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Jean Piaget
O primeiro dos fatos consiste em que, freqüentemente, a criança pequena parece melhor
dotada do que a criança de mais idade, nos domínios do desenho, da expressão simbólica
(representações plásticas, papéis representados nas cenas coletivas organizados
espontaneamente, etc.) e por vezes na música. Quando se estuda as funções intelectuais ou os
sentimentos sociais contata-se um progresso mais ou menos continuado, enquanto que no
domínio da expressão artística, ao contrário, a impressão freqüente é de um recuo.
O segundo fato (e que se reduz em parte ao primeiro) consiste em que é muito mais difícil
estabelecer estágios regulares de desenvolvimento no caso das tendências artísticas do que no
caso das outras funções mentais.
Qualquer destas observações conduzem a uma conclusão evidente: a criança pequena começa
espontaneamente a exteriorizar sua personalidade e suas experiências inter-individuais graças
aos diferentes meios de expressão que estão a sua disposição: desenho e a modelagem, o
simbolismo do jogo, a representação teatral (que procede imperceptivelmente do jogo
simbólico coletivo), do canto, etc.; mas que, sem uma educação artística apropriada que
consiga cultivar estes meios de expressão e encorajar as primeiras manifestações estéticas, a
ação do adulto e os constrangimentos do meio familiar ou escolar tendem em geral a freiar ou
contrapor-se às tendências artísticas ao invés de enriquecê-las.
O problema psicológico, ou melhor, os dois principais problemas psicológicos da educação
artística são portanto compreender, em primeiro lugar, a quais necessidades fundamentais
correspondem as manifestações iniciais da expressão estética infantil e, em segundo lugar,
qual a natureza dos obstáculos que surgem ordinariamente no curso da evolução ulterior.
Sobre o primeiro desses pontos estamos relativamente bem esclarecidos. O estudo do jogo
infantil e especialmente no jogo simbólico (habitualmente chamado jogo de faz-de-conta)
mostra, com efeito, que o pensamento e a vida afetiva da criança são orientadas por dois pólos
opostos.
Existe, de um lado, a realidade material ou social à qual a criança deve adaptar-se e que lhe
impõe suas leis, regras e meios de expressão: é a essa realidade que se submetem os
sentimentos sociais e morais, o pensamento conceitual ou socializado, com os meios coletivos
de expressão constituídos pela linguagem, etc. Mas existe, de outro lado, aquilo que é vivido
pelo eu: os conflitos, os desejos conscientes ou inconscientes, as preocupações, alegrias e
inquietude e são as realidades individuais, freqüentemente inadaptadas e sempre
inexprimíveis somente pelos instrumentos coletivos de comunicação, que requerem uma
forma particular de expressão. Ora, o jogo simbólico não é outra coisa que não o
procedimento de expressão, criado quase que totalmente por cada sujeito individual, graças ao
emprego de objetos representativos e de imagens mentais que, ambos, complementam a
linguagem. Suas funções essenciais são permitir a realização dos desejos, a compensação com
relação ao real, a livre satisfação das necessidades subjetivas e, enfim, uma expansão tão
completa quanto possível do próprio "eu", enquanto que distinto da realidade material ou
social.
Eis porque é conveniente saudar como uma ação ao mesmo tempo necessária e libertadora
todas as tentativas que visam reintroduzir nas disciplinas escolares a vida estética, que a
lógica de uma educação baseada na autoridade intelectual e moral leva a eliminar totalmente
ou ao menos reduzir.
Mas, aqui novamente -- mais que em outros campos -- é necessário evitar a tentação que
ameaça cada vez que uma nova matéria é introduzida na escola: a educação artística deve ser,
antes de tudo, a educação da espontaneidade estética e da capacidade de criação cuja presença
é manifesta na criança pequena; e ela não pode, menos ainda que outras formas de educação,
se contentar com a transmissão e aceitação passiva de uma verdade ou de um ideal totalmente
elaborado: a beleza, como a verdade, somente tem valor quando recriada pelo sujeito que a
conquista.