Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
net/publication/29439603
CITATIONS READS
4 619
1 author:
Kazumi Munakata
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
12 PUBLICATIONS 12 CITATIONS
SEE PROFILE
Some of the authors of this publication are also working on these related projects:
Das palavras às coisas: mudanças nos padrões de ensino no Ocidente, no século XIX e início do XX View project
All content following this page was uploaded by Kazumi Munakata on 14 April 2017.
Do u t o r a d o
Hi s t ó r i a e Fi l o s o f i a d a Ed u c a ç ã o
PUC- SP
1997
Ka z u mi Mu n a k a t a
______________________________________
______________________________________
______________________________________
______________________________________
______________________________________
Resumo do Trabalho
Introdução............................................................................................................ 1
Capítulo 1
De volta à caverna ................................................................................... 15
Capítulo 2
Um grande negócio ................................................................................. 35
Capítulo 3
Estado e mercado .................................................................................... 61
Capítulo 4
Como se faz livro, inclusive didático e paradidático .............................. 79
Capítulo 5
Livros e editoras .................................................................................... 105
Capítulo 6
Profissionais da edição .......................................................................... 119
Capítulo 7
Autor: professor no texto....................................................................... 154
Epílogo.............................................................................................................. 199
Triste constatar que uma casa editorial, a quem a cultura brasileira deve
grandes e valiosos serviços, escancare suas portas para que mercadores
pratiquem rasteiro mercantilismo, funcionando como receptadora de
coisas subtraídas ao trabalho alheio, para revendê-las após nenhuma
maquiagem. [...]
E quanto aos estudantes e professores, para quem dirige-se
especialmente o livro didático? Que tipo de consideração podem
esperar os consumidores compulsórios dessa pseudo-cultura,
amestrados por uma longa tradição que transformou o ensino numa das
mais rentáveis atividades econômicas do País? Ora, quando o próprio
Ministério da Educação foge à sua responsabilidade de informar a
sociedade sobre os livros repletos de erros que, às suas custas, são
comprados para distribuição nas escolas, o plágio de Jobson & Piletti
parece coisa pequena e talvez não mereça atenção, já que honestidade
intelectual, a exemplo da honestidade administrativa, é coisa fora de
moda. Mas, isso é apenas pequena parte de um grande mosaico de
improbidades, a transformar os programas educacionais em algumas
das maiores mentiras nacionais. Assim, enquanto o Ministério da
Educação teima em defender os interesses de certa indústria livresca, os
estudantes são enganados como sempre, orientados por desinformados
professores, ingenuamente influenciados por “educadores” apenas
versados na mais estreita e malandra dialética do lucro fácil e ilícito.
Mais ainda, em vez de combater as pragas que proliferam em seu
quintal, as autoridades educacionais viram reféns de poderoso e
empresarial sistema de “ensino”, que envolve algumas editoras e
“autores”, fundações e instituições privadas formadoras de lobbies à
custa de alguns políticos, sensibilizados a partir de procedimentos que
são de domínio público, defendem vigorosamente os interesses desses
usineiros da cultura espúria.
[O Estado de S.Paulo, 30/5/1996.]
3
Consultado pelo jornal, Piletti, um dos acusados, apresentou a sua versão dos
acontecimentos:
[...] ele e Arruda tinham duas obras [...] já publicados pela Ática sobre
história antiga e medieval e história moderna e contemporânea. A
editora decidiu, então, segundo ele, “fundir os dois trabalhos num
único” e eles teriam concordado com isto. O problema [...] é que a
editora contratou um redator para fazer a fusão e, segundo ele, essa
pessoa teria cometido o plágio e não eles.
[O Estado de S.Paulo, 30/5/1996.]
[...] fui contratado para fazer uma reprodução de obras publicadas pela
Editora Ática, de autores da Ática tais como História Antiga e
Medieval e História Moderna e Contemporânea, de autoria de José
Jobson de Andrade Arruda; História Moderna e Contemporânea e
URSS, Formação e Queda de um Império (suplemento de atualização),
dos autores Alceu Pazzinato e Maria Helena Valente Senise; História
do Brasil, de Nelson Piletti; História do Brasil Contemporâneo, de
Francisco M. P. Teixeira; O Ensino da Geografia e as mudanças
recentes no espaço geográfico mundial, de José William Vesentini.
Além destes, foram-me fornecidas apostilas de cursinho e cópias
xerocadas de livro sem identificação de autoria, sempre trabalhos de
autores da Ática. [...]
A tarefa consistia em redigir um livro de 400 páginas ou pouco mais,
com os devidos exercícios para estudantes a cada capítulo, previamente
intitulado Toda a História - ou seja, a trajetória humana da pré-História
aos nossos dias.
Uma vez que fui contratado para realizar uma reprodução autorizada,
de livros editados pela Ática, caberia aos autores, todos relacionados
com a editora, conferir, fiscalizar e constatar a autenticidade da obra. A
eles caberia revisar o conteúdo e dar a obra como boa.
À Ática caberia entender-se com os autores sobre como e quem
assinaria a obra; creditar fotos e ilustrações; e decidir sobre a listagem
das obras usadas no trabalho de reprodução, sob forma de
“bibliografia” ou “fontes”.
[O Estado de S.Paulo, 11/7/1996.]
Todo esse episódio – que ainda mereceria réplica de Jobson Arruda a Miceli
(O Estado de S.Paulo, 6/6/1996) e comentários do articulista Elio Gaspari (O Estado
5
Esse episódio pode ser lido – e certamente o será – como prova cabal de que
os livros didáticos, ao menos no Brasil, são produzidos com desleixo, de modo
inescrupuloso, visando apenas o lucro. “Indústria cultural!”, denunciarão, dedo em
riste, seus detratores, que terão assim comprovado as teses de que a produção cultural
sob o capitalismo está irremediavelmente corrompida. Aos adeptos de totalizações, o
caso será tomado como sintoma de um sistema educacional falido, ineficaz,
disfuncional ou mesmo a-sistêmico, expressão de uma certa fase do modo de
produção capitalista.
Mas os espíritos menos exaltados podem reter do episódio não o anedótico,
não as pessoas diretamente envolvidas, nem tampouco a generalidade do seu
contexto, mas os indícios, as pistas, que possam contribuir para desvendar as relações
peculiares, constituídas por agentes determinados, em que esse tipo de incidente pode
ocorrer. Esses agentes lá estão: a empresa editorial, o editor, o autor, o “redator”, o
crítico, a mídia. Eles estabelecem entre si relações precisas, que constituem as
condições e o circuito de produção, distribuição e divulgação de uma mercadoria
também determinada, o livro didático (e paradidático).
1 Agenda do professor para disciplinas de Geografia, História, OSPB, Educação Moral e Cívica,
Sociologia, Filosofia e Ensino Religioso, da editora Ática, referentes a 1995, 1996 e 1997. Essas
publicações, contendo agenda diária e textos publicitários, são distribuídas no final de ano via mala
direta aos professores cadastrados, segundo área e grau de ensino em que atuam.
6
Mas esse protocolo nem sempre pôde ser observado à risca. Nem é preciso
mencionar as limitações de ordem pessoal (e logístico). Do lado da assim chamada
realidade objetiva, inúmeros impedimentos ocasionaram o quase colapso da
investigação proposta.
O que à primeira vista parecia o momento mais fácil da pesquisa – quantificar
a produção de livros didáticos e paradidáticos no Brasil – revelou-se uma quase
impossibilidade. Ninguém – nenhum órgão ou entidade, nenhum centro de pesquisa –
sabe quantos títulos ou exemplares são produzidos efetivamente no país. Um critério
fácil seria contabilizar tão somente os livros catalogados oficialmente, isto é, pela
Biblioteca Nacional, segundo as normas internacionais do ISBN (International
Standard Book Number), mas, como se sabe, poucas editoras encaminham a esse
órgão suas publicações. Além disso, o próprio fichário da Biblioteca Nacional, ao
menos em sua versão eletrônica (em CD-ROM) apresenta uma série de problemas,
como ausência de co-autores e erros de digitação, o que faz com que o mesmo autor
compareça em registros diferentes. Uma incursão ao Bienal do Livro (o de 1996), em
São Paulo, dissiparia as ilusões de alcançar a totalidade: há muito mais editoras que
produzem livros didáticos e paradidáticos do que as que possam estar relacionadas
nos catálogos e nas listas disponíveis – mesmo que sejam editoras de um só livro!
7
Esse é também um dos motivos pelos quais se abandonou o exame dos livros
infanto-juvenis – embora muitos dessa categoria sejam concebidos como instrumentos
auxiliares do ensino (notadamente para alfabetização) e tenham um uso paradidático.
Mas o que para livros didáticos e paradidáticos aparece como grande dificuldade é, no
caso dos infanto-juvenis, praticamente uma impossibilidade: não há como recensear a
imensa quantidade de pequenas editoras (muitas delas quase “caseiras”) e muito
menos a sua produção nessa área dos infanto-juvenis. Além disso, como separar as
obras que efetivamente se prestam a uso didático ou paradidático dos que não têm ou
que não mereceram essa utilização?
Feitas as contas, restou um universo de 2.117 livros, didáticos e paradidáticos,
destinadas a um público de pré-escola e de todas as séries do 1o e do 2o graus.2 A base
para a constituição desse universo foram as listas publicadas pelos sucessivos
números da revista Lecionare,3 à qual se acrescentaram dados colhidos de catálogos
de editoras. Não é portanto um universo homogêneo e há evidentes lacunas
(sobretudo na área de línguas estrangeiras), mas que ao menos permite vislumbrar
uma tendência geral.
A falta de homogeneidade marca também as séries de dados referentes à
quantidade de livros, produzidos e adquiridos pelo governo ou diretamente pelo
usuário final. As fontes são diversas e os critérios de organização dos dados, díspares
e nem sempre transparentes. Muitos dados não são sequer confiáveis, pois é da
tradição das empresas editoriais brasileiras ocultar ou “maquiar” os números relativos
à produção e à venda. O jornal Leia ao publicar os resultados da pesquisa “Quem é
quem no mercado editorial” já comentava em 1988:
2 Aqui, entende-se por “livro” a unidade de publicação que compreende o livro propriamente dito e,
quando houver, o manual do professor, o caderno de atividades e demais anexos. Optou-se por essa
definição para contornar as dificuldades que adviriam com o emprego do termo “título”, que abrange,
no caso de livros didáticos, todos os volumes seriados. Assim, por exemplo, uma obra didática em
quatro volumes (para 1ª, 2ª, 3ª e 4ª séries do primeiro grau) e seus respectivos manuais e cadernos foi
desdobrada em quatro livros. Esse critério se impôs, pois, nas obras didáticas, ao contrário do que
ocorre em demais gêneros literários, os volumes são, de modo geral, adquiridos separadamente por
mais que se suponha continuidade entre os volumes.
3 Lecionare é uma publicação anual, editada pela Free Shop Editora e Comunicações, de São Paulo. O
seu primeiro número data de 1993 e prometia reunir “os principais lançamentos de livos didáticos,
paradidáticos, literatura e magistério para o 1o e o 2o graus” (Lecionare, n° 1, set. 1993, p. 2). A revista,
cujo conteúdo resume-se praticamente a esse catálogo bibliográfico, não traz, portanto, a totalidade de
livros didáticos, paradidáticos etc., além de não seguir normas de catalogação, apresentando uma série
de equívocos e lacunas.
8
Por sinal, o jornal Leia – que antes se chamava Leia Livros e se tornaria uma
revista (Leia. Uma revista de livros, autores e idéias) – constitui uma fonte
privilegiada de pesquisa aqui proposta, não apenas por veicular importantes
informações sobre o mundo editorial, mas também por publicar seções sobre livros
didáticos, muitos dos quais resenhados. As sua extinção, em 1991, deixou uma
irremediável lacuna, que não seria preenchida por suplementos de jornais e
publicações pretensamente similares.4
Se essas disparidades de dados dificultam a construção de uma história da
produção de livros didáticos, um outro aspecto da pesquisa praticamente
impossibilitou que ela se constituísse como uma pesquisa histórica, ao menos na
acepção que confunde história com cronologia: os livros didáticos, em sua quase
totalidade, não são datados e não contêm nem tampouco o número da edição! Não foi,
portanto, possível acompanhar as alterações que um livro sofre nas sucessivas edições
– adaptação do estilo do texto ao gosto da época, modificações introduzidas na
diagramação e no uso de ilustrações e de outros elementos gráficos etc. – ou as
modificações nas estratégias de planejamento da produção e de divulgação e venda.
Não se pôde tampouco confrontar essas alterações com as transformações da
demanda, definidas tanto pelas políticas públicas para o setor quanto pelo perfil do
consumidor final, isto é, os estudantes de 1o e 2o graus, além daqueles na faixa pré-
escolar.
4 Entre estas merece citar a natimorta revista Livros Etc. (transformada em Livros & Artes a partir do
número 3, para desaparecer após a publicação do número seguinte) – uma aventura editorial da
Projetos Editoriais S/C Ltda. e, depois, da S3 Editora e Consultoria em Comunicação Ltda., esta ligada
à ex-ministra Zélia Cardoso de Mello e que, segundo o expediente da revista, contou “com o apoio do
Ministério da Cultura, Secretaria Política Cultural e Funarte”.
9
Outras temporalidades
Esse, porém, não era mesmo o principal objetivo desta pesquisa. Ela pretende-
se histórica, sim, mas não por aderir a esse tempo da cronologia da contabilidade
empresarial ou das decisões governamentais. Certamente que, produção para o
mercado, os livros didáticos e paradidáticos passam pela sobredeterminação das
esferas macroestruturais. Isso, porém, implicaria dizer que “o livro didático não tem
uma história própria no Brasil” (Freitag et alii 1993, p. 11)? Segundo esse argumento,
essa
5 Aqui, obviamente, o disparate cronológico situando o Estado Novo em 1930 deve ser creditado à
licença poética para construir o binônio “Novo/Nova”...
10
Da História a histórias
Mas essa busca do todo, que Darnton não hesita em denominar “visão holística
do livro” (p. 112), nada tem em comum com a redução, em nome da totalidade, da
história do livro (didático ou não) a leis e estruturas. Se elementos econômicos,
políticos, jurídicos, culturais, educacionais, psicológicos etc. têm relação com o livro
nesse circuito é simplesmente porque a história do livro refere-se a coisas e pessoas
cuja efetividade histórica é visada como seu objeto. Cada uma das fases do circuito,
diz Darnton,
Em outras palavras, o livro não pode ser abordado na sua imediatez abstrata.
Sob (e às vezes contra) uma ordenação institucional que o regula, pessoas de carne e
osso conceberam-no, escreveram o seu texto, editaram-no, diagramaram-no, “fizeram
arte” e imprimiram-no; algumas foram acusados de “plágio”, elaboraram planos de
venda, alimentaram expectativas, imaginaram que poderiam estar contribuindo para a
educação no Brasil, sonharam com os bens que poderiam adquirir com o pagamento
dos direitos autorais, uns examinaram obras dos “concorrentes” enquanto outros
orgulharam-se de não ler livros didáticos embora os escrevessem, enfrentaram
impasses na redação ou na edição, amarguraram o erro que saltou à vista logo que o
livro chegou da gráfica. Outras adquiriram o produto assim confeccionado e,
eventualmente, leram-no.
Mesmo restringindo o foco ao âmbito da produção do livro didático e
paradidático, lá onde parecia haver apenas a História, aos poucos emergem as
histórias de Gilberto Cotrim, autor de livros de História e presidente da Associação
Brasileira dos Autores de Livros Educativos (Abrale); Elian Alabi Lucci, de
Geografia e Estudos Sociais; José Ruy Giovanni, veterano autor de livros de
Matemática; João Guizzo, editor da Ática;7 Helena de Brito, editora-assistente da
Língua Portuguesa, da FTD; Isabel Simões, editora da Ática; Marcelo Lellis, da
Matemática e parceiro, em tantos livros, de Luiz Imenes; o próprio Luiz Imenes, ex-
presidente da Abrale; Lizânias de Souza Lima, editor da FTD; Maria Lúcia de Arruda
Aranha, de Filosofia e coordenadora editorial de uma coleção de paradidáticos;
Francisco de Moura, de Português; Jaime Pinsky, editor, autor e pesquisador de livros
didáticos; Rosiane Oliveira Silva, editora de arte, da FTD; Sandra Almeida, editora da
Ática; Ricardo Yorio, José Olavio Dutra, Neri E. Stein e Rosi Meire M. Ortega, do
Sindicato dos Empregados em Empresas Editoras de Livros e Publicações Culturais
7 Um dos envolvidos no episódio do suposto plágio, João Guizzo foi entrevistado antes que a questão
viesse à baila, razão pela qual no seu depoimento não há menção ao ocorrido.
13
de São Paulo (SEEL); e Wilma Silveira Rosa de Moura, editora da Ática. Se entre
essas pessoas há padrões recorrentes de práticas, cada uma delas, no entanto, e a
despeito de toda a determinação das estruturas, aparece como sujeito de uma história
e de temporalidade que lhe é própria e, mais ainda, como sujeito de memória que
reconstrói essa história numa narrativa que lhe tenha significação.
Outras entrevistas alterariam essa avaliação? Embora na escolha dos
entrevistados não tivesse havido preocupação em constituir nenhuma espécie de
amostragem – apenas se entrevistaram aqueles com quem foi possível estabelecer
contato – e apesar de a pesquisa estar prejudicada pela ausência de certas
personagens, como os diretores de Abrelivros (Associação Brasileira de Editores de
Livros) ou do SNEL (Sindicato Nacional dos Editores de Livros), sempre escudados
em secretárias eficientes que prometem “retornar a ligação”, sanar todas essas
deficiências estatísticas não alteraria em absoluto os resultados a não ser em seu
aspecto quantitativo: apenas haveria mais histórias particulares, não redutíveis a uma
história maior (das “mudanças estruturais”), ou melhor, à História.
Trata-se então de narrar essas histórias. De certo modo, o que se pretende aqui
é tão somente propor um roteiro de análise do processo de produção desse objeto-
mercadoria, tão presente na vida escolar brasileira. Essa é, pois, uma análise que
antecede à avaliação da adequação dessa mercadoria, seja em relação à Ciência, seja
em relação à Educação. Qual investigador que reúne fragmentos de provas,
depoimentos esparsos, pistas tênues, indícios, sinais,8 essa pesquisa apenas pretende
instruir um processo que talvez possa ser útil, posteriormente, para um veredito no
tribunal da Razão (ou da Ideologia). Mas essa é uma tarefa para outros pesquisadores,
mesmo porque a presente pesquisa não partilha da tradição da História da Educação,
que nasceu, como constata Warde (1990), “para ser útil e para ter sua eficácia medida
não pelo que é capaz de explicar e interpretar dos processos históricos objetivos das
Educação, mas pelo que oferece de justificativas para o presente” (p. 9).
***
Esta resenha foi solicitada pela revista IstoÉ. Por motivos ignorados
pela autora, o texto foi publicado com vários cortes e com um outro
título. [p. 113.]
Escrever e publicar
Nesse sentido, tanto Chartier como Darnton relatam uma pesquisa (de D. F.
MacKenzie), segundo a qual “transformações tipográficas aparentemente diminutas e
insignificantes” (Chartier 1990, p. 127), como a do formato do livro, tornaram o
“obsceno e desregrado” William Congreve em um autor “pudico neoclassista”
(Darnton 1990, p. 128).
As análises de Chartier sobre a coleção Bibliothèque Bleue (muitas vezes
traduzida indevidamente como “literatura de cordel”) também apontam para
elementos gráficos como constitutivos do significado do livro. Inicialmente,
acreditou-se que esses livros, difundidos nos séculos XVII e XVIII, na França,
populares pelo material empregado, pelo preço e pelo sistema de distribuição e venda,
eram-no também pelo tema, restando decidir a questão: “a literatura ‘popular’ é
adaptação de obras eruditas ou, ao inverso, emerge, às vezes, nas obras dos literatos?”
(Chartier e Roche 1976, p. 109). Posteriormente, investigações mais cuidadosas
revelaram que
Em suma, esses livros são populares pela edição: a Bibliothèque Bleue é uma
“fórmula editorial” (Chartier 1990, p. 178). A rigor, isso implica outras atividades que
não simplesmente as de natureza tipográfica. O texto não é apenas composto
(tipograficamente) em tal ou qual fonte (tipo de letra), segundo um certo estilo de
diagramação; mais do que isso, o texto passa por série de transformações, que
suprimem “capítulos, episódios ou divagações considerados supérfluos” e simplificam
frases; subdividem os textos “criando novos capítulos, multiplicando os parágrafos,
acrescentando títulos e resumos”; por fim, censuram “as alusões tidas como
blasfematórias ou sacrílegas, as descrições consideradas licenciosas, os termos
escatológicos ou inconvenientes” (pp. 129-130). Essas adaptações não seguem apenas
a consciência moral e religiosa dos editores, mas são também orientadas pela
“representação que estes têm das competências e das expectativas culturais de leitores
para quem o livro não é algo de familiar” (p. 129). Em outras palavras, o editor
produz um texto de acordo com a “leitura implícita” de um “leitor implícito”, que
nem sempre coincide com os imaginados pelo autor (cf. Chartier s.d., p. 17) – muito
menos com o leitor e a leitura efetivos.1
A investigação desse “encontro entre o ‘mundo do texto’ e o ‘mundo do
leitor’”, diz Chartier (1991), tem como eixo duas hipóteses fundamentais:
1.Davis (1990) introduz a distinção entre “audiência” e “público” para distinguir, respectivamente, os
“que efetivamente liam os livros” daqueles “a quem os autores e editores destinavam seus trabalhos”
(pp. 159-160) .
