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APONTAMENTOSDIREITOPENAL
APONTAMENTOSDIREITOPENAL
1. Direito Penal
a) Medidas de segurança
Têm um carácter essencialmente preventivo, embora sejam sempre pós-delituais e são
baseadas na perigosidade do delinquente.
No âmbito do Direito Penal vigora o princípio da culpa que significa que toda a pena
tem como suporte axiológico normativo uma culpa concreta; a culpa é simultaneamente
o limite da medida da pena.
Ou seja, quanto mais culpa o indivíduo revelar na prática de um facto criminoso, maior
será a pena, quanto menor a culpa menor será a pena.
O fundamento para a aplicação de uma medida de segurança, não pode ser a culpa, mas
sim a perigosidade, ou seja, justifica-se a imposição daquela medida de segurança
quando há suspeita de que aquele indivíduo que cometeu aquele facto penalmente
relevante volte a cometer novo ilícito, de gravidade semelhante.
b) Medidas de correcção
São medidas (penais) que se aplicam a jovens delinquentes.
A partir dos 16 anos, o indivíduo tem plena capacidade de culpa e sobre ele pode recair
uma pena: pena de prisão ou pena de multa. Antes dos 16 anos, o indivíduo é
inimputável.
c) Penas
Sanção característica do Direito Penal. Prevista e regulada nos arts. 40º segs. CP.
A pena de prisão tem um limite mínimo de um mês e um limite máximo de 20 anos
podendo ir até aos 25 anos em determinados casos (art. 41º CP).
A pena de multa tem um limite mínimo de 10 dias e um limite máximo de 360 dias (art.
47º CP).
Direito Penal é composto por um conjunto de normas jurídicas com uma determinada
estrutura. Essa estrutura é a descrição de um facto, de um comportamento humano que é
considerado crime ou contravenção, a que corresponde uma sanção jurídico-penal[1].
Esta definição estrutural do Direito Penal não nos resolve o problema de saber se, em
determinados campos em que também são aplicadas consequências jurídicas
desfavoráveis a pessoas que cometem determinados factos relevantes, se isso é ou não
Direito Penal, poderá não ser: poderá ser por hipótese direito disciplinar, ilícito da mera
ordenação social; ilícito das contravenções (coimas) etc.
Também nestes casos é cominada uma consequência jurídica desfavorável (uma
estatuição) para quem incorre num determinado facto previsto.
O objecto do Direito Penal são os factos penalmente relevantes, sendo os de maior
importância os crimes.
Formalmente pode-se dizer que o crime é uma acção ou um facto típico, ilícito e
culposo.
Portanto, os crimes principais encontram-se na parte especial do CP. Mas encontram-se
muitos crimes tipificados em outros diplomas legislativos: Decreto-lei[2], leis.
Materialmente, crime é todo o comportamento humano que lesa ou ameaça de lesão
(põe em perigo) bens jurídicos fundamentais.
Existe um princípio basilar e que dá consistência à criminalização de comportamentos
que é o princípio da subsidiariedade do Direito Penal.
O Direito Penal ao intervir, só deve emprestar a sua tutela, só está legitimada a intervir
para tutelar determinados bens de agressões humanas quando essa tutela não puder ser
eficazmente dada através de outros quadros sancionatórios existentes no ordenamento
jurídico. Ou seja, quando do direito civil, do direito administrativo, não forem
suficientemente eficazes para acautelar esses bens jurídicos que as normas de Direito
Penal procurem acautelar.
Bens jurídicos são valores da ordem ideal que o legislador considera, muitas vezes por
opção de para política, outras por opção de política penal ou política criminal,
procurando dar tutela jurídica. São bens jurídicos:
- Vida;
- Integridade física;
- Honra;
- Liberdade;
- Propriedade;
- Património em geral;
- Liberdade de movimentação;
- Liberdade de decisão; etc.
Por detrás de cada tipo legal de crime, encontram-se sempre a necessidade de tutelar um
ou mais bens jurídicos.
Não é legítima a criação de um comportamento criminoso, a criação de uma
incriminação, sem que por detrás dessa incriminação se tentem proteger bens jurídicos
fundamentais.
Formalmente o Direito Penal está legitimado pelas normas constitucionais, mormente o
art. 18º CRP, a Constituição aponta determinados critérios que o legislador ordinário em
matéria penal não pode ultrapassar. As normas penais têm de estar em harmonia com as
orientações constitucionais.
Mas, não é o legislador penal que cria o bem jurídico. O bem já existe porque é um
valor de ordem ideal, de ordem moral. Simplesmente o legislador, ao atribuir-lhe tutela
penal, transforma-o em bem jurídico.
A intervenção do Direito Penal por força do princípio da subsidiariedade só se justifica
quando seja para acautelar lesões ou ameaças de lesões de bens jurídicos fundamentais.
O Direito Penal é composto por um conjunto de normas jurídicas que têm a virtualidade
de associar a factos penalmente relevantes – os crimes e as contravenções –
determinadas consequências jurídico-penais.
- Formalmente, o Direito Penal é legitimado pelas próprias normas constitucionais e a
visão constitucional do funcionamento do Estado e da sociedade é reflectida depois pelo
legislador em sede de Direito Penal;
- Materialmente, aquilo que legitima o Direito Penal é a própria manutenção do Estado
e da própria sociedade.
Portanto, o Direito Penal só deve intervir quando e onde se torne necessário para
acautelar a inquebrantibilidade social.
Saber quais os bens estes valores da ordem moral e ideal que devem carecer de
disciplina jurídica e de tutela penal, pode fazer-se através de duas maneiras:
1) Através de um processo intra-sistemático, ou seja, inerente ao sistema: averiguar
quais são as incriminações constantes de legislação penal, quer da parte especial do
Código Penal, quer de legislação penal extravagante ou avulsa; verificar que
comportamento é que o legislador penal, face ao direito vigente, considera como tal;
saber depois de por detrás dessas incriminações se encontram sempre bens jurídicos que
o legislador pretende tutelar.
2) Através de um plano sistemático crítico: indagam que valores, que bens, carecem de
tutela penal.
O Direito Penal é talvez o ramo de direito que mais próximo se encontra do
ordenamento moral. Muitos comportamentos que são considerados como criminosos,
não deixam de reflectir uma certa carga moral.
O Direito Penal só deve intervir quando a tutela conferida pelos outros ramos do
ordenamento jurídico não for suficientemente eficaz para acautelar a manutenção desses
bens considerados vitais ou fundamentais à existência do próprio Estado e da sociedade.
A este carácter subsidiário do Direito Penal, que se resume dizendo que o Direito Penal
intervém como ultima “ratio” no quadro do ordenamento jurídico instrumental, deve
opor-se um outro princípio que é o princípio da fragmentariedade do Direito Penal, o
Direito Penal não deve intervir para acautelar lesões a todos e quaisquer bens, mas tão
só àqueles bens fundamentais, essenciais e necessários para acautelar a
inquebrantibilidade social.
O carácter subsidiário e fragmentário do Direito Penal deve ser também analisado em
consonância com outro princípio fundamental que é o princípio da proporcionalidade.
Tal como Gallas dizia: “não se devem disparar canhões contra pardais, mesmo que seja
a única arma de que disponhamos”.
Significa isto que há que medir em termos de proporção, em termos de grandeza, a
necessidade que há de tutelar um bem fundamental, sendo certo que a intervenção do
Direito Penal, por força das sanções jurídicas que lhe são características, colide com o
direito de liberdade que é um direito fundamental do cidadão.
O Direito Penal só deve intervir quando a sua tutela é necessária e quando se revela útil,
quando tem alguma eficácia.
Segundo um critério que separa entre aplicação, criação e execução dos preceitos de
natureza penal, pode-se distinguir entre:
- Direito Penal material ou substantivo;
- Direito Penal adjectivo, formal ou Direito Processual Penal;
- Direito Penal da execução, também designado por Direito Penal executório ou direito
da execução penal.
A dogmática parte da elaboração de conceitos que arruma num edifício lógico e que
vem permitir uma aplicação certa, segura e uniforme da lei penal, ou seja:
- Afirma-se que um crime é uma acção ou um facto típico, ilícito, culposo e punível é
obra dogmática;
- Afirmar-se, por exemplo, que um facto ilícito é um facto típico não justificado, é
também obra da dogmática jurídico-penal.
8. O que é a culpa?
É um juízo de censura formulado pela ordem jurídica a um determinado agente.
Censura-se ao agente o facto de ele ter decidido pelo ilícito, o facto de ele ter cometido
um crime, quando podia e devia ter-se decidido diferentemente, ter-se decidido de
harmonia com o direito.
No ilícito penal é possível a prisão preventiva. No ilícito da mera ordenação social, não
é admissível a prisão preventiva; é, contudo possível a detenção por 24 horas para
identificação do suspeito.
No âmbito do ilícito penal, por regra e por força do art. 11º CP, vigora o princípio da
personalidade, salvo disposição em contrário, só as pessoas singulares são susceptíveis
de responsabilidade criminal. Diferentemente sucede no ilícito da mera ordenação
social, em que as pessoas colectivas podem ser sancionadas (art. 7º DL 433º/82). Não há
impedimento conceitual à aplicação de coimas a pessoas colectivas, diferentemente do
que sucede enquanto regra no âmbito do Direito Penal.
13. Noção
c) Concepção social
Independentemente destes valores e interesses estarem subjectivados, concretizados na
esfera jurídica de um indivíduo, podendo estar efectivamente imanentes à colectividade
social.
Não necessitam, de ser individualmente encabeçados na esfera social de um
determinado sujeito em concreto. Os bens jurídicos são vistos numa óptica social, como
bens universais pertencentes à colectividade.
d) Concepção funcional
Podia-se ver nos bens jurídicos, funções que esses mesmos bens jurídicos
desempenhavam para o desenvolvimento da própria sociedade, as funções sociais
desempenhadas por esses bens.
O Prof. Figueiredo Dias, diz que os bens jurídicos são uma combinação de valores
fundamentais, por referência à axiologia constitucional.
São bens jurídicos fundamentais por referência à Constituição, aqueles que visam o bom
funcionamento da sociedade e das suas valorações éticas, sociais e culturais. Portanto,
uma concepção mista em que se dá ênfase a uma combinação individualista, social ou
mesmo funcional do bem jurídico.
Os bens jurídicos tutelados pelas diferentes incriminações têm de estar de acordo com a
Constituição, significando isto que: tem de estar em harmonia com o princípio da
representatividade política e com o princípio da reserva de lei formal, é a Assembleia da
República que deve efectivamente escolher quais esses valores, quais esses interesses
que carecem de tutela jurídico-penal.
Por um lado, se esses bens jurídicos que o legislador resolve tutelar quando cria
incriminações são:
- Bem jurídico fundamental, se o não forem, a tutela do Direito Penal é inconstitucional;
- Permite verificar se a intensidade da agressão justifica a tutela do Direito Penal, isto é,
se é efectivamente necessária a tutela do Direito Penal ou se outra tutela será suficiente.
O Prof. Figueiredo Dias, diz que existe uma axiologia constitucional, os bens jurídicos,
são exclusivamente definidos na Constituição. Mútua referência, só não ordem
constitucional, é possível identificar os bens jurídicos que a ordem jurídica vai defender.
A restrição do Direito Penal é a restrição de uma tutela de bens jurídico
constitucionalmente consagrados. Compromisso de ter de proteger os bens jurídicos
constitucionalmente consagrados.
- Direito Penal de justiça ou clássico ou primário: corresponde ao núcleo de bens
jurídicos consagrados constitucionalmente, estando consagrados no Código Penal;
- Direito Penal secundário: todos os bens jurídicos que estavam na Constituição, mas
não nos direitos, liberdade e garantias, não devem ser tratados no Código Penal, mas em
legislação avulsa.
Não há uma exclusiva vinculação da ordem penal à constitucional. A ordem
constitucional identifica valores fundamentais, na ordem social, encontram-se valores
que podem fazer intervir o Direito Penal, valores que poderão não estar referidos
constitucionalmente.
Não há correspondência total da ordem penal na ordem constitucional
18. Introdução
O Direito Penal é um ramo de direito produzido pelo Estado e como tal, deve em última
análise prosseguir fins imanentes a esse mesmo Estado.
A finalidade das penas[6] pode ser vista não numa óptica mediata de finalidades a
prosseguir pelo próprio Estado, mas numa óptica formal e abstracta.
Três finalidades podem ser prosseguidas com os fins imediatos das penas:
1) I
2) Ideia de prevenção:
a) Geral;
b) Especial.
As penas servem para retribuir o mal a quem praticou o mal, esta é a teoria retributiva
das penas: tem uma finalidade retributiva.
Ou então poder-se-á dizer que as penas servem para fazer com que as pessoas em geral
não cometam crimes, uma finalidade de prevenção geral.
Ou dizer que as penas servem para que a pessoa que é condenada a uma pena e que a
tenha de cumprir não volte ela própria a cometer crimes, tem-se aqui uma finalidade de
prevenção especial.
A estas ideias subjacentes aos fins das penas, há que distinguir entre:
- Teorias absolutas das penas;
- Teorias relativas das penas.
Apresenta a ideia de que as penas são um mal que se impõe a alguém, por esse alguém
ter praticado um crime. Significa a imposição de um mal a quem praticou um mal, uma
ideia de castigo. Escolhe-se uma pena que corresponde a determinado facto, deve ter
correspondência com a proporcionalidade na responsabilidade do agente.
É uma teoria inadequada para fundamentar a actuação do Direito Penal, embora este
tenha um fim de retribuição, não pode ter a teoria da retribuição como fim em si mesmo.
a) Teoria da prevenção[7]:
Numa óptica de prevenção geral, pode-se dizer que as penas pretendem evitar que as
pessoas em geral cometam crimes.
Numa óptica da prevenção especial, pode-se verificar que o direito penal, ao submeter
um indivíduo a uma sanção por um crime que ele cometeu, pretende evitar que esse
indivíduo volte a cometer crimes. Fá-lo por duas vias:
1) Ou porque esse indivíduo é segregado, isto é, enquanto está a cumprir pena tem a
impossibilidade de reincidir;
2) Ou então, já não assente na ideia de segregação, mas numa ideia de regeneração, de
recuperação ou de ressociabilização, através de um tratamento que lhe será submetido
no âmbito do cumprimento da pena.
O Direito Penal é chamado a retribuir um crime, mas é concebido com uma ideia de
prevenir (teoria da prevenção geral). O objectivo da pena é essencialmente o objectivo
de exercer uma influência na comunidade geral – ameaçar se cometer um crime, pois ao
cometer fica submetido a uma determinada pena – prevenir a prática de crimes.
Füerbach, cria a “teoria psicológica da coacção”, as infracções que as pessoas cometem
têm, um impulso psicológico, a função da pena é combater esse impulso de cometer
crimes.
Intimida-se as pessoas, com esta coacção para que os cidadãos em geral não cometam
crimes. Esta prevenção geral divide-se em:
- Prevenção geral positiva, revelar à comunidade o que acontece se praticar um crime;
- Prevenção geral negativa revelar a intimidação.
É a teoria que mais se opõe à retributiva. O Direito Penal é cada vez mais dirigido à
pessoa do criminoso, criando condições para o sociabilizar. É alvo de críticas.
Tal como a prevenção geral, não nos fornece um critério de quanto e a duração das
penas. Os sistemas (teorias) desenvolvidos por si só são falíveis, começando a se
desenvolver teorias mistas.
Klaus Roxin desenvolve esta teoria mista, dizendo que cada uma das teorias per si, de
importância solada são insuficientes para justificar os fins das penas. Engloba três fases:
1) Fase da ameaça penal: a formulação de um preceito legal, abstractamente definido na
lei, em que existe a tipificação do comportamento como criminoso e os
estabelecimentos da sanção correspondente; os fins das penas seriam
predominantemente de natureza, de prevenção geral;
2) Fase da condenação: fase em que o indivíduo que cometeu um crime vai ser julgado e
em que o juiz lhe comunica a pena aplicável, momento da retribuição;
3) Fase da execução da pena: em que a finalidade da pena estaria aqui numa óptica de
prevenção especial, de recuperação ou ressociabilização do delinquente.
Em 1852 é feito o primeiro Código Penal Português, transpõe para o Direito Penal os
princípios penas consagrados.
Em 1886 é feito um novo Código Penal, não mais do que o Código Penal de 1852 com
algumas alterações.
Em 1954 é reformado, autoria de Cavaleiro Ferreira.
Sofre alterações em 1984 e uma profunda alteração de 195, dirigida por Figueiredo
Dias, alteração à parte especial.
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
24. Fundamentos
Princípio “nullum crimen, nulla poena sine lege”, ou seja, princípio de que não há crime
nem pena sem lei, extrai-se o seguinte:
- Não pode haver crime sem lei;
- A lei que define crime tem de ser uma lei precisa – “nullum crimen nula poena sine
lege certa”;
- Proíbe-se a retroactividade da lei pena – “nullum crimen nulla poena sine lege previa”;
- Proíbe-se a interpretação extensiva das normas penais incriminadoras – “nullum crime
nulla poena sine lege strica”;
- Proíbe-se a integração de lacunas por analogia e impõe-se a retroactividade das leis
penais mais favoráveis.
a) A lei (escrita)
Aqui está a tal decorrência do princípio da legalidade “nullo crimen nulla poena sine
lege scripta”, não há crime nem pena sem lei escrita (art. 165º CRP).
b) Costume
Como fonte de incriminação não é admissível em Direito Penal, de contrário violaria o
disposto no art. 1º CP, e arts. 29º e 165º/1-c CRP, nomeadamente estaria a violar o
princípio da representatividade política e da reserva da lei formal.
