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Produzindo livros didáticos e paradidáticos

Article · January 1997


Source: OAI

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1 author:

Kazumi Munakata
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
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Ka z u mi Mu n a k a t a

Produzindo livros didáticos


e paradidáticos

Do u t o r a d o
Hi s t ó r i a e Fi l o s o f i a d a Ed u c a ç ã o

PUC- SP
1997
Ka z u mi Mu n a k a t a

Produzindo livros didáticos


e paradidáticos

DOUTORADO: Tese apresentada à Banca


Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência parcial
para obtenção do título de DOUTOR em
História e Filosofia da Educação, sob a
orientação da Prof.ª Doutora Mirian Jorge
Warde
Co mi s s ã o J u l g a d o r a

______________________________________
______________________________________
______________________________________
______________________________________
______________________________________
Resumo do Trabalho

Sobre os livros didáticos produzidos no Brasil recaíram série de acusações


como se fossem os principais responsáveis pelas mazelas da Educação brasileira.
Análises abstratas de conteúdo denunciavam-lhes a ideologia subjacente e abordagens
de indústria cultural caracterizavam-nos como instrumentos da hegemonia burguesa e
da acumulação capitalista. Numa outra vertente, recusou-se aos livros didáticos uma
historicidade própria, porquanto subsumidos às ações e iniciativas do Estado.
Esta tese envereda por um outro caminho, buscando descrever e analisar as
práticas efetivas desenvolvidas por vários agentes que participam da produção do
livro didático. Para isso, é analisada a dimensão do mercado brasileiro de livros
didáticos, a relação desse mercado com as ações do Estado – principal consumidor
desse produto –, mas também as reações e ações dos agentes efetivos nos vários
momentos dessa relação.
A tese aponta também para a importância de não abstrair do exame do
processo de produção de livros didáticos os aspectos técnicos da edição e editoração.
Entrevistas com editores e autores complementam a análise, fornecendo
representações e expectativas que os próprios agentes desse processo têm a respeito
de suas práticas.
Agradecimentos

Embora tivesse procurado se submeter a todos os rigores exigidos em um


trabalho acadêmico, esta tese constitui, num sentido, minhas memórias. Reencontrar
velhos colegas espalhados na diáspora após a queda da nossa editora-mãe, conhecer
novos, entrar de novo na sede daquele sindicato que nos idos dos anos 70 ousamos
reconquistar para a categoria, ouvir todos eles recontarem como produzem livro, num
dialeto próprio que só quem já pertenceu a essa guilda consegue entender, rememorar
às gargalhadas as incontáveis “barrigas” que cometíamos – “e aquele diretor, que
deixou sair ‘ouviu-se um estampado de tiro’ e depois pôs a culpa no paste-up?” –,
sentir o clima de redação, que, reparei, agora chamam “editorial”, esse clima que,
embora já sem o ruído das máquinas de escrever, permanece o mesmo, talvez menos
barulhento, muito menos barulhento... – é disso, dessa familiaridade, mas já
irremediavelmente perdida, passada, ultrapassada, que é tecida esta tese. A toda essa
família, cujos membros permitiram com toda boa vontade que eu os fizesse
personagens, meus profundos agradecimentos.
No rápido convívio com os autores, de quem eu me aproximei com o olhar de
entomologista a examinar uma rara espécie, pude recuperar a lembrança perdida de
ter sido eu, também, autor de um livro didático e de um quase-paradidático. A todos
eles, que contribuíram com suas falas para construir letra por letra as páginas desta
tese, devo muita gratidão. Em particular, agradeço ao professor Imenes, a quem devo
essa lembrança de ter sido autor.
A tese também simboliza um reencontro: ovelha negra desgarrada da
Academia, eis-me aqui novamente. A Professora Mirian Jorge Warde foi, mais que
paciente orientadora, a grande patrocinadora e fiadora desse regresso, atiçando e
estimulando o que me restava de curiosidade e ânimo intelectuais. Por tudo isso,
estarei sempre em dívida para com ela.
Talvez a Professoara Mirian não saiba, mas nessa minha recondução à
Universidade ela pôde contar com a retaguarda tenazmente guarnecida pela
Carminha, minha mulher e valente companheira, que soube suportar as minhas crises
intelectuais, emocionais, profissionais e até financeiras. Por tudo isso registro aqui a
minha especial gratidão a ela.
A Professora Circe Bittencourt e o Professor Reginaldo de Moraes
participaram da banca de qualificação, contribuindo para mais estímulos e
instigações, pelo que estou muito agradecido. Se as suas contribuições não obtiveram
eco nesta tese, a responsabilidade por esse deslize deve ser inteiramente atribuída à
minha incompetência.
Os professores Luiz Barreira e Odair Sass, velhos companheiros de outras
jornadas, participaram da conspiração para me trazer de volta à Universidade – o que
merece uma boa rodada de cerveja além dos meus agradecimentos.
Por falar em cerveja, os meus colegas de pós-graduação não só possibilitaram
que eu recuperasse o gosto pela polêmica acadêmica, como também me fizeram
lembrar que a Universidade não se limita ao cinzento da teoria. Muito obrigado a
todos e a rodada de que fala o parágrafo acima é extensiva a este (e aos demais).
A Régi, minha gentil cunhada, transcreveu pacientemente parte das minhas
entrevistas, realizadas com equipamentos precários e portanto quase inaudíveis. A
Filó e o Salvador acabaram herdando essa ingrata tarefa. O Arquivo Edgard
Leuenroth, da Unicamp, e sua equipe, como sempre, atendeu-me de braços abertos
para minhas pesquisas. A Sonia, da assessoria de imprensa da Câmara Brasileira do
Livro, enviou-me imediatamente os documentos de que eu precisava. A Beatriz, da
Papirus, indicou-me uma obra importante para a tese. A todos meus agradecimentos e
espero ter conseguido minimamente fazer juz aos esforços que empreenderam para a
realização desta tese.
Por fim, agradeço ao Zorro que, numa prestimosa mensagem eletrônica,
explicou-me que ele e Lone Ranger são personagens diferentes – informação que,
infelizmente, não pude utilizar.
Sumário

Introdução............................................................................................................ 1

Capítulo 1
De volta à caverna ................................................................................... 15

Capítulo 2
Um grande negócio ................................................................................. 35

Capítulo 3
Estado e mercado .................................................................................... 61

Capítulo 4
Como se faz livro, inclusive didático e paradidático .............................. 79

Capítulo 5
Livros e editoras .................................................................................... 105

Capítulo 6
Profissionais da edição .......................................................................... 119

Capítulo 7
Autor: professor no texto....................................................................... 154

Epílogo.............................................................................................................. 199

Bibliografia ...................................................................................................... 206


Introdução

O exemplo dos alemães me faz recordar a palavra


alemã Verbalhornung, literalmente balhornização.
Johann Balhorn era um editor de Leipzig, do século
XVI; editou um abecedário, no qual, como de
costume, incluiu um desenho que representava um
galo; mas no lugar da figura habitual, aparecia um
galo sem esporas e com um par de ovos ao seu lado.
Na capa do abecedário se lia: “Edição corrigida por
Johann Balhorn”. Desde então, os alemães dizem
Verbalhornung para referir-se às correções que na
prática pioram o corrigido.
(V. I. Lênin.)

Em 30 de maio de 1996, o jornal O Estado de S.Paulo, tradicional diário


paulistano, causou furor em certos círculos. “Livro didático de história sofre plágio”,
anunciava o título geral de uma matéria, cuja chamada esclarecia:

Destinado a estudantes do segundo grau, o livro “Toda A História”, de


Jobson e Piletti, reproduz 55 páginas do livro “História Moderna e
Contemporânea”, de Pazzinato e Senise, ambas as obras da Ática.
[O Estado de S.Paulo, 30/5/1996.]

O artigo propriamente dito complementava:

A descoberta de que o livro História Moderna e Contemporânea tinha


sido plagiado em pelo menos 55 páginas, levou os historiadores e
autores Alceu Luiz Pazzinato e Maria Helena Valente Senise a
buscarem apoio na Justiça contra os também historiadores e autores
José Jobson de Arruda e Nelson Piletti.
Pazzinato e Senise publicaram, em 1991, pela Editora Ática o trabalho
em que consumiram pelo menos dois anos de pesquisas seguidas. A
obra deles, tanto quanto a de Arruda e Piletti, é voltada para alunos de
segundo grau. Em agosto do ano passado, no entanto, Pazzinato e
2

Senise descobriram, numa leitura rápida, uma coincidência – inclusive


em subtítulos de sua obra – que não poderia ser explicada de outra
forma a não ser plágio. Em contato com a Editora Ática, que também
publicou a obra de Arruda e Piletti Toda a História, conseguiram um
acordo pelo qual serão ressarcidos em R$ 50 mil por perdas materiais e
morais. Autores de outra obras didáticas, o casal Pazzinato e Senise não
tem nenhum curso de pós-graduação. Este não é o caso da dupla José
Jobson de Arruda e Nelson Piletti. Arruda [é] professor titular do
departamento da História da Universidade de São Paulo. Piletti é
professor livre-docente da Faculdade de Educação da USP.
[O Estado de S.Paulo, 30/5/1996.]

A denúncia, por si já grave, era acompanhado de um comentário do historiador


Paulo Miceli, então chefe do Departamento de História do Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas (IFCH), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), cujo
teor transparecia no próprio título: “Copistas foram úteis, mas na Idade Média”. Sua
feroz crítica não se restringiu aos diretamente envolvidos no suposto plágio, mas teve
como alvo toda uma parcela do sistema educacional brasileiro:

Triste constatar que uma casa editorial, a quem a cultura brasileira deve
grandes e valiosos serviços, escancare suas portas para que mercadores
pratiquem rasteiro mercantilismo, funcionando como receptadora de
coisas subtraídas ao trabalho alheio, para revendê-las após nenhuma
maquiagem. [...]
E quanto aos estudantes e professores, para quem dirige-se
especialmente o livro didático? Que tipo de consideração podem
esperar os consumidores compulsórios dessa pseudo-cultura,
amestrados por uma longa tradição que transformou o ensino numa das
mais rentáveis atividades econômicas do País? Ora, quando o próprio
Ministério da Educação foge à sua responsabilidade de informar a
sociedade sobre os livros repletos de erros que, às suas custas, são
comprados para distribuição nas escolas, o plágio de Jobson & Piletti
parece coisa pequena e talvez não mereça atenção, já que honestidade
intelectual, a exemplo da honestidade administrativa, é coisa fora de
moda. Mas, isso é apenas pequena parte de um grande mosaico de
improbidades, a transformar os programas educacionais em algumas
das maiores mentiras nacionais. Assim, enquanto o Ministério da
Educação teima em defender os interesses de certa indústria livresca, os
estudantes são enganados como sempre, orientados por desinformados
professores, ingenuamente influenciados por “educadores” apenas
versados na mais estreita e malandra dialética do lucro fácil e ilícito.
Mais ainda, em vez de combater as pragas que proliferam em seu
quintal, as autoridades educacionais viram reféns de poderoso e
empresarial sistema de “ensino”, que envolve algumas editoras e
“autores”, fundações e instituições privadas formadoras de lobbies à
custa de alguns políticos, sensibilizados a partir de procedimentos que
são de domínio público, defendem vigorosamente os interesses desses
usineiros da cultura espúria.
[O Estado de S.Paulo, 30/5/1996.]
3

Consultado pelo jornal, Piletti, um dos acusados, apresentou a sua versão dos
acontecimentos:

[...] ele e Arruda tinham duas obras [...] já publicados pela Ática sobre
história antiga e medieval e história moderna e contemporânea. A
editora decidiu, então, segundo ele, “fundir os dois trabalhos num
único” e eles teriam concordado com isto. O problema [...] é que a
editora contratou um redator para fazer a fusão e, segundo ele, essa
pessoa teria cometido o plágio e não eles.
[O Estado de S.Paulo, 30/5/1996.]

Segundo uma edição posterior de O Estado de S.Paulo (6/6/1996), Piletti


também teria esclarecido que “o plágio, entre as páginas 338 e 391 de Toda a
História, cobre o assunto tratado por José Jobson de Andrade Arruda e não por ele”.
Em 6/6/1996, um artigo assinado por José Jobson Arruda reiterou a versão de
Piletti, chegando a apontar o nome do suposto responsável por todo esse episódio.
Narra Jobson Arruda:

Em 1994 recebi um telefonema do editor da Ática, sr. João Guizzo,


dizendo-me que a editora pretendia produzir rapidamente um texto já
intitulado Toda a História, para atender a demandas do mercado e que
a fórmula alvitrada era reunir num só livro os dois melhores textos de
História Geral e História do Brasil, respectivamente os meus livros
História Antiga e Medieval (18ª edição, 1ª edição 1976) e História
Moderna e Contemporânea (28ª edição, 1ª edição 1974) e História do
Brasil, do Professor Nelson Piletti (18ª edição, 1ª edição 1981).
Para reduzir as quase 1.500 páginas a não mais do que 500, a editora
contrataria os serviços profissionais de um jornalista, excelente redator,
o sr. Mylton Severiano da Silva, que se incumbiria de fazer a redução
necessária e modernizar, atualizando o texto onde fosse preciso, a partir
de pesquisa pessoal. Uma segunda redação era indispensável para dar
unidade a textos originários de dois diferentes autores, submetendo-se,
é claro, a síntese realizada à revisão dos mesmos.
[...]
Fiz a revisão do texto do redator que na maior parte do trabalho estava
muito colado no texto original e, quando pareceu distanciar-se, entendi
que era o produto de sua ação modernizadora, baseada em pesquisa
própria, e não em cópia. Eu não tinha qualquer possibilidade de saber
que o texto a mim remetido para revisão era fruto da cópia de outro
livro também publicado pela Ática. Simplesmente por que não leio
livros didáticos. Não tenho em minha casa os livros didáticos de
autores concorrentes da Ática. Confiei, como sempre confiei, na editora
e em seus representantes. [...]
[...]
Portanto, nem o professor Jobson, nem o professor Piletti, plagiaram
qualquer texto.
4

O plágio é da responsabilidade do redator do texto, Mylton Severiano


da Silva, que acabou, por sua incúria, vitimando os autores de Toda a
História.
[O Estado de S.Paulo, 6/6/1996.]

O novo acusado, Mylton Severiano da Silva é jornalista e, de acordo com O


Estado de S.Paulo, “um veterano profissional, conhecido por seus colegas como
Miltainho”. De fato, ele foi um dos principais nomes do jornalismo paulistano que,
nos tempos do regime militar, participou ativamente da chamada “imprensa
alternativa”, atuando em publicações como Realidade, Bondinho, Ex, Doçura etc.,
como atesta o expediente desses periódicos. Em carta enviada a O Estado de S.Paulo
(11/7/1996), ele rechaçou a caracterização de seu trabalho como plágio e anunciou
que, “diante da ofensa, que me atinge como pessoa e como profissional com 37 anos
de carreira”, iria acionar a editora. Basicamente, ele argumenta que esse tipo de
trabalho, que passou a ser considerado plágio, era exatamente o que a Ática havia lhe
encomendado:

[...] fui contratado para fazer uma reprodução de obras publicadas pela
Editora Ática, de autores da Ática tais como História Antiga e
Medieval e História Moderna e Contemporânea, de autoria de José
Jobson de Andrade Arruda; História Moderna e Contemporânea e
URSS, Formação e Queda de um Império (suplemento de atualização),
dos autores Alceu Pazzinato e Maria Helena Valente Senise; História
do Brasil, de Nelson Piletti; História do Brasil Contemporâneo, de
Francisco M. P. Teixeira; O Ensino da Geografia e as mudanças
recentes no espaço geográfico mundial, de José William Vesentini.
Além destes, foram-me fornecidas apostilas de cursinho e cópias
xerocadas de livro sem identificação de autoria, sempre trabalhos de
autores da Ática. [...]
A tarefa consistia em redigir um livro de 400 páginas ou pouco mais,
com os devidos exercícios para estudantes a cada capítulo, previamente
intitulado Toda a História - ou seja, a trajetória humana da pré-História
aos nossos dias.
Uma vez que fui contratado para realizar uma reprodução autorizada,
de livros editados pela Ática, caberia aos autores, todos relacionados
com a editora, conferir, fiscalizar e constatar a autenticidade da obra. A
eles caberia revisar o conteúdo e dar a obra como boa.
À Ática caberia entender-se com os autores sobre como e quem
assinaria a obra; creditar fotos e ilustrações; e decidir sobre a listagem
das obras usadas no trabalho de reprodução, sob forma de
“bibliografia” ou “fontes”.
[O Estado de S.Paulo, 11/7/1996.]

Todo esse episódio – que ainda mereceria réplica de Jobson Arruda a Miceli
(O Estado de S.Paulo, 6/6/1996) e comentários do articulista Elio Gaspari (O Estado
5

de S.Paulo, 11/6/1996) – teve como desfecho, como se viu, o pagamento da


indenização aos autores lesados e a retirada, da quarta edição de Toda a História, de
“todo o material entre as páginas 338 a 391” (O Estado de S.Paulo, 6/6/1996). Em
todo caso, os materiais publicitários da Ática referentes aos anos de 1995 a 1997 não
trazem referência a tal “retirada”, permitindo apenas constatar as oscilações no
número de páginas, embora o formato (17 cm x 24 cm) tivesse permanecido
constante: 480 páginas, na edição anunciada para 1995 (primeira edição); 408
páginas, para 1996; e 448 páginas, para 1997. Esta última edição inclui, segundo o
material publicitário, um suplemento especial “de questões de vestibular para o
professor”,1 embora tal anexo certamente só esteja contido na versão da edição
destinada aos professores.

Uma proposta de leitura

Esse episódio pode ser lido – e certamente o será – como prova cabal de que
os livros didáticos, ao menos no Brasil, são produzidos com desleixo, de modo
inescrupuloso, visando apenas o lucro. “Indústria cultural!”, denunciarão, dedo em
riste, seus detratores, que terão assim comprovado as teses de que a produção cultural
sob o capitalismo está irremediavelmente corrompida. Aos adeptos de totalizações, o
caso será tomado como sintoma de um sistema educacional falido, ineficaz,
disfuncional ou mesmo a-sistêmico, expressão de uma certa fase do modo de
produção capitalista.
Mas os espíritos menos exaltados podem reter do episódio não o anedótico,
não as pessoas diretamente envolvidas, nem tampouco a generalidade do seu
contexto, mas os indícios, as pistas, que possam contribuir para desvendar as relações
peculiares, constituídas por agentes determinados, em que esse tipo de incidente pode
ocorrer. Esses agentes lá estão: a empresa editorial, o editor, o autor, o “redator”, o
crítico, a mídia. Eles estabelecem entre si relações precisas, que constituem as
condições e o circuito de produção, distribuição e divulgação de uma mercadoria
também determinada, o livro didático (e paradidático).

1 Agenda do professor para disciplinas de Geografia, História, OSPB, Educação Moral e Cívica,
Sociologia, Filosofia e Ensino Religioso, da editora Ática, referentes a 1995, 1996 e 1997. Essas
publicações, contendo agenda diária e textos publicitários, são distribuídas no final de ano via mala
direta aos professores cadastrados, segundo área e grau de ensino em que atuam.
6

Tal análise é possível? Do ponto de vista “logístico”, construíram-se listas


bibliográficas e arquitetou-se um banco de dados o mais completo possível sobre
livros didáticos e paradidáticos. Vasculharam-se catálogos formados segundo critérios
diversos e consultaram-se materiais publicitários das editoras. Publicações técnicas
sobre edição e editoração foram cotejadas com reminiscências de experiência pessoal
para a reconstituição dos momentos e dos procedimentos do ofício de produzir livro.
Tomaram-se também depoimentos de vários agentes envolvidos na produção de livro
didático e paradidático, não apenas para obter informações, mas sobretudo para
apreender o que para cada um deles significa o exercício de seu ofício – ainda que não
houvesse preocupação de seguir à risca as prescrições da história oral. A bibliografia
sobre o tema e adjacências foi companheira permanente.

A assim chamada realidade

Mas esse protocolo nem sempre pôde ser observado à risca. Nem é preciso
mencionar as limitações de ordem pessoal (e logístico). Do lado da assim chamada
realidade objetiva, inúmeros impedimentos ocasionaram o quase colapso da
investigação proposta.
O que à primeira vista parecia o momento mais fácil da pesquisa – quantificar
a produção de livros didáticos e paradidáticos no Brasil – revelou-se uma quase
impossibilidade. Ninguém – nenhum órgão ou entidade, nenhum centro de pesquisa –
sabe quantos títulos ou exemplares são produzidos efetivamente no país. Um critério
fácil seria contabilizar tão somente os livros catalogados oficialmente, isto é, pela
Biblioteca Nacional, segundo as normas internacionais do ISBN (International
Standard Book Number), mas, como se sabe, poucas editoras encaminham a esse
órgão suas publicações. Além disso, o próprio fichário da Biblioteca Nacional, ao
menos em sua versão eletrônica (em CD-ROM) apresenta uma série de problemas,
como ausência de co-autores e erros de digitação, o que faz com que o mesmo autor
compareça em registros diferentes. Uma incursão ao Bienal do Livro (o de 1996), em
São Paulo, dissiparia as ilusões de alcançar a totalidade: há muito mais editoras que
produzem livros didáticos e paradidáticos do que as que possam estar relacionadas
nos catálogos e nas listas disponíveis – mesmo que sejam editoras de um só livro!
7

Esse é também um dos motivos pelos quais se abandonou o exame dos livros
infanto-juvenis – embora muitos dessa categoria sejam concebidos como instrumentos
auxiliares do ensino (notadamente para alfabetização) e tenham um uso paradidático.
Mas o que para livros didáticos e paradidáticos aparece como grande dificuldade é, no
caso dos infanto-juvenis, praticamente uma impossibilidade: não há como recensear a
imensa quantidade de pequenas editoras (muitas delas quase “caseiras”) e muito
menos a sua produção nessa área dos infanto-juvenis. Além disso, como separar as
obras que efetivamente se prestam a uso didático ou paradidático dos que não têm ou
que não mereceram essa utilização?
Feitas as contas, restou um universo de 2.117 livros, didáticos e paradidáticos,
destinadas a um público de pré-escola e de todas as séries do 1o e do 2o graus.2 A base
para a constituição desse universo foram as listas publicadas pelos sucessivos
números da revista Lecionare,3 à qual se acrescentaram dados colhidos de catálogos
de editoras. Não é portanto um universo homogêneo e há evidentes lacunas
(sobretudo na área de línguas estrangeiras), mas que ao menos permite vislumbrar
uma tendência geral.
A falta de homogeneidade marca também as séries de dados referentes à
quantidade de livros, produzidos e adquiridos pelo governo ou diretamente pelo
usuário final. As fontes são diversas e os critérios de organização dos dados, díspares
e nem sempre transparentes. Muitos dados não são sequer confiáveis, pois é da
tradição das empresas editoriais brasileiras ocultar ou “maquiar” os números relativos
à produção e à venda. O jornal Leia ao publicar os resultados da pesquisa “Quem é
quem no mercado editorial” já comentava em 1988:

2 Aqui, entende-se por “livro” a unidade de publicação que compreende o livro propriamente dito e,
quando houver, o manual do professor, o caderno de atividades e demais anexos. Optou-se por essa
definição para contornar as dificuldades que adviriam com o emprego do termo “título”, que abrange,
no caso de livros didáticos, todos os volumes seriados. Assim, por exemplo, uma obra didática em
quatro volumes (para 1ª, 2ª, 3ª e 4ª séries do primeiro grau) e seus respectivos manuais e cadernos foi
desdobrada em quatro livros. Esse critério se impôs, pois, nas obras didáticas, ao contrário do que
ocorre em demais gêneros literários, os volumes são, de modo geral, adquiridos separadamente por
mais que se suponha continuidade entre os volumes.
3 Lecionare é uma publicação anual, editada pela Free Shop Editora e Comunicações, de São Paulo. O
seu primeiro número data de 1993 e prometia reunir “os principais lançamentos de livos didáticos,
paradidáticos, literatura e magistério para o 1o e o 2o graus” (Lecionare, n° 1, set. 1993, p. 2). A revista,
cujo conteúdo resume-se praticamente a esse catálogo bibliográfico, não traz, portanto, a totalidade de
livros didáticos, paradidáticos etc., além de não seguir normas de catalogação, apresentando uma série
de equívocos e lacunas.
8

[...] mais uma vez o “Quem é Quem” não conseguiu localizar a


produção proclamada oficialmente como a cifra da indústria livreira no
país “cerca de 300 milhões de livros”. Os dados da pesquisa chegam
apenas a um terço deste total, e é difícil acreditar que critérios de
classificação diferenciados ou editoras pequenas não alcançadas pela
nossa pesquisa sejam responsáveis por triplicar a cifra dos quase 100
milhões apurados. Assim, ao que tudo indica, ou os números oficiais
são exageradamente inflados ou os editores, desconfiadamente,
continuam escondendo leite. [...]
[A crise que não houve. Leia, ano X, n° 116, jun. 1988, p. 21. Texto
assinado por Flávio Andrade.]