19
Façam o que fizerem, os autores não escrevem livros. Os livros não são
de modo nenhum escritos. São manufaturados por escribas e outros
artesãos, por mecânicos e outros engenheiros, e por impressoras e
outras máquinas. [p. 126.]
Do mesmo modo, o título do primeiro capítulo da obra de Nyssen (1993) sobre edição
adverte: “Este não é um texto” (p. 11) – o que o leitor tem diante de si já é um livro. E
um manual de um programa de editoração eletrônica para computador cita o escritor
inglês Edward G. E. Bulwer-Lytton em epígrafe: “Uma coisa é escrever, outra é
publicar” (Holtz 1990, p. IX).
Bittencourt também constata que o que se destaca entre esses vários enfoques
possíveis do livro didático é “a linha que privilegia avaliações de seus diversos
conteúdos” (p. 3).
De fato, os dados colhidos pelo Projeto Livro Didático,3 embora já
desatualizados, mostram que dos 426 títulos pesquisados sobre livro didático, entre
livros, artigos, teses, eventos etc. (alguns deles catalogados mais de uma vez), 256
(60%) classificam-se na rubrica “conteúdo/método” (cf. Unicamp 1989). Desses, uma
parte não desprezível dedica-se a denunciar a ideologia dominante subjacente nos
livros didáticos – o que contribuiria para a manutenção e a reprodução da dominação
burguesa. Variante desse enfoque são as análises que desmascaram os preconceitos
raciais, culturais e sexuais que se insinuam nos livros didáticos.
Não por acaso, os livros de História e disciplinas correlatas (como Estudos
Sociais), são particularmente visados por essa vertente de análise. Segundo Cordeiro
(1994), nos anos 70 e 80 publicaram-se, entre artigos e livros, 13 textos sobre livros
didáticos de História, cuja “maioria [...] tem operado em termos da análise ideológica,
examinando os seus textos quanto à consistência teórica e aos conteúdos veiculados”
(p. 141). Os títulos e os subtítulos de algumas dessas publicações já indicam o teor
das acusações: “versão fabricada”, “história mal contada”, “belas mentiras”.4
Um caso exemplar é a análise de Franco (1982), que se propõe a examinar
2. O trecho citado é de Alan Choppin, L’histoire des manuels scolaires: une approche globale, Histoire
de l’Éducation. Paris, INRP, nº 9, déc. 1980, pp. 1-25.
3. Projeto executado em 1987-1988 por pesquisadores da Biblioteca Central, da Faculdade de
Educação e do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp),
com o financiamento do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). Seus dados
foram posteriormente publicados em livro (Unicamp 1989).
4. Essas expressões encontram-se nos títulos de, respectivamente, Franco (1982), Telles (1984) e Deiró
(s.d.).
21
(p. 37), e de “violência” forneceriam o índice da adesão de cada autor dos livros
didáticos a uma
Do mesmo modo, até no grupo de autores com “uma visão mais progressista
da História”, portanto supostamente “não-positivista”, Franco constata “algumas
5. O. R. Holsti. Content analysis for the social sciences and humanities. California, Addison-Wesley,
1969.
22
Esse mesmo padrão de interpretação – que tem também parentesco com a obra
de Ferro (1983) sobre livros de História – é desenvolvido no Brasil por Deiró (s.d.),
em conhecida obra que procura desmascarar as “belas mentiras” divulgadas por livros
didáticos na área de Comunicação e Expressão (disciplina de Português) adotados, em
1977, nas quatro primeiras séries do 1° grau das escolas da rede oficial de Espírito
Santo. Também nessa obra constitui-se a priori uma ortodoxia (o “Referencial
23
Teórico”, pp. 18-28), à luz do que se pode flagrar a insídia da ideologia dominante.
Esta se insinua por toda parte, como nessas três singelas frases:
Segundo Pretto, as
Tudo isso, como não poderia deixar de ser, choca-se frontalmente com o
conjunto de reflexões teóricas de Pretto – uma mescla de análises sobre discurso
competente de Marilena Chaui, epistemologia à Kuhn e Foucault, ceticismo empirista
de Rubens Alves e forte dose de tecnofobia ecológica e ambientalista. É por esse
referencial que se pode medir a taxa de ideologia contida nos livros didáticos de
Ciência,6 surpreendendo-a até mesmo em trechos onde elementos ideológicos
parecem ser criticados. O texto a seguir, por exemplo:
6. Analisaram-se os livros de Ciência mais utilizados em Salvador, Bahia. O trecho acima mencionado,
sobre a natureza como provedora de recursos, é do livro mais utilizado, de Joanita Souza (Ainda
brincando, 2ª série, São Paulo, Editora do Brasil).
7. Extraído de Geraldo Soares, Ciências como prática de vida, 4ª série, Recife, Inojosa, pp.128-129.
25
levam a criança a não ter como obter a resposta por si mesma, o que é
ruim para a sua formação. Ela ficará sempre na dependência de uma
informação a ser dada por aquele que sabe algo mais. [p. 57.]
Mas, quando aparecem perguntas do tipo “Pesquise e descubra” nos livros de séries
mais avançadas, isso não significa que ao aluno já é permitido “obter a resposta por si
mesma”, pois a criança já estará condicionada a pedir auxílio de alguém que
supostamente saiba mais, por exemplo, os pais. É aí que a ideologia revela toda sua
perversidade:
Em suma, ruim sem pesquisa, pior com ela. A ideologia fecha o cerco, o que leva
Pretto a concluir:
Não basta, porém, apenas denunciar a ideologia em geral incrustada nos livros
didáticos – aponta Faria (1991): é preciso desmascará-la ali onde ela supostamente
mais incide, no tema de trabalho,
Esse contato foi propiciado pela entrevista realizada com alunos de uma escola
pública, supostamente com maior freqüência de crianças de origem operária, e com os
de uma escola particular, logo, burguesa. Além disso, o método adotado é
dialeticamente inovador: a escola particular cujos alunos foram entrevistados não
adota nenhum livro didático, ao menos nas primeiras séries do 1° grau (p. 16). Isso
possibilita examinar não o contágio ideológico por livros didáticos de que a criança é
vítima, mas efetuar “a comparação entre o conteúdo do livro didático e a percepção
que as crianças fazem deste mesmo conteúdo” (p. 12). Por esse método pode-se
27
chegar a conclusões de grande alcance: na rede pública, o livro didático serve para
reforçar a ideologia dominante de que a instituição escolar é reprodutora, anulando a
contradição entre a experiência da criança proletária e o conteúdo dessa ideologia; em
crianças burguesas, ao contrário, apesar “de não ser adotado livro didático na sua
escola, seu discurso muitas vezes é idêntico ao do livro” (p. 77). A pesquisa, que teve
como “referencial teórico” a ubiqüidade da ideologia dominante e sua constante
reprodução, encontrou, no final do percurso, a ideologia dominante sendo reproduzida
em todo lugar, à exceção, talvez, de livros de alfabetização, de Ciências e de
Matemática.
Freitag et alii (1993), no entanto, apresentam uma série de objeções a esse
procedimento. Em primeiro lugar, o método de Faria impossibilita determinar qual
exatamente a responsabilidade do livro didático na formação ideológica, pois
[...] parece ignorar que durante esse mesmo período a criança estava
sendo simultaneamente ideologizada por possíveis aulas de catecismo,
pelas novelas de rádio e televisão, por revistas em quadrinhos, pelos
próprios pais e parentes e assim por diante. [p. 90.]
Esse, por sinal, parece ser o grande problema desse padrão interpretativo que
pretende denunciar as “belas mentiras”: a ideologia pode ser encontrada em todo
lugar onde se queira encontrá-la – até mesmo em passeio pela praia, na narrativa do
eletricista sobre magnetismo ou na sugestão de atividade de pesquisa. Mas,
dependendo do ponto de vista, isso também pode ser uma grande vantagem, pois tudo
pode ser facilmente demonstrado.
Além disso, o que se discute efetivamente nessas “análises de conteúdo” são
as idéias contidas nos livros didáticos – e tão somente o que elas apresentam de
concordância ou divergência em relação a outras idéias, justas e corretas, ditadas pela
28
ortodoxia. Nessa etérea esfera em que as idéias relacionam-se livremente entre si, não
há lugar para outros elementos, por exemplo, professores e alunos. Como constata
Cordeiro (1994), essas análises têm realizado poucos avanços “na investigação dos
usos concretos desse tipo de obra praticados por professores e alunos” (p. 141). A
presença destes na investigação, quando ocorre, serve apenas para ilustrar a gravidade
da situação educacional, na qual os professores encontram-se despreparados para
efetuar a crítica consistente do livro didático (Pretto 1985), ou para constatar a
“ideologização” dos alunos, com ou sem livro didático (Faria 1991). Na maioria das
vezes, a discussão das idéias dos livros didáticos se faz pela sua cristalização em
conteúdos unívocos, monossêmicos, com o que só resta atribuir-lhes as rubricas de
verdadeiro ou de falso. As várias estratégias didáticas que o professor eventualmente
elabora em torno dos livros didáticos; a possibilidade mesma de eles propiciarem
“melhores condições ao professor de gerenciar os problemas de sala de aula, mais ou
menos independentemente da eficácia pedagógica” (Oliveira et alii 1984, p. 76); as
diversas leituras possíveis que o professor e o aluno, individualmente ou em grupo,
fazem desses livros; enfim, as múltiplas práticas que eles implicam – nada disso faz
parte desse mundo platônico de idéias. O livro propriamente dito e os agentes reais
nele envolvidos devem ser buscados em outro lugar.
Repulsa da mercadoria
Ainda quanto aos livros didáticos, outro ponto importante que não foi
muito levado em conta na maioria das análises realizadas na época é o
seu caráter de mercadoria – aliás, mercadoria muito consumida.
[p. 149.]
Esse aspecto, ao que parece, é o que mais repugna aos estudiosos do livro didático: é
um terreno sujo, mesquinho, em que prevalecem interesses materiais, capitalistas, em vez de
elevados ideais educacionais ou científicos. Por sinal, Sérgio Waissman, um empresário do
ramo, não mede palavras para confirmar o caráter mercantil da sua atividade: “a indústria
editorial não é composta de sociedades filantrópicas: o lucro é a mola mestra para o seu
desenvolvimento” (apud Pretto 1985, p. 40). Freitag et alii (1993) ratificam:
8 Segundo Ênio Silveira, editor da Civilização Brasileira, foi ele o responsável pela introdução, no
Brasil, de “ilustrações nas capas dos livros, que em nosso país seguiam o modelo francês, ainda
basicamente tipográficas. Até o meu sogro [o editor Octalles Marcondes Ferreira, da Companhia
Editora Nacional-CEN, que então detinha o controle acionário da Civilização Brasileira] se horrorizou.
Aquilo só se fazia em livros de pouco prestígio cultural, como os publicados nas coleções populares da
CEN”. Além disso, o editor, que não prima pela fama de inescrupuloso argentário, confessa: “audácia
suprema, fiz uma campanha publicitária intensa sobre nossos lançamentos” (Ênio Silveira. Memórias
provocadoras de um editor também. Leia. Uma revista de livros, autores e idéias. Ano XII, n° 146,
dez. 1990, p. 36).
32
distribuição e consumo dessa mercadoria, e desse circuito não escapam nem sequer as
obras de Adorno e Horkheimer. Os produtos da indústria cultural estão, desde sempre,
condenados não pelos “conteúdos” que veiculam, mas pelo próprio modo pelo qual
são produzidos.
Isso também significa que os produtos da indústria cultural, exatamente por
serem determinados por essa causa final que é o lucro, passam por mudanças, ainda
que não na sua constituição essencial. Fonseca (1993) descreve tais mudanças
ocorridas em livros didáticos de História, produzidos no Brasil. Num primeiro
momento, o crescimento, nos anos 70, da indústria de livros didáticos fez parte de um
“projeto de massificação do ensino e da cultura” promovida por uma política
educacional baseada no “binômio segurança/acumulação” (p 134). Tal projeto
“beneficiava a acumulação do capital, os ideais de segurança nacional e correspondia
aos interesses multinacionais no Brasil e na América Latina” (p. 139). Posteriormente,
no
[...] final dos anos 70 e início dos 80, o movimento de ampliação das
pesquisas históricas e do repensar do ensino é acompanhado por um
processo de mudanças nas relações entre o conjunto da Indústria
Cultural e as instituições educacionais produtoras de conhecimento. A
indústria editorial passa a participar ativamente do debate acadêmico,
adequando e renovando os materiais, aliando-se aos setores intelectuais
que cada vez mais dependem da mídia para se estabelecerem na
carreira acadêmica. [...]
[...]
[...] No caso do ensino de História, ocorre um fenômeno interessante.
Na medida em que se amplia o campo das pesquisas históricas, a
exemplo do ocorrido na Europa, através da ampliação dos campos
temático e documental, ao mesmo tempo que começam a ser publicadas
experiências alternativas no ensino de História, o mercado editorial
aponta também suas novidades.
Constatamos um duplo movimento de renovação. Um tratou de rever,
aperfeiçoar o livro didático de História. Como uma mercadoria
altamente lucrativa, procuraram ajustá-las aos novos interesses dos
consumidores. Renovaram os conceitos, as explicações de acordo com
as novas bibliografias. Propuseram mudanças na linguagem, na forma
de apresentação e muitas buscaram alternativas, tais como a seleção de
documentos escritos, fotos, desenhos e seleção de textos de outros
autores. Um outro movimento foi o lançamento de novas coleções de
livros visando atingir o leitor médio. Os livros destas coleções,
denominados paradidáticos, tornaram-se um novo campo para as
publicações dos trabalhos acadêmicos. A nova produção
historiográfica, abordando temas até então pouco estudados, tornou-se
mercadoria de fácil aceitação no mercado de livros. [pp. 142-143 e
144-145.]
33
9. Apesar da menção a “editores entrevistados”, não há, na obra de Fonseca, vestígios das entrevistas.
Capítulo 2
Um grande negócio
Praticamente nada se sabe sobre os autores dos nossos livros didáticos, seus
métodos de trabalho, a maneira como são escolhidos pelos editores. Eles
seriam, em sua maioria, professores em exercício de cátedra ou autores
profissionais? Seus métodos de trabalho seriam científicos, com base em
pesquisa, testados e validados ou meramente empíricos? Seus originais
seriam submetidos aos editores por iniciativa própria ou sob encomenda
prévia? [p. 219.]
1 A equipe era composta de Samuel Pfromm Netto, Nelson Rosamilha e Cláudio Zaki Dib.
37
Crescimento do setor
A divulgação que equipe de Pfromm Netto faz do livro didático coincide com a
expansão, no Brasil, do mercado dos livros didáticos, sobretudo dos chamados
“consumíveis” ou “descartáveis” – livros que, tal qual os de “texto programado”,
apresentam espaços a serem preenchidos, impossibilitando, portanto, a sua reutilização.
Embora os dados disponíveis não permitam avaliar a participação dos livros didáticos no
total da produção brasileira de livros até o início da década de 70, há certo consenso de que
nesses anos verificou-se um grande crescimento na área. Segundo dados do IBGE (apud
Andrade 1978, pp. 41 e 145) houve em 1969 a produção de 904 títulos (primeira e demais
edições) de “manuais escolares”, somando 37 milhões de exemplares, para um total de
5.114 títulos e 68 milhões de exemplares – menos de 1/5 de títulos, mas mais da metade de
exemplares produzidos. Nesse ano, a área de “manuais escolares” já ocupava o primeiro
lugar em tiragem, sendo seguida de “generalidades” (5,4 milhões), “religião e teologia” (4,7
milhões), “literatura” (4,5 milhões), “ensino e educação” (4,2 milhões) e “literatura
infantil” (3,2 milhões). Não se sabe exatamente em que consiste essa área de “ensino e
educação”, mas ela certamente iria englobar a de “manuais escolares” nos dados de 1973,
quando atingiu o primeiro lugar em tiragem, com mais de 50 milhões de exemplares e
1.232 títulos, seguida de “generalidades” (26,5 milhões), “filologia, lingüística e literatura”
(22 milhões) e “religião e teologia” (7,8 milhões). Os dados totais desse ano (Andrade
1978, p. 42) são inverossímeis.
Para 1974, os dados elaborados pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros
(SNEL) também são de difícil interpretação: a categoria que apresenta maior número de
títulos (2.093) e de exemplares (91 milhões) é de “ciências sociais” que, como explica uma
nota de rodapé, “engloba livros didáticos até o 1º grau” (Andrade 1978, p. 43). Em seguida
vem o grupo 2 – “outros” – da categoria “obras gerais”, com 1.471 títulos e 36,5 milhões de
exemplares; depois “literatura” (1.577 títulos e 23,7 milhões de exemplares) e “literatura
infanto-juvenil” (grupo 1 de “obras gerais”, com 13,3 milhões de exemplares, mas apenas
424 títulos). Sem apoio nos dados que cita, Andrade (1978) acrescenta uma informação: “O
Mobral/Supletivo representa 40,60% e o 1° Grau 43,78% do total dos didáticos lançados,
39
101.194.385 exemplares” (p. 43). Em todo caso, esse número total tem a confirmação de
Hallewell (1985, p. 588), que também afirma que o crescimento da área de livros didáticos
sofreu um estancamento no final dos anos 70:
Uma outra série, produzida pela Fundação João Pinheiro em convênio com a
Câmara Brasileira do Livro, mostra o comportamento do setor de didáticos na década de
90.3 Em 1990, da produção total de 239 milhões de exemplares de todos os gêneros, foram
vendidos 72,8 milhões de livros didáticos. Em 1991, entre primeira edição e reedições
produziram-se 303.492.000 exemplares, dos quais 139.549.804 (46%) foram catalogados
como “didáticos até 2o grau”. Desde então (e até ao menos o ano de 1995), ao mesmo
tempo em que se verificava uma retração na produção editorial, a categoria dos “didáticos”
passou a representar mais da metade do total de exemplares publicados, como se pode ver
na Tabela 2.1:
Tabela 2.1
Produção editorial no Brasil
Número de exemplares: total e do setor didáticos
(primeira edição e reedições)
1992-1995
3 Os dados da CBL/Fundação João Pinheiro, no entanto, têm de ser examinados com reserva, como adverte em sua
entrevista o editor Jaime Pinsky (da editora Contexto), ele próprio diretor da CBL:
[...] estas pesquisas da Fundação João Pinheiro são péssimas. Eu tentei cotejar algumas delas. Elas não
bateram minimamente. Eu falei para as meninas que estavam fazendo isso. Daí elas simplesmente...,
sabe, são números manipulados. [...] Esses números podem te dar uma ordem de grandeza, mas não
são confiáveis.
41
Tabela 2.2
Produção editorial no Brasil
Número de títulos: total, didáticos e obras gerais
(primeira edição e reedições)
1992-1995
A Tabela 2.3 não contém dados anteriores a 1987, pois até então a pesquisa,
realizada por Leia não incluía números relativos à produção de livros didáticos.
Pelo novo critério, a Ática, que estava em 12° lugar em 1986, passou no ano seguinte
para o quarto e a Editora do Brasil, de 25° para o décimo. Observe-se, no entanto, que
essas posições referem-se ao número de títulos publicados e não ao total dos
exemplares. Se este fosse considerado para classificar as editoras, a Ática estaria em
primeiro lugar já em 1987, a Saraiva, em segundo, a Editora do Brasil em terceiro –
todas elas atuando na área de didáticos e paradidáticos – , e só então, em quarto lugar,
apareceria a Record.
Os dados relativos à tiragem média por título indicam a disparidade entre as
editoras de livros didáticos e paradidáticos e as que (quase) não participam dessa fatia
do mercado: enquanto, em 1987, a média da Record, apesar de lançar best-sellers com
tiragens de dezenas de milhares de exemplares, é de 9.948 por título, a da Editora do
Brasil é de 35.133, a da Ática, 29.322, a da Saraiva, 25.680 e a da Lê, em 43° lugar
em relação ao total de títulos, é de 19.110. Essa disparidade pode também ser
constatada numa mesma editora: em 1987, a “Saraiva, [...] manteve uma média de
tiragem de 5.200 exemplares para os livros jurídicos e 52 mil exemplares para os
didáticos” (Os cinco maiores editores do país. Leia, ano X, n° 116, jun. 1988, p. 25).
O desempenho da Atual, editora especializada em literatura infanto-juvenil e
paradidáticos, é digno de nota: embora sua posição em relação ao total de títulos
tivesse caído, entre 1987 e 1989, de 13° lugar a 55°, sua tiragem média por título
subiu de 17.838 para a surpreendente cifra de 45.945.
Um artigo da revista Leia faz um balanço do crescimento do setor de didáticos
e paradididáticos em meio à estagnação geral:
Tabela 2.4
Produção editorial no Brasil
Exemplares vendidos e faturamento
(total e didáticos)
1990-1995
Tabela 2.5
Produção editorial no Brasil
Exemplares vendidos e faturamento
(total e didáticos)
1o semestre de 1995 e 1o semestre de 1996
Embora os dados sejam insuficientes para arriscar projeções, as taxas de variação são
eloqüentes. De um ano para outro, no mesmo período, as vendas de didáticos crescem
pouco mais de 62%, enquanto seu faturamento aumentava em quase 41% – e isso
numa fatia do mercado que cresce de 58% para 66% do total em relação à vendagem e
de 60% para 65% no faturamento.
A que se deve toda essa vitalidade do setor dos didáticos?
O Estado cliente
1 No momento em que o presente trabalho está sendo escrito, é esse o nome oficial do Ministério da Educação. Ele
já se chamou simplesmente Ministério da Educação e, antes, Ministério da Educação e Cultura, do qual todas as
denominações posteriores herdariam a sigla “MEC”.