No entanto o costume tem valia quando visa, não criar ou agravar a responsabilidade
penal do agente, mas quando a sua intervenção resulte benéfica para o agente: ou seja,
quando o costume se venha traduzir no âmbito de uma norma favorável, isto é, quando
o costume de alguma forma venha atenuar ou mesmo excluir a responsabilidade
criminal do agente.
c) Jurisprudência
Não é fonte imediata de direito.
Reconduz-se à aplicação da lei ao caso concreto.
Há uma grande tendência para que os tribunais se orientem para decisões anteriores.
d) Doutrina
Não é fonte imediata de direito, mas sim fonte mediata. Corresponde ao conjunto das
opiniões dos eminentes penalistas.
As normas favoráveis são aquelas que visam, ou que traduzem para o agente, uma
posição mais benéfica porque:
- Ou excluem a ilicitude de um facto típico e portanto justificam o facto e tornam-no
ilícito, tornando-o ilícito, excluem a responsabilidade penal, porque não há
responsabilidade penal por factos lícitos.
- Ou tornam-se mais brandos, mais suaves, os pressupostos da punibilidade e da
punição.
1) Relação de especialidade
Uma norma encontra-se numa relação de especialidade em relação a outra quando
acrescenta mais um tipo incriminador, não a contradizendo contudo.
Neste sentido, vê-se que por força de uma relação de especialidade em que as normas se
podem encontrar, tanto pode subsistir a norma que contenha a moldura penal mais
elevada, como a norma que contenha a moldura penal mais baixa.
2) Relação de subsidiariedade
Nos casos em que a norma vê a sua aplicabilidade condicionada pela não aplicabilidade
de outra norma, só se aplicando a norma subsidiária quando a outra não se aplique. A
norma prevalecente condiciona de certo modo o funcionamento daquela que lhe é
subsidiária. Distinguem-se dois tipos:
a) Subsidiariedade expressa: é a própria lei que afirma expressamente que uma norma
só se aplica se aquela outra não se puder aplicar;
b) Subsidiariedade implícita ou material: resulta quando em face de um raciocínio
imperativo, se chega à mesma conclusão, ou seja, quando por força de uma
interpretação verificar-se que a relação que existe entre as normas não pode deixar de
ser uma relação de subsidiariedade.
3) Relação de consunção
Quando um certo tipo legal de crime faça parte não por uma definição do código, mas
por uma forma característica, a realização de outro tipo de crime, ou seja, quando tem
uma discrição típica suficientemente ampla que abranja os elementos da discrição típica
da outra norma.
A finalidade das normas concentra-se sempre na tutela de bens jurídicos, sendo possível
identificar em cada tipo legal a ratio da conduta descrita.
A relação de consunção acaba por colocar em conexão os valores protegidos pelas
normas criminais. Não deve confundir-se com a relação de especialidade, pois ao
contrário do que se verifica naquela relação de concurso de normas, a norma
prevalecente não tem necessariamente de conter na sua previsão todos os elementos
típicos da norma que derroga.
33. Introdução
Uma das decorrências do princípio da legalidade é que não há crime sem uma lei
anterior ao momento da prática do facto que declare esse comportamento como crime e
estabeleça para ele a correspondente sanção[19].
Em Direito Penal vigora portanto a lei do momento da prática do facto. Mas a aplicação
externa ou exacerbada deste princípio poderia levar a situações injustas. Donde o
princípio geral em matéria penal é de que as leis penais mais favoráveis aplicam-se
sempre retroactivamente.
Qual é a lei que no momento do julgamento o juiz devia aplicar ao arguido? É a lei do
momento da prática do facto, que é a mas favorável, do que a lei posterior, ainda que
essa lei tenha revogado aquela. Existe ultra-actividade da lei penal, porque se aplica
sempre a lei penal de conteúdo mais favorável ao arguido.
O momento da prática do facto é sempre aquele em que, no caso de se tratar de um
crime comissivo ou por acção, o agente actuou, ou, no caso de se tratar de um crime
omissivo, no momento em que o agente deveria ter actuado.
Duas situações
Uma nova lei vem descriminalizar uma determinada conduta. Como deve reagir a
ordem jurídica? Se a conduta vier a ser descriminalizada não deve ser condenado por
essa conduta, mesmo que o agente tenha já sido condenado e se encontre detido (art.
2º/2 CP). Cessa os efeitos penais – princípio da aplicação da lei mais favorável.
Regime que se revela concretamente mais favorável, deve-se aplicar este regime ao
agente.
No entanto a lei no art. 2º/4 CP coloca um limite para o efeito retroactivo – “salvo se
este já tiver sido condenado por sentença transitada em julgado”. É diferente dos efeitos
da descriminalização.
Há autores que defendem a inconstitucionalidade do art. 2º/4 CP, outros defendem a sua
constitucionalidade.
As leis temporárias são as leis que marcam “ab initio”, à partida, o seu prazo de
vigência; são as normas que se destinam a vigorar durante um determinado período de
tempo pré-fixado. São leis temporárias que caducam com o “terminus” da vigência que
pré-fixaram.
As leis de emergência são as leis que face a determinado circunstancialismo anormal
vêm penalizar, criminalizar determinadas condutas que até aí não eram consideradas
crime, ou vêm efectivamente agravar a responsabilidade penal por determinado facto
que até aí já era crime, mas em que esse agravamento se deve tão só a situações ou
circunstâncias anormais que reclamam a situação de emergência.
Ressalva-se no art. 2º/3 CP, que continua a ser punido o facto criminoso praticado
durante o período de vigência de uma lei de emergência.
Significa que, não obstante no momento do julgamento a lei já não estar em vigor por já
ter caducado ou já ter sido revogada, deve continuar a ser punido pelo facto que praticou
durante esse período em que a lei estava efectivamente em vigor.
Em bom rigor, no âmbito das leis temporárias não há uma verdadeira sucessão de leis
no tempo, porque:
- A lei é temporária em sentido estrito, não necessita de nenhuma outra lei para que se
possa afirmar uma sucessão de leis penais no tempo; a lei é só uma só faz sentido falar
em sucessão de leis penais no tempo e em retroactividade ou irretroactividade quando
estão em causa mais do que uma lei, pelo menos duas leis. Aqui a lei é só uma.
- Não há uma lei diferente, não há uma sucessão de regimes, donde também não faz
sentido falar em aplicação retroactiva porque a lei é sempre a mesma.
Não são só conexões geográficas que o legislador utiliza para tornar aplicável a lei penal
portuguesa, para que seja competente para julgar factos penalmente relevantes.
O legislador utiliza também a conexão dos valores ou dos interesses lesados ou
ameaçados de lesão com as actividades criminosas, o valor dos interesses postos em
causa pela prática do crime. Isto evidencia-se em sede de dois princípios:
- Princípio da tutela ou da protecção dos interesses nacionais.
- Princípio da universalidade ou de aplicação universal.
Vindo estes princípios consagrados no art. 5º CP.
Quando se trate de crimes expressamente consagrados no art. 5º/1 CP, são crimes que o
Estado português entende ferirem a sensibilidade jurídica nacional, são crimes que
põem em causa valores ou interesses fundamentais do Estado português.
Os factos penalmente relevantes ocorridos em território nacional, a lei portuguesa é
competente para os julgar – princípio da territorialidade.
Este princípio da territorialidade é depois complementado pelo princípio do pavilhão ou
da bandeira pelo qual independentemente do espaço aéreo ou das águas, a lei penal
portuguesa também se aplica a factos praticados no interior de navios com pavilhão
português, ou a bordo de aeronaves registadas em Portugal.
São de alguma forma crimes que todos os Estados têm interesse em punir. De um modo
geral, independentemente da nacionalidade dos seus autores, são crimes que reclamam
uma punição universal e daí que as ordens jurídicas se reclamem competentes para fazer
aplicar a sua lei penal a esses factos descritos no art. 5º/1-b CP.
Da alínea c) do art. 5º/1 CP retira-se o princípio da nacionalidade, também dito princípio
da personalidade activa ou passiva.
O princípio da nacionalidade activa diz basicamente que a lei portuguesa se aplica a
factos praticados no estrangeiro por portugueses. É de harmonia com o princípio da
nacionalidade activo, que a lei penal portuguesa aplica-se a factos praticados no
estrangeiro que sejam cometidos por cidadãos nacionais.
O princípio da nacionalidade passiva diz que a lei penal portuguesa se aplica a factos
cometidos no estrangeiro contra portugueses.
Admite que o Estado português julgue um criminoso que tenha cometido um crime no
seu país de origem contra um cidadão desse país e fuja para Portugal. Pressupostos:
- Que o agente se encontre em Portugal;
- A extradição seja pedida;
- Seja possível a extradição mas não seja admitida.
44. Introdução
É a teoria que tem por objecto o estudo do crime. O conjunto dos pressupostos de
punibilidade e de punição que são comuns a todos os crimes, a todos os factos
tipificados na lei como crime.
Os requisitos comuns é que um facto deve ter para ser considerado criminoso e para que
dele decorra uma responsabilidade jurídico-penal para o seu autor, para o agente
daquela infracção.
Pode-se formalmente definir crime como um comportamento humano que consiste
numa acção penalmente relevante, acção essa que é típica, ilícita, culposa e punível.
Esta teoria permite desde logo uma aplicação certa, segura e racional da lei penal.
Passa-se dum casuísmo, de verificar caso a caso o que é crime para através da teoria da
infracção, ter-se uma vocação generalizadora de factos penalmente relevantes, de factos
criminosos.
E através do estudo destas categorias analíticas pode-se determinar a responsabilidade
jurídico-penal duma pessoa, pode-se firmá-la ou excluía, através duma análise de
subsunção progressiva.
O elemento subjectivo geral do tipo é o dolo. Tem-se de se ver então o que é o dolo:
consiste na consciência e vontade de realizar os elementos objectivos de um tipo legal.
Estando preenchida a tipicidade, vai-se verificar que esta categoria analítica que é
composta por elementos subjectivos e objectivos, estando integralmente preenchida
indicia a ilicitude.
46. Ilicitude
A ilicitude num sentido formal, é a contrariedade à ordem jurídica na sua globalidade,
de um facto ilícito é um facto contrário à ordem jurídica, contrário ao direito.
Mas numa óptica material, o facto ilícito consiste numa danosidade social, numa ofensa
material a bens jurídicos.
Em princípio da lei penal só tipifica factos que são contrários ao direito. Mas a ilicitude
indiciada pelo facto típico ou pela tipicidade pode ser excluída.
Pode estar excluída pela intervenção de normas remissivas, que vêem apagar o juízo de
ilicitude do facto típico, são as designadas causas de justificação que, a estarem
presentes, justificam o facto típico, excluindo a ilicitude indiciada pela própria
tipicidade.
Mas pode acontecer, que preenchido um tipo mediante uma acção penalmente relevante
e a ilicitude indiciada pelo tipo, pode ser que não se verifique nenhuma causa de
justificação ou de exclusão da ilicitude.
Na maior parte dos casos em que as pessoas cometem crimes não estão a actuar ao
abrigo de nenhuma causa de exclusão da ilicitude.
47. Culpa
48. Punibilidade
Para além de o facto ter consistido numa acção típica, ilícita e culposa, é ainda preciso
que seja punível.
Então chega-se à conclusão que por vezes existem determinados factos praticados no
seio de acções penalmente relevantes, típicas, ilícitas culposas, mas contudo os agentes
não são punidos. E porque é que não há punibilidade em sentido estrito?
- Ou porque não se verificam condições objectivas de punibilidade;
- Ou então porque se trata de uma isenção material, no caso de desistência;
- Ou porque se trata de uma causa pessoal de isenção de pena.
Todas estas escolas teorizam o crime tripartindo-o, dizendo que era uma acção típica,
ilícita e culposa. Agora, o que cada uma destas escolas considerava como integrante de
cada uma destas categorias analíticas é que diverge.
Escola Clássica:
- Beling/Van Listz;
- Acção – naturalista (acção natural);
- Tipicidade – correspondência meramente externa, sem consideração por quaisquer
juízos de valor; só elementos objectivos e descritivos;
- Ilicitude – formal;
- Culpa – psicológica (inserção de todos os elementos subjectivos – dolo e negligência).
- Criticas – os factos penalmente relevantes com negligência e os comportamentos
omissos.
Escola Neo-clássica:
- Prof. Figueiredo Dias;
- Acção – negação de valores;
- Tipicidade – o tipo tem também elementos normativos e determinados crimes têm
também na sua tipicidade elementos subjectivos;
- Ilicitude – material;
a) Permite graduar-se o conceito de ilicitude;
b) Permite a descoberta ou a formação de causas de justificação.
- Culpa – censurabilidade: pressupostos da culpa – capacidade de culpa, consciência da
ilicitude, exigibilidade;
- Os conceitos de acção social e a posição de Figueiredo Dias, renúncia a um particular
conceito de acção e os conceitos de:
a) Tipo indiciador;
b) Tipo justificador ou tipo do dolo negativo;
- A teoria dos elementos negativos do tipo.
Escola finalista:
- Wessel;
- Acção – final;
- Tipicidade – o dolo é um elemento subjectivo geral dos tipos;
- Ilicitude – conceito de ilicitude pessoal – o desvalor da acção e do resultado;
- Culpa – normativa; elementos da culpa.
Todos estes sistemas partem duma análise quadripartida do crime, como acção típica,
ilícita e culposa.
49. O sistema clássico
A primeira crítica diz respeito ao conceito de acção. Este conceito de acção como
movimento corpóreo que produz a alteração objectiva no mundo exterior é um conceito
criticável por várias razões.
Mas talvez a crítica mais forte que se pode tecer ao conceito de acção dos clássicos é
precisamente a omissão porque a responsabilidade penal é afirmada por factos
cometidos por acção, mas também por omissões penalmente relevantes.
O conceito de acção dos clássicos deixa de fora as omissões, ou os crimes omissivos.
Daí que os clássicos tenham reformulado um pouco esta noção, dizendo então que a
acção homicida é a acção que se esperava que o agente tivesse.
Em relação à ilicitude, sendo uma ilicitude meramente formal, só nos permite afirmar se
um comportamento, se um facto, se uma acção, é ou não ilícita, não nos permitindo
graduar o conceito de ilicitude.
Em relação à culpa.
Sendo a culpa vista numa óptica meramente psicológica, pergunta-se como é que os
Clássicos explicam a culpa negligente, mormente os casos de negligência inconsciente.
Nos comportamentos dolosos, o agente conhece e quer empreendida com determinado
resultado típico, ou assumir uma determinada conduta consubstanciada num tipo legal
de crime.
51. Sistema Neo-clássico
É desenvolvido na Alemanha a partir dos anos 20, procurando “limar” alguns defeitos
ou arestas do sistema clássico.
Para estes autores, o tipo é composto por elementos positivos e por elementos negativos:
- Elementos positivos: aqueles que fundam positivamente a responsabilidade penal do
agente;
- Elementos negativos: são as causas de justificação que, quando relevantes, justificam o
facto típico.
Dentro deste conceito de ilicitude pessoal de se poder reprovar uma pessoa por adoptar
um determinado comportamento, podem-se distinguir dois desvalores:
1) O desvalor da acção, da conduta empreendida pelo agente;
2) O desvalor do resultado, em que se traduz o comportamento ou a conduta do agente.
A acção, embora no âmbito dos crimes negligentes seja também desvaliosa[23], por
comparação dos crimes dolosos em que o agente actua querendo e conhecendo um
determinado resultado, o desvalor da acção nos crimes dolosos é muito superior.
Quanto à culpa.
Os finalistas têm um conceito de culpa puramente normativo.
A consciência da ilicitude, a capacidade de culpa e a exigibilidade dos comportamentos
passam a ser elementos da culpa. Faltando um destes elementos da culpa, já não é
possível formular sobre uma pessoa um juízo de culpa.
A capacidade de culpa consiste no fundo em a pessoa ter capacidade para avaliar as
exigências. São incapazes de culpa:
a) Os inimputáveis em razão da idade (menores de 16 anos);
b) Os portadores de anomalias psíquicas, que são inimputáveis em razão da anomalia
psíquica.
A consciência da ilicitude é um elemento autónomo da culpa.
55. Acção
A acção tem relevância quer consista num comportamento positivo, quer numa omissão.
A nossa lei equipara a omissão à acção; essa equiparação é dada pelo art. 10º CP.
Há duas formas de comportamento omissivo penalmente relevante, que se diferenciam:
são designadas omissões puras (ou impróprias) e as omissões impuras (ou impróprias).
Quando o legislador descreve as incriminações, através de normas proibitivas e de
normas que pressupõem um determinado resultado típico do tipo, para estar preenchido,
para ser consumado exige uma conduta e um resultado.
No caso das omissões impuras nem toda a gente pode incorrer em responsabilidade
jurídico-penal por omissão impura, porque o legislador só responsabiliza pelas omissões
impuras aqueles sobre quem recaía ou impendia um dever jurídico que pessoalmente o
obrigasse a evitar a produção do resultado típico.
