesi-
cal, cápsula e estroma prostático. Essas fibras, ricas em receptores α-adrenérgicos, tendem a se con-
trair por estimulação simpática, ocluindo a luz uretral. Esse mecanismo explica os quadros de LUTS/
STUI em pacientes com glândulas sem crescimento exagerado. O detrusor, por sua vez, sofre um pro-
cesso de hipertrofia que preserva o fluxo urinário nas fases iniciais da obstrução, mas reduz a compla-
cência e a capacidade vesical, levando ao aparecimento de urgência, polaciúria e redução do volume
miccional. Nessa mesma fase, surgem alterações em receptores nervosos da mucosa vesical, que con-
dicionam o aparecimento de instabilidade vesical e agravam os sintomas de LUTS/STUI.
A história natural dos quadros de HBP é bem conhecida e apresenta algumas implicações prá-
ticas relevantes. Os pacientes atingidos por esse processo apresentam sintomas urinários flutuantes,
com períodos de exacerbação do quadro e períodos espontâneos de acalmia. Esse comportamento faz
187 - Capítulo XII | Hiperplasia benigna da próstata

com que algumas medidas terapêuticas usadas em pacientes com HBP produzam uma falsa impres-
são de eficiência, por se acompanharem de melhora das manifestações que ocorrem pela história na-
tural oscilante, e não pelo tratamento medicamentoso em si.
Sob o ponto de vista clínico, aos 55 anos cerca de 25% dos homens podem apresentar sintomas
da HPB, e esse número pode acometer até 50% dos homens com 75 anos. (MARTINS, 2013).

6 Quadro clínico
A obstrução provocada pela HPB leva a alterações estruturais compensatórias do trato urinário:
hipertrofia da musculatura detrusora e formação de divertículos. Esses sintomas decorrentes da HPB
no processo de envelhecimento masculino, incluem distúrbios de esvaziamento e/ou armazenamento.
O aumento da resistência uretral é o principal responsável pelos sintomas de esvaziamento (an-
tes ditos obstrutivos), e os fatores dinâmicos, pelos sintomas de armazenamento (antes ditos irritati-
vos) (Tabela 2).

Tabela 2 – Classificação dos sintomas do trato urinário inferior (LUTS/STUI)

Fonte: Autores
Eduardo Hidenobu Taromaru - 188

7 Avaliação diagnóstica

7.1 Avaliação básica


O diagnóstico de HPB é iminentemente clínico. A avaliação inicial básica inclui anamnese deta-
lhada dos STUI, história de cirurgias prévias do trato geniturinário, avaliação da função sexual, medica-
ções usuais e exame físico com toque retal e palpação abdominal suprapúbica, para excluir bexigoma,
além da avaliação da frequência miccional e o gráfico do volume miccional diário.
Devem ser solicitados exames laboratoriais incluindo urina tipo I, urocultura, PSA, creatinina e ureia.

7.2 Avaliação especializada


A avaliação da severidade dos LUTS/STUI pode ser realizada através de questionários valida-
dos como I-PSS (Escore Internacional de Sintomas Prostáticos – mais comumente utilizado), AUA-SI
(Índice de Sintomas da Associação Americana de Urologia), DAN-PSS (Escore de Sintomas Prostáticos
Danish), ICIQ (Consulta Internacional sobre Questionário de Incontinência) e BPH Impact Index
(Índice de impacto da HPB). A Tabela 3 descreve os sintomas envolvidos no I-PSS e detalha a pon-
tuação para cada sintoma.
189 - Capítulo XII | Hiperplasia benigna da próstata

Tabela 3 – Escore Internacional de Sintomas Prostáticos – I-PSS

Fonte: Autores

Todas as questões se referem a sintomas apresentados pelo paciente no último mês. A pontua-
ção final é a soma das pontuações das sete questões apresentadas na Tabela 3. A pergunta referente
à qualidade de vida é um direcional para tomada de decisões e não faz parte da pontuação do I-PSS.
Valores finais entre 0 e 7 pontos definem a sintomatologia leve (LUTS leve), entre 8 e 19 a sintoma-
tologia moderada (LUTS moderado), e aquela entre 20 e 35, a sintomatologia severa (LUTS severo).
Os doentes com uma pontuação I-PSS > 8 quase sempre têm indicação de tratamento.
• Ultrassonografia da Próstata via Abdominal
É útil para avaliar as dimensões da próstata (não é muito preciso, podendo superestimar
em até 30% o volume real), presença do lobo mediano (maior que 1 cm adentrando para
luz vesical estabelece fator importante para o insucesso do tratamento clínico), as caracte-
Eduardo Hidenobu Taromaru - 190

rísticas do trato inferior (espessamento da parede vesical, cálculos vesicais e resíduo pós-
-miccional – considerado ideal até 50 ml). A ultrassonografia transretal é mais precisa para
definir o tamanho da próstata, entretanto, seu caráter invasivo limita sua utilização rotineira.
• Ultrassonografia de Rins e Vias Urinárias
Basicamente, o US de rins e vias urinárias é útil para avaliar dilatações do sistema coletor,
representadas por dilatação dos cálices e pelve renal (hidronefrose) associadas ou não à di-
latação ureteral (uretero-hidronefrose).
• Urofluxometria
A urofluxometria serve para caracterizar grosseiramente o grau de obstrução infravesical,
devendo-se ressaltar que um fluxo baixo nem sempre significa compressão provocada pela
próstata, podendo resultar de hipotonia do detrusor ou de outros processos obstrutivos,
como estreitamentos uretrais. Sob o ponto de vista prático, fluxo urinário máximo maior
do que 15 ml/s é considerado normal e fluxo inferior a 10 ml/s sugere a existência de pro-
cesso obstrutivo infravesical.
• Estudo Urodinâmico Completo
Em pacientes muito sintomáticos e sem obstrução anatômica evidente, ou em casos de pre-
sença de outras doenças que possam interferir na contratilidade ou inervação da musculatura
vesical (bexiga neurogênica), está indicada a realização do estudo urodinâmico comple-
to. Esse estudo tem por objetivo mensurar a capacidade vesical (normal no homem de 400
a 500 ml), a complacência vesical (capacidade de armazenar urina em baixa pressão, ide-
al abaixo de 40 cm de H20), presença de hiperatividade detrusora, estudo fluxo-pressão
(capacidade de mensurar a pressão intravesical simultaneamente ao fluxo) e demonstrar
de maneira simples o resíduo pós-miccional. Basicamente, esse exame deve ser solicitado
quando existem dúvidas de que os STUI estejam sendo causados pela compressão prostá-
tica ou por falência detrusora. Para mais detalhes sobre o estudo urodinâmico, veja o capí-
tulo Exames Urológicos Específicos.

8 Tratamento
O paciente deve ser informado sobre todas as alternativas de tratamento aplicáveis, relatando os
riscos e os benefícios particulares de cada uma delas. O tratamento da HPB é indicado em pacientes
sintomáticos cujo LUTS tenha impacto sobre a qualidade de vida ou naqueles que apresentem com-
plicações decorrentes da evolução da doença.

8.1 Tratamento clínico


O tratamento clínico da HPB inclui a observação vigilante e o uso de medicações.
191 - Capítulo XII | Hiperplasia benigna da próstata

Observação vigilante pode ser adequada para pacientes com LUTS leve, secundários à HPB
(IPSS < 8) e pacientes com sintomas moderados (IPSS 8-19) que não estejam incomodados, e que não
apresentem complicações (insuficiência renal pós-renal/dilatação do trato urinário superior, retenção
urinária aguda, infecção urinária recorrente, litíase vesical e hematúria recorrente). Esses pacientes po-
dem ser acompanhados, devendo ser reexaminados anualmente ou quando se tornarem incomodados.
• Tratamento Medicamentoso
o α-bloqueadores (antagonistas do receptor adrenérgico-α1) – Pacientes com STUI mo-
derados a severos secundários à HPB (IPSS > 7), podem ser tratados efetivamente com
essa classe de medicamentos, com eficácia ao redor de 60%. Os α-bloqueadores rela-
xam a musculatura lisa da próstata e do colo vesical. Todos α-bloqueadores disponíveis
no mercado têm eficácia semelhante, entretanto, a doxazosina (2-4mg) e a terazosina (2-
5mg) são menos seletivos que a tansulosina (0,4mg) em relação ao bloqueio α-seletivo,
podendo provocar mais hipotensão. Doxazosina e terazosina são medicamentos mais ba-
ratos e requerem titulação da dose e controle mais rigoroso da pressão arterial. O tempo
de ação inicia-se após 48-72 horas de uso, devendo ser reavaliados entre 2-4 semanas.
Aproximadamente 10% dos pacientes apresentam disfunção ejaculatória, tontura (4-
12%), palpitação (3-10%), fraqueza (6%), sonolência (6%) e congestão nasal (5%).
Pacientes para os quais foram oferecidos α-bloqueadores devem ser questionados sobre plane-
jamento da cirurgia de catarata, pois o uso de α-bloqueadores previamente à cirurgia oftalmológica
pode provocar a síndrome intraoperatória de íris frouxa (floppy íris), que consiste em miose intrao-
peratória progressiva, e íris flácida que ondula em resposta à irrigação intraoperatória com potencial
prolapso da íris. Tem sido relatado mais frequentemente com o uso da tansulosina, sendo menos co-
mum com outros α-bloqueadores.
o Inibidores da 5-α redutase – Finasterida (5 mg diário), é um inibidor da isoenzima tipo
II, e a dutasterida (0,5mg diário), da isoenzima tipo I e II. O bloqueio da enzima impede
a conversão de testosterona em DHT, diminuindo a proliferação celular e o crescimento
prostático. Devem ser utilizados em pacientes com LUTS secundários à HPB, com vo-
lume prostático maiores de 40-50g, e que não desenvolveram complicações obstrutivas
agudas, uma vez que seu tempo de ação inicia-se após 3 a 4 meses de uso (pico de ação
com 6 meses de uso). Atualmente, são indicados em pacientes com riscos cirúrgicos, e
que pelos dados clínicos e laboratoriais, apresentam potencial risco de complicações obs-
trutivas a médio e longo prazo. Estima-se que o uso de finasterida leve a uma redução de
aproximadamente 15 a 30% do volume da glândula e 50% no valor do PSA sérico, de-
vendo-se corrigir o valor real do PSA após 6 meses de uso da medicação (multiplican-
do-se por 2 o valor dosado). A eficácia do tratamento deve ser avaliada após 3 meses de
uso, no mínimo. Os efeitos colaterais mais frequentes estão relacionados à disfunções
Eduardo Hidenobu Taromaru - 192

sexuais e compreendem diminuição do volume da ejaculação, da libido e disfunção eré-


til. Esses efeitos ocorrem em 10-15% dos casos e são reversíveis com a descontinuação
do tratamento.
Inibidores da 5-α redutase podem ser utilizados para tratar hematúria de origem prostática, pois
suprimem o fator de crescimento vascular endotelial (VEGF) prostático, reduzindo/cessando completa-
mente o sangramento e diminuindo as recorrências. Alguns estudos demonstraram redução do sangra-
mento ou da necessidade de transfusões em pacientes submetidos a tratamento cirúrgico da próstata.
Entretanto, não há evidências suficientes para seu uso no pré-operatório.
o Combinação de α-bloqueador e inibidores 5-Αr – É considerado um tratamento efetivo
em pacientes com LUTS obstrutivo associado ao aumento do volume prostático.
o Agentes anticolinérgicos – São efetivos nos pacientes com LUTS secundário à HPB,
quando predominam sintomas de armazenamento e com baixo resíduo pós-miccional.
o Agentes fitoterápicos – Apresentam efeitos modestos. Até o momento, os estudos dis-
poníveis não sugerem que estes agentes possuam efeitos clinicamente significativos nos
pacientes com LUTS secundário à HPB.

8.2 Tratamento cirúrgico


O tratamento cirúrgico está indicado quando há falha do tratamento medicamentoso, e os sinto-
mas da obstrução alteram a qualidade de vida do paciente. As indicações de tratamento cirúrgico obri-
gatório estão relacionadas às complicações advindas do processo obstrutivo:
• Insuficiência renal pós-renal secundária à HPB (hidronefrose e/ou uremia);
• Infecção recorrente do trato urinário;
• Hematúria macroscópica recorrente;
• Cálculos vesicais (presença de divertículo vesical não é uma indicação absoluta de cirurgia,
a menos que esteja associado à ITU recorrente ou disfunção vesical progressiva);
• Retenção urinária aguda.
As modalidades de tratamentos cirúrgicos dependem da experiência do cirurgião e da disponi-
bilidade da tecnologia.
• Ressecção Transuretral de Próstata (RTUP)
RTUP monopolar é o tratamento cirúrgico mais comumente utilizado, idealmente para pa-
cientes com volumes prostáticos menores que 80g, evitando-se assim a síndrome da into-
xicação hídrica (SIH) que ocorre em 2% dos casos. A SIH é uma complicação decorrente
da utilização do líquido de irrigação hiposmolar. O uso de líquido hiposmolar (sem eletró-
litos) é obrigatório para evitar a condução de corrente elétrica ao paciente. A solução de
continuidade ocasionada pela lesão tecidual da ressecção promove absorção do líquido hi-
193 - Capítulo XII | Hiperplasia benigna da próstata

posmolar (água livre) para a corrente sanguínea e instertício, podendo promover a diluição
do sódio, gerando um quadro de hiponatremia dilucional. Os primeiros sintomas de SIH
incluem desorientação, náuseas e vômitos, hipertensão arterial e bradicardia.
Outras possíveis complicações são: hematúria perioperatória (10%), perfuração da cápsula
(2%), retenção urinária pós-operatória (7%), tamponamento por coágulos (5%), infecção
do trato urinário (3%), ejaculação retrógrada (70%), esclerose do colo vesical (3%), incon-
tinência urinária (1,5%) e disfunção erétil (5%).
Com o advento da RTUP bipolar, o risco da SIH foi eliminado devido à utilização de solu-
ção salina para a irrigação. Essa nova tecnologia permite a ressecção de próstatas com vo-
lumes um pouco maiores.
• Prostatectomia Aberta
Tipicamente realizada em pacientes com próstatas superiores a 80-100g. A via de acesso à
próstata pode ser transvesical (abertura da bexiga e acesso à próstata pelo colo vesical) ou
retropúbica a Millin (abertura da cápsula prostática para acesso à próstata). Prostatectomia
aberta é considerada a cirurgia mais eficaz dentre todas as possibilidades de tratamento ci-
rúrgico. Ela cursa com resultados duradouros, maiores taxas de sucesso, melhora da quali-
dade de vida em 60-87% dos pacientes e aumento nas taxas do fluxo urinário em mais de
300%. Possui morbidade reduzida com as melhoras das técnicas cirúrgicas, taxa de trans-
fusão sanguínea ao redor de 7-14% e taxa de esclerose do colo vesical ao redor de 6%.
• Laserterapia
Ablação transuretral da próstata com Holmium laser ou Green laser se constituem as mais
estudadas hoje para o tratamento cirúrgico da HPB, sendo a primeira técnica mais utiliza-
da para enucleação (HoLep) e a segunda para vaporização. De uma maneira geral, técni-
cas a laser proporcionam menor tempo de permanência hospitalar, menor tempo de cateter
vesical no pós-operatório, menor risco de sangramento, sem necessidade de interrupção do
uso de anticoagulantes. O uso destas técnicas ainda é limitado devido aos custos e menor
disponibilidade nos centros hospitalares.
• Incisão Transuretral da Próstata (TUIP ou Prostatotomia)
É um tratamento cirúrgico alternativo para pacientes com STUI moderado a severo e prós-
tatas menores que 30g.
• Terapias Minimamente Invasivas
Terapia transuretral da próstata com agulhas (TUNA), que emitem energia de radiofrequ-
ência de baixo nível através de agulhas inseridas no parênquima prostático via transuretral,
provocando necrose de coagulação.
Eduardo Hidenobu Taromaru - 194

Termoterapia transuretral por microonda (TUMT), através de uma antena intrauretral que
libera calor para a próstata, provocando também necrose de coagulação.
O lift de uretra prostática (Urolift) consiste na liberação de pequenos implantes permanentes
por cistoscopia, que retraem os lobos laterais da próstata abrindo a luz da uretra prostática.
A embolização das artérias prostáticas (EAP), realizada através de cateterismo da artéria
femoral, sendo capaz de reduzir o volume prostático em até 30%.
Essas técnicas podem ser realizadas sob regime ambulatorial, sob anestesia local, oferecen-
do menos morbidades ao paciente. No entanto, os resultados são inferiores aos da RTUP.
• Prostatectomia Laparoscópica ou Robótica
Com o intuito de reduzir a morbidade associada à cirurgia aberta, têm sido propostas técnicas
menos invasivas. A primeira prostatectomia laparoscópica para HPB foi realizada em 2002 e a pri-
meira cirurgia robótica em 2008. Possuem taxa de transfusão intraoperatória de aproximadamente
3,5%. A grande dificuldade, principalmente para utilização da técnica robótica, é o custo relaciona-
do ao equipamento.

Leitura recomendada
AMERICAN UROLOGICAL ASSOCIATION EDUCATION AND RESEARCH. McVary, Kevin T.
et al. Management of Benign Prostatic Hyperplasia (BPH). Guideline documents. 2010. Published
2010; Reviewed and Validity Confirmed 2014. Disponível em: <http://www.auanet.org/guidelines/be-
nign-prostatic-hyperplasia-(2010-reviewed-and-validity-confirmed-2014)>. Acesso em: 09 fev. 2018.
MARTINS, Renato Ferreira. Avaliação da eficácia clínica da vaporização da próstata com o Laser
Green Light utilizando o score internacional de sintomas prostáticos – IPSS. Trabalho de Conclusão
de Curso (TCC) – Hospital Federal da Lagoa. Rio de Janeiro, 2013.
Mc VARY, Kevin T. et al. Update on AUA Guideline on the Management of Benign Prostatic
Hyperplasia. The Journal of Urology, v. 185, p. 1793-1803, May 2011. Disponível em: <http://www.
jurology.com/article/S0022-5347(11)00224-2/fulltext>. Acesso em: 09 fev. 2018.
WEIN, Alan J. et al. Campbell-Walsh urology. 11th ed edition review. Philadelphia : Saunders, 2015.
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Capítulo XIII
Fimose e parafimose
Luccas Santos Patto de Goes
196 - Capítulo XIII | Fimose e parafimose

Fimose
Fimose fisiológica é uma condição comum ao nascimento em indivíduos do sexo masculino, e
se define como a incapacidade de retrair o prepúcio e expor a glande por conta da presença de aderên-
cias naturais que mantêm o prepúcio e a glande unidos. Durante os primeiros 3-4 anos de vida, quan-
do o pênis cresce, detritos epiteliais denominados esmegma se acumulam sob o prepúcio separando
gradualmente o prepúcio da glande. Ereções penianas intermitentes fazem com que o prepúcio se tor-
ne completamente retrátil.
Estudos demonstram que a incidência de fimose diminui ao longo da vida. No momento do nas-
cimento, menos de 5% dos meninos têm um prepúcio totalmente retrátil e este número aumenta para
15% em 6 meses, 50% em 1 ano, 80% em 2 anos, e aproximadamente 90% em 3 anos.
A presença do prepúcio, principalmente quando comprometido pela fimose, é sabidamente um
fator de risco bem estabelecido para o câncer de pênis. Embora seja uma neoplasia maligna rara, cur-
sa com taxas de incidência mais elevadas em países subdesenvolvidos, associadas principalmente à
falta de higiene genital relacionada à fimose, que está presente em 25-75% dos pacientes com cân-
cer de pênis.
Quando fimoses fisiológicas persistem ou se tornam fimoses patológicas consequentes à uma gama
variada de situações clínicas, o procedimento cirúrgico denominado postectomia (ou circuncisão) está
indicado. Além disso, alguns países do mundo realizam a postectomia por motivos religiosos ou cultu-
rais, ou para fins epidemiológicos de controle profillático de determinadas doenças como o HIV e outras
infecções sexualmente transmissíveis (IST). Outrossim, a circuncisão tem papel crucial na redução da
incidência do câncer de pênis, podendo diminuir o risco da neoplasia em até 10 vezes. (GOES, 2015).

1 Quadro clínico
A fimose geralmente é assintomática na infância. Todavia, crianças que possuem o prepúcio mui-
to fechado podem desenvolver ITU de repetição e/ou processos inflamatórios e infecciosos da glan-
de e do prepúcio (balanopostite).
Em homens na puberdade e na fase adulta, o motivo da procura pelo especialista é o desconfor-
to provocado pelo anel fibrótico, que dificulta a exposição da glande (principalmente quando o pênis
está ereto), prejudicando ou impedindo a masturbação ou a atividade sexual.
Além disso, fimose muito severa com incapacidade completa de expor a glande pode cursar com
infecções associadas ou evoluir com tumores penianos em longo prazo.
Uma causa bastante comum de desenvolvimento de fimose em homens de meia-idade ou mais
idosos é a presença de diabetes mellitus não controlado, onde níveis elevados e permanentes de gli-
cemia promovem balanopostites de repetição, inflamação, fibrose prepucial e fimose, num periodo de
tempo relativamente curto.
Luccas Santos Patto de Goes - 197

2 Diagnóstico
O diagnóstico da fimose é clínico e feito através do exame físico, inclusive das suas complica-
ções (balanopostite, parafimose e câncer de pênis, por exemplo).
A fimose pode ser classificada em quatro graus de acordo com a exposição da glande. Essa gra-
duação permite, além de avaliar a severidade dessa condição patológica, prever a chance de resolu-
ção com o desenvolver da criança (Figura 1).

Figura 1 – Classificação da fimose

• Grau I – retração prepucial adequada com boa exposição de glande;


• Grau II – retração parcial do prepúcio, com exposição do meato;
• Grau III – retração mínima do prepúcio, com exposição apenas do meato;
• Grau IV – sem retração prepucial.

3 Tratamento
Embora a postectomia ou circuncisão seja estabelecida como tratamento padrão para a fimose,
outros procedimentos clínicos podem ser utilizados, como por exemplo, o uso de corticoide tópico em
diversas apresentações, sendo uma opção em casos não complicados, com taxas elevadas de sucesso
(GOES, 2015). Deve-se ressaltar, no entanto, que este tipo de terapia associada à massagem prepucial
pode gerar descolamento brusco do prepúcio em crianças, que evoluem com retrações cicatriciais do
prepúcio e piora do quadro.
A postectomia, por definição, é um procedimento cirúrgico com objetivo de retirar o anel fibró-
tico prepucial, permitindo a exteriorização permanente da glande. Tem como indicações clássicas:
• ITU recorrente;
• Balanopostite de repetição;
198 - Capítulo XIII | Fimose e parafimose

• Balanite xerótica obliterante;


• Refluxo vesicoureteral em crianças;
• Necessidade de cateterismo intermitente limpo;
• Parafimose.
O procedimento cirúrgico pode ser realizado através de uma variedade de técnicas, como a ex-
cisão prepucial tradicional, a utilização de dispositivos para outros profissionais não especializados
realizarem a postectomia de forma segura e simples (Plastibel), facilitando sua realização em massa.
A postectomia tem índices de morbidade baixos, com taxa de mortalidade em nosso país de
0,0013%, sendo considerada um procedimento seguro e de baixa complexidade. É uma cirurgia que
pode ser realizada em caráter ambulatorial, com anestesia local, e pós-operatório manejado pelo pró-
prio paciente (Figura 2).

Figura 2 – Técnica tradicional de Postectomia

4 Complicações
A complicação a curto prazo mais importante da fimose é a parafimose (discutida nos próximos
parágrafos). A presença da fimose a longo prazo aumenta as chances de ITU e balanopostites de repetição,
o risco de contração de infecções sexualmente transmissíveis (IST) e o risco de câncer de pênis.
Luccas Santos Patto de Goes - 199

Parafimose
A parafimose é uma complicação da fimose, quando ocorre a incapacidade de redução do
prepúcio, com constrição da glande pelo anel fibrótico da fimose. É uma emergência urológica
porque causa uma isquemia progressiva da glande, levando, num estágio mais avançado, à ne-
crose glandar.
De um modo geral, a parafimose ocorre em indivíduos com fimoses importantes e que mantêm a
atividade sexual ou masturbação, a despeito de todo desconforto provocado pelo anel fibrótico prepucial.

1 Quadro clínico
A apresentação clínica da parafimose é representada por edema da glande e prepúcio subjacen-
te e dor local (Figura 3). Alterações isquêmicas e/ou necróticas da glande ocorrem quando a parafi-
mose permanece instalada e sem resolução por tempo prolongado, indicando um quadro mais grave.

Figura 3 – Parafimose. Note o prepúcio retraído e impossibilitado de retornar à sua posição normal por conta
do anel fibrótico da fimose. Observe também o edema da glande

2 Diagnóstico
O diagnóstico da parafimose é clínico e feito através da anamnese e do exame físico. A história
clínica é típica. O paciente relata ser portador de fimose mais complexa (graus III e IV) e, geralmente,
200 - Capítulo XIII | Fimose e parafimose

já iniciou suas atividades sexuais ou masturbação. A dor local quase sempre está associada. O exame
físico é esclarecedor e as condições descritas acima são facilmente identificadas. Os principais sinais
observados pelo examinador são: (1) prepúcio retraído, (2) edema do prepúcio, (3) edema da glande
e (4) áreas de tecido desvitalizado ou necrótico em casos de parafimose instalada por tempo prolon-
gado. Alguns pacientes apresentam dificuldade miccional.

3 Tratamento
Parafimose é uma emergência urológica e, assim que o diagnóstico é dado, o tratamento deve
ser imediatamente estabelecido. Existem dois tipos de tratamento: o conservador e o cirúrgico.
O tratamento conservador consiste na redução do prepúcio para sua posição fisiológica original
através de manobras manuais (Figura 4), que podem ser facilitadas pelo uso de compressas de gelo
e até punção do prepúcio com agulha para drenagem venosa antes da redução manual. Embora esse
procedimento solucione a parafimose e o sofrimento tecidual, ele não corrige a fimose. Assim, o pa-
ciente deve ser muito bem orientado e preparado para que a postectomia (tratamento definitivo) seja
precocemente realizada para retirada do prepúcio doente.

Figura 4 – Manobra manual – tratamento conservador da parafimose

Quando as manobras manuais falham, o procedimento cirúrgico denominado dorsotomia


deve ser realizado. Esta cirurgia implica em uma incisão vertical e dorsal do prepúcio com posterior
Luccas Santos Patto de Goes - 201

sutura horizontal aumentando o diâmetro prepucial, facilitando a sua redução (Figura 5). Nesses
casos, mesmo que a chance de uma nova parafimose seja menor, a postectomia (tratamento definitivo)
também deve ser realizada de forma eletiva.

Figura 5 – Dorsotomia cirúrgica do prepúcio. Note a incisão dorsal e vertical com sutura na transversal

Para os casos onde há impossibilidade da dorsotomia por conta de dificuldades técnicas associa-
das ao edema do prepúcio, a postectomia pode ser realizada no momento do diagnóstico.

4 Complicações
As complicações mais temidas da parafimose são as perdas teciduais do prepúcio e da glande,
necrose da glande e até mesmo necrose da porção mais distal do pênis. Outras complicações observa-
das são infecções locais e retenção urinária aguda.

Leitura recomendada
GÓES, Luccas Santos Patto de. Avaliação da função sexual em pacientes submetidos à postectomia.
Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Comissão de Residência médica Hospital do Servidor Público
Municipal de São Paulo. Residência médica, Urologia. São Paulo, 2015.
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Capítulo XIV
Hidrocele e varicocele
Felipe Guilherme Hamoy Kataoka
203 - Capítulo XIV | Hidrocele e varicocele

Hidrocele
A hidrocele consiste em uma coleção líquida escrotal, podendo ser comunicante, por persistên-
cia do conduto peritoneo vaginal em crianças, ou não comunicante, por desequilíbrio entre secreção
pela túnica vaginal visceral e reabsorção pela túnica vaginal parietal. Esse desequilíbrio cria um espa-
ço real e de tamanho variável, dependendo da quantidade de líquido acumulada.
Várias são as causas que levam à formação de uma hidrocele, não sendo possível identificar
o agente causal na maioria dos casos. Geralmente é decorrente de trauma externo, processos
inflamatórios, neoplasias ou consequente à realização de cirurgia urológica, sendo a complica-
ção mais comum observada após a correção cirúrgica de varicocele sem a utilização de técnicas
microscópicas. Nesses casos, ocorre ligadura dos vasos linfáticos no momento do tratamento das
varizes do plexo pampiniforme, dificultando a absorção e drenagem de líquido pela túnica vaginal
visceral, promovendo a hidrocele.

1 Quadro clínico
O acúmulo de líquido propiciará um aumento de volume escrotal, geralmente indolor. Hidroceles
volumosas podem dificultar atividades cotidianas como deambulação e/ou ter impacto negativo no
desempenho sexual. Dor geralmente aparece quando o líquido acumulado se contamina e se infecta
com agentes patogênicos do meio externo (hidrocele infectada).
À inspeção, o exame físico evidenciará um aumento de volume do escroto e, à palpação, um
conteúdo de aspecto cístico de limites bem definidos, envolvendo o(s) testículo(s) acometido(s).
Hidroceles volumosas podem promover escarificação da pele da bolsa escrotal por atrito com a face
interna da coxa, e evoluir com infecção cutânea, algumas vezes de maior gravidade. Quando ocorre
infecção da hidrocele, as paredes das túnicas ficam inflamadas e espessas, e a diferenciação diagnós-
tica de tumores malignos pode se tornar muito difícil ou impossível.

2 Diagnóstico
O diagnóstico é via de regra clínico. O uso de transiluminação é um método prático, barato e
inócuo, servindo como ferramenta para diagnóstico diferencial de hérnias inguinais, uma vez que o
conteúdo líquido permite a passagem de luz (transluminescência positiva). Entretanto, hidroceles
complexas e/ou septadas podem não permitir transiluminação positiva por conta das suas paredes
espessas ou pela presença de múltiplos septos.
A ultrassonografia da bolsa escrotal é importante porque possibilita, além do diagnóstico da hi-
drocele, o diagnóstico de tumores testiculares, a identificação de sinais de infecção, a presença de sep-
tações e de outras patologias associadas (hérnia inguinal indireta, por exemplo). Essas situações são
importantes na definição de tratamento para cada tipo de hidrocele.
Felipe Guilherme Hamoy Kataoka - 204

3 Tratamento
Os objetivos do tratamento são melhorar a qualidade de vida, o aspecto estético do escroto e
evitar complicações.
O tratamento é intervencionista, podendo ser de abordagem cirúrgica tradicional ou minimane-
te invasiva, ou percutânea por escleroterapia.
As abordagens tradicionais são realizadas por incisão longitudinal na rafe ou por incisão trans-
versa unilateral no escroto, sendo a escolha realizada na dependência de uni ou bilateralidade.
O procedimento cirúrgico consiste em isolar a túnica vaginal parietal, aspirar o conteúdo e reali-
zar o reparo (eversão/marsupialização da túnica), visando evitar recidivas futuras. As técnicas de reparo
dividem-se em técnicas de excisão e técnicas de plicatura, sendo a primeira com menor potencial de
recorrência e maior chance de hematoma, e a segunda, o inverso. As taxas de sucesso do tratamento
cirúrgico giram em torno de 90-100%.
Outra opção de tratamento é a escleroterapia, cujas taxas de sucesso variam de 33-75%, sendo
geralmente recomendadas para pacientes frágeis e com muitas comorbidades. A escleroterapia consis-
te na aspiração do conteúdo líquido e instilação de substância esclerosante associada com anestésico
local. Vários agentes esclerosantes podem ser utilizados, como por exemplo tetraciclina, álcool 95%
e soluções fenólicas a 2,5%. Esse método pode ter efeitos adversos sobre a fertilidade, não devendo
ser indicada para homens com interesses reprodutivos.

4 Complicações
As taxas de complicações giram em torno de 19%, com destaque para hematomas. Além des-
sa, infecção, edema, lesão de vasos espermáticos e dor crônica também podem ocorrer, sendo em sua
maioria conduzidas com tratamento clínico e até mesmo expectante.

Varicocele
Trata-se de uma dilatação anormal das veias testiculares que formam o plexo pampiniforme, sen-
do considerada a principal causa de infertilidade masculina. Classicamente, sua prevalência estimada
é de 15% da população geral. Em adultos é responsável por infertilidade em 35% e 80% dos homens
com infertilidade primária e secundária, respectivamente.
Sua gênese se dá no período pré-puberal e caracteriza-se por ser tempo-dependente, manifestando-
se, via de regra, a partir da adolescência. As teorias etiológicas se baseiam em aumento de pressão venosa,
incompetência ou ausência congênita de válvulas venosas e variação da drenagem venosa espermática.
Sob o ponto de vista clínico, a bilateralidade é a regra e não a exceção, embora, por questões anatô-
micas, a varicocele seja mais proeminente no lado esquerdo. Esse fato decorre de a veia gonadal esquer-
da drenar em um ângulo de 90 graus (ângulo reto) na veia renal esquerda em um percurso 10 cm maior
205 - Capítulo XIV | Hidrocele e varicocele

que o da contralateral. Essa sobrecarga pressórica hidrostática, principalmente em posição ortostática,


transmite-se sobre o sistema venoso testicular e, insidiosa e paulatinamente, sobrepõe à capacidade val-
vular venosa gerando um fluxo retrógrado. Não raro, homens com essa condição também apresentam
varizes de membros inferiores e doença hemorroidária, denotando o caráter sistêmico da doença venosa.
É na infertilidade que reside a motivação principal para procura de tratamento para varicocele e,
nesses termos, o comprometimento da espermatogênese tem sido o foco de investigações dessa doença
nas últimas décadas, sendo propostas várias teorias. Dentre elas, destacam-se: (1) refluxo de metabólitos
renais e adrenais, gerando vasoconstrição crônica, (2) disfunção do eixo hipotálamo-hipófise-gonadal,
inviabilizando a produção mínima de testosterona necessária para espermatogênese, (3) estase e pres-
são venosa, comprometendo o suprimento sanguíneo e a microvasculatura, (4) hipertermia testicular,
em que a presença da estase venosa prejudica o sistema de resfriamento do sangue arterial, mantendo
a temperatura testicular próxima ou igual à temperatura corpórea, (5) hipóxia e estresse oxidativo,
gerados pelo aquecimento testicular e (6) hipóxia crônica, levando ao desequilíbrio entre espécies
reativas de oxigênio e antioxidantes.
É certo que não existe um único mecanismo específico, todavia, atualmente, considera-se a
hipertermia testicular como principal evento pelo qual ocorre o estresse oxidativo e todo o impacto
negativo sobre a espermatogênese.

1 Quadro clínico
O aumento da temperatura testicular associada ao estresse oxidativo é que vai provocar todos
os sintomas.
A varicocele possui clínica bastante variada, podendo apresentar-se como assintomática ou dor
testicular crônica impactante. A dor, quando presente, é do tipo peso, às vezes diária, outras vezes
intermitente, e em graus variados de severidade.
O impacto negativo da temperatura e radicais livres sobre a fertilidade pode levar a alterações
importantes na produção de espermatozoides, diminuindo principalmente sua produção (oligosper-
mia) e capacidade de progressão (astenospermia), culminando com a incapacidade de gestação por
métodos naturais (infertilidade masculina).
Por fim, os efeitos acima mencionados também podem danificar o testículo acometido ao longo
do tempo, levando à hipofrotia ou atrofia testicular.
Embora exista uma relação direta entre o grau de severidade da varicocele com o quadro álgi-
co e com os padrões espermatogênicos, em alguns pacientes essa correlação não é observada. Assim,
presume-se que um paciente com varicocele importante (grau III – veja definição abaixo) seja mais
sintomático e com parâmetros piores do espermograma, mas nem sempre essa associação é estabelecida.
Felipe Guilherme Hamoy Kataoka - 206

2 Diagnóstico
O diagnóstico é clínico e todo homem em investigação para infertilidade deve ter seu escroto
examinado. Se detectada varicocele, a mesma deve ser categorizada conforme a classificação de Dubin
e Amelar (1978), descrita abaixo:
• Grau I – Não visível. Palpável apenas com manobra de Valsalva;
• Grau II – Não visível. Palpável sem manobra de Valsalva;
• Grau III – Visível e palpável sem manobra de Valsalva.
A varicocele é dita subclínica quando é detectada somente por exame ultrassonográfico e, assim
como a de Grau I, não tem significância clínica estabelecida.
O exame deve ser realizado em sala adequada com temperatura entre 22 e 25 graus Celsius, uti-
lizando luz branca, com o médico sentado e o paciente em pé, executando manobra de Valsalva. O
médico traciona gentilmente a bolsa testicular com uma suave elevação das estruturas do cordão con-
tra a bolsa testicular, visando identificar as varizes.
Um método de imagem bastante utilizado é o US de bolsa escrotal com Doppler, que é capaz de
visualizar a dilatação e o refluxo vascular venoso no plexo pampiniforme.
Quando a queixa é de infertilidade, o espermograma (pelo menos duas amostras com intervalo
mínimo de 15 dias entre elas) é importante para determinar o nível de alteração espermática.

3 Tratamento
O tratamento dessa patologia ainda hoje é motivo de controvérsias, sendo consideradas indicações
adequadas para tratamento cirúrgico (1) a presença de varicocele palpável, (2) alteração da análise semi-
nal, (3) potencial feminino preservado para gravidez natural e (4) assimetria testicular maior que 20%
(testículo acometido pelo menos 20% menor que o contralateral). Dor não é indicação precisa, devendo
o tratamento ser realizado somente se houver varicocele palpável, desde que tenham sido descartadas
outras causas álgicas e na ausência de responsividade a medidas conservadoras para manejo de dor.
O tratamento é cirúrgico, com diferentes vias de acesso, não sendo recomendadas abordagens
escrotais pela possibilidade de dano ao suprimento arterial do testículo. Dentre as técnicas utiliza-
das, existem a retroperitoneal, a inguinal convencional, a laparoscópica e a microscópica inguinal ou
subinguinal, cada uma com vantagens e desvantagens. As técnicas microscópicas são as de menor
potencial de complicações, sendo então as mais recomendadas.
Em última análise, a cirurgia rende bons resultados com melhora da análise seminal em 60-80%
e taxas de gravidez variando de 20-60%. Se possível, deve ser ofertado o tratamento microcirúrgico,
dado o menor potencial de complicações e resultados satisfatórios.
207 - Capítulo XIV | Hidrocele e varicocele

4 Complicações
A hidrocele é a princial complicação pós-operatória e decorre da obstrução linfática, variando
sua incidência de 3% a 33%. A recorrência da varicocele pode ocorrer em taxas que variam de 0,6%
a 45%, sendo mais corriqueira quando utilizadas técnicas sem microscopia. Todavia, a complicação
mais temível é a lesão de artéria testicular, podendo levar até mesmo à atrofia testicular.

Leitura recomendada
FRANK, A. Celigoj;, RAYMOND, A. Costabile.surgery of the scrotum and seminal vesicles. In:
WEIN, Alan J. et al. Campbell-Walsh urology. 11th ed edition review. Philadelphia : Saunders, 2015.
Cap. 41, p. 954-956.
GOLDSTEIN, M. Surgical Management of male infertility. In: WEIN, Alan J. et al. Campbell-Walsh
urology. 11th ed edition review. Philadelphia : Saunders, 2015. Cap 25, p. 604-610.
ZYLBERSZTEJN, D.S. Varicocele. In: NARDI, Aguinado Cesar. Urologia Brasil. São Paulo: Planmark;
2013. Cap 18, p. 221-231 
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Capítulo XV
Disfunção erétil
Thiago Seiji Carvalho da Silveira
209 - Capítulo XV | Disfunção erétil

Introdução
Durante muito tempo, por questões socioculturais, o estudo de problemas relacionados à sexu-
alidade humana foi considerado um tabu pela sociedade e comunidade científica. Mudanças culturais
e sociais ocorridas, principalmente após os anos 1970, colaboraram sobremaneira para uma mudança
nesse paradigma. Nas últimas décadas houve um avanço científico significativo sobre a fisiologia da
ereção e a fisiopatologia da disfunção erétil.
A disfunção erétil (DE) pode ser definida como a incapacidade de se obter e/ou manter uma ere-
ção peniana com rigidez suficiente para uma atividade sexual satisfatória.
Estudos epidemiológicos estimam uma prevalência entre de 40-60% de algum grau de disfun-
ção erétil em homens entre 40 e 70 anos. No entanto, a proporção de homens que buscam algum tipo
de tratamento é menor por restrições culturais e dificuldade de aceitação do problema.

1 Anatomia do pênis

1.1 Sistema Nervoso


O centro autonômico espinhal responsável pela ereção está localizado ao nível de T12-L2 (sim-
pático) e S2-S4 (parassimpático). As fibras nervosas se reúnem para formar os plexos hipogástrios in-
feriores e pélvicos que enviam nervos para os órgãos pélvicos.
Os nervos cavernosos seguem pela superfície posterolateral da próstata, passando paralelamen-
te à uretra membranosa em direção aos corpos cavernosos e corpo esponjoso para inervar as artérias
helicoidais do pênis.
O centro motor somático espinhal está localizado no segmento S2-S4 (núcleo de Onuf) e iner-
vam os músculos isquiocavernoso e bulboesponjoso através do nervo pudendo, permitindo a contra-
ção voluntária da musculatura pélvica.
A ereção peniana natural pode acontecer de 3 formas:
• Estimulação genital – Por estímulo tátil ou reflexa.
• Estímulo central – Psicogênica ou sem contato, através de estímulos visuais, olfativos e psi-
cogênicos (fantasias).
• Origem central – Ereção fisiológica noturna, sem relação com estímulos sensoriais. Acontece
durante o sono REM (rapid eyes movement), a fase mais profunda do sono.

1.2. Sistema Vascular


O suprimento arterial peniano se origina das artérias pudendas interna e seus ramos: bulbouretral
(corpo esponjoso e uretra), dorsal do pênis (pele e glande) e artérias cavernosas (corpos cavernosos).
Thiago Seiji Carvalho da Silveira - 210

A drenagem venosa ocorre através das veias superficial e profunda do pênis. A profunda, após
entrar na pelve, deságua no plexo venoso prostático de Santorini, também conhecido como comple-
xo da veia dorsal profunda do pênis. Daí, seguem através da veia pudenda interna para terminar na
veia cava inferior.
Para maiores detalhes sobre a anatomia dos corpos cavernosos e irrigação peniana, veja o capí-
tulo referente à Anatomia do Trato Urinário Inferior.

2 Fisiologia da ereção
A ereção normal ocorre por reflexo espinhal desencadeado por estímulos sensoriais como vi-
são, tato, imaginação e olfato. Esses estímulos chegam ao sistema nervoso central por fibras nervosas
aferentes onde ocorre a modulação da função sexual e erétil no sistema nervoso central. Dopamina,
acetilcolina, ocitocina e peptídeo vasoativo intestinal são os principais neurotransmissores envolvi-
dos nessa modulação.
A ativação dos nervos autonômicos parassimpáticos causa ereção por enchimento e retenção de
sangue nos corpos cavernosos. O estímulo colinérgico mediado pela Ach estimula a produção de óxido
nítrico sintase (eNOS) que, por sua vez, estimulará a produção de óxido nítrico (NO) pelas terminações
nervosas do nervo cavernoso. Então, o NO penetra nas células musculares lisas dos vasos sanguíne-
os penianos (artérias helicinais) e estimula a produção de GMP cíclico (GMPc) que, por sua vez, leva
ao influxo de Cálcio para o retículo endoplasmático, promovendo o relaxamento da musculatura lisa
vascular. Esse relaxamento (vasodilatação) permite aumento do influxo de sangue arterial para os cor-
pos cavernosos que se enchem de sangue, promovendo a tumescência peniana (ereção). Associada a
esse mecanismo, a contração do músculo isquiocavernoso (somático) comprime os corpos caverno-
sos proximais dando rigidez à ereção (Figura 1).
A detumescência peniana ocorre por um mecanismo oposto. Após a ejaculação, o estímulo sim-
pático leva à liberação de noradrenalina pelas terminações nervosas do nervo hipogástrico que ati-
vam a adenil-ciclase e a degradação do GMPc. A redução nos níveis de GMPc citoplasmático leva à
saída de Cálcio do retículo endoplasmático, promovendo a contração da musculatura lisa dos vasos e
detumescência (flacidez) (Figura 2). Alternativamente, os níveis de GMPc também podem cair pela
ação da fosfodiesterase tipo 5, presente em níveis elevados no tecido erétil, e responsável por degra-
dar o GMPc em GMP.
211 - Capítulo XV | Disfunção erétil

Figura 1 – Fisiologia da ereção peniana. Observe as funções da acetilcolina, eNOS, NO, GMPc e o influxo de
Cálcio para o retículo endoplasmático
Thiago Seiji Carvalho da Silveira - 212

Figura 2 – Fisiologia da detumescência peniana. Observe as funções da noradrenalina, GMPc (queda) e o efluxo de Cálcio
do retículo endoplasmático

3 Fisiopatologia
A DE é uma condição multifatorial, onde um conjunto de fatores de risco podem atuar para pro-
mover DE como um evento final.
Sedentarismo, idade, obesidade, transtornos psicológicos, dislipidemia, hipogonadismo,
tabagismo, alcoolismo, hipertensão arterial, depressão, procedimentos cirúrgicos, radioterapia pélvi-
ca, traumatismos, uso de medicamentos ou drogas ilícitas estão entre os fatores de risco que podem
levar à disfunção erétil. Esses fatores, combinados ou não a outras condições (DAEM, por exemplo),
estão incluídos em 5 grandes grupos de fatores responsáveis pela DE, a saber: fator vascular, fator
213 - Capítulo XV | Disfunção erétil

neurológico, fator endócrino, fator psicogênico e medicamentos e/ou drogas ilícitas. Cada um deles
será melhor descrito nos parágrafos seguintes.