47
2.Segundo Oliveira et alii (1984 pp. 52 ss.), o decreto que cria a COLTED teve duas versões. A primeira, o
decreto n° 58.653, de 16/6/1966, criava o Conselho (e não Comissão) do Livro Técnico e Didático, o qual deveria
exercer suas atribuições “em colaboração com a Aliança para o Progresso”, não escondendo a ligação desse órgão
com o acordo MEC-USAID.
48
3 . Sobre a FAE, ver Höfling (1993). Salvo indicações em contrário, as informações a seguir sobre o PNLD
baseiam-se nos relatórios de pesquisa do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (NEPP) da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp): Unicamp-NEPP (1988, pp. 268 ss.) e Unicamp-NEPP (1989, pp. 383 ss.).
49
Medidas para facilitar a escolha dos livros pelo professor também foram tomadas. Por
exemplo, em 1986, a FAE
4 Não raramente suspeitas foram levantadas sobre a lisura desse processo de escolha. Em 1996, no
município de Morrinhos (Goiás), constatou-se que todas as escolas haviam escolhido um mesmo livro e
todas as fichas que o indicavam estavam preenchidas com a mesma caligrafia. As investigações, no
entanto, revelaram que por motivos didáticos todos os professores, com a anuência da Secretaria
Municipal de Educação, haviam decidido adotar um mesmo livro e encarregado uma pessoa para
preencher as fichas (O Estado de S.Paulo, 24/6/1996 e Folha de S.Paulo, 26/6/1996).
50
Tabela 2.6
Material distribuído pelo PLIDEF/PNLD
1971-1988
5 Contato telefônico com a FAE revelou o quão difícil é obter diretamente da fonte dados relativos aos exemplares
distribuídos pelo PNLD: peregrinando de ramal em ramal – sim, pois, como se sabe, a FAE não se dedica somente
a livros didáticos! –, chegou-se finalmente a uma pessoa que pôde informar que conseguir os números dos livros
adquiridos e distribuídos ano a ano só seria possível vasculhando os arquivos para encontrar os processos
correspondentes. À pergunta de se não haveria algum relatório periódico das atividades da FAE (pois existe e seu
título varia de ano para ano: Relatório FAE, Relatório da FAE etc.), essa pessoa transferiu a ligação para um outro
ramal. Neste, a mesma pergunta recebeu como resposta um gentil convite para visitar o órgão. Como os dados da
FAE não estão exatamente entre as prioridades da presente pesquisa, tal visita, infelizmente, não pôde se realizar.
51
É bem provável que os dados se refiram somente a 1993 (ou a 1994), embora não
coincidam com os da Tabela 2.6. Os dados para 1995 e 1996 estão contidas na
promessa do presidente Fernando Henrique Cardoso, que, em julho de 1995, em seu
programa de rádio “Palavra do Presidente”, anunciou:
6 Também não há que duvidar do cálculo presidencial, segundo o qual 110 milhões é o “dobro do que estamos
distribuindo neste ano”, em 1995. Embora a pesquisa da CBL/Fundação João Pinheiro aponte para a cifra superior
a 130 milhões de exemplares vendidos em 1995 para a FAE, isso não necessariamente coincide com a quantidade
efetivamente distribuída no ano, que poderia ter sido mesmo a metade de 110 milhões, isto é, 55 milhões – ou 57
milhões, de acordo com os dados da Tabela 6 ou, ainda, 60 milhões, como anunciaria o presidente em 1996 (cf.
nota abaixo).
52
Tabela 2.7
Unidades de ensino e matrículas iniciais
Primeiro grau
Brasil
1984-1995
Os dados não são muito homogêneos nem tampouco precisos (a soma dos valores dos
campos 1a-4a séries e 5a-8a séries nunca coincidem com o total das matrículas), mas
permitem avaliar a ordem de grandeza desses dados. O que salta aos olhos é que o
crescimento das matrículas (em torno de 24%) praticamente acompanha o
crescimento da população brasileira (23,5% entre 1980 e 1991). O que mais
surpreende é a grande disparidade entre o crescimento das matrículas de 1a a 4a séries
(6%) e o das 5a a 8a séries (63%).
Para comparar esses dados com os do PNLD é preciso levar em conta não o
total das matrículas, mas apenas as efetuadas em escolas públicas, pois as particulares
não são atendidas pelo Programa. Além disso, entre as matrículas das escolas públicas
deve-se levar em conta apenas as de 1a a 4a séries, pois, apesar das intenções
proclamadas na sua criação, a FAE só passaria a distribuir livros aos alunos de 5a a 8a
séries em 1996 – o que talvez explique grande salto de 110 milhões para 1996. A
inclusão de 5a a 8a série no PNLD também foi anunciado pelo presidente da
República:
53
7 “Em tese”, pois são freqüentes as denúncias pela imprensa das irregularidades e atrasos na distribuição dos livros
(e também dos materiais escolares, merendas etc.). Dessas denúncias, talvez a mais grave tivesse sido a notícia,
veiculada no Jornal Nacional (da Rede Globo) de 13/7/1995, segundo a qual um empresário contratado para
distribuir sete milhões livros didáticos comprados pela FAE, em São Paulo, teria reciclado parte desse estoque sob
sua responsabilidade para fazer papel higiênico. Em 1995, o Tribunal de Contas da União considerou irregulares as
contas de 1991 da FAE, multando três diretores do órgão. Segundo a Folha de S.Paulo, de 9/2/1995, as
“irregularidades envolvem transporte de livros escolares”. Em relação ao atraso, é sintomático que os sucessivos
governos promovam sistematicamente campanhas publicitárias em que se afirma que naquele ano os livros
didáticos chegaram (ou chegarão) no prazo, antes do período letivo. Em setembro de 1994, por exemplo, uma
propaganda oficial do MEC, veiculada pela televisão, afirmava que naquele ano 50 milhões de exemplares haviam
chegado às escolas antes do início das aulas. Em 1995, no já mencionado programa de rádio, o Presidente da
República também afirmou: “E mais, os livros de 96 chegarão às escolas até o dia 28 de fevereiro e serão
melhores” (Folha de S.Paulo, 19/7/1995). No ano seguinte, de fato, o presidente anunciaria: “No livro didático [...]
nós multiplicamos de 60 milhões para 110 milhões o número de livros distribuídos. [...] E nós fizemos com que
isso fosse atendido até março a 98% dos municípios” (Folha de S.Paulo, 7/5/1996). Mas, como alertaria a Folha
de S.Paulo (2/4/1996), o compromisso do governo, de entregar os livros em 90% dos municípios até o começo de
março, “só foi atingida nos Estados onde a operação foi centralizada. Onde a escolha, compra e transporte do livro
ficou por conta dos governos estaduais, a operação atrasou, como em SP e RJ, Estados que, até o início de março,
só haviam distribuído 26% dos 21,6 milhões de livros – segundo a FAE”. O mesmo jornal denunciou em 2/4/1996:
“O governo do Estado de São Paulo ainda não distribuiu 8,4 milhões de livros didáticos, dos 12,5 milhões que
deveriam ter chegado até março às 6.800 escolas de sua rede”. Um relato pormenorizado dos sucessos e dos
fracassos do esquema de distribuição dos livros didáticos montado para 1996 encontra-se em O Estado de S.Paulo,
5/4/1996.
Uma outra irregularidade que parece ser freqüente é a venda dos livros comprados pela FAE. O Estado de S.Paulo
(20/5/1996), noticiou denúncias “de que escolas vêm cobrando dos alunos os livros didáticos distribuídos
gratuitamente pelo governo. As reclamações, geralmente de pais de alunos, partiram de São Paulo, Goiás, Espírito
Santo, Bahia, Minas Gerais e Mato Grosso”. Em fevereiro de 1997, a própria FAE fez publicar nos jornais anúncio
de um quarto de página, alertando:
Livro Didático do MEC.
Não compre.
Não venda.
[...]
Os livros distribuídos pelo Governo Federal levam o selo MEC/FAE e não podem ser
vendidos. A Fundação de Assistência ao Estudante – FAE – tem recebido denúncias
de que livros do Programa Nacional do Livro Didático, que devem ser distribuídos
gratuitamente, estariam sendo comercializados. O MEC pede a colaboração de toda a
comunidade – alunos, pais, professores, diretores de escolas, autoridades estaduais e
municipais – para que fique atenta e denuncie esse tipo de fraude. [...]
[Folha de S.Paulo, 20/2/1997.]
54
Brasil –,8 representava, certamente, uma fatia do mercado não desprezível e o Estado,
comprador, um cliente preferencial.
“Verdadeira ebulição”
Mais do que isso, um mercado sem riscos, apontam Freitag et alii (1993):
Quase toda a produção, portanto, está previamente vendida antes mesmo da execução
da impressão e do acabamento. E não apenas vendida, como já paga, ao menos
parcialmente: em 1985/1986, as editoras receberam da FAE, no ato da encomenda,
70% do valor total; e em 1986/1987, 50%. Não por acaso, afirmou o Relatório do
Núcleo de Estudos de Políticas Públicas da Unicamp (Unicamp-NEPP) relativo a
1987:
[...] Nos dois últimos anos, a FAE comprou e distribuiu [...] 45 milhões
de exemplares [...] e neste início do ano letivo mais 56 milhões de
volumes deverão chegar às escolas. [...]
[Leia, ano IX, n° 100, fev. 1987, p. 53.]
De acordo com a notícia, dos 160 milhões de exemplares/ano de livros escolares (pré-
escola até o 2o grau), cerca de 70 milhões eram destinados aos alunos da 1a a 8a série –
e desses 70 milhões, 80% teria como cliente a FAE. O artigo também indicou os
principais fornecedores do governo – “As dez maiores editoras, que controlam 92%
do mercado”:
8 Em 1993, cada habitante do Brasil consumiu, em média, 1,85 livro, segundo Folha de S.Paulo, 17/8/1994
(Caderno especial sobre a Bienal do Livro).
55
Tabela 2.8
Dez livros mais solicitados para a FAE
1987
9. A polêmica foi suscitada pelo fato de um dos editores dos livros selecionados ser membro da própria
comissão de seleção dos títulos a serem adquiridos pela FAE.
56
didáticos, mas, no Brasil, cinco mil exemplares por título (ou 10 mil, caso a
municipalidade decida comprar os mesmos livros indicados pela FAE) representa um
mercado que também não pode ser desprezado. Além disso, em 11/1/1994, a Folha de
S.Paulo anunciou na seção “Boa Notícia”, da primeira página, a entrega, pela
Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE) da Secretaria da Educação do
Estado de São Paulo, de 234.176 livros às 1.358 escolas-padrão. Segundo o artigo
propriamente dito, referente a essa notícia, essa distribuição
[...] faz parte de uma segunda fase de implantação dos CICs (Centros
de Informação e Criação) – os substitutos das bibliotecas nas escolas
ditas padrão.
Foram gastos CR$ 264 milhões (cerca de US$ 750 mil), segundo Cesar
Callegari, 40, diretor executivo da FDE (Fundação para o
Desenvolvimento da Educação). Cada escola receberá um conjunto de
84 livros. [...]
Na primeira fase do projeto dos CICs, [...] as 306 escolas padrão
criadas em 1992 receberam 1.090 cada; as 1.052 criadas em 1993
tiveram um acervo menor, de 701 livros, por causa da falta de recursos
para a secretaria [...].
A idéia da segunda fase é a cada ano enviar materiais novos – como
livros que estão em evidência –, para estimular tanto os alunos quanto
os professores a fazerem uso das bibliotecas, diz Pedro Braz, 37,
diretor de Projetos Especiais da FDE. [Folha de S.Paulo, 11/1/1994,
p. 3-4.]
Adequação à demanda
Mas as editoras, ao que parece, não estavam muito preparadas para atender à
tamanha demanda. Por exemplo, para a produção dos livros a serem adotados em
1987, a FAE determinou que as negociações com as editoras fossem concluídas até
15/10/1986 e os materiais, entregues até 31/12/1986, após o que seria cobrada uma
multa de 0,5% do valor contratado por cada dia de atraso. As editoras estavam, pois,
desafiadas a produzir 55,5 milhões de materiais, entre livros, manuais e cadernos de
10. Há pelo menos um aspecto duvidoso: se cada uma das 1.358 escolas-padrão recebeu um lote de 84 livros, o
total dos exemplares deveria ter sido 1.358 x 84 = 114.072, e não 234.176.
57
atividades, em apenas 105 dias. Diz, a respeito, um diretor da editora Atual, uma das
que foram multadas:
Naquele ano, apenas oito editoras cumpriram o prazo. Isso gerou uma grande
movimentação do setor, representado pela Câmara Brasileira do Livro. O prazo foi
prorrogado para 31/1/1987.
O problema do prazo era agravado pela grande concentração dos contratos em
poucas editoras. Em 1985/1986, a Editora do Brasil e a IBEP – que não cumpriram o
prazo estipulado – eram responsáveis por, respectivamente, 25% e 17% das edições
do PNLD. Em 1986/1987, cinco editoras acumularam 85% da demanda do Programa,
ficando 15% restantes distribuídos entre 40 editoras. 11 Em outras palavras, cinco
editoras ficaram encarregadas de produzir cerca de 47 milhões de materiais (quase 10
milhões por editora) em 2,5 meses e, depois da prorrogação do prazo, em 3,5 meses.
Atender a tal demanda exigiria recursos tecnológicos de que poucas editoras
dispunham à época. Por sinal, a relação entre defasagem tecnológica e atraso na
entrega dos livros encomendados pela FAE fez parte das discussões do 7º Congresso
Brasileiro de Indústria Gráfica, realizada em 1987. Concluiu-se então que o governo
era o principal responsável pelo não-cumprimento dos prazos, pois a proibição de
importação de equipamentos induzia o setor gráfico ao atraso tecnológico.12
Atribuição de culpas à parte, não é improvável que as editoras tivessem
buscado adequar-se à demanda, incorporando recursos tecnológicos que estavam
disponíveis. Convém lembrar que ocorreu justamente nesses anos 80 a introdução, no
Brasil, da informática para executar várias fases da produção de livro – a chamada
editoração eletrônica ou, em inglês, desktop publishing. Uma pequena nota em uma
revista especializada em editoração eletrônica permite visualizar o grau de
aprimoramento pelo que passou o setor de livros didáticos:
11. Segundo Höfling (1993), é “muito significativo o fato de que as editoras envolvidas no Programa Nacional do
Livro Didático nunca tenham sido citadas nominalmente nos Relatórios anuais da FAE, exceção feita ao de 1987
[...], que aponta as Editoras Brasil, Ática, IBEP, FTD e Scipione como aquelas que mais venderam para a FAE” (p.
118).
12 Cf. Jornal do Brasil, 12/5/1986, apud Unicamp-NEPP 1989, p. 420.
58
13 O documento a que esta pesquisa teve acesso é uma fotocópia do texto original que provavelmente
faz parte do edital de concorrência pública para licitação da compra de livros didáticos do Projeto
Nordeste – parte do PNLD destinada especificamente a Estados do Nordeste, em que livros são
adquiridos mediante licitação.
59
A nota máxima (cinco) obtém-se com uma apresentação quase simetricamente oposta:
1. MIOLO
Papel branco não revestido
gramatura: 70-75 g/m2 com variação de + ou - 5%
espessura: 0,095 mm com variação de + ou - 5% para 75 g/m2
2. CAPA
Papel cartão branco, revestido de um só lado e plastificado
gramatura: mínima de 250 g/m2 com variação de + ou - 5%
espessura: 0,225 mm com variação de + ou - 5% para 250 g/m2 [...].
[Concorrência UCP/SEED n° 001/94. Anexo II.]
No final das contas, nós nos constituímos no maior cliente das editoras
de livros didáticos do país. É bom lembrar que se Jorge Amado é o
best-seller da literatura brasileira, tem autor de livro didático que vende
de uma vez o equivalente a cinco vezes o que o escritor baiano vende
em um ano. [...]
Temos [...] exercido uma pressão junto às editoras, legítima, e os
editores têm reagido bem. Todas as modificações, neste ano, por nós
propostas, foram em sua maioria atendidas, e as que não foram
atendidas tiveram os livros rejeitados. É fundamental o Governo saber
que está comprando um bom produto. E estamos continuando o
trabalho de avaliações com a participação do Inep (Instituto Nacional
de Estudos Pedagógicos) e outros órgãos do MEC.
[PNLD: um programa consolidado. Entrevista com Carlos Pereira.
60
É bem possível que o papel do Estado como principal cliente do setor de livros
didáticos aumente ainda mais. Em dezembro de 1996, o MEC anunciou para janeiro
de 1997 a fusão da FAE com o Fundo para o Desenvolvimento da Educação (FNDE),
o que daria origem a um “superórgão”, como classificou a Folha de S.Paulo
(21/12/1996). De fato, segundo José Antônio Carletti, presidente desse “superórgão”
já criado, o MEC pretende comprar mais e mais livros não-didáticos, isto é, de
literatura e obras de referência (Folha de S.Paulo, 26/2/1997).
Todo esse papel que o Estado assume não justificaria, afinal de contas, a
afirmação de que o livro didático – e agora também os não-didáticos – não tem uma
“história própria”, mas apenas uma história de “seqüência de decretos, leis e medidas
governamentais”? Para Freitag et alii (1993) a resposta é, obviamente, afirmativa:
Censura?
Capítulo 3
Estado e mercado
Censura! – foi o que quase gostariam de ter dito editores e autores de livros
didáticos quando, em maio de 1996, o Ministério da Educação e do Desporto (MEC)
anunciou que vários livros distribuídos pela FAE continham erros graves (Folha de
S.Paulo, 18/5/1996). Iniciava-se a talvez mais grave crise no relacionamento entre a
indústria editorial e o Estado. Mas não foi a primeira. Nessas ocasiões, a mídia tem
desempenhado um papel de atiçador da crise, muitas vezes fomentando tensões e
conflitos.
Denúncias na mídia
“outros insetos” com oito patas (Folha de S.Paulo, 21/4/1994, p. 3-1). “Idiotização da
criança”; “exercícios mecânicos de repetição e cópia”, sem “atividades lúdicas,
desafios”; inadequação dos títulos (por exemplo, uma obra denominada Meio
Ambiente, Vida e Saúde induziria a idéia de “ambiente independente dos seres
vivos”); e privilégio conferido à ficção, “o que pode transformar a leitura e o
aprendizado em uma tarefa descolada da realidade da criança” – essas são, segundo o
jornal, outras tantas críticas apresentadas pela comissão (Folha de S.Paulo,
21/4/1994, p. 3-1).
As “críticas mais duras” eram endereçadas aos livros de Estudos Sociais, que
“não levam os alunos à compreensão da realidade e ainda impedem que eles ‘se
situem no espaço e no tempo da realidade social brasileira, indispensáveis para a
formação da cidadania’” (Folha de S.Paulo, 23/4/1994, p. 3-4). Assim, os
Pior que tudo, como denuncia o título de um artigo, “livros didáticos estimulam o
preconceito”:
1 De modo geral, como mostra Darnton em “Jornalismo: toda notícia que couber, a gente publica”
(1990, pp. 70-97), as decisões sobre a “pauta” ou o estilo do texto passam por razões muito mais
prosaicas do que as imaginadas por teóricos-críticos da indústria cultural, que deduzem o caráter de
uma reportagem, um artigo, de um editorial etc. com base na análise da configuração geral do
64
A lista negra
capitalismo. Em todo caso, é bem possível que esses motivos prosaicos sejam já sintomas dessa
configuração geral – hipótese que tem a grande vantagem de não ser passível de comprovação.
2. O primeiro fascículo do Atlas Geográfico Mundial foi lançado em 14/8/1994, quando a edição da Folha de
S.Paulo, segundo o jornal, alcançou a tiragem inédita (no Brasil) de 1,1 milhões de exemplares. Com o sucesso do
empreendimento, o jornal relançaria o primeiro fascículo em 19/8/1994. Cf. Folha de S.Paulo, 15/8/1994, pp. 1-1,
1-3 (coluna Painel do Leitor), 1-5 e 1-6.
3 Salvo indicações em contrário, o relato desse episódio baseia-se na série de artigos (quase diários) da Folha de
S.Paulo e de O Estado de S.Paulo de maio/junho de 1996. A revista Veja, na sua edição de 3/7/1996, noticiou
tardiamente o episódio.
65
Quais livros? O MEC só fornecia alguns exemplos de livros vetados, o que irritou os
editores desses livros, expostos à execração pública, enquanto outros podiam
continuar no anonimato. Segundo a imprensa, editoras tentavam manobras para retirar
suas obras do processo de avaliação, evitando assim a eventual inclusão desses livros
na “lista negra”.
O MEC, que alimentava a imprensa com informações a conta-gotas, anunciou,
em 23/5/1996, que não iria mais divulgar a lista dos livros condenados, alegando que
o objetivo da avaliação não era de expor os erros. Isso convinha às editoras, menos
àquelas cujos livros tinham sido divulgados para servir de exemplo dos erros
encontrados. Esse foi o caso do IBEP (Instituto Brasileiro de Edições Pedagógicas),
tradicional fornecedor da FAE. Seu presidente, Jorge Yunes, que também é
proprietário da editora Nacional, afirmou:
Isso para mim virou uma questão moral. Eles não me enviaram laudo
algum com os problemas dos livros. Trataram-me como se eu fosse um
aventureiro no mercado. Nosso trabalho é sério. O que queremos é que
eles divulguem toda a lista.
Nesse aspecto, o diretor da Ática retomava a crítica que Luiz Imenes, da Abrale, já
havia formulado em relação à comissão de avaliação:
Fenômeno de mercado
5 Lecionare nº 4 (out. 96) e Informativo Abrale, de jan. 1997 (ano 1, nº 2) também contêm artigos com
teor semelhante.