Os clássicos consideravam por acção penalmente relevante todo o movimento corpóreo,
esforço nervoso ou muscular, que produz uma alteração objectiva no mundo real.
O conceito de acção causal é criticável, isto porque:
- Torna-se mais difícil de explicar como é que nestes casos das omissões impuras pode
haver a acção omissiva;
- Crime de injúria: este crime só é concebível a partir de uma certa ponderação social
daquele comportamento como negação de um determinado valor, só é crime porque
socialmente se convenciona que aquele comportamento é uma acção relevante;
- Este conceito de acção causal não afasta, de per si, comportamentos dominados pela
vontade.
Só através de um critério exterior ao próprio conceito de acção causal é que se consegue
delimitar os comportamentos com relevância penal e os comportamentos que não têm
essa relevância.
Para os Neo-clássicos, o conceito de acção é todo o comportamento que nega valores –
é uma negação de valores.
Smith vem com um conceito social de acção, dizendo que acção penalmente relevante é
aquilo que é socialmente adequado a ser acção.
Mas este conceito não explica de per si porque é que algumas omissões negam valores
não é dada tanto pela acção, mas pela ordem jurídica.
Muitas vezes também, a relevância social da acção não pode estar desligada daquilo que
o agente quis.
Por outro lado, não há dúvida que o mesmo comportamento pode ter vária e diferente
relevância social, consoante a intenção do agente.
Finalmente o conceito de acção final para os finalistas.
É todo o comportamento em que a pessoa se serve dos conhecimentos objectivos e
causais para atingir uma determinada finalidade.
O processo causal nos crimes omissivos representa especialidades face aos crimes
activos. Essas especialidades fazem com que os próprios finalistas tivessem de chegar a
uma análise quadripartida do facto punível (ou da infracção):
- Crimes dolosos por acção;
- Crimes dolosos por omissão;
- Crimes negligentes por acção;
- Crimes negligentes por omissão.
Este conceito de acção final não é compreensível para abarcar todas as realidades e
comportamentos que podem dar origem à responsabilidade jurídico-penal.
Há autores que, em relação ao conceito de acção penalmente relevante, como categoria
autónoma da punibilidade, porque não é um conceito isento de críticas em qualquer
formulação, dizem que nós devemos renunciar a um particular conceito de acção e é
própria tipicidade que englobamos os comportamentos por acção e por omissão (Prof.
Figueiredo Dias).
Há outros autores que discordam e que dizem que o conceito de acção penalmente
relevante e efectivamente uma categoria que não se deve descurar, porque o conceito de
acção tem um determinado rendimento em sede de dogmática jurídico-penal.
Por detrás de cada tipo incriminador, o legislador há-de pretender sempre a tutela de um
ou mais bens jurídicos, porque o direito penal encontra a sua justificação na tutela de
bens jurídicos fundamentais.
O bem jurídico é algo distinto do chamado objecto do facto ou objecto da acção.
Enquanto que o bem é aquela realidade que não é uma realidade palpável, é um valor,
um interesse.
O objecto do facto ou da acção é o “quid” concreto sobre o qual incide a actividade
criminosa do agente.
Por detrás de cada tipo legal encontra-se sempre a tutela de um ou mais bens jurídicos.
Os tipos têm na sua descrição elementos descritivos, predominantemente, mas também
é concebível que nalguns tipos apareçam elementos normativos. Aliás foram os Neo-
clássicos que chamaram à atenção para a existência destes elementos normativos do
tipo.
Os elementos descritivos são aqueles elementos que expressam entidades do mundo
real, quer no foro exterior quer interior, quer para a sua cabal compreensão, não
necessitam de nenhuma valoração suplementar feita pelo recurso a uma norma.
Os elementos normativos são aqueles que, expressando também entidades do mundo
real, para seu cabal entendimento carecem do recurso a uma valoração suplementar, do
recurso por exemplo a outra norma.
Há quem diga, como Ihering, que não existem elementos puramente descritivos: todos
eles são mais ou menos normativos; postulam sempre, para seu cabal entendimento e
compreensão, uma valoração suplementar, seja ética, seja de ordem jurídica.
O tipo é integrado sobretudo a partir duma abordagem finalista, por uma estrutura mista:
é composto por elementos objectivos e por elementos subjectivos.
Referindo, agora, tão só ao crime comissivo por acção, ou crime doloso por acção,
pode-se encontrar os seguintes elementos objectivos do tipo:
a) O agente;
b) A conduta ou descrição da acção típica;
c) O resultado;[24]
d) O nexo de imputação, também designado de causalidade[25];
e) Algumas circunstâncias que rodeiam a conduta ou descrição da acção típica.
a) Agente
O agente é aquela (s) pessoa (s) que adopta uma conduta típica descrita num
determinado tipo legal de um crime e que empreende a realização típica – o agente do
tipo legal de crime.
c) Resultado
É também um elemento objectivo do tipo, nos chamados crimes materiais ou de
resultado: é o próprio resultado típico.
Há crimes em que, para além da descrição da conduta típica, se exige que espaço-
temporalmente se desprenda ou se destaque da conduta típica algo diferenciado que é o
resultado – o resultado típico – para que o facto possa estar efectivamente consumado.
Nestes crimes materiais ou de resultado, que para além da conduta pressupõe, ainda,
para a sua consumação, a verificação do resultado típico.
d) Nexo de causalidade
Isto traduz-se, em saber se um determinado resultado pode ser imputado a uma conduta
do agente; se aquilo que se verifica pode ser efectivamente considerado como obra
daquela actuação típica do agente.
É um elemento não escrito do tipo, isto porque, nos crimes materiais ou de resultado,
naqueles crimes que se designam normalmente por crimes de forma livre. Ou seja, são
crimes cuja obtenção do resultado típico previsto pela norma pode ser obtido, por
referência à conduta do resultado típica que é matar, pelas mais diferentes formas.
Por vezes, muito raramente, o legislador pode pretender dar cobertura literal a esse
elemento, ou a este nexo de nexo de causalidade ou de imputação objectiva, e descrevê-
lo. É o que acontece nos chamados crimes de realização vinculada.
Aqui o crime é de realização vinculada, pela descrição do elemento, por uma certa
descrição do nexo de causalidade. Um outro elemento não escrito no tipo e que existe
apenas nalgumas classificações, ou nalguns tipos de crime – os crimes de omissão
impura ou imprópria – é o chamado dever de garante.
Muitas vezes a lei descreve comportamento que considera proibidos e que as pessoas
não devem adoptar, porque ao adoptá-los isso importa a obtenção de um determinado
resultado lesivo, o qual pode ser obtido quer por via de um comportamento activo ou de
uma acção, quer por via de um comportamento omissivo ou de uma omissão.
Para que uma pessoa seja responsabilizada por ter dado origem à produção de um
resultado típico proibido pela lei em virtude de uma inactividade, ou em virtude da sua
passividade ou omissão, é preciso que sobre essa pessoa impenda um dever jurídico que
pessoalmente a obrigue a evitar a produção desse resultado lesivo.
Este dever de garante pode resultar fundamentalmente de três pontos: ou directamente
da lei, ou de contrato, ou de uma situação de imergência.
e) Circunstâncias que rodeiam a conduta
As circunstâncias podem ser, para a nossa lei, ou crimes autónomos, ou então elementos
que integram qualificações ou priviligiamentos de tipos legais de crimes.
Klaus Roxin propõe uma sistemática bipartida da teoria do facto punível. Essa teoria
bipartida devia assentar:
- Por um lado, nos crimes que consistem em levar a cabo uma determinada actividade;
- Por outro lado, os crimes que violam deveres jurídicos, normalmente deveres jurídicos
de natureza profissional ou deveres jurídicos funcionais a que uma determinada pessoa
está adstrita.
Os crimes formais ou de mera actividade, não são só crimes de mera actividade. Crimes
formais são também omissões puras; enquanto crimes de resultado ou crimes materiais
são também omissões impuras.
Os crimes por acção em cuja tipicidade e cuja conduta típica está descrita efectivamente
em termos de acção. Acção que, a ser efectuada pelo agente, viola uma proibição ou um
comando legal.
Existe responsabilidade por acção quando o agente pratica actos que são subsumíveis às
condutas descritas nos tipos legais em termos de acção.
Mas também existe responsabilidade por omissão.
As omissões podem ser de duas ordens. Pode-se classificar ou distinguir as chamadas
omissões puras das omissões impuras, também designadas por alguns autores de
omissões próprias e omissões impróprias, respectivamente.
Dentro das omissões puras, tem-se a responsabilidade jurídico-penal do agente, na
porque ele tenha actuado, mas precisamente porque omitiu uma conduta que lhe era
exigível por lei.
Nos caos de omissões puras o agente incorre em responsabilidade jurídico-penal por ter
violado uma norma preceptiva, uma norma que impõe a adopção de uma determinada
conduta que é omitida, ou não tem lugar.
No âmbito das omissões impuras tem-se uma situação diferente. Aqui o agente é
responsabilizado por um determinado resultado que tem lugar não por sua acção, não
porque ele tenha directamente adoptado uma conduta típica descrita na lei, mas
precisamente porque dá origem a um resultado por uma inactividade sua, violando desta
forma uma norma ou um preceito de natureza proibitiva.
Na omissão imprópria o agente é responsabilizado por um crime, porque sobre ele
impendia um dever jurídico que pessoalmente o obrigava a evitar a produção do
resultado. E este dever jurídico que impende sobre o agente e que pessoalmente o obriga
a evitar a produção do resultado lesivo, ou típico, pode resultar principalmente de três
fontes:
- Directamente da lei;
- Indirectamente da lei ou do contrato;
- De situações de ingerência.
Pode-se ver então que os crimes materiais ou crimes de resultado são também as
omissões impuras, mas crimes formais ou de mera actividade são também omissões
puras.
Os crimes de resultado são aqueles em que espaço-temporalmente se podem destacar ou
distinguir algo de diferenciado da conduta, que é o resultado típico. Os crimes de
resultado, ou materiais (omissões impuras), são aqueles que, segundo o tipo desenhado
na lei, pressupõe a verificação de um certo resultado para se poder dizer que se
consumou esse crime.
Os crimes de mera actividade também ditos formais (omissões puras) são aqueles em
que a mera conduta típica consuma imediatamente o crime.
É concebível nos crimes de resultado, falar em tentativa, porque são concebíveis actos
de execução com a intenção criminosa do cometimento de um facto mas em que, por
um outro motivo estranho à vontade do agente, o resultado pretendido pelo agente não
se tenha verificado.
Nos chamados crimes de perigo concreto, o legislador tipifica o próprio perigo pela
descrição de uma conduta perigosa, da qual se autonomiza o resultado típico, resultado
que é o próprio perigo para o bem ou bens jurídicos tutelados pela incriminação. Donde,
os crimes de perigo concreto, uma vez que têm autonomizado o resultado da conduta
perigosa descrita pelo legislador, que é o próprio perigo, são crimes de resultado.
E os crimes de perigo concreto, quanto ao seu elemento subjectivo, postulam um dolo
especial ou específico, que é o chamado dolo de perigo.
Estes crimes são aqueles que alguns autores consideram que só podem ser cometidos
pelo próprio agente da infracção, pelo próprio agente material do crime, não admitindo
outra forma de autoria, desde logo autoria mediata.
A autoria mediata é uma das formas de autoria tipificada no art. 26º CP.
Outra situação típica de autoria mediata é o caso da coacção, em que alguém coage
outrem à prática de um determinado facto.
Não se pode confundir estes crimes de mão própria com os crimes específicos ou
próprios:
- Nos crimes específicos ou próprios exige-se uma especial qualidade do agente;
- Os crimes de mão própria são crimes que podem ser praticados por qualquer agente.
a) Crimes simples
São aqueles em que é violado, por lesão ou ameaça de lesão[27] um determinado bem
jurídico.
Os crimes praeter intencionais têm uma estrutura mista, são um misto de um resultado a
título doloso. O nexo de imputação dá origem a segundo resultado imputado ao agente a
título de negligência.
Diz-se que nos crimes praeter intencionais há uma estrutura mista: misto de dolo e
negligência, ligados por um nexo de imputação objectiva[28].
Os crimes agravados pelo resultado, é uma espécie desta figura da praeter
intencionalidade, mas abrange um conceito mais amplo.
E mais amplo, porque não supõe que o crime básico, que o primeiro resultado, seja
sempre doloso; por hipótese, um resultado negligentemente provocado pode dar origem
a um resultado mais grave, negligentemente ocorrido.
Repara-se que esta classificação é também importante desde logo porque quando estão
em causa tipos básicos, tipos qualificados e tipos privilegiados, normalmente entre eles
pode estar em causa uma relação consensual, uma relação de concurso aparente, legal
ou de normas, neste caso numa relação de especialidade.
Estes tipos de crime são aqueles em que a tipicidade é descrita em função de uma
especial intenção ou tendência, sem a qual o tipo não está preenchido.
Mas, para a consumação do tipo, curiosamente, não se exige que o resultado dessas
intenções, ou dessas tendências se verifique.
Quem chamou a atenção para que os tipos por vezes pressupunham determinados
elementos subjectivos específicos e refiram as especiais intenções, foram os Neo-
clássicos:
- O tipo de furto, para além de ser um tipo doloso, postula também para além do dolo
(em sede de tipicidade), um elemento subjectivo específico que é a especial intenção de
aprovação;
- O crime de burla (art. 313º CP) pressupõe uma intenção de enriquecimento;
- O crime de envenenamento (art. 146º CP) postula uma intenção de lesar a saúde física,
ou psíquica de outra pessoa;
- O tipo legal do art. 235º CP tem uma especial intenção: intenção de causar prejuízos
ao Estado ou a terceiros.
Significa pois que a tipicidade aqui é descrita em função desta especial tendência ou
intenção. Se não se verificar esse elemento subjectivo específico, o tipo não está
preenchido.
70. Crimes instantâneos, crimes de Estado e crimes duradouros
Estas distinções têm reflexos práticos importantes, nomeadamente para contagem dos
prazos de prescrição do procedimento criminal, para a determinação do momento da
prática do facto, para a matéria da comparticipação e desistência, entre outras.
Crimes instantâneos são aqueles em que o agente com o seu comportamento dá origem
a uma situação de ilicitude que ocorre e se esgota com a produção desse
comportamento.
Nos crimes duradouros o agente com o seu comportamento dá origem também a uma
situação de ilicitude, situação essa que fica privada em relação à coisa de que é
proprietário das suas faculdades de uso, gozo e fruição. Mas esse estado lesivo dura
enquanto pelo menos a pessoa que furtou não devolveu o objecto furtado a quem de
direito.
E então como é que estes crimes que são ditos de Estado se distinguem dos crimes
instantâneos?
Nos crimes instantâneos, efectivamente, detecta-se um momento preciso em que corre e
se esgota o estado lesivo, mas em que não há possibilidade de recomposição do estado
lesivo.
Como é que se distinguem, por sua vez, os crimes de estado dos crimes duradouros?
Nos crimes duradouros de que é exemplo o sequestro há efectivamente, para efeitos de
consumação formal do crime, a determinação do momento em que o agente com o seu
comportamento dá origem a uma situação de ilicitude, situação de ilicitude que é
mantida no tempo pela própria vontade do agente; e o agente, através de um
comportamento seu, pode fazer cessar esse estado ilícito de coisas.
Mas nos crimes duradouros há um estado decrescente de ilicitude progressiva.
Conclusão:
- Nos crimes instantâneos não se verifica um estado lesivo que possa ser removido;
- Enquanto nos crimes de estado já há a possibilidade de remover o estado lesivo;
- Nos crimes duradouros, havendo também a possibilidade de remoção do estado lesivo
tem-se que, contrariamente aos crimes de estado, existem graus crescentes de ilicitude,
ou uma ilicitude progressiva, o que não acontece nos crimes de estado em que o grau de
ilicitude é sempre o mesmo.
Uma outra distinção que é necessária fazer é aquela que estabelece a diferença entre
actos preparatórios:
- De tentativa;
- E de consumação.
Em primeiro lugar, tem-se que atender a dois conceitos de consumação. Por um lado
fala-se em consumação formal e essa consumação formal pressupõe o preenchimento de
todos os elementos do tipo incriminatório.
Por outro lado, fala-se num conceito de consumação material que tem a ver com a lesão
efectiva do bem jurídico tutelado pela norma jurídico-penal.
Nos crimes materiais ou de resultado só há uma consumação pelo menos formal,
quando o resultado típico se tenha produzido. Enquanto que nos crimes de mera
actividade, ou nos crimes formais, como não há um resultado que se tenha que
distinguir ou autonomizar da conduta do agente, o tipo está consumado formalmente
quando se verifica a actuação ou a conduta típica do agente.
Mas por vezes, tem-se de distinguir a responsabilidade penal do agente não por facto
consumado, mas por actos preparatórios ou por factos tentados.
Quanto aos actos preparatórios eles são uma fase do “inter criminis”, em que
normalmente é possível cindir e destacar várias etapas na evolução do cometimento do
crime:
- Há normalmente a pessoa que tem uma intenção criminosa[29];
- Depois a pessoa passa efectivamente a procurar esse plano, que mentalmente concebeu
e prática para efeito determinados actos que são preparatórios à execução;
- Passa depois aos actos de execução;
- E finalmente, quando acaba os actos de execução, está perante a consumação.