Por sinal, o jornal Leia – que antes se chamava Leia Livros e se tornaria uma
revista (Leia. Uma revista de livros, autores e idéias) – constitui uma fonte
privilegiada de pesquisa aqui proposta, não apenas por veicular importantes
informações sobre o mundo editorial, mas também por publicar seções sobre livros
didáticos, muitos dos quais resenhados. As sua extinção, em 1991, deixou uma
irremediável lacuna, que não seria preenchida por suplementos de jornais e
publicações pretensamente similares.4
Se essas disparidades de dados dificultam a construção de uma história da
produção de livros didáticos, um outro aspecto da pesquisa praticamente
impossibilitou que ela se constituísse como uma pesquisa histórica, ao menos na
acepção que confunde história com cronologia: os livros didáticos, em sua quase
totalidade, não são datados e não contêm nem tampouco o número da edição! Não foi,
portanto, possível acompanhar as alterações que um livro sofre nas sucessivas edições
– adaptação do estilo do texto ao gosto da época, modificações introduzidas na
diagramação e no uso de ilustrações e de outros elementos gráficos etc. – ou as
modificações nas estratégias de planejamento da produção e de divulgação e venda.
Não se pôde tampouco confrontar essas alterações com as transformações da
demanda, definidas tanto pelas políticas públicas para o setor quanto pelo perfil do
consumidor final, isto é, os estudantes de 1o e 2o graus, além daqueles na faixa pré-
escolar.

4 Entre estas merece citar a natimorta revista Livros Etc. (transformada em Livros & Artes a partir do
número 3, para desaparecer após a publicação do número seguinte) – uma aventura editorial da
Projetos Editoriais S/C Ltda. e, depois, da S3 Editora e Consultoria em Comunicação Ltda., esta ligada
à ex-ministra Zélia Cardoso de Mello e que, segundo o expediente da revista, contou “com o apoio do
Ministério da Cultura, Secretaria Política Cultural e Funarte”.
9

Outras temporalidades

Esse, porém, não era mesmo o principal objetivo desta pesquisa. Ela pretende-
se histórica, sim, mas não por aderir a esse tempo da cronologia da contabilidade
empresarial ou das decisões governamentais. Certamente que, produção para o
mercado, os livros didáticos e paradidáticos passam pela sobredeterminação das
esferas macroestruturais. Isso, porém, implicaria dizer que “o livro didático não tem
uma história própria no Brasil” (Freitag et alii 1993, p. 11)? Segundo esse argumento,
essa

[...] história não passa de uma seqüência de decretos, leis e medidas


governamentais que se sucedem, a partir de 1930, de forma
aparentemente desordenada, e sem a correção ou a crítica de outros
setores da sociedade (partidos, sindicatos, associações de pais e
mestres, associações de alunos, equipes científicas etc.). Essa história
da seriação de leis e decretos somente passa a ter sentido quando
interpretada à luz das mudanças estruturais como um todo, ocorridas na
sociedade brasileira, desde o Estado Novo até a “Nova República”.
[p. 11.]5

Esse raciocínio, no entanto, na sua generalidade, pode ser estendido a tudo:


indivíduos, grupos, as assim chamadas sociedades civil e política, instituições e,
também, institutos de pesquisa, pesquisadores, financiamentos, pesquisas sobre livros
didáticos – tudo e todos somos, “em última instância”, subsumidos à “história da
seriação de leis e decretos” que “somente passa a ter sentido quando interpretada à luz
das mudanças estruturais como um todo”.
A rigor, tal postura apenas repõe para o objeto “livro didático” uma das
vertentes de uma modalidade historiográfica que ficou conhecida como “História da
Educação no Brasil (ou Brasileira)”, como esclarece Nunes (1992):

A nossa história da educação tem primado por focalizar a escola seja


sob a lente da legislação e organização escolar, seja sob a lente das
demandas de escolarização da sociedade brasileira, seja sob a
perspectiva do pensamento pedagógico ou do ideário. [p. 152.]

Tais lentes – verdadeiros telescópios que permitem ver galáxias inteiras –


deixam, por isso mesmo, outras regiões na obscuridade. Prossegue Nunes:

5 Aqui, obviamente, o disparate cronológico situando o Estado Novo em 1930 deve ser creditado à
licença poética para construir o binônio “Novo/Nova”...
10

Muito pouco sabemos, no entanto, sobre as suas práticas: como elas se


materializavam? quais os seus efeitos? [...] Estas questões crescem em
importância se considerarmos que elas operam um deslocamento de
enfoque dos modelos dominantes de escolarização (a Escola
Tradicional, a Escola Nova, por exemplo) para as múltiplas e
diferenciadas práticas de apropriação desses modelos nas quais a ênfase
da problematização recai sobre os usos diversos que os agentes
escolares fazem da própria instituição escolar, sobre a prática de
apropriação de práticas não-escolares no espaço escolar e os múltiplos
usos não-escolares dos saberes pedagógicos. [p. 152.]

Do mesmo modo, os livros didáticos: certamente, a sua produção está


determinada pela legislação a respeito e “as mudanças estruturais como um todo”.
Mas estruturas, suas mudanças e a legislação não dão conta da produção deste ou
daquele livro em particular nem tampouco o modo peculiar com que este ou aquele
foi produzido por agentes efetivos de produção editorial. Em outras palavras: em tal
abordagem macroscópica muito pouco ou quase nada se sabe a respeito das práticas
efetivas de produção dos livros (didáticos), de como elas se materializaram.

Da História a histórias

Paul Veyne (1979 e 1983), em sua obra fundamental, alertava contra a


tentação idealista que reduz todo o histórico à imobilidade e à imutabilidade d’A
História. A fórmula que ele propõe, editada, é um bom exemplo da historicidade
própria da produção de livro, que não pode ser reduzida à História. Na edição
francesa (1979, de Seuil), a fórmula, estampada no título, aparece assim:

No Brasil e em Portugal, no entanto, esse alerta não surtiu efeito e, pelo


contrário, deu margem a discussões mirabolantes. A composição da tradução da
singela frase, tanto na edição brasileira (da UnB) como na portuguesa (Edições 70),
havia alterado completamente o seu significado, como se vê no fac-símile abaixo:
11

Os editores, brasileiro e português, da obra traduzida não perceberam que o


próprio Veyne havia escrito: o que não existe é “a História, com maiúscula” (1983, p.
38). Essa sutileza havia se perdido ao se compor todo o título exatamente com
maiúsculas. O mesmo aconteceu com o próprio título da obra: uma coisa é escrever
“Comment on écrit l’histoire” (Éditions du Seuil); outra, completamente diferente, é
grafar “COMO SE ESCREVE A HISTÓRIA” (Edições 70), tudo em maiúscula.
Esses pormenores gráficos revelam um aspecto do livro que é irredutível a
estruturas e suas expressões jurídicas (ao menos onde houver liberdade de escolha de
caracteres tipográficos e formato de livros). Sua inteligibilidade não se efetiva “à luz
das mudanças estruturais como um todo”, mas é imanente a processos de produção do
livro, que dependem das decisões e das ações efetivas de agentes nela envolvidos,
decisões e atividades propriamente editoriais.
Não que uma eventual história do livro didático se pretenda isolacionista. Ao
propor um roteiro para história do livro, Darnton (1990) considera necessário
“enxergar o objeto como um todo” e apresenta “um modelo geral para analisar como
os livros surgem e se difundem entre a sociedade”, segundo um “ciclo de vida”.

Este pode ser descrito como um circuito de comunicação que vai do


autor ao editor (se não é o livreiro que assume esse papel), ao
impressor, ao distribuidor, ao vendedor, e chega ao leitor. O leitor
encerra o circuito porque ele influencia o autor tanto antes quanto
depois do ato de composição. (...) A história do livro se interessa por
cada fase desse processo e pelo processo como um todo, em todas as
suas variações no tempo e no espaço, e em todas as suas relações com
outros sistemas, econômico, social, político e cultural, no meio
circundante. 6 [p. 112.]

Mas essa busca do todo, que Darnton não hesita em denominar “visão holística
do livro” (p. 112), nada tem em comum com a redução, em nome da totalidade, da
história do livro (didático ou não) a leis e estruturas. Se elementos econômicos,
políticos, jurídicos, culturais, educacionais, psicológicos etc. têm relação com o livro
nesse circuito é simplesmente porque a história do livro refere-se a coisas e pessoas

6. O esquema que Darnton propõe na p. 113 ilustra bem esse circuito.


12

cuja efetividade histórica é visada como seu objeto. Cada uma das fases do circuito,
diz Darnton,

está ligada a: (1) outras atividades que uma determinada pessoa


desenvolve num determinado ponto do circuito; (2) outras pessoas no
momento temporal em outros circuitos; (3) outras pessoas em outros
pontos no mesmo circuito; (4) outros elementos na sociedade. [p. 114.]

Em outras palavras, o livro não pode ser abordado na sua imediatez abstrata.
Sob (e às vezes contra) uma ordenação institucional que o regula, pessoas de carne e
osso conceberam-no, escreveram o seu texto, editaram-no, diagramaram-no, “fizeram
arte” e imprimiram-no; algumas foram acusados de “plágio”, elaboraram planos de
venda, alimentaram expectativas, imaginaram que poderiam estar contribuindo para a
educação no Brasil, sonharam com os bens que poderiam adquirir com o pagamento
dos direitos autorais, uns examinaram obras dos “concorrentes” enquanto outros
orgulharam-se de não ler livros didáticos embora os escrevessem, enfrentaram
impasses na redação ou na edição, amarguraram o erro que saltou à vista logo que o
livro chegou da gráfica. Outras adquiriram o produto assim confeccionado e,
eventualmente, leram-no.
Mesmo restringindo o foco ao âmbito da produção do livro didático e
paradidático, lá onde parecia haver apenas a História, aos poucos emergem as
histórias de Gilberto Cotrim, autor de livros de História e presidente da Associação
Brasileira dos Autores de Livros Educativos (Abrale); Elian Alabi Lucci, de
Geografia e Estudos Sociais; José Ruy Giovanni, veterano autor de livros de
Matemática; João Guizzo, editor da Ática;7 Helena de Brito, editora-assistente da
Língua Portuguesa, da FTD; Isabel Simões, editora da Ática; Marcelo Lellis, da
Matemática e parceiro, em tantos livros, de Luiz Imenes; o próprio Luiz Imenes, ex-
presidente da Abrale; Lizânias de Souza Lima, editor da FTD; Maria Lúcia de Arruda
Aranha, de Filosofia e coordenadora editorial de uma coleção de paradidáticos;
Francisco de Moura, de Português; Jaime Pinsky, editor, autor e pesquisador de livros
didáticos; Rosiane Oliveira Silva, editora de arte, da FTD; Sandra Almeida, editora da
Ática; Ricardo Yorio, José Olavio Dutra, Neri E. Stein e Rosi Meire M. Ortega, do
Sindicato dos Empregados em Empresas Editoras de Livros e Publicações Culturais

7 Um dos envolvidos no episódio do suposto plágio, João Guizzo foi entrevistado antes que a questão
viesse à baila, razão pela qual no seu depoimento não há menção ao ocorrido.
13

de São Paulo (SEEL); e Wilma Silveira Rosa de Moura, editora da Ática. Se entre
essas pessoas há padrões recorrentes de práticas, cada uma delas, no entanto, e a
despeito de toda a determinação das estruturas, aparece como sujeito de uma história
e de temporalidade que lhe é própria e, mais ainda, como sujeito de memória que
reconstrói essa história numa narrativa que lhe tenha significação.
Outras entrevistas alterariam essa avaliação? Embora na escolha dos
entrevistados não tivesse havido preocupação em constituir nenhuma espécie de
amostragem – apenas se entrevistaram aqueles com quem foi possível estabelecer
contato – e apesar de a pesquisa estar prejudicada pela ausência de certas
personagens, como os diretores de Abrelivros (Associação Brasileira de Editores de
Livros) ou do SNEL (Sindicato Nacional dos Editores de Livros), sempre escudados
em secretárias eficientes que prometem “retornar a ligação”, sanar todas essas
deficiências estatísticas não alteraria em absoluto os resultados a não ser em seu
aspecto quantitativo: apenas haveria mais histórias particulares, não redutíveis a uma
história maior (das “mudanças estruturais”), ou melhor, à História.
Trata-se então de narrar essas histórias. De certo modo, o que se pretende aqui
é tão somente propor um roteiro de análise do processo de produção desse objeto-
mercadoria, tão presente na vida escolar brasileira. Essa é, pois, uma análise que
antecede à avaliação da adequação dessa mercadoria, seja em relação à Ciência, seja
em relação à Educação. Qual investigador que reúne fragmentos de provas,
depoimentos esparsos, pistas tênues, indícios, sinais,8 essa pesquisa apenas pretende
instruir um processo que talvez possa ser útil, posteriormente, para um veredito no
tribunal da Razão (ou da Ideologia). Mas essa é uma tarefa para outros pesquisadores,
mesmo porque a presente pesquisa não partilha da tradição da História da Educação,
que nasceu, como constata Warde (1990), “para ser útil e para ter sua eficácia medida
não pelo que é capaz de explicar e interpretar dos processos históricos objetivos das
Educação, mas pelo que oferece de justificativas para o presente” (p. 9).

***

8 Sobre o paradigma indiciário e suas implicações metodológicas e epistemológicas, cf. Ginzburg


(1989).
14

As análises sobre livros didáticos e paradidáticos, em suas diversas vertentes,


são recenseadas no Capítulo 1. O Capítulo 2 descreve o crescimento e a dimensão do
mercado editorial de livros didáticos e paradidáticos e o surgimento de um cliente
especial: o Estado. A relação desse mercado com o Estado é exposta no Capítulo 3,
que se detém especialmente no rumoroso episódio, ocorrido em 1996, envolvendo a
avaliação, pelo MEC, dos livros didáticos. O Capítulo 4 dedica-se a expor os
aspectos técnicos da produção de livro, procurando, assim, estabelecer melhor as
determinações dos livros didáticos e paradidáticos. Como esses livros apresentam-se
efetivamente? Essa descrição, já introduzida nesse capítulo, é mais pormenorizada no
Capítulo 5, que expõe os padrões que se consolidaram no Brasil para livros didáticos
e paradidáticos, segundo decisões tomadas pelas editoras e recomendações do Estado.
Então, os trabalhadores entram em cena e tomam a palavra. No Capítulo 6,
quem fala são os editores e os sindicalistas do setor: eles narram sua trajetória
profissional e contam como trabalham; as mudanças ocorridas no processo de
trabalho; os cuidados que tomam na elaboração do material, levando em conta o seu
caráter didático; a relação com os autores; e o modo como encaram as críticas que
recebem. No Capítulo 7, a vez é dos autores, que também descrevem suas vidas; sua
rotina de trabalho; suas relações com a editora; suas preocupações didáticas. O
tamanho de suas falas pode parecer excessivo, como se esses documentos – em que se
transformaram seus depoimentos – “falassem por si”. Convém lembrar, no entanto,
que esses documentos passaram por controle em dois momentos: na entrevista, com as
perguntas dirigindo a fala, e na sua edição para compor o texto final desta tese.
Capítulo 1
De volta à caverna

Houve outrora um editor pretensioso e arrogante que fora contratado para


idealizar uma revista para uma prestigiosa instituição universitária. Quando, porém, a
publicação, impressa e encadernada, veio da gráfica, constataram-se erros de
digitação e de confecção de gráficos e tabelas. A instituição então cogitou no
cancelamento da circulação da revista: a Ciência fora conspurcada! O desastrado
editor, que tinha certa vocação para sofisma, tentou argumentar que a Ciência reside
numa outra esfera, a das idéias puras do mundo inteligível e que lá permanece
incólume em suas certezas apodíticas; o acidente, por seu lado, ocorrera na esfera das
coisas sensíveis, na qual, por isso mesmo, o erro é inerente. Tratava-se apenas de erro
material, em tinta e papel, e não do conceito; uma errata bastaria para sanar o mal. A
errata foi providenciada e a Ciência não perdeu uma fagulha sequer do seu esplendor,
mas esse editor nunca mais seria chamado para executar novas edições da conceituada
revista.
A fábula não serve apenas para mostrar que a incompetência não é
companheira do sucesso profissional. Ela também aponta para uma irremediável
dificuldade de relacionamento entre as luzes da razão e o seu simulacro no preto-no-
branco das páginas impressas, entre a produção científica do saber e a sua
divulgação/vulgarização. A filósofa Marilena Chaui (1978) trouxe a público essa
dificuldade ao resenhar o livro ISEB: fábrica de ideologias, de Caio Navarro de
Toledo, alertando em nota de rodapé:
16

Esta resenha foi solicitada pela revista IstoÉ. Por motivos ignorados
pela autora, o texto foi publicado com vários cortes e com um outro
título. [p. 113.]

Na outra extremidade dessa dificuldade, Claude Cherki, editor, até 1989, de La


Recherche, importante revista francesa de divulgação científica, expõe o ponto de
vista do “outro lado do balcão”:

Em La Recherche todos os artigos são mais ou menos retrabalhados,


em contato estreito com o autor. Não publicamos os artigos na forma
em que chegam, isso não é possível. Há um enorme trabalho de
reescritura, mas nós procuramos respeitar a personalidade do autor
através do artigo, preservando seu estilo e isto não é sempre fácil. [...]
[...]
Existem, para os cientistas, discursos que são inadmissíveis na sua
formulação, e talvez mesmo na sua intenção. A comunidade científica
sente-se então atingida e eu gostaria de dizer que é normal que ela seja
desconfiada. [...] Por outro lado, a comunidade dos cientistas gosta,
com razão, de preservar seu próprio poder. Ora, qualquer discurso
sobre a ciência, vindo do exterior, lhe dá o sentimento de perda deste
poder. Cada vez que ela o perdeu, sentiu-se maltratada. No fundo, a
ideologia da comunidade científica é muito cientificista, mesmo se não
se tratar de um cientificismo formulado de maneira clara. [...]
[La Recherche. A aventura da imprensa científica. Leia. Uma revista de
livros, autores e idéias, ano XIII, n° 148, fev. 1991, pp. 35 e 36.
Entrevista originalmente publicada em L’Esprit, n° 154, set. 1989.]

Escrever e publicar

A esse cientificismo repugna a possibilidade de que o ser possa ser dito de


várias maneiras. O Autor deve ser soberano na enunciação da Idéia; é-lhe
inconcebível que seu texto – o Texto! – possa ser alterado, a não ser para corrigir
certos erros de datilografia/digitação, essas insignificâncias provocados pela
imperfeição da máquina. Esse cientificismo também desdenha o aspecto gráfico que o
seu texto – o Texto! – assume quando impresso. Que importam o tipo e o tamanho das
letras, a diagramação ou o papel se as idéias – a Idéia! – permanecem imutáveis?
O livro, no entanto, não pode ser abstraído como uma mera causa material de
seu “conteúdo”, o modo imperfeito (porque simulacro) pelo qual as idéias sempiternas
assumem comunicabilidade. Refutando esse platonismo ingênuo, escreve Chartier
(1990):
17

Contra a representação [...] do texto ideal, abstrato, estável porque


desligado de qualquer materialidade, é necessário recordar
vigorosamente que não existe nenhum texto fora do suporte que o dá a
ler, que não há compreensão de um escrito, qualquer que ele seja, que
não dependa das formas através das quais ele chega ao seu leitor. Daí a
necessária separação de dois tipos de dispositivos: os que decorrem do
estabelecimento do texto, das estratégias de escrita, das intenções do
“autor”; e os dispositivos que resultam da passagem a livro ou a
impresso, produzidos pela decisão editorial ou pelo trabalho da oficina,
tendo em vista leitores ou leituras que podem não estar de modo
nenhum em conformidade com os pretendidos pelo autor. Esta
distância, que constitui o espaço no qual se constrói o sentido, foi
muitas vezes esquecida pelas abordagens clássicas que pensam a obra
em si mesma, como um texto puro cujas formas tipográficas não têm
importância, e também pela teoria da recepção que postula uma relação
direta, imediata, entre o “texto” e o leitor, entre os “sinais textuais”
manejados pelo autor e o “horizonte de expectativa” daqueles a quem
se dirige. [pp. 126-127.]

Nesse sentido, tanto Chartier como Darnton relatam uma pesquisa (de D. F.
MacKenzie), segundo a qual “transformações tipográficas aparentemente diminutas e
insignificantes” (Chartier 1990, p. 127), como a do formato do livro, tornaram o
“obsceno e desregrado” William Congreve em um autor “pudico neoclassista”
(Darnton 1990, p. 128).
As análises de Chartier sobre a coleção Bibliothèque Bleue (muitas vezes
traduzida indevidamente como “literatura de cordel”) também apontam para
elementos gráficos como constitutivos do significado do livro. Inicialmente,
acreditou-se que esses livros, difundidos nos séculos XVII e XVIII, na França,
populares pelo material empregado, pelo preço e pelo sistema de distribuição e venda,
eram-no também pelo tema, restando decidir a questão: “a literatura ‘popular’ é
adaptação de obras eruditas ou, ao inverso, emerge, às vezes, nas obras dos literatos?”
(Chartier e Roche 1976, p. 109). Posteriormente, investigações mais cuidadosas
revelaram que

[...] os textos passados a livros de cordel não são “populares” por si


mesmos, pertencendo antes a todos os gêneros, a todas as épocas, a
todas as literaturas. [...]
A especificidade cultural dos materiais editados no conjunto das obras
de cordel prende-se, portanto, não com os próprios textos, eruditos e
diversos, mas com a intervenção editorial que tem por objetivo adequá-
los às capacidades de leitura dos compradores que têm de conquistar.
[Chartier 1990, p. 129.]
18

Em suma, esses livros são populares pela edição: a Bibliothèque Bleue é uma
“fórmula editorial” (Chartier 1990, p. 178). A rigor, isso implica outras atividades que
não simplesmente as de natureza tipográfica. O texto não é apenas composto
(tipograficamente) em tal ou qual fonte (tipo de letra), segundo um certo estilo de
diagramação; mais do que isso, o texto passa por série de transformações, que
suprimem “capítulos, episódios ou divagações considerados supérfluos” e simplificam
frases; subdividem os textos “criando novos capítulos, multiplicando os parágrafos,
acrescentando títulos e resumos”; por fim, censuram “as alusões tidas como
blasfematórias ou sacrílegas, as descrições consideradas licenciosas, os termos
escatológicos ou inconvenientes” (pp. 129-130). Essas adaptações não seguem apenas
a consciência moral e religiosa dos editores, mas são também orientadas pela
“representação que estes têm das competências e das expectativas culturais de leitores
para quem o livro não é algo de familiar” (p. 129). Em outras palavras, o editor
produz um texto de acordo com a “leitura implícita” de um “leitor implícito”, que
nem sempre coincide com os imaginados pelo autor (cf. Chartier s.d., p. 17) – muito
menos com o leitor e a leitura efetivos.1
A investigação desse “encontro entre o ‘mundo do texto’ e o ‘mundo do
leitor’”, diz Chartier (1991), tem como eixo duas hipóteses fundamentais:

A primeira hipótese considera a operação de construção de sentido


efetuada na leitura (ou na escuta) como um processo historicamente
determinado cujos modos e modelos variam segundo os tempos, os
lugares, as comunidades. A segunda considera que as significações
múltiplas e móveis de um texto dependem das formas pelas quais é
recebido por seus leitores (ou seus ouvintes).
Estes, com efeito, nunca se acham frente a textos abstratos, ideais,
separados de toda materialidade: manejam objetos cujas organizações
dirigem sua leitura, por conseguinte sua apreensão e sua compreensão
do texto lido. [p. 167.]

Não há, em suma, o Texto, essa idealidade eidética a pairar no mundo


inteligível. O que há, efetivamente, é, papel e tinta (além de cola, linha e outros
materiais) em sua brutalidade empírica, na qual se inscrevem significados. Livro é
signo cultural na e pela sua materialidade, pela sua natureza objetivada como
mercadoria, resultado de uma produção para mercado. A análise do livro requer, pois,

1.Davis (1990) introduz a distinção entre “audiência” e “público” para distinguir, respectivamente, os
“que efetivamente liam os livros” daqueles “a quem os autores e editores destinavam seus trabalhos”
(pp. 159-160) .
19

a recusa do idealismo que sobrevaloriza a ideação da Obra e desdenha o momento da


produção material. Ao contrário do que muitos acreditam, não há no livro a imediatez
das idéias; é a forma (material) como elas se apresentam, tão desprezada em certos
meios, que lhes conferem possibilidade e ocasião de significação. Definitivamente,
“TUDO É HISTÓRICO, LOGO A HISTÓRIA NÃO EXISTE” não é o mesmo que
“Tudo é histórico, logo a História não existe”.
Por essa razão, Chartier (1990) faz questão de declarar que quem faz o livro
não é o autor – e cita R. E. Stoddard, um bibliógrafo americano:

Façam o que fizerem, os autores não escrevem livros. Os livros não são
de modo nenhum escritos. São manufaturados por escribas e outros
artesãos, por mecânicos e outros engenheiros, e por impressoras e
outras máquinas. [p. 126.]