71
tinha uma coleção para atender a área de Geografia, por exemplo, hoje
ela tem três coleções; isso também na área de História, na área de
Ciências, na área de Matemática, todas as áreas. Em todas as áreas ela
ampliou os lançamentos para atender ao mercado de maneira mais
completa e diversificada – hoje a Ática tem livro didático da pré-escola
à universidade. Isso ela fez também na literatura infantil, se
desenvolveu muito também na área de paradidático – uma área que
praticamente foi ela que inovou, porque ela se impôs com algumas
coleções muito diferentes, muito inovadoras. E o paradidático, hoje a
empresa atende também a todas as áreas, com diversas linhas muito
diversificadas, muito variadas.
Isso foi acontecendo aos poucos; de dez anos para cá com muito mais
intensidade. Eu acho que há um grande trabalho das editoras de
colocarem muitos livros no mercado, mercado editorial se tornou muito
competitivo, muito cheio de títulos. Então, há uma própria dinâmica do
mercado. Há um número de títulos cada vez maior, uma concorrência
cada vez mais acirrada.
6Também perguntado se a compra dos livros didáticos pelo governo não teria contribuído para o boom
do setor, Francisco Moura, aí sim, reconheceu:
Sem dúvida que é fundamental, porque eu acho que a guinada do livro [didático] se
deu na década de 70, quando o governo começou a comprar. Mas, por outro lado,
muita gente que não tinha acesso ao livro didático passou a ter. Então, eu acho que
não dá para ver só o lado negativo da questão. Eu acho que, sem dúvida, a compra
pelo Estado alterou radicalmente a questão numérica, porque só com as escolas
particulares ou com a compra pelo aluno não se chegaria a esses números de jeito
nenhum.
73
Afinal, vale a pena vender para o Estado? Jaime Pinsky, editor da Contexto, é
bastante categórico:
7A mesma posição foi assumida quando Pinsky era professor universitário e diretor da Editora da
Unicamp:
As editoras comerciais têm um interesse muito grande na venda de livros para esses
programas [como o PLIDEF] e se empenham de todas as formas para serem
agraciados com as verbas públicas que não são nada desprezíveis. É fora de dúvida
que várias delas cresceram muito não apesar do poder público, mas exatamente por
causa dele.
74
Desta forma não será impertinência alguma afirmar que o estado subsidiou editoras
comerciais, comprando grande número de seus livros. É claro que aí está o segredo
de parte das editoras.
[Pinsky 1985, p. 25.]
75
Vamos responder isso fazendo uma conta, está bom? Essa coleção de 1a
a 4a série, que é a única que nós temos no programa da FAE. Neste ano
aqui, ela vendeu, aproximadamente... Foi algo em torno de 600 mil
livros, 600 mil livros vezes o preço de cada livro..., vamos jogar para
três reais. Então, 1 milhão e 800. Agora, isso a gente multiplica por
2%: nós estamos naquele caso que cai para metade. Vezes 2%,
36.000,00 reais, divido por três [autores]. Então, a minha receita foi de
12.000,00 reais, vendendo 600 mil livros, certo? Bom, isso é bom ou é
ruim? Se isso é comparado com sala de professor, é uma fortuna.
Agora, se é comparado com o salário de um especialista, porque para
fazer isso que eu estou fazendo... Se isso é comparado com o que ganha
um especialista, digamos, com uma capacitação e uma formação
equivalente à minha, mestrado e tal, em outras áreas como Engenharia
etc., e considerando que isso aqui é trabalho de anos... Isso é irrisório!
76
Tabela 3.1
Produção editorial no Brasil
Exemplares vendidos e faturamento
(“Didáticos”, “FAE” e “Obras gerais”)
1995
Olha, a minha área é onde o Estado está mais presente: a FAE compra
para 1a a 4a [séries]; se sobra ela atinge de 5a a 8a. A minha produção
menos significativa é a produção que é feita para a FAE, porque a FAE
77
Aqui não cabe retomar a história de livro nem tampouco participar de querelas
internas à disciplina. Vale a pena, porém, pontuar alguns de seus momentos que vão
constituindo, historicamente, os procedimentos da produção do livro e seus
significados.
Descontinuidades
O leitor de O nome da rosa, de Umberto Eco, certamente sabe o que significa livro
que deve ser escondido.
80
Livro não é apenas um objeto da cultura, do mesmo modo que, como lembra Darnton
(1996), o Iluminismo é também negócio.1
Em relação aos manuscritos, há unanimidade na literatura quanto à
instabilidade do texto, que variava de uma cópia para outra. Isso decorria tanto da
ignorância do copista a respeito do assunto sobre o qual trabalhava – por exemplo,
trechos em grego deixados em branco –, quanto da sua tentativa de interpretar
passagens que lhe parecessem obscuras ou incompletas (Martins[2] 1996, pp. 98-99;
McMurtrie 1982, pp. 97-98). É somente com o advento do impresso que o texto do
livro iria adquirir fixidez, mesmo porque a produção de vários exemplares de uma
mesma matriz tornaria praticamente inviável (mas não impossível) versões diferentes.
Mais do que isso: por mais que os detratores da indústria cultural tentem demonstrar
que é próprio dela, dessa mercenária da cultura, o menosprezo para com a sagrada
escritura do autor, o inverso é mais próxima da verdade. Nunca se buscou tão
obstinadamente o Texto Definitivo como nesses tempos de indústria cultural
plenamente consolidado. Algumas vezes, a obsessão pela exata fixação do texto é
implacável até mesmo com o próprio autor: como mostra Nestrovski (1994),
descobriu-se que na belíssima passagem “soiled fish of the sea” (peixe sujo do mar),
em White Jacket, Melville apenas havia escrito um prosaico “coiled fish of the sea”
1. A bem da exatidão, convém lembrar que a partir do século XIII desenvolveu-se uma outra
modalidade de manuscritos, em estreita associação com a expansão das universidades e de sua
clientela. Para atender ao novo público leitor que assim emergia, surgiram artesãos copistas que
produziam manuscritos para ser vendidos aos universitários. Aqui, o livro, embora manuscrito, é já
81
O códice define, portanto, o espaço que se denominaria página, e o papel será seu
suporte predominante. A introdução do papel foi crucial:
mercadoria. (Febvre e Martin 1992, pp. 26 ss.; Araújo 1986, pp. 43-44). Torna-se então legítimo falar
em transição do manuscrito para o livro, contanto que se caracterize bem a natureza desse manuscrito.
2. A obra citada é Almuth Grésillon. Eléments de critique génetique: lire les manuscrits moderns. Paris,
PUF, 1994. Segundo Lima, edição crítica não se confunde com edição genética: aquela
[...] tem como perspectiva a obra; a outra, o processo. O editor crítico apresenta um
texto considerado “definitivo” em sua inteireza; o crítico genético organiza
fragmentos, transcreve hesitações e incompletudes.
[1994, p. 196.]
82
O processo de composição, pela qual a página vai sendo montada por partes,
perduraria por séculos, mesmo com a alternância das técnicas: tipos móveis, em que
cada palavra, cada frase, cada parágrafo e cada página são montados letra por letra,
manualmente; o monotipo e o linotipo, em que, respectivamente, letras ou linhas são
fundidas à medida que vão sendo digitadas num teclado; e a fotocomposição, pela
qual letras, linhas e colunas de texto são fotografadas e depois coladas (paste-up)
numa base de papel (diagrama) para montar a página, que então é novamente
fotografada para produzir um filme (fotolito) do qual se tira a chapa gravada. É nessa
fase de fotocomposição, em que por meios fotomecânicos se produz a chapa gravada
da página (ou do conjunto de páginas), que a técnica de impressão acaba se
assemelhando à da gravura. É o que acontece também nos procedimentos de
editoração eletrônica, em que a página inteira, muitas vezes já com inserção de
ilustrações, é montada no computador e visualizada no monitor para, depois, gerar
saída (output) em papel (do qual se obtém fotolito), em laserfilme (que substitui o
fotolito) ou, diretamente, em fotolito (Martins[2] 1996, pp. 255 ss.; Araújo 1986, pp.
350 ss.; Burns et alii 1990, p. 10 ss.).
Vale, por fim, mencionar uma invenção importante, por Aldo Manúcio (ou
Aldus Manutius), que tornaria mais fácil a circulação do livro: o formato “portátil” do
livro, “isto é, que se pode levar de um lado a outro, livros como são feitos até hoje, e
não no formato antigo, de mesa” (Nestrovski 1995).4 Paralelamente, desenvolveram-
se outros elementos e partes do livro, tal qual se conhece hoje: página de rosto,
numeração de páginas, disposição do texto em linha corrida etc. (Febvre e Martin
1992, pp. 117 ss.).
O leitor atento terá percebido que até agora não se propôs nenhuma definição
de livro – muito menos de livro didático e paradidático. Talvez tenha também
reparado que isso não lhe acarretou nenhuma dificuldade na representação do objeto
que está sendo visado. Por sinal, nenhum dos estudos consultados sobre a história do
livro preocupa-se em defini-lo de antemão. Livro é um desses raros objetos em que o
conceito e a representação imediata parecem coincidir. Mas talvez seja necessário
agora precisar alguns tópicos, reiterando algumas questões já formuladas.
Quadro 4.1
Letras serifadas e sem-serifa
Normalmente, os tipos serifados são usados para textos mais longos por causarem
menos fadiga aos olhos do que os sem-serifa. Por isso, é comum o corpo do texto ser
composto em letras serifadas e os títulos e as legendas, mais curtas, em letras sem-
serifa – embora tal solução, por demais convencional, repugne aos artistas gráficos.
Pesquisas sobre legibilidade, como as apontadas no Capítulo 2, procuraram
consolidar cientificamente um padrão tipográfico na confecção de livro. A esse
respeito, afirma um artigo transcrito em Tecnologia Educacional:
4. A respeito da invenção de Aldo Manúcio, ver também: McMurtrie (1982), pp. 226 ss.; Martins(2)
(1996), pp. 202 ss.; e Febvre e Martin (1992), p. 137.
5. O fato de nos países do chamado “socialismo real” os livros serem (ou terem sido) distribuídos
gratuitamente ou a preços exíguos não abole esse caráter de mercadoria: constituem apenas casos de
mercadoria com preço subsidiado.
6. Caixa alta e caixa baixa têm esses nomes porque, na tipografia propriamente dita, os tipos
correspondentes a letras maiúsculas eram dispostos em caixas situadas acima das que continham as
letras minúsculas.
85
A tinta sobre o papel não forma apenas as letras que compõem o texto. Otoni
(1985), expondo a concepção de “texto como imagem”, distingue três elementos que
constituem, no livro, a relação entre o lingüístico e o icônico:
Quadro 4.2
Exemplo de fio e tarja
Fio:
Tarja: Pode haver texto dentro
87
Trabalhos
10.Aqui, Oliveira et alii (1984) mencionam o uso de celofane para preparação de matrizes (p. 78), o
que é altamente improvável: como se sabe, celofane é bastante sensível à umidade, que a deixa
enrugada; ora, impressão, mesmo em tecnologias eletrostáticas, implica sempre umidade da tinta.
Talvez tenha havido confusão com acetato ou laserfilme.
88
O Artista de Layout
O Fotógrafo
O Impressor
O Encadernador
O Distribuidor. [p. 24.]
Segundo Araújo (1986), o grau dessa intervenção a que o texto original é submetido é
maior quando se tratar de “ensaio ou congêneres”:
11. Do inglês copydesk. Copidesque designa tanto a tarefa como o seu executor.
89
indefectível “a(o) nível de” (Unesp 1994, p. 11; O Estado de S.Paulo 1990, p. 56;
Folha de S.Paulo 1992, p. 53).
Um requisito fundamental em copidesque é a capacidade de perceber que algo
está errado no texto e saber buscar soluções: pressentir falha numa série de dados,
imaginar se não haveria termo em português para certo topônimo (por exemplo,
Anvers = Antuérpia) etc. Muitas vezes, copidesque também inclui corte ou acréscimo
de palavras, frases ou trechos inteiros para adequar o texto às normas editoriais – e às
vezes à “simples” questão de paginação: eliminar, por exemplo, duas linhas que
ocupam uma página inteira. Não à toa, essa é a fase em que se geram os principais
atritos e mal-entendidos entre o autor e a editora – como ficou patente no “caso
Jobson-Piletti”. Em outras palavras, é no e pelo copidesque que inúmeras obras são
a(du)lteradas. Não se pode, porém, menosprezar os casos em que o copidesque
participa da “melhoria” do original, tornando-o aceitável aos padrões estilísticos (e até
mesmo lingüísticos) vigentes.
12. Embora não se disponha de dados sobre esta editora, parece tratar-se de uma espécie de filial da
Editora do Brasil, sediada em São Paulo.
90
Esse é, pois, um trabalho que não interfere em absoluto no conteúdo, mas tão somente
na sua apresentação gráfica.
Não basta, portanto, ser exímio conhecedor do vernáculo; é preciso ter olhar treinado
para descobrir erros. Assim, uma professora do Departamento de Literatura da
Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista (Unesp),
responsável pela “revisão dos textos” dos cadernos do “Programa de Qualificação do
Ensino de História no 1o Grau”, não conseguiu identificar um erro tão primário como
a vírgula separando o sujeito do predicado, por exemplo, na seguinte frase: “Para os
escravos, que durante muitos séculos foram forçados e acostumados a trabalhar e a
obedecer, esses novos valores difundidos pelo homem branco, [sic] não serviam”.13
13.A frase encontra-se no Caderno 6, do referido Programa, à página 22, e não é um caso isolado. A
respeito do Programa de Qualificação do Ensino de História no 1o Grau, desenvolvido por uma equipe
de professores da Unesp em convênio com a Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP)
da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, ver Martins(1) (1996), pp. 91 ss.
91
Por causa da natureza desse ofício, há editoras que distribuem páginas soltas
entre os revisores exatamente para forçá-los a não se envolverem com o sentido do
texto, mas tão somente com as letras. Pela mesma razão, é conveniente que o
copidesque e a revisão de um texto sejam executados por pessoas diferentes, mesmo
que um determinado profissional tenha habilidade para realizar ambas as tarefas. O
autor é a pessoa menos indicada para fazer tanto o copidesque como a revisão: sua
leitura quase sempre consiste em rememorar o que sabe que havia escrito e quase
nunca em enxergar as letras, as palavras e as frases distribuídas sobre o papel. No
Brasil, é comum realizarem-se duas revisões por obra, mas Araújo (1986) considera
que “três ou quatro seriam o mínimo aceitável” e que “há trabalhos que [...] exigiriam
até oito ou dez revisões” (p. 390).
A “arte” (como são chamados tanto essa área como quem nela trabalha) deve
distribuir o texto composto e as ilustrações pelas páginas de acordo com tais padrões,
levando também em conta que o número de páginas não pode ser muito (ou, conforme
o caso, nenhum pouco) diferente do planejado. Até meados dos anos 80,
aproximadamente, esse processo era feito à mão, colando-se o texto composto (em
papel fotográfico) e as ilustrações em um papel cartão (diagrama); mas com a
introdução das técnicas de editoração eletrônica a composição e a paginação
condensaram-se em um único processo. A inserção de elementos como fios, tarjas e
numeração das páginas também pode ser feita pelo computador. Além disso,
dependendo do recurso utilizado e da qualidade de arte-final desejada, é possível obter
o fotolito (ou equivalente) diretamente de equipamentos conectados ao computador.
O material assim produzido é enviado à fotomecânica (caso seja necessário o
fotolito) e à gráfica e passa por processos de impressão, refilamento (corte) e
acabamento. Empacotados, os livros são encaminhados à distribuição e à divulgação.
Todas essas fases, desde a entrega dos originais pelo autor até a impressão,
constituem um processo demorado. Segundo os cálculos de Medeiros et alii (1995), a
Didáticos: peculiaridades
A produção dos livros didáticos e paradidáticos não foge a esse esquema. Isso
é confirmado por um texto intitulado “Você sabe como se faz um livro?”, impresso no
verso de um material promocional da editora Ática – um calendário de mesa –,
enviado a seus clientes no final de 1993:
15. Trechos deste texto é idêntico à “Apresentação”, por José Bantim Duarte (diretor editorial da Ática),
para a obra de Pinto (1993).
95
Takahashi, então da editora Ática, revela alguns dos critérios para recrutamento de
autores:
Por isso, muitos livros apresentam “sínteses, conclusões e sumários [...] ao fim ou no
início de cada capítulo ou unidade” (p. 38). Muitas pesquisas também indicam que
Com base no que foi visto [...], parece razoável concluir que é possível
elaborar textos didáticos mais adequados, desde que sejam levados em
consideração os resultados até agora realizados a respeito. [...]
Melhorar um texto, aumentando as possibilidades de aprendizagem a
partir de sua leitura, deveria ser, portanto, preocupação dos redatores e
editores de textos didáticos, de tal forma que se aumentasse a confiança
do professor na escolha de livros ou textos avulsos a serem utilizados
em aula. [p. 91.]
100
Além disso, Molina propõe uma série de “estratégias auxiliares do texto” – pré-testes,
sumários (ou resumos do conteúdo), organizadores prévios e questões adjuntas (pp. 92
ss.) – sobre as quais há várias pesquisas, cujos resultados poderiam ser levados em
conta quando da confecção de livros didáticos.
Definições
Takahashi (1980), após ressaltar o duplo aspecto do livro didático como agente
cultural e mercadoria (p. 21), observa:
Essa coleção foi “Para Gostar de Ler”, então dirigida pelo editor Jiro
Takahashi, que, segundo Zamboni (1991) teria sido o próprio responsável pela
denominação “paradidático”, “lançada numa política de ‘marketing’ com finalidade
comercial” (p. 11). Jaime Pinsky, diretor da Contexto, com extenso catálogo de
paradidáticos, confirma esse aspecto mercadológico:
Em suma, o que define os livros paradidáticos é o seu uso como material que
complementa (ou mesmo substitui) os livros didáticos. Tal complementação (ou
substituição) passa a ser considerada como desejável, na medida em que se imagina
que os livros didáticos por si sejam insuficientes ou até mesmo nocivos. A carência de
paradidáticos e desqualificação dos didáticos são faces da mesma moeda. A área de
História e assemelhados, que lida com temas da atualidade, é particularmente propícia
para fomentar essas carências. Mas os paradidáticos podem proliferar em qualquer
área: como todo assunto é, em tese, verticalizável, o seu temário é inesgotável. A
crítica, também freqüente, de que o livro didático traz verdades “prontas e acabadas”
abre brechas para lançamento, por uma mesma editora, de paradidáticos sobre o
mesmo tema, a título de “confronto de idéias”.
resto, o custo de sua produção é baixo se comparado com o dos didáticos (p. 12).16 A
produção de um paradidático é relativamente simples e muitas vezes o seu texto
assume caráter jornalístico. Não à toa, muitos jornalistas, acostumados a redigir
laudas e laudas por dia e num estilo acordado previamente, são convocados para
escrever esses livros. O custo também se reduz na medida em que os paradidáticos são
concebidos como coleção, com um mesmo projeto gráfico para todos os títulos.
Muitas dessas coleções constituem-se de “enlatados”, isto é, obras de origem
estrangeira que são compradas com o fotolito, dispensando assim todos os trabalhos
referentes à pesquisa iconográfica, diagramação e arte final, bastando substituir no
espaço correspondente o texto original pelo texto traduzido. Com os enlatados, a
editora economiza o tempo de produção, os direitos de utilização da iconografia (já
embutidos no “pacote” adquirido à editora cedente) e grande parte da edição de arte.
16. Zamboni (1991) explica a redução dos custos pela “mudança da concepção da mancha gráfica, na
qualidade de papel e no tamanho das letras” (p.12). Convém observar que essas mudanças não podem
ser generalizadas; há coleções de paradidáticos muito sofisticadas, a ponto de seus críticos reclamarem,
como se viu, do uso de artifícios gráficos para seduzir o consumidor.
Capítulo 5
Livros e editoras
1 Como já se afirmou na Introdução, muitos livros de literatura infantil são classificados nessas categorias e,
efetivamente, são utilizados com finalidades de alfabetização. Desse grupo heterogêneo de livros, é muito
difícil distinguir os didáticos dos paradidáticos.
Tabela 5.1
Livros didáticos e paradidáticos por grau
Brasil
1995
Área/disciplina Pré Pré Pré/1* Pré/1* 1° g. 1° g. 1/2** 1/2** 2° g. 2° g. Total Total Total
(did.) (par.) (did.) (par.) (did.) (par.) (did.) (par.) (did.) (par.) (did.) (par.)
Biologia 0 0 0 0 0 0 0 0 18 12 18 12 30
Ciências 0 0 0 0 116 54 0 3 0 12 116 69 185
Desenho geométrico 0 0 0 0 9 0 0 0 0 0 9 0 9
Educação artística 0 3 0 13 20 26 0 0 1 1 21 43 64
Educação moral e cívica 0 0 0 0 2 0 0 0 0 0 2 0 2
Ensino religioso 2 0 0 0 2 36 5 5 0 19 9 60 69
Estudos sociais 1 0 0 0 102 37 0 1 0 0 97 38 141
Filosofia 0 0 0 0 0 0 0 0 3 0 3 0 3
Física 0 0 0 0 0 0 0 0 10 0 10 0 10
Física/Química 0 0 0 0 0 0 0 0 4 0 4 0 4
Geografia 0 0 0 0 54 5 2 12 10 10 66 26 93
História 0 0 0 0 64 134 3 44 12 60 79 238 317
Inglês 1 0 0 0 9 15 0 0 5 10 15 25 40
Matemática 8 0 7 3 216 35 0 0 20 0 251 38 289
Multidisciplinar*** 1 8 0 0 79 58 0 1 0 2 80 69 149
Orientação educacional 0 0 0 0 0 0 0 0 0 10 0 10 10
OSPB 0 0 0 0 2 0 1 0 1 0 4 0 4
Português 0 0 3 1 416 20 2 0 40 3 461 24 485
Química 0 0 0 0 0 0 0 0 17 0 17 0 17
Sociologia 0 0 0 0 0 0 0 0 1 24 1 24 25
Total 12 11 10 17 1.091 420 13 66 142 163 1262 676 1946
Preparação para alfabetização e Alfabetização 171
TOTAL 2.117
* Pré/1: livros destinados à pré-escola e às primeiras séries do 1o grau.