3.1 Fator Vascular


A maioria dos casos de DE arteriogênica é atribuída à doença arterial difusa. O que ocorre, ba-
sicamente, é a falha dos mecanismos de vasodilatação das artérias do corpo cavernoso.
Fatores de risco para doença aterosclerótica e disfunção erétil são semelhantes e devem ser
abordados de maneira conjunta. Até 50 % dos homens com disfunção erétil grave têm algum grau de
isquemia miocárdica.

3.2 Fator Neurológico


DE consequente a fator neurológico ocorre por uma falha na condução de impulsos nervosos e
prejuízo na produção de NO.
Alterações neurológicas como acidente vascular cerebral, tumores do SNC, traumatismos ra-
quimedulares, cirurgia pélvicas, radioterapia pélvica, neuropatia diabética são causas importantes de
disfunção erétil.
Doenças neurológicas como Alzheimer e doença de Parkinson podem levar à disfunção erétil
pelo efeito direto sobre o mecanismo da ereção ou pela diminuição da libido que pode ocorrer nes-
sas condições.

3.3 Fator Endócrino


O diabetes é um dos principais fatores de risco para disfunção erétil. Cerca de 75% dos homens
diabéticos apresentam algum grau de disfunção erétil que pode preceder, em alguns anos, complica-
ções microvasculares e neuropáticas da doença. O diabetes ocasiona DE por conta das lesões neuro-
lógicas (polineuropatia) e vasculares (vasculopatia) que ocorrem com a evolução da doença.
A síndrome metabólica (obesidade, hipertensão, dislipidemia, resistência insulínica) é um im-
portante fator de risco para o surgimento de disfunção erétil.
Hiperprolactinemia, distúrbios da tireoide, síndrome de Cushing e doença de Addison podem
causar diminuição da libido e disfunção erétil.
Baixos níveis de testosterona presente na deficiência androgênica do envelhecimento masculi-
no (DAEM) têm impacto negativo sobre a função sexual e ereção.

3.4 Medicamentos e Drogas Ilícitas


O uso de alguns medicamentos pode levar à disfunção erétil. A DE é comum em homens idosos
e coexiste, em muitos casos, com outras doenças como diabetes, depressão e doenças cardiovascula-
Thiago Seiji Carvalho da Silveira - 214

res, que também são fatores de risco para disfunção erétil. É comum o uso de múltiplas medicações
para o tratamento dessas doenças, que podem contribuir em algum grau para o surgimento ou agra-
vamento da DE.
Anti-hipertensivos, diuréticos, antidepressivos, antipsicóticos, anticonvulsivantes e bloqueadores
androgênicos são exemplos de medicações com impacto negativo sobre a função erétil. Anti-
hipertensivos do tipo beta-bloqueadores potencializam a atividade alfa1-adrenérgica levando à DE.
Bloqueadores alfa-1 (doxazosina, por exemplo) e bloqueadores do receptor de angiotensina II (losar-
tana, por exemplo) têm efeito oposto e podem até melhorar a função sexual .
Diuréticos tiazídicos, não tiazídicos e espironolactona têm efeito negativo sobre a função erétil.
Antiandrogênicos usados para fins de castração química (gosserrelina, por exemplo), levam à
diminuição acentuada da libido, e geralmente é acompanhada de disfunção erétil. A finasterida, usa-
da no tratamento da hiperplasia prostática, é um antiandrogênico com efeito menor sobre a testoste-
rona circulante e a função sexual.

3.5 Fator Psicogênico


A DE psicogênica é definida pela incapacidade do indivíduo conseguir ou manter ereções satis-
fatórias de origem predominantemente psicológica. Geralmente tem início repentino, caráter seletivo
e padrão normal de ereções noturnas.
Ansiedade, sentimento de culpa, medo e estresse estão em geral presentes nesses pacientes. A
avaliação psicológica pode ser muito útil nesse grupo de pacientes.
Condições psiquiátricas como depressão e ansiedade são fatores de risco para o aparecimento
de disfunção erétil. Importante atentar para medicações usadas no tratamento de distúrbios psiquiátri-
cos e que podem influenciar negativamente a função sexual.

4 Diagnóstico
História clínica, exame físico completo e investigação detalhada dos fatores de risco são
fundamentais na investigação diagnóstica. Avaliação de aspectos psicossociais, religiosos e conjugais
devem sempre ser abordados durante a consulta médica.
Alguns questionários podem ser utilizados, embora não sejam fundamentais. O questionário mais
utilizado é o IIEF (International Index of Erectile Function) com 15 itens ou IIEF-5 (versão resumi-
da) com 5 itens. São úteis para avaliar a função erétil basal, avaliar a resposta ao tratamento utilizado
e a elaboração de ensaios clínicos.
Exames complementares laboratoriais devem incluir hemograma completo, glicemia de jejum,
hemoglobina glicada, testosterona total e perfil lipídico. Dependendo da presença de fatores de risco
específicos e outras comorbidades, exames adicionais podem ser necessários.
215 - Capítulo XV | Disfunção erétil

Disfunção erétil é um marcador de doença vascular silenciosa. Portanto, avaliação cardiológi-


ca completa deve ser realizada, principalmente em pacientes de risco intermediário e alto. Quando há
suspeita de risco cardíaco intermediário ou alto, as atividades sexuais devem ser suspensas até que a
avaliação adequada seja realizada por um cardiologista.
Exames complementares adicionais, como teste de ereção fármaco-induzida (TEFI), arteriogra-
fia pudenda, ecodoppler peniano e eletroneuromiografia podem ser solicitados em casos específicos e
para pacientes complexos. A revascularização peniana em casos selecionados pode ser curativa para
pacientes com histórico de trauma pélvico com lesão arterial.
É recomendável avaliação psicológica para todos os pacientes com disfunção erétil, pois um
componente psicogênico está presente na maioria dos casos.

4.1 Testes Diagnósticos Específicos


Na maioria dos casos, não é necessária a utilização de testes diagnósticos mais avançados para
o diagnóstico da causa da DE. A realização desses exames em excesso, muitas vezes acaba por atrasar
o início do tratamento sem fornecer informações que alterem a abordagem terapêutica de maneira
significativa.
No entanto, em casos selecionados, alguns testes podem ter alguma utilidade. Em pacientes com
história de traumatismo pélvico, deformidade peniana, submetidos a cirurgias neurológicas ou vascu-
lares, esses exames podem ser realizados. Ecodoppler peniano, cavernosografia dinâmica, angiogra-
fia seletiva do pênis e TEFI estão entre os mais utilizados para avaliação vascular. Testes neurológicos
raramente são utilizados e, na maioria das vezes, não alteram a conduta terapêutica.

5 Tratamento
O surgimento dos inibidores orais da fosfodiesterase tipo 5 (PDEi-5) representou um avanço
importante no tratamento farmacológico da DE, sendo considerados a primeira opção na maioria dos
casos. Antes do aparecimento desses fármacos, não existia tratamento não invasivo eficaz para DE.
São medicamentos com boa eficácia, seguros e de fácil utilização.
É importante reforçar os benefícios de mudanças do estilo de vida em pacientes com DE.
Atividade física regular, dieta saudável, interrupção do tabagismo e do uso de drogas ilícitas devem
ser recomendados a todos os pacientes.
Alteração na classe de medicamentos utilizados no controle da pressão arterial e ajuste de do-
ses de medicações psicoativas utilizadas no tratamento de distúrbios psiquiátricos podem ter benefí-
cio sobre a função erétil quando a causa medicamentosa é identificada.
Intervenções psicoterapêuticas cognitivo-comportamentais mostram eficácia nos casos de dis-
função erétil psicogênica.
Thiago Seiji Carvalho da Silveira - 216

Doenças da tireoide, hipófise e adrenais devem ser adequadamente tratadas por médico endo-
crinologista. O tratamento do hipogonadismo (DAEM) com reposição de testosterona está indicado
em homens com sinais e sintomas associados ao déficit de testosterona.

5.1 Tratamento Farmacológico


• Inibidores de PDE-5
É a primeira linha de tratamento para homens com DE. Potencializam a resposta erétil fisiológica
porque inibem a PDE-5, mantendo as concentrações de GMPc elevadas. É necessário estímulo sexual
com consequente liberação de NO para que o fármaco exerça sua ação. Em pacientes onde o estímu-
lo nervoso está prejudicado (lesão de nervos após prostatectomia radical para tratamento de câncer de
próstata, por exemplo) os efeitos são mais modestos.
A principal diferença entre as medicações disponíveis no mercado está relacionada ao tempo de ação
e meia-vida da droga. A seguir estão listadas as principais medicações utilizadas e suas características:
o Sildenafila – comprimidos de 25, 50 e 100 mg e meia-vida de 3-5 horas. Ingerir a medi-
cação 1 hora antes da atividade sexual.
o Tadalafila – comprimidos de 5 e 20 mg. A dose recomendada para uso sob demanda é
de 20 mg de 30 a 60 minutos antes da atividade sexual, com meia-vida de cerca de 17
horas. A formulação de 5 mg pode ser utilizada para uso diário, que é mais confortável
para alguns pacientes, pois a relação temporal entre o uso da medicação sob demanda e
a atividade sexual pode ser fator de estresse em alguns casos.
o Vardenafila – comprimidos de 5, 10 e 20 mg e meia-vida de 4-5 horas. Recomendada
ingesta de 30 minutos a 1 hora antes da relação sexual.
o Iodenafila – comprimidos de 40, 80 e 160 mg. Início de ação após cerca de 30 minutos.
Duração até 18 horas.
Os efeitos colaterais são transitórios e incluem cefaléia, rubor facial, congestão nasal, distúr-
bios visuais e dispepsia.
Os inibidores de PDE-5 são contraindicados em pacientes que fazem uso de nitratos pelo ris-
co de hipotensão grave e potencialmente fatal. Homens com angina instável, insuficiência cardíaca,
IAM recente e arritmia cardíaca devem ser adequadamente avaliados por um cardiologista antes do
início do tratamento.
• Terapia Intrauretral
O alprostadil é uma prostaglandina (PGE-1) sintética que pode ser aplicada por via uretral. A
absorção ocorre através da mucosa uretral para o corpo esponjoso e cavernoso, aumentando os níveis
de AMP cíclico (AMPc), relaxando a musculatura lisa arterial. Essa vasodilatação arterial é promovi-
da por AMPc e, portanto, diferente daquela causada por PDEi-5 e mediada por GMPc e NO.
217 - Capítulo XV | Disfunção erétil

A medicação (Muse®) consiste em microesferas sob forma de supositório inserido por via ure-
tral através de aplicador próprio, nas doses de 500 e 1000 mcg. Dor peniana e escrotal são os princi-
pais efeitos colaterais. Comparado à injeção intracavernosa, sua eficácia é inferior.
• Injeção Intracavernosa
A injeção intracavernosa (IIC) de papaverina foi o primeiro tratamento clínico eficaz para DE e,
até 1998, considerada a primeira linha de tratamento para a maioria dos casos. Atualmente, três gru-
pos de fármacos são utilizados com essa finalidade: papaverina (vasodilatador), fentolamina (bloque-
ador alfa-adrenérgico) e prostaglandina E1 (vasodilatador).
A injeção intracavernosa de PGE-1 (Caverject®) nas doses de 10 e 20 µg tem boa eficácia e me-
nores índices de priapismo quando comparada a preparados de papaverina e fentolamina. Dor local é
o principal efeito indesejado desse tipo de medicação.
A papaverina é um derivado não opioide da papoula que promove a ereção pelo relaxamento
da musculatura lisa dos corpos cavernosos através da inibição das fosfodiesterases. Ao contrário da
PGE-1, a papaverina pode causar fibrose cavernosa e apresenta uma maior chance de causar priapis-
mo. É usada habitualmente nas doses de 30-60 mg.
A fentolamina, um bloqueador de receptores alfa-1 e alfa-2 adrenérgicos, é utilizada geralmen-
te em combinação com a papaverina (Bimix®) para potencializar os efeitos de rigidez e duração da
ereção. A combinação entre papaverina, PGE-1 e fentolamina (Trimix®) também pode ser utilizada
com boa resposta.
A terapia intracavernosa é eficaz em praticamente todas as etiologias de DE. Como inconve-
niente, há a necessidade de autoaplicação da medicação, que muitas vezes não é bem aceita pelos pa-
cientes. É importante que as primeiras aplicações sejam realizadas sob supervisão médica adequada.
• Implante Cirúrgico de Próteses Penianas
Apesar da revolução no manejo clínico da DE com o surgimento dos PDEi-5, a procura por ci-
rurgias para implante de próteses penianas permanece relevante nos dias atuais.
De maneira geral, existem 2 tipos de próteses: maleável (ou semi-rígida) e infláveis de 2 ou 3
compartimentos.
Devido ao custo menor e à facilidade de implantação, as próteses maleáveis são as mais utili-
zadas no Brasil. É composta de uma haste metálica flexível revestida por silicone. Existem diversos
tamanhos e diâmetros disponíveis no mercado e a escolha deve ser feita no intraoperatório, após re-
alização da medida dos corpos cavernosos. A via penoescrotal é a mais comumente utilizada para o
implante de próteses semi-rígidas..
As próteses penianas infláveis de 3 volumes (mais utilizadas) são compostas de dois cilindros
cavernosos, uma bomba escrotal e um reservatório abdominal. Apesar da técnica cirúrgica mais
complexa em relação às próteses semirrígidas, o procedimento é de fácil execução de maneira geral.
Thiago Seiji Carvalho da Silveira - 218

As complicações relacionadas ao implante de próteses penianas podem ser divididas em com-


plicações intraoperatórias, pós-operatórias precoces e pós-operatórias tardias. No ato operatório pode
ocorrer perfuração uretral ou dos corpos cavernosos durante a dilatação dos mesmos. Edema e hema-
toma podem surgir no pós-operatório precoce. Tardiamente, ptose da glande devido à utilização de
próteses curtas e extrusão da prótese são complicações possíveis.
A complicação mais temida pelo urologista é a infecção periprotética. As taxas de infecção
variam entre os estudos, variando entre 0,6 a 8,9%. A manifestação clínica principal é a dor
persistente após 2 meses do ato cirúrgico e é geralmente acompanhada de edema local. O tratamento
com antibióticos não é eficaz devido à formação de biofilme que impede a ação adequada dos
medicamentos.
Nos casos de infecção, o tratamento mais adequado consiste na remoção cirúrgica da prótese e
drenagem de eventuais coleções. Culturas devem ser coletadas para direcionar o tratamento antibiótico
no pós-operatório. Como alternativa, a realização de cirurgia de resgate utilizando soluções antissépticas
com lavagem exaustiva dos corpos cavernosos após retirada da prótese infectada e colocação de uma
nova prótese no mesmo procedimento vem sendo realizada com sucesso.
• Dispositivo a Vácuo
Também chamado de dispositivo de constrição por vácuo, consiste na aplicação de pressão ne-
gativa no pênis através de mecanismo de vácuo para atrair o sangue passivamente para o interior dos
corpos cavernosos e subsequente constrição com anel elástico na base do pênis para manter a ereção
suficiente para o intercurso sexual.
A ereção conseguida por esses dispositivos é artificial e pelo fato de os corpos cavernosos pro-
ximais permanecerem flácidos (instabilidade da base peniana) a aderência e satisfação dos pacientes a
esse método é limitada. Ainda, pode ocorrer a formação de hematomas e petéquias na região peniana.
Apesar do uso desses dispositivos ser comum em vários países, no Brasil não existem fabrican-
tes de dispositivos a vácuo autorizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, o que limita
seu uso em maior escala.
• Terapia por Ondas de Choque de Baixa Energia
Ainda em caráter experimental, a terapia por ondas de choque de baixa energia aplicada so-
bre o pênis tem sido utilizada a fim de promover um melhor fluxo sanguíneo peniano pelo estímulo à
angiogênese e função endotelial.
Os resultados iniciais são animadores, porém estudos bem controlados de longo prazo ainda pre-
cisam ser realizados para que o método possa ser estabelecido como uma forma de terapia para a DE.

Leitura recomendada
BATTY, G. D. et al. Erectile Dysfunction and later cardiovascular disease in men with type 2 diabetes:
prospective cohort study based on the ADVANCE (Action in diabetes and vascular disease: Preterax
219 - Capítulo XV | Disfunção erétil

and Diamicron Modified-release controlled evaluation) trial. J Am Coll Cardiol., v. 56, n. 23 Nov.
2010. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21109113>. Acesso em: 01 mar. 2018.
BELLA, A. J.; BROCK, G. B:Intracavernous pharmacotherapy for erectile dysfunction. Endocrine.
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BRANT, M. D.; LUDLOW, J. K.; MULCAHY, J. J. The prosthesis salvage operation: immediate re-
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RAJFER J. et al. Nitric oxide as a mediator of relaxation of the corpus cavernous in response to non-
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Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/10736486>. Acesso em: 01 mar. 2018.
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Capítulo XVI
Ejaculação precoce
Thiago Seiji Carvalho da Silveira
221 - Capítulo XVI | Ejaculação precoce

Introdução
Diferente de outras espécies animais, a ejaculação em humanos não está relacionada apenas à
função reprodutiva para perpetuação da espécie. De modo geral, a maioria das ejaculações nos ho-
mens está inserida no contexto de uma vida sexual saudável, sem fins reprodutivos.
A partir da segunda metade do último século, começaram a surgir estudos e publicações de maior
relevância sobre ejaculação precoce (EP) ou ejaculação rápida.

1 Definição
Apesar de não existir uma definição muito bem consolidada, alguns autores e consensos de es-
pecialistas trabalham para definir EP de modo mais adequado.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) define a EP como “a incapacidade de controle ejacu-
latório suficiente para a satisfação de ambos os parceiros durante o ato sexual”.
A Associação Americana de Psiquiatria define como “orgasmo e ejaculação antes ou muito rapida-
mente após a penetração vaginal, sem que o indivíduo deseje e que tenha caráter persistente e recorrente”.
A definição mais utilizada atualmente é a proposta pela International Society for Sexual Medicine
(ISSM), que define a EP como “ejaculação que sempre ou quase sempre ocorre antes ou em cerca
de 1 minuto após a penetração, com consequências pessoais negativas como insatisfação, incômodo,
frustração e/ou desinteresse na intimidade sexual”.

2 Prevalência
Estima-se que a EP pode estar presente em até 30% dos homens entre 18-59 anos, e não está re-
lacionada à idade, raça ou estado civil.
Levando em consideração apenas o tempo de latência ejaculatória intravaginal (TLEI) menor
que 1 minuto, a prevalência torna-se menor (cerca de 1- 5 %).

3 Fisiologia da ejaculação
O sêmen masculino é constituído basicamente de espermatozoides (produzidos nos testículos)
e secreções ricas em enzimas produzidas pela próstata e vesículas seminais.
A ejaculação representa a fase final do ciclo de resposta sexual do homem e é geralmente acom-
panhada do orgasmo. É dividida em 2 fases: emissão e expulsão do sêmen. Na fase de emissão há a
participação do epidídimo, ductos deferentes, vesículas seminais, próstata e uretra prostática, enquan-
to que a fase de expulsão envolve a uretra e músculos pélvicos.
Ocorre por mecanismo reflexo que envolve o sistema nervoso, onde os estímulo periféricos che-
gam ao sistema nervoso central por vias aferentes que modulam o estímulo e enviam sinais eferentes
via nervos periféricos aos órgãos envolvidos na ejaculação. Os principais neurotransmissores envol-
Thiago Seiji Carvalho da Silveira - 222

vidos são a dopamina e a serotonina (5-HT). A serotonina após ligação com receptores (5-HT2C) no
neurônio pós-sináptico, exerce seu efeito fisiológico e é recaptada por receptores presentes nos neu-
rônios pré-sinápticos após a sua ação.
A hipossensibilidade dos receptores pós-sinápticos pode estar envolvida na gênese da EP, fato
que explicaria a eficácia dos inibidores de recaptação da serotonina no tratamento dessa condição.

4 Classificação
A EP pode ser classificada em:
• Primária – Presente desde o início da vida sexual do indivíduo em todas ou quase todas as
atividades sexuais. A maioria ejacula em até 2 minutos após a penetração, com alguns ho-
mens ejaculando antes da penetração.
• Secundária ou adquirida – Homens que anteriormente tinham função ejaculatória normal e
que passaram a apresentar o problema em algum momento da vida. Geralmente, há algum
fator ou doença desencadeante. Algumas doenças endocrinológicas ou urológicas podem de-
sencadear um quadro de EP.
• Ocasional – Episódios de EP em algumas situações específicas. É considerada variação nor-
mal do desempenho sexual. Na maioria dos casos não necessita de tratamento específico.
• “Premature-like” – Homens que apresentam latência ejaculatória normal ou perto do normal,
porém há uma percepção subjetiva por parte do paciente de uma diminuição da latência eja-
culatória. Psicoterapia está indicada nessas situações.

5 Etiologia
Não há uma etiologia definida sobre uma causa específica para os casos de EP. É mais prová-
vel que uma combinação de fatores biológicos e psicossociais estejam presentes na maioria dos casos.
Estudos realizados em irmãos gêmeos mostram que há influência de fatores hereditários e gené-
ticos na susceptibilidade à EP, provavelmente mediados por alterações nos mecanismos serotoninér-
gicos do sistema nervoso central. A serotonina é um neurotransmissor com efeitos inibitórios sobre o
mecanismo central de controle da ejaculação. Medicamentos que inibem a receptação da serotonina
na fenda sináptica em geral causam um aumento no TLEI.
O hipertireoidismo não tratado pode ser causa de EP secundária e o tratamento dessa condição
deve preceder o tratamento específico da EP.
Ansiedade, preocupação com o desempenho sexual e início precoce da vida sexual são fatores
também relacionados à EP. É difícil precisar se os quadros de ansiedade são causa ou efeito dos epi-
sódios de ejaculação rápida.
A associação entre disfunção erétil e ejaculação precoce ocorre em até 50% dos pacientes.
223 - Capítulo XVI | Ejaculação precoce

6 Tratamento
• Psicoterapia
Tratamentos comportamentais vêm sendo utilizados no tratamento da EP. Baseiam-se, basica-
mente, em técnicas de “stop-start” na tentativa de conseguir um maior tempo de latência ejaculató-
ria intravaginal.
Contudo, até o momento, não existe evidência científica robusta que suporte a indicação desse
tipo de tratamento para todos os casos de EP. Há ainda resistência por parte de muitos homens, além
de má aderência aos tratamentos que envolvem psicoterapia.
Comparado com a terapia farmacológica, os resultados da terapia comportamental são clara-
mente inferiores.
• Anestésicos Tópicos
Anestésicos tópicos na forma de gel ou spray (lidocaína, por exemplo) podem ser usados no tra-
tamento da EP com bons resultados. Como efeitos adversos, há relatos de hipoestesia peniana, disfun-
ção erétil e alterações de sensibilidade da mucosa vaginal da parceira.
• Tratamento Farmacológico
Com o surgimento dos inibidores de receptação da serotonina no início da década de 90 para
tratamento da depressão, essas medicações começaram a ser utilizadas em maior escala no tratamen-
to da EP em caráter off-label.
Atuam aumentando a concentração da serotonina na fenda sináptica em neurônios centrais e pe-
riféricos. Paroxetina, clomipramina, citalopram e fluoxetina são medicações comumente usadas para
o tratamento da EP. Entre elas, a paroxetina é a mais usada, apresentando os melhores resultados em
relação ao TLEI (aumento de até 8x). A dose deve ser diária para obtenção dos melhores resultados,
variando 10-40 mg/dia. Sintomas gastrointestinais, disfunção erétil e vertigem estão entre os princi-
pais efeitos colaterais.
Mais recentemente foi aprovada para uso comercial a dapoxetina (Priligy®) como tratamento
específico da ejaculação precoce. É utilizada sob demanda na dose de 30-60 mg de 1-2 horas antes
das relações. No Brasil ainda não foi lançado comercialmente.
O tramadol, analgésico opioide sintético, já foi testado como medicação para EP. Apesar de au-
mentar o TLEI quando usado sob demanda, os efeitos colaterais e o potencial de adicção tornam seu
uso restrito atualmente.

Leitura recomendada
ALTHOF, S. E. et al. International Society Guidelines for the diagnosis and treatment of premature
ejaculation. J Sex Med., v. 7, n. 9, Sept. 2010. Disponivel em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pub-
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ALTHOF, S.. E. Prevalence, characteristics and implications of premature ejaculation/rapid ejacu-


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BUVAT, J. Pathophysiology of premature ejaculation. The journal of Sexual Medicine. 2001; v. 8,
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GIULIANO, F.; CLÉMENT, P. Serotonin and premature ejaculation: from physiology to patient ma-
nagement. Eur Urol., v. 50, n. 3, Sept. 2006. Disponivel em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pub-
med/16844284>. Acesso em: 01 mar. 2018.
McMAHON C. G. et al. An evidence-based definition life-long premature ejaculation: report of the
International Society for Sexual Medicine (ISSM) ad hoc committee for the definition of premature
ejaculation. J Sex Med., v. 5, n. 7, Sept. 2008. Disponivel em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pub-
med/18466262>. Acesso em: 01 mar. 2018.
McMAHON, C. G. et al. Efficacy and safety of dapoxetine for the treatment of premature ejaculation:
integrated analysis of results from five phase 3 trials. J Sex Med., v. 8, n. 2, Feb. 2011. Disponivel em:
<https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21059176>. Acesso em: 01 mar. 2018.
MONTAGUE, D. K. et al. AUA guideline on the pharmacologic management of premature ejaculation.
J. Urol. v. 172, n. 1, July 2004. Disponivel em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15201797>.
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NANNINI, E. A.; MAGGI, M.; LENZI, A. Evaluation of premature ejaculation. The journal of
Sexual Medicine. V. 8, Suppl. 4, Oct. 2011. Disponivel em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pub-
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ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/16934919>. Acesso em: 01 mar. 2018.
ROWLAND, D. L.; PATRICK, D. L.; ROTHMANS, M. The psychological burden of prematu-
re ajaculation. J Urol., v. 177, n. 3, Mar. 2007. Disponivel em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pub-
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matic review. Urology, v. 81, n. 1, Jan. 2013. Disponivel em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pub-
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Capítulo XVII
Déficit androgênico do
envelhecimento masculino
José Vinícius de Morais
226 - Capítulo XVII | Déficit androgênico do envelhecimento masculino

Introdução
A Deficiência Androgênica do Envelhecimento Masculino (DAEM) é definida como uma sín-
drome bioquímica associada ao envelhecimento, caracterizada por deficiência dos níveis séricos de
androgênios levando a alterações na qualidade de vida e efeitos em múltiplos órgãos e sistemas.
A testosterona é um hormônio essencial em todas as fases da vida do homem, desde o desen-
volvimento embrionário até a velhice. Nas fases iniciais do embrião, ela é crucial para o desenvolvi-
mento e maturação de todos os órgãos genitais masculinos. Na puberdade, é importante no início da
espermatogênese e no desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários. Na fase adulta é respon-
sável por manter a espermatogênese, a libido e a função sexual e, na fase senil, tem influência na ma-
nutenção da saúde óssea e muscular, na capacidade de concentração e do ciclo sono-vigília.
A prevalência de DAEM aumenta com a idade, obesidade e diabetes. Há estudos que demons-
tram uma prevalência de níveis de testosterona abaixo de 325 ng/dL em 12% na sexta década de vida,
20% na sétima década, 30% na oitava e 50% após os 80 anos. A queda nos níveis de testosterona é
fortemente associada a condições sistêmicas como queimaduras (mais de 15% de superfície corpó-
rea), lesão cerebral, cirurgias, hepatopatias, pneumopatias, infarto do miocárdio, sepse, HIV, insufici-
ência renal crônica e uso crônico de opioides.

1 Fisiopatologia
As células de Leydig produzem 95% da testosterona em homens, que pode ser encontrada na
forma livre (0,5 a 3%) ou ligada à albumina (maior parte) ou à globulina ligadora de hormônios se-
xuais (SHBG). Pela forte ligação ao SHBG, essa forma não tem ação sobre as células. Apenas a for-
ma livre ou ligada à albumina, que então compõe a testosterona biodisponível. Seu mecanismo de
ação ocorre da seguinte forma: assim que entra na célula, a testosterona, sob ação da 5-alfa redutase,
transforma-se em di-hidrotestosterona (DHT) para então se ligar ao receptor androgênico (RA) no ci-
toplasma da célula. Esse complexo DHT-RA atravessa a membrana nuclear (carioteca) para atuar no
núcleo, aumentando a taxa de transcrição do DNA e, consequentemente, a atividade global da célula.
Teoricamente, esse processo acontece em todas as células do organismo. Entretanto, em algumas cé-
lulas específicas (neurônios e músculo estriado, por exemplo), a testosterona pode se ligar diretamen-
te ao RA, sem necessidade de se transformar em DHT.
Alterações nos níveis de testosterona podem ocorrer por falência testicular (hipogonadismo pri-
mário) ou alteração no eixo hipotálamo-hipófise-gônada (hipogonadismo secundário). A queda rela-
cionada à idade não altera os níveis de LH, sugerindo hipofunção gonadal primária, enquanto que a
queda relacionada a doenças sistêmicas podem ter os dois componentes.
Com o avançar da idade, ocorre diminuição do volume de células de Leydig e aumento de SHBG,
o que gera menor produção de testosterona e menor proporção de testosterona biodisponível. Ocorre
José Vinícius de Morais - 227

também declínio da espermatogênese com elevação de FSH. Há controvérsia em relação à qualidade


do sêmen e à fertilidade.

2 Quadro clínico
A deficiência androgênica tem associação com mortalidade, piora da qualidade de vida, disfun-
ções sexuais e metabólicas. Assim que o homem se torna adulto, os níveis séricos de testosterona atin-
gem seus maiores picos, mantendo-se dessa forma e sem maiores mudanças até os 40 anos. A partir
de então, estima-se que a testosterona sofra um decréscimo lento e progressivo de 1-2% do seu valor
basal por ano. Entretanto, não existe uma relação direta entre essa taxa de queda e a presença de sin-
tomas, estabelecendo-se uma associação extremamente variável entre os níveis séricos de testostero-
na e o aparecimento e severidade dos sintomas no indivíduo. Dessa forma, enquanto indivíduos mais
sensíveis ao hormônio podem apresentar sintomas com pequenas quedas, outros podem estar assinto-
máticos mesmo com os níveis de testosterona abaixo do limite inferior da normalidade.
Os sinais e sintomas mais comuns associados a DAEM compreendem basicamente a perda ou
alteração da função dos órgãos estimulados pela testosterona. Assim, disfunção erétil, perda ou dimi-
nuição da libido, fraqueza generalizada, indisposição, fogachos, sudorese, ganho de peso, obesidade
central, perda de massa muscular e óssea, dificuldade de concentração e de memória, insônia, altera-
ções de humor, irritabilidade e depressão são comemorativos da DAEM.
Por conta das funções sexuais serem altamente dependentes da ação da testosterona, disfunção
erétil e perda ou diminuição da libido costumam ser os primeiros sintomas a aparecer e os que levam
o homem a procurar tratamento.

3 Diagnóstico
O estabelecimento do diagnóstico baseia-se na presença de sintomas e nível sérico de testos-
terona total abaixo de 300 ng/dL. Conceitualmente, o diagnóstico só pode ser firmado na presença
dessses dois eventos, isto é, os sintomas associados ao teste laboratorial demonstrando níveis de tes-
tosterona abaixo do limite inferior.
Por conta da variação circadiana, prefere-se a dosagem da testosterona no período da manhã,
entre 8 e 10 horas. Dosagem de testosterona livre ou biodisponível deve ser feita se a testosterona to-
tal estiver no limite inferior. É importante avaliar os níveis de gonadotrofinas e prolactina para exclu-
são de hipogonadismo secundário.
228 - Capítulo XVII | Déficit androgênico do envelhecimento masculino

Figura 1 – Organograma diagnóstico para o hipogonadismo masculino

4 Tratamento
O objetivo do tratamento é restaurar os níveis fisiológicos da testosterona com alívio dos sinto-
mas e é denominado terapia de reposição hormonal (TRH). Diversos estudos demonstram que a TRH
está associada com a melhora da sensibilidade à insulina, diminuição da circunferência abdominal,
melhora do padrão lipídico e índice de massa corporal (IMC), da satisfação sexual global, densidade
óssea e da depressão. Não há benefícios da reposição em pacientes com níveis limítrofes.
Há variadas formas de administração da TRH (oral, injetável intramuscular e subcutânea, trans-
dérmica e transmucosa), cada uma com vantagens e desvantagens específicas, devendo o tratamento
ser individualizado para cada paciente. A Tabela 1 resume o tipo de medicação, a via de administra-
ção, a dose e as vantagens e desvantagens para cada forma de tratamento.
José Vinícius de Morais - 229

Tabela 1 – Esquemas de TRH para tratamento da DAEM

Fonte: Autores

Antes de iniciar o tratamento, deve-se realizar avaliação completa do paciente incluindo o toque
retal e o PSA, presença de sintomas urinários com realização de IPSS ou fluxometria, pesquisa apneia
do sono e desejo de paternidade. Devem ser dosados os níveis séricos de testosterona, prolactina,
hematócrito e hemoglobina. Exames auxiliares, porém não obrigatórios, podem ser realizados, incluindo
densitometria óssea, testosterona livre, SHBG, perfil lipídico, função hepática, função tireoidiana e
glicemia.
O seguimento, após início da TRH, é feito a cada 3 meses no primeiro ano e então anual, se não
houver alterações, com avaliações à mesma maneira do pré-tratamento.
A TRH é contraindicada nas seguintes situações: neoplasia maligna da próstata, neoplasia ma-
ligna da mama, prolactinomas, hematócrito maior que 50%, sintomas severos do trato urinário infe-
rior (IPSS > 19), insuficiência cardíaca descompensada e apneia do sono.
230 - Capítulo XVII | Déficit androgênico do envelhecimento masculino

5 Riscos e controvérsias
Pode ocorrer eritrocitose, o que leva a aumento da viscosidade sanguínea, podendo agravar do-
enças cardiovasculares.
Trabalhos demonstram aumento do volume prostático, mas falham em demonstrar piora dos sin-
tomas urinários, tornando o LUTS/STUI severos uma contraindicação relativa.
Em relação à fertilidade, a TRH promove diminuição do tamanho e consistência dos testículos
e da espermatogênese.
TRH não aumenta incidência de neoplasia de próstata. Não há benefícios para disfunção erétil
como monoterapia.
Níveis baixos de testosterona endógena são associados a maiores taxas de mortalidade por do-
enças cardiovasculares. Reposição exógena traz benefícios quanto à isquemia miocárdica, capacida-
de de exercícios e fatores de risco.

Leitura recomendada
PARSONS, J. K. Integrated men’s health: androgen deficiency, cardiovascular risk, and metabolic
syndrome. In: KAVOUSSI, L. R.; PARTIN, A. W.; PETERS, C. A. Campbell-Walsh Urology. 11th
ed. Philadelphia: Elsevier; 2016.
RHODEN, E. L. Deficiência androgênica do envelhecimento masculino (DAEM). In: NARDI, A. C.
et al. Urologia Brasil. São Paulo. Planmark; 2013.
SMITH, J. F. The aging male. In: McANINCH, J. W.; KUE, T. F. Smith & Tanagho’s general Urology.
18th ed. Philadelphia: McGraw-Hill; 2013.
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Capítulo XVIII
Priapismo
Wellington Rodrigues Porciúncula Junior
232 - Capítulo XVIII | Priapismo

Introdução
O termo priapismo tem sua origem no deus grego da fertilidade, Priapus, caracterizado pelo seu
falo gigante. O primeiro caso relatado de priapismo data de 1845, por Tripe, na revista inglesa Lancet.
Por definição, trata-se uma ereção total ou parcial, dolorosa ou indolor que continua por mais
de 4 horas com ou sem estimulação sexual (ereções com duração de até 4 horas são definidas por con-
senso como “prolongadas”).
O priapismo se classifica em três tipos: isquêmico (veno-oclusivo ou de baixo fluxo), recorren-
te (ou intermitente) e não isquêmico (arterial ou de alto fluxo), e serão discutidos em maiores deta-
lhes nos parágrafos seguintes.

1 Considerações gerais

1.1 Priapismo isquêmico (veno-oclusivo ou de baixo fluxo)


O priapismo isquêmico (PI) é o tipo mais frequente e mais descrito na literatura, geralmente ten-
do início após estimulação sexual ou administração de agentes farmacológicos, com incidência va-
riando de 0,34 até 5,3 casos por 100.000 homens/ano.
O PI caracteriza-se por uma ereção persistente dolorosa que não é aliviada mesmo após a eja-
culação ou a tentativa de reversão farmacológica.
Ao exame, é marcado pela rigidez do corpo cavernoso, sem acometimento do corpo esponjoso
e da glande, que não se encontram completamente rígidos. Após 6-8 horas de evolução, o paciente,
tipicamente, relata dor causada pela morte celular consequente ao processo de isquemia dos tecidos
penianos.
Fisiopatologicamente, o que ocorre é a oclusão do retorno venoso peniano com consequente di-
minuição ou cessação de fluxo arterial, que leva à hipóxia, hipercarbia e acidose. A partir de 12 horas
de isquemia já ocorre edema intersticial, destruição progressiva do endotélio sinusoidal, exposição da
membrana basal e aderência de trombócitos. Após 48 horas, trombos podem ser encontrados nos espa-
ços sinusoidais, além de necrose da musculatura lisa e substituição do tecido cavernoso por fibroblastos.
A causa mais frequente de priapismo é idiopática. Seus maiores fatores de risco são as discrasias
sanguíneas (principalmente anemia falciforme) e os principais agentes causais são os agentes facilita-
dores ou indutores da ereção (oral ou intracavernoso) e drogas ilícitas (principalmente a cocaína). As
mais variadas causas de PI estão resumidas na Tabela 1.
Wellington Rodrigues Porciúncula Junior - 233

Tabela 1 – Causas de priapismo isquêmico

Fonte: Autores

Um estudo multicêntrico avaliou 130 portadores de anemia falciforme. A média de idade dos indi-
víduos foi de 25 anos, e o primeiro episódio de priapismo ocorreu antes dos 20 anos em 75% dos casos.
Priapismo iatrogênico é o termo utilizado quando o PI ocorre após o tratamento da disfunção erétil
com injeção intracavernosa, inibidores de fosfodiesterase-5 (sildenafila, tadalafila) ou outras medica-
ções. Entretanto, mesmo sendo uma das principais causas de PI, sua incidência é muito baixa (0,4%).
A taxa de preservação de função erétil depende do tempo de intervenção. Se o tratamento for de-
vidamente instituído, as taxas de preservação da função erétil são de 100% para até 12 horas de evo-
234 - Capítulo XVIII | Priapismo

lução, 78% para 12-24 horas, 44% para 24-36 horas e 0% para evolução maior que 36 horas. Logo, o
PI deve ser tratado como uma emergência urológica.

1.2 Priapismo recorrente (ou intermitente)


É um tipo de PI, caracterizado pelo padrão de recorrência, descrito como ereções dolorosas
indesejadas e recorrentes em portadores de anemia falciforme. Essas ereções geralmente se iniciam na
adolescência e vão se tornando mais prolongadas e frequentes até culminarem com o desenvolvimento de
PI. Os principais fatores precipitantes são ereções noturnas ou matinais, desidratação, febre e exposição
ao frio. Um episódio prévio de priapismo veno-oclusivo é fator de risco para o priapismo intermitente.

1.3 Priapismo não isquêmico (arterial ou de alto fluxo)


Priapismo não isquêmico (PNI) é o tipo menos frequente, caracterizado por aumento de influ-
xo de sangue arterial no corpo cavernoso de modo diferente do fisiológico, isto é, pela dilatação das
artérias cavernosas e helicinais.
Na maioria das vezes, o PNI é causado por trauma peniano contuso ou penetrante, que promove
uma laceração da artéria cavernosa ou de um dos seus ramos (helicinais) culminando com a formação
de uma fístula sinusoidal arterial, que enche os corpos cavernosos sem ocorrer uma dilatação arterial
fisiológica. O sangue rico em oxigênio que entra no corpo cavernoso por essa via alternativa (fístula)
promove uma ereção parcial e não causa isquemia nos tecidos eréteis do pênis.
O trauma contuso perineal com lesão na região crural do pênis é a causa mais comum de fístu-
las sinusoidais com desenvolvimento de PNI. Outros mecanismos incluem traumatismo coital, chutes
no pênis ou períneo, fraturas pélvicas, trauma do canal de parto para o recém-nascido masculino, lace-
rações por punção e complicações de doenças penianas (tumores e infiltração metastática dos corpos
cavernosos). Além disso, existem relatos de PNI após procedimentos endoscópicos como uretrotomia
interna ou cirurgias para correção de curvaturas do pênis.
A ereção geralmente surge após 24 horas do trauma, e clinicamente se apresenta com uma tu-
mescência não rígida, persistente e indolor e, às vezes, pulsátil. Como não ocorre isquemia, o PNI não
se identifica como uma emergência urológica. Pode ser distinguido do isquêmico através de ultrassom
com Doppler para localização da fístula.