Do mesmo modo, o título do primeiro capítulo da obra de Nyssen (1993) sobre edição
adverte: “Este não é um texto” (p. 11) – o que o leitor tem diante de si já é um livro. E
um manual de um programa de editoração eletrônica para computador cita o escritor
inglês Edward G. E. Bulwer-Lytton em epígrafe: “Uma coisa é escrever, outra é
publicar” (Holtz 1990, p. IX).

O tribunal das “belas mentiras”

No Brasil, a grande maioria de pesquisas sobre livros didáticos (e


paradidáticos) desconsideram essas questões. Não que não haja outros aspectos a
serem abordados, muito pelo contrário. Como aponta Bittencourt (1993):

A natureza complexa do objeto explica o interesse que o livro didático


tem despertado nos diversos domínios de pesquisa. É uma mercadoria,
um produto do mundo da edição que obedece à evolução das técnicas
de fabricação e comercialização pertencente aos interesses do mercado,
mas é também um depositário dos diversos conteúdos educacionais,
suporte privilegiado para se recuperar os conhecimentos e técnicas
consideradas fundamentais por uma sociedade em uma determinada
época. Além disso, ele é um instrumento pedagógico “inscrito em uma
longa tradição, inseparável tanto na sua elaboração como na sua
utilização das estruturas, dos métodos e das condições do ensino de seu
20

tempo.” E, finalmente, o livro didático deve ser considerado como


veículo portador de um sistema de valores. [p. 3.]2

Bittencourt também constata que o que se destaca entre esses vários enfoques
possíveis do livro didático é “a linha que privilegia avaliações de seus diversos
conteúdos” (p. 3).
De fato, os dados colhidos pelo Projeto Livro Didático,3 embora já
desatualizados, mostram que dos 426 títulos pesquisados sobre livro didático, entre
livros, artigos, teses, eventos etc. (alguns deles catalogados mais de uma vez), 256
(60%) classificam-se na rubrica “conteúdo/método” (cf. Unicamp 1989). Desses, uma
parte não desprezível dedica-se a denunciar a ideologia dominante subjacente nos
livros didáticos – o que contribuiria para a manutenção e a reprodução da dominação
burguesa. Variante desse enfoque são as análises que desmascaram os preconceitos
raciais, culturais e sexuais que se insinuam nos livros didáticos.
Não por acaso, os livros de História e disciplinas correlatas (como Estudos
Sociais), são particularmente visados por essa vertente de análise. Segundo Cordeiro
(1994), nos anos 70 e 80 publicaram-se, entre artigos e livros, 13 textos sobre livros
didáticos de História, cuja “maioria [...] tem operado em termos da análise ideológica,
examinando os seus textos quanto à consistência teórica e aos conteúdos veiculados”
(p. 141). Os títulos e os subtítulos de algumas dessas publicações já indicam o teor
das acusações: “versão fabricada”, “história mal contada”, “belas mentiras”.4
Um caso exemplar é a análise de Franco (1982), que se propõe a examinar

[...] o tratamento dado ao “povo” e à “violência”, em movimentos


insurrecionais do Período Regencial, tal como veiculados nos livros
didáticos de História do Brasil para o ensino de 2° grau. [p. 36.]

Em particular, escolheram-se os movimentos de Cabanagem e Balaiada. Neles, os


temas de “povo”, previamente definido como “conjunto de indivíduos pertencentes às
classes economicamente dominadas pelos proprietários rurais do Período Regencial”

2. O trecho citado é de Alan Choppin, L’histoire des manuels scolaires: une approche globale, Histoire
de l’Éducation. Paris, INRP, nº 9, déc. 1980, pp. 1-25.
3. Projeto executado em 1987-1988 por pesquisadores da Biblioteca Central, da Faculdade de
Educação e do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp),
com o financiamento do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). Seus dados
foram posteriormente publicados em livro (Unicamp 1989).
4. Essas expressões encontram-se nos títulos de, respectivamente, Franco (1982), Telles (1984) e Deiró
(s.d.).
21

(p. 37), e de “violência” forneceriam o índice da adesão de cada autor dos livros
didáticos a uma

concepção de realidade que se edifica numa abordagem que concebe a


História como um processo, cujo movimento se assenta nas
contradições presentes no seio da própria realidade social. [p. 58.]

A essa concepção, segundo Franco, opõe-se a “positivista”, fundada em duas


premissas:

a) os fatos sociais estão submetidos às mesmas leis naturais,


invariáveis, previsíveis, que regem a natureza;
b) a ordem social está diretamente ligada à ordem natural e, como
tal, deve ser mantida. [p. 59.]

Essa classificação dos autores e suas interpretações fez-se segundo os


procedimentos de “análise de conteúdo”, que “tem por finalidade produzir inferências
sobre qualquer um dos elementos básicos do processo de comunicação” (p. 47). Em
outras palavras, e citando Holsti,5 “toda análise de conteúdo implica comparações; o
tipo de comparação é ditado pela teoria do investigador” (p. 48). Trata-se, portanto, de
estabelecer previamente o que deve ser uma interpretação satisfatória de
acontecimentos como Cabanagem e Balaiada – literalmente uma ortodoxia (opinião
correta) – e compará-la com as versões correntes. Nesse processo de julgamento,
raramente o investigado consegue coincidir com a linha justa. Assim, os autores
examinados revelam uma “inconsistência”, pois usam indiferentemente os termos
“movimentos revolucionários”, “revoltas”, “insurreições”, “levantes”, “sedições” para
designar os movimentos que analisa, ignorando que

[...] os mesmos não podem ser considerados como revolucionários. Em


outras palavras, não podem ser concebidos como lutas voltadas para a
transformação radical da estrutura social vigente, uma vez que não
colocaram em questão nem mesmo o sistema produtivo que tinha no
trabalho escravo sua sustentação. [pp. 45-46.]

Do mesmo modo, até no grupo de autores com “uma visão mais progressista
da História”, portanto supostamente “não-positivista”, Franco constata “algumas

5. O. R. Holsti. Content analysis for the social sciences and humanities. California, Addison-Wesley,
1969.
22

limitações básicas”, “informações [...] insuficientes e/ou ambíguas”, “a forma precária


[...] mediante a qual são caracterizados os ‘agentes sociais’ dos movimentos
insurrecionais”, além da limitação no que se refere “às explicações dadas para o
término dos movimentos e para a mensagem associada à conclusão” (pp. 97, 98, 99 e
100). Esta última limitação, em que os autores “amenizam ou, às vezes, omitem a
violência com que foram reprimidos os movimentos sociais”, é a mais grave, pois “faz
com que esse grupo de autores acabe por identificar-se com o segundo enfoque
interpretativo” (p. 100), isto é, positivista. Numa linguagem arcaica, pode-se dizer que
esses autores apresentam sérios “desvios” e “objetivamente” fazem jogo do “outro
lado”, adversário ou inimigo.
A análise de Franco é um exemplo de um padrão interpretativo compartilhado
por várias outras investigações sobre livro didático e que tem, talvez, origem na
célebre obra de Eco e Bonazzi (1980), uma espécie de antologia de preconceitos,
mistificações, “delirante reacionarismo arcaico” e “freqüente tendência fascista”
recolhidos de livros didáticos italianos. O que ali importa não é tanto a análise,
confinada a poucas linhas de apresentação de cada capítulo, mas, como afirma Eco na
“Introdução”, a denúncia de conteúdos perpetrados por autores que, “para satisfazer a
maioria, para não causar discórdias, para evitar susceptibilidades, para agradar a
todos”, não ultrapassam o “nível do óbvio ululante, do corriqueiro, do acrítico, da
imbecilidade respeitável” (p. 18). A surpreendente conclusão de Eco é bastante
conhecida:

A aspiração máxima seria que Mentiras que Parecem Verdades se


tornasse o único livro de texto adotado nas escolas. Desta forma, as
crianças seria educadas para reconhecer e julgar as mentiras que tentam
incutir-lhes. Contudo, trata-se de um desejo paradoxal, porque a linha
pedagógica mais sensata que parece hoje prevalecer, junto aos mestres
mais responsáveis, é a de que não se façam mais livros de texto. [p. 18.]

Esse mesmo padrão de interpretação – que tem também parentesco com a obra
de Ferro (1983) sobre livros de História – é desenvolvido no Brasil por Deiró (s.d.),
em conhecida obra que procura desmascarar as “belas mentiras” divulgadas por livros
didáticos na área de Comunicação e Expressão (disciplina de Português) adotados, em
1977, nas quatro primeiras séries do 1° grau das escolas da rede oficial de Espírito
Santo. Também nessa obra constitui-se a priori uma ortodoxia (o “Referencial
23

Teórico”, pp. 18-28), à luz do que se pode flagrar a insídia da ideologia dominante.
Esta se insinua por toda parte, como nessas três singelas frases:

Numa manhã, bem cedinho, papai e eu fomos pegar siris;

Num domingo, eu fui pescar com o papai (...);

Há alguns dias, na hora do almoço, papai chegou com uma novidade: –


Vamos para a praia.
[apud Deiró s.d., p. 37.]

Singelas apenas na aparência! – o leitor é logo despertado do seu torpor ideológico


pela crítica vigilante:

A mensagem ideológica, claramente presente nestes textos, reproduz,


de maneira fixa, a figura paterna, limitando-a a dois comportamentos
fundamentais: sustentar o lar e fazer passeios. Isto teria a finalidade de
esvaziar a riqueza da personalidade de cada pai, tornando-o um
indivíduo único. Há sempre uma imposição de comportamentos
estanques, tanto para os pais como para os filhos, que correspondem a
atitudes desejadas por um determinado tipo de sociedade, para a
preservação de suas estruturas. [p. 37.]

A ideologia também se insinua ali, por exemplo, num livro didático de


Ciências para primeiros anos do 1° grau, em que se lê: “Na Terra nós encontramos
tudo o que precisamos para viver: os animais, as plantas, o ar que respiramos, o solo,
a água”. Em frases como essa, como aponta Pretto (1985), “vemos nitidamente uma
tendência em fazer com que a criança veja a Natureza e os recursos naturais como
uma fonte interminável de benefícios” (p. 69). Eis a ideologia dominante, que
concebe uma “Natureza que está aí para ser manipulada e não para que o ser humano
com ela interaja”. (p. 70). E a ação deletéria da ideologia nessa faixa etária será
irremediável:

É óbvio que muito pouco adiantará, futuramente, a criança ter noções


de ecologia e de proteção ambiental. Mais tarde, estas noções serão
apenas e unicamente utilizadas para que a Natureza forneça mais e
mais. [pp. 70-71.]

Segundo Pretto, as

[...] características mais marcantes destes livros são: que possuem um


enorme vazio de informações; reproduzem uma prática autoritária dos
que sabem em relação aos que nada sabem; são calcados na repetição
do conteúdo, induzindo à memorização; apresentam o conhecimento de
24

forma compartimentalizada; colocam a ciência se utilizando da


Natureza como uma fonte inesgotável de recursos; apresentam o
método que a ciência utiliza como tendo na experiência a base de tudo
e visando controlar a Natureza; mostram o universo e os homens
vivendo em perfeita harmonia; consideram o cientista um indivíduo
especial, absolutamente diferente do homem comum; apresentam a
experimentação como palavra final, sem vínculos com os modelos
teóricos; e colocam os efeitos do desenvolvimento científico e
tecnológico (ou não) como sempre benefícios. [p. 55.]

Tudo isso, como não poderia deixar de ser, choca-se frontalmente com o
conjunto de reflexões teóricas de Pretto – uma mescla de análises sobre discurso
competente de Marilena Chaui, epistemologia à Kuhn e Foucault, ceticismo empirista
de Rubens Alves e forte dose de tecnofobia ecológica e ambientalista. É por esse
referencial que se pode medir a taxa de ideologia contida nos livros didáticos de
Ciência,6 surpreendendo-a até mesmo em trechos onde elementos ideológicos
parecem ser criticados. O texto a seguir, por exemplo:

Sr. Raul andava muito satisfeito com os ensinamentos do eletricista


Edson. E, pouco a pouco, foi entendendo que o estudo das Ciências
pode ser uma prática de vida. Ali, no seu dia a dia [sic], foi aprendendo
a explicar todos os fenômenos produzidos pela eletricidade, à medida
em que [sic] adquiria um conhecimento mais científico dos mesmos.
E foi assim quando o paciente eletricista lhe explicou o que é
magnetismo.7

Aqui, a idealização, freqüente em livros didáticos, da figura do cientista como um


herói quase super-homem, é aparentemente desmistificada pela introdução na
narrativa de um simples eletricista para ministrar ensinamentos científicos. Mas,
sempre alerta, Pretto adverte:

Alguns livros se arriscam em tentar analisar criticamente o papel do


cientista. Estas tentativas não passam de afirmações contraditórias que,
no nosso entender, reforçam uma visão elitista do cientista e da ciência.
[p. 75.]

Tamanha dialética também permite denunciar a falácia da pedagogia que


primeiro induz o aluno a perguntar tudo ao professor, para, depois, exigir pesquisa.

6. Analisaram-se os livros de Ciência mais utilizados em Salvador, Bahia. O trecho acima mencionado,
sobre a natureza como provedora de recursos, é do livro mais utilizado, de Joanita Souza (Ainda
brincando, 2ª série, São Paulo, Editora do Brasil).
7. Extraído de Geraldo Soares, Ciências como prática de vida, 4ª série, Recife, Inojosa, pp.128-129.
25

No primeiro momento, instruções no livro didático do tipo “Pergunte à sua


professora...”

levam a criança a não ter como obter a resposta por si mesma, o que é
ruim para a sua formação. Ela ficará sempre na dependência de uma
informação a ser dada por aquele que sabe algo mais. [p. 57.]

Mas, quando aparecem perguntas do tipo “Pesquise e descubra” nos livros de séries
mais avançadas, isso não significa que ao aluno já é permitido “obter a resposta por si
mesma”, pois a criança já estará condicionada a pedir auxílio de alguém que
supostamente saiba mais, por exemplo, os pais. É aí que a ideologia revela toda sua
perversidade:

Todos sabemos da realidade da maioria das famílias dos alunos das


escolas públicas e das particulares que atendem às classes de baixa
renda. Pais analfabetos, com uma longa jornada de trabalho,
inexistência de livros, jornais e revistas em casa e tantos outros
condicionantes que irão certamente impedir a essa maioria de crianças
o acesso às respostas que o livro solicita. [p. 58.]

Em suma, ruim sem pesquisa, pior com ela. A ideologia fecha o cerco, o que leva
Pretto a concluir:

Percebemos que os livros didáticos de Ciência nada mais são do que


instrumentos para que a ideologia dominante seja passada aos alunos
durante o período escolar [...]. Uma ideologia que não é apenas um
conjunto de idéias apresentadas mais ou menos arbitrariamente para
ocultar a realidade do sistema, mas que cria condições concretas para
que a “massa” possa assimilar tais idéias, permitindo o funcionamento
e a reprodução do sistema como um todo. [p. 83.]

Não basta, porém, apenas denunciar a ideologia em geral incrustada nos livros
didáticos – aponta Faria (1991): é preciso desmascará-la ali onde ela supostamente
mais incide, no tema de trabalho,

[...] já que a contradição principal na sociedade capitalista é capital x


trabalho, já que o desenvolvimento do trabalho é a chave para entender
o desenvolvimento do homem, já que a divisão do trabalho implica a
divisão da sociedade em classes [...]. [p. 9.]

No final dessa sucessão de “já que”, Faria postula a necessidade de “adotar o


materialismo histórico-dialético” e afirma pretender “fazer um exercício do método e,
26

pensando na transformação social, contribuir para o conhecimento da realidade onde


nós educadores atuamos” (pp. 9-10).
O procedimento adotado é analisar “35 dos livros mais vendidos em 1977”,
mas “sem dar tratamento estatístico” (p. 10). Nessa amostra, compreendendo livros de
Comunicação e Expressão, Estudos Sociais e Educação Moral e Cívica, não foram
incluídos “os livros didáticos da primeira série, pois sua preocupação maior é
alfabetização” (e não, obviamente, de incutir ideologia nas crianças!), nem os “de
Matemática e Ciências já que o que interessava era o conceito de Trabalho e nada ou
muito pouco seria encontrado sobre ele nos livros dessas disciplinas” (pp. 10-11).
Definido o material a ser examinado,

[...] a análise propriamente dita está relacionado com o referencial


teórico adotado: está baseado em como o trabalho é hoje na sociedade
capitalista para que se possa verificar como esta realidade é explicada
pelo livro. [p. 11.]

Novamente, o recurso analítico é a construção de uma ortodoxia que serve de medida


para avaliar o grau de desvio dos textos examinados. Desde então, a tarefa de Faria
(pp. 18 ss.) consiste em cotejar trechos selecionados dos livros com os de Marx e
Engels.
Faria, no entanto, vai além e considera ser “necessário verificar também como
é visto o TRABALHO pelas crianças que freqüentam as escolas e aprendem nestes
livros”, pois

[...] não interessa apenas constatar a ideologia burguesa transmitida


pela escola e pelo livro didático em particular. Para que se possa pensar
em alternativas pedagógicas é necessário conhecer a realidade onde se
atua e o contato com as crianças será considerado o contato com a
realidade. [p. 12.]

Esse contato foi propiciado pela entrevista realizada com alunos de uma escola
pública, supostamente com maior freqüência de crianças de origem operária, e com os
de uma escola particular, logo, burguesa. Além disso, o método adotado é
dialeticamente inovador: a escola particular cujos alunos foram entrevistados não
adota nenhum livro didático, ao menos nas primeiras séries do 1° grau (p. 16). Isso
possibilita examinar não o contágio ideológico por livros didáticos de que a criança é
vítima, mas efetuar “a comparação entre o conteúdo do livro didático e a percepção
que as crianças fazem deste mesmo conteúdo” (p. 12). Por esse método pode-se
27

chegar a conclusões de grande alcance: na rede pública, o livro didático serve para
reforçar a ideologia dominante de que a instituição escolar é reprodutora, anulando a
contradição entre a experiência da criança proletária e o conteúdo dessa ideologia; em
crianças burguesas, ao contrário, apesar “de não ser adotado livro didático na sua
escola, seu discurso muitas vezes é idêntico ao do livro” (p. 77). A pesquisa, que teve
como “referencial teórico” a ubiqüidade da ideologia dominante e sua constante
reprodução, encontrou, no final do percurso, a ideologia dominante sendo reproduzida
em todo lugar, à exceção, talvez, de livros de alfabetização, de Ciências e de
Matemática.
Freitag et alii (1993), no entanto, apresentam uma série de objeções a esse
procedimento. Em primeiro lugar, o método de Faria impossibilita determinar qual
exatamente a responsabilidade do livro didático na formação ideológica, pois

[...] parece ignorar que durante esse mesmo período a criança estava
sendo simultaneamente ideologizada por possíveis aulas de catecismo,
pelas novelas de rádio e televisão, por revistas em quadrinhos, pelos
próprios pais e parentes e assim por diante. [p. 90.]

Em segundo lugar, a comparação entre a fala das crianças entrevistadas e o conteúdo


ideológico dos livros didáticos peca por não levar em conta a heterogeneidade dos
discursos examinados, produzindo discrepâncias (p. 91). Por fim, todo esse
procedimento reduz o objeto da pesquisa à teoria já-dada:

Tudo que não cabe no esquema é abandonado, o que sobra é usado


como simples ilustração, como exemplo da validade da teoria, que não
se modifica, mas molda o material empírico segundo o a priori, sempre
o mesmo, de que o texto didático reproduz as relações capitalistas de
produção. [p. 91.]

Esse, por sinal, parece ser o grande problema desse padrão interpretativo que
pretende denunciar as “belas mentiras”: a ideologia pode ser encontrada em todo
lugar onde se queira encontrá-la – até mesmo em passeio pela praia, na narrativa do
eletricista sobre magnetismo ou na sugestão de atividade de pesquisa. Mas,
dependendo do ponto de vista, isso também pode ser uma grande vantagem, pois tudo
pode ser facilmente demonstrado.
Além disso, o que se discute efetivamente nessas “análises de conteúdo” são
as idéias contidas nos livros didáticos – e tão somente o que elas apresentam de
concordância ou divergência em relação a outras idéias, justas e corretas, ditadas pela
28

ortodoxia. Nessa etérea esfera em que as idéias relacionam-se livremente entre si, não
há lugar para outros elementos, por exemplo, professores e alunos. Como constata
Cordeiro (1994), essas análises têm realizado poucos avanços “na investigação dos
usos concretos desse tipo de obra praticados por professores e alunos” (p. 141). A
presença destes na investigação, quando ocorre, serve apenas para ilustrar a gravidade
da situação educacional, na qual os professores encontram-se despreparados para
efetuar a crítica consistente do livro didático (Pretto 1985), ou para constatar a
“ideologização” dos alunos, com ou sem livro didático (Faria 1991). Na maioria das
vezes, a discussão das idéias dos livros didáticos se faz pela sua cristalização em
conteúdos unívocos, monossêmicos, com o que só resta atribuir-lhes as rubricas de
verdadeiro ou de falso. As várias estratégias didáticas que o professor eventualmente
elabora em torno dos livros didáticos; a possibilidade mesma de eles propiciarem
“melhores condições ao professor de gerenciar os problemas de sala de aula, mais ou
menos independentemente da eficácia pedagógica” (Oliveira et alii 1984, p. 76); as
diversas leituras possíveis que o professor e o aluno, individualmente ou em grupo,
fazem desses livros; enfim, as múltiplas práticas que eles implicam – nada disso faz
parte desse mundo platônico de idéias. O livro propriamente dito e os agentes reais
nele envolvidos devem ser buscados em outro lugar.

Repulsa da mercadoria

A constatação de Cordeiro (1994) vai além:

Ainda quanto aos livros didáticos, outro ponto importante que não foi
muito levado em conta na maioria das análises realizadas na época é o
seu caráter de mercadoria – aliás, mercadoria muito consumida.
[p. 149.]

Esse aspecto, ao que parece, é o que mais repugna aos estudiosos do livro didático: é
um terreno sujo, mesquinho, em que prevalecem interesses materiais, capitalistas, em vez de
elevados ideais educacionais ou científicos. Por sinal, Sérgio Waissman, um empresário do
ramo, não mede palavras para confirmar o caráter mercantil da sua atividade: “a indústria
editorial não é composta de sociedades filantrópicas: o lucro é a mola mestra para o seu
desenvolvimento” (apud Pretto 1985, p. 40). Freitag et alii (1993) ratificam:

Enquanto mercadoria, o livro didático tem valor de uso e valor de


troca. Seu valor de uso se realiza nas mãos do professor desqualificado
29

e da criança frustrada do verdadeiro aprendizado. Como valor de troca,


o livro didático enriquece editores e burocratas. E tudo isso sob o
manto da “assistência à criança carente”. [p. 63.]

Nessa esfera, tudo é inescrupuloso:

Com a crescente expansão da rede de ensino [...], o livro didático passa


a ser visto como um produto muito especial. Vislumbra-se, por
intermédio dele, a possibilidade da apropriação do grande mercado [...].
A decorrência imediata é a luta feroz pelo mercado, onde o objetivo
maior é o lucro.
[...] Depois de editorados os livros [...] a sua promoção costuma ser
feita de uma forma tão agressiva quanto aquela que se vê para os
produtos de outros setores mais sofisticados de nossa sociedade de
consumo. Tudo isso, sem contar outros mecanismos de que lança mão
para a conquista desse almejado mercado. Assim é que o
estabelecimento de privilégios entre compradores e editores/autores, as
constatações de subornos e a existência de professores que recebem
propinas para adotar esse ou aquele livro já deixaram de ser temas de
“fofocas nos corredores” e passaram a ocupar espaço, como denúncias,
na grande imprensa.
[Franco 1982, pp. 18-19.]

Na disputa pelo mercado, afirma Ezequiel Theodoro da Silva, na “Apresentação” à


obra de Molina (1987), as editoras “aplicam”

[...] estratégias de “marketing” [...] no contexto das escolas, fazendo a


cabeça dos professores, impondo modismos, incentivando o consumo
e, por trazerem na capa um “de acordo com a lei n° tal”, iludindo
consciências através do embelezamento do produto e de regras do
mínimo esforço. [p. 9.]