** 1/2: livros destinados às últimas séries do 1o grau e às primeiras séries do 2o grau.
*** Multidisciplinar: livros cujo conteúdo abrange áreas e disciplinas diferentes.
107
Tabela 5.2
Dez primeiras editoras em número
de livros didáticos e paradidáticos
Brasil – 1995
Definição de um padrão
Dessas dez editoras, a editora Ática sozinha é responsável por quase 15% do
total de livros analisados.2 Criada em 1965, a Ática originou-se da Sociedade Editora
do Santa Inês Ltda., setor do Curso de Madureza Santa Inês criado para imprimir as
apostilas e que se tornara empresa independente (Editora Ática 1996, p. 159). Hoje a
Ática está sediada num prédio próprio de cinco andares, com um auditório no térreo
para cursos destinados aos professores e conta, em 1996, com cerca de 450
funcionários, dos quais uns 80 trabalham diretamente na área editorial (texto e arte).
João Guizzo, já como gerente editorial da Ática, explica que a editora ampliou
seu mercado, introduzindo novidades:
1 Aqui não está em questão a tiragem de cada livro, um dos segredos que o editor brasileiro costuma
guardar a sete chaves. A respeito, diz Jaime Pinsky, da Contexto:
Nessa área, eu acho que tem um ranço antigo, um ranço pré-capitalista ainda. E as
pessoas não dizem números, como se fosse uma coisa meio mágica: se eu digo
número eu dou azar ou se eu digo número meu adversário vai saber.
2. No levantamento de dados aqui apresentado, o número de livros da Ática obviamente está
subestimado. De acordo com Zamboni (1991), a Ática “lidera o mercado de publicações com
seiscentos e nove títulos, a partir de 1988. Segundo José Bantin, seu diretor editorial, a empresa está
atingindo a marca dos mil e oitocentos títulos em catálogo, espera chegar a dois mil e cem em 1991 e
manter a atual liderança em publicações, através do investimento nos livros didáticos para jovens e em
textos de leitura extra classe” (pp. 14-15). Convém lembrar, porém, que os números mencionados por
Zamboni incluem também os livros que não são didáticos ou paradidáticos.
109
didático, que era um livro formal, um livro pesado, muitas vezes com
capa dura, com poucas ilustrações, ilustrações assim muito na base de
fotografias ou esquemas muito sérios. Aliás, poucos livros eram assim
coloridos; basicamente só os livros de Geografia eram coloridos. A
Ática inovou lançando livros com uma linguagem muito mais informal,
mais leve, mais rápida, uma linguagem mais comunicativa, uma
comunicação direta com o aluno; livros com conteúdo também mais
leve, menos pesado, conteúdo mais simples, mais acessível ao aluno e,
por outro lado, uma visualização gráfica muito mais alegre, mais
variada, mais atraente, introduzindo até a história em quadrinhos, essa
comunicação direta com o garoto, fazendo livros coloridos, livro com
quatro cores praticamente em todas as áreas, em História, Geografia,
Ciências, Matemática. Então isso modificou muito o perfil do livro.
E o professor que ingressava no magistério na época, década de 60..., já
grandes levas de professores vinham de classes menos privilegiadas,
aquele professor diferente do professor antigo – que era visto assim
como um elemento privilegiado socialmente, economicamente –; esse
professor novo que entrava era oriundo de uma classe média média,
classe média baixa; esse professor não tinha qualificação profissional
formal do professor antigo. Esse professor então se adaptou muito bem
a esse tipo de livro que inovou tanto. A Ática, nesse sentido, foi uma
pioneira.
Por outro lado, ela inovou também lançando o livro chamado
consumível, o livro em que o aluno tem espaço para escrever, ele
estuda e faz os exercícios no próprio livro, escreve tudo no próprio
livro. E outra grande inovação foi – isso tirado muito do modelo
americano de livro didático – de oferecer ao professor o exemplar dele
com todas as respostas preparadas. Então, o professor passou a ter um
elemento extremamente prático: o professor de Matemática não precisa
perder horas em casa preparando aulas, resolvendo todas as contas, os
problemas: todos os exercícios que ele vai passar, ele tem já tudo
prontinho no livro. Professor adorou esse tipo de livro e adotou em
massa. Foi assim um estouro, os livros, alguns livros chegavam a ter
assim edições de 400, 500 mil exemplares. Isso naquela época, década
de 60, 70. Espantava até os gerentes de gráfica, que ficavam na dúvida
se a ordem de serviço estava certa ou não.
Fórmula alternativa
3.Em forma de revista, esse material promocional contém vários artigos, entre os quais o mencionado,
assinado por Elvira de Oliveira. Professores universitários – Laura de Mello e Souza e Circe M. F.
Bittencourt – também assinam artigos, como que dando chancela acadêmica à coleção, embora não
façam nenhuma menção explícita a ela.
112
conceito próprio, que define desde o conteúdo até o projeto gráfico. Em todo caso, um
livro didático deve obedecer a todos os requisitos já apontados no capítulo anterior.
Mais ainda, a existência do livro do professor é quase obrigatória, uma vez que ela faz
parte dos critérios de avaliação da FAE, como foi visto no Capítulo 3. A FAE, como
se viu, também faz exigências em relação a “aspectos gráfico-editoriais”, indicando
como devem ser a “capa, a folha de rosto e seu verso”, que
devem conter título, autoria, série, editora, local, data, edição, dados
sobre os autores e ficha catalográfica. O sumário deve permitir a rápida
localização da informação.
[MEC/SEF/CENPEC 1996, p. 12.]
4 Os livros da série aqui analisados apresentam uma estrutura característica de livro consumível.
Provavelmente os que a FAE recomenda não são esses, mas uma versão adaptada, que geralmente
resume-se na supressão de espaços a serem preenchidos pelo aluno, sem alteração da paginação. Nesse
caso, porém, é difícil imaginar como se fez a supressão de espaços e linhas pontilhadas que chegam
quase a ocupar páginas inteiras.
115
Por sinal, o movimento desse olhar é conduzido por tarjas que dividem o espaço da
página, induzindo os movimentos horizontal e vertical. O desenvolvimento dos temas
se faz basicamente com o recurso de imagens – caricaturas que se poderiam
classificar como “popular”. Nesse caso também se trata de indagar se tal projeto é
funcional no processo de ensino/aprendizagem.
Estratégia da transparência
Ao que parece, as editoras estão cada vez mais preocupadas com essas
questões – ou com o interesse que o público possa ter dessas questões. Elas explicam,
como se viu, o processo de produção do livro em seus materiais promocionais;
também mostram, com flechas e outros recursos gráficos, as partes de que se compõe
uma página do livro que publicam. O efeito dessa publicidade talvez seja a idéia de
que cada página é cuidadosamente planejada e executada, de modo “profissional” e
não “empírica” (ou “amadorística”).
A Ática, por exemplo, procura dirigir o olhar do seu cliente, mostrando como
se organizam as páginas dos livros de História e de Geografia da editora,
identificando-lhes as partes que, mediante recursos de diagramação, constituem
unidades de “conteúdo”. Para isso, a editora produziu um material publicitário em que
mostra as páginas dos livros de suas coleções, indicando as seções que as compõem:,
acompanhadas de pequenas explicações,
Reorganização do trabalho
freelancer [o chamado “frila fixo”], que tem que cumprir carga horária,
praticamente acabou. Como todos os processos relacionados com
freelancer, ele ganhava – o Sindicato ganhou todos até hoje, todos –,
isto é, as empresas tiveram que pagar todos os encargos sociais desses
cidadãos, então as próprias empresas hoje não querem mais esse tipo de
freelancer. Então, como é o freelancer hoje? O freelancer hoje ou é um
cara terceirizado, que tem uma empresinha, que presta serviços para
empresa, ou é o cara que leva o serviço para fazer em casa... e recebe
com nome de outra pessoa.
É difícil o sindicato assumir uma posição de ser contra o freelancer. É
claro que no íntimo a gente é contra, porque a gente quer que todo
funcionário tenha algum vínculo, porque a gente acha importante o
trabalhador ter vínculo. Agora se você sair por aí falando contra o
freelancer, você vai jogar o corpo contra você. Isso aí é uma realidade
que é antiga, a gente encontra uma dificuldade muito grande para
organizar os freelancers. Se já existe dificuldade em organizar a
categoria que tem vínculo, os que trabalham na categoria, os que não
têm vínculo é muito, muito mais difícil ainda. E ele quer ser livre, isso
é que é problema.
Trajetórias
Bom, aqui na Ática eu comecei como redator em 75. Entrei via anúncio
de jornal, que pedia um copy [copidesque], copy de didáticos, e como
eu tinha experiência de trabalho em texto, eu era redator, então eu me
candidatei e fui admitido, como redator, em 1975.
Eu sou formado em Letras e em Ciências Sociais. Me formei nesses
dois cursos, Ciências Sociais na USP, de modo que esses cursos me
deram uma base boa para esse trabalho que eu faço: o curso de Letras
me habilitando no trabalho com texto e o curso de Ciências Sociais
porque ele dá uma base cultural ampla muito boa, ao mesmo tempo
uma base teórica e uma base informativa muito ampla, muito boa, para
esse tipo de trabalho. Comecei dessa forma e, dentro da Ática, logo
depois de um ano de trabalho, mais ou menos, passei a coordenar uma
pequena equipe de profissionais de texto – também redatores que
passaram a trabalhar em texto, fazer o copy de textos didáticos. Hoje a
equipe é um pouco maior, são 25 pessoas comigo.
Então, eu acompanhei bastante esse crescimento da empresa – se bem
que um pouco, assim, como crescimento de um filho, porque quando o
filho vai crescendo, quem nota que o filho cresceu são os outros. Assim
também na Ática: ela foi crescendo, crescendo, aumentando e eu aqui
dentro. Lógico, de vez em quando, se eu páro para fazer um balanço, eu
me dou conta desse crescimento, mas no dia-a-dia a gente não observa.
Então, ela foi crescendo nesse sentido, foi crescendo. Eu, pessoalmente,
de redator passei a assistente editorial, depois a assessor e, finalmente,
a gerente, que é o cargo que tenho hoje.
1 Trata-se, na verdade, de Abril Cultural, que editava livros em forma de fascículos. A Editora Abril é
uma empresa jornalística, que concentra sua produção basicamente na área de revistas.
123
do livro didático que estava saindo daquela fase primeira, em que havia
Autores, os medalhões, havia praticamente o livro único... Nós
pegamos o livro didático quando estava passando para aquela fase mais
variada, mais diversificada, mas ainda um livro de qualidade muito
baixa, um livro com uma atenção muito voltada para estudo dirigido,
uma coisa muito... pouco, digamos, que mexia pouco com o aluno, que
mexia pouco com o professor e que tinha uma qualidade gráfica ruim.
Mas o negócio foi expandindo, as vendas foram aumentando, muitas
editoras trabalhando com... Havia uma concorrência muito grande. A
concorrência obriga a melhorar. Você tem que ser melhor para manter a
condição conquistada. E a Ática foi se postando em primeiro lugar e
éramos nós que fazíamos os livros da Ática! Então, não tínhamos mais
condições de só aquele grupo pequeno fazer tudo. Aí começamos a
pedir que contratassem outras pessoas, não tínhamos mais condição de
a gente pegar de cabo a rabo. Começou a entrar gente para fazer
pesquisa, para nos fornecer material, e é com isso que os departamentos
foram, de uma certa forma, se diferenciando, formando departamentos
específicos.
Antes disso, para aproveitar o pessoal que estava ali na Casa Alfa, o
Barros, que era um dos diretores naquela época, resolveu reeditar o
Vestibular – o Novo Vestibular – e me encarregou de tomar conta
disso. E foi um banho, porque eu não sabia nada na área editorial. Eu
tinha experiência pedagógica, eu não sabia como que era a edição, eu
não sabia quais eram os processos. O pessoal se divertia muito às
minhas custas, né? Porque falavam: “forca” – que forca o quê?! Essas
coisas que eu não tinha a menor idéia do que fosse. “Couchê” eu
achava que era “touché”.2 Foi um pega para capar mesmo. E o pessoal
que trabalhava nessa área, nessa época, me ensinou muito. E depois do
Novo Vestibular, veio a reedição do Literatura Comentada, que eu
também coordenei. Isto também foi..., reedição foi feita toda pelo
Pedro Paulo, pela PPP,3 mas coordenação e aprovação, essas coisas, eu
que fazia. Aí, o pessoal da Abril foi despedido, aquele mundaréu de
gente para fora. E eu liguei para a Cecília, que é a nossa editora-chefe,
para marcar uma entrevista, e ela ficou bastante interessada no meu
perfil, nesse conhecimento dos professores, nesse treinamento que
havia dado e nessa experiência, pequena que fosse, na área editorial.
Aí, comecei a trabalhar aqui.
2 Forca é o final de um parágrafo que fica “sobrando” no alto de uma página. Couchê é tipo de papel.
3 Empresa de serviços editoriais, fundada por Pedro Paulo Poppovic, antigo diretor da Abril Cultural.
127
consertava a correção dele, foi muito curioso. Ele não aceitava a idéia
do nomarca do Egito, que é o dirigente do nomos; para ele quem dirigia
é monarca. Então, depois de cinco revisões, ele corrigindo o nomarca e
eu corrigindo o monarca, então pediram para eu vir a São Paulo para
ver as coisas. Eu cheguei a São Paulo e mostrei muito interesse por
aquela coisa editorial, achei muito bonito aquilo tudo, muito
interessante, muito fascinante, e a pessoa que cuidava da gráfica disse
que ele estava abrindo uma pequena editora e se eu não queira ajudá-lo
a montar, se eu tinha algum livro. No ínterim, eu estava terminando de
produzir, intelectualmente, um trabalho chamado Cem textos de
História Antiga, que se transformou num clássico. Eu, então, disse que
sim, que embora a Difel tivesse interesse em publicar aquele livro, eu
daria a ele. Aí, ele pegou o livro e depois perguntou se eu não queria
ajudá-lo também a montar. E, de repente, me vi como uma espécie de
editor da editora Hucitec. Só que a Hucitec era muito interessante do
ponto de vista intelectual, mas o dono dela e outra pessoa não eram
corretas. Não pagavam direitos autorais, não pagavam duplicatas,
criavam mil problemas, e eu acabei me afastando.
Mas ficou uma profunda vontade de mexer na área editorial, porque eu
sentia uma profunda insatisfação no meu trabalho intelectual da
universidade, achando que havia uma defasagem excessiva entre aquilo
que nós chamaríamos de “produção do saber” na universidade e, de
outro lado, a própria circulação do saber. Então, parecia que nós
estávamos de fato fechado numa torre de marfim, distantes de todo
mundo, produzindo um saber inteligente, e nós olhávamos aqueles
produtos que eram utilizados no 1o e no 2o graus com profundo
desprezo. Eu achava que a gente tinha que fazer uma aproximação, que
sem chegar nas bases a nossa produção intelectual perdia um pouco seu
sentido e que, por outro lado, sem o auxílio da universidade as escolas
médias teriam muita dificuldade de sobreviver – como de fato acabou
acontecendo.
Então, eu comecei a me aproximar, eu comecei a tentar escrever
algumas coisas para um público mais amplo. Deixei de escrever coisas
mais acadêmicas, digamos assim, e fiz uma mudança muito grande
quando publiquei o meu Escravidão no Brasil, que foi um livro que
hoje em dia é chamado de paradidático. Com isso, algumas editoras me
convidaram para ajudá-los a montar projetos. Aí, eu passei a sugerir
projetos também. Então, eu criei a coleção “História Popular”, da
Global. Posteriormente, criei a coleção “Discutindo a História” na
Atual. Ajudei o Caio Graco [Prado] a montar os projetos dele na
Brasiliense. Aí, com experiências nessas editoras a mosca editorial me
pegou de vez.
Eu já era professor universitário, acadêmico típico, mas, ao mesmo
tempo, eu passei a me dedicar bastante a meus textos e a textos de
terceiros e a bolar projetos. Em 1984, acredito, ou 1983, não me lembro
exatamente, o reitor da Unicamp, José de Aristodemo Pinotti, resolveu
criar uma editora da universidade e pediu para um professor para que
ele tentasse montar alguma coisa. E aí me pediram para fazer parte do
Conselho Editorial para montar a editora, e na dinâmica do grupo eu
acabei sendo indicado como primeiro diretor-executivo da editora. E na
Editora da Unicamp uma das linhas que eu procurei manter, contra
todos os projetos de outras editoras acadêmicas até então, era dar
atenção a um livro didático, porque com aquele potencial fantástico da
Unicamp era impossível que a gente não pudesse produzir coisas
128
faça. Ele faz e daí volta novamente para nós copidescar, ou isso pode
ser dado para freelancer, mas muito freqüentemente é feito pelo
próprio pessoal daqui. Daí se faz a pesquisa iconográfica, a pesquisa
cartográfica, se houver. O autor manda, se não manda a gente faz ou
então pede para alguém fazer.
Tendo esse original prontinho com tudo – isso demora: coleções com
quatro volumes com quatro cadernos demoram dois ou três anos.
Porque é muito longo mesmo. Aí vai para a produção de arte, faz-se o
projeto gráfico; em geral o projeto gráfico é feito a partir do texto e não
ao contrário, a não ser os livros paradidáticos, que já têm um projeto
que foi feito no início. Na arte é mais ou menos a mesma coisa que se
faz na redação. Quer dizer, há os editores de arte, os auxiliares, faz-se o
trabalho de projeto, de diagramação – agora é tudo eletrônico. Depois
fotolito, depois gráfica: em geral, um ano de trabalho nessa etapa.
4 Ciano = prova cianográfica, isto é, uma prova do livro feita em cor azul (cian) para a última revisão,
antes da impressão.
130
Na Contexto não há espaço físico em que caiba tantas atividades. Mas essa foi
a opção tomada, explica Jaime Pinsky:
Nós temos uma estrutura mínima, nós terceirizamos tudo nessa editora,
não temos nem revisores aqui dentro da editora, ninguém. Então, temos
normas de revisão, normas de copidesque; enfim, temos normas
escritas que são orientações para as pessoas que trabalham com a gente.
Essa é a primeira diferença substancial [em relação às grandes
editoras]. Com isso, nós eliminamos custos fixos e deixamos de ter a
necessidade que as grandes editoras têm de produzir x novidades por
ano. O ano passado [1995], por exemplo, não produzimos quase nada.
E acertamos. Diminuímos os nossos estoques etc. Quer dizer, nós
temos o controle sobre o conjunto de coisas muito maior, desde a
produção intelectual até a circulação final, a gente tem um controle
muito grande, os contatos são muito próximos. Embora a editora seja
um pouco maior do que ela aparenta, ela é pequena ainda, é uma
editora pequena. E isso me permite uma vantagem comparativa:
pessoalmente eu leio todos os originais, sem exceção. Quer dizer,
aquilo que aconteceu lá na Ática, no livro do Jobson, não tem
absolutamente nenhum perigo de acontecer aqui. Pessoalmente eu faço
questão, eu leio tudo. Eu gosto de fazer isso. Eu leio todos os originais
do que a gente publica. Eu não leio todos os originais que chegam. A
gente recebe os originais, manda fazer leitura; enfim, aquela coisa toda.
O resto, o sistema de produção é idêntico.
Ao que parece, não há regra para recrutar autor. Os originais chegam à mesa
do editor de várias maneiras. Como João Guizzo explica:
131
Segundo Lizânias Souza de Lima, alguns desses autores por encomenda podem até
ser remunerados previamente:
Por que “não interessa”? Segundo Helena de Brito – que trabalha com livros de
Português, sempre contendo textos para leitura – muitos originais são inadequados:
132
Cada vez mais – agora que já se foram 20 anos dessa política [editorial]
– já há uma série de autores que estão acostumados, que já estão
melhor entrosados com essa forma de trabalhar. Há maior
profissionalização do autor.
Eu acho que há uma evolução sim. Há autores que a gente nota que vão
evoluindo, vão se aperfeiçoando e, depois de alguns anos, se dedicam
praticamente a essa tarefa de produzir, de reformular, reciclar material,
readaptar e manter o material sempre vivo, sempre atualizado.
134
Bem entendido: maior profissionalização do autor não significa que haja cada vez
mais textos intocáveis. O copidesque continua sendo uma exigência se se pretende
que os livros de uma coleção sigam um padrão homogêneo. Profissionalização do
autor então significa maior conhecimento e aceitação, por parte do autor, dos
procedimentos editoriais, que, por sinal, estão especificados no contrato. Explica
Isabel Simões:
Profissionalização do editorial
Este último livro é um “enlatado” e, vê-se na capa, foi selecionado “para o Programa
Sala de Leitura/Bibliotecas Escolares. FAE/INL”. No caso, o profissionalismo da
editora – mas não necessariamente a competência – mede-se pela presença (ao menos
no expediente) de uma pessoa encarregada de “adaptação para a edição brasileira”, o
que inclui a verificação da existência ou não de “similares nacionais” para topônimos,
obras citadas etc., além da alteração de trechos do texto que façam referência a
situações e hábitos do cotidiano do país em que o livro foi originalmente produzido e
que possam ser incompreensíveis para o “leitor médio” brasileiro.