Os actos preparatórios regra geral e por força do disposto no art. 21º CP, os actos
preparatórios não são punidos.
Só existe punição por actos preparatórios quando a lei expressamente o disser; ou então
o próprio legislador tipifica como crime autónomo actos que são actos de preparação.
Mas a regra geral é a da impunidade dos actos preparatórios e isto porque:
Em primeiro lugar, porque se tem no Código Penal um pendor objectivista da tentativa.
O nosso direito é um Direito Penal de factos exteriorizados; e o nosso legislador não
valora da mesma maneira a intenção e a execução dessa intenção diferentemente.
Por isso, pode-se assentar que os elementos da tipicidade do facto tentado sejam três:
1) Actos de execução (art. 22º/2 CP), elemento positivo e objectivo;
2) De um crime que o agente decidiu cometer (tem de haver a intenção do cometimento
do crime), elemento positivo e subjectivo;
3) A não produção do resultado típico, elemento negativo e objectivo.
Em Direito Penal não existem tentativas negligentes, as tentativas são sempre dolosas.
Encontra-se por referência ao disposto no art. 23º CP, as tentativas impossíveis que
também, nalguns casos, não são puníveis.
Nomeadamente não é punível a tentativa impossível por referência ao meio empregue se
revelar um meio manifestamente inadequado à produção do resultado lesivo.
Essa tentativa, quando existe numa manifesta inaptidão do meio empregue com vista à
produção do resultado pretendido, é uma tentativa não punida.
Embora seja necessário o elemento subjectivo – o dolo – para a construção da figura da
tentativa, não se valora da mesma maneira a intenção quando há consumação e a
intenção havendo tão só tentativa.
Também a distinção entre tentativa e consumação é importante para efeitos de
comparticipação.
As várias formas de comparticipação criminosa só são possíveis a partir do momento
em que existem actos de execução por parte de um dos agentes ou intervenientes[30].
Antes disso, não há comparticipação criminosa.
Nos crimes formais, de que são exemplo os crimes de mera actividade ou as omissões
puras, há quem distinga e fale em:
- Crimes formais uniexecutivos - Nos crimes uniexecutivos já não é possível nem
pensável uma fragmentação de actos antes da consumação.
- Crimes formais pluriexecutivos - Os crimes pluriexecutivos têm uma descrição típica
que pressupõe um fraccionamento da actuação ou do comportamento ilícito; ou em que
ontologicamente se pode retirar essa conclusão.
A classificação dos crimes pluriexecutivos, dentro dos crimes formais, vem permitir
duas coisas:
1) Por um lado, vem permitir considerar-se que também é possível falar de tentativa nos
crimes formais que sejam pluriexecutivos;
2) Por outro lado, ainda, nestes crimes formais, que estão preenchidos com a mera
conduta do agente e que não exigem a verificação de um resultado ontologicamente
diferenciado da conduta, vem permitir que nos crimes formais pluriexecutivos se possa
falar por exemplo em desistência.
Nos termos do art. 18º CP, a imputação de um resultado ao agente há-de fazer-se sempre
com base numa culpa, quando mais não haja a título de negligência. Não há
responsabilidade objectiva em Direito Penal – consagra-se no art. 18º CP o princípio da
responsabilidade subjectiva ou com culpa.
IMPUTAÇÃO OBJECTIVA
72. Nexo de causalidade ou nexo de imputação
Surge uma teoria que procurava dar resposta a esta imputação do resultado a uma
determinada actividade e que é uma verdadeira teoria da causalidade, que pressupõe a
existência de um nexo causal entre um determinado resultado e uma conduta, em termos
de causa e efeitos.
A causa de um determinado resultado é toda a circunstância sem a qual o resultado não
se produziria. Neste sentido todas as condições se equivalem enquanto causa do mesmo
resultado. Ou seja, para os partidários da teoria “conditio sine qua non”, eles partiam
dum processo hipotético de eliminação para verificar se um determinado
comportamento podia ser ou não causa de um determinado resultado.
Então, através deste raciocínio hipotético, eles pensavam assim: vai-se abstrair dessa
conduta cuja causalidade se quer aferir e verificar se o resultado, abstraindo da conduta,
se mantém ou não. E chega-se a esta conclusão: se abstraindo do comportamento o
resultado permanecer é porque aquele comportamento não é causa de resultado.
Se pelo contrário, abstraindo-se do comportamento ou da conduta, é causado também
desaparecer, então é porque o comportamento é causa do resultado. E isto faz com que
exista um encadeamento causal infinito e leva a exageros de responsabilidade criminal.
Uma critica que se faz à teoria da “conditio sine qua non” é que ela não resolve os casos
de imputação na chamada causalidade cumulativa e na chamada causalidade virtual ou
hipotética.
Por outro lado ainda, uma critica que se faz a esta teoria, é a de que esta teoria, já
excessiva na responsabilização criminal, por referência ao conceito de causa que tem, e
porque não permite distinguir entre causas relevantes e irrelevantes e irrelevantes
porque todas as circunstâncias são condições aptas à produção do resultado, então este
conceito naturalístico de causa não consegue explicar a imputação nos crimes omissões
impuros ou impróprios.
Parece ser aquela que o Código Penal perfilha no art. 10º, quando equipara a acção à
omissão e quando se diz que, quando de um crime faz parte um determinado resultado,
o facto é tanto a acção adequada a produzi-lo, como a omissão da acção adequada a
evitá-lo.
A teoria da adequação, visa restringir ou limitar os exageros da antecedente construção
da “conditio sine qua non”.
Já não são todas as circunstâncias que se equivalem enquanto causa do mesmo
resultado, mas são só importantes aquelas causas ou aquelas condições que sejam aptas,
que sejam, no sentido de importarem a obtenção de determinado resultado.
E para a determinação de que se considera causa adequada utiliza-se um juízo de
prognose objectiva posterior, ou prognose objectiva póstuma.
Neste juízo vai-se verificar se, para um homem médio, para um agente médio colocado
nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar daquele comportamento em concreto, era
previsível que resultasse aquela ocorrência ou que desse comportamento resultasse
aquele evento em concreto.
Fazer uma prognose é fazer uma previsão. E essa previsão é posterior, ou póstuma,
porque se vai fazer uma previsão no momento em que já ocorreu o resultado, quer-se
efectivamente comprovar se a conduta é conducente a esse resultado já ocorrido. Por
isso é que é uma prognose – uma previsão –, mas é póstuma.
E é objectiva, porque não se vai perguntar ao próprio agente que agiu se, actuando
daquela forma, lhe era a si previsível que ocorresse aquele evento, mas vai-se
efectivamente questionar, por relação – é quase uma valoração paralela na esfera laica
do agente. Ou seja, vai-se averiguar, para um homem médio colocado nas mesmas
circunstâncias de tempo e de lugar do próprio agente, se para ele era previsível que
daquela conduta ocorresse aquele resultado.
Na descoberta do critério da causalidade adequada hão-de estar presentes não só
elementos objectivos, não só o recurso à ideia da valoração feita pelo homem médio,
mas há que entrar em linha de conta também com os conhecimentos concretos que o
agente tenha daquela situação.
Para encontrar a verdadeira adequação, há que recorrer também aos conhecimentos que
o agente tenha no caso concreto.
Existem doutrinas posteriores cujo percurso foi iniciado por Klaus Roxin, que vêm
introduzir determinadas ideias para de alguma forma, corrigir estas teorias antecedentes:
quer a teoria da adequação ou da causalidade adequada, quer a teoria da “conditio sine
qua non” ou da equivalência das condições. É a chamada teoria do risco, ou dos
critérios do risco.
Os critérios do risco já não se fundam única e exclusivamente numa ideia de
causalidade, já não estabelecem um nexo de causalidade causa – efeito entre fenómenos.
Estabelecem antes um nexo de imputação, ou um nexo relacional, uma qualquer relação
entre fenómenos.
Os critérios de risco não são baseados em critérios de causalidade, sendo certo que a
ideia de causalidade em sede de imputação objectiva é um pressuposto mínimo ou um
limite máximo que não se pode dispensar.
Por vezes, a causalidade, o nexo de causalidade, não chega, não é suficiente para
explicar a imputação objectiva porque, pode existir causalidade, pode existir um nexo
de causa e efeito entre dois fenómenos e no entanto não haver lugar a imputação
objectiva.
Perante a teoria do risco entende-se que só faz sentido considerar um evento, em termos
jurídico-penais, consequência de um determinado comportamento, sempre que o agente,
através do comportamento empreendido, criar um risco relevante, um risco
juridicamente desaprovado pela ordem jurídica.
O cerne está pois em que o comportamento ou a conduta do agente tem de ser criado,
aumentado ou não diminuído o risco proibido.
Só haverá lugar a imputação objectiva quando o agente, através da sua conduta, tiver
criado, aumentado ou não diminuído risco proibido.
Existem dois casos em que não há imputação objectiva:
- Nos casos em que o agente intervém no decurso de um processo causal já iniciado no
sentido de adiar, minorar o evitar a produção de um resultado lesivo, ou seja, nos casos
de diminuição do risco;
- E nos casos de risco lícito ou permitido[31].
Em conclusão:
A causalidade e imputação objectiva são duas realidades que não significa a mesma
coisa.
A relação entre um determinado comportamento humano e um resultado, para efeitos de
punição, não tem que ser sempre necessariamente causal; e mesmo quando seja causal,
essa relação muitas vezes não é suficiente para afirmar a responsabilidade jurídico-penal
do agente. É o que acontece nomeadamente no caso dos crimes omissos impuros (ou
omissões impuras), em que não há uma causalidade em termos naturalísticos.
Por outro lado, pode haver causalidade e não obstante não haver imputação objectiva,
são casos de diminuição do risco[32].
Também a causalidade não resolve aquelas situações em que existe uma actuação
negligente por parte do agente, actuação negligente essa que da origem a um
determinado evento lesivo; mas, mesmo que o agente adoptasse um comportamento
lícito, mesmo que o agente actuasse diligentemente, com a observância de todos os
cuidados que lhe são impostos e de que era capaz, o resultado produzia-se na mesma.
Causalidade há, imputação objectiva em princípio não haverá, pelo menos para aqueles
que defendem como corrector, dentro dos critérios do risco, o chamado comportamento
lícito alternativo.
Muitas vezes o processo causal perspectivado pelo agente para obtenção do evento ou
do resultado típico diverge daquele que na realidade se verifica. Há diversos tipos de
desvios no processo causal:
- Desvios relevantes ou essenciais;
- Desvios irrelevantes ou não essenciais.
Portanto, nos casos de desvio irrelevante ou não essencial do processo causal, há sempre
imputação objectiva.
São todas aquelas situações em que o agente adopta um comportamento negligente, não
observa os deveres de cuidado a que está obrigado e de que é capaz e, com esse
comportamento ilícito por ele adoptado, dá origem a um resultado lesivo; mas prova-se
que, mesmo que o agente actuasse diligentemente, observando todos os deveres de
cuidado, o resultado lesivo seria o mesmo, os chamados casos de comportamento lícito
alternativo.
Isto é, o agente teve um comportamento ilícito. Mas se tivesse sido um comportamento
lícito, o resultado seria exactamente o mesmo.
Neste sentido, parece que o legislador firma aqui, como ponto de partida para a
imputação objectiva, uma teoria da adequação, mas teoria da adequação que, sendo no
entanto maioritária na doutrina e jurisprudência mais recentes, completada pelos
critérios de imputação objectiva nomeadamente pelas ideias do risco.
Assim, em termos de imputação objectiva o quadro doutrinário no nosso país é o
seguinte:
- O Prof. Cavaleiro Ferreira e o Prof. Eduardo Correia utilizam basicamente a teoria da
adequação para formular a imputação objectiva;
- O Prof. Figueiredo Dias utiliza já alguns critérios do risco;
- A tendência é hoje cada vez mais para se adoptar:
· Ou uma teoria da “conditio sine qua non” e introduzir-lhe depois determinados
correspectivos com os critérios do risco;
· Ou, pelo contrário, partir de uma teoria da adequação – causalidade adequada – e
corrigi-la depois com os critérios ou ideias do risco.
[31] São riscos lícitos ou permitidos, porque são inerentes à própria sociedade em que
as pessoas vivem.
[32] Quando o agente intervém no decurso de um processo causal já iniciado, no sentido
de evitar a produção de um risco, de o adiar, ou de evitar um risco maior.
IMPUTAÇÃO SUBJECTIVA
Do tipo fazem parte, para além dos elementos objectivos, os elementos subjectivos,
nomeadamente o elemento subjectivo geral nos crimes dolosos que é o dolo. E alguns
tipos pressupõem também elementos subjectivos específicos – as especiais tendências,
as especiais intenções.
O dolo é a consciência e vontade de praticar certo facto típico, ou de empreender certa
actividade típica.
O dolo, enquanto elemento subjectivo do tipo, consiste o conhecimento dos elementos
objectivos desse tipo e na vontade de os praticar: a pessoa actua dolosamente quando
conhece e quer os elementos objectivos de um tipo legal.
A responsabilidade em Direito Penal é genericamente, por facto doloso. Só
excepcionalmente existe responsabilidade por facto negligente (art. 13º CP).
A partir deste conceito de dolo, verifica-se que o dolo tem uma estrutura composta por
dois elementos:
1) Elemento intelectual ou cognitivo, que se traduz no conhecer;
2) Elemento volitivo que se traduz no crer.
Há quem secunde para a distinção entre dolo eventual e negligência consciente, uma
teoria da probabilidade ou verosimilhança.
Esta fórmula ou teoria hipotética de Frank para distinguir os casos em que o agente
actuaria com dolo eventual ou com negligência consciente, é de alguma forma
criticável. Por força de algumas críticas Frank faz uma formulação positiva da sua
teoria.
Já não se pergunta o que é que aconteceria se o agente tivesse previsto como certo o
resultado lesivo, mas vê-se antes, perante uma determinada situação fáctica, se a
posição do agente ao actuar é esta: “aconteça o que acontecer, haja o que houver, eu
actuo”.
Para fazer a distinção entre dolo eventual e negligência consciente e saber quando é que
o agente actua conformando-se (e portanto querendo o resultado), a teoria ou fórmula
positiva de Frank é um bom ponto de partida.
Simplesmente, por vezes há que introduzir ainda determinados correctivos a esta
formulação positiva de Frank. E essa correcção deve ser feita por recurso ao caso
concreto, tendo nomeadamente em conta a intenção do agente e a posição do agente.
Para a distinção entre dolo eventual e negligência consciente, vai-se partir do princípio
da actuação da teoria positiva de Frank mas com um correctivo face ao apelo da
motivação concreta do agente quando actua de determinada forma.
E também a intensidade do dolo é reflectida em termos da medida da pena, no âmbito
do art. 72º CP.
Os crimes de perigo têm uma estrutura típica em que o legislador descreve uma conduta
típica perigosa e da qual se autonomiza um resultado típico que é o próprio perigo para
o bem jurídico que o legislador pretende proteger através da incriminação.
Para que o tipo esteja consumado, é necessário que se autonomize dessa conduta o
resultado típico, que é o perigo para a própria vida da pessoa que foi exposta.
Nos crimes de perigo concreto o resultado é o próprio perigo para o bem jurídico que a
norma pretende tutelar.
Mas o perigo é uma possibilidade de lesão. Sendo o dolo a consciência e vontade de
realização dos elementos objectivos do tipo, nos crimes de resultado de que são
exemplo também os crimes de perigo concreto, o resultado é o elemento objectivo do
tipo. Logo tem de abarcar o próprio resultado enquanto elemento objectivo do tipo.
Donde, o dolo tem efectivamente de se reportar nos crimes de perigo concreto ao
próprio perigo que é o resultado autonomizável da conduta perigosa.
O dolo é uma figura que tem um recorte legislativo. Existem várias modalidades de
dolo, que é um dolo de lesão, previstas no art. 114º CP. Portanto o dolo de perigo há-de
ser um dolo que não pode ser uma figura inteiramente nova, mas que tem que ter algum
apoio legislativo. Há-de ter alguma filiação em sede do que já está no art. 14º CP,
nalgum dos seus números.
O dolo de perigo não é compaginável de ser recortado à figura do dolo directo de
primeiro grau, ou intenção, prevista no art. 14º/1 CP, porque é difícil conceber que quem
actuar querendo o perigo que é a probabilidade de lesão e querendo directamente aquele
perigo, pelo menos não se conforma com a possibilidade de lesão.
Por outro lado também não é concebível uma situação de dolo eventual de perigo,
porque se o dolo eventual nos termos do art. 14º/3 CP, é aquela situação em que o
agente representa como possível que da sua conduta vá ocorrer a lesão e actua
conformando-se com essa possibilidade, então o agente, ao prever como possível o
perigo, está a prever a possibilidade da lesão, porque o perigo é sempre a possibilidade
de lesão.
O dolo de perigo há-de ser natural e necessariamente um dolo necessário de perigo, que
pode ser recortado nos moldes do art. 14º/2 CP.
Para que exista dolo de perigo é necessário um elemento positivo e dois elementos
negativos.
Elemento positivo:
É a consciência que o agente tem da situação de perigo: o agente tem de representar,
tem de tomar consciência (elemento intelectual do dolo) da possibilidade de lesão que é
o perigo.