Um dos traços que parece mais chocar o pesquisador de livros didáticos é


exatamente esse “embelezamento”, um verdadeiro canto de sereia para seduzir
compradores incautos, como se a virtude residisse unicamente na feiúra. “Para
comunicar”, diz Zamboni (1991), “a mídia estende seus tentáculos a um público
enorme e heterogêneo” (p. 76). E prossegue, ao analisar a produção dos livros
chamados “paradidáticos”:

Na conquista deste público, a sedução ocorre em várias direções: [as


editoras] oferecem uma coleção de livros bonitos, com temas variados e
conhecidos, sem originalidade, aparentemente interdependentes. A sua
inovação ocorre pelos aspectos mais visíveis e exteriores; a
apresentação se caracteriza por ser fora do convencional, colorida.
Lançam mão do recurso de novas formas narrativas com textos curtos e
letras grandes. [p. 78.]
30

Nessa linha de análise, é bastante freqüente a crítica do esmero formal,


apontado como expediente adotado pelas editoras para encobrir deficiências de
conteúdo. Em sua obra clássica sobre livros didáticos de comunicação e expressão,
Lins (1977) emprega o termo “disneylândia pedagógica” para denunciar o “delírio
iconográfico” e o excesso de recursos lúdicos extra-pedagógicos a que as editoras
recorrem para tornar seus produtos mais atraentes. A defasagem entre a “novidade”
formal e as “velhas idéias” é também apontada por Glezer (1984), em relação a livros
paradidáticos de História:

O processo de modernização dos livros didáticos ocorreu em todas as


disciplinas, mas, fixando-nos especialmente nos de História,
observamos que a introdução de cores, gráficos, mapas, textos
complementares e nova linguagem, tanto visual – como no uso da
história em quadrinhos – quanto estilística – preocupação com
linguagem mais acessível ao aluno, utilização de vocabulário corrente e
quotidiano –, correspondeu a uma necessidade de atingir a clientela
escolar, aparentemente desinteressada das aulas de História pela
pobreza gráfica dos manuais. [...]
Vários dos grupos de estudo do ensino de História no 1º e 2º graus têm
feito leituras críticas do conteúdo “modernizado” dos livros didáticos, e
o que encontraram é a demonstração cabal [de] que a “modernização” é
falsa: o conteúdo veiculado é basicamente o mesmo das obras de 1940
e 1950, apenas acrescido de novas informações, ou pior ainda, em
nome da “modernidade” o conteúdo é restrito e empobrecido. [p. 150.]

As coleções mencionadas por Glezer – “Redescobrindo o Brasil”, da


Brasiliense, e “Cotidiano da História”, da Ática –, além da “História em
Documentos”, da Atual, são objeto de minucioso exame de Zamboni (1991), que
investiga exatamente a dicotomia entre a forma e o conteúdo nos livros, no caso,
paradidáticos de História. A empreitada, arriscando-se pelo terreno escorregadio de
análise icônica, chega à conclusão de que, ao menos nos livros analisados, “a
mudança foi aparente naquilo que expressava a ‘modernização conservadora’ tão
conhecida nos processos escolares” (p. 201):

[...] apesar da ênfase com que é veiculada a relação entre paradidático e


inovação pedagógica, ela não se concretiza em termos reais. Isto
porque o simples emprego de uma técnica discursiva (seja história em
quadrinhos, documentos ou narrativa ficcional) considerada a priori
como inovadora, seja no sentido de não usual, seja no sentido de
facilitadora da percepção, não define a produção da mudança cultural,
no caso, o livro paradidático como objeto inovador. [...]
[...]
Portanto, o emprego da forma isolada, por mais inovadora que seja,
impossibilita o alcance de inovações que apontem para a
31

transformação, que somente será alcançada com mudanças substanciais


nas abordagens de conteúdo proposto. E isto [...] não ocorreu, pois, no
final a história veiculada continuou sendo aquela exaltadora de heróis,
excludente das minorias, reforçadora dos laços de dominação. [p. 200.]

No final das contas, a questão da relação entre forma (moderna) e conteúdo


(arcaico) repõe o predomínio do conteúdo. Se as idéias justas e corretas descem à
caverna habitada por mercadorias é para nelas flagrar melhor a farsa: bonitinhas, mas
ordinárias, fetiches da ideologia dominante e da reprodução ampliada do capital.8
Não por acaso, uma das referências obrigatórias dessa abordagem do livro
(didático) como mercadoria é a reflexão pessimista de Adorno e Horkheimer (1971)
sobre indústria cultural. Para eles, a produção e consumo em série de objetos
culturais, padronizados, pasteurizados, tendo em vista o lucro, neutraliza a eventual
potencialidade crítica da cultura, tornando-os meio de mistificação:

A indústria cultural é corrupta não como Babel do pecado, mas como


templo do prazer elevado. Em todos os seus níveis, de Hemingway a
Emil Ludwig, de Mrs. Niniver a Lone Ranger, de Toscanini a Guy
Lombardo, a mentira é inerente a um espírito que a indústria cultural
recebe já pronto da arte e da ciência. [p. 172.]

Num artigo em que retoma o tema, diz Adorno (1986):

As mercadorias culturais da indústria se orientam [...] segundo o


princípio de sua comercialização e não segundo seu próprio conteúdo e
sua figuração adequada. Toda a prática da indústria cultural transfere,
sem mais, a motivação do lucro às criações espirituais. [p. 93.]

Desse modo, o conceito de indústria cultural refere-se ao modo predominante de


produção cultural na sociedade capitalista e não exatamente àquilo de que não
gostamos – embora Adorno e Horkheimer, eles próprios, freqüentemente parecem
esquecer-se disso. Na indústria cultural, o ideológico não está diretamente associado
ao “conteúdo” do produto, mas ao próprio modo de produção (e reprodução),

8 Segundo Ênio Silveira, editor da Civilização Brasileira, foi ele o responsável pela introdução, no
Brasil, de “ilustrações nas capas dos livros, que em nosso país seguiam o modelo francês, ainda
basicamente tipográficas. Até o meu sogro [o editor Octalles Marcondes Ferreira, da Companhia
Editora Nacional-CEN, que então detinha o controle acionário da Civilização Brasileira] se horrorizou.
Aquilo só se fazia em livros de pouco prestígio cultural, como os publicados nas coleções populares da
CEN”. Além disso, o editor, que não prima pela fama de inescrupuloso argentário, confessa: “audácia
suprema, fiz uma campanha publicitária intensa sobre nossos lançamentos” (Ênio Silveira. Memórias
provocadoras de um editor também. Leia. Uma revista de livros, autores e idéias. Ano XII, n° 146,
dez. 1990, p. 36).
32

distribuição e consumo dessa mercadoria, e desse circuito não escapam nem sequer as
obras de Adorno e Horkheimer. Os produtos da indústria cultural estão, desde sempre,
condenados não pelos “conteúdos” que veiculam, mas pelo próprio modo pelo qual
são produzidos.
Isso também significa que os produtos da indústria cultural, exatamente por
serem determinados por essa causa final que é o lucro, passam por mudanças, ainda
que não na sua constituição essencial. Fonseca (1993) descreve tais mudanças
ocorridas em livros didáticos de História, produzidos no Brasil. Num primeiro
momento, o crescimento, nos anos 70, da indústria de livros didáticos fez parte de um
“projeto de massificação do ensino e da cultura” promovida por uma política
educacional baseada no “binômio segurança/acumulação” (p 134). Tal projeto
“beneficiava a acumulação do capital, os ideais de segurança nacional e correspondia
aos interesses multinacionais no Brasil e na América Latina” (p. 139). Posteriormente,
no

[...] final dos anos 70 e início dos 80, o movimento de ampliação das
pesquisas históricas e do repensar do ensino é acompanhado por um
processo de mudanças nas relações entre o conjunto da Indústria
Cultural e as instituições educacionais produtoras de conhecimento. A
indústria editorial passa a participar ativamente do debate acadêmico,
adequando e renovando os materiais, aliando-se aos setores intelectuais
que cada vez mais dependem da mídia para se estabelecerem na
carreira acadêmica. [...]
[...]
[...] No caso do ensino de História, ocorre um fenômeno interessante.
Na medida em que se amplia o campo das pesquisas históricas, a
exemplo do ocorrido na Europa, através da ampliação dos campos
temático e documental, ao mesmo tempo que começam a ser publicadas
experiências alternativas no ensino de História, o mercado editorial
aponta também suas novidades.
Constatamos um duplo movimento de renovação. Um tratou de rever,
aperfeiçoar o livro didático de História. Como uma mercadoria
altamente lucrativa, procuraram ajustá-las aos novos interesses dos
consumidores. Renovaram os conceitos, as explicações de acordo com
as novas bibliografias. Propuseram mudanças na linguagem, na forma
de apresentação e muitas buscaram alternativas, tais como a seleção de
documentos escritos, fotos, desenhos e seleção de textos de outros
autores. Um outro movimento foi o lançamento de novas coleções de
livros visando atingir o leitor médio. Os livros destas coleções,
denominados paradidáticos, tornaram-se um novo campo para as
publicações dos trabalhos acadêmicos. A nova produção
historiográfica, abordando temas até então pouco estudados, tornou-se
mercadoria de fácil aceitação no mercado de livros. [pp. 142-143 e
144-145.]
33

Essa renovação – “modernização conservadora”? –, como não poderia deixar de ser, é


determinada não por razões pedagógicas, acadêmicas, científicas ou político-
ideológicas, mas sobretudo pelo lucro:

Quanto às diretrizes ideológicas [...] os editores entrevistados têm


posição consensual. Para eles, no momento de redemocratização vivido
por nós, o que importa não é a ideologia contida no livro e sim a sua
aceitação no mercado; ou seja, a ideologia do mercado. Não importa se
o livro é de “tendência x ou y”, mas suas vendas. Pode ser um livro
crítico, bem elaborado, atual e interessante, mas se ele não for bem
vendido deixa automaticamente de ser publicado. O importante é
agradar o leitor, socializar o conhecimento e torná-lo um excelente
negócio. Para elaborar este produto, nem sempre o melhor especialista
do ramo é o mais capaz. É preciso criatividade (o elemento ficcional é
importante) e capacidade de simplificação para tornar o produto
interessante. [p. 147.]9

Juntamente com esse processo produziram-se novos autores: segundo Fonseca,


os “especialistas do meio acadêmico” são “atraídos pela lógica do mercado” e “aliam-
se às editoras” (pp. 145-146), mesmo porque a própria Universidade nutre-se cada vez
mais dessa lógica, valorizando, entre seus membros, preferencialmente aqueles que
publicam (pp. 143-144 e 146-147). Tornar-se autor (de obras de divulgação), porém,

implica aceitar as recomendações, os limites da indústria editorial,


demarcando, assim, a diferença entre as teses que ficam, na maioria dos
casos, restritas ao público especializado, e o saber de divulgação guiado
pelos interesses da sociedade em geral, dos partidos, dos alunos etc.
[p. 147.]

O resultado disso, ao menos na disciplina de História, é que o produto da indústria


cultural, ao mesmo tempo em que assimila novas propostas pedagógicas também as
condiciona:

[...] os agentes da Indústria Cultural tornaram-se, nas últimas duas


décadas, agentes poderosos na definição de o que ensinar em História e
como ensiná-la na escola fundamental. Algumas propostas de
mudanças emergentes das experiências oriundas das escolas são
incorporadas pelos diversos agentes que as transformam em
mercadorias de fácil consumo, destituindo-as muitas vezes de seu
caráter criativo e experimental. [pp. 149-150.]

Aqui, onde poderia se iniciar mais um dos “caminhos da História ensinada”,


que se propôs examinar, Fonseca encerra abruptamente a sua análise do livro didático
34

(de História), como se a constatação de que a “definição de o que ensinar” passou às


mãos da vilania do mercado, comprando almas e inteligências, fosse já
suficientemente conclusiva. Mas exatamente porque a indústria cultural passou a
condicionar o quê e como ensinar (no caso, em História) é que talvez seja interessante
examinar mais de perto essa mercadoria peculiar que ela produz, em vez de torcer o
nariz e encerrar a análise.
Num mundo em que a própria crítica da indústria cultural – de Adorno e
Horkheimer a Fonseca – passa necessariamente por ela (caso não se opte pelo
silêncio), talvez seja fundamental sujar as mãos e mergulhar na caverna sombria onde
reinam não o fulgor dos ideais educacionais ou científicos, mas os mais
inescrupulosos interesses, a busca do “fácil consumo”, se se quiser ainda compreender
isso que se transformou em “agentes poderosos na definição de o que ensinar” e de
como ensinar. Será preciso, assim, examinar o modo como essas mercadorias
aparecem, em papel e tinta, espaço vazio e espaço preenchido.
Talvez seja também interessante perceber, então, que a realização do lucro só
é possível porque essas mercadorias são também cristalizações do trabalho efetivado
por um contingente de trabalhadores mais ou menos especializados, executando
tarefas distribuídas segundo um esquema de divisão de trabalho mais ou menos
pormenorizado. Nesse mundo humano, demasiadamente humano, esses trabalhadores,
agentes da produção editorial, que vendem a alma para o capital, fazem-no até mesmo
pensando na melhoria da qualidade de ensino, do mesmo modo que um médico
assalariado, por exemplo, ao engordar o lucro do patrão, pode também procurar
atender bem o paciente. Se o efeito disso é a retroalimentação do sistema é outra
história.

9. Apesar da menção a “editores entrevistados”, não há, na obra de Fonseca, vestígios das entrevistas.
Capítulo 2
Um grande negócio

Na verdade, o roteiro da análise da produção de livros didáticos existe há pelos


menos desde 1976. Num artigo da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos,
Albuquerque (1976) lamentando a quase inexistência de estudos sobre livros didáticos,
apontou para uma série de possíveis temas de pesquisa:

Qual a estrutura da empresa editorial brasileira? Qual a relação oferta-


demanda dos livros didáticos? Qual a relação custo-preço de venda? Qual a
situação da distribuição e do comércio de livros didáticos entre nós? Quem
são e como se comportam os consumidores? Qual o peso do livro didático
nos custos da educação?
[...]
Quais os processos vigentes de divulgação e promoção de livros didáticos?
Quais os aspectos éticos envolvidos? [pp. 219 e 222.]

Suas indagações também se referiam aos autores:

Praticamente nada se sabe sobre os autores dos nossos livros didáticos, seus
métodos de trabalho, a maneira como são escolhidos pelos editores. Eles
seriam, em sua maioria, professores em exercício de cátedra ou autores
profissionais? Seus métodos de trabalho seriam científicos, com base em
pesquisa, testados e validados ou meramente empíricos? Seus originais
seriam submetidos aos editores por iniciativa própria ou sob encomenda
prévia? [p. 219.]

Além disso, Albuquerque insistiu na necessidade de estudar a legibilidade dos


livros, o que incluía a análise tanto do vocabulário adequado a ser empregado quanto dos
36

elementos gráficos apropriados a cada segmento do público. Citando pesquisas realizadas


no exterior, esclareceu:

O grau de legibilidade de um texto depende: (a) do tamanho e do desenho


dos caracteres tipográficos; (b) da largura das linhas impressa; (c) dos
espaços entre as letras, entre as palavras e entre linhas: do tamanho das
margens; (d) do contraste do texto impresso com o papel. [p. 220.]

Essa questão da legibilidade sob a perspectiva psicopedagógica também havia sido


objeto de estudo de Pfromm Netto et alii (1974) e seria retomada por Molina (1987) –
embora, como ressaltam Freitag et alii (1993, p. 84), não fosse obter nenhuma repercussão
entre os críticos do “conteúdo” dos livros didáticos. Ao que tudo indica, um grande fosso
separava as duas abordagens do livro didático. De um lado, a crítica do “conteúdo”
alimentava-se do crescimento, a partir da segunda metade da década de 70, da oposição ao
regime militar, e a denúncia das “belas mentiras” nos livros didáticos, que tinham a
chancela oficial, era certamente tomada como parte dessa oposição. De outro lado, a
atenção estava muito mais voltada para o estudo da produção propriamente dita do livro
didático, incluindo aspectos técnicos de editoração e impressão, e não seria abusivo
imaginar que essas pesquisas tivessem como perspectiva fornecer subsídios para o Estado
de modo a possibilitar formular políticas para o mercado de livro didático, então em
expansão.
No caso da equipe de Pfromm Netto,1 seus estudos visavam orientar os professores
usuários de livros didáticos na avaliação desse material, segundo hipóteses psicológicas
testadas experimentalmente. Para isso, expunham-se as estratégias de legibilidade e de
inteligibilidade adotadas nos livros didáticos – o que não deixava de constituir um
verdadeiro manual de produção dessa mercadoria. De modo semelhante, em 1969, a mesma
equipe de Pfromm Netto já havia elaborado para a Comissão do Livro Técnico e do Livro
Didático (COLTED), do Ministério de Educação e Cultura (MEC), um manual
(MEC/COLTED 1969) para professores primários sobre a utilização de livro didático.
Nesta obra, toda a primeira parte é dedicada à explanação das vantagens do livro
didático. Ele permite: enriquecer o vocabulário (o que possibilita entender mensagens, por
exemplo, de rádio sobre “uma epidemia de tifo na cidade”); ler depressa (o que facilita, por

1 A equipe era composta de Samuel Pfromm Netto, Nelson Rosamilha e Cláudio Zaki Dib.
37

exemplo, a leitura de legenda de cinema); seguir instruções escritas (como responder a


perguntas, sublinhar palavras, formar frases, resolver problemas); valorizar textos como
fonte de informações; ter acesso a recreações sadias; tornar-se mais independente, sem ter
de recorrer a outros para estudar; desenvolver ritmos próprios de estudo; evitar erros
ortográficos; facilitar a recapitulação da lição e, com isso, “fixar a matéria”; fornecer ao
aluno o mínimo indispensável de conhecimentos; trazer aos alunos “aquilo que [...] teriam
dificuldade em ‘experimentar’ diretamente” (como erupção de um vulcão ou chegada da
corte de D. João VI); “antecipar situação que será encontrada mais tarde”; descobrir
problemas na criança e corrigi-los; ordenar os “pontos de uma matéria” segundo uma
seqüência adequada; dar unidade às lições (por exemplo, mediante a permanência de uma
mesma personagem); facilitar o trabalho do professor sugerindo atividades. Em suma, o
livro didático é já um fato: não se trata mais de decidir se deve usá-lo ou não, mas de usá-lo
bem. Em outras palavras, o uso do livro didático não depende do método de ensino
adotado. O que o professor deve fazer é escolher o livro adequado – o que, estimulando a
concorrência, deve contribuir para a melhoria geral de sua qualidade. Em particular, a
equipe de Pfromm Netto apresenta uma justificação prática do chamado “texto
programado”, sendo o próprio manual editado de acordo com tal recurso.
38

Crescimento do setor

A divulgação que equipe de Pfromm Netto faz do livro didático coincide com a
expansão, no Brasil, do mercado dos livros didáticos, sobretudo dos chamados
“consumíveis” ou “descartáveis” – livros que, tal qual os de “texto programado”,
apresentam espaços a serem preenchidos, impossibilitando, portanto, a sua reutilização.
Embora os dados disponíveis não permitam avaliar a participação dos livros didáticos no
total da produção brasileira de livros até o início da década de 70, há certo consenso de que
nesses anos verificou-se um grande crescimento na área. Segundo dados do IBGE (apud
Andrade 1978, pp. 41 e 145) houve em 1969 a produção de 904 títulos (primeira e demais
edições) de “manuais escolares”, somando 37 milhões de exemplares, para um total de
5.114 títulos e 68 milhões de exemplares – menos de 1/5 de títulos, mas mais da metade de
exemplares produzidos. Nesse ano, a área de “manuais escolares” já ocupava o primeiro
lugar em tiragem, sendo seguida de “generalidades” (5,4 milhões), “religião e teologia” (4,7
milhões), “literatura” (4,5 milhões), “ensino e educação” (4,2 milhões) e “literatura
infantil” (3,2 milhões). Não se sabe exatamente em que consiste essa área de “ensino e
educação”, mas ela certamente iria englobar a de “manuais escolares” nos dados de 1973,
quando atingiu o primeiro lugar em tiragem, com mais de 50 milhões de exemplares e
1.232 títulos, seguida de “generalidades” (26,5 milhões), “filologia, lingüística e literatura”
(22 milhões) e “religião e teologia” (7,8 milhões). Os dados totais desse ano (Andrade
1978, p. 42) são inverossímeis.
Para 1974, os dados elaborados pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros
(SNEL) também são de difícil interpretação: a categoria que apresenta maior número de
títulos (2.093) e de exemplares (91 milhões) é de “ciências sociais” que, como explica uma
nota de rodapé, “engloba livros didáticos até o 1º grau” (Andrade 1978, p. 43). Em seguida
vem o grupo 2 – “outros” – da categoria “obras gerais”, com 1.471 títulos e 36,5 milhões de
exemplares; depois “literatura” (1.577 títulos e 23,7 milhões de exemplares) e “literatura
infanto-juvenil” (grupo 1 de “obras gerais”, com 13,3 milhões de exemplares, mas apenas
424 títulos). Sem apoio nos dados que cita, Andrade (1978) acrescenta uma informação: “O
Mobral/Supletivo representa 40,60% e o 1° Grau 43,78% do total dos didáticos lançados,
39

101.194.385 exemplares” (p. 43). Em todo caso, esse número total tem a confirmação de
Hallewell (1985, p. 588), que também afirma que o crescimento da área de livros didáticos
sofreu um estancamento no final dos anos 70:

O mercado escolar brasileiro indubitavelmente é grande, representando, de


fato, quase metade da produção nacional de livros. Representava 44,7% dos
exemplares impressos em 1950 (segundo o SEEC)2 e ainda constituía 36,2
dos totais do SNEL para 1979. [...]
Até princípios da década de 70 a publicação de livros didáticos também era
muito sedutora por causa das grandes tiragens, as maiores do mundo não-
comunista, talvez com exceção de Portugal de Salazar [...]. Enquanto os
livros escolares americanos e alemães vendiam edições de 150.000
exemplares, e os da França e do Reino Unido edições de cerca de 100.000
exemplares, a regra no Brasil eram tiragens de 200.000 exemplares no caso
de livros didáticos para o secundário e de 300.000 ou mais para o primário. A
Tabela 34 mostra claramente que a situação já não é essa. Os livros para o
ensino primário têm atualmente tiragens médias em torno de 50.000
exemplares por edição e os do secundário aproximadamente a metade,
embora ainda haja, sem dúvida, casos de tiragens bem maiores. [p. 589.]

A referida Tabela 34 (Hallewell 1985, p. 588) mostra a estagnação em torno de 72


milhões de exemplares da produção de livros didáticos para primário em 1977-1980, após
ter atingido cerca de 79 milhões em 1977. No caso dos livros para o secundário, houve uma
grande expansão de quase 11 milhões de exemplares em 1978 para cerca de 16,5 milhões
em 1979, após o que a produção iria se estabilizar em torno de 17 milhões. Em 1982, se os
dados forem homogêneos em relação aos anteriores, houve até mesmo uma retração na
produção de livros de 1° grau (58 milhões), enquanto a de 2° grau permanecia estabilizado.
Os dados disponíveis não permitem acompanhar a evolução dessa série. Em todo
caso, na obra comemorativa dos 30 anos da editora Ática, Momentos do livro no Brasil, há,
além da confirmação de alguns dos dados de Hallewell, indicações de que o setor dos
didáticos cresceu vertiginosamente:

Segundo dados do SNEL, os didáticos – que em 1979 representavam 36% do


mercado editorial – foram alargando seu espaço até se tornarem seu principal
segmento na segunda metade dos anos 80.
[Editora Ática 1996, p. 158.]

2 Serviço de Estatística da Educação e Cultura.


40

Uma outra série, produzida pela Fundação João Pinheiro em convênio com a
Câmara Brasileira do Livro, mostra o comportamento do setor de didáticos na década de
90.3 Em 1990, da produção total de 239 milhões de exemplares de todos os gêneros, foram
vendidos 72,8 milhões de livros didáticos. Em 1991, entre primeira edição e reedições
produziram-se 303.492.000 exemplares, dos quais 139.549.804 (46%) foram catalogados
como “didáticos até 2o grau”. Desde então (e até ao menos o ano de 1995), ao mesmo
tempo em que se verificava uma retração na produção editorial, a categoria dos “didáticos”
passou a representar mais da metade do total de exemplares publicados, como se pode ver
na Tabela 2.1:

Tabela 2.1
Produção editorial no Brasil
Número de exemplares: total e do setor didáticos
(primeira edição e reedições)
1992-1995

1992 1993 1994 1995


Didáticos (D)* 105.050.267 129.028.074 146.013.359 193.736.323
Total (T) 189.892.128 222.522.318 245.986.312 330.834.320
D/T (em %) 55% 58% 59% 58%
Fonte: Câmara Brasileira do Livro/Fundação João Pinheiro.
* Didáticos: inclui pré-escolar, 1o e 2o graus e paradidáticos.