1.4 Priapismo em crianças


Priapismo em crianças e adolescentes está mais associado aos portadores de anemia falciforme.
Incidência na literatura varia de 2 a 6%, e a maioria é PI. Em neonato é extremamente raro devido à
presença da hemoglobina fetal. Menos de vinte casos estão descritos na literatura e raramente a cau-
sa é definida. Algumas das possíveis causas são policitemia, transfusão sanguínea e trauma no canal
de parto, sendo a maioria dos casos tratada de forma conservadora.
Wellington Rodrigues Porciúncula Junior - 235

2 Diagnóstico
Inicialmente, é fundamental a distinção entre PI e PNI. Para isso, o médico deve fazer a ana-
mnese dirigida para duração da ereção, presença ou ausência de dor, episódios prévios e método de
tratamento utilizado, função erétil prévia, uso de medicações ou dietas para tratamento de disfunção
erétil, medicações de uso contínuo ou recente, uso de drogas recreacionais ilícitas e antecedentes pa-
tológicos (anemia falciforme, hemoglobinopatias, traumas, manipulação cirúrgica). Além disso, deve
realizar o exame físico, que consiste na inspeção e palpação detalhada da genitália, períneo e abdome,
identificando características de cada tipo de priapismo e suas possíveis causas.
A avaliação inicial laboratorial consiste em hemograma e coagulograma a fim de identificar ane-
mia, infecção ou anormalidades hematológicas, além de servirem como exames pré-operatórios para
intervenções cirúrgicas, se o tratamento inicial falhar. Na suspeita de anemia falciforme, a contagem
de reticulócitos e eletroforese de hemoglobina deve ser solicitada. Em seguida, é recomendada uma
gasometria do sangue aspirado do corpo cavernoso para avaliar o pH e os níveis dos gases sanguíne-
os (pO2 e pCO2). Durante a aspiração deve-se realizar inspeção da cor e consistência do sangue, que
no PI é vermelho escuro característico de sangue pobre em oxigênio, e no PNI é vermelho rutilante
e rico em oxigênio. No PI, a gasometria demonstra valores de pH < 7,25, pCO2 > 60mmHg e pO2 <
30mmHg, condizentes com o processo isquêmico e a acidose metabólica instalados. Já no PNI, os valo-
res são típicos de sangue arterial normal, com pH em torno de 7,4, pCO2 < 40mmHg e pO2 > 90mmHg.
Ultrassom com Doppler colorido (UDC) do pênis e do períneo é recomendado para diferencia-
ção entre PI e PNI, juntamente com a gasometria do aspirado do corpo cavernoso. No PI prolongado,
a artéria cavernosa não apresentará fluxo ao Doppler, mas no PNI o fluxo pode ser normal ou aumen-
tado. Outra indicação do UDC de pênis é avaliar a ereção total ou parcial após o tratamento do PI, a
fim de diferenciar isquemia persistente, conversão para PNI ou edema peniano.
Estudos mais recentes defendem três possíveis papéis para a ressonância magnética na avaliação
do priapismo. Primeiro, documentar a imagem de uma fístula arteriolar-sinusoidal bem estabelecida.
Segundo, demostrar a presença e extensão de trombo cavernoso, bem como infarto da musculatura lisa do
corpo cavernoso. Terceiro, diagnosticar processos malignos do corpo cavernoso (tumores ou metástases).
A arteriografia deve ser reservada para o PNI quando se planeja embolização, visto que se trata
de exame muito invasivo para diagnóstico diferencial.

3 Tratamento
• Ereção prolongada
Essa situação geralmente ocorre após o uso de alprostadil como terapia intracavernosa da dis-
função erétil. O tratamento inicial pode incluir fármacos simpaticomiméticos orais (etilefrina, pseudo-
efedrina, fenilpropanolamina e terbutalina) com taxas de reversão de 28% a 36%, sendo os melhores
resultados obtidos com a terbutalina.
236 - Capítulo XVIII | Priapismo

Na falha do tratamento oral, deve-se proceder com injeção de um agente alfa-adrenérgico no


corpo cavernoso. A importância de reverter a ereção prolongada é evitar a progressão para um qua-
dro isquêmico completo (PI).
• Priapismo isquêmico (PI)
Agentes orais não são recomendados. Inicialmente realiza a descompressão do corpo caverno-
so com punção e aspiração, que alivia a dor e a tumescência. Essa conduta sozinha pode resolver até
36% dos casos. Tecnicamente, a punção deve ser realizada na base do pênis às 3 ou 9 horas (nas la-
terais, evitando lesões de uretra na face ventral e lesões vasculares ou nervosas na face dorsal) com
scalp calibroso.
Não havendo resolução do caso, deve-se iniciar injeção ou irrigação de um agente alfa-adrenérgi-
co. As drogas que podem ser utilizadas são fenilefrina, etilefrina, efedrina, epinefrina, norepinefrina e
metaraminol. Os dados mostram que para todos os pacientes com PI, a resolução ocorreu em 81% dos
casos tratados com adrenalina, 70% com metaraminol, 43% com norepinefrina e 65% com fenilefrina,
sendo a fenilefrina eleita como droga de escolha pelas principais Sociedades Urológicas do mundo.
A fenilefrina é, tipicamente, diluída em solução salina normal até uma concentração de 100 a
200 μg/ml. Em seguida, é aplicada no tecido cavernoso na frequência 1 ml a cada 3-5 minutos durante
uma hora. Os efeitos secundários potenciais dos simpaticomiméticos intracavernosos incluem dor de
cabeça, tonturas, hipertensão, bradicardia reflexa, taquicardia sinusal e ritmos cardíacos irregulares.
Pacientes em uso de inibidores da monoamina oxidase (IMAO) não devem receber simpatomiméticos.
No priapismo associado à anemia falciforme, o urologista deve solicitar consulta hematológica
para auxílio no manejo clínico especializado de meninos e homens, visando o melhor resultado para o
paciente. É importante salientar que o manejo urológico é crucial para o tratamento do PI em pacien-
tes falcêmicos. Um conceito já bem estabelecido é que a terapia hematológica sozinha não é efetiva.
Na falha do tratamento clínico, deve-se iniciar o manejo cirúrgico o mais precocemente pos-
sível, sendo este fundamentado na confecção de uma fístula ou shunt arteriovenoso. O objetivo des-
se procedimento é reoxigenar a musculatura lisa do corpo cavernoso, e pode ser realizada através de
uma comunicação entre glande, corpo esponjoso, veia dorsal ou veia safena com corpo cavernoso,
para que ocorra a drenagem do sangue não oxigenado retido. Existem várias técnicas que vão de dis-
tal para proximal. Técnicas distais são as de escolha para o primeiro tratamento cirúrgico devido à
maior facilidade técnica e menor incidência de efeitos colaterais. São exemplos de shunts penianos:
o Shunts percutâneos distais – Ebbehoj, Winter e T-shunt;
o Shunts distais abertos – Al-Ghorab e corporal snake;
o Shunts proximais abertos – Quackles e Sacher;
o Fístula com veia safena – Grayhack;
o Shunt com a veia dorsal profunda – Barry.
Wellington Rodrigues Porciúncula Junior - 237

Após a realização do shunt, deve-se verificar seu sucesso através da avaliação da evacuação
bem-sucedida do trombo, do restabelecimento do fluxo cavernoso e da permeabilidade do shunt.
Complicações de derivação incluem edema peniano, hematoma, infecção, fístula uretral, necrose pe-
niana e embolia pulmonar, além de fechamento precoce do shunt.
Infelizmente, se não houver resolução do quadro com essas medidas, a história natural do pria-
pismo isquêmico é a completa disfunção erétil, cujo manejo se faz com implante de prótese peniana
que pode ser imediata ou tardia. A primeira (imediata) possui maiores taxas de complicações, porém
cursa com maiores índices de satisfação sexual devido à manutenção do comprimento do pênis. A se-
gunda (tardia), apesar de taxas menores de complicações, a cirurgia é tecnicamente desafiadora de-
vido ao intenso processo fibrótico cavernoso. Além disso, a satisfação sexual é menor porque ocorre
encurtamento peniano.
A despeito do tratamento cirúrgico correto, PI muito prolongado e > 48 horas cursa com baixas
taxas de sucesso, independentemente do procedimento realizado. Nesses casos, a indicação de próte-
se peniana (precoce ou tardia) é imperativa.
• Priapismo recorrente
Múltiplas opções de tratamento foram descritas: agonistas α-adrenérgicos orais e injetáveis, ter-
butalina, digoxina, hidroxicarbamida (hidroxiureia), estrógenos, análogos do hormônio de liberação de
gonadotrofina (GnRH), antiandrogênios, baclofeno, gabapentina e recentemente inibidores de PDE-5.
Todas essas estratégias visam diminuir as ereções, principalmente as noturnas.
• Priapismo não isquêmico (PNI)
Não é uma urgência urológica. A resolução espontânea pode ocorrer em mais de 60% dos ca-
sos. Não há impacto na função erétil. Não há estudos comparativos entre manejo conservador versus
intervenção. Pacientes que necessitam de tratamento precoce podem ser beneficiados por emboliza-
ção arterial, que é feita pela cateterização da artéria pudenda interna. Deve-se optar por agentes em-
bolizantes solúveis para diminuir o risco de disfunção erétil. As taxas de sucesso variam de 89 a 100%
independente do material utilizado. Função erétil normal é reportado em 75 a 86% dos pacientes e a
taxa de recorrência é de 30%.
Outra opção é a ligadura cirúrgica da fístula. Atualmente, essa intervenção é reservada para pa-
cientes que não desejam uma terapia expectante ou aqueles que não são candidatos ou que recusam
a angioembolização. Além disso, é adequado para pacientes em locais sem maiores recursos e para
aqueles onde a angioembolização não foi efetiva.

Leitura recomendada
BENNETT, N.; MULHALL, J. Sickle cell disease status and outcomes of African-American men pre-
senting with priapism. J Sex Med, v. 5, n. 5, May 2008. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.
gov/pubmed/18312286>. Acesso em: 01 mar. 2018.
238 - Capítulo XVIII | Priapismo

HUDNALL, M.; REED-MALDONADO, A. B.; LUE, T. F. Advances in the understanding of pria-


pism. Transl Androl Urol., v. 6, n. 2, Apr. 2017. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pub-
med/28540227>. Acesso em: 01 mar. 2018.
KIRKHAM, A. P et al. MR imaging of nonmalignant penile lesions. Radiographics. v. 28, n. 3, May-
June 2008. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18480487>. Acesso em: 01 mar.
2018.
PRYOR, J. et al. Priapism. J Sex Med, v. 1, n. 1, July. 2004. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.
nih.gov/pubmed/16422992>. Acesso em: 01 mar. 2018.
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Capítulo XIX
Incontinência urinária
Jose Carlos Losito Paiva da Fonseca Junior
240 - Capítulo XIX | Incontinência urinária

Introdução
A Sociedade Internacional de Incontinência Urinária (ICS) define incontinência urinária como
qualquer perda involuntária de urina.
Existem vários tipos de incontinência urinária (IU), mas, basicamente, os mais importantes são
consequentes (1) ao aumento da pressão intravesical por esforço e (2) aumento das contrações invo-
luntárias da bexiga. Esses tipos de IU ocorrem praticamente em mulheres.
IU secundária aos esforços (IUE) existe quando ocorre um aumento da pressão abdomninal e
intravesical ao tossir, espirrar, ou quando a mulher realiza atividades físicas, associada a um déficit
funcional ou estrutural do esfíncter uretral.
IU relacionada ao aumento das contrações involuntárias da bexiga (hiperatividade vesical) ocor-
re quando a musculatura contrátil da bexiga (detrusor) se contrai mesmo quando a bexiga não está
repleta, ou seja, fora da hora em que ela deveria contrair de maneira fisiológica. A hiperatividade de-
trusora pode ter origem neurológica (problemas neurológicos que impedem o funcionamento vesical
normal) ou idiopática, sendo esta última mais comum. Essas perdas geralmente são acompanhadas de
sintomas de armazenamento (urgência e/ou incontinência de urgência).
Além desses dois tipos descritos acima, existem outros dois tipos menos comuns: a IU por trans-
bortamento e a IU verdadeira. A primeira será discutida adiante (veja Incontinência Urinária Masculina,
neste capítulo).
A segunda é consequente à uma comunicação anômala entre a via urinária e outro órgão oco (mais
comum é a vagina, mas pode também ser o útero, o intestino delgado e o intestino grosso), ocasionan-
do as perdas. Essa comunicação anômala pode ser provocada por defeito congênito (ureter ectópico na
mulher, por exemplo) ou por fístulas entre a bexiga e a vagina, útero ou intestinos (fístula vesicovaginal,
vesicouterina e vesicointestinal, respectivamente) ou entre o ureter e a vagina (fístula uretero-vaginal).
O quadro de IU existe em ambos os sexos, e causa grande impacto na qualidade de vida dos seus
portadores, afetando o convívio social, familiar e sexual.
Abaixo serão comentadas as causas mais comuns de IU, estratificado-as por sexo e fisiopatologia.

1 Incontinência urinária de esforço feminina


A prevalência da IU de esforço (IUE) em mulheres de 45-60 anos varia de 25-35%, podendo
chegar a 40-80% na população de idosas acima de 60 anos. Sendo assim, fica claro que o avanço da
idade é um dos mecanismos principais envolvidos na fisiopatologia da afecção, por comprometimen-
to da musculatura e da integridade do assoalho pélvico. Classicamente, a hipermobilidade do colo
vesical e a insuficiência uretral esfincteriana são as causas da IUE. Outros fatores importantes são a
multiparidade (partos normais), peso corporal (IMC elevado), alterações do colágeno, atrofia da mu-
cosa vaginal (menopausa), alterações neurológicas (que comprometa o funcionamento adequado do
esfíncter uretral), e algumas vezes o fator iatrogênico.
Jose Carlos Losito Paiva da Fonseca Junior - 241

O assoalho pélvico é a estrutura de sustentação dos órgãos pélvicos e a estabilidade das relações
entre os órgãos previnem a IUE. Quando há um aumento da pressão abdominal por esforço, essa for-
ça é transmitida diretamente para a região pélvica. Se existir, ao mesmo tempo, um comprometimen-
to do suporte uretral facilitando a hipermobilidade, o ângulo uretro-vesical fica mais obtuso e permite
a perda urinária.
Na anamnese, devem ser investigadas as características da IUE, incluindo a quantidade de for-
ros usados, antecedentes cirúrgicos ginecológicos, obstétricos e o estado hormonal.
Uma ferramenta fundamental para avaliação da IU de qualquer tipo é o diário miccional. Trata-
se de um questionário preenchido pelo próprio paciente com questões diretas como: volume urinado,
quantidade de micções e pontuação das queixas subjetivas em sinais de “+”, como por exemplo po-
laciúria, noctúria e urgência miccional. Com essas informações podemos suspeitar de IUE pura (ge-
nuína) ou associada à incontinência urinária de urgência (IU mista, que será discutido mais adiante).
IU mista possui os 2 mecanismos fisiopatológicos da IUE (hipermobilidade da uretra/colo vesical e
hiperatividade detrusora), podendo ocorrer em até 30% dos casos.
O exame físico nos dá informações importantes para o planejamento terapêutico, como o nível
de estrogenização da mucosa, presença de prolapsos e a avaliação dinâmica durante manobras de es-
forço para caracterizar a perda urinária. O exame neuro-urológico pode avaliar a sensibilidade peri-
neal, reflexo das últimas raízes sacrais e tônus muscular.
A avaliação urodinâmica (ou estudo urodinâmico) é o padrão-ouro na avaliação de qualquer IU.
Considerando a IUE, a medida de pressão de perda aos esforços (PPe) medido na fase cistométrica
durante as manobras de esforço (Valsalva), é o principal parâmetro para o planejamento do tratamen-
to. Perdas com pressões baixas são caracterizadas por perdas constantes e de grande volume, enquan-
to perdas com pressões mais elevadas são mais comuns em pacientes menos sintomáticos. O papel
do estudo urodinâmico já foi amplamente debatido por conta de algumas inconsistências de resulta-
dos que avaliavam as reais vantagens de se realizar o exame previamente ao tratamento da IUE, mas
parece óbvio que, por ser a única maneira de se avaliar a fisiologia da micção, o exame seja uma in-
dicação adequada na avaliação da contração vesical, da hiperatividade vesical (que pode comprome-
ter seu resultado ao final do tratamento – incontinência urinária mista), associação com incontinência
urinária oculta nos casos de grandes prolapsos (distopias vaginais), e no diagnóstico diferencial com
patologias neurológicas.
De modo bem direto e didático, os valores de PPe no estudo urodinâmico são assim interpretados:
• PPe < 60 cmH2O – IUE esfincteriana por lesão ou insuficiência do mecanismo esfincteriano.
• PPe > 90 cmH2O – IUE anatômica por hipermobilidade da junção uretro-vesical.
• Valores intermediários (entre 60 e 90) devem ser interpretados com auxílio de informações
clínicas relativas à anamnese e exame físico.
242 - Capítulo XIX | Incontinência urinária

O tratamento da IUE se divide em fisioterápico, medicamentoso e cirúrgico. A fisioterapia do


assoalho pélvico visa a reabilitação muscular, para melhor sustentação das estruturas dos órgãos pél-
vicos. As técnicas de cinesioterapia e biofeedback, com auxílio de eletroestimulação e cones vagi-
nais, são bem indicadas na abordagem inicial da IUE leve e moderada (perdas com elevadas pressões
vesicais). O tratamento farmacológico é feito com medicamentos que tem como objetivo aumentar
o tônus da musculatura lisa uretral. Drogas com efeitos adrenérgicos podem auxiliar na elevação da
pressão de fechamento do esfíncter uretral (efedrina e fenilpropanolamina, por exemplo), porém esse
tipo de tratamento tem resultados muito ruins e com efeitos colaterais importantes por serem pouco
seletivos, não sendo utilizados na prática clínica. O uso de antidepressivos também já foi descrito mas
não teve resposta satisfatória.
Cirurgia é o melhor tratamento para a IUE e tem como objetivo a reconstituição anatômica do
suporte do colo vesical e da uretra, garantindo a continência urinária durante o aumento da pressão
abdominal. As técnicas cirúrgicas convencionais mais usadas são: Kelly-Kenedy, Marshal-Machetti-
Krantz (MMK) e a de Burch, todas com objetivo de sustentação uretral e correção da mobilidade do
colo vesical. Outra técnica utilizada é o Sling de uretra média, uma faixa para suporte uretral em forma
de “U”, inserida cirurgicamente sob a uretra média. Os avanços tecnológicos de materiais sintéticos
associados à simplicidade, fácil reprodutibilidade e altas taxas de sucesso do procedimento cirúrgico,
os Slings se popularizaram e hoje são o tratamento de escolha para IUE. Tecnicamente, eles podem
ser implantados pela via retro-púbica (TVT) ou transobturatória (TOT), com taxas de sucesso seme-
lhante. Também já foram descritas técnicas de injeções suburetrais de colágeno, e outros materiais de
preenchimento, mas com baixos índices de continência.

2 Incontinência urinária por hiperatividade detrusora


Classicamente a incontinência de urgência é causada pela síndrome clínica caracterizada por ur-
gência, perda urinária involuntária, aumento da frequência miccional diurna e noctúria. Esse grupo de
sintomas é chamado de bexiga hiperativa (BHA) e pode acometer ambos os sexos, mais comumente a
partir da sexta década de vida. As causas de hiperatividade detrusora estão demonstradas na Tabela 1.
Quando a hiperatividade detrusora é consequente a um dano neurológico, ela é chamada de be-
xiga hiperativa neurogênica (ou hiperatividade detrusora neurogênica). Nos pacientes sem neuropatias,
quando existe alguma alteração no armazenamento e esvaziamento vesical causando hiperatividade
do detrusor, é considerada bexiga hiperativa não neurogênica (ou hiperatividade detrusora não neu-
rogênica, ou apenas BHA). Sua origem é multifatorial e pode atrasar o diagnóstico, que, às vezes, é
realizado por exclusão, podendo ter origem idiopática. O entendimento da fisiopatologia da bexiga
hiperativa exige conhecimento básico da neuroanatomia e fisiologia da micção (veja os capítulos per-
tinentes). De forma bem sucinta, o grupo de conexões envolve uma extensa rede localizada desde o
cérebro, medula até gânglios periféricos. O sistema parassimpático sacral promove contração vesical
e estímulo inibitório no esfíncter uretral enquanto que o sistema simpático fornece estímulo excitató-
Jose Carlos Losito Paiva da Fonseca Junior - 243

rio para colo vesical e esfíncter. No cérebro, o centro pontino da micção gere as informações vindas
dos estímulos neurais de repleção vesical e coordena o controle da contenção urinária e da micção por
impulsos descendentes até o núcleo sacral.
O diagnóstico é fundamentalmente clínico e o diário miccional tem fator importante na carac-
terização do quadro. Porém, deve-se sempre explorar ao máximo a anamnese, na hipótese de outros
diagnósticos como infecções urinárias, litíase, tumores e alterações anatômicas.
O estudo urodinâmico é de relevância na avaliação do paciente com bexiga hiperativa, princi-
palmente naqueles que apresentam dano neurológico. Está bem indicado nos pacientes que são refra-
tários a algum tipo de tratamento inicial ou na mudança estratégica da terapêutica, como por exemplo,
o tratamento cirúrgico. Deve-se considerar que em pacientes com o quadro evidente de bexiga hipe-
rativa, a hiperatividade pode não ser demonstrada em 15-40% dos casos durante a fase cistométrica
do estudo urodinâmico.

Tabela 1 – Causas de hiperatividade do detrusor

Fonte: Autores
244 - Capítulo XIX | Incontinência urinária

O tratamento medicamentoso utiliza fármacos com propriedades anticolinérgicas para o controle


parassimpático (inibição) da contração vesical. Substâncias como oxibutinina, solifenacina, tolterodi-
na e a dariferacina fazem o bloqueio dos receptores muscarínicos (principalmente M2 e M3) inter-
rompendo a ação da acetilcolina na musculatura vesical e o relaxamento da musculatura detrusora.
As medicações variam em nível de seletividade dos receptores para diminuir efeitos colaterais
como boca seca e constipação intestinal, e são contraindicadas em pacientes com glaucoma de ângu-
lo fechado.
A fisioterapia pélvica, assim como na IUE, também tem um papel benéfico por aumentar o tô-
nus muscular de todo o assoalho pélvico e as chances de inibir as contrações involuntárias que geram
o desconforto.
A toxina botulínica pode ser usada em quadros refratários à medicação oral, utilizando o princípio
de paralização da musculatura induzida pela substância. As doses podem variar de acordo com a gravi-
dade da hiperatividade (de 100 a 300 unidades), com doses maiores nos casos de bexiga neurogênica.
A neuromodulação sacral tem bons resultados, porém, devido ao custo elevado, é um método
pouco difundido. Consiste no implante percutâneo de um eletrodo na raiz sacral (S3), que funciona
como um marcapasso vesical, podendo ser uma alternativa ao tratamento clínico refratário, e menos
invasivo que uma cirurgia de ampliação vesical (enterocistoplastia).
O tratamento cirúrgico da bexiga hiperativa é indicado quando existe comprometimento irrever-
sível do órgão, com prejuízo de função renal por aumento de pressão intravesical e do trato urinário
alto. Tem como objetivo aumentar a complacência vesical para armazenar a urina em baixas pressões
(< 40 cmH2O), diminuindo o risco de refluxo vesicoureteral e dano do trato urinário superior.

3 Incontinência urinária masculina


A prevalência de IU em homens é muito menos significativa em relação às mulheres, variando
de 3-11%. A incontinência de urgência é responsável por 40-80% dos casos, seguida pela IU mista
(10-30%) e perda aos esforços (menos de 10%).
A IU por incontinência de urgência tem como etiologia principal a hiperatividade detrusora.
Doenças neurológicas degenerativas (Parkinson, por exemplo), acidente vascular cerebral e trauma
raquimedular danificam o controle neurológico vesicoesfincteriano causando contrações involuntárias
do detrusor e incontinência urinária. O comprometimento estrutural do músculo do detrusor na obs-
trução infravesical descompensada de longa data diminui a complacência vesical, culminando com
sintomas urinários de armazenamento até perdas involuntárias. A causa mais comum de obstrução in-
fravesical é a HPB ou qualquer outro obstáculo que prejudique a permeabilidade uretral e a elimina-
ção de urina para o meio externo.
A IU por transbordamento deve sempre ser lembrada, principalmente em homens idosos. Ela
ocorre quase sempre em homens com quadros de obstrução infravesical causados por HPB, onde o
Jose Carlos Losito Paiva da Fonseca Junior - 245

aumento da resistência uretral (componente estático) promovido pelo crescimento do adenoma pros-
tático obstrui a uretra prostática, danificando a bexiga. Nessa situação, quando a bexiga está comple-
tamente repleta de urina, qualquer volume extra de urina que porventura chegar até ela aumentará a
pressão de modo suficiente para vencer a pressão de fechamento do esfíncter urinário, provocando as
perdas. Esses conceitos definem um quadro de incontinência por transbordamento.
Na população masculina, a causa iatrogênica de IU é um fato relevante, porque trata-se de uma
complicação cirúrgica. IU iatrogênica está geralmente associada ao tratamento cirúrgico do câncer
de próstata (PTR), por lesão esfincteriana. Tem uma incidência que varia de 2 a 57%, dependendo da
forma com que cada estudo define IU através da quantidade de forros diários utilizados. A ressecção
endoscópica da próstata para o tratamento da HPB tem até 1% de chance de lesão de esfíncter uretral.
O tratamento da bexiga neurogênica, como já discutido anteriormente pode ser realizado com
medicamentos anticolinérgicos, fisioterapia, neuromodulação, uso de toxina botulínica e até tratamen-
to cirúrgico de ampliação vesical.
No caso da obstrução infravesical, a correção da patologia de base é fundamental. O tratamento da
HPB vai depender inicialmente da resposta aos medicamentos, da avaliação clínica ou de outras alterações
associadas para a indicação do tratamento cirúrgico (ressecção endoscópica ou cirurgia convencional).
Para maiores detalhes sobre o manejo clínico e cirúrgico da HPB, consulte o capítulo pertinente.
No caso de outras obstruções mecânicas como, por exemplo, estenose de uretra ou estenose de
meato uretral, o tratamento deve ser sempre cirúrgico. É importante nesses casos alertar o paciente
que, após o procedimento, a perda urinária em um primeiro momento pode piorar por conta da menor
resistência uretral nos episódios de hiperatividade vesical. Isso pode ser mais bem estudado com
parâmetros urodinâmicos prévios à indicação cirúrgica, melhorando a relação de confiança entre
médico e paciente.
Inúmeras técnicas cirúrgicas já foram descritas propondo o tratamento da IU masculina iatro-
gênica, todas elas com o objetivo de criar uma nova válvula uretral. São elas: injeções e balões pe-
riuretrais e Slings masculinos, todos com o objetivo de promover a compressão extrínseca da uretra.
A técnica com melhores resultados hoje em dia é o implante de esfíncter artificial com dispositivo de
válvula que é posicionado em volta do corpo esponjoso, e acionado quando ocorre o desejo miccio-
nal por repleção vesical. A taxa de satisfação pode chegar a 90% dos casos.

Leitura recomendada
KOBASHI, K. C. et al. Surgical Treatment of Female Stress Urinary Incontinence: AUA/SUFU
Guideline. J. Urol., 198(4), Oct. 2017. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pub-
med/28625508>. Acesso em: 03 srt. 2018.
THÜROFF, Joachim W. et al. EAU Guidelines on urinary incontinence. European Urology, v. 59,
2011p. 387–400. Disponível em: <https://uroweb.org/wp-content/uploads/EurUrolarticle_31012011.
pdf>. Acesso em: 03 set. 2018.
246 - Capítulo XIX | Incontinência urinária

WEIN, Alan J. et al. Campbell-Walsh urology: evaluation and management of women with urinary in-
continence and pelvic prolapse. 11th ed edition review. Philadelphia : Saunders, 2015. Disponível em:
<http://booksite.elsevier.com/Wein/CampbellWalsh11e/videos/ch_071.php>. Acesso em: 03 set. 2018.
WEIN, Alan J. et al. Campbell-Walsh urology: evaluation and management of men with urinary in-
continence. 11th ed edition review. Philadelphia : Saunders, 2015.
WEIN, Alan J. et al. Campbell-Walsh urology: urodynamic and video-urodynamic evaluation of the
lower urinary tract. 11th ed edition review. Philadelphia : Saunders, 2015. Disponível em: <http://
booksite.elsevier.com/Wein/CampbellWalsh11e/videos/videos.php>. Acesso em: 03 set. 2018.
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Capítulo XX
Urgências urológicas não traumáticas
Octavio Henrique Arcos Campos
248 - Capítulo XX | Urgências urológicas não traumáticas

Escroto agudo
O escroto agudo se refere ao surgimento dos sintomas: dor local, edema (aumento do testículo)
e dor à palpação do escroto. Não existe, por definição, um tempo de início dos sintomas para caracte-
rização do escroto agudo. Normalmente, o escroto agudo tem início súbito com evolução em poucas
horas. Existem inúmeros diagnósticos diferenciais e a sobreposição de alguns sintomas pode dificul-
tar o diagnóstico definitivo.
Sob o ponto de vista epidemiológico, o escroto agudo corresponde a 0,5% dos atendimentos em
unidades de pronto-atendimento, sendo as causas mais frequentes: torção de testículo, torção de hidá-
tides de Morgagni, orquite/orquiepididimite, hidrocele infectada/abscesso testicular, hérnia encarce-
rada, púrpura de Henoch-Schöenlein e trauma.
As causas mais comuns na população pediátrica são: torção de apêndice testicular (40-60%),
torção de cordão espermático (20-30%) e orquiepididimite (5-15%). Na população adolescente/adul-
ta estas porcentagens variam (mas continuam sendo as três principais causas de escroto agudo), onde
torção do cordão espermático (de testículo) incide com maior incidência, seguida da torção de apên-
dice testicular (hidátide de Morgagni) e orquiepididimite.
Na Tabela 1 estão os principais diagnósticos diferenciais de escroto agudo, que devem sempre
estar em mente quando se avalia um paciente apresentando escroto agudo.

1 Torção de cordão espermático (torção de testículo)


A bolsa testicular, anatomicamente, divide-se em sete camadas, sendo denominadas da mais ex-
terna para a mais interna em: pele, túnica Dartos, fáscia espermática externa, fáscia cremastérica, fáscia
espermática interna, túnica vaginal (subdividida em parietal e visceral) e túnica albugínea (Figura 1).
A torção de testículo se classifica em extravaginal e intravaginal, sendo a primeira (extravagi-
nal) menos comum, típica de recém-nascidos, envolvendo estruturas além da túnica vaginal parie-
tal (Figura 2). A segunda (intravaginal) é muito mais comum, típica de adolescentes, e está associada
a uma anomalia das estruturas testiculares (descrita a seguir). Por conta dessas características e pelo
fato de representar quase a totalidade dos eventos isquêmicos testiculares, a torção intra-vaginal será
o foco dessa discussão.
Octavio Henrique Arcos Campos - 249

Figura 1 – Estruturas anatômicas do escroto

1.1 Torção intra-vaginal


É comumente atribuída ao excesso de mobilidade testicular pela deformidade em “badalo de
sino” na qual a túnica vaginal é fixada proximalmente no cordão espermático (implantação alta),
facilitando o giro do testículo e cordão espermático sobre o próprio eixo (Figura 2). Existe evidência
de predisposição familiar. O fator desencadeante da torção é desconhecido, mas variações térmicas,
criptorquidia, reflexo cremastérico, rápido crescimento testicular na puberdade e ciclo sono-vigília
estão relacionados.
250 - Capítulo XX | Urgências urológicas não traumáticas

Figura 2 – Figura da esquerda – A: torção extravaginal; B: torção intravaginal. Note que a torção intravaginal ocorre a
partir da túnica vaginal visceral, mantendo íntegras as demais estruturas a partir da túnica vaginal parietal. Figura da direita
– Anomalia em badalo de sino. Note o implante alto da túnica vaginal (estrutura em azul), indicado pelas setas vermelhas

1.2 Apresentação clínica


Pode ocorrer em qualquer faixa etária, principalmente entre 12 e 16 anos. A prevalência é de 1
em 4.000 homens com predomínio à esquerda e raramente bilateral. O principal sintoma é dor testi-
cular de intensidade variável. O vômito está presente entre 10% e 60% dos casos. Edema e eritema
testicular dependem da duração e grau de torção. Os sinais mais comuns são dor e endurecimento à
palpação testicular, horizontalização do testículo (Sinal de Angell positivo – Figura 3), testículo ele-
vado na bolsa testicular (Sinal de Brunzel positivo – Figura 3), ausência de reflexo cremastérico (Sinal
de Rabinowitz positivo) e não melhora da dor com elevação manual do testículo (Sinal de Prehn ne-
gativo). Nenhum dos sinais descritos é patognomônico de torção de cordão. Entretanto, uma histó-
ria condizente e exame físico compatível é suficiente para justificar exploração cirúrgica do escroto.
Octavio Henrique Arcos Campos - 251

Tabela 1 – Diagnósticos diferenciais de escroto agudo

Fonte: Autores
252 - Capítulo XX | Urgências urológicas não traumáticas

1.3 Exames complementares


Urina I é um exame limitado, porém válido em diagnósticos diferenciais como ITU e litíase ure-
teral. Antes do advento de um exame rápido e confiável, a exploração cirúrgica era rotina. O ultrassom
testicular com Doppler mudou este paradigma. Ausência de fluxo sanguíneo intratesticular apresenta
uma sensibilidade de 86%, especificidade de 100% e uma acurácia de 97% no diagnóstico de torção
de cordão. Outro sinal ultrassonográfico sugestivo de torção é a visualização direta do cordão torci-
do em “forma de caracol”. A cintilografia testicular apresenta uma sensibilidade e especificidade em
torno de 90%. Entretanto, a baixa disponibilidade e uso de radiação tornou o exame praticamente ex-
tinto na prática clínica moderna.

Figura 3 – Paciente com quadro de escroto agudo há 4 horas. Sinal de Angell e Brunzel positivos

1.4 Manejo e tratamento cirúrgico


A torção de testículo é uma verdadeira emergência cirúrgica, pois a viabilidade testicular é in-
versamente proporcional ao tempo de torção. Uma série de casos com 1140 pacientes mostrou que o
risco de orquiectomia em relação ao tempo de início da dor é: 5% (0-6h), 20% (7-14h), 40% (13-18h),
60% (19-24h), 80% (>24h) e 90% (>48h). A diferença no grau da torção ajuda a explicar a variabili-
dade dos dados. A destorção manual em sentido lateral pode ser realizada, porém não deve atrasar e
muito menos adiar a exploração cirúrgica. Em 33% dos casos a torção se dá lateralmente, o que difi-
culta sua identificação na tentativa de destorção manual.
Octavio Henrique Arcos Campos - 253

Existem duas formas de abordar um escroto agudo. A mais agressiva consiste em explorar todos
os meninos com suspeita de torção para confirmar a ausência da mesma, o que levaria a um núme-
ro exagerado de cirurgias desnecessárias. A forma mais conservadora e indicada atualmente é aquela
baseada em história clínica, exame físico e ultrassom com Doppler, porque, através desses métodos, o
diagnóstico torna-se mais acurado e o tratamento cirúrgico indicado de modo mais acertado. Em caso
de persistência da suspeita clínica, a abordagem cirúrgica é sempre recomendada.
O tratamento cirúrgico clássico é por via escrotal. O testículo acometido deve ser destorcido e
coberto por uma compressa úmida aquecida. Enquanto se espera para observar a viabilidade do mes-
mo, através da coloração e perfusão, o testículo contralateral deve sempre ser fixado (orquidopexia)
com fio inabsorvível para evitar torção metacrônica. Após este tempo cirúrgico, decide-se por preser-
vação e fixação do testículo doente, ou orquiectomia, caso ele não esteja viável (Figura 4).
O impacto na fertilidade é pouco conhecido devido à dificuldade de acompanhamento destes
pacientes. A hipótese de lesão do testículo contralateral por autoanticorpos já foi refutada em diversos
estudos.

Figura 4 – A: Testículo destorcido após 4h de torção e embebido em soro morno. É possível observar a viabilidade
testicular pela recuperação gradual da coloração e perfusão testicular. B: Produto de orquiectomia após 24h de
torção. Note o testículo com áreas necróticas e a ruptura da túnica albugínea com exposição do parênquima
testicular por síndrome compartimental intra-testicular
254 - Capítulo XX | Urgências urológicas não traumáticas

1.5 Torção intra-vaginal intermitente


Episódios de dor testicular aguda, autolimitados, durando minutos ou até horas precedem a tor-
ção em 30-50% dos pacientes. O diagnóstico é difícil pois muitas vezes é confundido com torção de
apêndice ou orquiepididimite. A alta suspeita clínica é suficiente para o diagnóstico, a não ser que o
paciente seja examinado na crise, facilitando o diagnóstico. O tratamento definitivo é a orquidope-
xia bilateral.

2 Torção extra-vaginal
Típico do período perinatal, pode ocorrer antes, durante ou no pós-parto. Ocorre antes da fixa-
ção da túnica vaginal e Dartos no escroto. A incidência estimada é de 6,1 para cada 100.000 nascimen-
tos. Fatores de risco como alto peso ao nascimento e trabalho de parto difícil não foram confirmados.
Ultrassom pré e pós-natal podem ajudar, mas nem sempre confirmam o diagnóstico. A conduta na
torção perinatal é controversa. Um manejo seria exploração eletiva devido à baixa probabilidade de
salvar o testículo e alto risco anestésico. Outros grupos defendem exploração imediata com fixação
(pexia) do testículo contralateral. Caso a torção seja pós-natal, o manejo é o mesmo da torção intra-
-vaginal, com exploração imediata e pexia contralateral.

3 Torção de apêndice testicular e apêndice epididimal


Torção de apêndice é a causa mais comum de escroto agudo em crianças pré-puberes. O apêndi-
ce testicular/epididimal, também conhecido como hidátide de Morgagni, é um resquício embriológico
do ducto de Müller sem função conhecida. A causa da torção é desconhecida mas pode estar relacio-
nada à anatomia, trauma ou crescimento pré-puberal. Apesar de poder ocorrer em qualquer idade, o
pico de incidência está entre 7 e 12 anos. Os sintomas são de escroto agudo com surgimento abrupto
de dor testicular com intensidade variável, dependendo da resposta inflamatória e do tempo de torção.
O sinal clínico clássico é o “blue dot”, que se traduz pela presença de um ponto escurecido observa-
do através da pele da bolsa testicular, no polo superior do testículo. Este ponto representa o apêndice
isquêmico, e está presente em 0% a 52% dos pacientes. No exame físico precoce, o examinador e ca-
paz de palpar um nódulo endurecido e doloroso, porém com a progressão da inflamação este nódulo
se confunde com todo o testículo.
O ultrassom raramente evidencia o apêndice anormal, mas sim uma hiperperfusão (aumento do
fluxo sanguíneo) no epidídimo.
A torção do apêndice é um processo autolimitado e por isto raramente necessita de exploração
cirúrgica. O tratamento é baseado em repouso, compressa fria e anti-inflamatório. A abordagem cirúr-
gica é reservada para suspeita de torção de cordão espermático (testicular) ou dor severa e prolongada.
Octavio Henrique Arcos Campos - 255

4 Orquiepididimite
Orquiepididimite, de causa infecciosa ou não, é uma categoria muito ampla de causas de escro-
to agudo de incidência não definida. Classicamente, o início dos sintomas é insidioso (mas pode ser
agudo), podendo estar associado com sintomas sistêmicos (febre e prostração). Existe associação com
ITU, secreção uretral, IST, cateterismo intermitente, disfunção miccional ou anomalias congênitas.
Causada geralmente por via ascendente. No exame físico, existe um aumento do epidídimo e/ou tes-
tículo, além de reflexo cremastérico preservado. Bacteriúria está associada em 20-40% dos casos. O
diagnóstico é confirmado por ultrassom com Doppler, que evidencia aumento do volume testicular e
do fluxo sanguíneo (Figura 5).

Figura 5 – US com Doppler colorido da bolsa escrotal. Observe o testículo esquerdo (*) com fluxo sanguíneo
normal e o direito com volume de fluxo sanguíneo aumentando, caracterizando a orquiepididimite

O tratamento depende da etiologia, que pode variar de acordo com a idade. Anti-inflamatórios,
repouso e elevação do testículo são tratamentos iniciais. Na infância, os agentes virais, como caxum-
ba ou vírus caxumba-like são os principais agentes. Clamídia e gonococos são causas frequentes em
jovens sexualmente ativos. Por ser área endêmica de tuberculose, esta deve sempre ser considerada
como diagnóstico diferencial. Em homens acima de 35 anos, a infecção bacteriana por Gram-negativos
(E. coli, por exemplo) é o mais comum.
256 - Capítulo XX | Urgências urológicas não traumáticas

5 Outras causas de dor testicular aguda

5.1 Gangrena de fournier


A gangrene de Fournier, também conhecida como fasceíte necrotizante, costuma ser mais co-
mum em pacientes imunocomprometidos, ocorrendo principalmente em diabéticos, etilistas e obe-
sos. Trata-se de uma infecção multibacteriana grave que evolui rapidamente para sepse com risco de
morte. Sua progressão é rápida (2-3 mm/hora) e pode se disseminar superficialmente pela fáscia de
Colles (para o períneo), Buck (para o pênis), Dartos (para o escroto) e Scarpa (para abdome). O tra-
tamento deve ser agressivo e instituído o mais precocemente possível, incluindo hidratação vigorosa,
antibioticoterapia de amplo espectro e desbridamento cirúrgico extenso.

5.2 Edema escrotal idiopático


Edema local com pouca ou nenhuma dor, possivelmente de origem alérgica. Não é necessário
tratamento específico, mas anti-histamínicos podem ser utilizados.

5.3 Purpura de henoch-schönlein


É uma vasculite sistêmica que afeta pele, articulações, trato gastro-intestinal e rins. O escroto
está envolvido em 2-38% dos casos, apresentando-se com dor, edema, infarto, trombose ou torção. O
rash cutâneo típico é de manchas elevadas na pele, que não desaparecem com a pressão digital. A ex-
ploração cirúrgica é recomendada se não for possível excluir torção de cordão concomitante.
Displasia cística da rede testis
Apresentação clínica com dor e edema testicular. A causa é o desenvolvimento anormal do Ducto de
Wolff. O ultrassom revela múltiplos pequenos cistos. O tratamento consiste em enucleação conservadora.

6 Retenção urinária aguda


Retenção urinária aguda (RUA) é um quadro súbito e geralmente muito doloroso caracterizado
pela incapacidade de o paciente realizar micção voluntária apesar da bexiga estar repleta de urina. É
provavelmente a emergência urológica mais comum.
Em estudos de coorte, a incidência de RUA na população varia a depender da prevalência de
HPB e da idade da população estudada. Os episódios de RUA variam de 2,2 a 6,8 eventos por 1.000
homens a cada ano. Em pacientes com LUTS ou HPB este risco pode ser até 11 vezes maior. Em ho-
mens na oitava década de vida, 10% podem apresentar um episódio de RUA em um período de 5 anos,
chegando a 33% em 10 anos.
Octavio Henrique Arcos Campos - 257

6.1 Etiologia
Existem diversas causas de RUA, que podem ser divididas em alguns grupos: obstrutiva, infec-
ciosa, inflamatória, farmacológica, neurológica e outros. A Tabela 2 exemplifica algumas etiologias
de RUA divididas por causa e gênero.

Tabela 2 – Causas de retenção urinária aguda

Fonte: Autores

A RUA pode ser precipitada por algum evento, como: anestesia geral ou locorregional, excesso
de hidratação, distensão vesical, ITU, prostatite, ingesta de álcool ou uso de drogas (simpatomiméticas,
anticolinérgicas, antidepressivos, antipsicóticos, relaxante muscular, anti-histamínicos,
antiparkinsonianos, entre outros). Na maioria dos casos, o gatilho não pode ser identificado e a RUA
é classificada como espontânea. Esta diferenciação (precipitada ou espontânea) tem relevância clínica,
pois a precipitada tem menos chance de evoluir com cirurgia para HPB.
A exata fisiopatologia da RUA é desconhecida, contudo existem algumas teorias que podem ex-
plicá-la: (1) aumento da resistência mecânica (HPB, estenose ou coágulo) ou dinâmica (aumento ati-
vidade adrenérgica ou inflamação), (2) distensão vesical (pós-operatório, imobilidade, constipação,
drogas) e (3) causas neuropáticas (cirurgia pélvica, TRM, cistopatia diabética). Na RUA causada por
HPB, cinco fatores foram implicados: infarto prostático, atividade alfa-adrenérgica, diminuição na re-
lação estroma-epitélio, modulação dos neurotransmissores e inflamação prostática.
258 - Capítulo XX | Urgências urológicas não traumáticas

6.2 Apresentação clínica


A apresentação mais comum é dor em hipogastro, incapacidade de urinar (ou micção em pe-
quenas quantidades) e globus vesical palpável e maciço à percussão (bexigoma) (Figura 6). A bexiga
é percutível com mais de 150 ml de urina e palpável com mais de 200 ml. O exame físico deve in-
cluir toque retal para a avaliação da próstata, do tônus do esfíncter anal e da presença de fecaloma. O
diagnóstico de RUA é clínico mas pode-se utilizar ultrassonografia para confirmação diagnóstica, se
prontamente disponível. Urina I e urocultura, creatinina, ureia e eletrólitos devem ser solicitados. O
PSA deve ser evitado no episódio de RUA, pois tanto a retenção em si, quanto a sondagem vesical,
podem aumentar seu valor.

Figura 6 – Globus vesical visível e palpável em paciente com quadro de RUA antes e após sondagem vesical de
demora, com saída de 1.200ml de urina

A retenção urinária crônica caracteriza-se por alto resíduo vesical pós-miccional persistente (acima
de 300 ml – alguns autores consideram acima de 500 ml). Estes pacientes podem ser assintomáticos.
O manejo destes pacientes não é tema deste capítulo.