Expedientes de dois livros da mesma coleção, publicados em tempos
diferentes, fornecem um exemplo da evolução da profissionalização. O Renascimento,
de Nicolau Sevcenko, faz parte da coleção “Discutindo a História”, da Atual, e foi
publicado em 1985 (na época, em co-edição com a Editora da Unicamp). Em seu
expediente aparecem apenas os nomes dos responsáveis pela capa, fotos e mapas. A
obra O Apartheid, de Marta Maria Lopes, da mesma coleção, já é de 1990, e o
expediente é bem mais volumoso: editor; assistentes editoriais; preparação de texto;
revisão; diagramação; arte; produção gráfica; projeto gráfico; fotos; mapas;
composição; fotolito. Não que não tivesse havido na edição de 1985 preparação de
texto, revisão, diagramação etc., mesmo porque essas atividades são intrínsecas à
137
A edição de arte nos livros didáticos, deixou de ser mera “arte”, enfeite só para
embelezar o produto – ao menos para alguns profissionais do setor. Rosiane Oliveira
Silva, editora de arte da FTD, explica:
138
eficiente, mais ágil, que elas entendam melhor. Porque se você coloca
tudo muito partidinho vai tornar muito difícil.
Por exemplo, você fala de uma barata. Quando você ilustra um texto
que conta da barata, essa barata pode ter a fama que você imagina que
ela tem. Agora em Ciências, não. Ela só pode ser uma barata: ela tem
que ter as perninhas tal qual a barata, ela tem que ter a cor da barata.
Matemática, por exemplo: difícil para mim, eu acho difícil trabalhar,
colocar o visual. Como a gente ainda está muito viciado, de que em
Matemática é dois e dois e pronto, então, qualquer coisa que você faça
a mais já não pode. Mas eu acho que isso é uma questão pessoal,
profissional, porque têm outras pessoas que já adoram fazer
Matemática, Física, Química, que trabalham com mil fórmulas.
A ilustração..., por exemplo, se você coloca daqui para cima [da cintura
para cima], criança pequena não entende isso. Ela pensa que ele é
aleijado. Então, você tem que colocar as pessoas inteiras. Então, a
caricatura, por exemplo, é um humor muito refinado. Não adianta você
colocar para criança. Ela não entende. Então, os livros têm que ser
cuidados nesse nível. A ilustração tem que estar muito clara. Ela não
pode estar..., por exemplo, sugerir para criança: “você fala isso, ela
continua”. Para criança pequena não adianta.
Ou então exercício em que o enunciado começa numa página e vai na
outra. Não pode! O exercício começa na página e tem que terminar
aqui, para criança pequena. O tamanho da linha de escrever: tem que
deixar uma paginona assim. Inclusive, para pré-primário, tem que usar
[papel de] 90 gramas. Não adianta, tem que usar 90 gramas: não tem
essa de ele escrever só levezinho, se ele quiser, mete o lapisão mesmo.
Então, existe toda essa coisa que precisa ver, que as editoras foram
adquirindo aos poucos.
Todos esses conhecimentos, ao que parece, fazem parte de uma certa cultura
profissional. Em outras palavras, eles não foram adquiridos de um modo
“acadêmico”, pela leitura, por exemplo, de obras de psicopedagogia sobre legibilidade
e inteligibilidade. Não constituem ciência, mas um savoir-faire. Rosiane Oliveira
Silva afirma que esse saber foi se formando mediante “tentativa-e-erro”. E acrescenta:
Lizânias de Souza Lima, ao contrário, diz que fez estudos específicos, mas não
fornece muitos detalhes e logo muda de assunto:
Isabel Simões reforça a idéia de uma cultura consolidada, que pode até mesmo
ter tido origem em livros, mas que ninguém mais lê:
Tamanho do corpo para leitura, cor de papel, tipo – isso é uma tradição
antiga. Quer dizer, mesmo quando não havia grupos editoriais, só havia
o editor, o seu autor e a revisão, já havia um certo consenso. E há uma
literatura internacional sobre isso: textos corridos para você ler tem que
ser corpo serifado, pequenos textos podem ser sem serifa. Existem
estudos, sim..., mas são tão antigos e tão consensuais que ninguém mais
cita. Livro de curso primário tem que ter letra grande, as crianças não
conseguem ler letras pequenas – isso há estudos, mas são velhos. Ou
seja, há um consenso, há um conhecimento que já existe no meio; há
uma cultura que já indica essas coisas.
Paixão e orgulho
É uma coisa da criação mesmo, em que você vai pensando. Ela não tem
um limite, por exemplo, eu sento aqui e vou pensar só aqui. Não, sabe?
Eu vou embora, eu posso estar fazendo outra coisa, eu saio na rua,
qualquer imagem que eu vejo vai ser um estalo. Então, é um acréscimo
ou não. É uma coisa que vai acontecendo. E aí, como você vai
pensando sobre, você também tem o lado seletivo, você vai
142
Sandra Almeida diz que a sua relação com o autor não é profissional –
entendera “profissional” no sentido de “formal”, “burocrático”. Por isso, exclama:
Wilma Silveira Rosa de Moura conta a sua experiência de ter assumido a área
de 1 a 4a séries do 1o grau:
a
fácil mexer com material, mesmo escolher material, para pessoa que
tem tipo de formação semelhante à minha. Quando eu caí no mundo do
livro da criança foi uma outra realidade. Uma realidade muito
interessante. Gosto para caramba. Sou uma pessoa que tem um
envolvimento com o trabalho; até um certo ponto eu gostaria que fosse
um pouco mais equilibrado. Acabo fazendo disso assim, meio que a
minha vida, né?
O didático no livro
Para João Guizzo, quem determina o aspecto didático dos livros é o próprio autor,
porque o autor é que normalmente está em sala de aula; ele tem mais
contato, ele sabe mais. Então nessa parte da adequação do conteúdo à
faixa etária, a série em que o aluno está, a gente se baseia muito na
experiência do professor, nas pessoas que a gente consulta e no
trabalho do autor mesmo. Já o profissional do texto não pode interferir
muito, ele interefere mais na formulação, no tipo de linguagem usado.
diz “gosto” ou “não gosto”, “ah, eu acho que isso não dá certo”, e é
esse professor que vai escolher o livro. O analista conhece Pedagogia e
vai dizer: “Olha, esse livro, tem um problema aqui de seqüência, ele
pula daqui para cá, depois ele volta. Na verdade, tinha que ser o
contrário”. Ou: “criança dessa idade não consegue fazer esse
raciocínio”. E internamente nós temos pessoas que também têm
formação pedagógica, que têm uma certa experiência. Então elas falam:
“Olha, esse texto aqui, para 1a série, só o fato de ter três páginas – 1a
série, o aluno está aprendendo a ler, ele soletra ainda –, eu não posso
dar um texto de três páginas”. Não posso dar um texto em que está
cheio de aposto. Ou que tenha um período com cinco frases. Por
exemplo, textos para 1a série, textos de leitura complementar para 1a
série: procura-se nunca usar com “l”, porque o aluno está aprendendo
isso ainda. Para quem é alfabetizado pelo método silábico, o pla, ple,
pli, plo, plu, ou o pra, pre... ele vai ver lá depois. Então, você cria uns
textinhos em que não aparece esse tipo de sílaba. Depois, você vai criar
outro textinho lá na frente que já aparece..., quer dizer, isso para quem
adota esse método. Agora, o construtivista diz que não, que você tem
que enfiar qualquer palavra, que o problema é o sentido geral. No meu
caso, é bem mais cômodo. Eu estou no 2o grau, os problemas são mais
de conteúdo, de clareza, de coerência. Não há mais esse problema de
idade. Supõe-se que o aluno já está no lógico-abstrato.
Outro problema é de sacrificar o conteúdo em função da clareza. Vou
te dar um exemplo simples: estamos há muito tempo a falar da divisão,
que as pessoas não são iguais na sociedade, explicar o que é sociedade
e classe social. Classe é um conceito muito difícil e nós colocamos
“pobre” e “rico”, porque pobre e rico é uma coisa que, intuitivamente, a
criança sabe. Depois, tentamos concretizar um pouquinho mais esse
“pobre” e “rico”. Geralmente os “pobres” são empregados. Os “ricos”
geralmente são industriais, fazendeiros e tal – para aproximar mais um
pouquinho de classe. Quer dizer, entre a precisão do conceito e o
didático... Ou você vai explicar o que é um município. Se você quiser
dar uma definição muito política, de acordo com a Ciência Política,
você não consegue explicar. No entanto, é o que consta no programa de
3a série, às vezes, até de 2a série. Então, a explicação que você vai dar
do que é um município, ela tem que ser distorcida em função do
didático, porque a criança não vai entender a concepção política de
município. Se eu fizesse o currículo talvez tirasse isso da 2a série. Mas
se está na 2a série e tem que colocar porque está no currículo, então
você vai fazer um esforço muito grande: vai usar muita imagem, a
imagem que ele vai ter de município vai ser mais espacial, você vai
mostrar no mapa, vai ser mais situacional do que propriamente a noção
de hierarquia de poderes. Então, é uma loucura isso. Aí os caras vêm e
falam: “Está errado!”. É, sim, mas você diria isso de que jeito? Então, a
crítica do livro didático, muitas são fundadas, porque são coisas mal
feitas. E outras são só uma questão de não saber diferenciar o que é um
conceito elaborado cientificamente e o que é um livro didático.
Isabel Simões também aponta para a figura de colaboradores que dão suporte
pedagógico.
Mediação do mercado
Todos esses profissionais, que têm muito orgulho do que fazem, a ponto de
muitas vezes se identificar completamente com a empresa, ser-lhe porta-voz, não são,
porém, visionários românticos. Têm a plena consciência de que também prestam
tributo ao deus-mercado, ao qual o seu trabalho está subordinado. A empresa não se
filia a nenhuma ideologia ou corrente pedagógica; ou melhor, o mercado é sua
ideologia. Se lançam vários livros didáticos de uma mesma disciplina para as mesmas
séries é porque há nichos de mercado para cada coleção. É indústria cultural, sim.
Mas esses trabalhadores também acham que essa caracterização não pode
desqualificar automaticamente o seu trabalho e o fruto do seu trabalho. Perguntado se
a Ática tem uma concepção educacional própria, João Guizzo responde de imediato:
Wilma Silveira Rosa de Moura vai além e afirma que o fato de certos livros
atenderem a um mercado mais convencional, mas bem amplo, possibilita realizar
edições de obras mais arrojadas:
147
Crítica da crítica
5 Todos, isto é, todos aqueles a quem foi perguntado sobre as críticas ao livro didático.
149
eles dizem: “Não, eu tenho que analisar o que seria bom, eu não tenho
que dizer que Silvio Santos é bom só porque é o que o pessoal assiste”.
Eu já vi argumentos deste tipo de intelectuais relativamente
prestigiados.
Isabel Simões também acha que muitas das críticas nada tem a ver com a realidade.
A crítica do livro didático não sabe o que é livro didático, opina Lizânias de
Souza Lima:
Um desabafo
status é muito mais legal você publicar uma tese. Mas em termos de
trabalho, em termos de alcance social, você fazer um livro didático é
outra história. Você está participando da formação dessa moçada, dessa
criançada. Agora, é duro você se expor, porque é fácil você criticar o
livro; quero ver escrever. Então, isso eu fico muito irritada. A gente
está aqui, a gente está exposta. A gente está aqui levando bordoada de
tudo quanto é lado. E querendo arranjar gente boa para fazer o texto.
Agora, se não me aparecem autores à altura, eu tenho que trabalhar
com os autores que eu tenho. Eu tenho que trabalhar com aquilo que
chega, melhorando naquilo que eu posso, interferindo. O que a gente
tenta fazer? A gente tenta fazer os livros, os mais honestos possíveis,
dentro da proposta que chega. Às vezes, a gente percebe que o livro
tem um potencial, que o autor..., e que se você conversar um
pouquinho, ele vai por um caminho mais interessante. A gente tenta
isso e já tivemos coisas muito interessantes. Muito interessantes. Não é
fácil. Realmente não é fácil. Eu tenho uma consciência muito clara de
qual é a nossa função aqui: fazer livros que vendam e que sejam bons.
Eu quero..., realmente tento fazer livros serem bons. Mas eu tenho a
impressão de que o pessoal que faz as análises não é sério. Um pessoal
que só quer saber de ganhar dinheiro, que não está nem aí, que não
acha qualquer coisa. Um pessoal que nunca acompanhou um trabalho
editorial, que não tem a menor idéia de que para fazer um livro didático
como esse, que eles rejeitam em cinco minutos, a gente demora uns
dois anos para fazer, trabalhando duro.
Capítulo 7
Autor: professor no texto
Por isso, segundo Oliveira et alii (1984), o “autor é uma peça na engrenagem e acaba por
ganhar muito dinheiro quando faz a máquina editorial funcionar bem” (p. 74). Talvez
rico, mas desprestigiado, o autor aparece para muitos críticos do livro didático como
traidor, que vendeu a alma e a Educação no Brasil para a indústria cultural, para o
capitalismo, para o projeto de dominação burguesa etc. Mesmo que não seja assim, há,
segundo Oliveira et alii (1984), uma
Mas quem são esses autores, de quem se faz uma condenação tão genérica quanto
moralista? Embora sem pretender quebrar o sigilo bancário de ninguém, talvez fosse
interessante averiguar melhor o perfil dessas pessoas, levando em conta também que essas
condenações foram levantadas em outras épocas.
155
Autoras, autores
Quadro 4-1
Autores com mais de dez livros didáticos
e paradidáticos publicados
Brasil
1995
escreveu duas coleções de História Geral para o 1° grau: a que é formado por dois livros
intitulados História geral e a que se compõe dos livros História geral – Antiga e
Medieval e História geral – Moderna e Contemporânea. Também escreveu, para o 2°
grau, dois livros denominados História do Brasil. José Ruy Giovanni é autor de várias
coleções de livros intitulados A conquista da matemática, algumas das quais em parceria
com seu filho José Ruy Giovanni Jr. Biologia merece exposições variadas por José Luis
Soares, em duas coleções, da Scipione, para o 2° grau. A primeira é formada por:
Biologia básica. Volume 1. Células/tecidos/embriologia;
Biologia básica. Volume 2. Seres vivos/estruturas/funções; e
Biologia básica. Volume 3. Genética/evolução/ecologia.
Por fim, como que a resumir tudo isso, o autor também publicou pela Scipione o livro
Biologia. Volume único, para o 2° grau.
Os prestigiados
1.A obra em questão é Gérard Lebrun, Blaise Pascal. Voltas, desvios e reviravoltas, São Paulo, Brasiliense
(col. Encanto Radical n° 26), 1983. Mesmo composto em corpo 9, o livro tem 132 páginas (mais quatro de
publicidade), cerca de 20 páginas a mais do que o padrão da coleção.
159
sucesso de Marilena Chaui, O que é ideologia – da coleção “Primeiros Passos”, que pode
ser considerada um dos ancestrais dos paradidáticos –, também da Brasiliense, não ficou
tão grande como o de Lebrun, mas a obra ali anunciada, da mesma autora, O que é
repressão sexual, teve de ser publicada como um livro “comum”, tamanho normal
(14 cm x 20,5 cm), com 235 páginas, sob o título de Repressão sexual: essa nossa
(des)conhecida, em 1984, quatro anos após o anúncio.
A menção a esses autores não vem por acaso. Em julho de 1982, a revista IstoÉ,
anunciando o lançamento “nos próximos meses” (sic!) do “livrinho sobre repressão
sexual”, comentou a respeito da participação desses intelectuais nesse mercado então
considerado muito “comercial”, ou seja, sujo:
2. A respeito do impacto de O que é ideologia, que teria vendido em pouco mais de um ano cerca de 120 mil
exemplares, ver Hallewell (1985 p. 556).
160
Após esta citação, o livro já retornou à estante onde aguardará o leitor do futuro.3
Os autores profissionais, no entanto, não podem aguardar pela revolução que
tirará sua poesia não do passado, mas do futuro. Porque vivem uma situação de mercado –
sua atividade não é diletante, mas é ganha-pão! – não podem se dar ao luxo de pensar
num livro em que gostariam de ter estudado. Seu público é real e presente. Afirma
Gilberto Cotrim, presidente da Abrale (gestão 1996/1988), ao narrar sua trajetória como
autor de livros didáticos de História:
3. O mesmo autor, que nos anos 70 participara com Antonio Mendes Jr. e Ricardo Maranhão, da elaboração
de Brasil História. Texto e consulta, um “quase-didático” da Brasiliense, apresentou um balanço dessa
experiência em 1979, durante a 31a Reunião Anual da SBPC, realizada em Fortaleza (Roncari 1980). Ali ele
reconheceu que a obra, ao pretender apresentar uma abordagem que fosse alternativa à história “oficial”,
“patrioteira e hagiográfica” (p. 46), acabou por “se fechar numa compreensão um tanto quanto acabada da
história” (p. 48). Mas essas limitações eram “limites [...] em boa parte dados por uma conjuntura à qual ele [o
livro] se prendeu muito estreitamente. Fizemos um livro de oposição, o que não é um mal em si mesmo, mas
de uma oposição que procurava apenas os pontos em comum, que na maior parte se definiam pela negativa,
pelo contra, mas que ainda não discutia suas diferenças internas e nem suas divergências” (pp. 47-48).
Roncari talvez quisesse dizer que aquela coleção ainda não constituía o livro para futuro. Mas certamente era
um livro do presente, com todas os vícios que isso pudesse acarretar.
162
Percursos
Editora não é gráfica que imprime o texto que o autor entrega. Mexerá no texto,
exigirá reformulações, fará adaptações e estabelecerá cláusulas e obrigações. O autor será
autor porque nunca mais deixará de reescrever o seu texto. Relembra Francisco Moura:
minha surpresa, o trabalho que eu tive depois, com discussão com editor,
trocar unidades inteiras. Muitas vezes é aí que começa o verdadeiro
trabalho, é no pingue-pongue, vai e volta, de uma leitura crítica para
perceber inadequação de linguagem; a gente tem que reescrever; cortes em
função do número de páginas; pequenas alterações – isso demora. O
primeiro livro de 5a série foi escrito três vezes. Nós fizemos um primeiro
material extremamente difícil, inadequado, segundo o editor e alguns
professores. O segundo material ficou, digamos, extremamente facilitado;
nós chegamos num material mais adequado numa terceira vez. É, então,
um trabalho muito demorado, que a maioria do pessoal ignora. E eu
percebi a importância, por exemplo, de um assessor editorial, de um
editor, do revisor. A gente tinha a pretensão de que não deixava escapar
nada, que isso era tudo muito tranqüilo – e não é. Então, foi um longo, um
longo aprendizado.
Para Maria Lúcia de Arruda Aranha esse aprendizado significou tornar-se mais
consciente dos problemas e dos vícios de linguagem:
A gente não tem idéia disso, né? A gente não sabe, por exemplo, o que é
um trabalho do preparador, que é um trabalho que eu respeito muitíssimo
– é lógico, quando a gente pega um bom preparador. Porque o bom
preparador tem que ser suficientemente generoso para saber que tem que
contribuir para o texto ficar mais claro, mas que não pode estar querendo
ocupar o lugar do autor. Eu já encontrei gente desse tipo, de querer
reescrever o meu texto.
As alterações [no primeiro livro] foram só de linguagem, por exemplo, em
trechos poucos claros ou quando havia vícios de linguagem oral. Isso é
muito típico de quem..., de professores escrevendo o seu primeiro livro.
Então, eram ajustes que foram, assim, bastante benéficos e que me
ajudaram, inclusive, a aprender um pouco mais a escrever. Uma coisa que
ficou muito clara desde o início é que a gente não podia fazer parágrafos
longos demais; então, se você olhar os parágrafos sempre são curtos. Uma
preocupação para ver se o sujeito não estava oculto..., uma preocupação
em não fazer frases arrevesadas, que comecem pelo complemento... E uma
preocupação na exposição do mais concreto para o abstrato. Nunca
começar de chofre com conceitos que possam assustar os alunos, mas
sempre ir chegando neles até para eles verem que precisam usar os
conceitos e que existe um rigor no uso desses conceitos. Mas partindo, de
certa forma, do universo deles. Então, esse cuidado com a linguagem a
gente colocou realmente como imprescindível para o trabalho.
Já Luiz Imenes passou por editora que praticamente era quase uma gráfica. E ressalta o
amadurecimento do setor editorial e o aprendizado mútuo, do autor e da editora, cuja
relação é muitas vezes conflituosa:
publicado, houve uma revisão de português e nada mais. Isso não é edição.
No Telecurso houve uma edição, só que quem participou da edição não fui
eu, foi o Jakubo. Então, eu não vivi esse processo. Eu fui viver esse
processo de edição de uma obra em 86, 87, com a coleção Vivendo a
Matemática. Lá é que eu comecei a despertar para isso. Alguns dos
volumes da edição fora reescritos sete, oito vezes. É claro que a gente
como autor, reage sempre com um pé atrás quando alguém quer mexer no
texto da gente. Só que com o tempo você vai aprendendo que essa
intervenção, desde que seja séria, competente, de uma outra pessoa na sua
obra, e desde que você não saia do lado, desde que você esteja
participando disso o tempo inteiro, essa intervenção, ela enriquece a obra,
ela é necessária, e eu acredito que é a verdadeira fórmula para se produzir
um texto. Hoje, eu..., esse processo se inverteu, quer dizer, se há anos atrás
eu reagia quando alguém queria meter a colher no meu mingau, hoje é ao
contrário, eu tenho perfeita consciência de que não devo publicar
absolutamente mais coisa alguma sem passar por esse processo de edição.
Agora, isso não dá para generalizar. A gente nota que quem não tem essa
prática reage como eu reagia também. Em suma, tem muita briga entre
autor e editor.