Elementos negativos:
1) É preciso que o agente, tendo previsto e representado o perigo, que é a possibilidade
de lesão não se auto-tranquilize no sentido de pensar que aquilo que previu como
perigoso não irá ocorrer, porque nesse caso tem-se uma situação de negligência
consciente (art. 15º/1 CP).
2) Por outro lado, tendo o agente representado o perigo e tendo consciência desse
perigo, ele não se pode auto-conformar. Na verdade, se o agente prevê o perigo e se
auto-conforma com a possibilidade de o perigo por ele previsto se desencadear em
lesão, então já se tem uma situação de dolo eventual de lesão.
Ainda no que diz respeito à imputação subjectiva, torna-se relevante falar nos elementos
subjectivos específicos ou especiais.
Os Neoclássicos chamariam à atenção para o facto de que o tipo tinha alguns elementos
subjectivos específicos. Foram referidas em sede própria as especiais tendências, as
especiais intenções, a propósito do crime de burla, que pressupunha uma intenção de
enriquecimento.
Nestes casos, os tipos só estão preenchidos e constituídos quando se verifica essa
intenção ou intenções. No entanto para a consumação material do tipo é necessário que
o resultado dessas intenções se concretize.
Quando o legislador nada diz, nos tipos da parte especial que são em geral dolosos,
admite-se qualquer forma de dolo – dolo directo, dolo necessário, dolo eventual – a não
ser que a lei expressamente limite a forma de dolo que serve para o preenchimento do
tipo legal[34].
Quando falte um dos elementos da estrutura do dolo este está automaticamente afastado.
E isto porque desde logo se o agente desconhece determinada realidade, nunca a poderia
ter querido. Logo, não há dolo. Estas situações de desconhecimento ou de imperfeito
conhecimento da realidade são situações de erro. E pode haver erro sobre elementos do
facto típico.
Enquanto consagração e disciplina legal, o regime do erro está previsto nos arts. 16º e
17º CP.
O art. 16º CP expressa as situações de erro intelectual, enquanto que o art. 17º CP
expressa as situações de erro moral, também dito erro de valoração.
O erro de tipo que exclui o dolo do próprio tipo; e excluindo o dolo, poderá a tipicidade
estar afastada porque falta o elemento subjectivo geral.
Nos casos do erro do art. 17º CP erro moral ou de valoração, a sua relevância, filtrada
ou não por critérios de censurabilidade, tem quando o erro for não censurável, a função
e consequência de excluir a culpa.
O erro intelectual do art. 16º/1 CP (erro do tipo) é um erro que pode incidir sobre
elementos do facto típico, elementos normativos ou elementos de direito, e sobre
proibições cujo conhecimento fosse razoavelmente indispensável ao agente ter para
tomar consciência da ilicitude.
No art. 16º/2 CP prevê-se outra situação de erro, que não é já um erro de tipo, mas é um
erro sobre os pressupostos de facto ou de direito das causas de exclusão da ilicitude ou
das causas de exclusão da culpa.
Numa situação de erro moral ou de valoração, que são aquelas situações em que as
pessoas ignoram a realidade, não têm uma errada percepção da realidade, mas têm sim é
uma errada valoração ou concepção valorativa dessa mesma realidade, o erro não releva
por si mesmo.
A percepção que se tem da valoração jurídica dessa mesma realidade é que é errada,
porque o agente presume que aquele comportamento é um comportamento lícito,
admitido pela ordem jurídica, quando na realidade a valoração dada àquela actuação é
uma valoração negativa, é um comportamento ilícito.
O erro moral ou de valoração do art. 17º CP não relva por si mesmo, como nos termos
do art. 16º/1 CP. A consequência não é automática, há uma relevância mais exigente:
tem de ser ainda filtrada por um critério de censurabilidade.
Assim, tem-se de ver se aquele erro de valoração, se aquele erro moral, é um erro
censurável ou um erro não censurável. Ou seja, se era um erro censurável, porque era
um erro evitável, e consoante um caso ou outro, assim a consequência, desta forma:
- Se o erro era um erro inevitável, não censurável, a culpa será excluída nos termos do
art. 17º/1 CP;
- Se, pelo contrário, for um erro censurável, porque era um erro evitável, aí o agente
responde pelo crime doloso que cometeu, podendo a pena beneficiar de uma atenuação
especial e facultativa (art. 17º/2 CP).
Todas estas circunstâncias, a estarem presentes, têm como consequência nos termos do
art. 16º/1 CP a exclusão do dolo. No art. 16º/3 CP ressalva-se a punibilidade por
negligência nos termos gerais.
Os tipos legais de crime, quanto ao autor, numa das modalidades mas conhecidas, se
podem distinguir entre crimes gerais ou comuns e crimes específicos, podendo estes ser
crimes específicos em sentido próprio ou crimes específicos em sentido impróprio.
Chama-se agora à colação a noção dos crimes específicos ou próprios que são aqueles
que exigem determinadas qualidades, naturalísticas ou outras, da pessoa do autor. Ou
seja, nem todas as pessoas podem ser autoras daqueles tipos legais de crime, mas apenas
as pessoas que tenham a qualidade típica descrita na lei.
É um erro que se insere também no art. 16º/1 CP e que leva à exclusão do dolo[35].
Porquê então tratar aqui o erro sobre o processo causal, ao lado das situações de erro do
tipo?
Isto é assim porque o nexo causal o nexo de causalidade ou nexo de imputação é um
elemento objectivo do tipo, normalmente um elemento não escrito do tipo. Portanto,
como elemento do tipo que é, faz sentido tratar este erro ao lado das verdadeiras
situações de erro de tipo, como se de um verdadeiro erro de tipo se tratasse.
Mas note-se, que a relevância do erro sobre o processo causal, quer o desvio seja
essencial ou não essencial, quer do erro sobre a eficácia do processo causal, não é a
mesma em termos consequências do processo no art. 16º/1 CP não havendo exclusão do
dolo.
Então, o cerne da questão está em saber quando é que um desvio no processo causal é
essencial e quando é que não é.
Para se determinar esta situação da essencialidade ou não essencialidade do desvio, vai-
se utilizar precisamente os critérios que se utilizou para firmar a imputação objectiva.
Nomeadamente partindo desde logo duma ideia de previsibilidade, isto é, perguntando
se da conduta adoptada pelo agente era previsível que, em termos de criação de um
perigo ou de um risco juridicamente desaprovado pela ordem jurídica, o resultado típico
viesse de facto a correr mercê do processo causal realmente verificado na prática. Ou
seja, vai-se verificar se era previsível para um homem médio, colocado nas mesmas
circunstâncias que o agente tendo os mesmos conhecimentos que ele tinha, etc.[36] Que
daquela conduta que visava um determinado processo causal tivesse ocorrido o processo
causal que não realidade ocorreu.
E então dizem:
- Se a segunda acção, que deu origem ao resultado pretendido pelo agente, já tivesse
sido por este planeada quando ele empreendeu a primeira acção; e se esta segunda acção
for o desenvolvimento lógico do plano do agente, então nesse caso o agente deve ser
responsabilizado por crime doloso consumado.
- Se pelo contrário esta segunda acção, que determina o resultado lesivo pretendido pelo
agente numa primeira acção, não tiver sido planeada pelo agente e ocorrer
momentaneamente, não se tratando cuja do desenvolvimento dum plano inicialmente
concebido pelo agente, então o agente deve ser punido em concurso efectivo com uma
tentativa de homicídio e um homicídio negligente.
Mas nestas situações de erro sobre a eficácia do processo causal seja mais aceitável a
figura do dolo geral, vendo nestas acções um processo unitário levado a cabo pelo
agente com dolo geral e punido pois o agente por facto doloso consumado.
Também designada erro sobre a execução ou execução defeituosa não é em rigor uma
situação de erro intelectual.
Nas situações de aberratio ictus” não existe uma representação errada da realidade, o
que se verifica, sim, é um insucesso do facto, ou um fracasso do facto.
Nas situações de “aberratio ictus” o agente representa bem o objecto e a vítima; a
realidade é integralmente representada em termos concretos pelo agente. Portanto, erro
intelectual não há.
Também aqui, existem várias posições doutrinais:
Uma delas, é a da Profa. Teresa Beleza, que dá a estas situações de “aberratio ictus”
exactamente o mesmo tratamento que dá às situações de erro sobre a identidade do
objecto, ou seja, entende que se deve averiguar se existe distonía típica entre o objecto
representado pelo agente e o objecto efectivamente atingido e tratar a situação como se
de um erro sobre o objecto se tratasse.
De acordo com outra posição perfilhada entre outros autores pelo Prof. Castilho
Pimentel, Dra. Conceição Valdágua e também pelos Profs. Cristina Borges Pinho e
Costa Pimenta será de entender que nestas situações de “aberratio ictus” se deve dar um
tratamento diferente, em termos de punir o agente em concurso efectivo com uma
tentativa (de homicídio ou outra) em relação ao objecto visado ou representado pelo
agente e um homicídio negligente (ou facto negligente) em relação ao objecto
efectivamente atingido.
Admite-se em determinadas situações concretas de “aberratio ictus” que a solução
matriz agora referida possa não ser esta, mas possa ser antes uma tentativa em relação
ao objecto representado mas não atingido pelo agente, em concurso efectivo com um
crime consumado com dolo eventual.
São aquelas circunstâncias em que há um insucesso ou um fracasso de facto, nas
situações de “aberratio ictus” em que o agente, representando um determinado objecto
mas que o resultado se irá verificar num objecto diferente e mesmo assim actua,
conformando-se com essa situação.
Erro sobre elementos normativos, é a segunda proposição do art. 16º/1 CP: erro sobre
elementos de direito de um tipo legal de crime.
Exemplo:
O agente é um funcionário público, mas desconhece que tem aquela categoria:
desconhece que é funcionário público porque se convence que funcionários públicos só
são os funcionários que têm uma determinada graduação hierárquica, isto é, os
funcionários superiores da administração.
Desconhecendo o agente essa qualidade que na realidade tem, é um erro da 2ª parte do
art. 16º/1 CP relevante em termos de exclusão do dolo.
Em primeiro lugar importa referir quais são estas proibições que se filiam em sede do
art. 16º/1 CP e não saltam já para o campo do art. 17º CP como erro moral ou de
valoração. Das proibições legais são só e tão só aquelas ditas proibições artificiais ou
proibições que não têm um carácter ético ou social enraizado em termos de serem
valorativamente neutras no sentido de que os cidadãos não têm delas consciência ético-
jurídica ainda formulada; ou então as proibições novas.
No fim de contas, proibições que em termos de axiologia não representem uma
interiorização de comando em termos de lesão ético-jurídica de bens jurídicos reputados
como verdadeiramente fundamentais ou essenciais.
ILICITUDE
a) Legítima defesa
b) Direito de necessidade
c) Outras causas de exclusão da ilicitude
97. Introdução
O conceito de ilicitude material foi uma conquista dos neoclássicos que também
analisaram quais eram as consequências relevantes da distinção entre ilicitude material e
ilicitude formal.
Nomeadamente a partir dum conceito de ilicitude material permita-se uma graduação do
conceito de ilicitude, ao mesmo tempo que permitia descobrir novas causas de
justificação e aderir à chamada justificação supra legal.
Quanto ao conceito de ilicitude pessoal e o contributo dado para esta categoria pelos
finalistas.
Uma acção é penalmente relevante, essa acção pode ser subsumível aos termos gerais e
abstractos dum tipo legal de crime.
Se a tipicidade objectiva e subjectiva estiver preenchida, tem-se que o tipo indicia a
ilicitude.
A um facto típico está indiciado um juízo de ilicitude, ilicitude formal, no sentido de
que aquilo que se fez é algo que contraria a ordem jurídica na sua globalidade, é algo
que é contrário à lei.
Mas este juízo de ilicitude indiciado pela tipicidade pode ser excluído, e é excluído pela
intervenção relevante das chamadas causas de exclusão da ilicitude ou causas de
justificação. Estas são causas, que visam excluir a ilicitude do facto típico; visam dizer
que aquele facto, que é típico, é aprovado pela ordem jurídica porque é um facto que
está justificado.
Mas um facto justificado[38], não deixa por esse facto de ser um facto típico. Portanto
um facto justificado permanece típico – tão só se exclui a ilicitude.
Um facto, ainda que justificado, não deixa de ser típico, porque os factos, ainda que
aprovados pela ordem jurídica (factos cuja ilicitude esteja excluída) não são
valorativamente neutros.
A própria função que o tipo deve desempenhar inculca a que se faça uma análise
tripartida do facto punível, com as categorias da tipicidade, de ilicitude e da culpa. E
isto porque o juízo que é dado sobre a tipicidade de um facto que acaba por ser
justificado é um juízo que não volta atrás: o tipo tem uma função de apelo, desde logo
pelos fins das penas, visível em cada tipo legal de crime, quer-se dizer com isto que o
legislador quando tipifica comportamentos o faz com uma determinada intenção.
Esta função de apelo inerente aos tipos só se satisfaz se ainda que o facto esteja
justificado, o tipo permanecer intacto: em princípio não se deve matar, no entanto
aprova-se que alguém mate outrem em legítima defesa.
É um juízo que é feito pela ordem jurídica, um juízo generalizado, um juízo de desvalor
que incide sobre o facto praticado, ou seja:
- A ordem jurídica fórmula um juízo negativo sobre quem adopta um determinado facto
que a ordem jurídica considera um facto proibido;
- Ou faz incidir um juízo de desvalor, porque efectivamente a pessoa não adoptou o
comportamento que devia ter adoptado quando a lei o exigia.
Neste sentido tem-se que o juízo de ilicitude é um juízo de desvalor generalizado que
incide sobre o próprio facto.
Este juízo de ilicitude diverge de um juízo de culpa, ou de um juízo de censura de culpa.
No juízo de censura de culpa há também um juízo de desvalor, mas que é já um juízo
individual, é um juízo feito pela ordem jurídica mas que incide já não sobre o facto
praticado, mas recai sobre o agente, precisamente porque o agente actuou tendo
praticado um facto ilícito, quando podia e devia ter-se decidido diferentemente, quando
podia e devia ter actuado de harmonia com o direito. Portanto, no juízo de censura de
culpa, o que se reprova é o agente (por isso é um juízo individualizado) por ele, naquele
caso concreto, ter actuado ilicitamente, quando podia e devia ter actuado de forma
diferente, ou seja, licitamente. Donde, o juízo de ilicitude é um juízo que procede
necessariamente o juízo de censura de culpa: se em sede de culpa a ordem jurídica
dirige ao agente um juízo de desvalor porque ele praticou um facto ilícito, então o juízo
de ilicitude tem de ser anterior; tem se der firmado anteriormente que o facto praticado
pelo agente é um facto ilícito.
a) Legítima defesa
100. Introdução
A legítima defesa assenta precisamente numa reacção a uma agressão actual e ilícita que
ameaça interesses juridicamente protegidos do defendente ou terceiro. Essa reacção
trem de ser uma reacção adequada, necessária a afastar ou repelir a agressão actual e
ilícita.
Existe doutrinas que fundamentam a existência da legítima defesa, como causa de
justificação: a doutrina monista e a pluralista.
a) Doutrina monista
Para esta doutrina todas as causas de justificação se filiam numa ideia comum; a noção
de ideia comum é que varia de autor para autor.
Poder-se-á dizer que inerente a todas as causas de justificação existe uma ideia de
ponderação de interesses: do interesse a salvaguardar do interesse ameaçado. Portanto,
uma ideia de ponderação de interesses.
b) Doutrina pluralista
Há quem considere diferenciadamente, para cada uma das diferentes causas de
justificação, diferentes fundamentos.
Não é tanto uma ideia de ponderação de interesses, uma ideia de proporção entre o
interesse ofendido e o interesse lesado com a defesa, mas a ideia de que o direito não
deve ceder ao não direito. Esta ideia é de alguma forma visível se distinguir na legítima
defesa duas vertentes:
- Uma vertente ao lado individual;
- Uma vertente ao lado colectivo-social.
E isto porque, inerente à legítima defesa, dum ponto de vista (ou dum prisma)
meramente individual, está uma ideia de auto-protecção.
Mas, quando se olha a legítima defesa já por um prisma social ou colectivo, vê-se que o
seu fundamento é a reafirmação do direito negado. Se há uma reacção contra uma acção
ilícita, de alguma forma está-se a repor um direito negado com a agressão, precisamente
porque a agressão é ilícita.
Partindo desta ideia do lado individual e do lado social da legítima defesa, pode-se
assentar no seguinte.
Em primeiro lugar, com base nesta ideia de auto-protecção (lado individual da legitima
defesa) não há legítima defesa de interesses públicos. Quer-se dizer com isto que a
defesa de interesses públicos é feita pelos meios coercivos normais, pelas forças
públicas de defesa. No entanto, existem determinados interesses públicos que, ao serem
ofendidos, podem ter uma certa repercussão pessoal na esfera jurídica dum titular. E se
assim for podem defender-se interesses ou bens de natureza pública.
Por outro lado, à ainda atendendo a esta ideia de auto-protecção, não há legítima defesa
de terceiros contra a vontade do agredido ou do ofendido, isto é, não há legítima defesa
de terceiros se esse terceiro não se quiser defender ou não quiser ser defendido por uma
determinada pessoa em concreto.
Como princípio, e ainda dentro da ideia de auto-protecção, diz-se que não há legítima
defesa contra tentativa impossível.