6.3 Diagnósticos diferenciais


Causas de abdome agudo (diverticulite, isquemia mesentérica, aneurisma de aorta, entre outros)
são geralmente os principais diagnósticos diferenciais. É valido ressaltar que os quadros citados aci-
ma também podem precipitar uma RUA, portanto, após a sondagem vesical, o paciente deve sempre
ser reexaminado para confirmação da resolução dos sinais e sintomas.
Octavio Henrique Arcos Campos - 259

6.4 Tratamento
É uma emergência urológica e o tratamento consiste na cateterização vesical de demora. A
maioria dos textos sobre o assunto pontuam que o esvaziamento vesical deve ser lento e gradual (200
ml de urina a cada 5 minutos – com campleamento da sonda) para evitar hematúria ex vacuo (hema-
túria macroscópica consequente ao descolamento da mucosa vesical provocada pelo esvaziamento rá-
pido da bexiga). Entretanto, a literatura não corrobora com esta afirmação. Um estudo prospectivo de
2013 com aproximadamente 300 pacientes evidenciou a mesma taxa de hematúria (em torno de 11%)
tanto com esvaziamento vesical lento, como com o rápido. O volume de urina imediatamente drena-
do deve ser anotado, pois é fator prognóstico.
Em caso de falha na sondagem vesical de demora, o próximo passo pode ser a sondagem endos-
cópica no centro cirúrgico ou cistostomia por punção na beira do leito. As vantagens da cistostomia
são: menos ITU, menos formação de estenose de uretra e permite realização de teste miccional sem
a retirada da sonda. Contudo, a confecção da cistostomia necessita de médico treinado e não é isenta
de riscos (perfuração de alças intestinais, por exemplo).
A causa da RUA deve, sempre que possível, ser identificada e tratada. A maioria dos casos de
RUA é causada por HPB, sendo a conduta mais aceita o teste miccional após 3-5 dias de uso de alfa-
-bloqueador (doxazosina ou tansulosina). Um estudo de vigilância mundial publicado em 2011 com
mais de 6.000 pacientes evidenciou que o uso de alfa-bloqueador por 3 dias dobrou a chance de su-
cesso (micção espontânea) após a retirada da sonda. Pacientes com mais de 70 anos tem 30% a me-
nos de chance de sucesso, saída de mais de 1.000ml de urina 40% a menos e uma próstata maior que
50g tem 35% de chance a menos. O uso de alfa-bloqueador por 3 dias possibilitou micção espontânea
em aproximadamente 60% dos pacientes, sendo que seu uso por mais tempo não aumenta a chance
de sucesso, mas sim a morbidade (ITU).
A necessidade de internação hospitalar deve ser individualizada, sendo normalmente não
necessária, a não ser que haja alteração de função renal. A opção de cateterismo intermitente limpo
em vez de sondagem vesical de demora também pode ser discutida com o paciente.
Há alguns anos, um episódio de RUA era indicação absoluta de prostatectomia (seja por RTUp
ou aberta). Com o advento das terapias combinadas, esta não é mais uma realidade. Sabidamente, de-
vemos evitar a cirurgia no mesmo momento da RUA, pois está associada a maior morbidade (sangra-
mento, taxa de transfusão, RUA pós-operatória e óbito).

6.5 Fatores de risco e prevenção


Estudos populacionais evidenciaram os seguintes fatores de risco para RUA: idade > 70 anos
com LUTS, IPSS > 7, Qmax < 12ml/s, próstata > 40g ou PSA > 1,4 ng/ml.
O uso de inibidor de 5-alfa-redutase (finasterida ou dutasterida) por mais de 6 meses reduz em
aproximadamente em 50% o risco de RUA.
260 - Capítulo XX | Urgências urológicas não traumáticas

7. Hematúria macroscópica

7.1 Considerações gerais das hematúrias


Hematúria por definição é a micção com presença de hemácias na urina. Existem diversas clas-
sificações para hematúria, sendo as principais descritas na Tabela 3.

Tabela 3 – Classificação das hematúrias

Fonte: Autores

Diagnósticos diferencias possíveis são: colúria ou pigmentúria (bilirrubinas, mioglobina, porfi-


rinas, alimentos – beterraba e ruibardo) e sangramento vaginal. Cistite hemorrágica é outra causa de
hematúria (geralmente macroscópica) caracterizada por inflamação difusa e sangramento da mucosa
vesical causada por inúmeros agentes, como por exemplo, infecção bacteriana, viral (principalmente
vírus BK), ciclofosfamida e ifosfamida (incidência de 2-40% e dose dependente).
Por ser de maior importância clínica e estar associada com doença urológica em 70-80% das ve-
zes, essa discussão será voltada à hematúria macroscópica.
Octavio Henrique Arcos Campos - 261

Aproximadamente metade (50%) dos pacientes portadores de hematúria macroscópica (Hmacro)


tem causa identificável, e destes, 20% a 25% apresentarão cânceres urológicos, principalmente bexi-
ga e rim.
Pacientes com Hmacro sem história de trauma ou ITU documentada devem ser avaliados com
citologia urinária oncótica, cistoscopia e URO-TC (Uro-Tomografia).
A história clínica e exame físico são de grande importância. Atenção especial deve ser dada à
estabilidade hemodinâmica com análise dos sinais vitais, hemograma e coagulograma.

7.2 Abordagem inicial e tratamento da hematúria macroscópica


O manejo inicial de toda hematúria, independente da causa, consiste em suporte clínico com hi-
dratação venosa, irrigação vesical contínua e transfusão sanguínea, se necessário. Esta primeira linha
de conduta é suficiente para resolução de casos leves. Persistindo a hematúria, é recomendada uma
cistoscopia com evacuação de coágulos e eletrocauterização pontual.
Em caso de persistência da hematúria apesar das medidas adotadas acima, pode-se utilizar
agentes hemostáticos, câmara hiperbárica, angioembolização e, em último caso, derivações urinárias.
Infelizmente não existem estudos suficientes para comparar a eficácia e segurança dos agentes hemos-
táticos, mas eles estão descritos de forma organizada e sequencial na Tabela 4.

Tabela 4 – Agentes hemostáticos utilizados para o tratamento da Cistite Hemorrágica

Fonte: Autores
262 - Capítulo XX | Urgências urológicas não traumáticas

Nas hemorragias causadas por radioterapia e ciclofosfamida a câmara hiperbárica é uma ótima
alternativa com respostas entre 80% e 90%. O mecanismo de ação é por diminuição do edema e da
neovascularização.
Em pacientes clinicamente instáveis com sangramento incoercível, a angioembolização da artéria
ilíaca interna seria o próximo passo. Normalmente se faz necessária a embolização do ramo anterior
bilateralmente para hemostasia adequada. Na falha da embolização, e, em último caso, o procedimento
é cistectomia com derivação urinária. Em pacientes com muitas comorbidades e instáveis, a derivação
urinária sem cistectomia pode ser realizada, com intuito de diminuir a exposição da bexiga à uroquinase,
teoricamente facilitando o processo de hemostasia.
A partir daqui, serão discutidas as hematúrias macroscópicas originadas especificamente de cada
segmento do trato urinário.

7.3 Hematúria macroscópica de origem prostática


A hematúria de origem prostática pode ser causada por HPB, câncer de próstata ou prostatite.
A HPB é a principal causa de sangramento prostático em maiores de 60 anos e pode ser responsável
por até 20% dos casos de Hmacro.
O manejo inicial é conservador, com hidratação e irrigação vesical, se necessário. O uso de ini-
bidores da 5-alfa-redutase (finasterida ou dutasterida) evidenciou redução da expressão de VEGF, da
densidade microvascular e do fluxo sanguíneo prostático, com diminuição ou resolução dos sintomas
em até 90% dos casos num período que pode variar de 2 semanas até 9 meses.
Pacientes com persistência da Hmacro por HPB tem indicação de ressecção endoscópica da
próstata (RTUp). Em casos de câncer de próstata, o bloqueio androgênico ou radioterapia externa po-
dem ser utilizados e, como segunda linha de tratamento, pode-se lançar mão da RTUp, embolização,
prostatectomia ou cistoprostatectomia.

7.4 Hematúria macroscópica de origem no trato urinário superior


A hematúria de origem no trato alto frequentemente é assintomática. Entretanto, os coágulos
podem obstruir o ureter, causando cólica renal ou ureteral. Normalmente a hematúria é total, mas o
paciente pode urinar coágulos em “forma de verme” porque assumem o formato do ureter. As causas
mais comuns são litíase, trauma e câncer que podem acometer o rim, os cálices renais, a pelve renal
ou o ureter. Como já descrito anteriormente, o exame de escolha é a URO-TC (tomografia de abdo-
men total com contraste e reconstrução coronal dos rins, sistemas coletores e bexiga).
Doenças glomerulares são condições em que o dano ao glomérulo pode causar hematúria de
origem glomerular (não urológica), proteinuria e dismorfismo eritrocitário (presença de acantócitos,
codócitos, anulócitos, entre outros). Clinicamente, o paciente pode apresentar insuficiência renal e ana-
sarca. A teoria mecânica de que as hemácias, ao atravessarem a membrana basal glomerular, sofrem
Octavio Henrique Arcos Campos - 263

compressão e consequente deformação, é a teoria mais aceita para explicar o fenômeno. Entretanto,
a presença isolada de dismorfismo eritrocitário tem uma sensibilidade de 32-100% e especificidade
de 33-100% para o diagnóstico de doença glomerular como causa de hematúria micro ou macroscó-
pica. O valor de referência do dismorfismo é assunto controverso na literatura, tanto que o Guideline
da Associação Americana de Urologia (AUA) de 2012 não cita valor algum como referência para o
diagnóstico de hematúria glomerular. O Guideline de 2001 utiliza um valor maior que 80% de dis-
morfismo como referência. Estudos mais recentes sugerem considerar valores maiores que 5% como
indicativos de hematúria de causa glomerular. Como os principais exemplos de doença gromerular,
temos: doença de Berger, doença de membrana basal fina, glomerulonefrite aguda, nefrite lúpica e
síndrome de Alport. Pacientes com suspeita de doença glomerular devem ser encaminhados ao nefro-
logista. Contudo, a AUA recomenda que a avaliação completa pelo urologista seja realizada mesmo
com identificação do dismorfismo.
Uma série de doenças vasculares pode promover hematúria (fístula uretero-ilíaca, por exemplo)
cujas causas podem ser variadas, incluindo cirurgia vascular, radioterapia, cateter duplo J crônico, en-
tre outras. O tratamento preferencial é endovascular com colocação de endoprótese. As malformações
arteriovenosas congênitas ou adquiridas (causadas por biopsia renal, nefrectomia parcial, nefrolitotrip-
sia percutânea) devem ser diagnosticadas e tratadas por arteriografia com embolização. A “Síndrome
do Quebra-nozes”, com a veia renal esquerda comprimida entre a artéria mesentérica superior e a aor-
ta também pode causar hematúria. O tratamento pode ser realizado por transposição da veia renal, da
artéria mesentérica ou nefrectomia. Mais recentemente, a utilização de stent endovascular tem mos-
trado bons resultados.
A hematúria essencial lateralizada ou hematúria essencial benigna é definida como Hmacro iden-
tificada de um lado do trato urinário alto na cistoscopia na ausência de lesões identificáveis na URO-
TC. Nestes casos, o exame de escolha é a ureteropieloscopia com ureteroscópio flexível. O exame
deve ser cuidadoso (evitar fio-guia até a pelve renal), sistemático (visualização dos cálices superiores
para inferiores) com e sem irrigação. O objetivo é identificar pequenas lesões, como tumores urote-
liais do trato alto ou hemangiomas. Pode-se realizar biópsia com Basket e/ou fulguração com laser.

7.5 Sangramento uretral


A uretrorragia é definida como a exteriorização de sangue pelo meato uretral, sem micção. O
diagnóstico deve ser realizado através de minuciosa história clínica e exame físico. Na mulher, a di-
ferenciação entre sangramento vaginal e uretral pode ser um desafio. Entre os principais diagnósti-
cos, estão: trauma uretral, trauma peniano (com lesão uretral), uretrite, carúncula e tumores uretrais.
Os principais exames utilizados são uretrocistografia retrógrada e miccional, e uretrocistoscopia.
264 - Capítulo XX | Urgências urológicas não traumáticas

Leitura recomendada
BOETTCHER, S. et al. Urinary retention: benefit of gradual bladder decompression – myth or truth?
A randomized controlled trial. Urol Int. v. 91, n. 2, 2013. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.
gov/pubmed/23859894>. Acesso em: 01 mar. 2018.
KALEJAIYE, O.; SPEAKMAN, M. Management of Acute and Chronic Retention in Men. Euro
Urol. Suppl. v. 8, n. 6, Apr. 2009. Disponível em: <https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/
S1569905609000311>. Acesso em: 01 mar. 2018.
NARDI, A. C. Urologia Brasil. São Paulo: PlanMark, 2013.
SELIUS, B. A.; SUBEDI, R. Urinary retention in adults: diagnosis and initial management. Am Fam
Physician, v. 77, n. 5, Mar. 2008. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18350762>.
Acesso em: 01 mar. 2018.
WEIN, Alan J. et al. Campbell-Walsh urology. 11th ed edition review. Philadelphia : Saunders, 2015.
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Capítulo XXI
Trauma urogenital
Eder Oliveira Rocha
266 - Capítulo XXI | Trauma urogenital

Introdução
Considerando todos os órgãos do sistema geniturinário, o rim é o órgão mais acometido por le-
sões traumáticas, chegando a representar cerca de 10% dos traumas abdominais fechados, principal-
mente no sexo masculino (relação 3:1).
No contexto do trauma, a lesão renal pode ocorrer por trauma abdominal fechado ou penetran-
te. No trauma fechado, a lesão se dá por mecanismo de impacto direto com compressão/esmagamen-
to renal ou por mecanismo de cisalhamento devido a aceleração/desaceleração com laceração do hilo/
pedículo renal. As colisões automobilísticas representam o principal fator causal, porém outros fato-
res também podem estar envolvidos, incluindo quedas, esportes e agressões físicas. No trauma pe-
netrante, as lesões ocorrem principalmente por ferimento por arma de fogo (80%) ou branca (20%).
Devido à posição anatômica do rim, lesões na região abdominal anterior tendem a acometer estrutu-
ras mais importantes como hilo/pedículo renal, enquanto lesões no dorso tendem a comprometer o
parênquima renal.
É importante ressaltar que crianças possuem maior risco de lesão renal que adultos, mesmo após
trauma abdominal fechado menos significativo, por possuírem rins de maior tamanho, menor proteção
do gradil costal e maior proporção de malformações renais como hidronefrose severa e tumor de Wilms.
Historicamente, a mortalidade decorrente de lesão renal vem diminuindo, principalmente de-
vido à melhoria dos protocolos de estabilização na urgência/emergência e também da qualidade dos
exames de imagem disponíveis.

1 Quadro clinico
Os principais indicadores de lesão significativa do sistema urinário incluem hematúria macros-
cópica ou microscópica, especialmente quando associados a lesões por aceleração/desaceleração, trau-
ma penetrante e/ou hipotensão na sala de emergência (pressão sistólica < 90mmHg).
Apesar de a hematúria ser o sinal mais frequente, vale lembrar que sua severidade não está as-
sociada consistentemente à severidade da lesão renal, visto que em cerca de 25-50% dos casos pode
não estar presente devido ao não acometimento do sistema coletor (hematoma subcapsular/perirrenal,
por exemplo) ou avulsão extensa do pedículo renal com prejuízo à perfusão do rim.
Deve-se sempre considerar o contexto do trauma, estado hemodinâmico e presença de lesões
associadas no momento em que se suspeita de uma lesão renal maior ou menor.
A presença de dor e/ou hematoma em flancos, fratura de arcos costais inferiores e lesões pene-
trantes na região torácica inferior/flancos podem indicar a possibilidade de lesão renal.
Ao contrário de pacientes estáveis, pacientes hemodinamicamente instáveis sem resposta à re-
posição volêmica inicial apresentam contraindicação formal para realização de exames complemen-
tares de imagem, devendo ser submetidos a tratamento cirúrgico imediato.
Eder Oliveira Rocha - 267

2 Diagnóstico por imagem


Além da história e exame físico, o diagnóstico definitivo de lesão renal é baseado na realização
de exames de imagem.
A tomografia computadorizada (TC) do abdome com contraste endovenoso é o padrão-ouro
para o diagnóstico e acompanhamento, sendo superior à ultrassonografia e ressonância magnética em
sensibilidade e especificidade.
A TC possibilita identificar lacerações parenquimatosas, hematomas subcapsulares/perirrenais,
extravasamento de contraste do sistema coletor e lesões vasculares, bem como avaliar possíveis le-
sões associadas de outros órgãos intra-abdominais no paciente politraumatizado.
Considerando o paciente hemodinamicamente estável, existem indicações específicas para rea-
lização de exames de imagem para o diagnóstico da lesão renal, sendo elas:
• Traumas penetrantes sugestivos de lesão renal
• Traumas abdominais fechados com mecanismo de aceleração/desaceleração significativo
• Traumas abdominais fechados com hematúria macroscópica
• Traumas abdominais fechados com hematúria microscópica e hipotensão arterial responsi-
va à reposição volêmica
• Trauma em pacientes pediátricos com hematúria microscópica
Existe uma modalidade diagnóstica intraoperatória denominada pielografia intravenosa one-
-shot (IVP one-shot) que consiste na administração de contraste endovenoso seguido de realiza-
ção de uma única imagem por fluoroscopia em pacientes que não tiveram condição de realizar
tomografia computadorizada previamente. A finalidade de tal exame é de diagnosticar a presen-
ça de rim contralateral funcionante e auxiliar no estadiamento da lesão do rim acometido. Em
caso de rim único, auxilia o cirurgião a evitar manobras desnecessárias que possam comprome-
ter a viabilidade do órgão.

3 Classificação
A classificação mais utilizada para o trauma renal é a Organ Injury Scaling (OIS) desenvolvida
pela American Association for Surgery of Trauma (AAST), baseada em achados da tomografia com-
putadorizada (Figura 1), sendo elas:
• Grau I – Contusão ou hematoma subcapsular não expansivo. Sem laceração parenquimatosa.
• Grau II – Hematoma perirrenal não expansivo. Laceração do córtex renal com extensão
inferior a 1 cm. Sem extravasamento urinário.
• Grau III – Laceração parenquimatosa superior a 1 cm (estende-se até a medula renal). Sem
a ruptura do sistema coletor ou extravasamento urinário.
268 - Capítulo XXI | Trauma urogenital

• Grau IV – Laceração parenquimatosa maior que 1 cm atingindo o córtex, medula e sistema


coletor (extravasamento urinário e do contraste). Lesão da artéria renal ou seus ramos (isque-
mia/infarto) ou duas veias renais segmentares com hemorragia contida.
• Grau V – Várias lacerações de grau IV ou rim completamente fragmentado e/ou avulsão do
pedículo com desvascularização renal completa.

Figura 1 – Classificação do trauma renal. Fonte: American Association for Surgery of Trauma (AAST)

4 Tratamento
Existem duas modalidades de tratamento para o trauma renal: conservador ou cirúrgico.
Atualmente, o tratamento conservador é a modalidade de escolha em pacientes hemodinami-
camente estáveis, sendo bem definido para pacientes com trauma renal graus I-III, independente
do mecanismo de lesão. De acordo com estudos recentes, o tratamento conservador também pode
ser realizado nos traumas renais graus IV-V desde que cuidadosamente selecionados. Entretanto,
vale ressaltar que a taxa de sucesso do tratamento conservador diminui conforme a complexidade
do trauma renal.
Eder Oliveira Rocha - 269

A maior parte dos traumas renais fechados tem resolução espontânea, mesmo na presença de
extravasamento urinário e tecido não viável, sendo aproximadamente 98% dos traumas fechados ma-
nejados com sucesso de forma conservadora.
Traumas renais penetrantes também podem ser tratados de forma expectante. Apesar de meno-
res chances de sucesso, o tratamento conservador pode ser instituído em pacientes selecionados se-
guindo protocolos estritos. A literatura não suporta de forma consolidada esse tipo de tratamento para
traumas penetrantes do rim.
O tratamento conservador consiste em exames laboratoriais seriados, monitorização contínua e
repouso no leito até a resolução da hematúria, se presente.
Apesar de realizados na prática clínica, exames de imagem seriados não são necessários na au-
sência de febre, dor no flanco, queda de hemoglobina/hematócrito, piora da hematúria ou outros si-
nais sugestivos de progressão do quadro clínico.
A taxa de falha do manejo conservador pode chegar a 20%, porém a maior parte desses pacien-
tes necessita apenas de tratamentos minimamente invasivos como derivação urinária com cateter du-
plo J ou angioembolização.
O tratamento cirúrgico com exploração renal ou angioembolização imediata pode ser dividido
em indicações absolutas e relativas. As indicações cirúrgicas absolutas incluem: presença de instabili-
dade hemodinâmica associada a choque hemorrágico, hematoma renal pulsátil/expansível (usualmen-
te indicativo de laceração renal arterial) e suspeita de avulsão do pedículo renal.
As indicações cirúrgicas relativas incluem: extravasamento urinário com desvascularização re-
nal significativa, lesão renal associada a lesões do cólon/pâncreas e diagnóstico tardio de lesão arterial.
No caso de abordagem renal cirúrgica, deve-se optar pela via transabdominal (laparotomia ex-
ploradora), visto que permite inspeção completa de outros órgãos intra-abdominais.
O quadro a seguir exemplifica de forma didática as questões acima discutidas.
270 - Capítulo XXI | Trauma urogenital

Fonte: Autores

5 Complicações
As complicações decorrentes do trauma renal podem ser precoces ou tardias. Dentre as precoces
incluem-se (1) as infecções decorrentes de abscessos renais ou perinefréticos e (2) extravasamento de
urina por lesão do sistema coletor (urinomas). As complicações tardias são (1) as fístulas arteriove-
nosas e (2) a hipertensão arterial, que costuma ocorrer devido a cicatrizes parenquimatosas ou lesões
internas vasculares/estreitamento dos vasos, desregulando o sistema renina-angiotensina.

Trauma ureteral
O ureter tem aproximadamente 30 centímetros de comprimento e 0,5 cm de diâmetro, podendo
ser dividido em três porções: proximal, médio e distal. Por conta dessas características (fino e com-
prido) e da sua posição anatômica retroperitoneal, o ureter raramente é acometido por traumas e le-
sões externas, ocorrendo em menos de 4% dos traumas abdominais penetrantes e menos de 1% dos
traumas abdominais fechados.
A lesão iatrogênica é a principal causa de trauma ureteral, podendo ser decorrente de procedi-
mentos cirúrgicos relacionados à cirurgia geral, cirurgia vascular, ginecologia, obstetrícia e urologia.
Em ordem decrescente de acometimento iatrogênico em cirurgias abertas, a histerectomia é o
principal responsável pela lesão ureteral (54%), seguido da cirurgia colorretal (14%), procedimentos
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pélvicos (8%) como remoção de tumores ovarianos, uretropexia transabdominal (8%) e cirurgia vas-
cular abdominal (6%) como by-pass aortoilíaco.
Estudos mais antigos da década de 90 indicavam que a ureteroscopia para tratamento de cál-
culos renais/ureterais era o principal procedimento responsável por trauma ureteral iatrogênico.
Entretanto, atualmente com o desenvolvimento tecnológico dos equipamentos endoscópicos e me-
lhoria no treinamento dos urologistas, as taxas de perfuração ureteral encontram-se em torno de
1-5% dos casos.
Em contraposição a cirurgias abertas, nas quais pelo menos 1/3 das lesões ureterais é identifi-
cada imediatamente no intraoperatório, apenas poucas lesões são identificadas durante cirurgias lapa-
roscópicas ou robóticas.
A melhor forma de minimizar o risco de lesão ureteral iatrogênica é o conhecimento anatômico
adequado do ureter e suas relações com as estruturas adjacentes.

1 Quadro clínico
Lesões ureterais agudas são de difícil identificação e quase não apresentam alterações clínico-
-laboratoriais precoces.
Sinais como hematúria macroscópica são raros e cerca de 25-45% dos casos não apresentam
hematúria microscópica.
No contexto de trauma, a localização do ferimento/hematoma pode ser o único indicador para
identificação de lesão ureteral aguda. Tal condição também deve ser sempre suspeitada em vítimas
politraumatizadas com lesões associadas de outros órgãos.
Tardiamente, com a não detecção precoce da lesão ureteral, o extravasamento de urina retro ou
intraperitoneal promoverá manifestações clínicas como náuseas, vômitos, íleo paralítico, peritonite,
dor lombar, massa palpável (urinoma), febre e/ou infecção secundária.
Lesões iatrogênicas não percebidas durante procedimentos cirúrgicos também podem se mani-
festar como fístula urinária através da cicatriz cirúrgica ou pela vagina.
Se ocorrer lesão ureteral bilateral por secção ou ligadura ureteral inadvertida, o paciente apre-
sentará anúria no pós-operatório.

2 Diagnóstico
Existem diversas modalidades disponíveis para o diagnóstico da lesão ureteral, seja no intrao-
peratório ou no pós-operatório, incluindo a urografia excretora, a tomografia computadorizada, a ure-
terografia retrógrada e ureterografia anterógrada.
Dependendo do tipo de lesão (laceração/avulsão ou sutura/ligadura utereral) e momento do diag-
nóstico (precoce ou tardio), diferentes achados podem ser encontrados nos exames de imagem. No
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caso de laceração/avulsão, podem ser identificados extravasamento de contraste, não opacificação por
contraste do ureter acometido e/ou coleção intra-abdominal ou retroperitoneal (urinoma). Em contra-
partida, no caso de sutura/ligadura pode-se evidenciar parada abrupta do contraste em determinado
segmento ureteral associado à uretero-hidronefrose a montante.
Apesar de poucas publicações evidenciando sua real eficácia, a tomografia computadorizada
(TC) com contraste endovenoso (EV) é atualmente o exame padrão-ouro para o diagnóstico, por ser
não invasiva, permitir a visualização adequada de todo sistema geniturinário em diversos cortes to-
mográficos (inclusive com reconstrução 3D) e detectar a presença de coleções intra-abdominais (uri-
noma), se presentes (Figura 2).

Figura 2 – Extravasamento de contraste em topografia retroperitoneal decorrente de lesão ureteral proximal esquerda
extensa após trauma automobilístico

A urografia excretora tem sensibilidade limitada. Entretanto, na ausência de outros exames dis-
poníveis, recomenda-se sua realização em única tomada radiográfica (IVP one-shot – citada anterior-
mente) no intraoperatório associada à inspeção do ureter a fim de detectar lesões ureterais e avaliar a
viabilidade renal contralateral. A urografia excretora também pode ser utilizada para diagnóstico de
lesões ureterais fora do ambiente cirúrgico (Figura 3).
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Figura 3 – Urografia excretora evidenciando uretero-hidronefrose importante e parada abrupta do contraste em


topografia de ureter médio esquerdo (cruzamento dos vasos ilíacos), compatível com ligadura ureteral após cirurgia
vascular (by-pass aortoilíaco)

A pielografia retrógrada, na qual se realiza uma cistoscopia seguida de cateterização do mea-


to ureteral acometido e injeção endoscópica de contraste, é o exame radiológico mais sensível para
diagnosticar lesões ureterais agudas. Atualmente, esse método diagnóstico foi substituído por outros
não invasivos como a tomografia computadorizada, tendo papel restrito nos casos de dúvida diagnós-
tica (Figura 4).
274 - Capítulo XXI | Trauma urogenital

Figura 4 – Pielografia retrógrada evidenciando stop abrupto do contraste, compatível com sutura/ligadura do ureter
distal direito após histerectomia

A pielografia anterógrada tem papel extremamente limitado, sendo utilizada apenas como últi-
ma forma de avaliação na impossibilidade de realização dos exames previamente relatados. Tal exame
consiste na injeção de contraste após cateterização do sistema coletor renal via punção lombar (geral-
mente através de nefrostomia), seguido de avaliação por fluoroscopia (Figura 5).
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Figura 5 – Pielografia anterógrada evidenciando extravasamento de contraste no ureter distal direito. Note a presença
de sonda de nefrostomia direita que possibilitou a realização do exame

3 Classificação
A American Association for Surgery of Trauma (AAST) classifica o trauma ureteral em cinco
graus.
• Grau I – Contusão ou hematomas sem desvacularização.
• Grau II – Laceração < 50% da circunferência ureteral.
• Grau III – Laceração > 50% de circunferência ureteral.
• Grau IV – Transecção completa < 2 cm de desvascularização.
• Grau V – Avulsão com > 2 cm de desvascularização.
276 - Capítulo XXI | Trauma urogenital

4 Tratamento
O objetivo do tratamento do trauma ureteral é a preservação da função renal com manutenção
da drenagem urinária. A terapia pode ser cirúrgica ou minimamente invasiva, dependendo do tipo, lo-
calização e grau de trauma.
Lesões ureterais menores graus I e II (e até mesmo grau III, em casos específicos) não compli-
cadas podem ser tratadas com procedimentos menos invasivos com bons resultados. Um exemplo de
tratamento amplamente utilizado na prática urológica é a passagem endoscópica de cateter duplo J
que permitirá a recuperação ureteral, orientando a drenagem de urina para a bexiga.
Quando o segmento lesado for extenso, independentemente da porção ureteral acometida, o tra-
tamento é sempre cirúrgico. O tratamento cirúrgico também é quase sempre empregado quando ocor-
rem complicações como urinomas, infecções e fístulas.
São exemplos de técnicas cirúrgicas que podem ser empregadas: reimplante ureteral, anastomo-
se término-terminal, bexiga psoica (Psoas-Hitch), flap de Boari, transuretero-ureteroanastomose, in-
terposição de alça de intestino delgado e autotransplante renal (Figura 6).

Figura 6 – Exemplos de possibilidades terapêuticas dependendo do segmento ureteral acometido


Eder Oliveira Rocha - 277

5 Complicações
As complicações decorrentes de trauma iatrogênico cirúrgico podem ser divididas em precoces
(pós-operatório imediato até alguns dias após a cirurgia) ou tardias (até seis semanas após a cirurgia).
Complicações precoces incluem fístulas, urinomas e infecção, enquanto complicações tardias
incluem estenose ureteral, refluxo vesicoureteral e até mesmo perda da função renal.

Trauma de bexiga
Apesar de a bexiga ser um órgão pélvico protegido por estrutura óssea resistente (pelve), pode
sofrer trauma de duas formas: impacto contuso com ruptura quando repleta ou perfuração por agente
externo/osso em fraturas da pelve independente do grau de enchimento.
As lesões vesicais mais frequentes são aquelas ocasionadas por acidentes automobilísticos, se-
guido de quedas de altura, agressões físicas, lesões por armas brancas ou de fogo e lesões cirúrgicas
iatrogênicas.
As lesões iatrogênicas podem ser decorrentes de cirurgias urológicas (RTU de próstata, RTU de
bexiga e Slings uretrais), ginecológicas/obstétricas (histerectomia e cesariana), proctológicas (ampu-
tação de reto), vasculares (by-pass aortobifemoral) e outros procedimentos de cirurgia geral.
Em traumas contusos por causas externas, 80-90% das lesões vesicais estão associadas a fra-
turas pélvicas, sendo os 10-20% restantes decorrentes de traumas penetrantes por agressão por arma
branca ou de fogo.

1 Classificação
O trauma de bexiga é dividido em 2 tipos, definidos pela localização da lesão, podendo ser ex-
traperitoneal ou intraperitoneal.
No trauma extraperitoneal, a lesão ocorre na porção vesical fora do contato com o peritônio, sen-
do provocado principalmente por espículas ósseas decorrentes de fraturas do osso pélvico.
No trauma intraperitoneal, a lesão ocorre na porção vesical que está em contato íntimo com o
recesso peritoneal (geralmente na cúpula) por trauma contuso com a bexiga cheia.

2 Quadro clínico
O sinal cardinal do trauma vesical é a hematúria macroscópica, entretanto, o paciente também
pode apresentar incapacidade de urinar, dor, distensão abdominal, hematoma suprapúbico e elevação
de escórias nitrogenadas.
A presença de crepitação óssea na avaliação da pelve deve levantar a suspeita de lesão
extraperitoneal.
278 - Capítulo XXI | Trauma urogenital

Em ferimentos por arma de fogo que envolvem o abdome inferior, períneo ou nádegas, a lesão
penetrante vesical também deve ser sempre suspeitada.

3 Diagnóstico
O exame padrão-ouro para diagnóstico das lesões traumáticas vesicais é a cistografia retrógra-
da, cuja injeção de contraste pode ser feita através de um cateter posicionado na bexiga, ou na fossa
navicular da uretra peniana quando houver a necessidade de estudo uretral associado (uretrocistogra-
fia). A bexiga deve ser preenchida com pelo menos 350 mL de contraste e três imagens devem ser ob-
tidas: uma antes da administração do contraste, uma da bexiga repleta e uma da drenagem. A Figura
7 ilustra cistografias demonstrando os dois tipos de lesão.
Nos pacientes politraumatizados e hemodinamicamente estáveis, o exame ideal é a TC de ab-
dome total com contraste, uma vez que pode avaliar o status dos outros órgãos intra-abdominais,
além da lesão vesical. Deve-se lembrar que para avaliação fidedigna, a bexiga precisa estar reple-
ta, devendo-se clampear a sonda vesical durante a fase excretora da tomografia para seu enchimen-
to completo.
A cistoscopia é o melhor método para estudo de lesões intraoperatórias principalmente após ci-
rurgias ginecológicas (histerectomia) e urológicas (Sling uretral feminino).

Figura 7 – Trauma extraperitoneal de bexiga com contraste localizado na pelve (A) e intraperitoneal com contraste
se misturando às alças intestinais na cavidade peritoneal (B)

4 Tratamento
As lesões vesicais extraperitoneais não complicadas devem ser tratadas de forma conservado-
ra, isto é, sondagem vesical de demora (SVD) de maior calibre, antibióticos e repouso. O objetivo da
Eder Oliveira Rocha - 279

SVD é permitir que as paredes vesicais não sofram distensão provocada pelo enchimento vesical e ci-
catrizem mais rapidamente.
As lesões extraperitoneais complexas ou complicadas são aquelas onde as espículas ósseas per-
manecem no interior da bexiga ou as que estão associadas a lesões no reto. Nesses casos, o tratamento
é sempre cirúrgico para se evitar outros tipos de complicações. Quando houver fratura de bacia asso-
ciada, esta pode ser fixada se houver indicação ortopédica.
As lesões intratraperitoneais devem sempre ser tratadas cirurgicamente.
Nas lesões penetrantes envolvendo o abdome, o tratamento cirúrgico imediato é fundamental,
devido à grande probabilidade de lesões de órgãos abdominais associadas.

Trauma de uretra
O trauma de uretra é relativamente raro, podendo ocorrer em ambos os sexos, porém é mais pre-
dominante no sexo masculino devido ao maior comprimento da uretra e sua relação com as estruturas
da pelve óssea, e maior incidência de trauma em homens.
A causa mais comum de dano uretral é decorrente de lesões iatrogênicas (sondagem vesical, pro-
cedimentos cirúrgicos, radioterapia), seguido do trauma contuso (fratura de bacia, queda a cavaleiro,
atividade sexual) e penetrante (arma branca ou arma de fogo).
A uretra anterior é a porção mais acometida, tendo como principal etiologia a queda a cavalei-
ro com trauma perineal e compressão do segmento bulbar contra o ramo inferior da sínfise púbica.
A lesão da uretra posterior é ocasionada em geral por fratura pélvica e consequente cisalhamen-
to da uretra membranosa.

1 Quadro clínico
O sinal cardinal do trauma de uretra é sangue exteriorizado pelo meato uretral (uretrorragia),
porém sua ausência não exclui tal diagnóstico.
Outros sinais que podem estar presentes são incapacidade de urinar, hematoma perineal ou da
genitália externa, hematúria e disúria.
Sempre deve ser realizado toque retal a fim de excluir lesão retal concomitante (até 5% casos),
bem como avaliar a próstata que pode estar flutuante (posição cefálica), sugerindo uma lesão uretral
complexa.

2 Diagnóstico
A uretrocistografia retrógrada é o método padrão para diagnóstico definitivo, e deve ser reali-
zada em qualquer suspeita de lesão uretral ou trauma pélvico ou genital, com ou sem uretrorragia. A
realização desse tipo de exame pode diagnosticar lesões parciais ou completas da uretra, com orien-
280 - Capítulo XXI | Trauma urogenital

tações sobre a melhor forma de realizar a drenagem vesical. A Figura 8 mostra duas lesões uretrais
de graus diferentes.
A American Association for Surgery of Trauma (AAST) classifica o trauma uretral em cinco graus:
• Grau I – Contusão e/ou uretrorragia, com uretrocistografia normal.
• Grau II – Estiramento/alongamento sem extravasamento de contraste na uretrografia.
• Grau III – Ruptura parcial com extravasamento, mas o contraste chega até a bexiga.
• Grau IV – Ruptura completa com laceração < 2 cm e extravasamento de contraste que não
chega na bexiga.
• Grau V – Ruptura completa com laceração > 2 cm e extravasamento de contraste que não
chega na bexiga.

Figura 8 – Uretrocistografia demonstrando trauma uretral grau III (A) e V (B)

3 Tratamento
• Uretra Anterior (Peniana/Bulbar)
Lesões da uretra peniana provocadas por atividade sexual em geral estão associadas a fratura de
pênis com laceração dos corpos cavernosos. A fim de preservar a função erétil, deve-se realizar explo-
ração cirúrgica precoce com evacuação de coágulos, controle da hemorragia e reparo das lesões pe-
nianas e uretrais. O tratamento cirúrgico precoce está associado a melhores resultados.
Lesões da uretra bulbar provocadas por queda a cavaleiro devem ser manejadas inicialmen-
te com cistostomia suprapúbica, sendo posteriormente definido o tratamento definitivo. Lesões mais
simples podem ser tratadas com realinhamento primário endoscópico com bons resultados, enquan-
Eder Oliveira Rocha - 281

to lesões mais complexas devem ser abordadas mais tardiamente após 2-3 meses com reparo aberto
(uretroplastia anterior).
• Uretra Posterior (Membranosa/Prostática)
Lesões da uretra posterior são em geral decorrentes de fraturas graves da pelve e, portanto,
as vítimas apresentam-se instáveis na maioria das vezes. Por conta disso, a conduta urológica de
rotina nesses casos é a cistostomia suprapúbica. Procedimentos cirúrgicos abertos na tentativa de
realinhamento da uretra posterior são sempre muito difíceis por conta do hematoma consequente
à fratura de bacia, aumentando muito a incidência de grandes sangramentos e piora do choque he-
morrágico no transoperatório. Uma tentativa de realinhamento primário via endoscópica é razo-
ável em vítimas estáveis, e pode ser feito precocemente ou dentro de alguns dias após o trauma.
O tratamento definitivo é feito através da uretroplastia posterior realizada em pelo menos 3 me-
ses após o trauma.

4 Complicações
As complicações decorrentes do trauma uretral podem ser precoces ou tardias.
As precoces incluem sangramento, infecção e fístula, enquanto as tardias envolvem estenose
uretral, incontinência urinária e disfunção erétil.

Trauma genital
Lesões da genitália externa podem ser ocasionadas por uma grande variedade de mecanismos.
Embora raramente sejam ameaçadoras à vida, essas lesões podem acarretar grande morbidade, prin-
cipalmente se não tratadas adequadamente. Sequelas de ordem miccional, sexual, reprodutiva e psi-
cológicas podem trazer danos devastadores aos pacientes acometidos por lesões genitais.
Os mecanismos de lesão genital mais comuns são: fratura peniana, complicações cirúrgi-
cas, queimaduras, lesões testiculares contusas e penetrantes, perda da pele genital, ferimentos pe-
nianos penetrantes, mordedura animal e humana, amputação peniana traumática, lesão por zíper e
estrangulamento.
Abordaremos aqui a fratura de pênis e o trauma testicular contuso, por serem as lesões genitais
mais comuns.
• Fratura peniana
Por definição, fratura do pênis é um trauma contuso no pênis caracterizado por lesão do corpo
cavernoso com ruptura da túnica albugínea, a qual tipicamente ocorre durante intercurso sexual vigo-
roso. A uretra peniana pode ser lesionada em 10-20% dos casos.
O diagnóstico de fratura peniana é feito através da anamnese e do exame físico. A história clás-
sica é de dor súbita e intensa, estalido, detumescência (perda da ereção) e hematoma peniano (Figura
282 - Capítulo XXI | Trauma urogenital

9). Quando ocorre uretrorragia associada à dificuldade ou impossibilidade de urinar é provável que
uma lesão uretral esteja associada, devendo ser realizada uma uretrografia para fins diagnósticos.
Embora a realização do US com Doppler de pênis para verificar a integridade da túnica albugínea
seja cabível, o tratamento cirúrgico jamais deve ser postergado na presença de forte suspeita clínica.
A exploração cirúrgica precoce com evacuação de coágulos, controle da hemorragia, identifica-
ção e reparo da lesão na túnica albugínea peniana é fundamental para a manutenção da função erétil.
No caso de trauma uretral associado, a lesão uretral também deve ser identificada e corrigida.
As principais complicações consequentes à fratura do pênis são disfunção erétil e distorções
anatômicas do pênis como estreitamentos e curvatura peniana.

Figura 9 – Fratura de pênis. Observe o edema, o hematoma e a curvatura em “S” do pênis flácido.
Fonte: Bali et al. Advances in Urology, 2013. In: http://dx.doi.org/10.1155/2013/708362”)

• Trauma testicular
Embora os testículos estejam relativamente protegidos pela mobilidade escrotal, reflexo cremas-
térico e túnica albugínea, o trauma contuso (esportes, acidentes de trânsito) é responsável por 75% dos
casos de lesão testicular, seguido do trauma penetrante no restante dos indivíduos.
O diagnóstico é dado pela anamnese e exame físico. A história clássica é de trauma contuso so-
bre o escroto, podendo ser identificado edema, hematoma e dor à palpação testicular no exame físico.
O ultrassom com Doppler de bolsa testicular deve ser reservado para casos duvidosos, sendo
eficiente para avaliar integridade e vascularização. Para diagnosticar fratura testicular, deve-se buscar
283 - Capítulo XXI | Trauma urogenital

a presença de lesão da túnica albugínea que pode estar associada a um hematoma peritesticular. Vale
lembrar que, em muitos casos, a extensão do hematoma não se correlaciona com a gravidade da lesão.
O princípio central do tratamento é manter as funções testiculares endócrinas e reprodutivas ín-
tegras. O ponto-chave na determinação do tipo de tratamento (conservador ou cirúrgico) baseia-se na
integridade da túnica albugínea. Em lesões contusas com hematomas limitados e albugínea íntegra, o
tratamento conservador, incluindo repouso, suspensório de bolsa escrotal, analgésicos e antibióticos
deve ser instituído. Por outro lado, lesões que cursam com grandes hematomas associados à ruptura
da albugínea devem ser submetidas a tratamento cirúrgico imediato.
As principais complicações do trauma testicular são a evolução de hematomas, infecção e atro-
fia testicular com perda das funções endócrina e reprodutiva.