Então, esse é um processo de amadurecimento, que eu acho que é um
processo de amadurecimento do setor. Você vê que a coisa é recíproca, os
técnicos de edição tem que conhecer qual é a sua participação no processo.
Eles não são autores, eles não podem ser autores e eu não posso ser editor.
É aprender a trabalhar em equipe, aprender a trabalhar em conjunto,
entender as razões do outro. Por que ele sugere que eu modifique esse
texto? Por que essa ilustração aqui não cabe? Por que esse tipo de
linguagem – seja ela a linguagem da ilustração, a linguagem do texto – por
que ela não está adequada? Essas questões todas a gente vai aprendendo.
Agora, as editoras estão aprendendo aos poucos que o mercado vai se
tornando mais exigente. Elas vão formando suas equipes também. Eu vejo
como as coisas mudaram, hoje você tem pessoas nas editoras que sabem
fazer esse trabalho. Quando eu comecei não se investia. Naquela época,
editora era gráfica. Editora não editava, editora imprimia, rodava.
Em tudo que eu fiz até hoje, eu consigo me reconhecer. Em tudo. Não tive
nenhuma experiência negativa nesse ponto. Agora, é preciso ponderar o
seguinte: às vezes, o autor briga para estar presente no processo e não
consegue. Ele é alijado do processo. Isso eu estou falando de casos que eu
conheço. Mas nem sempre ele faz questão de participar do processo
também. Às vezes, ele entrega o original e depois quer ver a obra pronta e
não quer saber, não participa de revisão e tal. Eu acho que uma condição
para a gente se reconhecer na obra é você entender o que é edição.
Respeitar esse trabalho, apoiar esse trabalho e estar junto dele o tempo
inteiro. Isso dá um trabalho. Ontem, saí da editora às 10 horas da noite,
porque eu estava revendo um capítulo do livro da 5a série. Primeira prova.
E aí você tem que ter uma atenção, fazer as contas de novo, conferir
gabarito, ler palavra por palavra, porque apesar de ter passado pela
revisão, escapa, sempre escapa alguma coisa. É terrível. Então, acho que
para conseguir isso não é de graça. Dá muito trabalho para você se
reconhecer na obra, e outra: acho que para o autor se reconhecer na obra é
preciso de fato que seja uma obra, está certo? É preciso que ela tenha algo
de novo, que tenha uma proposta, que tenha uma continuação. Se é mais
uma, se é para fazer mais uma.... bom, então, eu não vou me reconhecer
nunca, porque é igual àquelas que já existem. São erros também que se
cometem com freqüência.
171
No princípio era difícil. Numa aula você usa uma determinada linguagem
para atender aquele instante, uma pergunta do aluno. No livro, essa
linguagem às vezes você não pode usar. Você usa na aula uma imagem
que para o aluno naquele instante tem um certo valor..., de aprendizagem.
Só que essa imagem você não pode colocar no livro, porque às vezes ela
não é cientificamente correta. A imagem só serve para aquele instante.
Aqui na FTD temos mais ou menos um procedimento assim: nós fazemos
a nossa parte que seria a parte inicial, que é fazer os originais. Feitos os
originais, eles são levados para o editorial; no caso o editorial de
Matemática, onde temos um grupo de especialistas que vão examinar.
Além disso, o editorial de Matemática costuma passar esse livro para
professores que estejam na ativa, justamente para que eles sintam, para
fazer uma crítica, uma análise, se o livro não está muito distante da
realidade. Então é preciso colocar o pé no chão. Além disso, nós temos
uma equipe que monta, faz a montagem do livro, um projeto. Esse projeto
é discutido com o autor, o autor dá suas sugestões. Às vezes, há conflito
entre o artista que faz o projeto e o autor que queria uma outra coisa, mas
sempre procura-se chegar a um denominador comum. E depois as próprias
ilustrações, que são muito importantes – eu considero que o livro tem que
ter uma ilustração séria. Embora possa haver ilustrações que sejam
infantis, mesmo essas ilustrações devem mostrar um caráter de seriedade,
porque a Matemática é uma matéria séria. Além disso, as ilustrações não
podem ser colocadas, jogadas à toa no livro, sem que elas digam nada com
aquilo que está no conteúdo. Então, aqui da FTD, nós examinamos todas
as ilustrações, o autor faz as indicações de fotografias, inclusive. Às vezes,
o próprio autor, quando ele tem assim uma fotografia mais específica, o
próprio autor tira as fotos. E depois, então, cada colocação no livro é
analisado não só pelo autor, mas também pelo departamento de arte para
que a gente veja se aquela ilustração, aquela fotografia, diz respeito, está
boa e assim por diante. Então, é todo um trabalho em equipe, na realidade.
Hoje não é só escrever, colocar no papel, entregar e esquecer. Não, é todo
um trabalho de acompanhamento para mostrar justamente a seriedade
desse trabalho.
Há um ponto aí que acho que é crítico nessa história: como diz a Sílvia
Magaldi [que dirigiu o Telecurso], “nós todos somos da geração
Gutenberg, fomos formados na palavra impressa”. E as coisas hoje não são
assim, quer dizer, a imagem tem uma força fantástica. E aí, como é que eu
faço – no meu caso, um texto de Matemática – como é que eu uso a
imagem como texto? Eu não aprendi a fazer isso, eu estou aprendendo e
172
estou aprendendo graças aos meus colegas que entendem disso, que
entendem de programação visual, de linguagem gráfica, que sabem fazer
história em quadrinhos.
Eu vou falar de duas experiências, uma nesse trabalho que a gente está
produzindo agora. Essa relação do autor com arte, ela está, nesse caso,
sendo intermediada pela editora. Nós fizemos um guia para cada ilustração
da obra. Nesse guia a gente coloca todas as características da ilustração, o
que ela deve contemplar, como é que a figura dever ser. Bom, no caso de
uma obra de Matemática, boa parte das ilustrações é técnica; então, aí não
tem nem muito o que inventar, são figuras geométricas. Agora, há uma
outra parte de figuras, digamos, técnicas em que há espaço para criação, a
gente pede a criação deles, do ilustrador. Você dá as determinadas
características que ele tem que contemplar e, contempladas as
características, então ele deve ser criativo, bolar uma coisa interessante.
Por exemplo, para reproduzir a solução de um aluno com um problema
qualquer, a gente, às vezes, usa história em quadrinhos, humor inteligente,
educativo. Aí é fundamental a criação do artista. Aí é o espaço de ele criar.
Então, isso está sendo... nesse trabalho está sendo conduzido dessa forma.
Agora, a outra experiência que a gente teve na relação com a arte, foi na
coleção “Pra que Serve Matemática?”. Ela tem uma equipe de ilustradores:
Paulo Tenente – é relativamente conhecido, trabalhou na Abril –, o
Cláudio Atílio e a Cecília [Iwashita]. Bom, cada uma dessas ilustrações foi
discutida com a equipe, os três autores, mais os três ilustradores,
discutindo cada uma dessas ilustrações. Quer dizer, no original da gente
havia uma indicação do que a gente queria, e sentávamos, conversávamos
sobre o que a gente desejava. Então, esse foi um trabalho em que não
houve intermediação.
Marcelo Lellis completa as informações de Luiz Imenes, seu parceiro, a respeito da arte
do livro que tinham acabado de concluir:
Parcerias
Não é rara a co-autoria em livros didáticos. Seja qual for o tipo de divisão de
trabalho estabelecido entre parceiros, um aspecto da co-autoria é valorizado por todos: a
crítica mútua e constante. Maria Lúcia de Arruda Aranha descreve o sistema que adota:
173
Com a Maria Helena, a gente realmente fez uma divisão de tarefa, porque
a Maria Helena dá aula aqui, dá aula na ECA [Escola de Comunicação e
Artes, da USP], mas ela mora em Campinas [interior de São Paulo]. E a
gente tem contato, mas não é um contato muito freqüente. Então,
dividimos tarefas: ela tinha as unidades que ela tinha que trabalhar, eu
tinha outras. Aí, a gente trocava idéias em função dessa estrutura inicial do
livro, de como ele haveria de ser montado em cada capítulo, quais os
critérios que norteariam o nosso trabalho. E depois a gente fazia
individualmente e trocava os capítulos feitos. Então, eu lia o que ela fazia,
ela lia o que eu fazia e, em função das nossas críticas, a gente ia
retrabalhando. Eu acho que a gente tinha muita afinidade anterior, pelo
fato de já ter trabalhado junto na escola, né? Em duas escolas, porque ela
trabalhou também no Palmares e depois no Galileu. E aí o livro era feito
assim, não era tão a quatro mãos. Quer dizer, ela tocava uma partitura e eu,
outra.
No caso da parceria entre Luiz Imenes, Marcelo Lellis e José Jakubo, a co-autoria é um
procedimento mais meticuloso e complexo, cheio de regras implícitas. A palavra de
ordem é reescrever, reescrever, reescrever. É Lellis quem explica:
Eu vou me referir a esse último trabalho que a gente fez e que vai estar
publicado agora em agosto [de 1996]. Essa obra, eu comecei a pensar em
1988. Eu tenho um caderno aqui..., início desse trabalho..., me enganei
[folheia o caderno]: “11 de agosto de 87 A Matemática de 5a a 8a série”, e
tinha um título que eu tinha posto Matemática e Vida, que acabou virando
nome de uma coleção da editora Ática. Nessa época eu estava sozinho;
posteriormente, eu retomei isso com o Marcelo [Lellis]. Aí, sim, em 88.
Aqui estão... idéias para o título..., características da obra – são anotações
assim completamente desordenadas. Tempestade mental mesmo..., você
vai botando coisas no papel, as idéias importantes, o currículo básico da
nova proposta curricular da Cenp [Coordenadoria de Estudos e Normas
Pedagógicas, da Secretaria do Estado da Educação de São Paulo], que na
época era nova. Temas por série, “importante valorizar Matemática e
Arte”, “Matemática e Física”, “o livro precisa trabalhar para facilitar o
trabalho do professor e do aluno”... Aqui tem um monte de anotações..., eu
nem sei mais a ordem dessas páginas, porque eu ia para trás, voltava. Aí,
entrou o Jakubo, depois deu uma série de erros. Aí, já é 93. Bom, esse é
um registro desse trabalho.
José Ruy Giovanni já teve vários parceiros, mas agora trabalha com seu filho,
José Ruy Giovanni Jr. Para ele a identidade de pensamento é fundamental para o sucesso
da parceria:
livro meu que não deu certo. Foi realmente uma decepção. É um livro
excelente em termos de idéias, de conteúdo, é um livro excelente. Então,
esse livro é chamado de “livro muleta”, ou seja, o professor usa sempre
que ele precisa, para tirar dúvidas. Mas ele usa embaixo do braço. Ele não
adota para o aluno, porque o aluno não vai saber, está muito além da
capacidade do nosso aluno médio. Talvez há 20 anos ele tivesse sido uma
beleza. Mas, hoje, dentro da realidade nossa em que você vê, por exemplo,
Norte e Nordeste com quase 70% de professores leigos... Então, dentro
dessa realidade foi um livro que realmente é muito bom para prateleira,
para consulta, mas não é bom para aula.
Quem é o leitor?
Para quem o autor escreve? Como ele imagina que o seu livro será utilizado? Da
definição dessas questões depende a elaboração de propostas propriamente didáticas do
livro. Gilberto Cotrim imagina um perfil do “público médio”, em que a figura do
professor – ou professora, como faz questão de ressaltar – adquire contornos mais
precisos:
Para José Ruy Giovanni, ele faz livro “para o Brasil”. Mas ele tem a plena
consciência de que esse “todo” é bastante segmentado e, por isso, diversifica a sua
produção, pensando principalmente nos professores que vão adotar seus livros:
Propostas didáticas
Como os autores fazem adequação, agora não editorial, mas didática de seus
textos visando esse público? Ao que parece, do mesmo modo que entre os editores, há na
maioria autores entrevistados um savoir-faire implícito, não formalizado, que decorre da
experiência pessoal de sala de aula e de feedback fornecido pelos professores e alunos que
utilizam seus livros. Por exemplo, Maria Lúcia de Arruda Aranha:
José Ruy Giovanni também apóia-se muito no feedback dos professores. Além
disso, realiza pesquisas sobre a utilização de seus livros in loco:
Nós procuramos sempre conversar com os professores e aplicamos as
nossas idéias nas escolas nos diversos níveis. Então, por exemplo, o meu
filho trabalha numa escola de nível “A”, que é o Lourenço Castanho. Lá
ele aplica as idéias, temos os resultados, avaliamos. Eu tenho amigos que
179
uma pesquisa, que é feita junto com alunos e professores. Isso nós
continuamos fazendo, além da nossa experiência em sala de aula, que eu
acho fundamental.
É evidente que há um embasamento teórico, também. Mas isso não ocupa
o primeiro lugar, quer dizer, em nenhum momento nós procuramos
adequar o nosso material a uma teoria construtivista, por exemplo, ou a
uma outra teoria x ou y. Quer dizer, o que importa é uma análise de
mercado do que o professor está precisando, do que o aluno realmente
gosta, mas que tenha também um certo desafio. A gente sempre procura
inovar, o que aconteceu, por exemplo, com o nosso primeiro material, de
5a a 8a série. Eu acho que nós exageramos um pouco no desafio. Foi um
material que foi bem aceito pela academia, pelos professores também, mas
não vendeu muito. Por quê? Porque nós resolvemos inovar e inovamos
demais para a época, por exemplo, abolindo análise sintática na 5a e na 6a
série. Daí a gente percebeu que tem de haver uma dose de inovação, mas
tem que tomar muito cuidado. E isso é muito difícil de fazer. Quer dizer, a
gente procura sempre fazer material que seja adequado, mas com
conteúdo.
Marcelo Lellis fornece mais elementos sobre esse movimento, que é internacional
e multidisciplinar, e mostra como isso está presente em seu trabalho:
Nesse último livro, a gente escreveu um livro que possa ser usado – e, na
verdade, só possa ser usado por um professor que esteja de acordo com
essas idéias, também. O livro determina o tipo de atividade e o tipo de
aula. É claro que ele dá liberdade para o professor criar, mas o professor
tem que estar em comunhão com essas idéias; senão, o livro não vai ser
um livro útil para ele. Agora, como isso foi operacionalizado no livro é
complicado explicar, porque foram uma série de detalhes técnicos. Por
exemplo, é um livro de Matemática que contém interpretação de texto, o
que é uma raridade. Para falar a verdade, o texto do livro de Matemática
nunca é usado pelo aluno. Mas nesse, se o professor resolver fazer
interpretação de texto, então, o aluno vai ter que ler o texto. Também é um
livro que propõe jogos, ações e coisas assim. Então, o livro, realmente, é
para quem é da turma, para quem acredita nesse tipo de ensino. Ele não é
uma lista de conteúdos.
Também foi estabelecido uma clara distinção entre texto e exercícios,
porque é fundamental que o texto seja lido; então, o texto tem que ser
grande, amplo. O exercício tem que ter outro corpo, para ficar bem claro a
separação. Tradicionalmente, no livro de Matemática somente os
exercícios eram usados. No nosso tem que ser usado o texto, porque os
exercícios se referem ao texto, tem uma parte que o ensino está no texto e
na interpretação de texto. Então, a diagramação do livro dependeu
inteiramente dessa proposta pedagógica, quer dizer, a proposta pedagógica
está implementada pelo livro mesmo, o livro é o tal instrumento que a
gente quer. Ele não contém apenas os exercícios, não contém apenas
idéias; ele é um objeto cuja organização, cuja construção está de acordo
com as idéias que a gente pretendia. Essa concepção a gente adotou para
garantir que o livro fosse utilizado totalmente. Para que ele fosse mesmo
instrumento de trabalho. É claro que ele não precisa ser o único, mas você
não pode usar o livro como se usava antigamente: “Façam os exercícios” e
acabou. Esse livro é um objeto obrigatório para ser usado.
Profissionalização do setor
Achavam que fazer livro era imprimir um texto na gráfica – e era isso mesmo, como
lembram Luiz Imenes ou Jaime Pinsky (Capítulo 6). Desse tempo para cá, o que mudou,
na percepção dos autores? Gilberto Cotrim dá o seu depoimento:
Rotina de trabalho
Eu levanto, mais ou menos, umas 7h00, 7h30, e até tomar café, ler jornal
etc..., eu começo, sento no computador umas 9h00, 9h15 da manhã. Aí, eu
trabalho o dia inteiro. Quer dizer, eu páro um pouquinho para almoçar e
retorno. No fim do dia, 17h30, 18h00, eu dou uma paradinha para banho,
um lanche, uma distração qualquer. Às vezes, ainda compulsivamente eu
retorno ao serviço e fico até umas nove [21h]. E aí é a hora que começa o
movimento em casa, que chega marido, filho, e aí a gente vai jantar. Todo
dia! Isso é interrompido por algumas atividades domésticas, por exemplo,
sair para ir ao supermercado, fazer uma ou outra compra de emergência. Ir
à editora. Geralmente eu vou à editora por causa da coleção [“Logos”], eu
vou a cada dez dias, mais ou menos. Também faço outros serviços para
editora, eu faço muita leitura crítica para paradidáticos de outras coleções
da Moderna. Eles têm uma coleção chamada “Polêmica”, eu faço muita
leitura crítica. E eles estão lançando uma nova coleção, e eu não só
coordenei dois desses livrinhos, como fiz todos os encartes dos dez livros
dessa coleção que estão lançando.
Aula, faz dois anos que eu parei, já me aposentei. Então é só escrever. Mas
não sobra tempo para nada, para nada, porque eu estou com cinco livros
escritos, cinco livros didáticos para Moderna: Filosofando, Temas de
filosofia, Filosofia da educação, História da educação e Maquiavel. O
Maquiavel é paradidático. Esse eu não vou precisar mexer tão cedo,
espero. Mas os outros, eu já refiz o Filosofando, terminei esse ano a
revisão do Filosofia da Educação e do História da Educação, e agora vou
185
A rotina de Gilberto Cotrim já prevê espera em filas de bancos. Mas também não
é muito diferente de seus colegas:
Cursos
Gilberto Cotrim prossegue na descrição de sua rotina para lançar um novo tema:
Ah! Outra coisa: acho que toma muito tempo, isso é uma novidade da
rotina de trabalho do autor: são os cursos que o autor dá. Isso começou a
se tornar muito intenso de quatro anos para cá: faz parte do trabalho do
autor, treinar professores. Não basta ele escrever um livro. Isso não está no
contrato. Então, é uma coisa curiosa. O direito autoral, hoje, remunera
também os cursos que o autor dá. São cursos – antigamente a gente dizia
que eram palestras –, mas não são palestras, são cursos. Cursos de dois,
três dias com um grupo de professores. E eu tenho sentido, cada vez mais,
que esses cursos não têm um caráter assim, de propaganda do livro.
Alguns autores fazem propaganda do livro, mas há um bom segmento que
não faz propaganda. Eles dão cursos sobre aspectos da matéria que eles
julgam conhecer mais, ou se interessam mais. Então, há um caráter de
treinamento de conteúdos e também, muitos autores, dependendo da sua
experiência, fazem treinamentos também na área de prática do ensino.
Trazem técnicas pedagógicas para o professor associadas à sua matéria,
que eles acabam desenvolvendo, aprendendo, propondo em suas
atividades. Isso tem sido muito intenso. É muito comum ao autor no
segundo semestre, que é um período mais dedicado a esses cursos, ficar
semanas fora de casa, viajando pelo Brasil, ou dentro de São Paulo
mesmo. Interrompe a sua atividade de escrita. E ele não recebe. Não
recebe! Uma coisa hiper-excepcional, às vezes, é uma entidade que te
convidou pagar uma coisa meio simbólica para você. Mas, não, isso não é
regra. Isso já ficou uma prática sedimentada, as delegacias de ensino, as
escolas falam: “Adotamos o livro do autor tal, mas gostaríamos que o
autor viesse aqui para falar um pouco do seu trabalho para o corpo de
professores que vão trabalhar com o livro”. E ele vai lá, fica dois, três dias,
explicando um pouco do que ele pensa sobre Educação; às vezes os temas
são propostos pelos próprios convidados.
188
Para Elian Alabi Lucci, os cursos são a ocasião para ouvir a opinião dos
professores sobre os livros que produz:
Luiz Imenes viaja constantemente e gosta de manter contato com seu público.
Mas se queixa da incompreensão de que é vítima por parte dos intelectuais universitários:
Maria Lúcia de Arruda Aranha decidiu que não vai mais participar dos cursos::
De início, eu viajei muito. Fui para o Pará, fui para Mato Grosso, para o
interior de São Paulo, para Brasília, para Vitória. Mas, de repente, eu
comecei a me recusar a ir, primeiro, porque era muito penoso para mim.
Eu, apesar de ter sido professora anos e anos e anos, eu não gosto de
platéia. Eu gosto do meu trabalhinho aqui no escritório e sem muitas
movimentações. E depois eu fiquei me questionando se valia a pena
mesmo fazer esse tipo de trabalho, parece-me que o professor de Filosofia
não precisa tanto dessa tutela. Então, o que acontecia? Eu ia para essas
palestras sem saber muito bem qual era o público que eu ia encontrar. Às
vezes, acontecia de ser aluno de faculdade. Às vezes, era aluno de 2o grau.
Às vezes, era professor de faculdade. Então, é uma situação muito difícil,
porque se você vai preparar alguma coisa, você tem que saber qual é o seu
público. E eu fui um pouco a esse tipo de trabalho e fui ficando mais
quietinha no meu canto. Eu não gosto...
A editora não obriga. Os professores que vão, sentem-se na obrigação.