Na ideia de reafirmação do direito negado e já numa perspectiva social da legítima
defesa, pode-se assentar a seguinte ideia: a legítima defesa justifica-se e funda-se numa
ideia de prevenção geral, numa óptica de prevenção geral inerente aos fins das penas
visa-se evitar que as pessoas voltem a cometer crimes.
Na legítima defesa, ao contrário com o que sucede com o direito de necessidade, não se
exige que haja uma sensível superioridade entre o bem que se pretenda salvaguardar e o
bem que é lesado com a defesa.
Já no âmbito do direito de necessidade, nos termos do art. 34º CP uma pessoa só actua
em direito de necessidade quando, para afastar um perigo que ameaça de lesão um
determinado bem jurídico, lesar outro bem jurídico que não seja superior ao bem que se
pretende salvaguardar. Portanto, tem de haver uma ideia de ponderação entre os
interesses a salvaguardar e os interesses lesados com o exercício do direito de
necessidade.
a) Agressão ilícita
É toda a agressão contrária à lei, não necessitando contudo de consistir numa actuação
criminosa. Para ser uma agressão ilícita, tem de se tratar de uma agressão não
justificada, contra legítima defesa não existe legítima defesa.
b) Agressão actual
É actual, a agressão que está iminente, isto é, prestes a ocorrer, a agressão que está em
curso ou em execução, ou simplesmente a agressão que ainda dura.
Nos crimes duradouros há actualidade enquanto durar a consumação, isto é, há
actualidade para efeitos de legítima defesa enquanto não cessar a consumação.
As situações em que falta o requisito da actualidade da agressão podem ser
reconduzidas a situações de acção directa (art. 336º CC).
Existem também determinadas causas de justificação supra-legais, nomeadamente a
legítima defesa preventiva.
São situações em que não existe uma agressão iminente, mas essa agressão é tido como
certa, e portanto o defendente tem de antecipar a defesa para um estádio anterior ao da
própria agressão. Por isso é que ela se designa legítima defesa preventiva.
Ainda em sede de legítima defesa e para caracterizar esta agressão actual e ilícita, tem-
se que distinguir os casos de mera provocação de pré-ordenação (ou provocação pré-
ordenada).
c) Mera provocação
A agressão que o defendente repele com a defesa há-de ser uma agressão que até pode
ter sido provocada pelo próprio defendente e aí, ainda existe legítima defesa. O que não
pode é a agressão que o defendente repele ter sido pré-ordenada pelo defendente com o
intuito de agredir simulando uma defesa.
Um outro elemento da legítima defesa, também de natureza objectiva, no entendimento
da Profa. Teresa Beleza a impossibilidade de recurso à força pública, ou a
impossibilidade de recurso em tempo útil aos meios coercivos normais.
A Profa. Cristina Borges Pinho na esteira de pensamento do Prof. Cavaleiro de Ferreira
considera que esta ideia de impossibilidade de recuso em tempo útil aos meios
coercivos normais não é tanto um pressuposto da legítima defesa, mas é um problema
que se reconduz à racionalidade do meio empregue, a adequação da defesa.
Vale mais não exigir como pressuposto da legítima defesa a impossibilidade de recorrer
em tempo útil aos meios coercivos normais; é depois, na análise do meio que o
defendente utiliza para repelir a agressão actual e ilícita é que se vai ver se há ou não
uma defesa necessária.
Se o defendente puder recorrer, em tempo útil aos meios coercivos e não o fizer,
defendendo-se por suas próprias mãos, então pode-se dizer que o meio já não é
adequado, mas é antes um meio excessivo.
Um outro elemento objectivo da legítima defesa é a racionalidade do meio empregue,
ou defesa necessária: meio necessário para repelir a agressão actual e ilícita que ameaça
interesses juridicamente protegidos do defendente ou de terceiro.
Para que se actue ainda legitimamente, para que se actue ao abrigo desta causa de
exclusão da ilicitude é preciso verificar se o meio utilizado para repelir uma agressão
iminente e ilícita de que esta a ser vítima, ou de que está a ser vítima um terceiro, é um
meio racional, adequado para afastar essa agressão. Se o meio utilizado pelo defendente
para afastar a agressão for um meio desajustado, um meio que ultrapassa os limites da
racional, então já não se está perante a situação de legítima defesa, estar-se-á no âmbito
de um excesso de legítima defesa (art. 33º CP).
O que seja efectivamente o meio necessário para repelir a agressão deve aferir-se
sempre no caso concreto.
Em teoria, pode-se dizer que o meio necessário é aquele dos vários meios que o agente
tem à sua disposição, de eficácia mais suave, ou seja, aquele que importa consequências
menos gravosas para o agressor. Mas, meio de eficácia suave, mas simplesmente meio
eficaz, ou de eficácia certa.
Quer-se dizer com isto que, em última análise, a necessidade do meio empregue para
repelir a agressão é aferida em concreto atendendo a múltiplos factores. Desde logo,
atendendo:
- Às características da vítima (do defendente) e do agressor;
- Aos meios que o ofendente tenha à sua disposição;
- Ao meio com que o agressor ameaça de lesão o interesse jurídico protegido do
defendente ou de terceiro;
São aqueles casos em que as agressões provêm de crianças, de pessoas com a sua
capacidade de avaliação sensivelmente diminuída, pessoas embriagada, etc. De um
modo geral, de pessoas inculpadas, de inimputáveis, ou também daquelas pessoas que
têm quanto à vítima uma relação de parentesco.
Nestes casos entende-se que o lado social da legítima defesa desaparece, ficando tão-só,
dentro da sua fundamentação, o lado individual, a necessidade de auto-tutela ou auto-
protecção de interesses.
Estas restrições traduzem-se precisamente em considerar mais exigente o meio
necessário para repelir essas agressões que partem das pessoas referidas.
Há autores que entendem que as causas de justificação não têm elementos subjectivos e
referem inclusivamente que não existe nenhuma expressão literal, em sede por hipótese
de legítima defesa, que inculque a ideia ou a necessidade de ter presente este elemento
subjectivo que é o “animus defendendi”, ou seja, a consciência que uma pessoa tem de
que está na iminência de ser agredida é a vontade que tem de se defender.
A maior parte da doutrina considera que isso não é verdade. O elemento subjectivo do
consentimento é precisamente o conhecimento do consentimento.
Se existe consentimento na realidade, mas o agente desconhece esse consentimento, o
agente actua com falta do elemento subjectivo, porque não tem conhecimento do
consentimento. E a lei diz: se assim for, se houver consentimento mas o agente actuar
desconhecendo esse consentimento, ou seja, faltando o elemento subjectivo desta causa
de justificação, o agente é punido por facto tentado.
O “animus defendendi” é a consciência que uma pessoa tem de que está perante uma
agressão e a vontade que a tem de repelir, ou a vontade que tem de se defender dessa
mesma agressão.
Existe divergência doutrinária quanto à falta do elemento subjectivo, quando estão
preenchidos os elementos objectivos da legítima defesa.
Em primeiro lugar, existe unanimidade doutrinária (para aqueles que os elementos
subjectivos integram as causas de justificação) no sentido de que se faltar o elemento
subjectivo da legítima defesa ou de qualquer outra causa de justificação, concretamente
se faltar o “animus defendendi”, o facto não está justificado – o facto é um facto ilícito.
A doutrina não está de acordo quanto à forma de punir o agente, nestes casos em que
objectivamente está preenchida a causa de justificação, mas tão só falta o elemento
subjectivo.
Enquanto no Código Civil a legítima defesa exige que o prejuízo causado pela acção de
defesa não seja manifestamente superior àquele que se pretende evitar, portanto joga-se
aqui com uma ideia de ponderação de prejuízos entre os bens danificados com a defesa
e os bens que se pretendem defender. O art. 32º CP não joga com essa ideia.
Por outro lado e ainda em confronto com o art. 337º CC vê-se, que a legítima defesa na
lei civil apresenta um carácter subsidiário, ou seja, só é possível recorrer aos próprios
meios quando não seja possível fazê-lo através dos meios coercivos normais.
b) Direito de necessidade
108. Fundamentos
Segundo a jurisprudência:
- O estado de necessidade surge quando o agente é colocado perante a alternativa de ter
de escolher entre cometer o crime ou deixar que, como consequência necessária de o
não cometer, ocorra outro mal maior ou pelo menos igual ao do crime. Depende ainda
da verificação de outros requisitos, como a falta de outro meio menos prejudicial do que
o facto praticado e probabilidade de eficácia do meio empregado.
Em primeiro lugar, viu-se que por força do preceituado no art. 34º CP a situação de
perigo não pode ter sido voluntariamente criada pelo agente, excepto se se tratar de
proteger um interesse de terceiro.
O perigo tem que ser um perigo real e efectivo. Se o perigo for uma mera aparência de
perigo, estar-se-á então no âmbito do chamado direito de necessidade putativo, aqui não
há um perigo real e efectivo, há tão só um perigo pensado ou suposto, o perigo é tão só
na cabeça do agente, é uma situação de direito de necessidade putativo, em que o perigo
é só penado na cabeça do agente e que se chama erro sobre os pressupostos de facto de
uma causa de justificação, cuja previsão normativa e regulamentação está no art. 16º/2
CP.
Por outro lado, o perigo que se visa afastar tem que ser um perigo actual, ou seja, tem
que ser um perigo que exista naquele momento ou que está iminente, perigo esse que
pode advir de factos naturais ou facto humanos[41].
É preciso ainda que cumulativamente se verifique outro elemento desta causa de
justificação previsto no art. 34º-b CP: que exista uma sensível superioridade entre o
interesse a salvaguardar relativamente ao interesse sacrificado.
Isto passa pela análise de se verificar qual é o interesse mais valioso, daí que a doutrina
por vezes aponte alguns índices para a determinação da sensível superioridade que tem
de existir entre o interesse salvaguardado e o interesse sacrificado:
- A medida das sanções penais cominadas para a violação dos bens jurídicos em causa,
por referência à axiologia constitucional;
- Deve atender-se também aos princípios ético-sociais vigentes na comunidade em
determinado momento;
- À modalidade do facto;
- À reversibilidade ou irreversibilidade das lesões;
- Às medidas de culpa;
- À medida do sacrifício imposto ao próprio lesado.
Elemento subjectivo:
O agente tem de conhecer a situação de perigo, actuado precisamente para evitar esse
perigo, que é uma probabilidade de lesão.
Se o agente desconhece a situação de perigo, mas objectivamente está perante uma
situação de direito de necessidade “mutatis mutandis” aplica-se o regime geral da falta
do elemento subjectivo da causa de justificação, responsabiliza-se o agente por facto
tentado, se a tal houver lugar.
Na acção directa visa-se não tanto repelir uma agressão, como na legítima defesa, mas
evitar a inutilização prática de um direito.
Aqui se exige como pressuposto a impossibilidade de recurso em tempo útil aos meios
coercivos normais e diz-se que o agente, para evitar a inutilização prática de um direito,
pode adoptar um dos comportamentos aqui descritos: ou apropria-se de uma coisa, ou
destrui-la, ou deteriorá-la ou opor uma certa resistência.
Neste sentido, esta causa de justificação distingue-se também da legítima defesa porque
assenta já numa ideia de ponderação de interesses, na medida em que o interesse
inerente ao direito cuja inutilização o agente visa evitar tem de ser superior ao interesse
lesado com a actuação do exercício da acção directa.
Distingue-se também da legítima defesa na medida em que esta causa de justificação
não exige já o requisito da actualidade, exigindo como qualificativo da agressão na
legítima defesa.
O seu regime não está traçado no Código Penal, mas no Código de Processo Penal.
De um modo geral quando uma pessoa for apanhada em flagrante delito de um crime
que corresponde a pena de prisão, os agentes da autoridade devem deter esse indivíduo;
os outros indivíduos, que não os agentes da autoridade podem proceder à detenção.
Em princípio, enquanto que para as autoridade públicas se trata do cumprimento de uma
obrigação imposta por lei, para o comum dos cidadãos existe a faculdade de poder
exercer o direito de detenção.
E isto, porque de um modo geral as pessoas não se podem andar a prender umas às
outras, porque podem incorrer em responsabilidade criminal pelo tipo de sequestro; ou
eventualmente para deter outra pessoas podem ter de lhe lesar a integridade corporal e
pratica as ofensas corporais; ou podem ter de coagir o indivíduo a um determinado
comportamento, tudo isto são factos típicos penalmente relevantes.
Direito de correcção que os pais têm sobre os filhos e que os professores têm sobre os
alunos.
É esta uma causa de justificação entendida como de origem costumeira. O costume não
é fonte de direito em direito penal, mas quando funciona como contra-norma, ou seja,
afastando a responsabilidade penal do agente, portanto no âmbito de uma norma
favorável, já não lhe vê serem-lhe aplicadas as limitações decorrentes do princípio da
legalidade.
Portanto, o legislador aceita aqui o costume como causa de justificação ou de exclusão
da ilicitude.
115. Consentimento
É uma causa de exclusão da ilicitude prevista no art. 36º CP. Trata-se daquelas situações
em que se torna lícito ao agente não cumprir um dever se cumprir outro dever de
categoria igual ou superior.
Se colidirem dois deveres a que o agente está obrigado, de igual valor, o agente tem a
liberdade de optar por um deles, não cumprindo o outro, sendo certo que só tem a
possibilidade de cumprir um deles.
Se colidirem dois deveres, um de natureza inferior e outro de natureza superior, então
está justificado o agente que não cumpre o dever de natureza inferior satisfazendo um
dever de natureza superior.
Colidindo imesuravelmente dois deveres, sendo certo que o agente só pode cumprir um
deles, está justificado o não cumprimento do outro dever ou da outra ordem, se tiver
valor igual ou inferior ao dever (ou ordem) que o agente cumpre.
Esta causa de justificação, justifica-se, quando o cumprimento de um dever superior em
deterimento de um dever jurídico ou de uma ordem de valor inferior, está aqui inerente
uma ideia de ponderação de interesses.
Para o Prof. Figueiredo Dias, no âmbito do art. 36º CP só há conflito de deveres quando
colidem dois deveres de acção; já não é assim quando colidem um dever de acção e um
dever de omissão.
Há quem entenda (e parece bem) que podem coexistir um dever de acção e um dever de
omissão, desde o momento em que se trate de bens eminentemente pessoais, ou de
natureza pessoal, aí o dever de acção cede sempre perante o dever de omissão.
A justificação supra-legal não encontra o seu regime plasmado na lei, mas sai causas de
justificação que se constroem a partir dos princípios gerais do ordenamento jurídico e,
mais concretamente, a partir dos princípios que norteiam o regime jurídico da exclusão
da ilicitude.
Hoje em dia e face à nossa lei tem-se um regime especial de justificação para o crime de
aborto, e que se denomina precisamente “causas especiais de justificação do crime de
aborto”. São causas de exclusão da ilicitude especiais, em sentido próprio. E isto
porquê?
As causas de justificação estão plasmadas na parte geral e valem, em princípio, para
toda a parte especial, ou seja:
- O consentimento enquanto causa de justificação pode servir para excluir a ilicitude de
uma ofensa corporal, ou a ilicitude de outro tipo qualquer;
- A legítima defesa pode efectivamente justificar um homicídio, uma ofensa corporal, ou
um outro tipo legal de crime, mesmo um furto.
Agora existem causas tipificadas na parte especial que o legislador cria para esses tipos
concretos. Donde, as causas de justificação que estão contidas na parte especial do
Código Penal e que valem só para aquele tipo legal de crime que a lei indica são
designadas causas de justificação especiais.
Mas ainda se pode encontrar na parte especial do Código Penal causas de justificação
especiais, umas que o são em sentido próprio e outras que o são em sentido impróprio.
Está-se perante causas de justificação especiais em sentido impróprio quando elas,
estando embora previstas na parte especial do Código Penal para determinado tipo de
crimes (e daí a sua especialidade) apresentam já uma semelhança muito grande com o
que esta preceituado na parte geral do Código Penal a propósito do regime das causas de
justificação. Outras causas de justificação há que, estando previstas na parte especial,
têm um regime jurídico que não pode ser reconduzido, não tem atinência ou semelhança
com o que está preceituado na parte geral. Essas são as designadas causas de
justificação especiais em sentido próprio, de que é exemplo a justificação do crime de
aborto.
Como é que em termos de tipo ele actua como dolo e depois a consequência do art.
16º/2 CP é excluir o dolo?
Daí, várias formulações para explicar esta solução deste tipo de erro:
1) Teoria rigorosa da culpa
Os partidários desta teoria vêm dizer que no caso de erro sobre os pressupostos de facto
de uma causa de justificação, o dolo de tipo não está excluído. Então, aquilo de que o
agente pode beneficiar nestas situações de erro é de uma atenuação da culpa, ou mesmo
de uma exclusão da culpa.
E eles distinguem consoante o erro seja essencial ou não essencial, consoante seja um
erro evitável ou não evitável.
2) Teoria limitada da culpa
Para os partidários desta teoria, a consequência do erro sobre os pressupostos de facto
ou elementos de direito das causas de justificação deve ser a mesma das situações de
erro de tipo: aplica-se na mesma a exclusão do dolo como se de um erro de tipo se
tratasse. E isto por analogia, ou seja, eles chegam à conclusão de que nesta circunstância
o dolo de tipo deveria estar excluído, não porque dogmaticamente seja essa a solução,
porque por um processo analógico, ou por uma entidade de razão, se deve estas
situações como se de um verdadeiro erro de tipo se tratasse, portanto, por analogia
aplicam o mesmo regime do erro sobre elementos do facto típico – o erro do art. 16º/1
CP.