Também não é desprezível a participação do setor de didáticos em relação a


quantidade de títulos publicados, só perdendo para a categoria genérica “obras gerais” (que
engloba tudo que não for classificado como “didáticos”, “religiosos”, “científicos, técnicos
e profissionais” ou “coleções”):

3 Os dados da CBL/Fundação João Pinheiro, no entanto, têm de ser examinados com reserva, como adverte em sua
entrevista o editor Jaime Pinsky (da editora Contexto), ele próprio diretor da CBL:
[...] estas pesquisas da Fundação João Pinheiro são péssimas. Eu tentei cotejar algumas delas. Elas não
bateram minimamente. Eu falei para as meninas que estavam fazendo isso. Daí elas simplesmente...,
sabe, são números manipulados. [...] Esses números podem te dar uma ordem de grandeza, mas não
são confiáveis.
41

Tabela 2.2
Produção editorial no Brasil
Número de títulos: total, didáticos e obras gerais
(primeira edição e reedições)
1992-1995

1992 1993 1994 1995


Didáticos (D)* 6.166 7.863 9.417 13.104
Obras gerais 10.752 12.181 14.240 11.650
Total (T) 27.561 33.509 38.253 40.503
D/T (em %) 22% 23% 25% 32%
Fonte: Câmara Brasileira do Livro/Fundação João Pinheiro.
* Didáticos: inclui pré-escolar, 1o e 2o graus e paradidáticos.

O crescimento do setor de livros didáticos fica ainda mais evidente ao examinar a


evolução das editoras que os publicam, segundo os dados do jornal (e depois revista) Leia,
reorganizados na Tabela 2.3:
Tabela 2.3
Desempenho das editoras
1987-1989

1987 1988 1989


Posição Editora Total de Total de Tiragem Editora Total de Total de Tiragem Editora Total de Total de Tiragm
(total de títulos exemplares média por títulos exemplares média por títulos exemplares média por
títulos) ( milhares) título (milhares) título (milhares) título
1 Record 820 8.157 9.948 Ática* 601 7..998 13.307 Ática* 609 7.945 13.045
2 Paulinas 512 2.792 5.454 Record 490 3.704 7.560 Saraiva* 489 7.941 16.239
3 Círculo do Livro 480 5.105 10.635 Saraiva* 440 9.395 21.351 Record 481 s.d. s.d.
4 Ática* 440 12.901 29.322 Círculo do Livro 415 3.046 7.340 Círculo do Livro 474 3.506 7.397
5 Saraiva* 438 11.248 25.680 Paulinas 363 2.985 8.224 Paulinas 411 3.201 7.788
6 Vozes 417 3.733 8.952 Vozes 344 1.927 - FTD* 410 11.651 28.417
7 Brasiliense 405 2.707 6.684 Scipione* 291 6.708 - Do Brasil* 362 8.961 24.754
8 Globo 345 3.374 9.780 Cultrix - - - Vozes 321 - 5.979
9 FTD* 319 s.d. s.d. Do Brasil* 249 6.490 - Cultrix 305 - 4.064
10 Do Brasil* 307 10.786 35.133 Ao Livro 233 1.810 - Loyola 250 - 4.246
Técnico
10 FTD* 233 s.d. s.d. Atlas 250 - -

13 Atual* 253 4.513 17.838


15 Melhoramentos* 217 2.169 9.996
17 Scipione* 181 s.d. s.d.

27 Scipione* 84 s.d. s.d.


37 Atual* 55 2.527 45.945

43 Lê* 63 1.204 19.110

Fonte: Leia, 1988, 1989, 1990.


* Editoras que publicam regularmente livros didáticos e paradidáticos.
43

A Tabela 2.3 não contém dados anteriores a 1987, pois até então a pesquisa,
realizada por Leia não incluía números relativos à produção de livros didáticos.

Em conseqüência dessa alteração, algumas editoras – como a Ática e a


Editora do Brasil – avançaram consideravelmente suas posições na
classificação geral de 86 para 87.
[Quem é quem no mercado editorial de 1987. Leia, ano X, n° 116,
jun.1988, p. 22.]

Pelo novo critério, a Ática, que estava em 12° lugar em 1986, passou no ano seguinte
para o quarto e a Editora do Brasil, de 25° para o décimo. Observe-se, no entanto, que
essas posições referem-se ao número de títulos publicados e não ao total dos
exemplares. Se este fosse considerado para classificar as editoras, a Ática estaria em
primeiro lugar já em 1987, a Saraiva, em segundo, a Editora do Brasil em terceiro –
todas elas atuando na área de didáticos e paradidáticos – , e só então, em quarto lugar,
apareceria a Record.
Os dados relativos à tiragem média por título indicam a disparidade entre as
editoras de livros didáticos e paradidáticos e as que (quase) não participam dessa fatia
do mercado: enquanto, em 1987, a média da Record, apesar de lançar best-sellers com
tiragens de dezenas de milhares de exemplares, é de 9.948 por título, a da Editora do
Brasil é de 35.133, a da Ática, 29.322, a da Saraiva, 25.680 e a da Lê, em 43° lugar
em relação ao total de títulos, é de 19.110. Essa disparidade pode também ser
constatada numa mesma editora: em 1987, a “Saraiva, [...] manteve uma média de
tiragem de 5.200 exemplares para os livros jurídicos e 52 mil exemplares para os
didáticos” (Os cinco maiores editores do país. Leia, ano X, n° 116, jun. 1988, p. 25).
O desempenho da Atual, editora especializada em literatura infanto-juvenil e
paradidáticos, é digno de nota: embora sua posição em relação ao total de títulos
tivesse caído, entre 1987 e 1989, de 13° lugar a 55°, sua tiragem média por título
subiu de 17.838 para a surpreendente cifra de 45.945.
Um artigo da revista Leia faz um balanço do crescimento do setor de didáticos
e paradididáticos em meio à estagnação geral:

Após um período de intenso crescimento, até 1987 [ano base=1984], a


produção editorial no país estabilizou-se num patamar de 72 milhões de
exemplares, com crescimento praticamente zero entre 1988 e 89. [...] O
balanço exclui as publicações oficiais, embora inclua as maiores
editoras universitárias. A editora Ática, de São Paulo, lidera [em 1989]
o ranking de publicações com 609 títulos, seguida pela Saraiva. Em
44

volumes impressos, a recordista do ano foi a FTD, também paulista,


com quase 12 milhões de exemplares.
A Ática passou a liderar o ranking já em 1988, quando subiu da quarta
posição. A Saraiva esteve na terceira colocação em 88 e na quinta em
87. Entre as dez maiores do ano, a editora que mais cresceu foi a FTD,
com um incremento de 75% no volume de títulos publicados, seguida
pela Editora do Brasil, com 45%. [...]
[Bons desempenhos, apesar da inflação. Leia. Uma Revista de Livros,
Autores e Idéias, ano XII, n° 142, ago. 1990, p. 25. Artigo assinado por
P.M., isto é, Paulo Montóia.]

Os dados sobre faturamento e vendas são extremamente escassos e dispersos.


A partir de 1990, porém, os dados da CBL/Fundação João Pinheiro permitem
construir uma série, que mostra que os didáticos e os paradidáticos também são
responsáveis pela maior fatia de vendas e faturamento da produção editorial no Brasil
(Tabela 2.4):

Tabela 2.4
Produção editorial no Brasil
Exemplares vendidos e faturamento
(total e didáticos)
1990-1995

Exemplares vendidos (unidades)


1990* 1991 1992 1993 1994 1995

Didáticos 72.847.992 s.d. 70.163.457 161.789.628 146.308.441 232.001.678


(D)
Total (T) 212.206.449 289.957.634 159.678.277 277.619.986 267.004.691 374.626.262
D/T (em %) 34% – 44% 58% 55% 62%

Faturamento (US$ mil)


Didáticos 235.152 s.d. 332.515 312.966 612.813 1.059.437
(D)
Total (T) 901.503 871.640 803.271 930.959 1.261.374 1.857.377
D/T (em %) 26% – 41% 34% 49% 57%
Fonte: Câmara Brasileira do Livro/Fundação João Pinheiro.
* Em 1990, foram excluídas as vendas à FAE, entregues em 1991.

O setor de didáticos só não obteve a primeira colocação no faturamento em


1900, quando a categoria “coleções” foi responsável por 30% do faturamento global.
Em todos os demais anos do período (à exceção de 1991, sem dados), o de didáticos
foi o setor da produção editorial no Brasil que mais vendeu e mais faturou – e a
45

tendência é a de ampliar ainda mais a sua participação. Nesse sentido, a comparação


do desempenho do setor entre o primeiro semestre de 1995 e o primeiro semestre de
1996 (últimos dados disponíveis) pode ser esclarecedora (Tabela 2.5):

Tabela 2.5
Produção editorial no Brasil
Exemplares vendidos e faturamento
(total e didáticos)
1o semestre de 1995 e 1o semestre de 1996

1o sem 1995 (A) 1o sem 1996 (B) Variação B/A (%)

Exemplares vendidos (unidades) e variação


Didáticos (D) 98.624.399 160.122.878 62,35%
Total (T) 170.737.544 242.396.127 41,97%
D/T (em %) 58% 66%

Faturamento (US$ mil) e variação


Didáticos (D) 636.099 895.622 40,80%
Total (T) 1.058.159 1.383.038 30,70%
D/T (em %) 60% 65%
Fonte: Câmara Brasileira do Livro/Fundação João Pinheiro.

Embora os dados sejam insuficientes para arriscar projeções, as taxas de variação são
eloqüentes. De um ano para outro, no mesmo período, as vendas de didáticos crescem
pouco mais de 62%, enquanto seu faturamento aumentava em quase 41% – e isso
numa fatia do mercado que cresce de 58% para 66% do total em relação à vendagem e
de 60% para 65% no faturamento.
A que se deve toda essa vitalidade do setor dos didáticos?

O Estado cliente

Entre os dados da CBL/Fundação João Pinheiro para 1990 há uma nota


segundo a qual da rubrica “didáticos” foram “excluídas as vendas à FAE no ano de
1990, entregues em 1991”. Isto parece explicar o baixo desempenho do setor de
didáticos naquele ano, mostrado na Tabela 2.4: 34% do total de exemplares vendidos
e 26% do faturamento (perdendo, como se viu, para o setor “coleções”, com 30%).
“FAE” é também um item que aparece na tabela de dados para 1995, abaixo dos
tradicionais “subsetores editoriais” (segundo a nomenclatura da pesquisa
46

CBL/Fundação João Pinheiro) em que se classificam a produção editorial:


“didáticos”, “obras gerais, “religiosos” e “científicos, técnicos e profissionais”. Nessa
tabela, há um esclarecimento: “No ano de 1955, o subsetor Didáticos respondeu por
57% do faturamento total do setor editorial brasileiro [...]. As compras da FAE estão
incluídas no subsetor Didáticos.” Do mesmo modo, na Tabela 2.4, acima, os valores
da vendagem e do faturamento do setor de didáticos foram obtidos, nos respectivos
campos, pela soma dos itens “Didáticos” e “FAE”, pois, originalmente, os dados
estavam dispostos da seguinte maneira:

A decisão de criar um item à parte – “FAE” –, que não é exatamente um “subsetor


editorial” não deixa de ter sentido: afinal esse item responde, em 1995, por nada
menos que 33% do total de faturamento e 34% de vendas do total da produção
editorial, chegando a superar, em exemplares vendidos, até mesmo o próprio setor de
didáticos!
“FAE”, como se sabe, é a sigla da Fundação de Assistência ao Estudante, um
órgão ligado ao Ministério da Educação e do Desporto (MEC). 1 É esse órgão o
responsável pela compra dos livros didáticos para serem distribuídos às escolas
públicas de todo o Brasil. De certa forma, o Estado assim subsidia os livros didáticos.
De acordo com Franco (1980), as primeiras medidas pelas quais o governo
brasileiro passou a subsidiar os livros didáticos datam de 1961, quando o Banco do
Brasil foi incumbido de financiar sua produção (decreto federal n° 50.489, de

1 No momento em que o presente trabalho está sendo escrito, é esse o nome oficial do Ministério da Educação. Ele
já se chamou simplesmente Ministério da Educação e, antes, Ministério da Educação e Cultura, do qual todas as
denominações posteriores herdariam a sigla “MEC”.
47

25/4/1961). Para publicar e distribuir livros didáticos instituiu-se, em 1964, a


Campanha Nacional de Material de Ensino (decreto-lei n° 53.887, de 14/4/1964), que,
em 1967, pela lei n° 5.327, seria transformada em Fundação Nacional de Material
Escolar (FENAME).
Paralelamente, como observam Oliveira et alii (1984), criou-se, em 1966, a
Comissão do Livro Técnico e do Livro Didático (COLTED),

com a finalidade de incentivar, orientar, coordenar e executar as


atividades do Ministério da Educação e Cultura relacionadas com a
produção, a edição, o aprimoramento e a distribuição de livros técnicos
e de livros didáticos.
[Decreto n° 59.355, de 4/19/1966, apud Oliveira et alii 1984, p. 53.]2

Além de orientar, como se viu, os professores primários a utilizar livros didáticos, a


COLTED, pela sua Direção Executiva, ficou incumbida de realizar

[...] todos os trabalhos relacionados com a produção e a aquisição do


material didático. O diretor-executivo encaminharia aos órgãos
próprios do MEC, responsáveis pela seleção, as listas de livros técnicos
e didáticos já publicados ou em fase de produção, já preparadas por
entidades especializadas. Deveria ainda receber dos órgãos próprios do
MEC as solicitações para a publicação de livros novos e providenciar a
seleção das editoras que deveriam lançá-los, ou, quando necessário, dos
autores que deveriam escrevê-lo. Os títulos aprovados seriam
adquiridos pela COLTED para distribuição às bibliotecas, de, no
mínimo, um exemplar para cada unidade. [...]
[...]
Não é preciso muito esforço de imaginação para avaliar a importância
para as editoras da participação neste convênio. Todo o trabalho de
redefinir sua linha de produção para atender às exigências do programa
seria irrelevante frente à compensação garantida com o sucesso da
negociação. A COLTED compraria todo o estoque da produção [...].
[Oliveira et alii 1984, p. 54.]

Envolvido em acusações de irregularidades – o chamado “escândalo COLTED”


(Oliveira et alii 1984, p. 56) –, o órgão foi extinto em 1971.
Desde 1970, o Ministério da Educação e Cultura (MEC) já havia definido que
a participação do governo na produção do livro didático deveria se fazer mediante co-
edição com setor privado, ficando o Instituto Nacional do Livro (INL) e, a partir de
1976, a FENAME encarregados de sua execução (Franco 1980, p. 37). Assumindo na

2.Segundo Oliveira et alii (1984 pp. 52 ss.), o decreto que cria a COLTED teve duas versões. A primeira, o
decreto n° 58.653, de 16/6/1966, criava o Conselho (e não Comissão) do Livro Técnico e Didático, o qual deveria
exercer suas atribuições “em colaboração com a Aliança para o Progresso”, não escondendo a ligação desse órgão
com o acordo MEC-USAID.
48

prática as responsabilidades da COLTED, o INL passou a executar o Programa do


Livro Didático, composto de Programa do Livro Didático-Ensino Fundamental
(PLIDEF), Programa do Livro Didático-Ensino Médio (PLIDEM), Programa do Livro
Didático-Ensino Superior (PLIDES), Programa do Livro Didático-Ensino Supletivo
(PLIDESU) e Programa do Livro Didático-Ensino de Computação (PLIDECOM).
Em 1985, durante a euforia do período inicial da chamada “Nova República”,
o Ministério da Educação (MEC) instituiu as “Diretrizes Operacionais para o
Programa do Livro Didático – 1º grau (1985/86)” (decreto nº 91.542, de 19/8/1985),
transformando o antigo PLIDEF em Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), a
ser executado pela Fundação de Assistência ao Escolar (FAE), criada em 1983.3 Os
demais programas foram extintos. Os objetivos proclamados do PNDL eram, entre
outros:

 universalização do Programa para todos os alunos das oito séries do 1º grau


das escolas públicas e das escolas comunitárias (escolas criadas pela própria
população);
 participação dos professores na escolha dos livros;
 distribuição aos professores do manual e do caderno de atividades;
 incentivo ao uso de livros não-descartáveis.

O modo como os professores participam da escolha dos livros pode ser


exemplificada pelo cronograma da FAE para 1996:

 maio: Escolas receberam a lista de livros aprovados pela FAE e o


manual com a indicação das melhores obras. [...]
 julho: Os professores devem enviar ao ministério os nomes dos
livros escolhidos até o dia 12. Por enquanto, menos de 1.000 escolas
fizeram a seleção. O MEC espera receber 200.000 fichas (uma de
cada estabelecimento)
 agosto: Começa a negociação com as editoras para a compra dos
livros.
As escolas devem receber o material até o início de março. [...] O prazo
para escolha dos livros terminou no último dia 5 [de junho]. O
levantamento dos pedidos será concluído no final de julho. [...]
[O Estado de S.Paulo, 25/6/1976.]

3 . Sobre a FAE, ver Höfling (1993). Salvo indicações em contrário, as informações a seguir sobre o PNLD
baseiam-se nos relatórios de pesquisa do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (NEPP) da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp): Unicamp-NEPP (1988, pp. 268 ss.) e Unicamp-NEPP (1989, pp. 383 ss.).
49

Medidas para facilitar a escolha dos livros pelo professor também foram tomadas. Por
exemplo, em 1986, a FAE

[...] adotou uma série de medidas, entre as quais termo de cooperação


mútua com as Secretarias Estaduais de Educação – SEEs em torno das
seguintes atribuições da coordenação do PNLD:
 assegurar a escolha efetiva dos livros pelos professores por escola;
receber e encaminha, com a participação dos municípios, os
formulários de indicação a todas as escolas envolvidas, bem como
revisá-los e devolvê-los à FAE nos prazos estabelecidos;
 elaboração pela FAE de um novo formulário mais simplificado para
o professor, vem como de um “Manual para Indicação do Livro
Didático”, constando de 1.283 títulos de 50 Editoras, ambos
encaminhados aos estados para serem distribuídos até 31/7/81 pelas.
SEEs.
[Unicamp-NEPP 1988, p. 276.]4

A Tabela 2.6 mostra o desempenho do PNLD e seu antecessor, o PLIDEF:

4 Não raramente suspeitas foram levantadas sobre a lisura desse processo de escolha. Em 1996, no
município de Morrinhos (Goiás), constatou-se que todas as escolas haviam escolhido um mesmo livro e
todas as fichas que o indicavam estavam preenchidas com a mesma caligrafia. As investigações, no
entanto, revelaram que por motivos didáticos todos os professores, com a anuência da Secretaria
Municipal de Educação, haviam decidido adotar um mesmo livro e encarregado uma pessoa para
preencher as fichas (O Estado de S.Paulo, 24/6/1996 e Folha de S.Paulo, 26/6/1996).
50

Tabela 2.6
Material distribuído pelo PLIDEF/PNLD
1971-1988

Ano Títulos Total (em milhões)*


1971 114 7,2
1972 212 8,0
1973 223 7,5
1974 220 7,1
1975 235 10,7
1976 292 11,2
1977 112 19,5
1978 165 18,3
1979 233 16,7
1980 325 14,5
1981 239 10,4
1982 346 12,3
1983 12,4
1984 415 21,6
1985 21,5
1986 45,1
1987 55,6
1988 30,1
1991 66,9
1992 8,0
1993 25,0
1994 56,9
1995 57,0
Fonte: Freitag et alii 1993; Unicamp-NEPP 1988, 1989; Höfling 1993;
Folha de S.Paulo, 30/9/1995.
* Inclui livro-texto, manual do professor e caderno de atividades.

Os dados são extremamente lacunares e muitas vezes inexatos, embora a fonte


original sempre seja a própria FAE.5 Por exemplo, em abril 1994, a Folha de S.Paulo,
em meio à denúncia, já cíclica, da má qualidade dos livros didáticos, informou:

São distribuídos por ano 67 milhões de livros didáticos no país. A FAE


(Fundação de Assistência ao Estudante) gastou este ano mais de US$
110 milhões na compra de material para os 28 milhões de alunos da
rede pública.
[Folha de S.Paulo, 21/4/1994. Artigo assinado por Gilberto Dimenstein
e Daniela Pinheiro.]

5 Contato telefônico com a FAE revelou o quão difícil é obter diretamente da fonte dados relativos aos exemplares
distribuídos pelo PNLD: peregrinando de ramal em ramal – sim, pois, como se sabe, a FAE não se dedica somente
a livros didáticos! –, chegou-se finalmente a uma pessoa que pôde informar que conseguir os números dos livros
adquiridos e distribuídos ano a ano só seria possível vasculhando os arquivos para encontrar os processos
correspondentes. À pergunta de se não haveria algum relatório periódico das atividades da FAE (pois existe e seu
título varia de ano para ano: Relatório FAE, Relatório da FAE etc.), essa pessoa transferiu a ligação para um outro
ramal. Neste, a mesma pergunta recebeu como resposta um gentil convite para visitar o órgão. Como os dados da
FAE não estão exatamente entre as prioridades da presente pesquisa, tal visita, infelizmente, não pôde se realizar.
51

É bem provável que os dados se refiram somente a 1993 (ou a 1994), embora não
coincidam com os da Tabela 2.6. Os dados para 1995 e 1996 estão contidas na
promessa do presidente Fernando Henrique Cardoso, que, em julho de 1995, em seu
programa de rádio “Palavra do Presidente”, anunciou:

No ano que vem, o Ministério da Educação vai distribuir 110 milhões


de livros para as escolas públicas de primeiro grau. É isso mesmo que
você ouviu: 110 milhões de livros para 30 milhões de alunos. Este é um
recorde mundial. É quase o dobro do que estamos distribuindo neste
ano. [...]
[Folha de S.Paulo, 19/7/1995.]

Se a compra de todo esse volume foi efetivada – e não há motivos para


duvidar das palavras do presidente –, então pode-se dizer que o desempenho do
PNLD, que havia decrescido abruptamente em 1992/1993 retomou seu crescimento,
chegando a 57 milhões ou 67 milhões (dependendo da fonte da própria FAE), para,
finalmente, atingir o ápice de 110 milhões. 6 Por fim, o em 1996, o Ministro da
Educação declarou que, para 1997, o governo iria comprar 110 milhões de livros
didáticos, no valor de US$ 226 milhões (Folha de S.Paulo, 22/5/1966), o que indica
uma certa estagnação do programa. A comparação desses dados com a evolução do
número de alunos matriculados no 1o grau permite avaliar melhor a dimensão do
PNLD (Tabela 2.7):

6 Também não há que duvidar do cálculo presidencial, segundo o qual 110 milhões é o “dobro do que estamos
distribuindo neste ano”, em 1995. Embora a pesquisa da CBL/Fundação João Pinheiro aponte para a cifra superior
a 130 milhões de exemplares vendidos em 1995 para a FAE, isso não necessariamente coincide com a quantidade
efetivamente distribuída no ano, que poderia ter sido mesmo a metade de 110 milhões, isto é, 55 milhões – ou 57
milhões, de acordo com os dados da Tabela 6 ou, ainda, 60 milhões, como anunciaria o presidente em 1996 (cf.
nota abaixo).
52

Tabela 2.7
Unidades de ensino e matrículas iniciais
Primeiro grau
Brasil
1984-1995

Ano Unidades de Matrículas inicias Matrículas 1a-4a séries 5a-8a séries


ensino (total) (escolas (total) (total)
(total) públicas)
1984 *191.014 24.821.301 21.771.675 – –
1985 – 24.769.736 23.534.971 17.308.854 7.422.195
1988 201.541 26.821.134 24.816.246 – –
1991 206.526 28.742.471
**27.580.696 **18.028.033 **9.465.708
1992 *206.817 29.953.722 26.474.741
***28.398.424 ***17.863.264 ***10.237.925
1993 – ***29.562.358 ***18.292.646 ***10.971.509
1994 31.220.110
1995 – ***30.791.111 ***18.353.494 ***12.129.943
Fonte: Unicamp-NEPP 1986, Abril 1987, 1990, 1992, 1994, 1995, 1997, IBGE.
* Valores estimados.
** IBGE, Censo demográfico.
*** IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD).