Mas sabe o que eu acho que é o problema? Há uma disputa muito grande
de vendas, né? Há uma competição muito grande. Pode ser que em
Filosofia venha haver, mas ela não é o filé mingon das editoras. Um livro
de Filosofia vende muitíssimo menos do que um de Português, de
Matemática. Então, eles não me obrigam a isso.
A história de José Ruy Giovanni é bem diferente. Ele é um desses raros autores
que a editora contrata como se fosse funcionário. Também por isso, ele está disponível
para viajar e participa de muitos cursos:
190
Profissão: autor
Hoje em dia, no nosso caso, depois de 15 anos com um livro bem colocado
no mercado, dá para viver como autor, sim. Eu acho que eu poderia dizer
que hoje posso viver só como autor. Mas depois de quase 15, 16 anos de
trabalho.
Luiz Imenes explica que na verdade vive de antecipação dos direitos autorais:
192
O meu rendimento básico vem desse trabalho com livro didático. Eu não
estou vivendo de direitos autorais, estou vivendo da antecipação de
direitos autorais. Isso funciona assim: as obras que estão publicadas me
rendem um tanto que é insuficiente para eu viver bem. A editora me
antecipa o direito autoral, que é maior do que essa receita, de tal modo que
todo mês eu tenho um saldo negativo que vem se acumulando, que eu
espero pagar com a próxima obra que eu organizar. O esquema está sendo
assim. Eu não me orgulho disso não. Eu gostaria de estar vivendo de
direitos autorais. O dia que eu conseguir isso eu vou ficar feliz. Além
desse trabalho com a autoria de livro, eu faço um monte de outros
trabalhos que tem alguma relação com livro. O autor quando dá a sua obra
a público, ele passa a ter um compromisso com esse público. Então, a
gente é muito solicitado para ir às escolas. E esse trabalho a gente faz sem
remuneração, quase sempre. Além disso, eu estou trabalhando também
com educação à distância. Continuo nessa área, e estava até recentemente
com o Projeto TV-Escola. Além disso, na PUC de Campinas eu tenho
participado regularmente de um curso de especialização em Educação em
Matemática e dado aula nesse curso há cinco anos. Esse vai ser o quinto
ano. Então, isso eu tenho feito muito. Agora, sem o vínculo empregatício,
eu sou autônomo.
Bom, do ponto de vista pessoal, eu custei muito, relutei muito a assumir
esse trabalho com o profissionalismo que eu dedico a ele hoje. Porque é
inseguro, porque você conhece meia dúzia de pessoas que vivem de
direitos autorais nesse país, porque a gente sabe que existe uma disputa de
mercado muito grande, que você vai estar no meio disso. Por outro lado,
eu vinha publicando, e publicando como? Você escreve de madrugada,
sábado, não tira férias, quer dizer, num esquema nada profissional.
Sacrificando um monte de outras coisas. E a coisa chegou a um ponto que
eu tive que tomar uma decisão: ou desisto de fazer isso ou se eu quiser
continuar, para fazer direito as condições têm que ser outras. E como eu
gosto desse trabalho e acho que ele é uma contribuição significativa, eu
arrisquei. Agora, confesso que pessoalmente é uma coisa bastante
incômoda, porque tenho uma dívida com a editora. Não perco o sono
porque não é uma dívida bancária, mas isso incomoda. Estou com 51 anos
e não dá para brincar.
Por outro lado, trabalhar em casa foi um aprendizado também. A
autonomia é muito boa, mas..., se você não tomar cuidado, você dança. É
preciso aprender a trabalhar em casa, a família se educar para isso. Eu
estou aqui, mas eu não estou de férias, eu não posso ir à feira, eu estou
trabalhando. É uma coisa difícil. O que fazer? Eu melhorei muito, mas
ainda não está legal, tenho que trabalhar sábado e domingo, tenho que
educar a família com isso. Então, digamos que esse é o lado pessoal da
coisa. Ainda outro lado pessoal: esse é um trabalho que tem uma dimensão
angustiante, são quatro anos para você produzir uma coisa e vê-la
publicada. Tem sido assim. O paradidático você vê o filho nascer mais
depressa, dois anos, três anos no máximo. A coleção [de didáticos], não.
Ela tem que nascer..., os quadrigêmeos nascem juntos, né? Então, é
angustiante, é um processo muito longo. Agora que eu estou chegando na
reta final desse de 5a a 8a, vai dando uma ansiedade, você quer ver o livro
pronto. É um parto. Isso gera bastante ansiedade.
Nos últimos cinco anos, deu para viver como autor profissional. Em parte,
porque a editora me adiantou. Durante bastante tempo ela me pagava
salário – não salário, ela me pagava um adiantamento de direitos autorais.
Ela já recuperou tudo. Esse ano, por exemplo, foi o primeiro ano que eu
fiquei quite com a editora, quase o ano inteiro. E, agora, no fim do ano,
acabou meu dinheiro, eles outra vez me deram adiantamento. Então, deu
para viver e deu para viver um pouco melhor do que como professor.
Porque como professor eu não só tinha horários rígidos, mas estava no fim
de semana corrigindo prova. Agora, eu estou no fim de semana
escrevendo, mas tudo bem, há fim de semana em que eu não escrevo. Lá,
se eu não corrigisse a prova seria uma tragédia. Eu também ganho mais,
ganho um terço a mais do que como professor. Porque eu era um professor
que ganhava acima da média, trabalhando em colégio particular etc. Mas
eu ganho um pouco mais ainda como autor.
Problemas que enfrento como autor..., olha, especificamente, no meu caso,
porque eu tenho uma pesquisa que é muito sofisticada em relação à massa
dos professores, então, o problema que eu tenho é um certo tipo de
isolamento, uma dificuldade de dialogar. E esse isolamento me atinge do
ponto de vista emocional, porque há poucos autores e poucos professores
com os quais eu posso dialogar no mesmo plano. A não ser nos congressos
de Educação Matemática. Mas, aí, também eu sou uma pessoa isolada,
porque eu sou o autor e não... um acadêmico. Porque os acadêmicos estão
lá no grupo e eles têm uma pesquisa. Eu tenho o mesmo nível de
conhecimento deles e posso dialogar com eles. Mas, infelizmente, eu sou
um autor e isso cria alguns problemas. Agora, junto a outros autores e
junto ao professorado de uma maneira geral, eu me sinto pouco fora do
mundo, pouco isolado. Quando uma professora me pede como ensinar
divisão, eu sei perfeitamente como responder, mas é que eu não posso
passar para essa professora em dez minutos, porque envolve..., não é só
problema técnico, é toda uma atitude dela que tem que estar de acordo, e é
muito difícil responder, então, essas perguntas num nível honesto, sem
fazer supersimplificação da coisa. É bem difícil isso. Às vezes, eu me sinto
muito isolado, eu me sinto chateado de enfrentar essas coisas e não poder
dar as respostas de uma maneira completa, também. Porque se eu
simplifico muito eu estou sendo desonesto, mas se eu não simplifico eu me
torno incompreensível. Complicado isso.
De fato, segundo Gilberto Cotrim, uma das principais tarefas da Abrale é efetivar a
“triangulação autor, editora e governo”.
Em 1995, a Abrale desencadeou uma ofensiva em relação à FAE, reivindicando
participação na definição da política de aquisição dos livros didáticos. Em 17 de março
daquele ano, o presidente da FAE reuniu-se com a diretoria da Abrale e assegurou que a
comunicação entre os autores e o governo estava oficialmente aberta. Em assembléia, a
Abrale então aprovou um documento intitulado Propostas da Abrale para a melhoria da
qualidade do livro didático, que seria encaminhado à FAE em 14/6/1995. A Abrale
começou a freqüentar reuniões em Brasília, como a mesa-redonda “Como melhorar a
escolha do livro didático”, realizada em 20/6/1995, quando a entidade colocou-se à
disposição para colaborar na confecção do Guia do professor, que orientaria os docentes
na escolha dos livros a serem adquiridos pela FAE.
A interlocução e até mesmo a parceria com o governo pareciam estar asseguradas.
Em 4/3/1996, em nova reunião, a FAE reafirmou que a Abrale seria informada sobre cada
etapa do processo da aquisição dos livros pelo PNLD.
Com a palavra, o então presidente da Abrale, Luiz Imenes para comentar essa
questão e as demais lutas da entidade e da categoria:
Houve outrora um editor de livros que havia sido jornalista. O seu mote
preferido era: “Paciência, Veja errou”. Ele não entendeu jamais que, ao contrário de
jornal ou revista, que envelhecem tão logo sejam lidos, o livro tem a durabilidade da
estante. Também não conseguiu nunca perceber que as pessoas não costumam
adquirir edições sucessivas de um mesmo livro em que poderiam ver erratas – “Veja
200
artigos de uma publicação serem reciclados para aproveitamento numa outra – basta
comparar os artigos “El mundo como representación” e “Introdução. Por uma
sociologia das práticas culturais”, ambos de Roger Chartier (1991 e 1990),
mencionados na Bibliografia. Se se preferir um similar nacional, há, como mostra
Martins(1) (1996, pp. 81 e 83), uma surpreendente coincidência de palavras entre
trecho da tese de doutorado de Teresa Roserley Neubauer da Silva, de 1988, e de um
artigo, de 1986, escrito por uma equipe da Cenp, que ela então dirigia. Também há
um caso extravagante de um livro, originalmente uma tese de livre-docência, em que
trechos inteiros (algo em torno de três páginas) foram copiadas para páginas adiante
do mesmo livro!
Por fim, resta lembrar que trabalhando como “frila” o interesse do jornalista
Myltainho era produzir o máximo de laudas possível no mínimo de tempo. É por
essas que Wilma Silveira Rosa de Moura, editora da Ática, prefere não trabalhar com
freelancer:
Nesse artigo, em que apenas faz desfilar os velhos chavões – “manuais à Disney”,
“mecanização da mente e a passividade diante de atividades de estudo” etc.–, o autor
procura justificar a falta de análises mais palpáveis:
203
Eu teria uma última coisa a dizer: que a grande distorção, que não vai
se resolver agora e está há muito tempo se estendendo, é o produto
cultural ser regido pelas leis de mercado.
escrevinhador desta tese. Pois, a rigor, livro didático não é para ser lido como se lê um
tratado científico – postura adotada por muitos críticos de conteúdo dos livros
didáticos. Livro didático é para usar: ser carregado à escola; ser aberto; ser rabiscado
(não, isso não pode, o livro não pode ser consumível!); ser dobrado; ser lido em voz
alta em alguns trechos e em outros, em silêncio; ser copiado (não se pode consumi-
lo!); ser transportado de volta à casa; ser aberto de novo; ser “estudado”. Raros livros
didáticos, a não ser aqueles intrincados produzidos por Imenes e Lellis, são
efetivamente lidos de cabo a rabo, do mesmo modo que ninguém lê um dicionário ou
uma enciclopédia de A a Z – à exceção, é claro, daquela japonesa ninja que salvou
James Bond.
Define Lajolo (1996), num artigo significativamente intitulado “Livro
didático: um (quase) manual de usuário”:
Didático, então, é o livro que vai ser utilizado em aulas e cursos, que
provavelmente foi escrito, editado, vendido e comprado, tendo em vista
essa utilização escolar e sistemática. [...]
[...]
Assim, para ser considerado didático, um livro precisa ser usado, de
forma sistemática, no ensino-aprendizagem de um determinado objeto
do conhecimento humano, geralmente já consolidado como disciplina
escolar. Além disso, o livro didático caracteriza-se ainda por ser
passível de uso na situação específica da escola, isto é, do aprendizado
coletivo e orientado por um professor. [pp. 4-5.]
Objeto para ser usado, livro didático implica não uma relação direta e imediata
do aluno e do professor com o conteúdo, esse mundo platônico de formas inteligíveis,
mas antes atividades, práticas e fazeres, numa situação efetiva de ensino e
aprendizagem. Nunes (1992) e Cordeiro (1994) já alertavam para essas questões,
como foi indicado na Introdução e no Capítulo 1, respectivamente. Também
Bittencourt (1993) dedica todo um capítulo da sua tese a esse tema:
Não se deve abstrair nem tampouco a mobília que serve de suporte material dessas
leituras (p. 321).
Seguindo essa sinalização, abre-se assim um terreno inteiro a ser explorado: o
das práticas de uso dos livros didáticos. Esse é o tema que a presente tese, na sua
conclusão e como sua pequena contribuição, coloca à disposição de quem queira nele
se aventurar.
Bibliografia
1. Fontes
1.1. Entrevistas:
Elian Alabi Lucci Autor (Geografia e E. Sociais) 12/12/1997
Francisco Moura Autor (Português) 16/12/1996
Gilberto Cotrim Autor (História) 16/121996
Helena de Brito Editor (FTD) 2/12/1996
Isabel Simões Editor (Ática) 2/5/1996
Jaime Pinsky Editor (Contexto) 24/9/1996
João Guizzo Editor (Ática) 2/5/1996
José Olavio Dutra SEEL 19/9/1996
José Ruy Giovanni Autor (Matemática) 2/12/1996
Lizânias de Souza Lima Editor (FTD) 20/11/1996
Luiz Imenes Autor (Matemática) 2/5/1996
Marcelo Lellis Autor (Matemática) 16/12/1996
Maria Lúcia de Arruda Aranha Autor (Filosofia) 16/12/1996
Neri E. Stein SEEL 19/9/1996
Ricardo Yorio SEEL 19/9/1996
Rosi Meire M. Ortega SEEL 19/9/1996
Rosiane Oliveira Silva Editor (FTD) 2/12/1996
Sandra Almeida Editor (Ática) 6/5/1996
Wilma Silveira Rosa de Moura Editor (Ática) 6/5/1996
1.2. Periódicos
ALMANAQUE ABRIL.
BOLETIM INFORMATIVO ABRALE / BOLETIM DA ABRALE / INFORMATIVO ABRALE.
FOLHA DE S.PAULO.
ISTOÉ.
207
ABRALE
s.d. Bem-vindo à Abrale!
_________
1995 Propostas da Abrale para a melhoria da qualidade do livro didático.
Encaminhadas à FAE em 14 de junho de 1995.
208
_________
1996 Melhoria da qualidade do livro didático. Considerações sobre o estágio atual do
processo de avaliação. Documento da Abrale encaminhado à FAE/SEF/MEC em
29 de maio de 1996.
_________
1996 Bienal do Livro teve faturamento de 84,2 milhões de dólares.
MEC/FAE (?)
s.d. Requisitos obrigatórios para os livros didáticos do Nordeste.
PARANÁ (ESTADO)/SEED
1994 Concorrência UCP/SEED n° 001/94.
BURLAND, C. A.
1992 Os incas. São Paulo, Melhoramentos. 2a ed. rev. e ampl. (col. “Povos do
Passado”).
CHAUI, Marilena
1995 Convite à filosofia. São Paulo, Ática.
FAUSTO, Bóris
1995 História do Brasil. São Paulo, Edusp.
209
RONCARI, Luiz
1995 Literatura brasileira. São Paulo, Edusp.
SEVCENKO, Nicolau
1985 O renascimento. São Paulo / Campinas, Atual / Unicamp. 2a ed.
1.6. Livros
MEC/SEF/FAE/CENPEC
1996 Guia de livros didáticos de 1a a 4a séries. MEC/SEF/FAE/CENPEC.
_________
1989 Brasil 1987. Relatório sobre a situação social do País. Campinas, NEPP-
Unicamp.
EDITORA NOBEL
CBP (Catálogo Brasileiro de Publicações) Eletrônico.
FOLHA DE S.PAULO
1996 CD-ROM Folha. São Paulo, Folha de S.Paulo.
210
2. Obras gerais
ADORNO, Theodor W.
1986 A indústria cultural. In: Cohn, Gabriel (org.) Theodor W. Adorno. Sociologia. São
Paulo, Ática.
CHARTIER, Roger
s.d. Do livro à leitura. Tradução de Maria Auxiliadora Cavazotti e Lígia Regina Klein
(xerox).
_________
1990 A história cultural. Entre práticas e representações. Lisboa/Rio de Janeiro,
Difel/Bertrand Brasil.
_________
1991 El mundo como representación. Historia Social, nº 10, pp. 163-175.
211
_________
1994 A ordem dos livros. Brasília, UnB.
CHAUI, Marilena
1978 A ideologia acima de qualquer suspeita. Almanaque 7.
DARNTON, Robert
1987 Boemia literária e revolução. O submundo das letras no Antigo Regime. São
Paulo, Compahia das Letras.
_________
1990 O beijo de Lamourette. Mídia, cultura e revolução. São Paulo, Companhia das
Letras.
_________
1992 Edição e sedição. O universo da literatura clandestina no século XVIII. São
Paulo, Companhia das Letras.
_________
1996 O Iluminismo como negócio. História da publicação da Enciclopédia. 1775-
1800. São Paulo, Companhia das Letras.
EDITORA ÁTICA
1996 Momentos do livro no Brasil. São Paulo, Ática.
FREITAG, Bárbara
1989 Política educacional e indústria cultural. 2ª ed. São Paulo, Cortez/Autores
Associados (Polêmicas do Nosso Tempo, 26).
GINZBURG, Carlo
1989 Mitos, emblemas, sinais. São Paulo, Companhia das Letras.
HALLEWELL, Laurence
1985 O livro no Brasil: sua história. São Paulo, T.A. Queiroz/Edusp.
MARTINS(2), Wilson
1996 A palavra escrita. História do livro, da imprensa e da biblioteca. São Paulo,
Ática.
MCMURTRIE, Douglas C.
1982 O livro. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian.
NESTROVSKI, Arthur
1994 A editora como crítica. Folha de S.Paulo, 12/6/1994 (caderno “Mais!”)
_________
1995 Exposição celebra o inventor do livro. Folha de S.Paulo, 12/6/1995.
NUNES, Clarice
1992 História da educação brasileira: novas abordagens de velhos objetos. Teoria &
Educação, n° 6, 1992, pp. 151-182.
NYSSEN, Hubert
1993 Du texte au livre, les avatars du sens. Paris, Nathan.
213
VEYNE, Paul
1979 Comment on écrit l’histoire. Paris, Seuil.
_________
1983 Como se escreve a história. Lisboa, Edições 70.
ALBUQUERQUE, Francisco F. L. de
1976 Que sabemos sobre livro didático. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v.
138. n° 138, pp. 218-223.
CADERNO CEDES
1987 O cotidiano do livro didático. Cadernos CEDES, n° 18. São Paulo, Cortez.
DAVIES, Nicholas
1988 O papel das camadas populares nos livros didáticos de História do Brasil. In
Seminário "Perspectivas do ensino de história". Anais, São Paulo, FEUSP, pp.
561-571.
214
FERRO, Marc
1983 A manipulação da história no ensino e nos meios de comunicação. São Paulo,
Ibrasa.
_________
1982 O livro didático de História no Brasil. A versão fabricada. São Paulo, Global
(Teses, 9).
GLEZER, Raquel
1984 Novos livros & velhas idéias. ¿Hay gobierno? Revista Brasileira de História, v.
4, nº 7, pp. 149-154.
LAJOLO, Marisa
1996 Livro didático: um (quase) manual de usuário. Em Aberto, ano 16 n° 69, jan./mar.
1996, pp. 3-9.
LINS, Osman
1977 Do ideal e da glória: problemas inculturais brasileiros. São Paulo, Summus.
215
MEC/COLTED
1969 Como utilizar o livro didático. [por Samuel Pfromm Netto, Nelson Rosamilha e
Cláudio Zaki Dib]. Rio de Janeiro, MEC/COLTED.
MOLINA, Olga
1982 O livro didático. Comunicações e Artes, n° 6, pp. 125-138.
_________
1987 Quem engana quem? Professor X livro didático. Campinas, Papirus.
OTTONI, Paulo
1985 A legibilidade e o funcionamento do texto didático: uma análise do discurso
contrastiva. Trabalhos em Lingüística Aplicada, n° 5-6, pp.97-129.
PINSKY, Jaime
1985 Estado e livro didático. Campinas, Unicamp.
RONCARI, Luiz
1980 Brasil-História: um livro do tempo de ser contra. Plural, ano 3, n° 6, pp. 43-48.
SILVA, Marcos A. da
1987/1988 Faces do mesmo: algumas histórias na indústria cultural. Sociedade & Cultura.
Revista Brasileira de História, v. 8, n° 15, pp. 123-137.
TAKAHASHI, Jiro
1980 A editoração do livro didático. Plural, ano 3, n° 6, pp. 21-24.
TECNOLOGIA EDUCACIONAL
1979 A valorização do livro didático. Tecnologia Educacional, ano 8, n° 28, pp. 18-22.
ZAMBONI, Ernesta
1991 Que história é essa? Uma proposta analítica dos livros paradidáticos de história.
São Paulo. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação,
Universidade de São Paulo.
ARAÚJO, Emanuel
1986 A construção do livro. Princípios da técnica de editoração. Rio de
Janeiro/Brasília, Nova Fronteira/INL.
ECO, Umberto
1986 Como se faz uma tese. 3ª ed. São Paulo, Perspectiva.
EDITORA ABRIL
1990 Manual de estilo. Editora Abril. Rio de Janeiro, Nova Fronteira.
FOLHA DE S.PAULO
1992 Novo manual da redação. São Paulo, Folha de S.Paulo.
HOLLTZ, Matthew
1990 Dominando o Ventura. Rio de Janeiro, LTC.
HOUAISS, Antônio
1967 Elementos de bibliologia. Rio de Janeiro, INL, 2 vol.
KOTAIT, Ivani
1981 Editoração científica. São Paulo, Ática.
O ESTADO DE S.PAULO
1990 Manual de redação e estilo. São Paulo, O Estado de S.Paulo.
UNIVERSITY OF CHICAGO
1969 A manual of style. 12ª ed. Chicago, The University of Chicago Press.