Esta posição é de alguma forma criticável, mesmo quando o agente está em erro sobre
um elemento que a existir excluiria a ilicitude do seu facto, ele do ponto de vista da
tipicidade não deixa de actuar dolosamente, portanto, não faz muito sentido excluir o
dolo de tipo. Mas repare-se: nas situações de exclusão do dolo de tipo (erro sobre
elementos de facto, de direito ou sobre proibições) do art. 16º/1 CP o dolo está excluído
porque:
- Ou há uma ignorância total da realidade;
- Ou há uma errada representação da realidade.
119. Erro sobre a existência e erro sobre os limites de uma causa de justificação
(art. 17º CP)
Ambas as modalidades – erro sobre a existência e erro sobre os limites de uma causa de
justificação – são espécies do chamado erro sobre a ilicitude indirecto ou erro sobre a
proibição indirecto.
No âmbito do erro sobre a existência de uma causas de justificação, como o próprio
nome indica, tem-se desde logo aquela situação em que o agente actua, tem consciência
que aquilo que está a fazer é um facto ilícito, é desaprovado pela ordem jurídica.
Mas pensa que aquele facto, no fim de contas irá ser aprovado pela ordem jurídica
porque ele está a actuar ao abrigo de uma causa de justificação que julga existir, quando
na realidade a ordem jurídica não conhece essa causa de justificação, nem é possível
inferi-la a partir dos princípios jurídicos gerais que norteiam o regime jurídico da
exclusão da ilicitude ou da justificação.
Erro sobre a proibição indirecto, porque o agente em princípio tem consciência da
ilicitude do facto, mas pensa que depois esse facto vai estar justificado quando na
realidade não vai. Por isso é um erro indirecto sobre a proibição.
Nas situações de erro sobre a existência de uma causa de justificação, o erro sobre a
proibição já é indirecto, porque o agente tem consciência do carácter ilícito do facto que
pratica; ou tem consciência do carácter ilícito da omissão que desenvolve.
Simplesmente, julga que depois esses factos vão ser aprovados pela ordem jurídica, pela
existência de uma causa de justificação ou de exclusão da ilicitude que a ordem jurídica
afinal não conhece.
Um outro tipo de erro sobre a proibição indirecto e que tem a ver com causas de
justificação ou de exclusão da ilicitude é o erro sobre os limites de uma causa de
justificação.
Aqui o agente age desconhecendo o carácter proibido da conduta que empreende, mas
está convencido que está a actuar ao abrigo de uma causa de justificação, que na
realidade existe e é reconhecida na lei; mas o agente erra quanto aos limites dessa causa
de justificação.
Tem-se, portanto as situações de erro sobre a proibição indirecto ou erro sobre a
ilicitude indirecto, seja erro sobre a existência ou sobre os limites de uma causas de
justificação, que não erros intelectuais, mas erros morais ou de valoração, e como tal o
regime de relevância é dado pelo art. 17º CP.
Então distingue-se consoante esses erros sejam erros censuráveis ou erros não
censuráveis, consoante esses erros sejam erros evitáveis ou erros inevitáveis, e assim:
- Se o erro for um erro evitável, logo um erro não censurável, nos termos do art. 17º/1
CP a culpa está excluída;
- Se pelo contrário for um erro censurável, porque evitável, nos termos do art. 17º/2 CP
o agente é punido com a pena correspondente ao crime doloso que pode ser
especialmente atenuada.
[38] Um facto que é aprovado pela ordem jurídica, porque nele intervêm relevantemente
causas de exclusão da ilicitude.
[39] E o excesso é dado porque o agente excedeu o meio necessário à defesa.
[40] Aquele que menores consequências tem para o agressor.
[41] Factos humanos, sejam eles lícitos ou ilícitos, culposos ou inculposos.
CULPA
Para responsabilizar alguém criminalmente é necessário que essa pessoa, para além de
ter uma acção penalmente relevante, ou seja, simultaneamente típica e ilícita, e também
necessário que sobre essa pessoa que pratica esse facto típico e ilícito recaia um juízo de
censura de culpa, é necessário também que o facto seja culposo.
A relação que se estabelece entre a ilicitude e a culpa não é feita nos mesmos termos,
porque a ilicitude não indica a culpa.
Um facto pode ser ilícito e não estar subjacente a esse facto qualquer juízo de censura
de culpa, por isso, a culpa é um pressuposto analítico da punibilidade autónomo e é
também um pressuposto material da punibilidade.
A culpa em direito penal em primeiro lugar é a negação da responsabilidade
objectiva[42]. A responsabilidade penal tem que se fundar numa culpa concreta, daí o
preceituado no art. 18º CP quando se diz que “a imputação do resultado, ainda que não
previsto ou não querendo pelo agente, tem que ser feita pelo menos a título de
negligência”.
Nesse sentido a imputação do resultado tem na sua base um juízo de censura da culpa,
uma culpa concreta do agente, dolosa ou negligente.
A culpa é também um princípio de política penal ou criminal.
A culpa é o fundamento e o limite da medida da pena, isto é, não é possível aplicar uma
pena, que é a sanção característica do direito penal, a quem não tenha actuado com
culpa.
Daí que, a culpa seja o fundamento da pena. Mas a culpa é também o limite da medida
da pena, na medida em que consoante a maior ou menor culpa manifestada pelo agente
na prática do facto ilícito, daí a maior ou menor pena, de acordo com a graduação da
medida da pena (arts. 71º segs. CP).
121. Culpa como categoria analítica de juízo penal
A ilicitude consistia num juízo de desvalor formulado pela ordem jurídica, juízo de
desvalor esse dirigido ao agente pela prática de um facto contrário à ordem jurídica na
sua globalidade.
Na culpa passa-se algo de diferente, também o juízo de culpa é um juízo de censura, um
juízo de desvalor dirigido ao agente, já não diferente sobre o facto que ele praticado,
mas, pela atitude que o agente expressa na prática de um determinado facto, quando ao
agente foi dada a possibilidade e se ter decidido diferentemente, de se ter decidido de
harmonia com o direito (em vez de se ter decidido como decidido, pelo ilícito). Assim:
- Enquanto que na ilicitude se verifica a violação de um dever;
- Na culpa coexiste a ideia não de um dever, mas de um poder.
Para fundamentar também um juízo de censura de culpa, é necessário que o agente, não
obstante ter capacidade de culpa e consciência da ilicitude do facto que comete, não
tenha actuado em circunstâncias tão extraordinárias, tão exorbitantes, de tal forma que a
sua liberdade de decisão, a sua liberdade de captação ou de avaliação não esteja
diminuída.
Pode-se então dizer que verdadeiras causas de exclusão da culpa são aquelas que se
filiam na ausência de capacidade de culpa ou de consciência da ilicitude.
As causas de desculpa não excluem a culpa mas fazem com que aquele facto seja
tolerado pela ordem jurídica, em termos de não haver lugar à punibilidade, à punição.
Frank começa a filiar o fundamento das causas de desculpa com base na ideia de
exigibilidade: exigibilidade ou não de um comportamento diferenciado daquele que foi
tido pelo agente no caso concreto. A ilicitude:
- É um juízo generalizado que a ordem fórmula, dirigido ao agente, mas que incide
sobre o facto por ele praticado;
- É um juízo material e como tal, um juízo gradual: um facto pode ser mais ou menos
grave, ou mais ou menos ilícito.
No juízo da culpa, já não se trata de ver se o agente com o seu comportamento violou
um dever e se actuou em contrariedade com a ordem jurídica na sua globalidade[43].
Tem antes a ver com a ideia de poder, consequentemente, é um juízo individualizado
que recai sobre cada agente em concreto. Então censura-se ao agente a atitude que ele
revelou ao ter-se decidido pela prática de um facto que viola as exigências de um dever,
pela prática de um facto ilícito, quando podia ter adoptado um comportamento
diferenciado. E podia porque:
- Tinha capacidade de culpa;
- Tinha consciência da ilicitude do facto; era-lhe exigível que adoptasse, no caso
concreto, um comportamento diferenciado, podia decidir-se de harmonia com as
exigências do dever, em conformidade com os ditames da ordem jurídica.
O Código Penal não define capacidade de culpa pela positiva, diz, pela negativa, quem é
que não é capaz de culpa, ou seja, quem é inimputável[44]; assim, inimputáveis ou
incapazes de culpa, são:
- Os menores de dezasseis anos (art. 19º CP);
- Os portadores de anomalia psíquica ou de um estado patológico equiparado (art. 20º
CP).
Quem não tem capacidade de culpa não age com culpa. A falta de capacidade de culpa,
tal como a falta de consciência da ilicitude não censurável, leva à exclusão da culpa.
Inimputabilidade em razão da idade
O legislador penal entende que só têm capacidade de culpa, no sentido de poder
reconhecer as exigências da ordem jurídica e pautar o seu comportamento de harmonia
com essas exigências, os maiores de dezasseis anos, esse são penalmente imputáveis e
sobre eles pode recair um juízo de censura de culpa: têm culpa penalmente.
Um outro factor que pode excluir a capacidade de culpa, já não de razão etária, é a
verificação de um estado de anomalia psíquica que diminuía efectivamente a capacidade
de avaliação do agente, em termos de não lhe poder permitir reconhecer o carácter
ilícito dos seus factos e de se determinar de harmonia com essa avaliação. No art. 10º/1
CP referem-se que é inimputável em razão de anomalia psíquica. No art. 20º/2 CP
equiparam-se situações de anomalia psíquica grave em que, não obstante o agente no
momento da prática do facto poder reconhecer a ilicitude do facto ou determinar-se de
harmonia com essa valoração, pode o juiz declarar inimputável essa pessoa.
No art. 20º/4 CP tem-se a chamada situação de inimputabilidade provocada: são aquelas
situações em que o agente propositadamente dá origem a uma situação de incapacidade
ou de inimputabilidade, tendo efectivamente previsto nesse estado praticar um
determinado crime, são as chamadas acções livres na causa em que, nestas situações de
inimputabilidade provocada, a capacidade de culpa não está excluída. E são acções
livres na causa porque embora no momento em que o agente pratica o facto penalmente
relevante ele não tenha capacidade de culpa, ele foi livre no momento anterior para
reconhecer o carácter ilícito do seu facto e pautar o seu comportamento de harmonia
com o direito. Consequentemente, o facto não é livre no momento da sua prática, mas é
livre na causa.
Nesse sentido designam-se acções livres na causa e nestas situações a capacidade de
culpa não está excluída.
Uma pessoa actua com consciência de ilicitude quando sabe que aquilo que está a fazer
é proibido pela ordem jurídica na sua globalidade; ou quando a pessoa sabe que actuar
era uma obrigação e se abstém precisamente dessa actuação, omitindo portanto uma
acção que lhe era exigível.
A distinção do erro sobre as proibições do art. 16º/1, 3ª parte CP do erro do art. 17º CP
(erro moral ou de valoração) que é também um erro sobre as proibições é a seguinte:
- As proibições de que se fala na 3ª parte do art. 16º/1 CP são, dentro das proibições
novas, tão só aquelas que são axiologicamente neutras. Valorativamente neutras, ou que
não contenham em si uma censurabilidade ético-social.
O erro sobre a ilicitude ou sobre as proibições do art. 17º CP pode ser de duas naturezas:
ou de um erro directo sobre a ilicitude; ou um erro indirecto sobre a ilicitude.
Sendo que no âmbito do erro indirecto sobre a ilicitude, tem-se o erro sobre a existência
de uma causa de justificação e o erro sobre os limites de uma causa de justificação.
Portanto, um erro sobre normas permissivas.
No erro sobre a ilicitude tem-se aquelas situações em que no fim de contas o agente erra
é sobre a permissão do comportamento. Repare-se: na justificação de erro sobre a
existência de uma causa de justificação, o agente quando actua sabe que aquilo que está
a fazer é um facto ilícito, mas julga que esse facto ilícito vai ser aprovado pela ordem
jurídica pela intervenção de uma causa de justificação, causa de justificação essa que o
ordenamento jurídico português não conhece e que nem é possível inferir a partir dos
princípios que norteiam o regime jurídico da justificação.
Conforme diz o art. 17º CP tem-se de verificar se se tratam de erros censuráveis ou erros
não censuráveis, isto é, se se tratam de erros evitáveis ou não evitáveis.
Nos termos do art. 17º/1 CP se o erro sobre a ilicitude for um erro não censurável, for
um erro inevitável, então o agente age sem culpa, por isso, o erro sobre a consciência da
ilicitude não censurável exclui da culpa.
Pelo contrário, se o erro for censurável porque era um erro evitável, diz o art. 17º/2 CP
que o agente será punido com a pena correspondente ao crime doloso praticado,
contudo, pode beneficiar de uma atenuação especial facultativa da pena.
Pode-se dizer que o Código Penal traduz uma teoria da culpa em deterimento daqueles
que propunham uma teoria do dolo.
Os partidários desta teoria vêm dizer, que o dolo é um elemento do tipo e é um elemento
subjectivo geral (foi uma conquista dos finalistas),
A consciência da ilicitude não é ponto de referência do dolo: a consciência da ilicitude
não integra o dolo, mas é antes um elemento autónomo da culpa, e consequentemente a
faltar a consciência da ilicitude o que pode estar excluído é a culpa. E é isso que se tem
no art. 17º CP:
- Se o agente actua sem consciência da ilicitude e se essa falta de consciência da
ilicitude não lhe é censurável, a culpa está excluída;
- Se pelo contrario o agente actua sem consciência da ilicitude, mas esse erro é um erro
censurável, então o agente é punido por dolo, podendo a pena ser atenuada na culpa
manifestada pelo agente.
O Código Penal secunda a teoria da culpa, ou seja, pode-se dizer que o entendimento
das teorias da culpa estão de harmonia com o preceituado no art. 17º CP.
Donde, aquilo que se vai entender é que compõem a culpa dois elementos positivos:
- Capacidade de culpa;
- Consciência de ilicitude.
A verificar-se uma destas situações, a culpa está excluída, mas o facto permanece
necessariamente ilícito, uma vez que o juízo de ilicitude procede necessariamente o
juízo de culpa.
Sendo certo que se tem de verificar sempre e em todo o caso a consequência do art.
33º/1 CP que leva a uma atenuação especial da pena[45].
No n.º 2 prevê-se a situação retinta de desculpa quando o excesso nos meios empregues
tiver resultado de medo, susto ou perturbação não censurável.
É um estado afecto asténico em que o defendente se encontra, e consequentemente esse
estado afecto a uma certa astenia leva à desculpa.
Este erro, em que o agente julga existir mas que na realidade não existe leva também,
nos termos do art. 16º/2 CP à exclusão do dolo, ressalvando-se nos termos do art. 16º/3
CP a punibilidade por negligência nos termos gerais.
Este erro exclui o dolo ressalvando-se a punibilidade por negligência nos termos gerais.
Este erro exclui o dolo, ressalvando-se a punibilidade por negligência nos termos do art.
16º/3 CP.
Tipos de culpa
São elementos que caracterizam a atitude do agente expressa no facto. São elementos
caracterizadores da atitude do agente, são pois elementos objectivos daquilo que
constitui o juízo de censura de culpa.
133. Conclusão
COMPARTICIPAÇÃO CRIMINOSA
134. Introdução
A matéria da comparticipação encontra-se prevista nos arts. 26º, 27º, 28º e 29 CP.
A comparticipação criminosa postula em que várias pessoas concorrem para a prática de
um facto penalmente relevante.
Pode-se genericamente definir a comparticipação criminosa para o direito português
como uma situação de pluralidade de intervenientes num facto.
O problema que as regras de comparticipação criminosa visam responder é saber, dentro
da prática de um facto, quem é que é responsável, porquê e em que termos.
As regras da comparticipação criminosa são regras necessárias para no fundo se poder
aplicar as regras da parte especial a outras pessoas que não apenas àquelas que praticam
o facto por si mesmas.
Sendo certo que as normas da parte especial carecem em alguns casos das normas da
parte geral para integrar outros comportamentos, as normas dos arts. 26º e 27º CP são
normas que por si só não têm valor, são normas que se têm que relacionar com as
normas da parte especial.
E nestas relações entre as normas dos arts. 26º, 27 e até o art. 28º CP com as normas da
parte especial, tem-se no fundo um conjunto de outras regras.
As regras dos arts. 26º, 27º, e 28º CP são regras de extensão da tipicidade, ou seja, são
regras que visem no fundo tornar típicos comportamentos que não eram típicos.
As regras da comparticipação criminosa visam valorar contributos que não são
imediatamente subsumíveis aos tipos de ilicitude da parte especial.
Em segundo lugar, trata-se de regras que, em conjunto com a(s) regra(s) da parte
especial, criam uma nova regra de valoração jurídica, nesse sentido estendem a
tipicidade da parte especial.
A comparticipação criminosa assenta na distinção fundamental entre autoria e
participação.
135. Autoria
O conceito extensivo parte de uma ideia de causalidade, mas há formas radicais de ler
este conceito extensivo:
- Um conceito causal de autor pode ser unitário, e no conceito unitário quem der causa
ao homicídio é autor sempre, independente da distinção que se possa fazer quanto à
essencialidade da causa.