Os dados não são muito homogêneos nem tampouco precisos (a soma dos valores dos
campos 1a-4a séries e 5a-8a séries nunca coincidem com o total das matrículas), mas
permitem avaliar a ordem de grandeza desses dados. O que salta aos olhos é que o
crescimento das matrículas (em torno de 24%) praticamente acompanha o
crescimento da população brasileira (23,5% entre 1980 e 1991). O que mais
surpreende é a grande disparidade entre o crescimento das matrículas de 1a a 4a séries
(6%) e o das 5a a 8a séries (63%).
Para comparar esses dados com os do PNLD é preciso levar em conta não o
total das matrículas, mas apenas as efetuadas em escolas públicas, pois as particulares
não são atendidas pelo Programa. Além disso, entre as matrículas das escolas públicas
deve-se levar em conta apenas as de 1a a 4a séries, pois, apesar das intenções
proclamadas na sua criação, a FAE só passaria a distribuir livros aos alunos de 5a a 8a
séries em 1996 – o que talvez explique grande salto de 110 milhões para 1996. A
inclusão de 5a a 8a série no PNLD também foi anunciado pelo presidente da
República:
53

Outra notícia boa é que, em 1996, no ano que vem, a Fundação de


Assistência ao Estudante, a FAE, também vai distribuir livros para os
alunos da 5ª à 8ª série do primeiro grau, e também de graça. Assim,
vamos atender os estudantes da 1ª até a 8ª série. Mais de 95% das
escolas públicas de primeiro grau já receberam os livros didáticos deste
ano. [Folha de S.Paulo, 19/7/1995.]

Ao cotejar todos esses dados, a conclusão impõe-se óbvia: o crescimento do


PNLD, desde a sua criação e apesar de recuos, foi superior ao aumento do seu
público-alvo. Em outras palavras, aumentou a quantidade de livros recebidos por cada
aluno matriculado na escola pública de 1o grau – pelo menos em tese. 7 Para as
editoras, esse público – cujo consumo de livros é maior do que o consumo médio no

7 “Em tese”, pois são freqüentes as denúncias pela imprensa das irregularidades e atrasos na distribuição dos livros
(e também dos materiais escolares, merendas etc.). Dessas denúncias, talvez a mais grave tivesse sido a notícia,
veiculada no Jornal Nacional (da Rede Globo) de 13/7/1995, segundo a qual um empresário contratado para
distribuir sete milhões livros didáticos comprados pela FAE, em São Paulo, teria reciclado parte desse estoque sob
sua responsabilidade para fazer papel higiênico. Em 1995, o Tribunal de Contas da União considerou irregulares as
contas de 1991 da FAE, multando três diretores do órgão. Segundo a Folha de S.Paulo, de 9/2/1995, as
“irregularidades envolvem transporte de livros escolares”. Em relação ao atraso, é sintomático que os sucessivos
governos promovam sistematicamente campanhas publicitárias em que se afirma que naquele ano os livros
didáticos chegaram (ou chegarão) no prazo, antes do período letivo. Em setembro de 1994, por exemplo, uma
propaganda oficial do MEC, veiculada pela televisão, afirmava que naquele ano 50 milhões de exemplares haviam
chegado às escolas antes do início das aulas. Em 1995, no já mencionado programa de rádio, o Presidente da
República também afirmou: “E mais, os livros de 96 chegarão às escolas até o dia 28 de fevereiro e serão
melhores” (Folha de S.Paulo, 19/7/1995). No ano seguinte, de fato, o presidente anunciaria: “No livro didático [...]
nós multiplicamos de 60 milhões para 110 milhões o número de livros distribuídos. [...] E nós fizemos com que
isso fosse atendido até março a 98% dos municípios” (Folha de S.Paulo, 7/5/1996). Mas, como alertaria a Folha
de S.Paulo (2/4/1996), o compromisso do governo, de entregar os livros em 90% dos municípios até o começo de
março, “só foi atingida nos Estados onde a operação foi centralizada. Onde a escolha, compra e transporte do livro
ficou por conta dos governos estaduais, a operação atrasou, como em SP e RJ, Estados que, até o início de março,
só haviam distribuído 26% dos 21,6 milhões de livros – segundo a FAE”. O mesmo jornal denunciou em 2/4/1996:
“O governo do Estado de São Paulo ainda não distribuiu 8,4 milhões de livros didáticos, dos 12,5 milhões que
deveriam ter chegado até março às 6.800 escolas de sua rede”. Um relato pormenorizado dos sucessos e dos
fracassos do esquema de distribuição dos livros didáticos montado para 1996 encontra-se em O Estado de S.Paulo,
5/4/1996.
Uma outra irregularidade que parece ser freqüente é a venda dos livros comprados pela FAE. O Estado de S.Paulo
(20/5/1996), noticiou denúncias “de que escolas vêm cobrando dos alunos os livros didáticos distribuídos
gratuitamente pelo governo. As reclamações, geralmente de pais de alunos, partiram de São Paulo, Goiás, Espírito
Santo, Bahia, Minas Gerais e Mato Grosso”. Em fevereiro de 1997, a própria FAE fez publicar nos jornais anúncio
de um quarto de página, alertando:
Livro Didático do MEC.
Não compre.
Não venda.
[...]
Os livros distribuídos pelo Governo Federal levam o selo MEC/FAE e não podem ser
vendidos. A Fundação de Assistência ao Estudante – FAE – tem recebido denúncias
de que livros do Programa Nacional do Livro Didático, que devem ser distribuídos
gratuitamente, estariam sendo comercializados. O MEC pede a colaboração de toda a
comunidade – alunos, pais, professores, diretores de escolas, autoridades estaduais e
municipais – para que fique atenta e denuncie esse tipo de fraude. [...]
[Folha de S.Paulo, 20/2/1997.]
54

Brasil –,8 representava, certamente, uma fatia do mercado não desprezível e o Estado,
comprador, um cliente preferencial.

“Verdadeira ebulição”

Mais do que isso, um mercado sem riscos, apontam Freitag et alii (1993):

Ao receberem da FAE as listas de encomenda de livros por parte dos


professores, as editoras já conhecem as tiragens para cada título que
será comprado pelo governo, podendo fazer tranqüilamente a sua
programação, sem maiores riscos. [p. 58.]

Quase toda a produção, portanto, está previamente vendida antes mesmo da execução
da impressão e do acabamento. E não apenas vendida, como já paga, ao menos
parcialmente: em 1985/1986, as editoras receberam da FAE, no ato da encomenda,
70% do valor total; e em 1986/1987, 50%. Não por acaso, afirmou o Relatório do
Núcleo de Estudos de Políticas Públicas da Unicamp (Unicamp-NEPP) relativo a
1987:

O PNLD vem provocando uma verdadeira ebulição na indústria


editorial e gráfica do país, uma vez que consome cerca de 70% da
produção de livros didáticos. [Unicamp-NEPP 1989, p. 420.]

Na edição de fevereiro de 1987, Leia noticiou o aquecimento do setor :

[...] Nos dois últimos anos, a FAE comprou e distribuiu [...] 45 milhões
de exemplares [...] e neste início do ano letivo mais 56 milhões de
volumes deverão chegar às escolas. [...]
[Leia, ano IX, n° 100, fev. 1987, p. 53.]

De acordo com a notícia, dos 160 milhões de exemplares/ano de livros escolares (pré-
escola até o 2o grau), cerca de 70 milhões eram destinados aos alunos da 1a a 8a série –
e desses 70 milhões, 80% teria como cliente a FAE. O artigo também indicou os
principais fornecedores do governo – “As dez maiores editoras, que controlam 92%
do mercado”:

A empresa líder na área, constituída pela coligação das editoras IBEP e


Nacional, em 1986 teve 13 milhões de seus livros distribuídos pela

8 Em 1993, cada habitante do Brasil consumiu, em média, 1,85 livro, segundo Folha de S.Paulo, 17/8/1994
(Caderno especial sobre a Bienal do Livro).
55

FAE – o equivalente a 35% do PNLD – e outros sete milhões de


volumes colocados nas livrarias.
[Leia, ano IX, n° 100, fev. 1987, p. 53.]

A editora Ática havia produzido, em 1986, nove milhões de livros de literatura e 16


milhões de didáticos; destes a FAE havia adquirido 11 milhões, correspondentes a
37,5% de toda a produção da empresa. A Editora do Brasil havia vendido cerca de
66% de sua produção para a FAE e a Saraiva, aproximadamente 60%.
Ainda segundo Leia, os dez livros mais solicitados/vendidos (para a FAE) para
o ano letivo de 1987 foram:

Tabela 2.8
Dez livros mais solicitados para a FAE
1987

Titulo/série Autor Editora Exemplares


vendidos
Ciências. Ar, água e solo, ecologia, programa de Carlos Barros Ática 455.289
saúde (5a série)
Descobrindo o mundo de estudos sociais e ciências Elian Alabi Lucci e Saraiva 391.352
(2a série) outros
Ainda brincando (2a série) Joanita de Souza Brasil 380.092
a
Mundo mágico (1 série) Lidia Maria de Moraes e Ática 365.596
outra
É hora de aprender (2a série) Luiz Cavalcante e outra Scipione 363.588
a
A criança e a natureza. Ciências e saúde (2 série) R. O Steifel e outro FTD 341.872
a
Os seres vivos (6 série) Carlos Barros Atica 336.324
a
Brincando com os números (1 série) Joanita de Souza Brasil 312.409
A criança e sua comunidade (2a série) Yolanda Marques Nacional 297.966
Mundo Mágico (2a série) Edna Perugine e outra Ática 292.325
Fonte: Os dez mais. Leia, ano IX n° 100, fev. 1987, p. 53.

O Estado não compra apenas livros propriamente didáticos. Em maio de 1994,


uma polêmica entre editoras, sobre critérios de seleção de títulos da “Biblioteca do
Professor”, revelou a criação, por uma portaria da FAE/MEC, de 3/5/1993, do
Programa Nacional de Biblioteca do Professor, visando a formação de cerca de cinco
mil bibliotecas em municípios brasileiros com mais de 40 mil habitantes, contendo,
inicialmente, 300 títulos adquiridos pela FAE e outros tantos, pelos municípios (Folha
de S.Paulo, 18/5/1994, p. 3-1).9 A cifra é modestíssima se comparada à dos livros

9. A polêmica foi suscitada pelo fato de um dos editores dos livros selecionados ser membro da própria
comissão de seleção dos títulos a serem adquiridos pela FAE.
56

didáticos, mas, no Brasil, cinco mil exemplares por título (ou 10 mil, caso a
municipalidade decida comprar os mesmos livros indicados pela FAE) representa um
mercado que também não pode ser desprezado. Além disso, em 11/1/1994, a Folha de
S.Paulo anunciou na seção “Boa Notícia”, da primeira página, a entrega, pela
Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE) da Secretaria da Educação do
Estado de São Paulo, de 234.176 livros às 1.358 escolas-padrão. Segundo o artigo
propriamente dito, referente a essa notícia, essa distribuição

[...] faz parte de uma segunda fase de implantação dos CICs (Centros
de Informação e Criação) – os substitutos das bibliotecas nas escolas
ditas padrão.
Foram gastos CR$ 264 milhões (cerca de US$ 750 mil), segundo Cesar
Callegari, 40, diretor executivo da FDE (Fundação para o
Desenvolvimento da Educação). Cada escola receberá um conjunto de
84 livros. [...]
Na primeira fase do projeto dos CICs, [...] as 306 escolas padrão
criadas em 1992 receberam 1.090 cada; as 1.052 criadas em 1993
tiveram um acervo menor, de 701 livros, por causa da falta de recursos
para a secretaria [...].
A idéia da segunda fase é a cada ano enviar materiais novos – como
livros que estão em evidência –, para estimular tanto os alunos quanto
os professores a fazerem uso das bibliotecas, diz Pedro Braz, 37,
diretor de Projetos Especiais da FDE. [Folha de S.Paulo, 11/1/1994,
p. 3-4.]

Se os números estiverem corretos,10 a distribuição de livros pelo governo de


São Paulo teria atingido, nas duas fases do projeto, cerca de 1,3 milhão de
exemplares.

Adequação à demanda

Mas as editoras, ao que parece, não estavam muito preparadas para atender à
tamanha demanda. Por exemplo, para a produção dos livros a serem adotados em
1987, a FAE determinou que as negociações com as editoras fossem concluídas até
15/10/1986 e os materiais, entregues até 31/12/1986, após o que seria cobrada uma
multa de 0,5% do valor contratado por cada dia de atraso. As editoras estavam, pois,
desafiadas a produzir 55,5 milhões de materiais, entre livros, manuais e cadernos de

10. Há pelo menos um aspecto duvidoso: se cada uma das 1.358 escolas-padrão recebeu um lote de 84 livros, o
total dos exemplares deveria ter sido 1.358 x 84 = 114.072, e não 234.176.
57

atividades, em apenas 105 dias. Diz, a respeito, um diretor da editora Atual, uma das
que foram multadas:

Muitas editoras assinaram este contrato sabendo que não podiam


cumpri-lo. Mas se não o assinássemos estaríamos fora do Programa. Os
prazos eram irreais, mas não tínhamos outra saída.
[Folha de S.Paulo, 15/4/1987, apud Unicamp-NEPP 1989, p. 420.]

Naquele ano, apenas oito editoras cumpriram o prazo. Isso gerou uma grande
movimentação do setor, representado pela Câmara Brasileira do Livro. O prazo foi
prorrogado para 31/1/1987.
O problema do prazo era agravado pela grande concentração dos contratos em
poucas editoras. Em 1985/1986, a Editora do Brasil e a IBEP – que não cumpriram o
prazo estipulado – eram responsáveis por, respectivamente, 25% e 17% das edições
do PNLD. Em 1986/1987, cinco editoras acumularam 85% da demanda do Programa,
ficando 15% restantes distribuídos entre 40 editoras. 11 Em outras palavras, cinco
editoras ficaram encarregadas de produzir cerca de 47 milhões de materiais (quase 10
milhões por editora) em 2,5 meses e, depois da prorrogação do prazo, em 3,5 meses.
Atender a tal demanda exigiria recursos tecnológicos de que poucas editoras
dispunham à época. Por sinal, a relação entre defasagem tecnológica e atraso na
entrega dos livros encomendados pela FAE fez parte das discussões do 7º Congresso
Brasileiro de Indústria Gráfica, realizada em 1987. Concluiu-se então que o governo
era o principal responsável pelo não-cumprimento dos prazos, pois a proibição de
importação de equipamentos induzia o setor gráfico ao atraso tecnológico.12
Atribuição de culpas à parte, não é improvável que as editoras tivessem
buscado adequar-se à demanda, incorporando recursos tecnológicos que estavam
disponíveis. Convém lembrar que ocorreu justamente nesses anos 80 a introdução, no
Brasil, da informática para executar várias fases da produção de livro – a chamada
editoração eletrônica ou, em inglês, desktop publishing. Uma pequena nota em uma
revista especializada em editoração eletrônica permite visualizar o grau de
aprimoramento pelo que passou o setor de livros didáticos:

11. Segundo Höfling (1993), é “muito significativo o fato de que as editoras envolvidas no Programa Nacional do
Livro Didático nunca tenham sido citadas nominalmente nos Relatórios anuais da FAE, exceção feita ao de 1987
[...], que aponta as Editoras Brasil, Ática, IBEP, FTD e Scipione como aquelas que mais venderam para a FAE” (p.
118).
12 Cf. Jornal do Brasil, 12/5/1986, apud Unicamp-NEPP 1989, p. 420.
58

A Editora Ática, maior editora de didáticos da América Latina, montou


um sistema de produção digital para suportar as 1.800 páginas que a
empresa edita mensalmente. Ele está dividido em cinco partes:
editoração, arte, revisão, finalização P&B [preto e branco] e finalização
cor.
[...] Na Ática, podem-se ter dezenas de pessoas trabalhando no mesmo
livro ao mesmo tempo, por isso, um dos pontos que mais recebeu
atenção na elaboração do projeto foi a construção da rede de
computadores.
[Editora Ática monta sistema digital, Publish, ano III, nº 8, set./out.
1993, p. 8.]

Outro exemplo de desenvolvimento tecnológico que já estava à disposição das


editoras para produção rápida em grande quantidade era o sistema denominado
Cameron, que a editora Record (que não produz livros didáticos) implantaria em 1989
– um equipamento “capaz de produzir cem livros por minuto, 6 mil por hora, quase 50
mil em um turno de oito horas”, incluindo acabamento (Folha de S.Paulo, 1/4/1989,
caderno Letras).

Mercadoria sob encomenda

É possível, pois, que a pressão da demanda do Estado tivesse sido um dos


fatores que induziram as indústrias editorial e gráfica a modernizarem sua produção.
Num outro aspecto, porém, a intervenção do Estado é direta e sem disfarces. Num
documento intitulado Requisitos obrigatórios para os livros didáticos no Nordeste,
sem data e sem nenhuma identificação de autoria, mas indubitavelmente do MEC,13
descrevem-se uma série de exigências que os livros devem cumprir. As pontuações
dos livros vão de um a cinco, e recobrem vários quesitos, como “lay-out e
apresentação”, “ilustrações”, “abordagem pedagógica”, “significação regional e meio
ambiente”, além de requisitos específicos de cada disciplina.
Por exemplo, no tópico “lay-out e apresentação”, o livro receberá a nota
mínima (um) se apresentar as seguintes características:

 As instruções para professores e alunos são difíceis de serem


identificadas e diferenciadas
 Não existem cabeçalhos ou não são claros

13 O documento a que esta pesquisa teve acesso é uma fotocópia do texto original que provavelmente
faz parte do edital de concorrência pública para licitação da compra de livros didáticos do Projeto
Nordeste – parte do PNLD destinada especificamente a Estados do Nordeste, em que livros são
adquiridos mediante licitação.
59

 Professores e alunos não podem distinguir o centro de uma lição,


dos exercícios, atividades etc.
 Os tipos de letras são muito pequenos para a idade das crianças
[...].

A nota máxima (cinco) obtém-se com uma apresentação quase simetricamente oposta:

 As instruções são positivas, tem significado e ajudam


 Os cabeçalhos ajudam alunos e professores a usar o texto
 Existem claras diferenças entre os diferentes tipos de texto que
ajudam ao aluno e professor a usar o livro
 Capítulos / lições têm cabeçalhos fáceis de compreender e são
pedagogicamente significativos
[...].

Em âmbito estadual, a Secretaria de Estado da Educação (SEED), do Paraná,


também apresentou exigências semelhantes na licitação que realizou em 1994 para
aquisição de livros didáticos de 5a a 8a séries. O edital é minucioso nas exigências:

O produto ofertado deverá atender no mínimo às seguintes


especificações, sob pena de desclassificação da proposta em desacordo:

1. MIOLO
Papel branco não revestido
gramatura: 70-75 g/m2 com variação de + ou - 5%
espessura: 0,095 mm com variação de + ou - 5% para 75 g/m2

2. CAPA
Papel cartão branco, revestido de um só lado e plastificado
gramatura: mínima de 250 g/m2 com variação de + ou - 5%
espessura: 0,225 mm com variação de + ou - 5% para 250 g/m2 [...].
[Concorrência UCP/SEED n° 001/94. Anexo II.]

Numa entrevista a Leia, de fevereiro de 1988, Carlos Pereira, então presidente


da FAE, justificou as exigências do Estado:

No final das contas, nós nos constituímos no maior cliente das editoras
de livros didáticos do país. É bom lembrar que se Jorge Amado é o
best-seller da literatura brasileira, tem autor de livro didático que vende
de uma vez o equivalente a cinco vezes o que o escritor baiano vende
em um ano. [...]
Temos [...] exercido uma pressão junto às editoras, legítima, e os
editores têm reagido bem. Todas as modificações, neste ano, por nós
propostas, foram em sua maioria atendidas, e as que não foram
atendidas tiveram os livros rejeitados. É fundamental o Governo saber
que está comprando um bom produto. E estamos continuando o
trabalho de avaliações com a participação do Inep (Instituto Nacional
de Estudos Pedagógicos) e outros órgãos do MEC.
[PNLD: um programa consolidado. Entrevista com Carlos Pereira.
60

Leia, ano X no. 112, fev. 1988.]

É bem possível que o papel do Estado como principal cliente do setor de livros
didáticos aumente ainda mais. Em dezembro de 1996, o MEC anunciou para janeiro
de 1997 a fusão da FAE com o Fundo para o Desenvolvimento da Educação (FNDE),
o que daria origem a um “superórgão”, como classificou a Folha de S.Paulo
(21/12/1996). De fato, segundo José Antônio Carletti, presidente desse “superórgão”
já criado, o MEC pretende comprar mais e mais livros não-didáticos, isto é, de
literatura e obras de referência (Folha de S.Paulo, 26/2/1997).
Todo esse papel que o Estado assume não justificaria, afinal de contas, a
afirmação de que o livro didático – e agora também os não-didáticos – não tem uma
“história própria”, mas apenas uma história de “seqüência de decretos, leis e medidas
governamentais”? Para Freitag et alii (1993) a resposta é, obviamente, afirmativa:

Desta forma, o Estado interfere no processo de produção do livro


didático na entrada, ou seja na fase de planejamento da mercadoria
livro, determinando o seu conteúdo, e na saída, isto é, no final do
processo produtivo, transformando-se em comprador.
Mas a atuação do Estado não termina aí. Ele ainda participa em várias
etapas intermediárias do processo de produção, circulação e consumo
da mercadoria livro. Como comprador de matéria-prima (papel, tinta,
máquinas etc.) ele assegura os estoques do mercado; como organizador
dos transportes do livro pronto, ele promove sua entrega nas escolas,
fretando caminhões, barcos, lombos de burro [...]; e como divulgador
do livro, funciona como seu intermediário e comercializador,
fornecendo listas dos livros produzidos aos professores de escolas, para
que estes possam fazer a sua escolha. Em certas ocasiões, o Estado
ainda assumiu as funções de avaliador da qualidade do livro ou de
censor. [p.52.]

Censura?
Capítulo 3
Estado e mercado

Censura! – foi o que quase gostariam de ter dito editores e autores de livros
didáticos quando, em maio de 1996, o Ministério da Educação e do Desporto (MEC)
anunciou que vários livros distribuídos pela FAE continham erros graves (Folha de
S.Paulo, 18/5/1996). Iniciava-se a talvez mais grave crise no relacionamento entre a
indústria editorial e o Estado. Mas não foi a primeira. Nessas ocasiões, a mídia tem
desempenhado um papel de atiçador da crise, muitas vezes fomentando tensões e
conflitos.

Denúncias na mídia

Em abril de 1994, o jornal Folha de S.Paulo desencadeou uma de suas várias


séries de denúncias sobre a qualidade do livro didático. Segundo os artigos, o MEC,
por intermédio de uma “comissão de 23 professores universitários de todo o país”,
havia concluído que “os livros destinados a alunos de 1º grau apresentam ‘distorções
e erros crassos’ de informação” (Folha de S.Paulo, 21/4/1994, p. 3-1) e anunciou que
as editoras deveriam até julho “consertar os erros e distorções dos livros didáticos
adquiridos pelo Governo Federal”, sob pena de descredenciamento (Folha de S.Paulo,
22/4/1994, p. 3-1).
Tais “distorções e erros crassos” eram de várias ordens. Em primeiro lugar,
havia erros conceituais: por exemplo, livros de matemática para 1º grau que não
fazem “distinção entre número (entidade abstrata) e numeral (símbolo)”, ou de
ciências que, após caracterizar os insetos como seres de seis patas, mencionam
62

“outros insetos” com oito patas (Folha de S.Paulo, 21/4/1994, p. 3-1). “Idiotização da
criança”; “exercícios mecânicos de repetição e cópia”, sem “atividades lúdicas,
desafios”; inadequação dos títulos (por exemplo, uma obra denominada Meio
Ambiente, Vida e Saúde induziria a idéia de “ambiente independente dos seres
vivos”); e privilégio conferido à ficção, “o que pode transformar a leitura e o
aprendizado em uma tarefa descolada da realidade da criança” – essas são, segundo o
jornal, outras tantas críticas apresentadas pela comissão (Folha de S.Paulo,
21/4/1994, p. 3-1).
As “críticas mais duras” eram endereçadas aos livros de Estudos Sociais, que
“não levam os alunos à compreensão da realidade e ainda impedem que eles ‘se
situem no espaço e no tempo da realidade social brasileira, indispensáveis para a
formação da cidadania’” (Folha de S.Paulo, 23/4/1994, p. 3-4). Assim, os

livros de estudos sociais (história e geografia) são, em sua maioria,


atemporais. Nunca usam fotografias que poderiam contextualizar as
atividades propostas em um determinado local e época.
[Folha de S.Paulo, 21/4/1994, p. 3-1.]