Leitura recomendada
BALI, R. S. et al. Penile fracture: experience from a third world country. Adv Urol. 2013, July, 2013.
Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23956740>. Acesso em: 28 mar. 2018.
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Capítulo XXII
Doenças Sexualmente Transmissíveis
Rodolfo Anísio Santana de Torres Bandeira e Daniel Cernach Ayres
285 - Capítulo XXII | Doenças Sexualmente Transmissíveis

Introdução
O termo Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) refere-se a uma variedade de síndromes
clínicas e infecções causadas por diversos patógenos que podem ser adquiridos e transmitidos atra-
vés da atividade sexual, gerando impacto na qualidade de vida do paciente, nas suas relações pesso-
ais, familiares e sociais. Médicos e outros profissionais de saúde desempenham um papel crítico na
prevenção e tratamento das DSTs.
Historicamente, é um capítulo muito antigo da medicina que, durante muitos séculos, constituiu
um apelo para a humanidade pela falta de tratamento adequado, notadamente se considerarmos sífilis
como protótipo dessas doenças.
O termo Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) doravante passa a ser adotada neste ca-
pítulo, em substituição à expressão DST, em consonância com a utilização internacional emprega-
da pela Organização Mundial da Saúde (OMS), pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS),
pela sociedade científica e por alguns países. De tal forma, tenta passar aos agentes de saúde e à po-
pulação em geral que a possibilidade de transmitir uma infecção, mesmo sem sinais e/ou sintomas, o
que aponta para estratégias de atenção integral, eficaz e resolutiva.
O manejo das infecções assintomáticas está se beneficiando de novas tecnologias diagnósticas
– algumas já em uso, como os testes rápidos para sífilis e para o vírus da imunodeficiência humana
(HIV, do inglês Human Immunodeficiency Virus), e outras, menos acessíveis até o momento, mas que
contam com a possibilidade de implantação, como os testes para gonorreia e clamídia. Os testes diag-
nósticos que utilizam técnicas de amplificação genética (NAAT, do inglês Nucleic Acid Amplification
Test) são essenciais nas ações de triagem em populações-chave (gays, homens que fazem sexo com
homens – HSH, profissionais do sexo, travestis/transexuais e pessoas que usam drogas).
O tratamento das IST deve ser realizado considerando-se eficácia, segurança, posologia, via de
administração, custo, adesão e disponibilidade. Cabe destacar que o tratamento deve ser estendido às
parcerias sexuais em busca de maior impacto da estratégia, especialmente, na sífilis durante a gesta-
ção e no tratamento de parcerias assintomáticas de homens com corrimento uretral.
O uso dos condons ainda é a principal forma de prevenção, mas outras intervenções são
comprovadamente eficazes e precisam ser incorporadas à proposta de prevenção combinada. Entre
elas a vacinação contra o vírus do papiloma humano (HPV, do inglês Human Papiloma Virus), efeti-
vada nas UBS de todo o país, representa uma oportunidade para reforçar a informação sobre as outras
IST assintomáticas junto à comunidade em geral e ao público-alvo.
Outro ponto importante é a necessidade de notificação compulsória e a vigilância epidemioló-
gica que devem ser consolidadas e em determinadas situações até expandidas, visando a conhecer a
magnitude e medir a tendência dos agravos para o planejamento das ações de controle. O sistema de
saúde precisa estar preparado para implementar estratégias de prevenção e de intervenção terapêutica
imediata, garantindo também a disponibilização de insumos, a confidencialidade e a não discrimina-
Rodolfo Anísio Santana de Torres Bandeira e Daniel Cernach Ayres - 286

ção. Além de realizar busca ativa de possíveis parceiros sexuais, determinando dessa forma a quebra
do ciclo de transmissão.
A abordagem sindrômica demonstra boa sensibilidade e especificidade no diagnóstico das di-
versas IST, dessa forma servirá de guia para a confecção desse capítulo. (BRASIL, 2015).

1 Corrimento uretral
As uretrites são IST caracterizadas por inflamação da uretra acompanhada ou não de corrimen-
to. Tais condições podem ser transmitidas por relação sexual vaginal, anal ou mesmo pelo sexo oral.
O corrimento uretral pode ter aspecto que varia de mucoide a purulento, com volume variável, estan-
do associado a dor uretral (independentemente da micção), disúria, alterações do jato urinário (jato
fraco e partido), prurido uretral e hiperemia no meato uretral.
Entre os fatores associados às uretrites, foram encontrados: idade jovem, baixo nível socioeco-
nômico, múltiplas parcerias ou nova parceria sexual, histórico de IST e uso irregular de preservativos.

1.1 Etiologia
Os agentes etiológicos mais importantes do corrimento uretral são a N. gonorrhoeae e a C. tra-
chomatis. Outros agentes, como T. vaginalis, U. urealyticum, enterobactérias (nas relações anais in-
sertivas), M. genitalium, vírus do herpes simples (HSV, do inglês Herpes Simplex Virus), adenovírus
e Candida spp. são menos frequentes. Causas traumáticas (produtos e objetos utilizados na prática
sexual) devem ser consideradas no diagnóstico diferencial de corrimento uretral. (BRASIL, 2015).

1.2 Etiopatogênia

1.2.1 Uretrite gonocócica


É uma infecção, geralmente aguda, da mucosa uretral, causado pela N. gonorrhoeae (diplococo
Gram-negativo intracelular). Tem um alto risco de contaminação. Estudos sugerem que o risco de
transmissão é de aproximadamente 50% por ato sexual.
A gonorreia é frequentemente assintomática em mulheres, entretanto a infecção uretral no ho-
mem pode ser assintomática em menos de 10% dos casos. Nos casos sintomáticos, há presença de
corrimento em mais de 80% e/ou disúria (> 50%). O período de incubação é cerca de dois a sete dias
após a infecção.
O corrimento mucopurulento ou purulento abundante é frequente. Raramente, há queixa de sen-
sibilidade aumentada no epidídimo e queixas compatíveis com balanite (dor, prurido, hiperemia da
região prepucial, descamação da mucosa e, em alguns casos, material purulento e de odor desagradá-
vel no prepúcio). As complicações no homem ocorrem por infecção ascendente a partir da uretra (or-
quiepididimite, prostatite e estenose ureterais).
287 - Capítulo XXII | Doenças Sexualmente Transmissíveis

A infecção retal é geralmente assintomática, mas pode causar corrimento retal (12%) ou dor/
desconforto perianal ou anal (7%). A infecção de faringe, tanto em homens como em mulheres, é ha-
bitualmente assintomática (> 90%).
A infecção gonococinemia é rara (< 1%); resulta da disseminação hemática a partir das membra-
nas mucosas infectadas e causa febre, lesões cutâneas, artralgia e artrite sépticas. Pode também cau-
sar, raramente, endocardite aguda, pericardite, meningite e perihepatite. Acomete mais as mulheres,
sendo associada à infecção assintomática persistente, e o maior risco é durante o período menstrual,
gravidez e pós-parto imediato. (BRASIL, 2015).

1.2.2 Uretrite não gonocócica


É a uretrite sintomática cuja bacterioscopia pela coloração de Gram e/ou cultura são negativas
para o gonococo. Vários agentes têm sido responsabilizados por essas infecções, como C. trachomatis,
U. urealyticum, M. hominis e T. vaginalis, entre outros.
A infecção por clamídia no homem é responsável por aproximadamente 50% dos casos de ure-
trite não gonocócica. A transmissão ocorre pelo contato sexual (risco de 20% por ato), sendo o período
de incubação, no homem, de 14 a 21 dias. Estima-se que dois terços das parceiras estáveis de homens
com uretrite não gonocócica hospedem a C. trachomatis na endocérvice. Podem reinfectar seu par-
ceiro sexual e desenvolver quadro de DIP se permanecerem sem tratamento.
A uretrite não gonocócica caracteriza-se pela presença de corrimentos mucoides, discretos, com
disúria leve e intermitente, o quadro clínico geralmente é menos exacerbado que a uretrite gonocóci-
ca. A uretrite subaguda é a forma de apresentação de cerca de 50% dos pacientes com uretrite causada
por C. trachomatis. Entretanto, em alguns casos, os corrimentos das uretrites não gonocócicas podem
simular, clinicamente, os da gonorreia. As uretrites causadas por C. trachomatis podem evoluir para:
prostatite, epididimite, balanite, conjuntivite (por autoinoculação) e síndrome uretro-conjuntivo-sino-
vial ou síndrome de Reiter. (BRASIL, 2015).

1.2.3 Uretrites persistentes


Os pacientes com diagnóstico de uretrite devem retornar ao serviço de saúde entre sete e dez
dias após o término do tratamento. Os sinais e sintomas persistentes ou recorrentes de uretrite podem
resultar de resistência bacteriana, tratamento inadequado, não adesão ao tratamento e reinfecção. Nesses
casos, deve-se realizar a avaliação, principalmente, por meio da história clínica. (BRASIL, 2015).

1.3 Métodos diagnósticos para uretrites


O diagnóstico das uretrites pode ser realizado com base em um dos seguintes sinais e sintomas
ou achados laboratoriais:
1. Drenagem purulenta ou mucopurulenta ao exame físico;
Rodolfo Anísio Santana de Torres Bandeira e Daniel Cernach Ayres - 288

2. Bacterioscopia pela coloração Gram de secreção uretral, apresentando > 5 polimorfonu-


cleares (PMN) em lâmina de imersão. A infecção gonocócica é diagnosticada pela pre-
sença de diplococos Gram-negativos intracelulares em leucócitos polimorfonucleares;
3. Teste positivo de esterase leucocitária na urina de primeiro jato ou exame microscópico
de sedimento urinário de primeiro jato, apresentando > 10 PMN por campo.
Se nenhum dos critérios acima estiver presente, a pesquisa de N. gonorrhoeae e C. trachomatis
pode ser realizada pelos NAAT, métodos de biologia molecular que têm elevada sensibilidade e espe-
cificidade quando comparados com os demais e podem identificar essas infecções associadas.
A captura híbrida é outro método de biologia molecular; embora menos sensível que os NAAT,
avalia qualitativamente a presença do patógeno. Se o resultado mostrar infecção por algum desses pa-
tógenos, o tratamento apropriado deve ser instituído, referindo-se as parcerias sexuais para avaliação
e tratamento.
A cultura para a N. gonorrhoeae em meio seletivo de Thayer-Martin ou similar é fundamental,
em especial, para estudos-sentinela, em razão da possibilidade de realizar testes de susceptibilidade
aos antimicrobianos. A imunofluorescência direta tem leitura subjetiva, exige microscópio e profissio-
nais bem treinados, sendo que a sensibilidade está aquém do esperado. (BRASIL, 2015).

1.4 Tratamento para corrimento uretral


O Quadro 1 resume os tratamentos para o corrimento uretral.
289 - Capítulo XXII | Doenças Sexualmente Transmissíveis

Quadro 1 – Tratamento para corrimento uretral

Fonte: (BRASIL, 2015)


Rodolfo Anísio Santana de Torres Bandeira e Daniel Cernach Ayres - 290

1.5 Fluxograma para manejo clínico do corrimento uretral

Fonte: Autores

2 Verrugas Anogenitais

2.1 Etiologia
O HPV é um DNA-vírus que pode induzir uma grande variedade de lesões proliferativas na re-
gião anogenital. Há maior incidência na raça negra, enquanto em povos e em países que praticam cir-
cuncisão em massa sua incidência é pífia.
No Brasil, as disparidades são muito grandes. Estatísticas apontam maior incidência na Região
Nordeste e ainda focos urbanos importantes de doenças com repercussões mais sérias, como no Recife,
291 - Capítulo XXII | Doenças Sexualmente Transmissíveis

onde está um dos maiores índices mundiais de infecção pelo HPV e altíssima incidência de câncer
de colo uterino, maior que o câncer de mama, mais prevalente como câncer ginecológico nas outras
regiões do Brasil e do mundo.
Atualmente, há mais de 200 tipos de HPV descritos, sendo que aproximadamente 40 tipos in-
fectam o trato anogenital e pelo menos 20 subtipos estão associados ao carcinoma do colo uterino.
Os tipos de HPV que infectam o trato genital são divididos em baixo e alto risco de acordo com
o seu potencial oncogênico e o tipo de lesão (BRASIL, 2015).

Quadro 2 – Divisão dos subtipos do HPV e seu potencial oncogênico

Fonte: Autores

A maioria das infecções são assintomáticas ou não aparentes. Outras podem apresentar-se sob a
forma de lesões exofíticas, os chamados condilomas acuminados, verrugas genitais ou cristas de galo.
Podem também assumir uma forma subclínica, visível apenas sob técnicas de magnificação (lentes) e
após aplicação de reagentes, como o ácido acético. (BRASIL, 2015).

2.2 Transmissão
Ocorre, preferencialmente, por via sexual. A transmissão por contato com objetos contaminados
é rara. Já a vertical, de mãe para a criança durante o trabalho de parto, é corroborada pela ocorrência
Rodolfo Anísio Santana de Torres Bandeira e Daniel Cernach Ayres - 292

de papilomatose recorrente de laringe juvenil, em crianças com menos de dois anos de idade, e por
relatos de casos de RN com condiloma genital ao nascimento.
O tempo de latência viral e os fatores associados ao desenvolvimento ainda são pouco conheci-
dos, e o vírus pode permanecer em um estado de quiescênsia por muitos anos até o desenvolvimento
de lesões clínicas. Dessa forma, não é possível estabelecer o intervalo mínimo entre o contato/infec-
ção e o desenvolvimento de lesões. A recidiva das lesões do HPV está mais provavelmente relaciona-
da à ativação de reservatórios virais no próprio hospedeiro do que à reinfecção pela parceria sexual.
Os fatores que determinam a persistência da infecção e a progressão para neoplasias do sistema
geniturinário incluem infecção por HPV de alto risco oncogênico, o estado imunológico do paciente
e o tabagismo. (BRASIL, 2015).

2.3 Epidemiologia
A infecção pelo HPV é uma das IST mais frequentes no mundo. O risco estimado para a expo-
sição a essa infecção é de 15% a 25% a cada novo contato sexual. Em grande parte dos casos, a in-
fecção é autolimitada e transitória, sem causar qualquer dano. A maioria das pessoas que entram em
contato com o HPV, se não desenvolverem lesões clínicas (ex.: verrugas anogenitais) e não realiza-
rem testes laboratoriais, poderão nunca ter a infecção diagnosticada.
Aproximadamente 1% a 2% da população apresentam verrugas genitais e 2% a 5% das mu-
lheres apresentam alterações do Papanicolau provocadas por infecção pelo HPV. A prevalência é
maior em mulheres jovens, quando comparadas com mulheres com mais de 30 anos. A maioria das
infecções por HPV em mulheres (sobretudo quando adolescentes) tem resolução espontânea, em
um período aproximado de 24 meses. Nos homens, a prevalência se mantém constante nas diver-
sas faixas etárias.
A infecção persistente por tipos oncogênicos de HPV está associada ao maior risco de desen-
volver lesão intraepitelial escamosa (neoplasia intraepitelial do colo uterino – NIC). O HPV está en-
volvido em aproximadamente 100% dos casos de câncer cervical, com percentual menor em outros
locais: 85% dos casos de câncer de ânus, 40% de vulva, 70% de vagina e 50% de pênis; 35% de oro-
faringe, 10% de laringe e 23% de boca.
O tempo médio entre a infecção pelo HPV de alto risco e o desenvolvimento do câncer cervical
é de aproximadamente 20 anos, de acordo com o tipo, a carga e a capacidade de persistência viral, e
o estado imunológico do hospedeiro. A infecção por um genótipo de HPV não impede a infecção por
outros tipos de HPV. (BRASIL, 2015).

2.4 Formas de apresentação


A infecção pelo HPV, tanto no homem como na mulher, tem sido descrita sob três formas de
apresentação: latente, subclínica e clínica.
293 - Capítulo XXII | Doenças Sexualmente Transmissíveis

a) Apresentação latente: ocorre quando as pessoas infectadas por HPV não desenvolvem
qualquer lesão. Essa condição pode permanecer durante toda a vida. Apenas algumas
pessoas podem, anos mais tarde, vir a expressar a doença com condilomas ou alterações
celulares do colo uterino. Nessa situação, não existe manifestação clínica, citológica ou
histológica, apenas podendo a infecção ser demonstrada por meio de exames de biolo-
gia molecular (detecção do DNA viral).
b) Apresentação subclínica: a lesão subclínica ocorre quando as microlesões pelo HPV são
diagnosticadas por meio de exame de Papanicolau e/ou colposcopia (lesões acetobran-
cas), com ou sem biópsia. A lesão intraepitelial escamosa de baixo ou alto risco é de-
tectada com mais frequência. Os tipos oncogênicos de HPV podem resultar em lesões
precursoras do carcinoma escamoso da cérvice uterina, divididas em: (i) lesão intrae-
pitelial escamosa de baixo grau (LSIL) (NIC I/displasia leve) e (ii) lesão intraepitelial
escamosa de alto grau (HSIL) (NIC II/NIC III, displasia moderada, displasia severa, car-
cinoma in situ). Além disso, outros epitélios podem sofrer a ação oncogênica do vírus,
resultando em neoplasia intraepitelial vaginal (NIVA), vulvar (NIV), perineal (NIPE),
peniana (PEIN) e anal (NIA).
c) Apresentação clínica (lesão macroscópica): a forma mais comum de apresentação é co-
nhecida como verruga genital ou condiloma acuminado. Manifesta-se pela presença de
lesões exofíticas, com superfície granulosa, únicas ou múltiplas, restritas ou dissemi-
nadas, da cor da pele, eritematosas ou hiperpigmentadas e de tamanho variável. As le-
sões maiores assemelham-se a “couve-flor” e as menores possuem aparência de pápula
ou placa, podendo também ter aspecto filiforme, sendo em geral resultantes de infecção
por tipos não oncogênicos. Dependendo do tamanho e localização anatômica, podem ser
dolorosas, friáveis e/ou pruriginosas. No homem, localizam-se na glande, sulco bálano-
-prepucial e região perianal. Na mulher, encontram-se na vulva, períneo, região peria-
nal, vagina e colo. Menos frequentemente, podem estar presentes em áreas extragenitais,
como conjuntivas, mucosa nasal, oral e laríngea. (BRASIL, 2015).

2.5 Métodos diagnósticos para o HPV


O diagnóstico do condiloma acuminado é clínico e pode ser confirmado por biópsia. Entre as
técnicas utilizadas para o diagnóstico das lesões anogenitais induzidas por HPV, recomendam-se os
seguintes exames:
1. Colpocitologia oncótica de colo uterino;
2. Peniscopia;
3. Citologia oncótica anal;
4. Colposcopia;
Rodolfo Anísio Santana de Torres Bandeira e Daniel Cernach Ayres - 294

5. Anuscopia;
6. Histopatologia.
Há testes que identificam vários tipos de HPV, mas seu valor na prática clínica não está claro, e
as decisões quanto às condutas clínicas não devem ser feitas com base nesses testes, mas em altera-
ções celulares observadas pela colpocitologia oncótica. Assim, não é recomendável, na rotina, a tria-
gem de infecção subclínica pelo HPV.
A biópsia de lesões anogenitais sugestivas de HPV está indicada nos seguintes casos:
1. Existência de dúvida no diagnóstico da lesão anogenital;
2. Presença de lesão suspeita de neoplasia (lesões pigmentadas, endurecidas, fixas ou
ulceradas);
3. Ausência de resposta ao tratamento convencional;
4. Aumento das lesões durante o tratamento;
5. Pacientes com imunodeficiência (HIV, uso de drogas imunossupressoras, corticoides,
entre outros). (BRASIL, 2015).

2.6 Tratamento das verrugas anogenitais


O objetivo principal do tratamento das lesões anogenitais induzidas pelo HPV é a remoção das
lesões clínicas. Se não houver esse tratamento, os condilomas podem desaparecer, permanecer inalte-
rados ou aumentar em tamanho ou número. No entanto, nenhuma evidência indica que os tratamentos
disponíveis erradicam ou afetam a história natural da infecção do HPV.
O tratamento das lesões anogenitais induzidas pelo HPV deve ser individualizado, consideran-
do tamanho, morfologia, número e local das lesões. Além disso, deve-se avaliar o perfil imunológico
das pessoas, porque os imunossuprimidos (ex.: PVHA, transplantados) muitas vezes não respondem
ao tratamento para o HPV como os imunocompetentes, podendo sofrer recidivas mais frequentes.
Como o carcinoma escamoso costuma surgir mais frequentemente em imunossuprimidos, valoriza-se
a biópsia de lesões nesse grupo. O tratamento deve basear-se nos mesmos princípios referidos para os
não imunossuprimidos. Outros fatores necessitam ser considerados no momento da decisão terapêu-
tica, como preferência do paciente, custos, disponibilidade de recursos, conveniência, efeitos adver-
sos e experiência do profissional de saúde.
As verrugas anogenitais localizadas em superfícies úmidas e/ou nas áreas intertriginosas res-
pondem melhor à terapêutica tópica (ex.: ácido tricloroacético – ATA, podofilina) que as verrugas em
superfícies secas. Deve-se mudar de opção terapêutica quando um paciente não apresentar melhora
significativa após três sessões, ou se as verrugas não desaparecerem após seis sessões.
A seguir, apresentam-se as opções terapêuticas para o tratamento das lesões anogenitais indu-
zidas pelo HPV.
295 - Capítulo XXII | Doenças Sexualmente Transmissíveis

a) Podofilina 10%-25% (solução): contém uma série de substâncias com ação antimitótica. Aplicar
em cada verruga e deixar secar. Usar uma vez por semana até o desaparecimento das lesões.
Recomenda-se a utilização de até 0,5 mL em cada aplicação ou a limitação da área tratada a
2
10 cm por sessão. Além de irritação local, a absorção em grandes quantidades pode ser tóxica
para o coração, rins e sistema nervoso. É contraindicada na gestação.
b) Ácido tricloroacético (ATA) a 80%-90% (solução): é um agente cáustico que promove des-
truição dos condilomas pela coagulação química de seu conteúdo proteico. Aplicar pequena
quantidade somente nos condilomas e deixar secar, quando a lesão esbranquiçar. Usar uma
vez por semana até oito a 10 semanas. Deve ser aplicada com cuidado, evitando que a solu-
ção se espalhe. Se o paciente apresentar dor intensa, o ácido pode ser neutralizado com sabão,
bicarbonato de sódio ou talco. Esse tratamento poderá ser prescrito durante a gestação.
No entanto, em casos de lesões extensas, está indicada a exérese cirúrgica.
c) Eletrocauterização: utiliza um eletrocautério para remover lesões isoladas. Exige equipamen-
to específico e anestesia local. Não está indicada nas lesões vaginais, cervicais e anais, visto
que o controle da profundidade do efeito é difícil, podendo causar necrose tecidual extensa,
com estenose em estruturas tubulares, como canal anal e vaginal. Os principais efeitos cola-
terais incluem dor, sangramento, ulceração e cicatrizes deformantes.
d) Crioterapia: promove a destruição térmica por meio de equipamentos específicos resfriados
(nitrogênio líquido ou CO ), eliminando as verrugas por citólise térmica. É útil quando há
2
poucas lesões ou em lesões muito queratinizadas. Pode ser necessária a realização de mais
de uma sessão terapêutica, respeitando um intervalo de uma a duas semanas entre as sessões.
Raramente necessita anestesia. Pode facilitar o tratamento se há muitas lesões ou envolvi-
mento de área extensa. Os principais efeitos colaterais incluem dor, eritema e bolhas no lo-
cal da aplicação.
e) Exérese cirúrgica: método apropriado para o tratamento de poucas lesões, quando é desejável
exame histopatológico do espécime. Os condilomas podem ser retirados por meio de incisão
tangencial com tesoura delicada, bisturi ou cureta. A hemostasia pode ser obtida por eletroco-
agulação. Normalmente, a sutura não é necessária. Esse método traz maiores benefícios aos
pacientes que tenham grande número de lesões ou extensa área acometida, ou, ainda, em ca-
sos resistentes a outras formas de tratamento. Na presença de lesão vegetante no colo uterino,
deve-se excluir a possibilidade de se tratar de uma neoplasia intraepitelial antes de iniciar o
tratamento. Essas pacientes devem ser referidas a um serviço de colposcopia para diagnósti-
co diferencial e tratamento adequado. Dor local, sangramento e cicatrização deformante são
os principais efeitos colaterais desse procedimento. (BRASIL, 2015).
Rodolfo Anísio Santana de Torres Bandeira e Daniel Cernach Ayres - 296

2.7 Prevenção da infecção pelo HPV


O uso de preservativo nas relações sexuais diminui significativamente o risco de desenvolvi-
mento de condiloma acuminado e de lesões de alto grau no colo uterino. No caso de infecção na vul-
va, na região pubiana, perineal e perianal ou no escroto, o HPV poderá ser transmitido apesar desse
método preventivo. O preservativo feminino, que cobre também a vulva, evita, de forma mais eficaz
a transmissão, se utilizado desde o início da relação sexual. A manutenção da higiene pessoal e a va-
cinação contra o HPV são outras medidas de prevenção.
A partir de 2014, o MS ampliou o Calendário Nacional de Vacinação, com a introdução da va-
cina quadrivalente contra HPV tipos 6, 11, 16 e 18. A prevenção de lesões genitais pré-cancerosas do
colo do útero, de vulva e de vagina em mulheres, e anal em ambos os sexos, está relacionada aos ti-
pos 16 e 18, e, as verrugas genitais em mulheres e homens, aos tipos 6 e 11.
Em 2015, o MS alterou o esquema vacinal para duas doses (0,6 meses), não sendo necessá-
ria a terceira dose para adolescentes na faixa etária de nove a 13 anos, conforme estabelece a Nota
Informativa nº 149/2015 – CGPNI/DEVIT/SVS/MS, fundamentada por estudos recentes que mostram
a resposta de anticorpos com esquema de duas doses não inferior à resposta imune com três doses.
A vacina é potencialmente mais eficaz para adolescentes vacinadas antes do primeiro contato sexual,
induzindo a produção de anticorpos em quantidade dez vezes maior do que a encontrada em infecção
naturalmente adquirida em um prazo de dois anos.
Desde janeiro de 2017, o Ministério da Saúde ampliou a vacinação contra o HPV para meni-
nos de 11 a 15 anos. 
É importante destacar que, para mulheres vivendo com HIV/AIDS, recomenda-se a vacina contra
o HPV na faixa etária de nove a 26 anos de idade, com esquema diferenciado de doses (0, 2 e 6 me-
ses), considerando a maior frequência de neoplasias anogenitais e lesões intraepiteliais decorrentes
do HPV em PVHA, como mostram as evidências científicas
A vacinação desse grupo passa a ser realizada em todos os postos de vacinação, nos Centros de
Referência para Imunobiológicos Especiais (CRIE) e nos Serviços de Atenção Especializada (SAE)
que possuem sala de vacina. No entanto, mantém-se a necessidade de prescrição médica para mulhe-
res vivendo com HIV, a qual deverá ser apresentada no ato da vacinação.
A colpocitologia oncótica detecta as lesões oncogênicas decorrentes da infecção pelo HPV no
colo uterino. O exame deve ser feito, preferencialmente, por mulheres entre 25 a 64 anos que têm ou
já tiveram atividade sexual. Os dois primeiros exames devem ser realizados com intervalo de um ano
e, se os resultados forem normais, o exame passará a ser feito a cada três anos, conforme diretrizes
do MS, exceto nas mulheres vivendo com HIV/AIDS, quando deve ser realizado anualmente, mes-
mo com resultados normais. O exame é um procedimento seguro, com pouco ou nenhum incômodo,
executado em alguns minutos. (BRASIL, 2015).
297 - Capítulo XXII | Doenças Sexualmente Transmissíveis

2.8 Fluxograma para manejo clínico das verrugas genitais

Fonte: Autores

3 Úlceras genitais
As úlceras genitais representam síndrome clínica produzida por agentes infecciosos sexualmen-
te transmissíveis e que se manifestam como lesões ulcerativas erosivas, precedidas ou não por pústu-
las e/ou vesículas, acompanhadas ou não de dor, ardor, prurido, drenagem de material mucopurulento,
sangramento e linfadenopatia regional.

3.1 Etiologia da úlcera genital


Os agentes etiológicos infecciosos mais comuns nas úlceras genitais são:
a. T. pallidum (sífilis primária e secundária);
b. HSV-1 e HSV-2 (herpes perioral e genital, respectivamente);
c. H. ducreyi (cancroide);
d. C. trachomatis, sorotipos L1, L2 e L3 (LGV);
e. K. granulomatis (donovanose).
Rodolfo Anísio Santana de Torres Bandeira e Daniel Cernach Ayres - 298

Esses agentes podem ser encontrados isoladamente ou em associação em uma mesma lesão,
como, por exemplo, úlcera genital por T. pallidum e HSV-2. A prevalência dos agentes etiológicos
sofre influência de fatores geográficos, socioeconômicos, múltiplas parcerias sexuais, uso de drogas,
entre outros.
A presença de úlcera genital está associada a elevado risco de transmissão e aquisição do HIV e
tem sido descrita como a principal causa para a difusão do vírus nas populações de maior vulnerabi-
lidade; portanto, o diagnóstico e tratamento imediato dessas lesões constitui uma medida de preven-
ção e controle da epidemia de HIV.

3.2 Aspectos específicos das úlceras genitais


Os aspectos clínicos das úlceras genitais são bastante variados e têm baixa relação de sensibili-
dade e especificidade com o agente etiológico, mesmo nos casos considerados clássicos. O diagnóstico
com base na impressão clínica apresentou valores preditivos positivos muito baixos – 30,9% para sífi-
lis e 32,7% para cancroide – por ocasião do estudo de validação da abordagem sindrômica no Brasil.
Embora a úlcera genital esteja frequentemente associada às ISTs na população sexualmente ati-
va, em particular nos adolescentes e adultos jovens, a queixa de úlcera genital não é exclusividade das
IST e pode estar associada com infecções inespecíficas por fungos, vírus ou bactérias (ex.: dermato-
ses bolhosas, como o pênfigo, o eritema multiforme e a dermatite de contato; líquen plano erosivo;
aftas; lesões traumáticas; erupção fixa por drogas e até mesmo lesões malignas, como o carcinoma
espinocelular). Em pelo menos 25% dos pacientes com úlcera genital não há confirmação laborato-
rial do agente etiológico.

3.2.1 Sífilis primária e secundária


A sífilis primária, também conhecida como “cancro duro”, ocorre após o contato sexual com o
indivíduo infectado. O período de incubação é de 10 a 90 dias (média de três semanas). A primeira
manifestação é caracterizada por uma úlcera, geralmente única, que ocorre no local de entrada da
bactéria (pênis, vulva, vagina, colo uterino, ânus, boca, ou outros locais do tegumento), indolor, com
base endurecida e fundo limpo, rica em treponemas. Esse estágio pode durar entre duas e seis semanas,
desaparecendo espontaneamente, independentemente de tratamento.
A sífilis secundária surge em média entre seis semanas e seis meses após a infecção. Podem
ocorrer erupções cutâneas em forma de máculas (roséola) e/ou pápulas, principalmente no tronco; eri-
temata palmo-plantares; placas eritematosas branco-acinzentadas nas mucosas; lesões pápulo-hiper-
tróficas nas mucosas ou pregas cutâneas (condiloma plano ou condiloma lata); alopecia em clareira e
madarose. A sintomatologia pode desaparecer espontaneamente em poucas semanas. Mais raramen-
te, observa-se comprometimento hepático, quadros meníngeos e/ou até oculares, em geral uveítes.
299 - Capítulo XXII | Doenças Sexualmente Transmissíveis

3.2.2 Herpes genital


Os HSV tipos 1 e 2 pertencem à família Herpesviridae, da qual fazem parte o citomegalovírus
(CMV), o vírus da varicela zoster, o vírus Epstein-Barr e o vírus do herpes humano 8. Todos são DNA-
vírus que variam quanto à composição química e podem ser diferenciados por técnicas imunológicas.
Embora os HSV-1 e HSV-2 possam provocar lesões em qualquer parte do corpo, há predomínio do
tipo 2 nas lesões genitais e do tipo 1 nas lesões periorais.
As manifestações da infecção pelo HSV podem ser divididas em infecção herpética primária e
em recidivas. Sabe-se que muitas pessoas que adquirem a infecção por HSV nunca desenvolverão ma-
nifestações e que a proporção de infecções sintomáticas é estimada entre 13% e 37%. Entre as pessoas
com infecção pelo HIV, as manifestações tendem a ser dolorosas, atípicas e de maior duração. A pri-
moinfecção herpética tem um período de incubação médio de seis dias. Em geral, é uma manifestação
mais severa caracterizada pelo surgimento de lesões eritemato-papulosas de um a três milímetros de
diâmetro, que rapidamente evoluem para vesículas sobre base eritematosa, muito dolorosas e de loca-
lização variável na região genital. O conteúdo dessas vesículas é geralmente citrino, raramente turvo.
O quadro local na primoinfecção costuma ser bastante sintomático e, na maioria das vezes, é
acompanhado de sintomas gerais, podendo cursar com febre, mal-estar, mialgia e disúria, com ou sem
retenção urinária. Em especial, nas mulheres, pode simular quadro de infeção urinária baixa. A linfa-
denomegalia inguinal dolorosa bilateral está presente em 50% dos casos.
Quando há acometimento do colo do útero, é comum o corrimento vaginal, que pode ser abun-
dante. Entre os homens, o acometimento da uretra pode provocar corrimento uretral e raramente é
acompanhado de lesões extragenitais. O quadro pode durar de duas a três semanas.
Após a infecção genital, o HSV ascende pelos nervos periféricos sensoriais, penetra nos núcleos
das células dos gânglios sensitivos e entra em um estado de latência. A ocorrência de infecção do gân-
glio sensitivo não é reduzida por qualquer medida terapêutica.
Após a infecção genital primária por HSV-2 ou HSV-1, respectivamente, 90% e 60% dos pacien-
tes desenvolvem novos episódios nos primeiros 12 meses, por reativação viral. Essa reativação pode
dever-se a quadros infecciosos, exposição à radiação ultravioleta, traumatismos locais, menstruação,
estresse físico ou emocional, antibioticoterapia prolongada e/ou imunodeficiência.
O quadro clínico das recorrências é menos intenso que o observado na primoinfecção e pode ser
precedido de sintomas prodrômicos característicos, como prurido leve ou sensação de “queimação”,
mialgias e “fisgadas” nas pernas, quadris e região anogenital.
A recorrência tende a ser na mesma localização da lesão inicial, geralmente, em zonas inerva-
das pelos nervos sensitivos sacrais. As lesões podem ser cutâneas e/ou mucosas. Apresentam-se como
vesículas agrupadas sobre base eritematosa, que evoluem para pequenas úlceras arredondadas ou po-
licíclicas. Nas mucosas, não é comum a evidenciação das vesículas, uma vez que seus tetos rompem
muito facilmente. Mais raramente, a ocorrência de lesões pode ser acompanhada de sintomas gerais.
Rodolfo Anísio Santana de Torres Bandeira e Daniel Cernach Ayres - 300

As lesões têm regressão espontânea em sete a dez dias, com ou sem cicatriz. A tendência natural dos
surtos é a de se tornarem menos intensos e menos frequentes com o passar do tempo.
As gestantes portadoras de herpes simples apresentam risco acrescido de complicações obstétri-
cas, sobretudo quando a infecção ocorre no final da gestação. O maior risco de transmissão do vírus
acontece no momento da passagem do feto pelo canal de parto. A infecção pode ser ativa (em apro-
ximadamente 50% dos casos) ou assintomática. Recomenda-se, portanto, a realização de cesariana
sempre que houver lesões herpéticas ativas.
Nos pacientes com imunodepressão, podem ocorrer manifestações atípicas com lesões ulcera-
das ou hipertróficas, apresentando grandes dimensões e persistindo na ausência de tratamento local
ou até mesmo sistêmico. Os diagnósticos diferenciais incluem o cancroide, a sífilis, o LGV, a dono-
vanose e as ulcerações traumáticas.

3.2.3 Cancroide
O cancroide é uma afecção de transmissão exclusivamente sexual, provocada pelo H. ducreyi.
Em todo o mundo, sua incidência parece estar diminuindo, embora a infecção ainda possa ocorrer em
algumas regiões da África, da América do Sul e do Caribe. Como o herpes genital e a sífilis, o cancroide
é um fator de risco na transmissão e contágio pelo HIV. Caracteriza-se por lesões múltiplas (podendo,
no entanto, haver uma única lesão) e habitualmente dolorosas, mais frequentes no sexo masculino.
Denomina-se também cancro mole, cancro venéreo ou cancro de Ducrey. O período de incubação é
geralmente de três a cinco dias, podendo se estender por até duas semanas. O risco de infecção em
uma relação sexual é de 80%.
As lesões são dolorosas, geralmente múltiplas, devido à autoinoculação. A borda é irregular, apre-
sentando contornos eritemato-edematosos e fundo irregular, recoberto por exsudato necrótico, ama-
relado, com odor fétido e que, quando removido, revela tecido de granulação com sangramento fácil.
No homem, as localizações mais frequentes são no frênulo e sulco bálano-prepucial; na mulher,
na fúrcula e face interna dos pequenos e grandes lábios. Em 30% a 50% dos pacientes, o bacilo atinge
os linfonodos inguinocrurais (bubão), sendo unilaterais em 2/3 dos casos, observados quase exclusi-
vamente no sexo masculino pelas características anatômicas da drenagem linfática. No início, ocorre
tumefação sólida e dolorosa, evoluindo para liquefação e fistulização em 50% dos casos, tipicamen-
te por orifício único. Raramente, apresenta-se sob a forma de lesão extragenital ou doença sistêmica.
A drenagem espontânea, quando ocorre, faz-se tipicamente por orifício único. A cicatrização
pode ser desfigurante. A aspiração, com agulha de grosso calibre, dos gânglios linfáticos regionais
comprometidos, pode ser indicada para alívio de linfonodos tensos e com flutuação. São contraindi-
cadas a incisão com drenagem ou excisão dos linfonodos acometidos.
A combinação de uma úlcera genital dolorosa e concursando com adenopatia inguinal supura-
tiva sugere o diagnóstico de Cancroide. O diagnóstico diferencial é feito com cancro duro (sífilis pri-
mária), herpes genital, LGV, donovanose e erosões traumáticas infectadas.
301 - Capítulo XXII | Doenças Sexualmente Transmissíveis

3.2.4 Linfogranumoma venéreo (LGV)


O LGV é causado por C. trachomatis, sorotipos L1, L2 e L3. A manifestação clínica mais co-
mum do LGV é a linfadenopatia inguinal e/ou femoral, já que esses sorotipos são altamente invasivos
aos tecidos linfáticos. Os últimos surtos entre HSH estão relacionados ao HIV.
A evolução da infecção ocorre em três fases: inoculação, disseminação linfática regional e se-
quelas, que são descritas a seguir:
Fase de inoculação: inicia-se por pápula, pústula ou exulceração indolor, que desaparece sem
deixar sequela. Muitas vezes, não é notada pelo paciente e raramente é observada pelo profis-
sional de saúde. Localiza-se, no homem, no sulco coronal, frênulo e prepúcio; na mulher, na pa-
rede vaginal posterior, colo uterino, fúrcula e outras partes da genitália externa;
Fase de disseminação linfática regional: no homem, a linfadenopatia inguinal desenvolve-se en-
tre uma a seis semanas após a lesão inicial, sendo geralmente unilateral (em 70% dos casos) e
constituindo-se o principal motivo da consulta. Na mulher, a localização da adenopatia depen-
de do local da lesão de inoculação;
Fase de sequelas: o comprometimento ganglionar evolui com supuração e fistulização por ori-
fícios múltiplos, que correspondem a linfonodos individualizados, parcialmente fundidos numa
grande massa. A lesão da região anal pode levar a proctite e proctocolite hemorrágica. O conta-
to orogenital pode causar glossite ulcerativa difusa, com linfadenopatia regional. Podem ocorrer
sintomas gerais, como febre, mal-estar, anorexia, emagrecimento, artralgia, sudorese noturna e
meningismo. Aqueles bubões que se tornarem flutuantes podem ser aspirados com agulha cali-
brosa, não devendo ser incisados cirurgicamente. A obstrução linfática crônica leva à elefantí-
ase genital, que na mulher é denominada estiomene. Além disso, podem ocorrer fístulas retais,
vaginais, vesicais e estenose retal.
Recomenda-se a pesquisa de C. trachomatis em praticantes de sexo anal que apresentem úlce-
ras anorretais. Mulheres com prática de coito anal ou HSH receptivos podem apresentar proctocolites
como manifestação inicial. O uso de preservativos ou outros métodos de barreira para sexo oral, va-
ginal e anal previnem a infecção por C. trachomatis. Acessórios sexuais devem ser limpos antes da
utilização, sendo necessariamente de uso individual.
O diagnóstico de LGV deve ser considerado em todos os casos de adenite inguinal, elefantíase
genital, estenose uretral ou retal.

3.2.5 Donovanose
É uma IST crônica progressiva, causada pela bactéria K. granulomatis. Acomete preferencial-
mente pele e mucosas das regiões genitais, perianais e inguinais. É pouco frequente, ocorrendo na
maioria das vezes em climas tropicais e subtropicais. A donovanose (granuloma inguinal) está fre-
quentemente associada à transmissão sexual, embora os mecanismos de transmissão não sejam bem
conhecidos, com transmissibilidade baixa.
Rodolfo Anísio Santana de Torres Bandeira e Daniel Cernach Ayres - 302

O quadro clínico inicia-se com ulceração de borda plana ou hipertrófica, bem delimitada, com
fundo granuloso, de aspecto vermelho vivo e de sangramento fácil. A ulceração evolui lenta e progres-
sivamente, podendo tornar-se vegetante ou ulcerovegetante. As lesões costumam ser múltiplas, sendo
frequente a configuração em “espelho”, em bordas cutâneas e/ou mucosas.
Há predileção pelas regiões de dobras e região perianal. Não ocorre adenite, embora raramente
possam se formar pseudobubões (granulações subcutâneas) na região inguinal, quase sempre unilate-
rais. Na mulher, a forma elefantiásica é uma sequela tardia, sendo observada quando há predomínio
de fenômenos obstrutivos linfáticos. A localização extragenital é rara e, quase sempre, ocorre a partir
de lesões genitais ou perigenitais primárias.
O diagnóstico diferencial de donovanose inclui sífilis, cancroide, tuberculose cutânea, amebía-
se cutânea, neoplasias ulceradas, leishmaniose tegumentar americana e outras doenças cutâneas ulce-
rativas e granulomatosas.

3.2.6 Fluxograma para manejo clínico das úlceras genitais

Fonte: Autores

3.3 Métodos diagnósticos para úlceras genitais


Sempre que houver disponibilidade, deve-se fazer o exame a fresco do exsudato da lesão.
O exame em campo escuro permite a pesquisa do T. pallidum e pode ser realizado tanto com
amostras obtidas nas lesões primárias, como nas lesões secundárias da sífilis, em adultos ou em crian-
ças. A amostra utilizada é o exsudato seroso das lesões ativas, livre de eritrócitos, outros organismos
e restos de tecido. Esse método possui sensibilidade variando de 74% a 86% e sua especificidade pode
alcançar 97%, dependendo da experiência do técnico que realiza o exame.
303 - Capítulo XXII | Doenças Sexualmente Transmissíveis

O material é levado ao microscópio com condensador de campo escuro, permitindo a visuali-


zação do T. pallidum vivo e móvel, devendo ser analisado imediatamente após a coleta da amostra.
Os outros agentes que causam úlceras genitais também podem ter o diagnóstico presuntivo realiza-
do por meio de biologia molecular (NAAT) e exames bacterioscópicos que utilizam as colorações de
Gram e Giemsa.

3.4 Tratamento para úlcera genital


Veja nos quadros:
Quadro 3 apresenta o tratamento para as úlceras genitais de etiologia herpética

Quadro 4 mostra o tratamento para cancroide, LGV e donovanose

Quadro 5 – tratamento para sífilis.