- Num conceito meramente extensivo parte-se duma ideia de causalidade, mas pode-se
fazer distinções consoante o contributo seja essencial ou não seja essencial.
Por outro lado, pode-se dizer também que rejeita um conceito extensivo de autor, e isto
por duas razões:
1) Porque prescindiu de qualquer referência à causalidade;
2) Porque na perspectiva do Prof. Eduardo Correia, quando os cúmplices prestassem um
contributo essencial seriam autores.
O Código Penal rejeitou um conceito extensivo de autor, porque o conceito extensivo de
autor admitia no fundo uma cisão da cumplicidade. O Código Penal não admite essa
cisão:
- Por referência ao conceito extensivo do autor quem forneça uma arma imprescindível
para a prática do facto ilícito é considerado autor desse facto ilícito;
- Para o Código Penal, quem forneça uma arma é sempre considerado cúmplice, por
mais essencial que seja o contributo.
Diz que o autor é o sujeito que executa a conduta típica. Se a conduta típica é matar, a
questão traduz-se em saber quem é que mata a vítima.
A conduta típica é matar alguém, a teoria formal objectiva diz que quem executa a
conduta típica é que é o autor. Então, tem-se o problema ainda por resolver, porque é
exactamente o problema de saber a quem é que pode ser imputado o facto total quando
há contributos parciais que se tem em mãos na comparticipação criminosa, ou seja, a
teoria formal objectiva supõe que está definido que pretende definir: é a execução da
conduta típica.
A teoria formal não permite dar uma resposta, ou seja, não resolve o problema
fundamental da comparticipação criminosa que é saber, quando existe divisão de
tarefas, como é que essas diversas tarefas são valoradas.
Em rigor, a teoria formal objectiva mais não seria do que a aplicação dos próprios tipos
da parte especial. E por essa razão parece que ela não resolve coisa alguma do ponto de
vista de esclarecer a comparticipação criminosa. O problema fundamental está em saber
como é que se podem valorar certos contributos perante a execução de um facto típico
quando há divisão de tarefas.
Quando há divisão de tarefas, por regra há pessoas que não praticam o facto típico tal
como ele está integralmente descrito, isto é, praticam apenas parcelas daquilo que
poderia ser o facto típico.
Portanto, a teoria formal objectiva é nesta perspectiva uma teoria consideravelmente
inútil. Seria aparentemente respeitadora do princípio da tipicidade, mas mesmo assim
não permitira resolver os casos mais complicados, que seriam sempre os de divisão de
tarefas ou da intervenção de uma pluralidade de pessoas.
138. Teoria subjectivista
Por outro lado e em terceiro lugar, as teorias subjectivas não têm qualquer apoio legal,
reportam-se a elementos da intencionalidade que não fazem parte dos tipos,
sintetizando:
- Em primeiro lugar, são critérios tecnicamente contraditórios porque tentam resolver
problemas de tipicidade objectiva, ou seja, de contributos, com base em critérios
subjectivos;
- Em segundo lugar, são critérios muito imprecisos, mas se identifica bem qual é no
fundo o “animus” relevante;
- Em terceiro lugar, conduz a soluções discrepantes, ou seja, quem tem interesse mas
não pratica o facto é autor; quem pratica o facto mas não tem interesse em rigor não é
autor.
Domínio do facto é portanto um certo poder de fazer evoluir um perigo para um bem
jurídico, mas este poder de fazer evoluir algo significa duas modalidades fundamentais
no domínio, este domínio pode ser positivo ou negativo:
- O domínio do facto é positivo, na perspectiva de Roxin, quando o domínio de fazer
evoluir o facto para a consumação;
- O domínio do facto é negativo, é apenas o domínio de frustrar o avanço para a
consumação.
Roxin retira daqui um ideia extremamente importante: se qualquer pessoa pode ter no
fundo o domínio negativo, isso não caracteriza a autoria, o que caracteriza a autoria é o
domínio positivo do facto.
Por isso pode-se definir o conceito de domínio do facto, ou o conceito e autor, por
referência ao domínio do facto, como o exercício de um domínio positivo sobre o
perigo, ou seja:
- Quem tem o poder de fazer avançar o perigo para o bem jurídico é autor desse facto;
- Quem não detém esse poder, não é autor do facto, poderá ser participante.
Este conceito do domínio do facto aplica-se de forma diferente às diversas modalidades
de autoria, ou seja, em termos gerais é autor quem detém o domínio positivo do facto,
isto é, quem pode fazer evoluir o perigo para o bem jurídico. Mas depois, o domínio
particularizou-se em relação a cada uma das figuras previstas na lei.
a) Autoria material
O autor do facto é aquele que tem o domínio da acção.
Há um aspecto a referir: as figuras da comparticipação criminosa são regras de
imputação do facto a um certo sujeito. Enquanto a teoria da imputação objectiva
relaciona uma acção e um certo resultado, a teoria da comparticipação criminosa (teoria
do domínio do facto) relaciona um certo agente com uma acção.
Nos casos de autoria material o autor do facto ilícito é aquele que tiver materialmente o
domínio da acção típica. Mas estes casos não levantam particulares problemas, porque
quem tem o domínio do acção típica preenche desde logo o tipo da parte especial, em
rigor seria desnecessária previsão de uma situação de autoria material.
Corresponde à primeira proposição do art. 26º CP quando se diz que “é punível como
autor quem executa o facto por si mesmo”, deve entender-se esta expressão como
aquele que no fundo detém o domínio positivo da acção que integra o tipo de ilícito.
b) Autoria mediata
O domínio do facto já se materializa de uma forma diferente vem prevista na segunda
proposição do art. 26º CP e traduz-se naquela situação em que alguém pratica o facto
“por intermédio de outrem”.
Na perspectiva de Roxin significa que a pessoa não tem materialmente o domínio da
acção; mas tem ainda perante o facto uma situação de poder que lhe permite conduzir a
lesão para o bem jurídico.
Conduzem a que o facto materialmente praticado pelo executor material seja atribuído,
imputado ao autor mediato, àquele que no fundo detém o domínio da vontade do
executor material. Roxin cria além disso, um quarto grupo de situações de autoria
mediata: são situações em que alguém exerce um domínio da vontade dentro de um
aparelho organizado de poder.
A ideia fundamental de Roxin traduzir-se-ia em identificar situações em que a cadeia
hierárquica entre várias pessoas era de tal forma forte que quem praticava materialmente
a acção em rigor praticava-a, mas essa acção era de outrem.
Importa frisar que nestas situações de autoria mediata, a figura é sempre uma figura
dolosa, e é dolosa por várias razões:
- Sendo uma extensão do tipo da parte especial, se o tipo é doloso a extensão também
será dolosa;
- Por outro lado a ideia de domínio do facto é incompatível com uma atitude negligente.
A ideia de domínio pressupõe consciência e vontade para que se possa no fundo dirigir
o perigo.
A Profa. Teresa Beleza diz que a teoria do domínio do facto é incompatível com os
crimes negligentes, e que, por outro lado, nos crimes negligentes é completamente
desnecessária a teoria do domínio do facto.
c) Co-autoria
Nestas situações tem-se uma repartição de funções em que existe, por parte de cada um
dos co-autores, um domínio funcional do facto, isto é, de acordo com o contributo que
presta, o sujeito, pelo papel que tem, pela função que desempenha dentro do plano,
detém um domínio funcional do facto.
A co-autoria está prevista na terceira proposição do art. 26º CP quando se diz “toma
parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros”.
Um dos elementos da co-autoria é um elemento de carácter misto, que é o acordo, ou
seja, para existir co-autoria é necessário que exista uma acordo, este é uma concertação
de vontades para a prática do facto; pode ser uma decisão conjunta prévia, ou pode ser
uma decisão no momento da prática do facto.
A co-autoria no fundo tem uma baliza objectiva que é a execução do facto pelos autores,
e o acto típico do co-autor é o acto de tomar parte directa numa execução em curso.
Ora, tem que existir, para haver co-autoria, esta coincidência entre o momento do acto
do co-autor de tomar parte directa e a execução em curso:
- Se for antes da execução tem-se cumplicidade;
- Se for depois da execução, porventura o comportamento também apenas se poderá
reconduzir à cumplicidade.
Portanto:
- Enquanto nos casos de co-autoria complementar os domínios dependem um do outro;
- Nos casos de co-autoria dependente o co-autor não tem verdadeiramente o domínio do
facto, apenas tem o domínio do contributo que presta.
Da conjugação de três elementos retira-se que o facto tem que ser típico e ilícito:
1) Do conceito de execução: a responsabilidade dos participantes depende sempre de
execução por parte do autor;
2) Da existência do art. 28º CP: demonstra que o grau de ilicitude se comunica entre
participantes;
3) Do art. 29º CP: o que está para além da ilicitude, ou seja, a culpa e a punibilidade é
ponderado em termos pessoais.
Em primeiro lugar, essa relação específica ou essas qualidades podem resultar de vários
factores:
1) Podem resultar de um elemento que tem em conta uma relação familiar, uma relação
de parentesco próximo;
2) Pode resultar de um elemento atido a relações de aspecto profissional;
3) Pode resultar ainda da prática esporádica de actos isolados.
Uma pessoa pode estar absolutamente convencida que está a instrumentalizar a vontade
de outra pessoa e portanto, pode estar convencida que está a ser autora mediata de um
crime, quando na realidade não está a instrumentalizar vontade nenhuma porque essa
pessoa pura e simplesmente não se deixa instrumentalizar. No fundo então o que se fez
foi determinar a outra pessoa à prática do crime (portanto é instigador).
Assim, quando o agente julga que está numa situação de autoria mediata, mas na
realidade está numa situação de instigador[47], como é que vai ser responsabilizado?
Vai-se responsabilizar esta pessoa por aquilo que ela conseguiu fazer: pela instigação.
Então, se o facto do autor for um facto tentado, o cúmplice beneficia de uma dupla
atenuação obrigatória:
- Atenuação da pena por ser cúmplice (art. 27º/2 CP);
- Atenuação da pena também obrigatória por facto tentado (art. 23º CP).
Diz a doutrina que estas situações de erro do autor material funcionam em relação ao
participante (instigador) como se de uma verdadeira “aberratio ictus” se tratasse.
Quando o instigador instrumentaliza ou quando o autor mediato dirige a sua acção para
um determinado facto, em relação a uma determinada pessoa, e o executor material ou o
autor material estão numa situação de erro sobre a identidade da vítima, tudo se passa
para o autor material ou para o instigador como se de uma verdadeira “aberratio ictus”
se tratasse.
PUNIBILIDADE
146. Introdução
Esta última categoria analítica do facto punível pode ser vista em duas perspectivas.
Punibilidade em sentido amplo que são todas as condições que concorrem para
fundamentar uma responsabilidade jurídico-penal do agente. Por isso é que se diz que
acção, tipicidade, ilicitude e culpa são categorias analíticas da punibilidade.
E depois, punibilidade em sentido estrito ou condições de punibilidade. Dentro das
condições de punibilidade, vê-se que elas só têm um elemento comum, embora surjam
com várias designações e com várias fundamentações, elas estão ligadas por um
elemento comum, que é uma ideia negativa: são condições que se verificam mas que se
situam fora, para além destas categorias de tipicidade, de ilicitude e de culpa. É algo
exterior a essas categorias. Mas são condições de punibilidade que concorrem para
fundamentar concretamente uma responsabilidade jurídico-penal do agente.
São aquelas condições ou circunstâncias que não podem verificar-se sem que o agente
seja punido[48] não obstante o agente ter praticado uma acção típica, ilícita e culposa.
1) Causas de isenção da pena
Para alguns autores a desistência é uma causa pessoal de isenção de pena. Para outros, a
desistência não é vista na pessoalidade e portanto não será uma causa pessoal, mas tem
a ver com o próprio facto, portanto uma causa material de isenção.
Quanto à desistência e dentro dos autores que consideram que a desistência se filia em
sede de punibilidade em sentido estrito como causa de isenção da pena:
Uns autores, vêem a desistência com um enfoque objectivo no facto praticado, ou seja,
o agente já está a praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, mas
auto-suspende a execução, ou evita a consumação, e neste sentido a valoração é o
aspecto positivo da actuação fáctica, ou seja, o não desenvolvimento, a não prossecução
de actos lesivos do bem jurídico tutelado pela norma penal, e nesse sentido fazem
entroncar a desistência como uma causa de isenção material.
Outros autores, mediante o carácter voluntário da desistência, dizem que é relativamente
à pessoa, o mérito da pessoa que de alguma forma resolve auto-suspender a execução;
ou tendo já desenvolvido toda a execução evita a consumação típica. Consequentemente
atiram a desistência para uma causa de isenção pessoal da pena.
2) Causas de extinção da responsabilidade jurídico-penal
Uma causa de extinção da responsabilidade jurídico-penal é a morte do autor do facto.
Neste sentido, como a responsabilidade penal é pessoal e intransmissível, não há
possibilidade de fazer um incidente de habilitação de herdeiros, e, consequentemente,
morto o autor do facto, cessa a responsabilidade jurídico-penal, ela não é transmissível
por morte.
Para além da morte do autor (do agente da infracção) existem outras causas de extinção
da responsabilidade jurídico-penal:
- Prescrição do prazo do procedimento criminal;
- Caducidade do exercício do direito de queixa, no âmbito dos crimes semi-públicos e
particulares;
- Prescrição da pena.
TENTATIVA E DESISTÊNCIA
150. Introdução
É perfeitamente concebível:
- A pessoa adoptar ou afirmar uma decisão criminosa: a pessoa pensa em cometer o
crime;
- Depois pratica actos preparatórios: que são actos que se destinam de alguma forma a
facilitar a execução do crime decidido pelo agente;
- Até que progride para a própria execução.
E consoante o agente leve a execução até ao fim ou não, consoante se tenha uma
situação de execução acabada ou de execução inacabada, poder-se-á verificar se o
resultado típico desejado pelo agente se verifica ou não, isto é, se desemboca essa
execução numa consumação, pelo menos formal.[49]
O art. 21º CP diz que, regra geral os actos preparatórios não são puníveis.
Esses actos preparatórios visam a facilitação da execução do crime não são em princípio
punidos. Mas já os actos de execução que em sede do art. 22º CP integram a tipicidade
da tentativa, dão lugar a responsabilização jurídico-penal.
Há uma importância prática na distinção entre o que são os actos preparatórios e o que
são já actos de execução:
- Enquanto os actos de execução preenchem o tipo da tentativa e podem levar à
responsabilização;
- A regra geral é que de actos preparatórios não se responsabiliza o seu autor.
A regra geral é a impunidade dos actos preparatórios. As excepções podem revestir duas
formas:
1) Ou a lei penal incrimina autonomamente como um tipo de ilícito novo, actos que
normalmente são actos preparatórios mas têm uma incriminação autónoma;
2) Ou então por uma remissão pura e simplesmente genérica: “quem tentar matar o
chefe de Estado…” já e responsabilizado criminalmente, e aí a preparação é punida.
Os actos que não estiverem incluídos no art. 22º/2 CP são actos preparatórios.
c) Critérios subjectivos
Estes critérios vêm dizer que actos de execução são todos os actos praticados em função
de uma decisão definitiva e incondicionada por parte do agente, ou seja, a partir do
momento em que o agente tem uma decisão definitiva e incondicionada de praticar o
crime, tudo o que, ele faz a seguir a essa decisão inabalável são actos de execução.
Este critério subjectivo é susceptível de várias críticas porque faz muitas vezes depender
a qualificação de actos de execução de circunstâncias que dependem do próprio agente,
mas de alguma forma qualificada diferem actos idênticos.
O Código Penal tenta resolver estes problemas de separar a preparação, não punível
regra geral, da execução, integrando-a já na tentativa e consequentemente implicando
responsabilidade jurídico-penal, dizendo que nos termos das várias alíneas do art. 22º/2
CP se consideram actos de execução:
a) Os que preenchem um elemento constituído de um tipo de crime é no fim de contas o
critério formal objectivo que aqui se encontra;
b) Os que são idóneos a produzir o resultado típico é o critério material objectivo;
c) Os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, são de
natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas
anteriores.
A regra geral (art. 23º CP) é a de que a tentativa é punida tão só quando ao crime, a ser
consumado, corresponda uma moldura penal superior a três anos de prisão a regra é de
que nem todas as tentativas são puníveis.
Exceptuam-se os casos em que a lei disser o contrário.
Por outro lado, a tentativa é punida de forma diferente relativamente ao facto
consumado.
A pena aplicável ao facto tentado é aquela que corresponda ao facto consumado, mas
obrigatoriamente especialmente atenuada, há uma atenuação que não é facultativa, mas
sim obrigatória, da pena, em matéria de facto tentado.
Esta é o reverso da medalha do erro sobre o facto típico: um é um erro por defeito e o
outro é um erro por excesso.
As situações de tentativa impossível são aquelas situações em que o agente quer um
determinado resultado, mas esse resultado objectivamente não é possível verificar-se
porque existe uma inaptidão do meio empregue, ou porque inexiste o objecto, ou porque
o agente não tem a qualidade típica exigida para o preenchimento do tipo.
Se para a generalidade das pessoas e dentro de uma filiação duma teoria da impressão,
for visível for evidente, for retinto que aquele meio (usado para praticar o facto) é um
meio inepto, então há uma tentativa impossível, que não é punível.