Pior que tudo, como denuncia o título de um artigo, “livros didáticos estimulam o
preconceito”:

A família branca é passada ao aluno como padrão e o negro,


freqüentemente, aparece em posições socialmente inferiores. As fotos e
gravuras enfatizam, na maioria das vezes, o branco.
Em alguns livros, repetem-se antigos preconceitos, já superados há
muito tempo por pesquisas históricas. Fala-se, por exemplo, que o
índio, por ser indolente e acostumado à liberdade, não se adaptou à
escravidão. Daí a preferência do colonizador pelo negro.
[Folha de S.Paulo, 23/4/1994, p. 3-4.]

A denúncia de estímulo ao racismo também seria objeto de comentário na página dois


da Folha de S.Paulo, reservada aos editoriais:

Está certíssimo o Ministério da Educação em impedir a distribuição de


livros incompatíveis com os direitos humanos. É um absurdo que o
contribuinte pague por livros escolares que, em vez de promoverem a
liberdade e o respeito aos grupos vulneráveis, estimulam preconceitos.
O que, na prática, tem-se revertido em violência cotidiana.
[Como ensinar preconceitos, Folha de S.Paulo, 23/4/1994, p. 1-2.]
63

O interessante nessa participação da mídia no debate é que ela endossa sem


reservas a opinião de certo tipo de “autoridade” – no caso “comissão de 23
professores universitários de todo o país” – não levando em conta nem o teor das
críticas nem tampouco a existência de outros tipos de autoridade envolvidos, por
exemplo, o autor. As críticas, que o jornal nivela em seus furor de denúncia, são de
várias ordens. Há, de um lado, constatação de erros realmente graves, como os do
livro que fala em insetos com oito patas. Há, no entanto, críticas que derivam muito
mais de um preciosismo cientificista que faz abstração da situação de ensino, como a
que exige para o primeiro grau a diferenciação entre número e numeral. Outras
críticas, por fim, são semelhantes às já examinadas na Introdução deste trabalho:
“erros” descobertos porque era preciso descobri-los. (Quem já participou de
avaliações desse tipo sabe que é muito mais fácil fazer parecer sobre livros com erros
– e criticá-los – do que sobre aqueles irrepreensíveis.) Lugares-comuns, como “tarefa
descolada da realidade da criança”, impedir que os alunos “se situem no espaço e no
tempo da realidade social brasileira”, aplicam-se a quase tudo, e é preciso muita má
vontade para enxergar no título Meio Ambiente, Vida e Saúde a ação deletéria de uma
ideologia que concebe o “ambiente independente dos seres vivos”... A imprensa,
porém, não se preocupa com essas questões de bom senso. “Livros que os nossos
filhos lêem têm erro!” é muito mais eficaz do ponto de vista jornalístico do que
“Comissão de professores universitários avalia segundo critérios questionáveis”. À
pergunta “o que ganha o jornal com essa denúncia?” pode-se responder simplesmente:
“uma boa matéria”.1
Mas também não é impossível que outros interesses estejam mesclados nesse
tipo de notícia. Gilberto Dimenstein e Daniela Pinheiro assinaram a série sobre erros
nos livros didáticos. O autor do editorial denunciando que os livros didáticos induzem
preconceitos é também Gilberto Dimenstein. Ele é autor de livros (não-didáticos)
sobre cidadania e direitos humanos, que a Fundação para o Desenvolvimento da
Educação (FDE), ligada à Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, comprou
para compor os Centros de Informação e Criação, mencionados no capítulo anterior.

1 De modo geral, como mostra Darnton em “Jornalismo: toda notícia que couber, a gente publica”
(1990, pp. 70-97), as decisões sobre a “pauta” ou o estilo do texto passam por razões muito mais
prosaicas do que as imaginadas por teóricos-críticos da indústria cultural, que deduzem o caráter de
uma reportagem, um artigo, de um editorial etc. com base na análise da configuração geral do
64

Em 10/7/1994, a Folha de S.Paulo publicou um artigo que, à primeira vista, parecia


ser um prolongamento da série sobre erros em livros didáticos. Novamente,
apontavam-se os erros e dados desatualizados, dessa vez em relação a livros de
Geografia, mais particularmente os atlas. Pouco mais de um mês depois, o mesmo
jornal, mediante uma intensa campanha publicitária, passaria a encartar, em suas
edições dominicais, fascículos que compõem a versão brasileira do Atlas de The New
York Times – elevando a vendagem do jornal a níveis inéditos.2

A lista negra

A “crise de 1996” foi mais conturbada e prolongada. Na imprensa, ela se


iniciou em meados de maio de 1996 com a notícia de que uma comissão de 50
especialistas formada pelo MEC para examinar os livros didáticos enviados pelas
editoras havia concluído seus trabalhos, iniciados em janeiro.3 Por essa avaliação,
seriam eliminados do catálogo a ser enviado aos professores os livros que
expressassem “preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação” ou que contivessem “erros graves relativos ao conteúdo da
área” ou que induzissem a eles (MEC/SEF/CENPEC 1996, p. 12). Além disso seriam
levados em conta “aspectos gráficos-editoriais” e o “livro do professor ou orientação
do professor” acompanhando o livro-texto (pp. 12-13).
Segundo apurou a imprensa, vários dos livros examinados conteriam erros
graves e, por isso, seriam excluídos da lista de compras da FAE. Para o ministro da
Educação, Paulo Renato Souza, essa era uma questão bastante simples: “Afinal, o
governo tem o direito de comprar o livro que quiser” (Folha de S.Paulo, 21/5/1996).
Mas a reação foi imediata. José Bantim Duarte, diretor da editora Ática e também da
Câmara Brasileira do Livro (CBL), declarou:

capitalismo. Em todo caso, é bem possível que esses motivos prosaicos sejam já sintomas dessa
configuração geral – hipótese que tem a grande vantagem de não ser passível de comprovação.
2. O primeiro fascículo do Atlas Geográfico Mundial foi lançado em 14/8/1994, quando a edição da Folha de
S.Paulo, segundo o jornal, alcançou a tiragem inédita (no Brasil) de 1,1 milhões de exemplares. Com o sucesso do
empreendimento, o jornal relançaria o primeiro fascículo em 19/8/1994. Cf. Folha de S.Paulo, 15/8/1994, pp. 1-1,
1-3 (coluna Painel do Leitor), 1-5 e 1-6.
3 Salvo indicações em contrário, o relato desse episódio baseia-se na série de artigos (quase diários) da Folha de
S.Paulo e de O Estado de S.Paulo de maio/junho de 1996. A revista Veja, na sua edição de 3/7/1996, noticiou
tardiamente o episódio.
65

Fomos convocados às pressas para uma reunião na sexta passada


[17/5/1996] em que a FAE divulgaria quais livros tinham problemas.
Só que o comunicado foi feito de forma oral e não pudemos nem tomar
nota.
[Folha de S.Paulo, 21/5/1996.]

A Associação Brasileira dos Autores de Livros Educativos (Abrale) reclamou que o


diálogo que vinha mantendo com a FAE fora abruptamente interrompida.4
A tensão agravou-se na medida em que o MEC passou a divulgar apenas
informações parciais. Sabia-se que dos 1.159 livros inscritos, 75 foram imediatamente
descartados por não se caracterizarem como didáticos.

Dos 1.084 restantes, 183 títulos foram excluídos depois de avaliados


com base em critérios relativos ao produto (atualização de conteúdo em
sistema monetário ou mapas; abrangência curricular) e 81 (de 1ª a 4ª
séries) foram suprimidos depois de uma avaliação de conteúdo. No
caso dos títulos de 1ª e 4ª séries, a avaliação de conteúdo permitiu ao
MEC introduzir um novo elemento de apoio ao professor no momento
da escolha das publicações: a referência por meio de estrelas, de zero a
três, sendo a maior graduação a mais recomendada.
[O Estado de S.Paulo, 21/5/1996.]

Quais livros? O MEC só fornecia alguns exemplos de livros vetados, o que irritou os
editores desses livros, expostos à execração pública, enquanto outros podiam
continuar no anonimato. Segundo a imprensa, editoras tentavam manobras para retirar
suas obras do processo de avaliação, evitando assim a eventual inclusão desses livros
na “lista negra”.
O MEC, que alimentava a imprensa com informações a conta-gotas, anunciou,
em 23/5/1996, que não iria mais divulgar a lista dos livros condenados, alegando que
o objetivo da avaliação não era de expor os erros. Isso convinha às editoras, menos
àquelas cujos livros tinham sido divulgados para servir de exemplo dos erros
encontrados. Esse foi o caso do IBEP (Instituto Brasileiro de Edições Pedagógicas),
tradicional fornecedor da FAE. Seu presidente, Jorge Yunes, que também é
proprietário da editora Nacional, afirmou:

Isso para mim virou uma questão moral. Eles não me enviaram laudo
algum com os problemas dos livros. Trataram-me como se eu fosse um
aventureiro no mercado. Nosso trabalho é sério. O que queremos é que
eles divulguem toda a lista.

4 A respeito, ver Capítulo 7.


66

[Folha de S.Paulo, 24/5/1996.]

Quem também passou a exigir a divulgação da lista foi a Associação


Intermunicipal de Pais e Alunos de São Paulo (Aipa), que lembrou que em São Paulo
(e também em Minas Gerais) as compras dos livros didáticos são feitas diretamente
pela Secretaria da Educação e que por isso haveria risco de serem adquiridas obras
condenadas. O mesmo argumento foi apresentado pela Secretaria do Estado da
Educação de São Paulo, cujo titular, Rose Neubauer, chegou a caracterizar a atitude
do MEC como “irresponsabilidade”. Representantes das escolas particulares também
defenderam o direito de conhecer a lista dos livros considerados errados para evitar
que estes fossem adotados em seus cursos. Havia também clima de apreensão em
colégios particulares que mantém no seu corpo docente autores de livros didáticos,
fazendo disso seu cartão de visita. Para agravar a situação, uma das coordenadoras da
equipe de avaliação dos livros didáticos foi acusada de favorecer a editora Formato,
que havia publicado uma obra de sua autoria. Jorge Yunes (IBEP/Nacional) chegou a
contratar dois professores universitários para avaliar uma obra da Formato, para
concluir ela continha mais de 30 erros.
Oficialmente, porém, todos começaram a exigir divulgação da lista. Wander
Soares, da editora Saraiva e diretor a Associação Brasileira dos Editores de Livros
(Abrelivros), que reúne 22 editoras de livros didáticos, afirmou à imprensa:

A lista é uma coisa pública e tem de ser divulgada.


[...]
Nem nós, que somos editores, tivemos acesso à lista. Para corrigir os
erros que o MEC alega ter encontrado, precisamos saber o nome dos
livros reprovados e ter em mãos o laudo com as falhas.
[Folha de S.Paulo, 30/5/1996.]

Lília Alves, do Sindicato Nacional de Editores de Livros (SNEL), argumentou na


mesma linha:

O mal já está feito. Os livros reprovados ficaram fora da lista do MEC


sem que tivéssemos direito de corrigir nada. É melhor divulgar logo o
nome das obras não-selecionadas.
[Folha de S.Paulo, 30/5/1996.]

E da mesma forma, Altair Brasil, presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL):


67

Não basta excluir os livros do catálogo da FAE. Se o MEC acha que os


erros são assim tão graves, deveria divulgar o nome dos livros
reprovados para impedir que fossem usados pelas escolas particulares.
[Folha de S.Paulo, 30/5/1996.]

As principais entidades representantes dos empresários do livro haviam assim


uniformizado seus discursos. Por parte dos autores, a situação era mais delicada, pois
a responsabilidade final sobre os erros recaía sobre eles. Reunidos em assembléia
convocada pela sua entidade, a Abrale, os autores aprovaram uma carta ao Ministro
da Educação, em que critica o modo como foi comunicado o resultado da avaliação
dos livros didáticos:

Foram momentos razoavelmente constrangedores para todos os


presentes, com um clima que evocou as pressões que regimes
autoritários exercem sobre as pessoas de opinião livre ou as ficções em
que um personagem sofre um processo, ignorando quem o processa e
quais os motivos.
[...]
Foi negada a autores e editores uma cópia dos pareceres e – incrível! –
até mesmo que estes fizessem cópias manuscritas das críticas, o que
certamente avaliza a lembrança dos processos no estilo de Kafka, em
que a acusação é secreta.
[Abrale. Melhoria da qualidade do livro didático. Considerações sobre
o estágio atual do processo de avaliação. Documento da Abrale
encaminhado à FAE/SEF/MEC em 29 de maio de 1966.]

Luiz Imenes, autor de livros de Matemática e então presidente da Abrale, esclareceu


que o problema não era a divulgação da lista, mas todo o processo:

Por princípio, somos favoráveis à divulgação da lista. Mas essa


avaliação foi feita às pressas, e pode haver erros. O MEC deve divulgar
a lista, mas antes precisa discutir com autores e editoras.
[Folha de S.Paulo, 30/5/1996.]

A Aipa e a Associação de Pais e Alunos do Estado de São Paulo (Apaesp)


entraram com recurso judicial para que a lista fosse divulgada. Em 15/6/1996, a Aipa
conseguiu liminar, o que obrigaria o MEC a divulgar a lista em cinco dias. O MEC,
que já havia antes anunciado que iria divulgar a lista e depois adiou a data, marcou
para 21/6/1997 a divulgação – que acabaria acontecendo em 24/6.
A lista divide os 263 livros rejeitados em várias categorias: “títulos excluídos
de 1a a 4a série [...] por conterem erros conceituais ou informações que induzam a
erros graves, relativos ao conteúdo da área e/ou preconceitos”; “livro consumível”,
68

“conversão inadequada para livro não-consumível” (livros originalmente consumíveis


nos quais a editora apenas preencheu as lacunas, em vez de executar nova
diagramação); “livro com diagramação inadequada”; “não se trata de livro didático”;
“livro regional” (atendendo a um público ou a um currículo sem abrangência
nacional); “mais de um exemplar por título” (livros que são obrigatoriamente
complementados por caderno de atividades, o que inviabiliza a compra de unidades);
“livro com mapas e/ou informações desatualizados”; “livro multidisciplinar” (várias
disciplinas em um volume); “livro multisseriado” (várias séries em um volume);
“obra destinada ao 2o grau”; “obra inacabada” (livros apresentados em “boneca” ou
projeto de edição); “livro com especificidade religiosa” (professando expressamente
um credo religioso específico); “livro destinado a alfabetização de adultos”; “não
apresentação do livro-texto” (mas apenas o manual do professor); “apresentação do
xerox do livro original”; “livro paradidático” (e não didático); e “livro sem
abrangência curricular”, isto é, sem contemplar o conteúdo mínimo exigido para a
respectiva série (Folha de S.Paulo, 25/6/1996). Como se observa, nem todos os livros
contêm propriamente “erros”. Estes somam 80 livros aos quais se podem acrescentar
os 18 com “mapas e/ou informações desatualizados”, totalizando 98 livros “errados”
(37% do total dos rejeitados). Os demais foram recusados por inadequações em
relação aos critérios do PNLD, muitas delas óbvias, o que revela certa dose de má-fé
das editoras, que tentaram ludibriar a FAE com expedientes até mesmo simplórios,
como a entrega de livros em fotocópia ou obras sem acabamento.
José Bantin Duarte, da Ática e CBL, contra-atacou questionando a qualidade
da própria avaliação:

A princípio, observamos não haver um padrão na análise; uns


apresentam profundidade e outros são superficiais. [...] Não acredito
que a comissão seja infalível.
[O Estado de S.Paulo, 24/6/1996.]

Nesse aspecto, o diretor da Ática retomava a crítica que Luiz Imenes, da Abrale, já
havia formulado em relação à comissão de avaliação:

Os professores universitários são maioria. O número de professores,


secundaristas e de 1o grau, deveria ser bem maior.
[Folha de S.Paulo, 30/5/1996.]
69

Mas de acordo com Ernesta Zamboni, da Faculdade de Educação da Unicamp, ao


menos na área de Geografia e de História, que ela coordenou, a equipe era formada de
professores da área tanto da rede estadual como das universidades. E acrescentou:
“Em caso de divergência entre os membros, as obras foram submetidas a novo
processo de avaliação” (O Estado de S.Paulo, 25/6/1996).
No decorrer de todo esse episódio, à imprensa não faltou sensação. A demora
do MEC na divulgação da lista foi tachada de “corajosa covardia” – “a forma mais
abjeta de coragem” – por Josias de Souza, articulista da Folha de S.Paulo
(28/5/1996). Dos livros condenados, garimparam-se os “erros” mais bizarros:
ilustração num livro de Ciências sugere que a urina saia pelo ânus; livro de
Matemática calcula que 2/2 seja igual a oito, 3/3 = 12 e 4/4 = 12; outro, de Estudos
Sociais explica que a Lua é fonte de “luz artificial”, o que significa que é a luz “criada
pelo homem”; há afirmações como o “estômago e os pulmões são exemplos de
músculos do corpo humano”. Holofotes recaíram sobre a coleção “Caminho Suave”,
também condenada. A Veja chegou a informar que 20% das escolas particulares (de
onde? – a revista não diz...) utilizam a “tradicional cartilha Caminho Suave, vetada
pelo MEC por má formação dos exercícios”. Branca Alves de Lima, autora da coleção
vetada, explicaria, no entanto, que a tradicionalíssima cartilha não foi sequer objeto de
avaliação. O que foram vetadas foram os livros de 1a a 4a séries que formam a coleção
cujo nome é idêntico ao da cartilha, todos publicados pela editora também
denominada Caminho Suave (Folha de S.Paulo, 25/6/1996).

Fenômeno de mercado

Segundo certos diagnósticos, todo esse processo de avaliação dos livros


didáticos pelo MEC acabou por provocar alterações no perfil do mercado editorial
brasileiro:

Editoras pequenas, que em 95 venderam à FAE menos de 25 mil livros,


aumentaram em até 40 vezes o volume de negócios com o governo.
Em 95, a Formato vendeu à FAE 24,5 mil livros. Para este ano, a
estimativa é de 1,8 milhão. A Módulo, que em 95 ocupava o 26o lugar
na lista das editoras que mais venderam livros à FAE, pulou para o 12o.
70

[Folha de S.Paulo, 24/9/1996.]5

Essa avaliação, no entanto, é controvertida. No próprio artigo em que ela é exposta,


há uma declaração de José Antônio Carletti, então presidente da FAE, que apresenta
outros aspectos da questão: “Para ele, o motivo das mudanças no ranking é que em 95
foram comprados livros de matemática e português e, neste ano, de ciências e estudos
sociais” (Folha de S.Paulo, 24/9/1996).
Em todo caso, a fatia do mercado representada pelas compras da FAE não é
tão importante, de acordo com os dados da Abrelivros, publicados pela Folha de
S.Paulo:

Dos 180 milhões de exemplares que as editoras de livros didáticos


imprimem anualmente, 110 milhões são comprados pelo MEC para ser
distribuídos nas escolas públicas.
Os outros 70 milhões são divididos entre vendas em livrarias (20
milhões) e distribuição a professores (50 milhões), para que eles
escolham as obras que adotarão.
Segundo Wander Soares, vice presidente da Abrelivros [...], um livro
de primário é vendido para o MEC por um preço médio de R$ 3. A
mesma obra, em uma livraria, custa R$ 15.
“A vantagem de vender para o governo é que, como a compra é grande,
o livro fica popular. E o pagamento é imediato”, afirmou Soares.
[Folha de S.Paulo, 24/5/1996.]

Por sinal, a maioria dos entrevistados também relativizaram a importância comercial


das compras da FAE. Para eles, o boom do setor dos livros didáticos é antes um
fenômeno do mercado. O gerente editorial João Guizzo, que ingressou na Ática em
1975, assim rememora o crescimento da editora de que ele foi um dos artífices:

As mudanças se deram no sentido de crescimento visando atender mais


amplamente o mercado. Ou seja, a Ática entrou no mercado com certos
produtos e foi aí que ela nasceu, se desenvolveu graças ao acerto de uns
lançamentos básicos, lançamentos inovadores, lançamentos que caíram
assim em cheio no mercado, porque eles atenderam às aspirações,
necessidades dos professores na época. Isso na década de 60, década de
70. Esses lançamentos continuaram, lançamentos de grande sucesso,
com os quais a empresa acumulou um capital inicial para aplicar em
outros projetos. E a editora sempre reinvestiu basicamente toda receita
na área, na área do livro, área editorial, na própria Ática ou em gráfica.
Mas realmente cresceu muito porque em cima desses produtos iniciais
ela aproveitou para investir e atender de maneira sempre mais
abrangente, mais completa, todas as áreas. Então, se inicialmente ela

5 Lecionare nº 4 (out. 96) e Informativo Abrale, de jan. 1997 (ano 1, nº 2) também contêm artigos com
teor semelhante.
71

tinha uma coleção para atender a área de Geografia, por exemplo, hoje
ela tem três coleções; isso também na área de História, na área de
Ciências, na área de Matemática, todas as áreas. Em todas as áreas ela
ampliou os lançamentos para atender ao mercado de maneira mais
completa e diversificada – hoje a Ática tem livro didático da pré-escola
à universidade. Isso ela fez também na literatura infantil, se
desenvolveu muito também na área de paradidático – uma área que
praticamente foi ela que inovou, porque ela se impôs com algumas
coleções muito diferentes, muito inovadoras. E o paradidático, hoje a
empresa atende também a todas as áreas, com diversas linhas muito
diversificadas, muito variadas.

A editora Isabel Simões, também da Ática, guarda a mesma memória do processo:

Isso foi acontecendo aos poucos; de dez anos para cá com muito mais
intensidade. Eu acho que há um grande trabalho das editoras de
colocarem muitos livros no mercado, mercado editorial se tornou muito
competitivo, muito cheio de títulos. Então, há uma própria dinâmica do
mercado. Há um número de títulos cada vez maior, uma concorrência
cada vez mais acirrada.

O papel do Estado como o principal comprador só é lembrado se a pergunta a


respeito se fizer explícita, algo como “os programas do governo de aquisição de livros
didáticos não tem nada a ver com o crescimento do setor?”. Mesmo assim, o Estado
aparece apenas como mais um componente do mercado:

Eu acho que sim, o mercado cresceu com isso [com os programas de


governo], quer dizer, o número de livros que o mercado pode absorver
me parece que aumentou. E a competitividade também, eu acho. Outro
dia a editora de Português falou: “Olha, gente, uma coisa que a gente
precisa ter na cabeça: o livro didático para boa parte das pessoas é o
único livro que a pessoa tem, que ela lê na vida”. O livro didático é o
único livro a que os pobres têm acesso, via programas de governo.
Quer dizer, o fato de o livro didático ter essa participação monstruosa é
também porque os outros livros não têm participação nenhuma. Lê-se
muito pouco, tem-se muito pouco dinheiro para comprar livros. Há uma
enorme massa, uma população inteira alienada do mercado de livros,
afastada porque não tem grana para mercado de livros. Agora, ela tem
acesso precário, insuficiente, mas pelo menos a um livro, o livro
didático de Português, a cartilha, o livro de Matemática.

“O livro didático é um elemento de mercado” – diz com todas as letras


Gilberto Cotrim, autor de livros didáticos de História e presidente da Abrale (gestão
1996/1998). Ele vai além e explica que esse mercado expandiu-se exatamente na
ausência do Estado:
72

Há evidentemente uma expansão da demanda pelo ensino. Houve um


certo abandono flagrante das autoridades educacionais em
investimentos na área do ensino, na qualidade do ensino. E este
abandono como que foi suprido pelas editoras, que percebendo esse
desnível, trataram de preencher isso, cuidando mais da qualidade para
evitar a crítica, atendendo ao aluno, atendendo ao professor.
Livro didático dá dinheiro? Eu não sei qual é a importância do livro
didático em termos de lucratividade, comparado com outros setores da
atividade editorial. O que eu sei é que há uma concorrência, não é? Não
existe um único livro de História, que é minha área. Existem vários
livros de História, inclusive de tendências ideológicas bem diversas,
permitindo ao professor justamente a possibilidade de escolher aquilo
que é mais compatível com a autoria do curso que ele quer dar. Todos
procuram caprichar, cada um fazer a sua parte melhor para conquistar o
maior número de leitores, de professores.