Quadro 3 – Tratamento para herpes genital

Fonte: Autores
Rodolfo Anísio Santana de Torres Bandeira e Daniel Cernach Ayres - 304

Quadro 4 – Tratamento para cancroide, LGV e donovanose

Fonte: Autores

Quadro 5 – Tratamento para sífilis

Fonte: Autores
305 - Capítulo XXII | Doenças Sexualmente Transmissíveis

Leitura recomendada
BRASIL. Ministério da Saúde. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT): atenção integral
as pessoas com Infeções Sexualmente Transmissíveis (IST). Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2015.
Disponível em: <http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2015/protocolo-clinico-e-diretrizes-terapeuticas-
-para-atencao-integral-pessoas-com-infeccoes>. Acesso em: 06 fev. 2018.
CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION. Sexually Transmitted Diseases,
Treatment Guidelines, 2010. Atlanta: CDC, 2010. Disponível em: <https://www.cdc.gov/std/treat-
ment/2010/std-treatment-2010-rr5912.pdf>. Acesso em: 12 setembro. 2015.
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Capítulo XXIII
Interpretação clínica do PSA
Nelson Gaspar Dip Júnior
307 - Capítulo XXIII | Interpretação clínica do PSA

Considerações gerais
Excetuando-se os tumores de pele não melanoma, o câncer de próstata (CaP) é o tumor malig-
no mais comum do homem no Brasil (www.inca.gov.br) e a terceira causa de óbito por câncer nos
Estados Unidos. Embora com incidência em queda (2% no último ano), calcula-se que por volta de
19% dos homens serão diagnosticados com CaP no decorrer da vida, com 16% de taxa média de mor-
talidade. Especula-se que esses altos índices estejam relacionados a uma série de fatores, dentre os
quais se destacam o aumento da expectativa de vida da população, a hereditariedade e a raça negra.
Os tumores da próstata são bastante heterogêneos no que diz respeito ao seu comportamento clí-
nico, e algumas ferramentas são utilizadas para prever o comportamento da doença. Dentre os princi-
pais indicadores de comportamento da neoplasia destacam-se o estadiamento clínico, os níveis séricos
de antígeno prostático específico (PSA) e o grau histológico de Gleason que, em conjunto, auxiliam
na classificação do CaP como favorável ou desfavorável, dirimindo estratégias para o seu manejo.
O papel central do rastreamento para o câncer de próstata baseia-se no princípio médico aplica-
do a qualquer neoplasia maligna, isto é, sua detecção precoce, porque este fato implica em menor vo-
lume tumoral, doença restrita ao órgão e maiores chances de cura. Partindo-se desta premissa, o PSA
trouxe grande contribuição à prática médica urológica, sendo capaz de identificar desde tumores in-
dolentes até os extraprostáticos. Atualmente, o PSA faz parte de todos os algoritmos de diagnóstico,
sendo considerado o melhor marcador tumoral em oncologia.

Biologia do PSA
O PSA foi identificado e purificado por Wang e colaboradores em 1979. Foi quantitativamente
medido pela primeira vez por Papsidero e colaboradores em 1980 e, a partir de então, Stamey e cola-
boradores conduziram o estudo inicial para o uso clínico do PSA como marcador do CaP. Trata-se de
uma glicoproteína (serina protease) de 33 KDa de cadeia única composta por 237 aminoácidos, pro-
duzida a partir do gene do PSA, localizado no braço longo do cromossomo 19 (19q13.2-13.4). A re-
gulação gênica do PSA ocorre principalmente por estímulo androgênico, estando ativo em condições
fisiológicas de atividade das células prostáticas, e também nas patológicas, incluindo processos infla-
matórios, hiperplásicos, isquêmicos e neoplásicos malignos da próstata.
A produção do PSA depende de basicamente três fatores: (1) do nível de atividade do gene do
PSA, (2) da quantidade de PSA secretada por célula, e (3) do número de células produtoras. A produ-
ção do PSA é praticamente constante durante as 24 horas do dia, embora ela possa sofrer pequenas va-
riações não significativas num homem normal, cuja produção celular prostática poder variar em 30%,
para mais ou para menos, em torno dos níveis fisiológicos basais. Algumas condições como toque re-
tal, atividade sexual e manipulações menores do trato urinário como uretrocistoscopia não alteram
significativamente os níveis de PSA. Por outro lado, enquanto inibidores da 5-alfa redutase podem
reduzir à metade os níveis séricos do marcador, a retenção urinária pode dobrá-los, e algumas situa-
Nelson Gaspar Dip Júnior - 308

ções como atividades físicas ou esportivas que envolvam a região perineal e a biópsia prostática po-
dem aumentar em várias vezes esses valores e propiciar falsas interpretações clínicas. Em condições
inflamatórias como as prostatites, por exemplo, a concentração do PSA pode se elevar muitas vezes.
Esse fato se dá pela lise celular e pelas barreiras prostáticas provocadas pela atividade do processo in-
flamatório local e liberação do PSA para a corrente sanguínea. Nos processos neoplásicos malignos,
a elevação do PSA ocorre pelo maior número de células originárias do processo cancerígeno, com
consequente aumento da quantidade absoluta de PSA que atinge a circulação sanguínea (o aumento
do PSA ocorre por maior número absoluto de células malignas e não de uma maior quantidade pro-
duzida por cada célula). Em termos práticos, uma célula normal produz a mesma quantidade de PSA
que uma célula alterada por qualquer processo patológico, e fatores relacionados à integridade celu-
lar e às barreiras de proteção é que vão definir quais os níveis séricos finais do marcador. Embora haja
algumas limitações, a média dos valores basais de produção do PSA é de 0,1 ng/dL para cada grama
de próstata normal, 0,3 ng/dL para cada grama de próstata hiperplásica e 3 ng/dL para cada grama de
tecido prostático tumoral. As patologias que acometem a próstata (HPB, prostatites, câncer) são as
principais responsáveis pelo aumento do PSA sérico, mas nem todos os homens com comprometi-
mento prostático apresentam alterações nos níveis do PSA. Essa ideia também é valida para o câncer
de próstata, o que torna o PSA um teste não específico para essa neoplasia (o PSA é considerado ór-
gão-específico e não doença-específico).
O produto proteico gerado a partir do gene do PSA é inativo e denominado Pré-Pró-PSA, que
sofre por duas vezes a ação enzimática da calicreína 2 (hK2). Na primeira clivagem, a molécula perde
17 aminoácidos, tornando-se uma molécula ainda inativa (Pró-PSA). Na segunda clivagem, o Pró-PSA
perde mais 7 aminoácidos, transformando-se na sua forma ativa, o PSA propriamente dito (Figura 1).
309 - Capítulo XXIII | Interpretação clínica do PSA

Figura 1 – Clivagem citoplasmática do PSA até a molécula ativa

Todo esse processo ocorre no citoplasma da célula secretória do epitélio prostático, e a en-
zima ativa (PSA propriamente dito) destina-se principalmente à luz dos ácinos e ductos acinares
prostáticos, tornando-se uma constituinte do fluido seminal, onde desempenhará sua função. O PSA
tem um papel fundamental na reprodução, uma vez que promove a lise do coágulo seminal, permi-
tindo a ascensão do espermatozoide em direção ao óvulo. Os níveis de PSA no sêmen são de 103 a
106 vezes maiores em relação aos plasmáticos e sua ação ocorre através de sua atividade lítica so-
bre sua proteína-alvo, a semenogelina, produzida pelas vesículas seminais e responsável pela for-
mação do coágulo seminal.
Essa pequena porção do PSA que ultrapassa a barreira prostática e atinge a circulação sanguí-
nea, pode ser encontrado nas formas livre ou ligada (conjugada ou complexada). O PSA na forma
livre não se apresenta ligado a nenhuma outra molécula, não possui atividade biológica e geralmen-
te ocorre numa fração que pode variar entre 5% e 40% da concentração sérica total. A forma ligada,
conjugada ou complexada é a mais abundante (60-95% da concentração sérica total) e está associada
a uma molécula proteica (proteína carreadora). Existem basicamente 3 dessas proteínas: 𝛼-1 antiqui-
motripsina (ACT), 𝛼 -2 macroglobulinas (A2M) e inibidores de protease (IP).
Nelson Gaspar Dip Júnior - 310

Sessenta a noventa por cento do PSA conjugado está na forma PSA-ACT, 10-20% na forma
PSA-A2M e 1-5% na forma PSA-IP. As interações moleculares entre o PSA e suas proteínas carre-
adoras são importantes por conta da possibilidade de mensuração. Desse modo, as formas livre e as
conjugadas PSA-ACT e PSA-IP podem ser dosadas, enquanto que a forma conjugada PSA-A2M não
pode ser medida no plasma humano pelas técnicas laboratoriais convencionais.
A meia-vida média do PSA sérico é de 3 dias, existindo uma queda exponencial a partir do mo-
mento em que é produzido. Tanto o PSA livre quanto o ligado/conjugado é eliminado por biotransfor-
mação hepática. Os rins não participam do seu processo de eliminação e, portanto, qualquer quadro
de insuficiência renal não altera a dinâmica do PSA sérico em humanos.

Características do PSA
Uma análise crítica é fundamental para que o PSA seja capaz de traduzir uma interpretação clí-
nica correta. Uma única dosagem sérica desse marcador define apenas um determinado momento no
curso de uma patologia ou condição prostática, sendo raramente capaz de identificar uma situação clí-
nica para tomada de decisões terapêuticas específicas. Desse modo, torna-se importante a mensuração
dos níveis séricos de PSA ao longo do tempo, assim esclarecendo a evolução natural da patologia para
que seja possível inferir características próprias da doença, inclusive o diagnóstico.
A interpretação dos valores do PSA ao longo do tempo envolve basicamente quatro caracterís-
ticas de comportamento desse marcador: (1) a produção associada à idade, (2) a densidade, (3) a ve-
locidade de crescimento e (4) a relação livre/total (ou fração de PSA livre).

1 PSA x idade
Considerando a produção do PSA ao longo dos anos, claramente se nota um aumento da sua
produção conforme o homem envelhece. Este fato torna-se bastante lógico quando se observa um
aumento da glândula prostática a partir da 5ª década de vida, onde um maior número de células
decorrentes da hiperplasia prostática benigna (HPB) certamente produziria uma concentração final
maior de PSA. Assim, três premissas ficam evidentes. Primeiro, o valor de corte do PSA se alterará
conforme a idade do paciente. Segundo, uma vez que a próstata cresce com a idade, a faixa etária do
homem poderia inferir o tamanho da próstata. Terceiro, os níveis de PSA refletem o aumento da zona
de transição, a responsável pela HPB e suas consequências clínicas. Os valores de corte definidos para
a idade atualmente considerados são 2,5 ng/dL até 50 anos, 3,5 ng/dL para aqueles entre 50 e 60 anos,
4,5 ng/dL para os que têm entre 60 e 70 anos, e 6,5 ng/dL para os pacientes dentro da faixa de 70 a 80
anos. Todavia, esses valores de corte melhoram a especificidade, mas diminuem a sensibilidade para
a detecção do câncer de próstata e não devem ser considerados sozinhos.
311 - Capítulo XXIII | Interpretação clínica do PSA

2 Densidade do PSA
A densidade do PSA é a quantidade do antígeno produzido por grama de tecido prostático. Nesse
caso, o que melhor se associa a essa relação é o tecido da zona de transição da próstata, justamente a
que cresce na HPB. Essa característica tem importância na diferenciação diagnóstica entre a HPB e
o câncer de próstata. A densidade média do PSA para uma glândula normal ou hiperplásica varia em
torno de 0,1 e densidades maiores podem sugerir um processo neoplásico maligno. Assim, por exemplo,
para uma próstata de 40 gramas, espera-se um valor médio de PSA em torno de 4 ng/dL, para uma de
60 gramas, 6 ng/dL, para uma de 100 gramas, 10 ng/dL, e assim sucessivamente. Contudo, tumores
de pequeno volume podem produzir pequenas concentrações de PSA e cursarem com densidades
menores que 0,15. Essa característica define um dos critérios de Epstein, utilizados para identificar
carcinomas indolentes.

3 Velocidade de Crescimento do PSA


A velocidade de crescimento do PSA é definida como o quanto o PSA aumenta no período de
um ano. É calculada utilizando-se o PSA basal do ano anterior e traduzida em ng/dL/ano. Elevações
rápidas do PSA podem, por exemplo, serem provocadas por processos inflamatórios agudos e ressecção
endoscópica da próstata, que promovem grande lise celular e importante rompimento das barreiras
prostáticas, permitindo que uma grande quantidade de PSA atinja a circulação num curto período de
tempo. Por outro lado, as elevações mais lentas estão relacionadas a uma maior quantidade de PSA
produzida por aumento do número de células prostáticas, como ocorre na HPB e no CaP. Nesses casos,
contudo, a barreira é lentamente rompida e promove uma liberação mais lenta do PSA para a corrente
sanguínea. A velocidade de crescimento esperada para uma glândula não neoplásica é de até 0,75 ng/dL/
ano, e velocidades acima desse valor devem aumentar o índice de suspeita para um tumor. A velocidade
média de crescimento do PSA é bastante diferente para HPB e CaP, girando em torno de 0,48 ng/dL/ano
para a primeira condição e 2,17 ng/dL/ano para a segunda. Velocidades de crescimento acima de 0,75 ng/
dL/ano possuem 90% de especificidade diagnóstica para o CaP, mas fatores limitantes como as variações
biológicas do PSA e a utilização de diferentes kits podem comprometer a análise correta desse parâmetro.

4 Relação livre/total
A relação livre/total (L/T) do PSA é definida pela divisão do PSA livre pelo PSA total. A fração
total do PSA nada mais é que a soma das concentrações das formas livre e complexada ou ligada (PSAT
= PSAL + PSAc). A forma livre pode ser medida e não se liga a nenhuma proteína carreadora, enquanto
que a forma ligada se conjuga a três principais proteínas (ACT, A2M e IP – vide seção anterior). É
importante salientar que a forma complexada do PSA praticamente se traduz pela dosagem de PSA-ACT,
uma vez que a forma PSA-A2M não pode ser detectada e a PSA-IP existe em quantidades séricas muito
pequenas. Entretanto, a forma complexada tem uma série de limitações e atualmente não é mensurada
Nelson Gaspar Dip Júnior - 312

de rotina, nem utilizada na prática clínica. A relação do PSA é uma ferramenta utilizada como auxiliar
no diagnóstico diferencial entre HPB e CaP, válida quando o PSA se encontra dentro da denominada
zona cinzenta, isto é, entre 4 e 10 ng/dL. Nesses casos, a relação L/T sugere doença benigna (HPB)
quando maior que 18% e maligna (câncer), quando menor que 18%, podendo evitar ou indicar uma
avaliação diagnóstica mais específica, como a biópsia prostática. Catalona et al. (1998), considerando
maiores porcentagens de corte, observaram que a relação L/T menor que 25% diagnosticou 95% dos
cânceres de próstata e maior que 25% evitou 20% de biópsias.
Embora com porcentagens de corte ainda não bem definidas, o risco de CaP é maior que 50%
quando a relação L/T está entre 0% e 10%, tornando-se menor que 10% quando essa mesma relação é
maior que 25%. Esses achados podem ser biologicamente explicados. Quando se inicia o processo car-
cinogênico de um tumor prostático, as células tumorais vão sendo lentamente produzidas e as barreiras
sendo ultrapassadas conforme o tumor cresce. Desse modo, a quantidade de PSA que alcança a corren-
te sanguínea também vai aumentando de forma lenta. Esse fato permite que o fígado consiga produ-
zir uma quantidade suficiente de proteínas carreadoras que são capazes de conjugar a maior parte deste
PSA circulante, propiciando pequenas quantidades séricas da fração livre e, consequentemente, a baixa
relação L/T. Nos processos benignos e inflamatórios a lise celular e o rompimento da barreira são mais
evidentes, fato que aumenta a fração livre circulante que, por sua vez, aumenta a relação L/T do PSA.

PSA e o diagnóstico do câncer de próstata


A mensuração do PSA é o melhor teste para o diagnóstico precoce do câncer prostático. Embora
a interpretação de seus níveis dependa de uma avaliação cuidadosa, ele pode ser considerado um tes-
te de decisão, principalmente quando associado ao toque retal (TR). Segundo Candas et al. (2000), o
PSA sozinho foi capaz de diagnosticar 90,5% e 90% dos tumores prostáticos na primeira consulta e
no seguimento, respectivamente, em mais de 55.000 homens avaliados. Além disso, os autores obser-
varam que esses índices aumentam quando a mensuração do PSA é associada ao TR e ao US trans-
retal da próstata.
Apesar de elevações mais altas e mais frequentes serem observadas na doença maligna, 25% das
HPB produzem PSA entre 4 e 10 ng/dL, consequentes do aumento benigno da próstata. Já está bem
estabelecido que a dosagem do PSA aumenta a chance de detecção do CaP órgão-confinado, e estudos
observacionais demonstraram que a probabilidade de diagnóstico da doença através da biópsia pros-
tática é diretamente proporcional aos níveis de PSA sérico. Assim, a chance de diagnóstico do CaP é
de 25-35% para níveis séricos entre 4 e 10 ng/dL, e 50% para níveis acima de 10 ng/dL. Labrie et al.
(1992) pontuaram que os valores preditivos positivos (VPP) do PSA no diagnóstico do CaP são 25%,
33%, 51% e 90% para valores de PSA maiores que 3, 4, 10 e 30 ng/dL, respectivamente.
A maioria dos estudos demonstra que a análise dos níveis séricos do PSA e seu comportamento são
capazes de diagnosticar precocemente a neoplasia e reduzir os índices de mortalidade. Entretanto, essa
313 - Capítulo XXIII | Interpretação clínica do PSA

estratégia pode aumentar a detecção do câncer indolente (aquele de bom comportamento e que não neces-
sita de tratamento), propiciar tratamento exagerado e diminuir a qualidade de vida dos homens tratados.

PSA e o estadiamento do câncer de próstata


Os níveis séricos de PSA se relacionam diretamente com o volume de tumor e com o estádio
clínico da doença. Praticamente todos os nomogramas desenvolvidos para a estratificação de risco do
câncer de próstata utilizam o PSA como integrante fundamental.
Estadiar significa determinar a extensão de um câncer presente no organismo. Geralmente um
tumor inicia-se no sítio primário (próstata) e depois dissemina-se para os linfonodos associados à
drenagem linfática da próstata para, por fim, atingirem outros órgãos (metástases). No caso do CaP,
basicamente 3 condições podem ocorrer: doença localizada (apenas restrita à próstata – sítio primá-
rio), doença localmente avançada (já ultrapassou os limites prostáticos, mas ainda está restrita à pelve
masculina, podendo comprometer linfonodos) e doença metastática (disseminada para outros órgãos,
como por exemplo, o osso). Desse modo, um estadiamento adequado deve sempre considerar o tumor
(T), os linfonodos (N) e as metástases (M), sendo definido pela American Joint Committee on Cancer
(AJCC) como estadiamento TNM.
Para o estadiamento T, de um modo geral, 80% dos tumores encontram-se confinados à prós-
tata quando o PSA é < 4 ng/dL e, conforme o PSA se eleva, a chance de doença extraprostática au-
menta proporcionalmente, de forma que mais de 60% dos tumores estão restritos à próstata quando
o PSA está entre 4 e 10 ng/dL. Por outro lado, menos de 40% deles estão confinados à próstata quan-
do o PSA atinge níveis > 10 ng/dL. Essa previsão torna-se ainda mais eficaz quando os níveis de PSA
são associados ao TR e ao escore de Gleason da biópsia.
Considerando o estádio N, os valores de PSA também estão relacionados ao acometimento lin-
fonodal. Níveis de PSA < 10 ng/dL implicam em invasão linfonodal praticamente desprezível. Por ou-
tro lado, embora estudos não sejam capazes de estabelecer uma associação exata entre níveis de PSA
variando de 4 a 50 ng/dL e o estádio N da doença, parece existir uma maior chance de acometimento
linfonodal quando os valores de PSA são mais elevados.
Em relação à presença de metástases (estádio M), o PSA é o melhor método preditivo de do-
ença metastática óssea. As prevalências de comprometimento ósseo por metástases tumorais são de
0,3%, 3-4% e 21% para valores de PSA < 10 ng/dL, entre 10 e 20 ng/dL e > 20 ng/dL, respectivamen-
te. Essas correlações podem direcionar os métodos de imagem para estadiamento e também as estra-
tégias terapêuticas.

PSA como marcador de resposta ao tratamento do CAP


Os níveis séricos do PSA podem ser utilizados para avaliar a resposta a quatro tipos de tratamen-
to para o câncer de próstata: (1) prostatectomia radical (PTR), (2) radioterapia (RT), (3) hormoniotera-
Nelson Gaspar Dip Júnior - 314

pia (HT) e (4) quimioterapia (QT). De modo prático e conceitual, a PTR é utilizada para tratamento da
doença restrita à próstata (localizada), a RT pode ser usada em doença localizada e localmente avan-
çada, enquanto que a HT e a QT são opções usadas para doença metastática.
O PSA é muito útil e confiável como marcador de resposta ao tratamento cirúrgico radical, es-
tando relacionado à recorrência bioquímica (elevações do PSA após a retirada da próstata canceríge-
na) e à progressão da doença. Atualmente, considera-se controle completo da doença e ausência de
progressão quando os níveis de PSA ficam abaixo de 0,2 ng/dL após o PSA atingir o nadir 60-90 dias
depois do procedimento cirúrgico. Níveis maiores que 0,2 ng/dL após esse período, são traduzidos
como recorrência bioquímica da neoplasia e, geralmente, um tratamento complementar deve ser con-
siderado. O nadir do PSA é o ponto mais baixo alcançado em sua curva de queda, depende da meia-
-vida da protease, e valores ideais estimados são aqueles muito próximos de zero. Caso o nadir não
alcance níveis < 0,2 ng/dL, estabelece-se a presença de doença residual e, portanto, falha a estratégia
terapêutica inicial empregada. Esses casos necessitam obrigatoriamente de tratamento complementar
para o controle da doença. Casos que recorrem após terem atingido um nadir < 0,2 ng/dL são mais fa-
voráveis que aqueles que mantiveram um nadir acima desse valor.
A radioterapia pode ser empregada como forma de tratamento curativo ou complementar para
o CaP. Quando utilizada com intenção curativa, apresenta índices de controle da doença e de compli-
cações semelhantes aos da cirurgia radical. Esse tipo de terapia implica em promover a morte das cé-
lulas tumorais a partir da aplicação da radiação e, a presença da próstata in situ não permitirá que o
PSA atinja níveis indetectáveis. O modo mais confiável de supervisionar a evolução do CaP frente ao
tratamento é a mensuração do PSA após o mesmo ter alcançado o nadir. Nesses casos, o nadir é muito
mais prolongado, levando, em média, 18 meses para ser alcançado. De modo prático, o controle da
doença é definido quando o PSA atinge níveis por volta de 1 ng/dL, sendo a recorrência considerada
quando ocorre um aumento de pelo menos 2 ng/dL após o nadir ser alcançado.
O PSA também pode ser utilizado como um marcador de resposta à quimioterapia, o último tipo
de tratamento empregado para controle do CaP. Embora também exista uma dificuldade em se definir
valores de referência, uma queda nos níveis de PSA > 50% em relação aos valores pré-tratamento in-
dica boa resposta à terapia quimioterápica. Contudo, o esperado é que o PSA alcance valores < 4 ng/
dL, traduzindo uma maior sensibilidade das células neoplásicas aos agentes quimioterápicos, impli-
cando em melhores resultados de sobrevida.

Leitura recomendada
BRASIL. Ministério da Saúde. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT): atenção integral
as pessoas com Infeções Sexualmente Transmissíveis (IST). Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2015.
Disponível em: <http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2015/protocolo-clinico-e-diretrizes-terapeuticas-
-para-atencao-integral-pessoas-com-infeccoes>. Acesso em: 06 fev. 2018.
315 - Capítulo XXIII | Interpretação clínica do PSA

CANDAS, B. et al. Evaluation of prostatic specific antigen and digital rectal examination as screening
tests for prostate cancer. Prostate, v. 45, n. 1, Sept. 2000. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.
gov/pubmed/10960839>. Acesso em: 01 mar. 2018.
CATALONA, W. J. et al. Use of the percentage of free prostate-specific antigen to enhance differen-
tiation of prostate cancer from benign prostatic disease: a prospective multicenter clinical trial. JAMA,
v. 279, n. 19, May 1998. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/9605898>. Acesso
em: 01 mar. 2018.
COONER, W. H. et al. Prostate cancer detection in a clinical urological practice by ultrasonography,
digital rectal examination and prostate specific antigen. J Urol., v. 143, n. 6, June 1990. Disponível
em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/1692885>. Acesso em: 01 mar. 2018.
GRAEFEN, M. et al. International validation of a preoperative nomogram for prostate cancer recur-
rence after radical prostatectomy. J Clin Oncol., v. 20, n. 2, Aug. 2002. Disponível em: <http://asco-
pubs.org/doi/abs/10.1200/jco.2002.12.019?journalCode=jco>. Acesso em: 01 mar. 2018.
INSTITUTO NACIONAL DO CÂNCER (INCA). Disponível em: <http://www.inca.gov.br>. Acesso
em: 01 mar. 2018.
KAVADI, V. S.; ZAGARS, G. K.; POLLACK, A. Serum prostate-specific antigen after radiation the-
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LABRIE, F. et al. Serum prostate specific antigen as pre-screening test for prostate cancer. J Urol., v.
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SIEGEL, R.; MILLER, K. D.; JEMAL A. Cancer statistics, 2017. CA Cancer J Clin., v. 67, n. 1, Jan.
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STAMEY, T. A. et al. Prostate-specific antigen as a serum marker for adenocarcinoma of the prosta-
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ZAGARS, G. K. et al. Prostate-specific antigen and radiation therapy for clinically localized prosta-
te cancer. Int Radiat Oncol Biol Phys., v. 32, n. 2, May 1995. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.
nih.gov/pubmed/7538498>. Acesso em: 01 mar. 2018.
ZAGARS, G. K.; POLLACK, A. Kinectics of serum prostate-specific antigen after external beam
radiation for clinically localized prostate cancer. Radiother Oncol., v. 44, n. 3, Sept. 1997. Disponível
em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/9380819>. Acesso em: 01 mar. 2018.
VOLTAR SEÇÃO I

SEÇÃO II

SEÇÃO III

Seção IV
Tumores Urológicos
Capítulo XXIV – Câncer de próstata, 317
Eduardo Hidenobu Taromaru
Capítulo XXV – Câncer de bexiga, 334
Alexandre Crippa Sant’Anna
Capítulo XXVI – Câncer de rim, 346
Octavio Henrique Arcos Campos
Capítulo XXVII – Câncer de testículo, 365
Felipe Goulart Nehrer
VOLTAR

Capítulo XXIV
Câncer de próstata
Eduardo Hidenobu Taromaru
318 - Capítulo XXIV | Câncer de próstata

Introdução
O câncer de próstata (CaP) é a segunda neoplasia mais frequente entre os homens em todo o
mundo, com 233.000 mil novos casos e 29.480 mortes em 2014 nos EUA. O câncer de próstata só
fica atrás do câncer de pele não melanoma.
Segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA), o número de casos novos estimados para o
Brasil em 2016 foi de 61.200, correspondendo a um risco estimado de 51 casos novos a cada 100 mil
homens. O número estimado de mortes por CaP foi de 13.772 em 2013.
A incidência do CaP aumentou de forma dramática no início da década de 90, concomitantemen-
te à utilização do antígeno prostático específico (PSA) sérico, que é uma glicoproteína da família das
calicreínas produzida pelo epitélio prostático. O PSA não é considerado exclusivamente um marca-
dor câncer-específico, mas sim órgão-especifico, podendo estar alterado não só no CaP, mas também
na hiperplasia prostática benigna (HPB), traumas, prostatites, entre outras. Depois de um pico inicial,
as taxas de incidência caíram, mas têm persistido a uma taxa quase duas vezes maior que a registra-
da na era pré-PSA. O aumento da incidência do CaP pode ser parcialmente justificado pela evolução
dos métodos diagnósticos, melhoria na qualidade dos sistemas de informação do país e aumento da
expectativa de vida dos homens.
O risco de CaP em homens americanos (que vivem nos EUA) é estimado em 1 para cada 6 ho-
mens. Assim, o risco de um homem ter um CaP diagnosticado durante a sua vida é de 16%, dado que
demonstra a alta prevalência desta neoplasia. Entretanto, o risco de mortalidade é de apenas 3,4%, o
que consolida a sua indolência numa grande proporção de casos.

1 Fatores de risco
Os fatores de risco para o desenvolvimento do CaP não são bem conhecidos, entretanto, exis-
tem três fatores de risco estabelecidos:
• Aumento da idade;
• Origem étnica (raça negra);
• Predisposição genética.
Na presença de um parente de primeiro grau com CaP, o risco aumenta 2 vezes. Se dois ou mais
parentes de primeiro grau são afetados, o risco aumenta em 5-11 vezes. Uma pequena subpopulação
de homens com CaP (cerca de 9%) tem verdadeiro CaP hereditário. Isso é definido na presença de três
ou mais parentes afetados, ou pelo menos dois parentes que desenvolveram a doença precocemente,
ou seja, antes dos 55 anos. Pacientes com CaP hereditário geralmente têm início de doença seis a sete
anos mais cedo do que os casos esporádicos, mas esses tumores não são diferentes no que diz respei-
to as suas demais características. Os genes HPC-1 e BRC-1 são os responsáveis pela transmissão he-
reditária do CaP
Eduardo Hidenobu Taromaru - 319

Fatores de risco exógenos como dieta, comportamento sexual, consumo de álcool, exposição à
radiação ultravioleta e exposição ocupacional podem ter papel no desenvolvimento do CaP, mas ain-
da faltam evidências para consolidá-los como fatores de risco definitivos.

2 Rastreamento (screening) do câncer de próstata


O screening do CaP deve ser realizado após ampla discussão de riscos e potenciais benefícios.
A Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) recomenda que homens a partir de 50 anos devem procu-
rar um profissional especializado. Aqueles que possuem parentes de primeiro grau com CaP ou são
de raça negra deverão iniciar o rastreamento aos 45 anos. As diretrizes mais recentes da Associação
Americana de Urologia (AUA) trouxeram mudanças importantes nas condutas de rastreamento com
PSA para CaP. Baseando-se nos ensaios clínicos que fundamentaram essas diretrizes, somente os pa-
cientes com idade entre 55–69 anos deveriam ser considerados para o rastreamento, após exposição
dos benefícios e riscos. Caso o paciente opte pela realização do screening, a avaliação deverá ser anu-
al através do toque retal (TR) e dosagem do PSA. Após os 75 anos, o screening é recomendado ape-
nas aos homens com expectativa de vida acima de 10 anos.

3 Diagnóstico
O diagnóstico definitivo do CaP é baseado no estudo histopatológico da próstata. A biópsia trans-
retal de próstata guiada por ultrassom (BTRP) é o método recomendado na grande maioria dos casos
suspeitos. São recomendadas, no mínimo, a retirada sistematizada de 12 fragmentos de locais dife-
rentes da glândula (de forma prática, 2 fragmentos do ápice, região média e base direitos e esquer-
dos). Recomenda-se um número maior de fragmentos em próstatas de maior volume (acima de 40g).
Classicamente a BTRP é solicitada na presença de TR alterado (presença de nódulo ou área de
endurecimento) ou níveis de PSA fora dos padrões esperados, após as adequações necessárias para a
idade e volume da próstata. Os níveis sanguíneos do PSA não se mantêm estáveis ao longo da vida,
com tendência de elevação sérica com o avançar da idade. São 4 as características (ou refinamentos)
de adequação do PSA: adequação para a idade (PSA x idade), relação livre/total (ou % de PSA livre),
velocidade de crescimento e densidade.
• PSA x Idade
Segue, abaixo, os valores da normalidade do PSA ajustados à idade (Tabela 1).
320 - Capítulo XXIV | Câncer de próstata

Tabela 1 – Valores de PSA ajustados à idade

Fonte: Autores

• Relação L/T (% PSA livre)


Essa relação deve ser utilizada apenas quando o PSA total se encontra entre 4 e 10 ng/dL, faixa
conhecida como zona cinzenta (gray zone).
Quando a relação é menor que 10%, o risco de doença aumenta significativamente. Em contra-
partida, para valores acima de 20%, a probabilidade de CaP é reduzida e, provavelmente, ocorre do-
ença benigna (HPB, por exemplo)
• Velocidade de crescimento do PSA
A velocidade de crescimento do PSA total normal é de até 0,75 ng/dL por ano. Dessa forma, va-
lores de crescimento acima desse ponto de corte reforçam a hipótese de CaP.
Em pacientes abaixo de 50 anos, a velocidade de crescimento mais adequada é de até 0,4 ng/
dL/ano.
• Densidade do PSA
A densidade do PSA é definida como o valor do PSA total dividido pelo volume da próstata
(peso, em gramas). Em geral, cada 1 g de próstata normal produz 0,1 ng/dL de PSA total. Entretanto,
uma densidade de até 0,15 é considerada adequada em próstatas não tumorais. Próstatas aumentadas
de tamanho com densidade inferior a 0,15 indica, provavelmente, uma HPB. Valores acima de 0,15
costumam sugerir doença neoplásica (CaP).
Para maiores detalhes sobre esses aspectos, veja o capítulo Interpretação Clínica do PSA.
BTRP negativa para tumor na presença de forte suspeita de CaP indica a necessidade de uma nova
biópsia (re-biópsia), que deve ser solicitada com intervalo mínimo de seis a oito semanas. A chance
Eduardo Hidenobu Taromaru - 321

positividade dessa nova biópsia varia de 15 a 30%, principalmente nos pacientes com PSA persisten-
temente elevado, velocidade de crescimento do PSA > 0,75 ng/ml/ano e na presença de proliferação
atípica de pequenos ácinos (ASAP) na primeira biópsia.
Em casos específicos de ASAP, a conduta atualmente mais adequada é o estudo imuno-histoquí-
mico (IHQ) dos fragmentos acometidos por ASAP, dispensando a necessidade da re-biópsia caso se
confirme o diagnóstico de CaP. O estudo imuno-histoquímico avalia a presença de células da mem-
brana basal ductal que, quando ausentes, identifica o CaP (perda das células da membrana basal). O
IHQ é bastante sensível para a pesquisa do CaP e deve sempre ser realizado em pacientes portadores
de ASAP, porque essa condição está associada ao CaP em, pelo menos, metade dos casos.
Quando realizadas com técnicas adequadas, o máximo de 4 biópsias devem ser solicitadas em
períodos de tempo determinados. As chances de detecção diagnóstica em 4 biópsias consecutivas são
decrescentes, passando de 34% para 19%, 8% e 5%, respectivamente. Por esse motivo, após a segunda
biópsia realizada, deve-se discutir a utilização da biópsia de saturação (número maior de fragmentos
retirados, principalmente em áreas suspeitas). Esse tipo de biópsia aumenta a chance de positividade,
fornece dados sobre a extensão da doença, reduz a possibilidade de subestadiamento, tendo maior re-
levância nos casos de indicação de seguimento vigilante (active surveillance). A ressonância magné-
tica multiparamétrica da próstata com espectroscopia, pode direcionar a biópsia para áreas suspeitas
em pacientes com PSA elevado e biópsias negativas.
A BTRP necessita de analgesia para o controle da dor, podendo ser realizada com anestesia local
e bloqueio da região posterolateral da próstata, ou com sedação. A combinação de bloqueio anestési-
co local e sedação garante maior conforto ao paciente. O procedimento necessita de antibioticoprofi-
laxia, e o regime mais adotado é o uso de uma quinolona por 3 a 5 dias.
As complicações não são infrequentes. As mais comuns são sangramento retal, hematúria,
episódios vasovagais, infecção, febre, hematospermia, disúria persistente, prostatite aguda e urossep-
se. Além dessas, a repetição da BTRP pode causar disfunção erétil por lesão direta dos nervos eréteis,
localizados posterolateralmente à próstata.
Para informações mais detalhadas sobre BTRP, veja o capítulo Exames Urológicos Específicos.

4 Possíveis achados da BTRP


• Adenocarcinoma de próstata
Noventa e oito por cento dos tumores malignos prostáticos correspondem ao adenocarcinoma
de próstata, tendo o sistema de graduação de Gleason um papel primordial no prognóstico da doen-
ça. O sistema (ou escore) de Gleason baseia-se na arquitetura microscópica do tumor e é composto
por cinco padrões histológicos (1 a 5). Do menor para o maior, as células malignas vão progressiva-
mente perdendo a diferenciação celular (quanto mais diferenciada, mais próxima da célula normal) e
adquirindo arquitetura mais complexa. Nesse sentido, o escore de Gleason pode classificar o tumor
322 - Capítulo XXIV | Câncer de próstata

em padrões mais bem diferenciados (padrão 1, 2 e 3), até aqueles pouco diferenciados ou indiferen-
ciados (padrão 4 e 5) (Figura 1).

Figura 1 – Classificação histológica de Gleason. Observe a evolução do epitélio normal até o padrão 5. Note a
crescente perda de diferenciação e da complexidade arquitetural, além do aumento da relação núcleo-citoplasma
da célula maligna

O escore de Gleason é composto por dois valores (duas notas). Ambas as notas variam de 1 a 5,
sendo a primeira atribuída ao padrão mais prevalente, e a segunda igualmente atribuída ao segundo
padrão mais prevalente nos fragmentos analisados pelo patologista. Dessa forma, o escore de Gleason
pode variar de 2 a 10, mas na prática atual, a maioria dos CaP possui escore ≥ 6. Portanto, tumores
compostos por padrões 3, 4 e ou 5 são considerados clinicamente significativos, assim classificados:
o Neoplasia de baixo grau – Gleason 3+3
o Neoplasia de grau intermediário – Gleason 3+4 ou 4+3
o Neoplasia de alto grau – Gleason 4+4, 4+5, 5+4 ou 5+5
A partir de 2014 foi proposto um valor prognóstico à graduação de Gleason, agrupando pacien-
tes com CaP em categorias diferentes, dependendo do escore de Gleason apresentado na biópsia. Os
pacientes foram então classificados em 5 grupos de prognósticos distintos:
o ISOP 1 – Gleason 3+3
o ISOP 2 – Gleason 3+4
Eduardo Hidenobu Taromaru - 323

o ISOP 3 – Gleason 4+3


o ISOP 4 – Gleason 4+4
o ISOP 5 – Gleason 4+5, 5+4 e 5+5
• Proliferação Atípica de Pequenos Ácinos (ASAP)
Termo utilizado em caso de dúvida, quando não há critérios suficientes para o diagnóstico do
câncer. O diagnóstico pode ser confirmado pela imuno-histoquímica, entretanto, nos casos onde o diag-
nóstico é negativo para CaP, os pacientes devem ser acompanhados com cuidado, pois cerca de 40%
dos portadores de ASAP desenvolverão CaP.
• Neoplasia Intraepitelial Prostática (PIN)
São lesões atípicas do epitélio de revestimento de ductos e ácinos. As células se parecem dife-
rentes daquelas usuais do tecido prostático normal, porém não apresentam características de maligni-
dade. Cerca de 20% dos pacientes com PIN de alto grau têm CaP ou vão desenvolvê-lo. Esses casos
exigem acompanhamento mais cauteloso. Para PIN de baixo grau, a chance de CaP é muito pequena
e esse achado não deve ser considerado um problema.
• Prostatites
Infiltrados inflamatórios são relativamente comuns em biópsias de próstata, e não significam ne-
cessariamente uma prostatite de significado clínico.
• Hiperplasia Prostática Benigna (HPB)
Crescimento não neoplásico, devido à hiperplasia do estroma e do tecido glandular. O diagnósti-
co é histológico e se refere à proliferação do músculo liso e das células epiteliais da zona de transição.
• Atrofia
Resultante de inflamação, isquemia, radiação ou hormonioterapia. Apesar do caráter aparente-
mente infiltrativo, sua disposição preserva a estrutura lobular da glândula prostática, e não existem
atipias celulares ou nucléolos evidentes. Não é considerada alteração pré-maligna.

5 Estadiamento
Assim como os outros tumores urológicos, o estadiamento do CaP é feito pelo sistema TNM, de-
senvolvido pela American Joint Committee on Cancer (AJCC). A Tabela 2 demonstra o TNM/AJCC
disponível mais atualizado.
324 - Capítulo XXIV | Câncer de próstata

Tabela 2 – Estadiamento do CaP TNM/AJCC – 7. edição (2010)

Fonte: Autores
Eduardo Hidenobu Taromaru - 325

6 Exames complementares
Os exames complementares são solicitados com o intuito de detectar possíveis extensão da do-
ença para linfonodos ou metástases à distância.
A principal via de disseminação linfática é a cadeia ilíaco-obturadora. A principal via de disse-
minação hematogênica é a óssea, principalmente do esqueleto axial, quadril e fêmur (85%). Metástase
visceral ocorre para fígado e pulmão em pacientes com doença terminal.
Para o planejamento do tratamento, e com o intuito de simplificar a interpretação dos dados e
prever a resposta terapêutica, D’Amico propôs a estratificação em grupos de risco, para prever o ris-
co de doença extraprostática (Tabela 3).

Tabela 3 – Grupos de risco para doença extraprostática, conforme a classificação de risco D’Amico

Fonte: Autores

7 Outros exames laboratoriais


O PCA-3 (Prostate Cancer Antigen 3) pode ser determinado a partir de uma amostra de urina co-
letada após TR vigoroso. Pode auxiliar na decisão da solicitação da BTRP em pacientes com níveis de
PSA em uma faixa indeterminada (2,5 a 10 ng/dL) e para pacientes com biópsia prévia negativa, com
níveis persistentemente elevados de PSA. O nível de PCA3 ≥ 35 aumenta a certeza diagnóstica do CaP.

8 Exames de imagem

8.1 US de Próstata via Abdominal


Alterações encontradas na ultrassonografia suprapúbica são semelhantes tanto para pacientes com
HPB quanto para CaP, gerando muitos falso-positivos. Tem sensibilidade de 72,7% e especificidade
326 - Capítulo XXIV | Câncer de próstata

de 72,2%, e não deve ser utilizado na rotina para confirmação diagnóstica da doença. O US transretal,
da mesma forma, não acrescenta vantagens ao diagnóstico do CaP, tem baixa sensibilidade para detec-
ção de invasão extraprostática e não melhora a acurácia do TR em predizer doença órgão-confinada.

8.2 Cintilografia óssea


Deve ser solicitada para pacientes com PSA > 20ng/dL, e/ou Gleason ≥ 7 e/ou estádio clíni-
co ≥ T2c, e/ou dor óssea, características encontradas na doença de risco intermediário ou alto risco.
Cintilografia óssea não deve ser solicitada para doença de baixo risco, porque a chance de metásta-
ses é praticamente nula.

8.3 Tomografia Computadorizada de Pelve


Deve ser solicitada para pacientes com PSA > 20 ng/dL e/ou Gleason ≥ 7 e/ou estádio clínico
≥ T2c. Pacientes com cintilografia óssea demonstrando metástase óssea, a TC de pelve pode ser des-
cartada, uma vez que o tratamento inicial não será alterado.

8.4 Ressonância Magnética Multiparamétrica da Próstata


Combina o aspecto anatômico em sequências ponderadas em T2 com coeficiente de difusão e
captação de contraste. O aspecto típico de uma lesão suspeita é a presença de hipossinal em T2 na
zona periférica. Este exame detecta 95% dos tumores com escore de Gleason > 7 e volume tumoral
a partir de 0,5 ml, apresentando valor preditivo negativo de 80 a 98% para tumores de alto risco. Na
tentativa de padronizar e melhorar os resultados na detecção de CaP, foi criado o sistema de classifi-
cação de PI-RADS, conforme Tabela 4.

Tabela 4 – Classificação de PI-RADS para probabilidade de CaP.

Fonte: Autores
Eduardo Hidenobu Taromaru - 327

Na presença de PI-RADS maior ou igual a 3, tem-se indicado BTRP, mas esse achado ainda não
deve ser considerado como indicação isolada de biópsia.
Este exame tem demonstrado papel importante também na vigilância ativa e no planejamen-
to cirúrgico. Apresenta alta acurácia para detecção de extensão extraprostática (67 a 93%) de acordo
com o tamanho da extensão, detectando 14% das lesões de 1 mm e 100% das lesões acima de 5 mm.

9 Tratamento
Pacientes com diagnóstico recente de CaP devem ser informados sobre um plano de tratamento.
Esta decisão é altamente individualizada, com base na preferência pessoal, idade, performance status,
estilo de vida, gravidade da doença e função sexual.
As características patológicas, o nível do PSA e estadiamento clínico determinado pelo TR são
utilizados para predizer a gravidade da doença.

9.1 CaP Localizado


• Vigilância Ativa (Active Surveillance)
Pode ser recomendada para pacientes com CaP de baixo risco e baixo volume tumoral. Além
das características relativas ao critério de D´Amico para doença de baixo risco (PSA <10 e Gleason ≤
6 e TR ≤ T2a), os critérios de Epstein também devem ser considerados. Eles incluem:
o Baixo volume tumoral (até 0,5 ml)
o Densidade do PSA < 0,15
o Até 2 fragmentos da biópsia comprometidos
o Até 50% da extensão dos fragmentos avaliados
O acompanhamento deve ser realizado com PSA e TR semestral e BTRP anual. A elevação do
PSA > 2 ng/dL/ano, tempo de duplicação do PSA menor que três anos, piora dos parâmetros da bi-
ópsia e evolução da doença ao TR definem falhas da observação vigilante, e uma estratégia terapêu-
tica diferente deve ser proposta.
• Prostatectomia Radical (PTR)
Indicada para pacientes com tumores localizados e expectativa de vida superior a 10 anos, sen-
do raramente indicada em homens acima de 70 anos. A cirurgia consiste na remoção da próstata (in-
cluindo a cápsula) e as vesículas seminais, com anastomose entre a uretra e colo vesical. Pacientes
com tumor de risco intermediário e alto são complementados com linfadenectomia pélvica.
Sob o ponto de vista oncológico, não há diferença entre as modalidades cirúrgicas retropúbica,
perineal, laparoscópica ou robótica no que se refere a resultados funcionais ou oncológicos, entretan-
to, a cirurgia laparoscópica robô-assistida mostra menor taxa de sangramento e uma tendência à recu-
peração precoce da continência urinária e da função erétil.
328 - Capítulo XXIV | Câncer de próstata

A recidiva bioquímica (aumento do PSA sem evidência clínica de doença) após a cirurgia é con-
siderada em pacientes com elevação de PSA acima de 0,2 ng/dL após atingir o nadir (valor mais bai-
xo alcançado após 60 dias da cirurgia, que deve ser praticamente zero em pacientes adequadamente
operados e sem doença extraprostática), podendo ser indicada radioterapia de resgate. Em situações
de recidiva bioquímica precoce, isto é, antes de completar 1 ano da cirurgia, possibilidade de metás-
tase deve ser suspeitada e investigada. Recidivas bioquímicas após 1 ano do procedimento traduzem
recidiva local (na loja prostática) em quase todos os casos.
As principais complicações pós-operatórias da PTR são:
o Disfunção erétil – em média 50% recuperam a ereção, sendo que o pico de melhora ocor-
re a partir de 6-9 meses, podendo a recuperação abranger até 18 meses de pós-operatório.
o Incontinência urinária – 70% apresentam perdas urinárias nos 3 primeiros meses, mas
ao final do primeiro ano, apenas 5-10% permanecem com algum grau de incontinência.
o Estenose do colo vesical (na anastomose uretrovesical) – Infrequente, afetando cerca de
2-3% dos pacientes.
• Radioterapia (RT)
Radioterapia externa conformacional é indicada para pacientes com CaP de risco baixo e inter-
mediário. A RT também é indicada para pacientes com tumores localizados, com expectativa de vida
superior a 10 anos, sendo raramente realizada em homens acima de 70 anos. A dose total empregada
é de 74 a 81 Gy (2 a 2,25 Gy/dia por 30 a 36 dias, escalonadas em 35 sessões, em média). A duração
do efeito da RT após seu início, perdura por aproximadamente 2 anos.
Outra opção, com taxas semelhantes de controle da doença, é a braquiterapia, um tipo de RT
aplicada diretamente no tecido prostático sob forma de sementes radioativas implantadas por punção
transretal ou transperineal. Idealmente, a braquiterapia está indicada para pacientes com CaP de bai-
xo risco, com volumes prostáticos abaixo de 40 gramas. O material radioativo é o Irídio-192, e a dose
total é de 38 Gy (4 frações de 9,5 Gy em 2 dias) ou implante permanente. A eficácia oncológica é se-
melhante aos resultados da prostatectomia radical.
Após radioterapia, a recidiva bioquímica é definida pela elevação do PSA total acima de 2 ng/
ml após o nadir ser alcançado. Diferentemente do nadir após a cirurgia, o tempo para o PSA alcançar
o nadir após a RT está em torno de 12-18 meses.
As principais complicações pós-radioterapia mais importantes são:
o Disfunção erétil – cerca de 30 a 40% dos homens previamente potentes podem ter sua
função sexual afetada. Geralmente a DE ocorre de maneira mais insidiosa, podendo le-
var meses após o término da RT.
o Retite ou cistite actínica – 10 a 15% dos pacientes podem apresentar inflamação actínica
retal (enterorragia) ou vesical (hematúria macroscópica, e sintomas de armazenamento
como disúria, polaciúria ou nictúria).
Eduardo Hidenobu Taromaru - 329

o Incontinência urinária – pode ocorrer em 3-5% dos homens após a RT.


o Fístula retovesical ou retouretral – ocorre em 1% dos casos.
• PTR x RT
Considerando as probabilidades de cura, cirurgia e radioterapia oferecem as mesmas chances.
Cerca de 20-30% dos pacientes de baixo risco de D’Amico, submetidos a uma das duas modalidades
de tratamento curativo, acabam sofrendo recidiva da doença. Este número sobe para 60-80% em pa-
cientes de alto risco. Não existe um critério bem estabelecido, mas levando-se em conta a possibilida-
de futura de recidiva da doença, pacientes mais jovens (abaixo de 60-65 anos), preferencialmente são
candidatos à cirurgia, pois caso haja recidiva da doença, a RT com intenção curativa pode ser consi-
derada. Ao contrário, ao operar um paciente pós-RT, as complicações como disfunção erétil e incon-
tinência urinária podem atingir cifras tão altas como 100% e 20%, respectivamente.
• Terapia Focal
As terapias de preservação têm sido propostas com o objetivo de minimizar os efeitos colaterais
inerentes a terapêuticas clássicas radicais. No entanto, suas indicações devem ser discutidas individu-
almente, pois essas terapias ainda não estão consolidadas por estudos clínicos. Resultados posterio-
res serão analisados para definir seu papel no tratamento do CaP e seus principais efeitos colaterais.
As principais modalidades são:
o Térmicas – Crioterapia e HIFU (High Intensity Focused Ultrasound)
o Não térmicas – Terapia fotodinâmica vascular com padeliporfina e eletroporação.

9.2 CaP Localmente Avançado


Cerca de 10% dos pacientes possui doença localmente avançada. São os que apresentam inva-
são extracapsular (T3a), invasão de vesícula seminal (T3b) ou linfonodos locorregionais comprome-
tidos, sem sinais de metástase à distância. Pela classificação TNM, são classificados como T3-4 N±
M0. De acordo com a classificação de D’Amico, pacientes com tumor localmente avançado têm, por
definição, doença de alto risco. O manejo desses pacientes ainda é uma questão controversa. Estudos
demonstram que os resultados da PTR como monoterapia confere sobrevida livre de recorrência bio-
química ao redor de 50%. Pacientes que foram submetidos à RT isolada, têm 10-20% de chance de
permanecerem livres de recorrência bioquímica em 10 anos. Dessa forma, o tratamento multimodal
deve ser considerado.
São opções de tratamento multimodal:
• PTR + RT adjuvante (ou de resgate) – consiste na realização da cirurgia seguida de radiote-
rapia complementar no pós-operatório (adjuvante). O momento de início da RT é uma ques-
tão controversa. Enquanto alguns autores defendem seu início precoce, outros advogam que
o tratamento radioterápico adjuvante deve ser introduzido no momento da recorrência bio-
química (RT de resgate).
330 - Capítulo XXIV | Câncer de próstata

• RT + Hormonioterapia (HT) – de longo prazo (> 6 meses, idealmente por 3 anos)


• PTR + HT – a associação de cirurgia com hormonioterapia pode ser recomendada. Entretanto,
não se recomenda a terapia hormonal neoadjuvante (realizada antes da cirurgia) para PTR
pela ausência de evidências de benefícios clínicos.

9.3 CaP Metastático


Considera-se doença metastática quando, no momento do diagnóstico, evidencia-se acometimen-
to ósseo (principal sítio de mestástase do CaP, sendo o esqueleto axial, ossos do quadril e fêmur mais
comumente acometidos) ou visceral (fígado e pulmão) pelos exames realizados para estadiamento.
A base do tratamento é a terapia de privação androgênica (TPA), definida pela supressão da se-
creção dos andrógenos testiculares ou por meio da inibição da ligação dos andrógenos por bloqueio
do receptor androgênico (RA).
• Tratamento Hormonal (TPA) de Primeira Linha
o Castração Cirúrgica – Orquiectomia total ou subcapsular é considerada o padrão-ouro
dentre as TPA, por se tratar de um procedimento simples, efetivo, com poucas compli-
cações e baixo custo. É a forma mais rápida de atingir o nível de castração, usualmente
ocorrendo em menos de 12 horas. Considera-se nível de castração, valores de testoste-
rona inferiores a 20 ng/dL.
o Castração Química – É feita com análagos do LHRH, sendo os mais comumente
utilizados a gosserrelina (3,6 mg 1x/mês ou 10,8 mg a cada 3 meses) e o leuprolide
(ou leuprorrelina) (7,5mg 1x/mês ou 22,5mg a cada 3 meses). O mecanismo de ação
dos análogos de LHRH se dá pela subexpressão dos receptores de LHRH na hipó-
fise anterior. Inicialmente há um aumento da liberação de LH e FSH, que levam a
um aumento da testosterona circulante (efeito flare), e numa segunda fase, após ex-
posição crônica ao LHRH, há uma diminuição na liberação hormonal, e consequen-
temente o nível da testosterona cai para níveis de castração após 2 a 4 semanas. O
efeito flare pode provocar efeitos danosos como aumento tumoral, compressão ra-
dicular ou retenção urinária. O efeito flare deve ser prevenido com a utilização de
antiandrogênicos periféricos antes e durante as primeiras 4 semanas do início dos
análogos de LHRH.
Após seis meses de deprivação androgênica, havendo queda do PSA para menos de 4 mg/dL,
o uso do análogo LHRH poderá ser suspenso, devendo ser reintroduzido quando o PSA atingir valor
próximo de 10ng/dL (terapia intermitente).
Cerca de 50 a 80% dos pacientes podem apresentar fogachos tornando necessária a interrupção
do tratamento em alguns casos.
Eduardo Hidenobu Taromaru - 331

o Antiandrogênicos – São bloqueadores hormonais que competem com a testosterona pela


ligação ao RA que, de acordo com sua estrutura bioquímica podem ser classificados em
esteroidais (ciproterona) e não esteroidais (bicalutamida, flutamida). Os esteroidais, além
do bloqueio androgênico periférico, também inibem a liberação de gonadrofinas (FSH e
LH) e suprimem a atividade adrenal, com diminuição nos níveis de testosterona. Como
efeito colateral, o paciente pode desenvolver ginecomastia. Os não esteroidais oferecem
melhor qualidade de vida e adesão, pois não suprimem os níveis séricos de testostero-
na e, consequentemente, preservam a função sexual, o desempenho físico e a densidade
mineral óssea.
o Estrógenos – Inibem a secreção de LHRH pela hipófise, promovem a inativação dos
andrógenos e suprimem diretamente a função das células de Leydig. Devem ser evitados em
pacientes com doença cardiovascular porque aumentam o risco cardíaco. Entretanto, possuem
vantagens importantes como custo reduzido, menos efeitos sobre perdas ósseas e cognição.
• Terapia Combinada
O bloqueio hormonal completo ou máximo se consegue com a associação dos bloqueadores pe-
riféricos, ou seja, medicamentos que atuam competindo com os androgênicos nos receptores periféri-
cos (mais comumente utilizados são os antiandrogênicos não esteroidais), combinado com a castração
cirúrgica ou castração química (mais comumente utilizados são os análogos de LHRH).

9.4 CaP Resistente à Castração


Considera-se falha do tratamento hormonal, ou seja, doença hormônio-refratária, quando, mes-
mo com testosterona em níveis de castração (< 20 ng/dl), ocorre:
• Elevações consecutivas do PSA durante o acompanhamento, onde geralmente o PSA é maior
que 2,0 ng/dL.
• Progressão clínica, isto é, aparecimento de novas lesões ósseas (metástases) ou aumento de
lesão de partes moles.
• Quimioterapia (QT)
o Docetaxel – É o quimioterápico de escolha no CaP hormônio-resistente. Cerca de 60%
dos casos irão evoluir com queda do PSA 6 meses após seu inicio, em média. Porém,
invariavelmente, a doença irá sofrer progressão.
o Cabazitaxel – quimioterápico considerado de segunda escolha.
• Abiraterona
Provoca diminuição nos níveis intracelulares de testosterona através da inibição da enzima 17-al-
fa-hidroxilase/17,20 liase (CYP17). Deve ser usada em associação com prednisona ou prednisolona,
evitando-se os efeitos colaterais como retenção hídrica, edema e hipocalemia, relacionados à ação mi-
332 - Capítulo XXIV | Câncer de próstata

neralocorticoide desta droga. Alguns estudos têm advogado o uso de abiraterona pré-quimioterapia,
com a justificativa relacionada á termos de sobrevida global e livre de progressão, evitando-se os efei-
tos colaterais da quimioterapia.
• Enzalutamida
Possui maior afinidade pelo receptor de androgênio em comparação aos outros antiandrogêni-
cos periféricos (bicalutamida), o que impossibilita a sua entrada no núcleo celular e ligação ao DNA,
impedindo assim sua atividade. Sua utilização antes da QT, postergou a necessidade de QT. Os efeitos
colaterais da enzalutamida são hipertensão e fadiga. Enzalutamida é mais vantajosa que abiraterona
porque não interfere na síntese de corticoides, não havendo necessidade de reposição com predniso-
na. Concomitantemente, os custos são bem mais elevados.

9.5 Tratamento Complementar Paliativo


• Bifosfonados – Ácido zoledrônico (4mg/mês), empregado no tratamento das metástases ós-
seas, diminuindo os eventos ósseos como fratura e dor óssea.
• Radioterapia antálgica – Utilizada nas metástases ósseas localizadas e sintomáticas, alivian-
do em quase 80% das dores ósseas, mas por um período limitado. Cerca de 50% dos pacien-
tes acabam apresentando recidiva da dor.
• Radium-223 – Radiofármaco sistêmico usado para tratamento de metástases ósseas sintomá-
ticas em pacientes sem metástases viscerais ou linfonodais.
• Denosumabe – Anticorpo monoclonal humano, antagonista da via de sinalização RANKL,
que controla o desenvolvimento de osteoclastos, evitando-se a osteroporose.

Leitura recomendada
AIZER, A. A. et al. Radical prostatectomy vs intensity-modulated radiation therapy in the manage-
ment of localized prostate adenocarcinoma. Radiother Oncol., v. 93, n. 2, Nov. 2009. Disponível em:
<https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19800702>. Acesso em: 01 mar. 2018.
AMERICAN CANCER SOCIETY. Cancer facts & figures 2014. Atlanta: American Cancer Society;
2014. Disponível em: < https://www.cancer.org/research/cancer-facts-statistics/all-cancer-facts-figu-
res/cancer-facts-figures-2014.html>. Acesso em: 01 mar. 2018.
BROOKS, D. D. et al. Prostate cancer screening 2010: updated recommendations from the American
Cancer Society. J Natl Med Assoc., v. 102, n. 105, May 2010. Disponível em: <http://www.journaln-
ma.org/article/S0027-9684(15)30578-2/fulltext>. Acesso em: 01 mar. 2018.
FICARRA V. et al. Retropubic, laparoscopic, and robot-assisted radical prostatectomy: a systematic
review and cumulative analysis of comparative studies. Eur Urol., v. 55, n. 5, May 2009. Disponível
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JANSSON, K. F. et al. Concordance of tumor differentiation among brothers with prostate cancer.
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PIERORAZIO, P. M. et al. Prognostic Gleason grade grouping: data based on the modified Gleason
scoring system. BJU Int., v. 111, n. 5, May 2013. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pub-
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5347(07)00511-3/fulltext>. Acesso em: 01 mar. 2018.
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Capítulo XXV
Câncer de bexiga
Alexandre Crippa Sant’Anna
335 - Capítulo XXV | Câncer de bexiga

Introdução
O câncer de bexiga (CaB) é o segundo tumor maligno urológico em incidência e uma das neopla-
sias mais estudadas atualmente, assumindo o 7º lugar entre os tumores e a 9ª causa de óbito. No Brasil,
em 2016, foram registrados 9.670 casos novos (7.200 homens e 2.470 mulheres), com a ocorrência de
3.642 óbitos (2.542 homens e 1.099 mulheres). Do nascimento até a morte, a chance de um homem
desenvolver CaB é de 3,8% e a mulher 1,2%, incluindo o tipo invasivo e o carcinoma in situ (Cis).
É um tumor raro antes dos 40 anos, com aumento significativo após a sétima década de vida. A
maior incidência do CaB em homens é provavelmente explicada por diferenças no hábito de fumar
e ocupacionais, os dois principais fatores de risco para a doença. Homens brancos, tabagistas e com
mais de 50 anos de idade é o típico paciente portador de CaB.

1 Fatores de risco
O fator de risco mais bem estabelecido para o CaB é o consumo do tabaco na forma de cigar-
ros. Dados mais recentes sugerem que o fumo aumenta o risco de tumores em duas a seis vezes, e o
aumento da intensidade e/ou duração do tabagismo está diretamente relacionado ao aumento do ris-
co, com período médio de latência de 20 a 30 anos
A ocupação é o segundo fator de risco mais importante para a doença. Foi estimado que a ex-
posição ocupacional pode ser responsável por até 20% de todos os cânceres vesicais. Exposição às
aminas aromáticas (β-naftilamina, 4-aminobifenil (ABP) e benzidina), principalmente entre os traba-
lhadores de indústrias de tinta e de borracha, mostram relação direta com o desenvolvimento do CaB.
A infecção urinária crônica está associada ao desenvolvimento de CaB, principalmente o carci-
noma de células escamosas. Esse tipo de tumor pode ocorrer em pacientes vítimas de trauma raqui-
medular e pacientes sondados por longo tempo, onde infecções de repetição são comuns. O processo
inflamatório crônico pode gerar nitritos e nitrosaminas, que levam ao aumento da proliferação celu-
lar, propiciando erros genéticos.

2 Tipos histológicos
O tipo histológico mais frequente é o carcinoma urotelial de bexiga (CUB), que ocorre em 80 a
90% dos casos e pode se apresentar de modo bastante variado (lesões muito pequenas e imperceptí-
veis até lesões invasivas que tomam toda a bexiga).
Outros tipos de tumor de origem epitelial são menos comuns e incluem o carcinoma de células
escamosas, relacionado a infecções urinárias crônicas e infestação por Schistosoma hematobium e o
adenocarcinoma, que pode ser derivado do úraco ou primário da bexiga.
Alexandre Crippa Sant’Anna - 336

3 Quadro clínico
A hematúria macroscópica indolor é o principal sinal/sintoma. Sinal, se ela for observada pelo
médico examinador, e sintoma se apenas referida pelo paciente. Outras características que acompa-
nham a hematúria são o fato de ocorrer durante toda a micção (hematúria total) e apresentar episódios
de intermitência (o tumor não sangra continuamente).
Tumores que invadem o músculo detrusor podem provocar sintomas de armazenamento por ir-
ritação vesical, principalmente urgência. Entretanto, esses pacientes também podem apresentar ur-
gência e polaciúria.
Tumores avançados e que já estão disseminados além da bexiga, podem cursar com sintomas
inespecíficos ao trato urinário, mas específicos aos sítios de metástase. Edema de membros inferiores
podem ocorrer quando linfonodos pélvicos estão acometidos e promovem compressão da drenagem
linfática. Dor óssea pode estar associada a metástases ósseas, e sintomas respiratórios (tosse, dispneia,
hemoptise) podem estar relacionados com metástases pulmonares.

4 Diagnóstico
A partir de um quadro clínico sugestivo, exames de imagem são fundamentais para identificar
a lesão vesical.
O US de rins e vias urinárias é bastante útil, sendo capaz de identificar lesões acima de 0,5 cm
na parede vesical com acurácia de 80-90%. Além disso, o US pode identificar dilatação do trato uri-
nário superior caso haja invasão dos meatos ureterais com obstrução, e também a presença de coágu-
los no interior da bexiga.
A TC e a RNM são os exames de escolha porque, além de identificarem a lesão vesical, também
avaliam a presença de dilatações e sangramentos, assim como o estadiamento da doença (permitem a ava-
liação da parede vesical, das estruturas extravesicais, dos linfonodos pélvicos dos ossos e dos pulmões.
O médico examinador, através da uretrocistoscopia, é capaz de identificar o número, localiza-
ção e aspecto das lesões. Tumores não invasivos geralmente possuem aspecto papilífero (em forma de
dedos de luva), são pediculados, únicos ou múltiplos, podendo se localizar em qualquer região anatô-
mica da bexiga. Os tumores músculo-invasivos são comumente sésseis, grandes, ulcerados e infiltra-
tivos, também podendo acometer qualquer área da bexiga.
A confirmação diagnóstica é feita através da ressecção endoscópica do tumor por via trasuretral
(RTU de bexiga), que possui os seguintes objetivos:
• Diagnóstico histológico do tumor;
• Estadiamento inicial do tumor (músculo-invasivo ou não invasivo);
• Resseçcão de todas as lesões visíveis (tratamento do tumor);
• Controle de sangramento (tratamento da hematúria).
337 - Capítulo XXV | Câncer de bexiga

Outros exames podem estar alterados, mas são inespecíficos para o diagnóstico do CaB. Por
exemplo, o exame de urina I pode demonstrar hematúria e leucocitúria sem a presença de bactérias
(piúria estéril). A creatinina e a ureia podem estar aumentadas em casos de tumores invasivo que obs-
truem ambos os ureteres, causando uma insuficiência renal de origem pós-renal.

5 Estadiamento
O estádio patológico está entre os mais importantes fatores prognósticos no CUB e é crítico para
a tomada de decisões e acompanhamento do paciente. O sistema mais comumente utilizado é o que
avalia extensão tumoral (T), o comprometimento de linfonodos (N) e a presença de metástases (M),
atualizado periodicamente pela American Joint Committee on Cancer (AJCC) (Tabela 1).
De modo simplificado, o estadiamento discrimina dois tipos principais de tumores com implica-
ções importantes na decisão terapêutica. O CUB denominado não músculo-invasivo (não invadem a
musculatura detrusora), que pode ser classificado como pTa, pT1 ou carcinoma in situ, e o CUB mús-
culo-invasivo que acomete pelo menos a camada muscular própria ou o músculo detrusor (pT2), a
gordura perivesical (pT3) e órgãos adjacentes e parede pélvica (pT4). A Figura 1 exemplifica de modo
prático o estadiamento do CaB.
Entre 70 a 80% dos tumores vesicais são pTa ou pT1 e têm como característica altas taxas de
recorrência (50 a 70%), sendo que apenas 10 a 15% progridem para maior grau ou estádio. Aqueles
que já se apresentam como músculo-invasivos ao diagnóstico, que correspondem a 10 a 20% dos ca-
sos, tendem a progredir rapidamente e têm prognóstico desfavorável.
Para tumores músculo-invasivos a tomografia de abdome total com contraste e o R-X de tórax
são adequados para avaliação da pelve (incluindo a bexiga), órgãos abdominais e pulmões.
Alexandre Crippa Sant’Anna - 338

Tabela 1 – TNM do Câncer de Bexiga pela AJCC (7. ed.)

Fonte: Autores
339 - Capítulo XXV | Câncer de bexiga

Figura 1 – Esquema didático mostrando o estadiamento T do CaB

6 Grau histológico
Na tentativa de simplificar a linguagem e o entendimento entre patologistas, urologistas e on-
cologistas, o sistema da Organização Mundial da Saúde e Sociedade Internacional de Uropatologia
(OMS/ISUP) passou a denominar os carcinomas papilíferos uroteliais em apenas duas categorias: bai-
xo e alto grau.
Carcinoma urotelial papilífero de baixo grau possui uma aparência geral com mínimas varia-
ções na arquitetura e/ou características citológicas, que são facilmente reconhecidas. Os tumores de
alto grau são caracterizados por uma aparência desorganizada a partir de importantes anormalidades
arquiteturais e citológicas.
Em relação ao grau, o mais importante é saber que esse dado histológico, associado ao estadia-
mento T, são os principais fatores prognósticos da doença. Doença de baixo grau tem bom comporta-
Alexandre Crippa Sant’Anna - 340

mento e chances mínimas de progressão para músculo-invasão. Por outro lado, tumores de alto grau
são instáveis geneticamente, agressivos e com chance considerável de progressão para doença invasiva.
O tumor pTa pode se apresentar como doença de baixo grau (pTaBG) ou alto grau (pTaAG).
Todos os demais tipos de tumor (pT1, pTis, pT2, pT3 e pT4) são considerados doença de alto grau,
por conta das alterações genéticas e estruturais que os acompanham. Ao diagnóstico, 70-80% dos tu-
mores são não músculo-invasivos e destes, 70% são pTaBG. Os 10-20% restantes são tumores mús-
culo-invasivos e agressivos.

7 Tratamento
Considerando o CaB como um todo, a grande maioria dos tumores é classificada como doença
não músculo-invasiva e de baixo grau, que apresentam bom prognóstico, pouca capacidade de pro-
gressão, mas altas taxas de recidiva tumoral intravesical. Contudo, embora em menor porcentagem,
tumores de alto grau e/ou músculo-invasiva devem ser encarados como doença de comportamento
ruim, agressiva e com alto potencial de letalidade.
Tumores não músculo-invasivos costumam responder bem aos tratamentos realizados e, mes-
mo com altas taxas de recorrência, 95% dos pacientes estão vivos em 5 anos de acompanhamento.
Por outro lado, tumores músculo-invasivos, a despeito de qualquer estratégia terapêutica, cur-
sam com taxas de mortalidade que podem alcançar 50-60% em 5 anos.
Como já citado anteriormente, o primeiro tratamento após o diagnóstico de uma lesão sólida
tumoral intravesical é a ressecção endoscópica do tumor (RTU-B). Esse procedimento vai permitir o
diagnóstico histológico e o estadiamento inicial, além do tratamento de todas as lesões visíveis (na
maioria dos casos) e o controle da hematúria macroscópica.

7.1 Tratamento dos Tumores Não Músculo-invasivos (pTa, pT1 e pTis)


Após o diagnóstico histológico, estadiamento inicial, e tratamento endoscópico das lesões, tu-
mores não músculo-invasivos podem ser tratados com terapia complementar. Tumores que merecem
tratamento complementar costumar se apresentar como lesões grandes e múltiplas, porque essas têm
mais chance de recorrência na bexiga. A taxa de recorrência de doença não músculo-invasiva pode
variar entre 30-70%, dependendo das características do tumor inicial.
As características que se relacionam com maior recorrência e, portanto, indicam a necessidade
de tratamento complementar são:
• Presença de carcinoma in situ (CIS) associado
• Lesão maior que 3 cm
• Lesões múltiplas (mais que uma)
• Lesões de alto grau
341 - Capítulo XXV | Câncer de bexiga

Os tipos de tratamento complementares à RTU-B incluem a observação vigilante, a re-RTU-B,


a quimioterapia intravesical e a imunoterapia intravesical.
• Observação Vigilante
Pode ser realizada para tumores de muito bom comportamento, isto é, lesão de baixo grau,
única e pequena (< 3 cm). Essas lesões apresentam chance pequena de recidiva. O pacien-
te deve ser acompanhado de perto, com intervalos relativamente curtos de seguimento (a
cada 3 meses nos primeiros 2 anos).
• Re-RTU
A re-RTU consiste de uma nova RTU-B realizada 4-6 semanas após a primeira, com o ob-
jetivo de melhorar o estadiamento da doença. Ela está indicada para a doença de alto risco
(lesões > 3 cm, múltiplas, presença de CIS e alto grau), principalmente quando alto grau
histológico está presente. Até 30% desses tumores de alto risco já são doença invasiva, e a
re-RTU poderá identificar essas características. Esse fato é importante porque o tratamen-
to da doença invasiva é completamente diferente.
• Quimioterapia Intravesical
A principal droga usada para instilação é a mitomicina-C. Estudos demonstram que ela é
capaz de reduzir as taxas de recorrência mas não tem impacto nas taxas de progressão do
CaB. As vantagens do uso da mitomicina-C são a aplicação intravesical no pós-operatório
imediato, a posologia em dose única (uma única vez) e a baixa incidência de efeitos colate-
rais. Entretanto, a irrigação vesical deve permanecer fechada por cerca de 2 horas (podendo
evoluir com a formação de coágulos intravesicais). A perfuração vesical é contraindicação
absoluta para sua utilização. A dose para instilação intravesical é ampola com 40 mg da
droga. Está indicada para tumores não músculo-invasivos de baixo risco.
• Imunoterapia intravesical
O agente central para o tratamento complementar de tumores não músculo-invasivos é o
Bacilo de Calmette-Guérin (BCG), na forma atenuada. O mecanismo de ação se dá atra-
vés da ativação do sistema imunológico mediado por linfócitos T CD8+ citotóxicos frente
à presença do bacilo dentro da bexiga. Ao mesmo tempo que o bacilo é eliminado, o tumor
também é atacado pelas células T, que promovem a morte das células malignas por meca-
nismo celular direto (resposta citotóxica). As ampolas para instilação intravesical contêm
40 mg de BCG, geralmente em forma de pó liofilizado para diluição e posterior aplicação.
O melhor protocolo de aplicação é composto de duas fases: a de indução e a de manuten-
ção. Na fase de indução, o paciente recebe uma dose que varia de 40 a 120 mg, uma vez por
semana, por 6-8 semanas. Na fase de manutenção, o paciente recebe a mesma dose da fase
de indução, também semanalmente, por 3 semanas, nos terceiro e sexto mês após o término
da fase de indução. Depois, esse mesmo esquema é mantido semestralmente até completer
Alexandre Crippa Sant’Anna - 342

2 ou 3 anos. Diferente da mitomicina-C, o BCG é capaz de reduzir tanto as taxas de recidi-


va, como as de progressão do CUB. Então, a indicação mais adequada do BCG é para tra-
tamento complementar de tumores não músculo-invasivos de maior risco.

7.2 Tratamento dos Tumores Músculo-invasivos


Ao contrário do tratamento conservador empregado em tumores não músculo-invasivos, a do-
ença músculo-invasiva deve ser tratada de maneira cirúrgica e radical. Essa conduta é justificada pelo
comportamento agressivo e letal desses tumores. Estudos mais recentes demonstram que, a partir do
diagnóstico feito pela RTU-B inicial, existe uma perda de sobrevida de 10% por mês de atraso do tra-
tamento cirúrgico definitivo. Isso significa que, após 3 meses de atraso a partir do diagnóstico, o pa-
ciente tem 30% menos chance de estar vivo em 5 anos. Portanto, o CUB invasivo deve sempre ser
encarado como uma doença grave.
Embora existam outras formas de tratamento para tumores músculo-invasivos que envolvem a
preservação da bexiga (quimioterapia e/ou radioterapia e/ou RTU-B máxima), elas são restritas e rea-
lizadas em pacientes muito bem selecionados, não se constituindo a forma tradicional de tratamento.
O tratamento padrão-ouro para tumores músculo-invasivos, isto é, pT2 ou maiores, é a cistec-
tomia radical. No homem, essa cirurgia compreende a retirada da bexiga, da próstata e vesículas se-
minais e dos linfonodos pélvicos. Na mulher, inclui, além da bexiga, a retirada do útero e anexos, da
parede anterior da vagina e dos linfonodos pélvicos. Depois, o trato urinário pode ser reconstruído de
2 formas:
• Confecção de uma nova bexiga com íleo (neobexiga ileal) que é colocada na mesma posi-
ção da bexiga original retirada (ortotópica) e nela reconectados os ureteres e a uretra. Nesse
caso, o procedimento cirúrgico é denominado cistectomia radical com neobexiga ileal orto-
tópica (Figura 2).
• Retirada de um segmento de íleo, que é excluído do trato intestinal. Esse segmento recebe os
2 ureteres e é fechado na sua porção distal. A porção proximal é, então, suturada à pele em
forma de uma urostomia definitiva. Essa é a ureteroileostomia definitiva, também conhecida
como cirurgia de Bricker (Figura 3).
343 - Capítulo XXV | Câncer de bexiga

Figura 2 – Neobexiga ileal ortotópica. Note os ureteres e a uretra sendo implantados na nova bexiga

Figura 3 – Desenho esquemático da cirurgia de Bricker


Alexandre Crippa Sant’Anna - 344

8 Seguimento
Depois de realizado o tratamento inicial, os pacientes devem ser seguidos por toda a vida, inde-
pendentemente do tipo de tumor apresentado. Em geral, as consultas médicas são realizadas 3/3 me-
ses no primeiro ano. 6/6 meses do segundo ao quinto ano e, por fim, anualmente pelo resto da vida.
Tumores não-músculo invasivos são seguidos com citologia urinária e cistoscopia e, os múscu-
lo-invasivos, com tomografia de abdome e R-X de tórax. Demais exames, principalmente os que ava-
liam a função renal são também importantes.

9 Complicações
Todos os procedimentos envolvidos com o diagnóstico e tratamento do CUB não estão isentos
de complicações.
Resumidamente, as principais complicações relativas a cada procedimento são:
• RTU-B e re-RTU-B – Sangramento, obstrução vesical por coágulos e perfuração da bexiga.
• Mitomicina-C – Sangramento e obstrução vesical por coágulos, consequentes à necessida-
de de manter a irrigação vesical parada no pós-operatório imediato para instilação e ação da
medicação na bexiga.
• BCG – Sintomas de armazenamento, hematúria, febre e tuberculose sistêmica.
• Cistectomia Radical com Bricker – Infecção, fístula urinária (deiscência de sutura ureteral)
e fístula intestinal (deiscência da anastomose intestinal).
• Cistectomia Radical com Neobexiga Ileal Ortotópica – Infecção, fístula urinária (deiscência
de sutura ureteral) e fístula intestinal (deiscência da anastomose intestinal), acidose metabó-
lica, obstrução da sonda por muco, deiscência de sutura da parede abdominal.

Leitura recomendada
BORDEN, L. S.; CLARK, P. E.; HALL, M. C. Bladder Cancer. Curr Opin Oncol. v. 17, n. 3,
May 2005. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15818174>. Acesso em: 01
mar. 2018.
HENEY, N. M. Natural history of superficial bladder cancer. Prognostic features and long-term disease
course. Urol Clin North Am., v. 19, n. 3, Aug. 1992. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/
pubmed/1636228>. Acesso em: 01 mar. 2018.
KIRKALI Z. et al. Bladder Cancer: Epidemiology, Staging and Grading, and Diagnosis. Urology,
v. 66, n. 6, Supl. 1, Dec. 2005. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/16399414>.
Acesso em: 01 mar. 2018.
McCONKEY D. J. et al. Molecular genetics of bladder cancer: Emerging mechanisms of tumor ini-
tiation and progression. Urol Oncol. v. 28, n. 4, July/Ago. 2010. Disponível em: <https://www.ncbi.
nlm.nih.gov/pubmed/20610280>. Acesso em: 01 mar. 2018.
345 - Capítulo XXV | Câncer de bexiga

SIEGEL,R. L.; MILLER, K. D.; JEMAL A. Cancer statistics, 2016. CA Cancer J Clin. V. 66, n. 1, Jan./
Feb. 2016. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26742998>. Acesso em: 01 mar. 2018.
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Capítulo XXVI
Câncer de rim
Octavio Henrique Arcos Campos
347 - Capítulo XXVI | Câncer de rim

1 Classificação
As massas renais podem ser malignas, benignas ou inflamatórias. Outra classificação se refere
ao aspecto radiológico (cisto simples, complexo ou massa sólida). Estas classificações são constante-
mente atualizadas com o objetivo de distinguir os subtipos tumorais de massas benignas. Os tumores
benignos são um desafio diagnóstico e não serão discutidos neste capítulo. Na Tabela 1 estão os prin-
cipais tipos de massas renais, classificadas pelas características anatomopatológicas.

Tabela 1 – Massas renais classificadas pelas características anatomopatológicas

Fonte: Autores
Octavio Henrique Arcos Campos - 348

2 Avaliação radiológica de massas renais


A urografia excretora, muito usada no passado, não tem espaço nos dias atuais pela sua baixa
sensibilidade e especificidade. A ultrassonografia, por apresentar baixo custo e não ser invasivo, pode
diferenciar cistos de massas renais. Caso consiga definir um cisto simples (parede fina, sem septos
ou ecos no interior e forte sombra acústica posterior) não é necessário outro exame confirmatório. A
Tomografia Computadorizada (TC) com contraste endovenoso é o mais importante exame radioló-
gico para definir a origem de uma massa renal. Em geral, massas que realcem mais de 15 Unidades
Hounsfield (UH) devem ser consideradas carcinomas de células renais. Massas sólidas com atenuação
negativa (-20 UH) indicam grande presença de gordura, sugerindo o diagnóstico de angiomiolipoma.
A Ressonância Nuclear Magnética (RNM) com contraste (gadolíneo) é uma opção para pacien-
tes com alergia ao iodo. Uma preocupação é o risco de fibrose nefrogênica sistêmica, principalmen-
te em pacientes renais crônicos.
A apresentação clínica associada aos achados radiológicos normalmente é suficiente para o diag-
nóstico. Entretanto, é relativamente comum não se conseguir diferenciar um carcinoma renal de um
oncocitoma ou de um angiomiolipoma pobre em gordura. Após a excisão cirúrgica, entre 10 e 20%
de massas renais pequenas que captam contraste são benignas. Nos últimos anos, com a evolução dos
exames de imagem e com a melhoria do arsenal dos patologistas (uso de imuno-histoquímica, por
exemplo), a acurácia das biópsias renais melhorou muito, estando acima de 80%, com taxas de falso-
-negativo de 1%. A biópsia renal hoje é uma opção diagnóstica em massas pequenas que possibilitam
uma vasta gama de tratamentos. Tradicionalmente, a biopsia renal é utilizada para diferenciar carci-
noma de células renais de abscesso renal, metástase ou linfoma renal.

3 Avaliação de lesões císticas


A diferenciação de lesões císticas e carcinoma renal cístico é um dos problemas mais comuns
e difíceis na radiologia urológica. Bosniak desenvolveu uma classificação dos cistos baseada na ima-
gem de tomografia contrastada capaz de distinguir os tipos de cistos e suas chances de malignidade.
É a classificação mais utilizada pelos urologistas para definição de conduta em cistos renais. A Tabela
2 exibe a classificação de Bosniak, risco de malignidade e conduta.

4 Carcinoma de células renais (CCR)

4.1 Considerações Gerais


É o mais letal dos cânceres urológicos. Corresponde de 2% a 3% das neoplasias em adultos. Nos
EUA, são diagnosticados 65.000 novos casos por ano e 13.000 óbitos pela doença. A apresentação
típica ocorre entre os 50 e 70 anos, com predominância de 3:2 em homens. A maioria dos casos são
349 - Capítulo XXVI | Câncer de rim

esporádicos, com 2-3% familiares. A incidência de CCR tem aumentado desde a década de 70, devi-
do basicamente ao amplo uso da ultrassonografia, permitindo um diagnóstico em estádios precoces.
Entretanto, a mortalidade vem aumentando, sugerindo uma piora do comportamento biológico do tu-
mor (talvez pelo uso de tabaco, fatores dietéticos ou exposição a outros carcinogênicos).

Tabela 2 – Classificação de Bosniak para cistos renais

Fonte: Autores
Octavio Henrique Arcos Campos - 350

4.2 Etiologia
O CCR do tipo células claras e papilífero surge dos túbulos contorcidos proximais. O cromófo-
bo e o carcinoma de ductos coletores são derivados de componentes mais distais no néfron.
Os fatores de risco mais comuns são: tabagismo, obesidade, hipertensão arterial e história fa-
miliar. Outros fatores potenciais incluem o uso de anti-inflamatórios não esteroides, radioterapia re-
troperitoneal, insuficiência renal crônica (IRC) terminal e síndromes familiares (esclerose tuberosa,
por exemplo).

4.3 Síndromes Familiares e Biologia Molecular


A partir dos anos 90, devido ao melhor entendimento da genética molecular, muitos avanços
foram feitos no entendimento do CCR. Novas síndromes genéticas foram identificadas e novos tra-
tamentos baseados em terapia-alvo foram introduzidos. Na Tabela 3, listamos os principais subtipos
de CCR familiares. A doença de Von Hippel-Lindau merece atenção especial, por ser a mais comum,
por sua via carcinogênica estar envolvida também no CCR esporádico e por ser um protótipo para as
outras síndromes.
A doença de von Hippel-Lindau ocorre em 1 para cada 36.000 pessoas. As manifestações clínicas
mais comuns são: CCR, feocromocitoma, angioma na retina, hemangioblastoma do tronco encefálico,
cerebelo e medula. Outras manifestações incluem cistos renais e pancreáticos, tumores do ouvido in-
terno e cistoadenoma papilífero do epidídimo. O CCR se desenvolve mais precocemente (geralmente
na quarta década) em 50% dos portadores da doença, são multifocais e bilaterais.
Resumidamente, a proteína VHL atua mantendo baixo os níveis de HIF (fator induzido por hipó-
xia). A inativação ou mutação no gene VHL causa um acúmulo de HIF, mais notadamente o HIF-2α.
Esse acúmulo causa um superestímulo à espressão dos genes-alvo de HIF, principalmente de VEGF
(fator de crescimento endotelial), promovendo neovascularização e angiogênese associada ao surgi-
mento do CCR.

5 Patologia
A maioria dos CCR é arredondada ou ovoide e circunscrita por uma pseudo-cápsula formada
pela compressão do tecido adjacente. Por natureza, não são grosseiramente infiltrativos, com exceção
dos CCR de ductos voletores e variante sarcomatoide. A diferenciação anatomopatológica de tumores
benignos e malignos de rim pode ser um desafio diagnóstico. As características do núcleo celular são
classificadas pelo sistema de Fuhrman, que avalia as características arquiteturais do núcleo da cálula
neoplásica, variando de 1 a 4 (leva em consideração formato e tamanho do núcleo; além de presen-
ça/ausência de nucléolo). A classificação de Fuhrman é um fator independente de prognóstico. Mais
recentemente, a Sociedade Internacional de Uropatologia (ISUP) vem estabelecendo uma nova clas-
351 - Capítulo XXVI | Câncer de rim

sificação que leva em conta as características do nucléolo da célula tumoral (também varia de 1 a 4).
Esse novo sistema de classificação ISUP está associado a melhor previsão de comportamento tumo-
ral e prognóstico do paciente.

Tabela 3 – Subtipos de carcinoma de células renais familiares

Fonte: Autores
Octavio Henrique Arcos Campos - 352

Os CCR esporádicos são unilaterais e unifocais, podendo ser bilaterais em 2-4% dos casos. A
multicentricidade é encontrada em 10-20% dos casos, mais comumente associada ao CCR papilífe-
ro ou familiar. Na Tabela 4 estão os subtipos histológicos de CCR e suas principais características.

Tabela 4 – Subtipos e características dos CCR

Fonte: Autores
353 - Capítulo XXVI | Câncer de rim

6 Apresentação clínica
Devido à topografia renal no retroperitônio, muitas massas renais permanecem assintomáticas
e não palpáveis até se tornarem localmente avançadas. O uso disseminado de exames de imagem nos
dias de hoje, especialmente a ultrassonografia, permite um achado incidental em mais de 60% dos tu-
mores renais.
Atualmente, a tríade clássica (dor lombar, hematúria macroscópica e massa abdominal palpá-
vel) do tumor de rim é raramente encontrada, ocorrendo em torno de 10% ou menos dos pacientes.
Outros sintomas e sinais sistêmicos incluem perda de peso, febre, suor noturno, linfonodomegalia cer-
vical, varicocele não-redutível, edema de membros inferiores, dor óssea e tosse persistente. Outro sin-
toma raro, porém relevante, é o sangramento retroperitoneal espontâneo (Síndrome de Wünderlich).
Síndromes paraneoplásicas estão presentes em 10-20% dos casos, com uma variedade significa-
tiva de sintomas. No passado, o câncer de rim era chamado de tumor do internista devido à predomi-
nância de sintomas sistêmicos e não locais. A hipercalcemia está presente em até 13% dos casos, seja
por fenômeno paraneoplásico ou lise óssea. Os sinais e sintomas incluem náusea, anorexia, fadiga e
diminuição dos reflexos profundos. O tratamento consiste em hidratação vigorosa, uso de diuréticos
(furosemida), bifosfonado (Ácido Zoledrônico 4mg, IV, a cada 4 semanas), corticoides ou calcitonina.
A hipertensão (38% dos casos) e policitemia (4% dos casos) podem ser causadas por produção direta
de renina pelo tumor ou secundária à compressão da artéria renal. A disfunção hepática não mestastá-
tica ou síndrome de Stauffer está presente de 3-20% dos pacientes. A maioria possui fosfatase alcali-
na elevada, 67% aumento do tempo de protrombina e 20-30% aumento das transaminases. Metástases
hepáticas devem ser excluídas e a biópsia hepática demonstra uma hepatite inespecífica. Estes pacien-
tes possuem níveis séricos de IL-6 e outras citocinas elevados, sendo, possívelmente os causadores da
síndrome. Entre 60-70% dos casos se normalizam após a nefrectomia. Existem outras síndromes pa-
raneoplásicas mais raras, como Cushing, hiperglicemia, galactorreia, neuromiopatia, distúrbio de co-
agulação e ataxia cerebelar. De modo geral, o tratamento de todas as síndromes associadas ao CCR é
excisão cirúrgica do tumor, associada ou não à terapia sistêmica.

7 Estadiamento
O estadiamento clínico começa com história clínica e exame físico. Os exames laboratoriais não
são consenso, e o mínimo a ser pedido é: hemograma, função renal, cálcio sérico, enzimas hepáticas,
coagulograma, VHS, fosfatase alcalina e desidrogenase lática (DHL).
Os exames de imagem mínimos são TC de abdome total com contraste e radiografia de tórax.
Acreditava-se que a RNM tinha uma sensibilidade melhor para identificação de trombo de veia cava,
porém estudos mais recentes evidenciaram que o exame é equivalente a uma TC multicanal. A cavo-
grafia nos dias de hoje tem uso limitado. A ecocardiografia transesofágica tem boa acurácia para iden-
tificação de trombos intracardíacos.
Octavio Henrique Arcos Campos - 354

A cintilografia óssea deve ser reservada para pacientes com dor óssea ou aumento da fosfata-
se alcalina. O PET-CT pode ser utilizado quando existe dúvida diagnóstica em lesões à distância nos
exames convencionais.
A Tabela 5 evidencia a oitava edição do AJCC (American Joint Committe on Cancer), publica-
da em 2016, para estadiamento do CCR. Na Tabela 6 está descrito o estadiamento anatômico agru-
pado por grupos prognósticos.

Tabela 5 – Estadiamento TNM/AJCC para CCR (2016)

Fonte: Autores
355 - Capítulo XXVI | Câncer de rim

Tabela 6 – Grupos prognósticos/Estadio anatômico

Fonte: Autores

8 Tratamento

Carcinoma de células renais localizado


O tratamento do CCR localizado sofreu uma mudança de paradigma nas últimas duas décadas.
Acreditava-se que o manejo, independentemente do tamanho e biologia tumoral, deveria ser agressi-
vo com nefrectomia radical. Nos dias atuais, com melhor entendimento do comportamento tumoral e
sua heterogeneidade, alguns tratamentos são possíveis, incluindo a nefrectomia parcial, ablação tér-
mica e vigilância ativa. Em tumores localizados, a nefrectomia radical é cabível em tumores comple-
xos onde não é possível preservar o rim como um todo (invasão do seio renal, por exemplo).
Um estudo de 2003 evidenciou relação direta entre o tamanho do tumor e incidência de malig-
nidade. Nesta série, 30% dos tumores menores que 2 cm e 21% daqueles entre 2-4 cm eram benignos.
Para tumores T1b, apenas 9,5% eram benignos. Estes dados exemplificam a importância de condutas
menos agressivas nos dias atuais.
A cirurgia continua a ser a principal terapêutica para tratamento curativo do CCR. A preocu-
pação central em relação à nefrectomia radical é a predisposição de evolução para IRC, que aumen-
ta morbimortalidade cardiovascular. Um estudo evidenciou IRC grau III em 65% dos pacientes após
nefrectomia radical, comparada a 20% após nefrectomia parcial.
• Nefrectomia Radical
O protótipo da nefrectomia radical é ligadura precoce da artéria e veia renal, ressecção do
rim com a gordura perirrenal e fáscia de Gerota, exérese da adrenal ipsilateral e linfadenec-
tomia. Algumas destas práticas não são necessárias nos dias de hoje. A adrenal deve ser re-
movida se houver comprometimento da glândula pelo tumor. Outra indicação relativa é se
Octavio Henrique Arcos Campos - 356

o tumor for de polo superior, adjacente à mesma. Linfadenectomia em câncer de rim é um


assunto controverso na urologia, devendo cada caso ser individualizado. A nefrectomia ra-
dical laparoscópica está bem estabelecida como uma alternativa à cirurgia aberta para tu-
mores de dimensões moderadas (até 12 cm), sem invasão local ou venoso mínimo, sendo
a via de acesso preferencial, quando factível.
• Nefrectomia Parcial
A cirurgia poupadora de néfrons consiste em completa ressecção tumoral, preservando
o máximo de parênquima renal funcionante. As indicações clássicas de nefrectomia par-
cial são: paciente com rim único, alto risco de se tornar dialítico e tumores renais bilate-
rais sincrônicos.
A nefrectomia parcial é hoje o tratamento padrão para massas renais menores que 4 cm
(T1a), quando tecnicamente factível. Já existe literatura médica robusta evidenciando des-
fechos oncológicos semelhantes à nefrectomia radical. A recorrência local é em torno de
1-2% e sobrevida câncer específica maior que 90%. Vale ressaltar que a maioria das recor-
rências não é no leito do tumor prévio e sim de um foco tumoral microscópico não detectado.
Cirurgia aberta, laparoscópica e robótica possuem resultados oncológicos semelhantes.
Quanto à preservação de néfrons, se possível, a nefrectomia deve ser realizada sem isque-
mia (clampeamento temporário da artéria renal para ressecção tumoral e reconstrução re-
nal). Caso seja necessária a isquemia, o tempo de clampeamento não deve ser superior a
25 minutos. Estão surgindo novas modalidades de clampeamento, como o seletivo (clam-
peia-se somente a região do parênquima onde está localizado o tumor ou ramos principais
da artéria renal) ou superseletivo (microdissecção e controle arterial tumor-específico, pre-
ferencialmente de ramos terciários). A via de acesso de escolha para clampeamento su-
perseletivo é a robótica. Entretanto, ainda não existem trabalhos científicos evidenciando
benefícios em longo prazo destas modalidades de clampeamento.
• Terapias de Ablação Térmica (TAT)
As terapias ablativas, como crioablação e ablação por radiofrequência, surgiram como al-
ternativas à nefrectomia parcial. Podem ser realizadas por via percutânea ou laparoscópica
com a potencial vantagem de serem menos mórbidas e de recuperação precoce.
Por serem terapias relativamente novas, os primeiros estudos de acompanhamento em lon-
go prazo estão sendo publicados. Os mesmos mostram alguma vantagem (tanto em recor-
rência, como em sobrevida) para a cirurgia em comparação às terapias de ablação.
Os pacientes ideais para TAT são aqueles de idade avançada e comorbidades significativas,
recorrência local após cirurgia e pacientes portadores de CCR hereditário multifocal. O ta-
manho do tumor ideal para tratamento é de até 4 cm.
357 - Capítulo XXVI | Câncer de rim

Na crioablação, o princípio é o congelamento rápido através de uma agulha locada dentro


do tumor por onde circula gás, normalmente argônio (-20oC) e aquecimento gradual (atra-
vés de gás hélio), com repetição do ciclo congela-descongela. Na prática, é visualizada
uma bola de gelo que se estende até 1 cm da margem tumoral. As séries de caso de crioa-
blação evidenciam uma recorrência local entre 8-9%, comparada a 1-2% da cirurgia con-
vencional. As principais complicações do método são trauma renal, hemorragia e lesão de
órgãos adjacentes.
Na radiofrequência, uma corrente elétrica aquece o tumor a aproximadamente 100o C cau-
sando desnaturação das proteínas celulares e ruptura da membrana plasmática. O contro-
le do procedimento é mais complexo que na crioablação, pois não existe um equivalente à
bola de gelo. As complicações mais comuns são insuficiência renal aguda (IRA), estenose
da junção ureteropiélica (JUP), pancreatite e radiculopatia lombar.
• Vigilância Ativa (Active Surveillance)
O crescimento de massas renais pequenas é relativamente lento (entre 0,12 e 0,34 cm/ano),
com taxa de metástase de 1,2-2% em até 4 anos de seguimento. Estes dados sugerem ser
uma conduta aceitável o seguimento em pacientes selecionados que não são candidatos para
cirurgia ou ablação. Entretanto, existe viés nestes dados pois foram selecionados nódulos
pequenos, bem delimitados e homogêneos, o que insere uma porcentagem mínima de 20%
de tumores benignos nesta população. Além disso, não foi realizada biópsia pré-acompa-
nhamento nesses pacientes. Existem outros estudos com dados divergentes, com taxas de
crescimento maiores, que evidenciaram que 25% dos tumores dobraram de tamanho em
12 meses e 22% atingiram 4 cm.
Apesar destes dados conflitantes, é seguro o acompanhamento com TC seriada de 6 em 6
meses ou anual em pacientes com lesões renais pequenas, sólidas, bem delimitadas, ido-
sos ou com alto risco cirúrgico. Não é recomendada vigilância ativa em pacientes jovens,
saudáveis, cujas características radiológicas seja de CCR mesmo que as lesões sejam me-
nores que 3 cm.

Carcinoma de células renais localmente avançado


• Tumores com invasão vascular
O CCR possui um frequente padrão de crescimento intraluminal através da circulação veno-
sa renal, conhecido como trombo tumoral venoso. Esse crescimento é capaz de se estender
até a veia cava inferior com migração cefálica até o átrio direito. Mesmo com a presença
de trombo tumoral, os pacientes podem não apresentar metástase. Entre 45-70% dos pa-
cientes com trombo em veia cava, podem ser curados com cirurgia agressiva (nefrectomia
radical e trombectomia).
Octavio Henrique Arcos Campos - 358

O envolvimento do sistema venoso no CCR ocorre entre 4-10% dos pacientes. O trombo
tumoral em veia cava deve ser suspeitado em pacientes com edema de membros inferiores,
varicocele apenas à direita, circulação colateral abdominal, proteinúria, embolia pulmonar,
massa atrial direita ou exclusão funcional do rim acometido.
A RNM ou TC trazem o mesmo detalhe de informação para avaliação da presença do trom-
bo venoso. O exame de imagem deve ser realizado ou, se necessário, repetido bem próxi-
mo à realização da cirurgia.
A classificação do trombo tumoral de veia cava é assim descrita:
 I – restrito à veia renal,
 II – estende-se da veia cava inferior até a borda inferior do fígado
 III – atinge a porção retro-hepática da veia cava inferior
 IV – estende-se acima do diafragma
O controle vascular para níveis III e IV requer dissecção mais extensa. Para nível III é ne-
cessário mobilização do fígado com exposição das veias hepáticas. No nível IV geralmen-
te é necessária circulação extracorpórea.
• CCR localmente invasivo
Os tumores T3 representam aproximadamente 2% dos casos. Estes pacientes se apresen-
tam com tumores localmente avançados e geralmente apresentam dor (invasão da parede
abdominal posterior ou ramos nervosos). Na avaliação de tumores invasivos de quadrante
superior, outros diagnósticos devem ser cogitados, como carcinoma de adrenal, carcinoma
urotelial, sarcoma e linfoma.
A cirurgia é a única terapia potencialmente curativa no manejo desse estádio tumoral e, por
este motivo, cirurgias extensas com ressecção em bloco de órgãos adjacentes são ocasio-
nalmente indicadas. A ressecção completa do tumor, incluindo ressecção de órgãos inva-
didos como cólon, baço ou parede abdominal, é o objetivo.
• Linfadenectomia no CCR
A necessidade de linfadenectomia é controversa na literatura e os estudos randomizados
não evidenciaram vantagens de sobrevida até o momento.
• Recorrência local após cirurgia
A recorrência local após nefrectomia radical pode ser na loja renal, adrenal ou linfonodos
e é um evento incomum que ocorre em 2-4% dos casos. Obviamente, esse risco aumenta
em tumores localmente avançados, linfonodos positivos e características histopatológicas
desfavoráveis.
A ressecção da recidiva local deve ser considerada, pois permite ganho de até 40% de so-
brevida livre de doença.
359 - Capítulo XXVI | Câncer de rim

A recorrência local após nefrectomia parcial pode ocorrer em 1-10% dos casos. Normalmente,
a recidiva não é no leito tumoral e sim em outro local devido à provável etiologia multifo-
cal. Estes pacientes podem ser tratados com nova nefrectomia parcial, nefrectomia radical,
terapia ablativa ou vigilância ativa.
• Terapia adjuvante para CCR
Devido à possibilidade de recidiva local ou metástase, é racional o uso de terapia adjuvante
em pacientes de alto risco. Entretanto, nenhum estudo evidenciou resultados satisfatórios
até o momento. Existem estudos com terapia-alvo em pacientes com alto risco de recidiva
com resultados parciais promissores.
• Tumores metastáticos (origem em outro órgão)
Tumores renais provenientes de outro órgão são os cânceres mais comuns no rim – muito
mais comuns que o CCR. O alto fluxo sanguíneo torna o rim um leito comum de metásta-
se. Os órgãos mais comuns que são fonte de metástase renal são pulmão, mama, trato gas-
trintestinal, melanoma e cânceres hematológicos.
O padrão típico de metástase em rim consiste em múltiplos pequenos nódulos. Na TC sur-
ge como massa isodensa e com realce moderado de contraste (5-30 UH).
Sempre deve-se suspeitar de metástase em pacientes com histórico pregresso de outras
neoplasias malignas. Na dúvida diagnóstica, está indicada biópsia percutânea para
confirmação diagnóstica.
A maioria dos pacientes inicia terapia sistêmica para o tumor de origem ou suporte paliativo.
Nefrectomia é procedimento de exceção e reservado para pacientes com hemorragia renal
refratária à angioembolização.

Tratamento de carcinoma de células renais avançado


CCR inclui uma vasta variedade de tumores com comportamento biológico totalmente dis-
tintos. O CCR metastático é quase sempre letal, com sobrevida em 10 anos menor que 5%.
Avanços na compreensão genética e biologia molecular destes subtipos tumorais permi-
tiram o surgimento de novas terapêuticas destinadas a reverter ou pelo menos modular as
vias carcinogênicas. Mais recentemente, o reconhecimento de agentes que modulam a fun-
ção dos linfócitos T mostrou atividade contra inúmeros tumores sólidos, dentre eles mela-
noma e CCR. Esses estudos encontram-se em fase III.
Motzer e colaboradores publicaram, em 1999, uma análise multivariada para prognóstico em
tumores de rim metastático. Os 5 fatores definidos foram: status performance (Karnofsky
< 80), DHL aumentado (> 1,5 vezes o normal), anemia (hemoglobina menor que o limite
normal), cálcio sérico corrigido (> 10 g/dL) e não realização de nefrectomia prévia. Os pa-
Octavio Henrique Arcos Campos - 360

cientes foram estratificados em 3 grupos prognósticos baseados na presença dos 5 fatores.


A sobrevida global dos pacientes sem fator adverso (grupo favorável), presença de 1 ou 2
fatores (grupo intermediário) e mais de 3 fatores (grupo desfavorável) foi de 20 meses, 10
meses e 4 meses respectivamente.

Manejo cirúrgico do CCR metastático


• Nefrectomia citorredutora
Estudos do início dos anos 2000 confirmaram que a nefrectomia citoredutora associada
ao uso de interferon aumentaria a sobrevida dos pacientes de 8 para 11 meses sem, entre-
tanto, melhorar a taxa de reposta ao interferon. Conforme será discutido mais adiante, nos
dias atuais o tratamento de CCR metastático baseia-se no uso de inibidores da via VEGF e
mTOR e alguns estudos já mostram benefícios da associação destes inibidores à nefrecto-
mia citoredutora, com melhora de sobrevida de 9,4 para 19,8 meses
• Ressecção da metástase (metastasectomia)
Vale ressaltar que os estudos justificando metastasectomia não são prospectivos rando-
mizados e sim resultado de séries de casos. Independentemente deste fator limitante, os
resultados são bastante expressivos e em algumas situações, como ressecção de metás-
tase pulmonar isolada, cursam com sobrevida em 5 anos de 35-50%. Alguns fatores fo-
ram definidos como de melhor prognóstico para se propor metastasectomia como: lesão
única, idade menor que 60 anos e intervalo livre de doença maior que 1 ano. Outros estu-
dos sugerem que metástase pulmonar, lesão < 4 cm e lesões metacrônicas possuem me-
lhor prognóstico.
• Cirurgia paliativa
A nefrectomia citorredutora pode ser utilizada de forma paliativa em paciente com dor in-
tratável, hematúria incoercível ou síndromes paraneoplásicas. Nem sempre haverá melho-
ra ou resolução dos sintomas.
• Imunoterapia no manejo do CCR avançado
Há muito tempo acredita-se que o sistema imune tem papel fundamental na causa e contro-
le do CCR. Relatos de regressão espontânea de metástases após a nefrectomia radical são
as evidências primordiais desta associação. Além disso, a presença de células imunes (mais
notadamente linfócitos T citotóxicos) em tumores ressecados acendeu o interesse pela imu-
noterapia como estratégia para tratamento no CCR. A maioria dessas estratégias é direcio-
nada aos CCR células claras e sua utilidade em outros tumores ainda deve ser estudado. Os
agentes mais utilizados são o interferon-α e a interleucina-2.
361 - Capítulo XXVI | Câncer de rim

• Bases moleculares para terapia-alvo no CCR


No início dos anos 90, estudando famílias com doença de von Hippel-Lindau, foi desco-
berto uma mutação em um gene, então batizado von Hippel-Lindau (VHL) como respon-
sável pela doença. O gene VHL é um clássico gene supressor tumoral.
Resumidamente, a mutação no gene VHL interfere na ligação tanto de HIF ou elonguina/
CUL2 e promove acúmulo de HIF, mesmo em condições normais de oxigenação. Acontece
que este acúmulo de HIF causa estímulo de produção de vários fatores pró-angiogênicos e
fatores de crescimento, incluindo VEGF, PDGF e eritropoietina, com papéis fundamentais
no desenvolvimento e crescimento do CCR células claras. Apesar desta via estar classica-
mente descrita nos portadores da doença de von Hippel-Lindau, estudos recentes mostra-
ram que até 91% dos portadores de CCR esporádico também possuem inativação do gene.
O reconhecimento desta via teve papel central no entendimento do processo carcinogênico,
permitindo o desenvolvimento de novas terapias-alvo para tratamento do CCR metastático.
As principais drogas de alvo-molecular atuam sobre esses elementos envolvidos nessas vias
moleculares e possuem, basicamente, os seguintes tipos de mecanismo de ação:
 Inibidores tirosino-quinase de VEGF (bloqueadores de VEGF) – sunitinibe, sorafenibe
Anticorpo monoclonal anti-VEGF – bevacizumabe

Inibidores de tirosino-quinase dos receptores de VEGF e PDGF (bloqueadores de

VEGFR e PDGFR) – pazopanibe e axitinibe
Inibidores de mTOR – everolimus, tensirolimus

Quimioterapia convencional (citotóxica)


A quimioterapia convencional citotóxica é ineficaz no tratamento do CCR células claras.
Diversos quimioterápicos como 5-fluoracila, cisplatina, gencitabina, vimblastina e bleomici-
na evidenciaram resultados pífios, com taxa de resposta em até 6%. A gencitabina evidenciou
algum resultado em tumores com componente sarcomatoide. Via de regra, a quimioterapia
convencional não tem papel na maioria dos CCR células claras.

9 Prognóstico
Existem diversos fatores prognósticos relevantes no CCR. Dentre eles status performance,
sintomatologia, presença de síndromes paraneoplásicas, tamanho tumoral, invasão venosa ou linfática,
metástase, subtipo histológico, grau nuclear de Fuhrmann, presença de degeneração sarcomatoide,
necrose tumoral, invasão vascular, entre outros. O estadiamento patológico é isoladamente o fator
prognóstico mais importante. A Tabela 7 representa a sobrevida em 5 anos dos pacientes portadores
de câncer de rim, de acordo com o estadiamento TNM.
Octavio Henrique Arcos Campos - 362

Tabela 7 – TNM e sobrevida em 5 anos para o CCR

Fonte: Autores

Leitura recomendada
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Capítulo XXVII
Câncer de testículo
Felipe Goulart Nehrer
366 - Capítulo XXVII | Câncer de testículo

Introdução
Tumores testiculares são constituídos por diversos grupos com características clínicas e mor-
fológicas distintas, sendo divididos primariamente em tumores de células germinativas que revestem
os túbulos seminíferos e tumores de células não germinativas provenientes do interstício testicular.
Representam cerca de 1% das neoplasias malignas masculinas e 5% dos tumores urológicos,
tendo sua incidência aumentada progressivamente nas últimas décadas, principalmente em países in-
dustrializados devido ao maior acesso aos serviços de saúde e melhoria das ferramentas diagnósticas.
Os tumores de células germinativas, apesar de raros (1-2% das neoplasias em homens nos Estados
Unidos), correspondem a 95% dos casos, podendo ser subdivididos em 2 grupos principais: semino-
mas e não seminomas.
O pico de incidência em geral ocorre na 3ª década de vida para não seminomas e 4ª década para
seminomas, podendo sofrer variações conforme o subtipo histológico, raça e região demográfica.
Aproximadamente 95% dos tumores de células germinativas se desenvolvem nos testículos e
5% tem origem extra-gonadal (fora do testículo).
O diagnóstico é dado principalmente através da história clínica, exame físico, marcadores tumo-
rais e ultrassonografia com Doppler, com consequente tratamento primário fundamentado na orquiec-
tomia radical para avaliação histopatológica e programação terapêutica, que pode ser complementada
com radioterapia, quimioterapia e/ou linfadenectomia retroperitoneal, quando necessário.
Atualmente, com o desenvolvimento da quimioterapia baseada em Cisplatina e da técnica
cirúrgica, a taxa de cura tornou-se factível e relevante, inclusive nos tumores metastáticos, chegando
até 80-90% no subtipo de células germinativas. A mortalidade associada é inerente à resistência ao
tratamento quimioterápico e falha em erradicar doença residual.
Nesse capítulo abordaremos principalmente tumores de células germinativas devido à sua
importante prevalência e incidência na população mundial.

1 Fatores de risco
Deve-se considerar 4 principais fatores de risco bem estabelecidos: criptorquidia, presença de ne-
oplasia intratubular, história familiar e história pessoal de neoplasia testicular no testículo contralateral.
Homens com criptorquidia (localização testicular anômala fora do escroto desde o nascimen-
to) possuem 4-6 vezes mais chance de desenvolvimento de neoplasia no testículo acometido, porém
o risco relativo se reduz em torno de 2-3 vezes quando é realizada a fixação testicular cirúrgica (or-
quidopexia) antes da puberdade.
A maior parte dos tumores de células germinativas é proveniente de uma lesão precursora cha-
mada neoplasia intratubular (ITGCN) que possui um risco de 50-70% de desenvolvimento de tumor
de testículo quando presente no parênquima testicular.
Felipe Goulart Nehrer - 367

A presença de microlitíase testicular evidenciada ao ultrassom em pacientes com história de ne-


oplasia de células germinativas ainda tem papel controverso como fator de risco, e a maioria dos es-
tudos atuais não estabelece uma relação significativa.

2 Classificação histológica
Como descrito anteriormente, os tumores de células germinativas são classificados em semino-
mas (52-56%) e não seminomas (44-48%).
Os tumores seminomatosos incluem 2 subtipos histológicos: seminona puro e seminoma
espermatocítico.
Já os tumores não seminomatosos incluem 4 subtipos histológicos: carcinoma embrionário, co-
riocarcinoma, tumor do saco vitelino e teratoma.

2.1 Neoplasia intratubular de células germinativas (ITGCN)


Todas as formas invasivas de tumores de células germinativas são provenientes da ITGCN, ex-
ceto o seminoma espermatocítico.
A ITGCN é uma lesão precursora constituída de células germinativas indiferenciadas localiza-
das na camada basal dos túbulos seminíferos.

2.2 Seminoma
É a forma mais comum de tumores de células germinativas, sendo diagnosticada entre a 4ª e 5ª
décadas de vida. Tumores seminomatosos possuem excelente prognóstico, disseminação metastática
incomum e boa resposta ao tratamento.
Em geral não produzem marcadores tumorais, porém em até 15% dos casos podem apresentar
elevação do marcador beta-HCG devido à presença de células de sinciciotrofoblasto.
A variante chamada seminoma espermatocítico é um subtipo raro (<1%), incidente em homens
idosos, de caráter benigno (apenas 3 casos de metástases documentados) e alta taxa de cura apenas
com orquiectomia radical. Além disso, não é proveniente da lesão precursora intratubular (ITGCN),
não tem associação com criptoquirdia ou alterações genéticas cromossômicas prévias.

2.3 Carcinoma Embrionário


O carcinoma embrionário é proveniente de células indiferenciadas que se assemelham a células
primitivas epiteliais de embriões no estágio inicial, justificando sua nomenclatura. É uma neoplasia
agressiva com prognóstico ruim devido ao seu alto potencial de metástase e capacidade de se trans-
formar em qualquer outro subtipo tumoral.
Em geral, produz os marcadores tumorais beta-HCG e alfa-fetoproteína.
368 - Capítulo XXVII | Câncer de testículo

2.4 Coriocarcinoma
O coriocarcinoma é uma neoplasia rara e agressiva que se manifesta tipicamente como doença
disseminada, comumente por via hematogênica para pulmões, fígado e sistema nervoso central (SNC).
Em geral, produz apenas o marcador tumoral beta-HCG.

2.5 Tumor do saco vitelino


Tumor do saco vitelino é o subtipo de células germinativas mais comum na população pediá-
trica e possui bom prognóstico.
Em geral, produz apenas o marcador tumoral alfa-fetoproteína.

2.6 Teratoma
Teratomas são tumores que contêm elementos dos 3 folhetos embrionários (endodérmico, me-
sodérmico e ectodérmico), podendo apresentar em seu interior cartilagem, ossos, dentes, cabelos e
epitélio escamoso.
Possui prognóstico reservado por conta da sua apresentação inicial (frequentemente com me-
tástases) e resistência à quimioterapia, possuindo crescimento acelerado, invasão de estruturas adja-
centes e, consequentemente, tornando-se doença irressecável.
Em geral, não produz marcadores tumorais, exceto em uma minoria dos casos que pode apre-
sentar uma discreta elevação do marcador alfa-fetoproteína.

3 Quadro clínico
A apresentação mais comum do tumor de testículo é uma massa testicular indolor associada
ao aumento de volume do escroto. A presença de dor testicular aguda é incomum, porém pode estar
presente em alguns casos que evoluem com hemorragia intratumoral ou infarto testicular consequente
ao rápido crescimento neoplásico.
Pacientes com metástases retroperitoneais podem apresentar dor abdominal associada à massa
palpável em flancos, bem como lombalgia, sintomas gastrointestinais ou edema de membros inferio-
res decorrente do efeito compressivo de estruturas adjacentes.
Dependendo do órgão acometido por metástases à distância, podem ocorrer sintomas específi-
cos, como por exemplo: dispneia, tosse, hemoptise e dor torácica, se metástases pulmonares; sínco-
pe e déficit neurológico focal, se metástases no SNC; massa cervical, se metástases para linfonodos
supraclaviculares.
Felipe Goulart Nehrer - 369

4 Exame físico
Deve-se realizar uma avaliação completa do tórax, abdome e genitália externa em busca de evi-
dências locais e/ou metastáticas de tumor de testículo.
Qualquer área endurecida presente no testículo deve ser considerada suspeita para malignidade
até que se prove o contrário, necessitando de investigação posterior. A presença de hidrocele (reacio-
nal ao tumor) pode dificultar o exame adequado, devendo ser realizada uma ultrassonografia a fim de
melhorar a acurácia diagnóstica. É comum atrofia do testículo acometido ou contralateral, particular-
mente em pacientes com história de criptorquidia prévia.
Pacientes com diagnóstico inicial de orquiepididimite devem ser reavaliados em 2-4 semanas
após tratamento antibiótico adequado devido à possibilidade de a infecção mascarar um quadro neo-
plásico subjacente.

5 Diagnóstico

5.1 Ultrassonografia com Doppler


É o exame de escolha para diagnóstico inicial de tumor testicular por ser amplamente disponível,
não invasivo e de baixo custo.
Lesões sugestivas de malignidade apresentam-se como nódulos hipoecoicos com aumento de
fluxo sanguíneo ao Doppler, podendo evidenciar ecotextura homogênea (seminomas) ou heterogênea
(não seminomas).
O risco de malignidade aumenta conforme o tamanho, sendo de aproximadamente 50% para le-
sões menores que 1 cm e 80% para lesões acima de 1 cm.
Pacientes com lesões retroperitoneais suspeitas apresentando exame físico testicular normal de-
vem ser prontamente investigados com ultrassonografia em busca de cicatrizes ou calcificações nos
testículos, devido à possibilidade de regressão espontânea do tumor testicular primário, também co-
nhecida como síndrome burned-out.
Reiterando, a presença de microlitíase ao ultrassom não tem relação com desenvolvimento tu-
moral, e, portanto, não há necessidade de investigação específica.

5.2 Marcadores tumorais


Existem três marcadores tumorais que devem ser levados em consideração no diagnóstico de tu-
mor de testículo: desidrogenase lática (DHL), beta-HCG (β-HCG) e alfa-fetoproteína (AFP).
Os marcadores β-HCG e AFP são utilizados para diferenciar o subtipo histológico, enquanto
DHL é indicativo de volume tumoral.
370 - Capítulo XXVII | Câncer de testículo

Devem ser solicitados para diagnóstico inicial, após orquiectomia e no seguimento ambulato-
rial, a fim de avaliar a resposta terapêutica e possibilidade de recidiva tumoral.
Segue abaixo, na Tabela 1, as relações entre subtipos histológicos e os respectivos marcadores.
Cada marcador tumoral tem uma meia-vida específica, sendo fundamental seu conhecimento
para avaliar a resposta terapêutica após orquiectomia radical, sendo de 24h para DHL, 24-36h para
β-HCG e 5-7 dias para AFP.

6 Manejo inicial
Pacientes com suspeita de tumor testicular devem ser submetidos à orquiectomia radical para
fins de diagnóstico, estadiamento e tratamento definitivo.

Tabela 1 – Perfil dos marcadores tumorais nos diversos subtipos histológicos

Fonte: Autores

A técnica cirúrgica de orquiectomia radical consiste em acesso por via inguinal, seguido de iden-
tificação e ligadura alta do cordão espermático (ao nível do anel inguinal interno) com posterior exé-
rese em bloco do testículo acometido.
É contraindicada a via de acesso através do escroto devido à não retirada da porção inguinal do
cordão espermático, podendo alterar a drenagem linfática primária dos testículos (retroperitoneal), au-
mentando o risco de recorrência local e metástases para linfonodos inguinais/pélvicos (local de dre-
nagem linfática primária do escroto).
Felipe Goulart Nehrer - 371

7 Estadiamento

7.1 Considerações gerais


O estadiamento do tumor testicular é realizado através da classificação TNM e marcadores tu-
morais. O estádio T (tamanho) é definido após a orquiectomia radical e caracteriza o grau de invasão
tumoral local, sendo pT1 e pT2 confinados ao testículo e epidídimo, pT3 acometimento do cordão es-
permático e pT4 acometimento do escroto (Tabela 2).
O estádio N (linfonodos) é definido conforme tamanho e número de linfonodos acometidos, po-
dendo ser subdividido em estadiamento clínico (N) ou estadiamento cirúrgico (pN) após linfadenec-
tomia retroperitoneal.
O estádio M (metástases) é definido pela presença ou não de metástases à distância diagnosti-
cadas em exames de imagem, ocorrendo em locais mais comuns (regionais – linfonodos retroperito-
neais e pulmões) ou incomuns (não regionais).

Tabela 2 – Estadiamento TNM dos tumores de testículo

Fonte: Autores
372 - Capítulo XXVII | Câncer de testículo

O estádio baseado nos marcadores tumorais pós-orquiectomia (S) é separado conforme valores
específicos de β-HCG, AFP e DHL, sendo subdividido em S0, S1, S2 e S3. Para o enquadramento do
tumor em estádio S0, todos os marcadores devem estar normais. Para os demais (S1, S2 e S3), o tu-
mor é classificado considerando o marcador mais alterado (Tabela 3).

Tabela 3 – Estadiamento baseado nos níveis dos marcadores tumorais (S)

Fonte: Autores

7.2 Exames de imagem para estadiamento


Como o principal sítio de drenagem linfática dos testículos é o retroperitônio, todos pacientes
com diagnóstico de tumor testicular devem ser submetidos à tomografia de abdome e pelve com con-
traste endovenoso a fim de avaliar a presença de metástases retroperitoneais.
Da mesma forma, todos pacientes também devem ser submetidos à radiografia de tórax com in-
cidência posteroanterior para avaliação de metástases torácicas. Se houver suspeita de metástases to-
rácicas, deve-se complementar a investigação com tomografia de tórax com contraste endovenoso.
Outros exames podem ser solicitados posteriormente para complementar a avaliação baseando-
-se no quadro clínico e parâmetros específicos, como tomografia de crânio e cintilografia óssea, po-
rém nunca de rotina.

7.3 Marcadores tumorais para estadiamento


Além de ter utilidade no diagnóstico, os marcadores tumorais também devem ser solicitados para
estadiamento após 4 semanas da orquiectomia radical, visto que é esperada uma redução nos seus ní-
veis após esse período. A persistência ou elevação dos valores é sugestivo de doença metastática, de-
vendo ser avaliada a necessidade de complementação terapêutica.
Felipe Goulart Nehrer - 373

7.4 Grupos de estadiamento


Pode ser feita uma classificação em grupos específicos chamados CS (Cinical Staging) que au-
xiliam na definição terapêutica definitiva. Os grupos são definidos da seguinte forma:
• CS I – doença limitada ao testículo;
• CS II – doença com metástases para linfonodos retroperitoneais (regionais);
• CS III – doença com metástases para linfonodos não retroperitoneais (não regionais) ou
órgãos à distância.

7.5 Classificação prognóstica de tumores germinativos avançados


Existe uma classificação prognóstica para pacientes com tumores germinativos metastáticos ao
diagnóstico que auxilia em definir a melhor forma de tratamento adjuvante com quimioterapia. Essa
classificação é dividida primariamente em dois grupos: seminomas e não seminomas.
Além disso, cada um dos grupos é alocado conforme o prognóstico baseado no local do sítio pri-
mário do tumor, local das metástases e valor dos marcadores tumorais pós-orquiectomia.
O grupo dos seminomas não possui prognóstico ruim, apenas intermediário e bom prognósti-
co, devido sua característica menos agressiva em relação aos tumores não seminomatosos. Já o grupo
dos não seminomas pode apresentar prognóstico ruim, intermediário ou bom.

8 Tratamento

8.1 Princípios terapêuticos


Na suspeita de tumor de testículo, deve ser prontamente instituído o protocolo diagnóstico com
orquiectomia radical, exames de imagem e marcadores tumorais devido ao rápido crescimento neo-
plásico e, principalmente, a possibilidade de cura em todos os pacientes.
A probabilidade de cura na presença de metástases necessita de uma abordagem agressiva com ad-
ministração de radioterapia, quimioterapia e/ou ressecção cirúrgica de lesões residuais no retroperitônio.
É importante a diferenciação inicial entre tumores seminomatosos e não seminomatosos, visto
que a cada um tem uma história natural e, consequentemente, diferentes possibilidades terapêuticas.
Seminomas em geral são menos agressivos, têm diagnóstico mais precoce, disseminação metastática
incomum (quando ocorre é preferencialmente para o retroperitônio) e excelente resposta à radioterapia
e quimioterapia. Em contraste, tumores não seminomas são mais agressivos, dão metástase com
frequência e não apresentam resposta à radioterapia.
Existem diversos tipos de radioterapia que variam conforme a dose de radiação, bem como ti-
pos de quimioterapia que variam conforme o objetivo, o tipo de droga e número de ciclos realizados.
374 - Capítulo XXVI | Câncer de rim

8.2 Tratamento dos tumores seminomatosos


Tumores seminomatosos confinados ao testículo (grupo CS I) compreendem a maioria dos ca-
sos (aproximadamente 80% dos pacientes), apresentando excelente prognóstico, podendo ser trata-
dos com apenas observação, radioterapia ou quimioterapia primárias, sem consenso definido sobre a
melhor forma terapêutica.
Por outro lado, tumores seminomatosos com metástases (grupos CS II/CS III) não podem ser
apenas observados, devendo ser instituído radioterapia ou quimioterapia como forma de tratamento
preferencial complementar, dependendo da avaliação específica de cada paciente.

8.3 Tratamento dos tumores não seminomatosos


Como descrito anteriormente, tumores não seminomatosos não respondem à radioterapia, ex-
cluindo-se então tal opção terapêutica.
Tumores não seminomatosos confinados ao testículo (grupo CS I) também têm tratamento con-
troverso, podendo ser tratados apenas com observação, ressecção cirúrgica retroperitoneal (linfade-
nectomia retroperitoneal) ou quimioterapia. Já tumores não seminomatosos com metástases (grupos
CS II/CS III) também não podem ser apenas observados, devendo ser tratados com linfadenectomia
retroperitoneal, quimioterapia ou até mesmo associação entre ambos devido ao caráter mais agressi-
vo da doença em relação aos tumores seminomatosos.

Leitura recomendada
ALBERS P. et al. EUA Guidelines on testicular cancer: 2016. Disponível em: < https://uroweb.org/
wp-content/uploads/EAU-Guidelines-Testicular-Cancer-2016-1.pdf> Acesso em: 04 set. 2018.
ALBERS P et al. EUA Guidelines on testicular cancer: 2017. Disponível em: < https://uroweb.org/
wp-content/uploads/11-Testicular-Cancer_2017_web.pdf>. Acesso em: 04 set. 2018.
ALVARADO-CABRERO, I.; HERNÁNDEZ-TORIS, N.; PANER, G. P. Clinicopathologic analysis
of choriocarcinoma as a pure or predominant component of germ cell tumor of the testis. Am J Surg
Pathol., v. 38, n. 1, Jan. 2014. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24145647
https://doi.org/10.1097/PAS.0b013e3182a2926e>. Acesso em: 04 set. 2018.
GILLIGAN, T. D. et al. American Society of Clinica Oncology Clinical Practice Guideline on uses
of serum tumor markers in adult males with germ cell tumors. J Clin Oncol., v. 28, n. 20, July. 2010.
Disponível em: < https://doi.org/10.1200/JCO.2009.26.4481>. Acesso em: 04 set. 2018.
NATIONAL CANCER INSTITUTE. Cancer stat facts: testicular cancer. Disponível em <https://seer.
cancer.gov/statfacts/html/testis.html>. Acesso em: 04 set. 2018.
SIEGEL et al. Cancer statistics, 2014. CA Cancer J Clin., v. 64, n. 1, Jan./Feb., 2014. Disponível em:
<https://doi.org/10.3322/caac.21208>. Acesso em: 04 set. 2018.
STEPHENSON J. A., GILLIGAN, T. D. Neoplasms of the Testis. In.: WEIN, Alan J. et al. Campbell-
Walsh urology. 11th ed edition review. Philadelphia : Saunders, 2015.
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375 - Autores

AUTORES
Alexandre Crippa Sant’Anna
Docente e Coordenador da cadeira de Urologia na Universidade Nove de Julho – UNINOVE
Membro da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU)
Doutor em Medicina pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)
Médico chefe da Clínica de Urologia do Hospital do Servidor Público Municipal (HSPM)
Diretor da Clínica Urobrasil
Revisor das Revistas de Urologia: International Brazillian Journal of Urology; Journal of Urology
Autor dos livros:
o Câncer de próstata. São Paulo: Santos, 2013. 304p.
o Câncer de rim. São Paulo: Santos, 2013. v. 1. 236p.
o Câncer de bexiga. São Paulo: Santos, 2013. 141p.
Atuou como coordenador do setor de Uro-oncologia do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo
(ICESP)

Bruno Garcia Dias


Médico formado pela Universidade Federal de Sergipe (UFS)
Médico Residente em Urologia do Hospital do Servidor Público Municipal (HSPM)

Daniel Cernach Ayres


Docente da Disciplina de Urologia da Universidade Nove de Julho – UNINOVE
Médico formado pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP)
Fellowship em Uro-oncologia pelo ICESP/Hospital Sírio-libanês

Eder Oliveira Rocha


Médico formado pelo Centro Universitário UNINOVAFAPI
Especializando em Urologia pela Beneficência Portuguesa de São Paulo (BP)

Eduardo Hidenobu Taromaru


Docente da Disciplina de Urologia da Universidade Nove de Julho - UNINOVE
Médico formado pela Universidade Severino Sombra
Residência em Urologia pelo Hospital do Servidor Público Municipal (HSPM)
Médico assistente do Serviço de Urologia e Programa de Residência Médica em Urologia do Hospital
do Servidor Municipal
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Autores - 376

Felipe Goulart Nehrer


Médico formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Médico Residente em Urologia do Hospital do Servidor Público Municipal (HSPM)

Felipe Guilherme Hamoy Kataoka


Médico formado pela Universidade Federal do Pará (UFPA)
Médico Residente em Urologia do Hospital do Servidor Público Municipal (HSPM)

José Vinícius de Morais


Médico formado pela Universidade de São Paulo (USP)
Médico Residente em Urologia do Hospital do Servidor Público Municipal (HSPM)

João Henrique Aguayo Mussy


Médico formado pela Universidade Estadual do Pará (UEPA)
Médico Residente em Urologia do Hospital do Servidor Público Municipal (HSPM)

Jose Carlos Losito Paiva da Fonseca Junior


Médico formado pela Universidade Metropolitana de Santos (UNIMES)
Médico assistente do Serviço de Urologia e Programa de Residência Médica em Urologia do Hospital
do Servidor Público Municipal (HSPM)

Luccas Santos Patto de Goes


Docente da Disciplina de Urologia da Universidade Nove de Julho - UNINOVE
Médico formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
Residência em Urologia no Hospital do Servidor Público Municipal (HSPM)
Médico assistente do Serviço de Urologia e Programa de Residência Médica em Urologia do Hospital
do Servidor Público Municipal (HSPM)

Nelson Gaspar Dip Júnior


Docente da Disciplina de Urologia na Universidade Nove de Julho - UNINOVE
Médico formado pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS)
Doutor em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP)
Pós-doutorando pela Universidade de São Paulo (USP)
Preceptor do Programa de Residência Médica em Urologia do Hospital do Servidor Público Municipal
(HSPM)
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Octavio Henrique Arcos Campos


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Residência em Urologia no Hospital do Servidor Público Municipal (HSPM)
Médico assistente do Serviço de Urologia e Programa de Residência Médica em Urologia do Hospital
do Servidor Público Municipal (HSPM)

Rafael Maistro Malta


Docente da Disciplina de Urologia da Universidade Nove de Julho - UNINOVE
Médico formado pela Universidade Anhanguera UNIDERP-MS
Residência em Urologia no Hospital do Servidor Público Municipal (HSPM)
Médico Assistente do Setor de Urologia do Hospital Santo Antônio/Hospital Beneficência Portuguesa
de São Paulo (BP)

Rodolfo Anísio Santana de Torres Bandeira


Docente da Disciplina de Urologia da Universidade Nove de Julho - UNINOVE
Médico formado pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
Doutor em ciências pela Universidade de São Paulo (USP)
Médico Assistente do Setor de Urologia do Hospital Santo Antônio/Hospital Beneficência Portuguesa
de São Paulo (BP)

Thiago Seiji Carvalho da Silveira


Médico formado pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo
Residência em Urologia no Hospital do Servidor Público Municipal (HSPM)
Médico assistente do Serviço de Urologia e Programa de Residência Médica em Urologia do Hospital
do Servidor Público Municipal (HSPM)

Wellington Rodrigues Porciúncula Junior


Médico formado pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL)
Médico Residente em Urologia do Hospital do Servidor Público Municipal (HSPM)
O objetivo deste livro é servir de curadoria, quer dizer, uma seleção dos
temas mais relevantes na formação médica em Urologia na graduação.

Urologia para Graduação está dividido em quatro seções, sendo que cada
uma serve de base para a seguinte.

São elas: Anatomia, Fisiologia e Propedêutica em Urologia; Exames e


Procedimentos em Urologia; Patologias não Neoplásicas; Trauma e Tumo-
res Urológicos.

Alexandre Crippa Sant’Anna

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