Francisco Moura, autor de livros didáticos de Português, também aponta para a


ausência do Estado, pelo menos em relação aos professores:

Eu acho que há n fatores. Ao mesmo tempo que há o boom do livro


didático, há muita crítica ao livro didático, há gente que é contra, mas o
fato é que ele está aí. Eu acho que são vários fatores. O primeiro, que a
gente não pode negar, é que o professor brasileiro precisa do livro
didático. A grande maioria dos professores não tem condição de
preparar o material por uma questão de baixa remuneração, excesso de
aula..., aquelas histórias famosas. Então, o professor precisa desse
material – e é óbvio que as editoras perceberam que esse era um grande
filão; então investiram, investiram maciçamente. E muitos materiais de
qualidade duvidosa, simplesmente preenchendo essa lacuna.
Mas o que se alega muitas vezes é que o livro didático é... – isso é o
que me incomoda –, que o livro didático é a causa do baixo nível
educacional. E o livro didático eu colocaria como conseqüência, não
como causa. Isso é conseqüência de um sistema educacional com uma
série de falhas: não se investe na formação do professor, no salário do
professor e uma série de coisas. Então, isso tudo fez com que o livro
didático fosse o grande..., o único material usado. Então, ele não pode
ser o bode expiatório de jeito nenhum, como ele já foi.6

O boom do livro didático também é relacionado com a massificação do ensino,


na opinião de Lizânias de Souza Lima, editor da FTD:

6Também perguntado se a compra dos livros didáticos pelo governo não teria contribuído para o boom
do setor, Francisco Moura, aí sim, reconheceu:
Sem dúvida que é fundamental, porque eu acho que a guinada do livro [didático] se
deu na década de 70, quando o governo começou a comprar. Mas, por outro lado,
muita gente que não tinha acesso ao livro didático passou a ter. Então, eu acho que
não dá para ver só o lado negativo da questão. Eu acho que, sem dúvida, a compra
pelo Estado alterou radicalmente a questão numérica, porque só com as escolas
particulares ou com a compra pelo aluno não se chegaria a esses números de jeito
nenhum.
73

Eu acho que o boom foi exatamente com a massificação do ensino. Eu


vou dar um exemplo: na minha cidade havia um grupo escolar. Hoje
deve haver uns vinte. Eu conto muito essa história: quando eu tinha
mais ou menos 13, 14 anos, uma moça que estudava fora voltou para
cidade. Era um espanto geral. Era comentário para todo lado, porque
ela tinha feito científico. Isso era uma coisa estrondosa. O ensino era
realmente uma coisa de poucas pessoas.
Então, o mercado de livro didático cresceu assustadoramente. E como
não houve, vamos dizer, uma política do livro didático, a coisa ficou
anárquica, quer dizer, ficou por conta do mercado. As editoras foram
lançando livro, por isso essa quantidade de livro didático. Por quê?
Porque as regras são todas ditadas pelo mercado, não tem nenhuma
norma, não foi criada, ninguém criou. Não existe essa proliferação em
outros países, porque a origem, talvez, tenha sido outra.
Então, basicamente é isso: foi um crescimento da demanda por livros,
porque o número de alunos... é só pegar no IBGE e ver a estatística.
Por isso que o grande problema hoje não é mais de vagas nas escolas de
nível de 1o grau. É problema da qualidade, da evasão, salários baixos
para o professor, faltam recursos. Porque quando a escola pública
atendia da classe média para cima, as escolas eram bem..., eram
bonitas. Quando ela atingiu o povão, as escolas ficaram parecendo
barraco, os professores parecendo mendigo, os salários ficam desse
tamanho. Mas o mercado de livro didático continua, porque mesmo
aqueles que não podem comprar, o governo faz grandes compras de
didático. É muito grande, o governo compra muito livro!

Aqui, a ausência do Estado assume um caráter de classe: na medida em que o ensino


atinge o “povão”, todo o sistema de ensino é abandonado ou sucateado pelo Estado,
que, para remediar a situação, acaba sendo obrigado a comprar grandes quantidades
de livros didáticos.

Bom ou mau negócio?

Afinal, vale a pena vender para o Estado? Jaime Pinsky, editor da Contexto, é
bastante categórico:

O Estado é um comprador extremamente importante hoje em dia, um


comprador fundamental em qualquer editora. É conversa fiada isso que
eles dizem que não têm interesse em vender para o governo.7

7A mesma posição foi assumida quando Pinsky era professor universitário e diretor da Editora da
Unicamp:
As editoras comerciais têm um interesse muito grande na venda de livros para esses
programas [como o PLIDEF] e se empenham de todas as formas para serem
agraciados com as verbas públicas que não são nada desprezíveis. É fora de dúvida
que várias delas cresceram muito não apesar do poder público, mas exatamente por
causa dele.
74

Lizânias de Souza Lima (FTD) apresenta uma contabilidade mais complexa:

Se você for editar só para vender para o governo, é capaz de dar


prejuízo, porque é assim: o governo paga no mínimo, no mínimo, dez
vezes menos! Um livro que custa 15, ele vai pagar 1,50. Claro que ele
compra tudo de uma vez..., mas basicamente é isso. Então, [um livro]
só voltado para o governo seria impossível. Agora, se você já tem o
livro, já fez, já editou, o que ele tinha de dar despesa... Então, para o
governo vai ser basicamente o papel. Em grande quantidade então vale
a pena; do contrário, não valeria. E se editar um livro só... Você nunca
sabe quando o governo vai comprar ou não. Então é uma coisa incerta e
mal sabida. Agora, o mercado direto, não!
Às vezes, você até torce para não haver compra do governo, porque há
muita escola que, se não receber do governo, compra. E recebendo do
governo, você não vende. Você vai vender só nas [escolas] particulares.
No interior há muita escola em que o Estado tenta manter o nível,
porque atende à classe média. Então, o aluno é mais qualificado, mais
bem-nutrido, o pai cobra mais. Essas escolas compram livros,
consomem. Mas o Estado distribui: você vende para o Estado, perde a
venda direta.

José Ruy Giovanni, autor de livros de Matemática e primeiro presidente da


Abrale (gestão 1992/1994), propõe um outro cálculo, quando perguntado se as
compras pela FAE não contribuiu para o boom dos livros didáticos:

Não há dúvida nenhuma! Não há dúvida nenhuma! O problema todo é


o seguinte: é que dentro de um ponto de vista comercial, há a impressão
de que dá prejuízo. Mas você não pode ver apenas a parte comercial,
você tem que ver também a parte social. Então, hoje, a FAE paga, na
realidade, talvez um décimo, não chega a um décimo, um quinto do
preço de mercado. Então, a princípio, você vendendo um livro a dez é
melhor do que você vender um livro a dois. Isso em um livro, mas a
partir do instante em que você vende cinco, seis, dez, quinze, vinte
milhões de livros, isso se torna comercialmente também bom. Além do
que você está contribuindo para a melhoria do nível do ensino. Quer
dizer, o aluno carente, aquele aluno que jamais teria um livro na mão...
talvez sejam os únicos livros que vão passar pela mão dele, não é?
Então, hoje, esse boom editorial que houve..., porque a FAE não
compra só livro didático. Ela está fazendo as bibliotecas das escolas;
compra também livros de literatura etc. Então, eu acho que a FAE,
hoje, representa na realidade dentro do mercado editorial, ela
representa, talvez, 60%, 70%, da venda de uma editora. Muitas vezes, a
turma diz: “Ah, o livro para a FAE é besteira porque dá prejuízo...”,
porque o raciocínio é: “eu vou vender muito barato para a FAE”. Oh,
meu Deus do céu, eu acho que a gente tem que contribuir para

Desta forma não será impertinência alguma afirmar que o estado subsidiou editoras
comerciais, comprando grande número de seus livros. É claro que aí está o segredo
de parte das editoras.
[Pinsky 1985, p. 25.]
75

melhorar! Às vezes, é preferível você cobrar um preço menor, ter um


lucro menor, desde que a parte social seja atingida.

Do ponto de vista do autor, o cálculo a ser feito é de outra ordem: é o que


afirmam Gilberto Cotrim, presidente da Abrale, e Luiz Imenes, também presidente
dessa entidade na gestão imediatamente anterior. Cotrim não se arrisca a fazer
cálculos de lucratividade, pois não dispõe de plano de custos – “eu sou um autor”, diz.
“Mas”, complementa:
eu sei que vendi, os meus livros venderam nesse último PNLD-96. E o
preço de cada livro foi de 2,45 [reais] por livro. Não me parece isso um
preço muito alto em se tratando de um material de 180 páginas, que
tem todo um trabalho lá atrás: 2,45! No livro didático, a porcentagem
média do direito autoral cai um pouco mais em relação a escritor de
literatura. Quando você vende para a FAE, cai mais ainda, mesmo
porque a lucratividade da editora cai brutalmente. Então, os editores
negociam com os autores também uma redução significativa,
proporcional, para ele poder vender. Os editores, às vezes, dizem:
“Olha, estamos ganhando pela escala”. De repente, vendem dois
milhões de livros. Então, ainda que a margem seja 0,5, já tendo um
número fechado para compra, ele multiplica o valor..., vai ganhar um
pouco, vai ganhar 200 mil..., 200 mil reais em dois milhões de livros;
então, dá para vender. Eles multiplicam e vendem.
Talvez tenha um outro interesse também. Como um professor da escola
pública muitas vezes dá aula na escola particular, é uma forma de
tornar o livro conhecido desse professor. Aí, esse professor, se gostar
do livro, adota na escola particular, e o pai do aluno, que reclama tanto
do preço da mensalidade escolar, também paga um pouco mais pelo
livro. É mais ou menos..., talvez seja essa a lógica que justifica essas
vendas ao governo.

Autor de livros de Matemática, Imenes calcula quase instantaneamente:

Vamos responder isso fazendo uma conta, está bom? Essa coleção de 1a
a 4a série, que é a única que nós temos no programa da FAE. Neste ano
aqui, ela vendeu, aproximadamente... Foi algo em torno de 600 mil
livros, 600 mil livros vezes o preço de cada livro..., vamos jogar para
três reais. Então, 1 milhão e 800. Agora, isso a gente multiplica por
2%: nós estamos naquele caso que cai para metade. Vezes 2%,
36.000,00 reais, divido por três [autores]. Então, a minha receita foi de
12.000,00 reais, vendendo 600 mil livros, certo? Bom, isso é bom ou é
ruim? Se isso é comparado com sala de professor, é uma fortuna.
Agora, se é comparado com o salário de um especialista, porque para
fazer isso que eu estou fazendo... Se isso é comparado com o que ganha
um especialista, digamos, com uma capacitação e uma formação
equivalente à minha, mestrado e tal, em outras áreas como Engenharia
etc., e considerando que isso aqui é trabalho de anos... Isso é irrisório!
76

Aquém do Estado e do mercado

Não há, nesta tese, nenhuma preocupação em percorrer as variáveis desse


cálculo para determinar se os livros didáticos são lucrativos ou não. Se as editoras
continuam fornecendo obras para a FAE é porque, para além das considerações
sociais de Giovanni, elas devem auferir alguma vantagem, direta ou indireta, com
isso. Também não deixam de ser verdade as afirmações de que as editoras não
dependem das compras efetuadas pela FAE. Como se viu no capítulo anterior, os
dados da CBL/Fundação João Pinheiro para 1995 distingue o item “Didáticos” do
“FAE”. A Tabela 3.1 compara o desempenho do livro didático (exemplares vendidos
e faturamento) nesses dois itens:

Tabela 3.1
Produção editorial no Brasil
Exemplares vendidos e faturamento
(“Didáticos”, “FAE” e “Obras gerais”)
1995

Faturamento (US$) Exemplares vendidos


(unidades)
Didáticos* 597.773.130 101.595.208
FAE 461.664.524 130.406.470
Obras Gerais 301.367.879 61.358.728
Fonte: Câmara Brasileira do Livro/Fundação João Pinheiro.
* Didáticos: inclui pré-escolar, 1o e 2o graus e paradidáticos.

Se esses números forem factíveis, a venda nas livrarias representou, ao menos em


1995, receita ligeiramente superior à que as editoras obtiveram via FAE, embora o
número dos exemplares do item “FAE” seja cerca de 30% superior ao do “Didáticos”.
É possível afirmar, então, que o setor editorial de didáticos independe das compras
efetuadas pelo Estado? Os dados não permitem afirmá-lo de modo tão categórico. É
preciso levar em conta que o item “Didáticos” incluem livros de 2o grau e
paradidáticos, que não foram objeto de compra pela FAE até 1995/1996. Também
seria especular em vão se o setor editorial dos livros didáticos teria chegado a esse
patamar sem a colaboração do Estado. Wilma Silveira Rosa de Moura, que coordena
na Ática a editoria de livros de 1a a 4a séries do 1o grau, revela toda a complexidade
dessas questões:

Olha, a minha área é onde o Estado está mais presente: a FAE compra
para 1a a 4a [séries]; se sobra ela atinge de 5a a 8a. A minha produção
menos significativa é a produção que é feita para a FAE, porque a FAE
77

tem algumas exigências, por exemplo, ela só compra livros


reutilizáveis, os livros não-consumíveis. Então, eu faço os livros, a
grande maioria deles, pensando na escola particular, que é o cliente. E
faço versões não-consumíveis, que são filhotes desses livros
consumíveis, para o Estado.
Já foi diferente. Mas o governo passou a..., houve uma época que
comprou pouco. E as editoras, então, ficaram todas com o poder de
fogo sobre as escolas particulares – elas segurando o mercado. Quando
se faz avaliação de venda, se faz avaliação de vendas na escola
particular.
Quando o Estado compra, ele compra muito. Na minha área compra aos
muitos milhões, mas com o preço tão vil... Claro, é evidente que as
editoras ganham. A gente chora um pouco: “Não dá para vender, mas
se não vender você fica fora do mercado; é importante vender só para
ficar no mercado...”. Mas, claro, não é bem assim.
Mas nós não fazemos livros pensando na escola estadual. Nós fazemos
livros pensando nos dois mercados. Então, é assim: alguns livros que
eu já tenho, pelo perfil deles, eles têm uma destinação possível para
escola pública – então eu faço as duas versões: faço a versão não-
consumível e a versão consumível.

Em suma, as editoras não podem depender do Estado; para sobreviver devem


tomar iniciativas, consolidar nichos de mercado próprios. O que se pode afirmar,
então, é que o Estado não é tão soberano na história do livro didático. Além disso, o
pouco que se permite vislumbrar dos obscuros bastidores da negociação entre o MEC
e as editoras faz entrever uma possível pressão destas sobre aquele, que acabaria por
atender à exigência de divulgar a “lista negra”. Nesse sentido, não se poderia inverter
a fórmula da Lei Geral da História do livro didático no Brasil e imaginar a
possibilidade de as ações do Estado, em relação a esse setor, serem resultado das
pressões das empresas editoriais?
Mas o que mais importa aqui é examinar uma outra historicidade, constituída
por fazeres das pessoas que efetivamente produzem livros didáticos e pelo modo
como essas pessoas organizam o significado desses fazeres. Então torna-se possível
verificar que é somente no plano das abstrações que se permite uma afirmação como
essa, de Freitag et alii (1993):

A primeira constatação implica o fato de que não houve até


recentemente, fora do Estado, outras instituições no Brasil capazes de
influenciar, formular e redirecionar o processo decisório sobre o livro
didático. [...] Nem mesmo as editoras, que à luz de seu poderio
econômico teriam condições de influenciar o conteúdo e a distribuição
dos livros didáticos, têm usado a sua força para participar com
propostas próprias das decisões políticas sobre o livro didático. [pp. 21-
22.]
78

Propõe-se, pois, abandonar esse jogo metafísico de “quem-determina-quem” e


examinar como se produzem efetivamente os livros didáticos (e paradidáticos).
Capítulo 4
Como se faz livro, inclusive
didático e paradidático

Aqui não cabe retomar a história de livro nem tampouco participar de querelas
internas à disciplina. Vale a pena, porém, pontuar alguns de seus momentos que vão
constituindo, historicamente, os procedimentos da produção do livro e seus
significados.

Descontinuidades

Livro impresso não é mero prolongamento, uma evolução, do manuscrito. Ou,


inversamente, manuscrito não é simplesmente a forma do livro na época da sua não-
reprodutividade técnica. Ele é, antes, um objeto que pertence à esfera das ciências
ocultas. Explica Martins(2) (1996):

O livro, a palavra escrita, eram o mistério, o elemento carregado de


poderes maléficos para os não-iniciados; cumpria manuseá-los com os
conhecimentos exorcismatórios indispensáveis. [...] A biblioteca foi
assim, desde os seus primeiros dias até aos fins da Idade Média, o que
o seu nome indica etimologicamente, isto é, um depósito de livros, e
mais o lugar onde se esconde o livro do que o lugar de onde se procura
fazê-lo circular ou perpetuá-lo. [p. 71.]

O leitor de O nome da rosa, de Umberto Eco, certamente sabe o que significa livro
que deve ser escondido.
80

O livro impresso, ao contrário, é para vir a público e, eventualmente, até


mesmo ser lido. Ele é, sobretudo, para ser comprado: é mercadoria. Afirmam Febvre
e Martin (1992):

Desde a origem, a imprensa apareceu como uma indústria regida pelas


mesma leis que as outras indústrias e o livro como uma mercadoria que
os homens fabricavam antes de tudo para ganhar a vida – mesmo
quando, com os Aldo ou os Estienne, eram humanistas e eruditos ao
mesmo tempo. Era-lhes necessário, pois, primeiramente achar capitais
para poderem trabalhar e imprimir livros suscetíveis de satisfazer sua
clientela, e isso a preços capazes de sustentar a concorrência. Pois o
mercado do livro sempre foi semelhante a todos os outros mercados.
Problemas de preço e de financiamento colocavam-se aos industriais
que fabricavam o livro, isto é, os tipógrafos, e aos comerciantes que o
vendiam, ou seja, os livreiros e os editores. [p. 174.]

Livro não é apenas um objeto da cultura, do mesmo modo que, como lembra Darnton
(1996), o Iluminismo é também negócio.1
Em relação aos manuscritos, há unanimidade na literatura quanto à
instabilidade do texto, que variava de uma cópia para outra. Isso decorria tanto da
ignorância do copista a respeito do assunto sobre o qual trabalhava – por exemplo,
trechos em grego deixados em branco –, quanto da sua tentativa de interpretar
passagens que lhe parecessem obscuras ou incompletas (Martins[2] 1996, pp. 98-99;
McMurtrie 1982, pp. 97-98). É somente com o advento do impresso que o texto do
livro iria adquirir fixidez, mesmo porque a produção de vários exemplares de uma
mesma matriz tornaria praticamente inviável (mas não impossível) versões diferentes.
Mais do que isso: por mais que os detratores da indústria cultural tentem demonstrar
que é próprio dela, dessa mercenária da cultura, o menosprezo para com a sagrada
escritura do autor, o inverso é mais próxima da verdade. Nunca se buscou tão
obstinadamente o Texto Definitivo como nesses tempos de indústria cultural
plenamente consolidado. Algumas vezes, a obsessão pela exata fixação do texto é
implacável até mesmo com o próprio autor: como mostra Nestrovski (1994),
descobriu-se que na belíssima passagem “soiled fish of the sea” (peixe sujo do mar),
em White Jacket, Melville apenas havia escrito um prosaico “coiled fish of the sea”

1. A bem da exatidão, convém lembrar que a partir do século XIII desenvolveu-se uma outra
modalidade de manuscritos, em estreita associação com a expansão das universidades e de sua
clientela. Para atender ao novo público leitor que assim emergia, surgiram artesãos copistas que
produziam manuscritos para ser vendidos aos universitários. Aqui, o livro, embora manuscrito, é já
81

(peixe espiralado do mar). Produzem-se as chamadas “edições críticas”, tentando


dissecar tudo o que o autor quis dizer – ou que não quis dizer, pois se arrependeu do
que chegou a dizer: a tão citada frase de Marx “Conhecemos apenas uma ciência, a
ciência da História”, nos manuscritos originais de A ideologia alemã, encontra-se
riscada... O ideal do restabelecimento pleno do Texto chega ao paroxismo com a
edição genética, que se propõe a

[...] reconstituir a escritura, procurando sempre o reconhecimento dos


modos de proceder do autor. Segundo Almuth Grésillon, “entende-se
pelo termo ‘edição genética’ uma edição que apresenta exaustivamente
e na ordem cronológica de sua aparição os testemunhos de uma
gênese”. Assim, o objetivo de uma edição genética não reside em
mostrar um texto propriamente dito, mas em demonstrar um processo,
ou, como prefere Almuth Grésillon, em elucidar uma gênese.
[Lima 1994, pp. 195-196.]2

O livro impresso, no entanto, é herdeiro do manuscrito em um aspecto: o


material. Como indica Martins(2) (1996), a “Idade Média consagra a substituição do
rolo pelo codex, da mesma forma por que substitui o papiro pelo pergaminho e, já na
transição para a Renascença, o pergaminho pelo papel” (p. 100). O codex (ou códice),
esclarece McMurtrie (1982), foi uma invenção Igreja para que os textos cristãos se
distinguissem dos de cultura pagã, então associadas ao volumen, isto é, ao rolo.

No códice (codex), [...] as folhas de pergaminho, em vez de serem


coladas pelas extremidades e depois enroladas, dobravam-se para
formar duas, e as coleções ou grupos destas folhas dobradas ligavam-se
pelos vincos. [p. 95.]

O códice define, portanto, o espaço que se denominaria página, e o papel será seu
suporte predominante. A introdução do papel foi crucial:

De que teria servido ter de imprimir pranchas, mesmo composições


constituídas por caracteres móveis, se apenas existissem, para receber a
impressão, peles que com dificuldades recebiam a tinta e das quais
algumas somente – as mais raras e as mais caras, as peles de velino,

mercadoria. (Febvre e Martin 1992, pp. 26 ss.; Araújo 1986, pp. 43-44). Torna-se então legítimo falar
em transição do manuscrito para o livro, contanto que se caracterize bem a natureza desse manuscrito.
2. A obra citada é Almuth Grésillon. Eléments de critique génetique: lire les manuscrits moderns. Paris,
PUF, 1994. Segundo Lima, edição crítica não se confunde com edição genética: aquela
[...] tem como perspectiva a obra; a outra, o processo. O editor crítico apresenta um
texto considerado “definitivo” em sua inteireza; o crítico genético organiza
fragmentos, transcreve hesitações e incompletudes.
[1994, p. 196.]
82

isto é, de bezerro natimorto – são suficientemente lisas e


suficientemente macias para poder passar com facilidade sob uma
prensa? A invenção da imprensa teria sido inoperante se um novo
suporte do pensamento, o papel, vindo da China através da Arábia, não
tivesse aparecido na Europa havia dois séculos para tornar-se de
emprego geral e corrente no final do século XIV.
[Febvre e Martin 1992, p. 44.]3

A tipografia, essa técnica de imprimir livros (em papel), não é prolongamento


aperfeiçoado da xilografia. Febvre e Martin (1992) insistem na radical diferença entre
o procedimento de xilografia, em que uma “página” inteira é gravada (em madeira)
para receber tinta e imprimir papel, e o de tipografia, em que a página vai sendo
composta pela justaposição de pedaços de metal, em que se gravam letras. Uma não
sucede a outra, mas coexistem paralelamente no século XV; além disso, gravar em
madeira e em metal constituem técnicas bem distintas:

Aliás, os documentos provam bem que os primeiros livros impressos


não saíram das oficinas xilográficas adaptadas à nova tarefa: eles foram
feitos por especialistas do metal. Gutenberg, em quem se vê
tradicionalmente e talvez com toda razão o inventor da imprensa, havia
sido ourives; ourives, também, esse Prokop Waldvogel de Praga que
prosseguia ao mesmo tempo pesquisas análogas às do moguncês.
Ourives ainda, muitos mestres impressores da primeira geração, da
Basiléia sobretudo, freqüentemente inscritos na corporação dos ourives.
Assim, o livro impresso não poderia ser considerado como um
aperfeiçoamento do xilógrafo. Fatos característicos: o emprego da tinta
espessa, da tinta de imprensa preta e nítida, parece não ter substituído
nos xilógrafos a antiga tinta feita à base de negro de fumo e geralmente
escura e demasiadamente fluida, senão após o aparecimento do livro
impresso. Da mesma forma a prensa só substitui, na indústria
xilográfica, o antigo processo de brunidor que não permitia imprimir a
folha senão de um lado, após a invenção da imprensa. [pp. 74-75.]

O processo de composição, pela qual a página vai sendo montada por partes,
perduraria por séculos, mesmo com a alternância das técnicas: tipos móveis, em que
cada palavra, cada frase, cada parágrafo e cada página são montados letra por letra,
manualmente; o monotipo e o linotipo, em que, respectivamente, letras ou linhas são
fundidas à medida que vão sendo digitadas num teclado; e a fotocomposição, pela
qual letras, linhas e colunas de texto são fotografadas e depois coladas (paste-up)
numa base de papel (diagrama) para montar a página, que então é novamente

3. A respeito da introdução do papel na Europa, o processo de produção de papel e a expansão desse


setor, paralelamente ao crescimento da indústria de livro, cf. Febvre e Martin (1992), pp 45 ss. e
Martins(2) (1996), pp. 111 ss.
83

fotografada para produzir um filme (fotolito) do qual se tira a chapa gravada. É nessa
fase de fotocomposição, em que por meios fotomecânicos se produz a chapa gravada
da página (ou do conjunto de páginas), que a técnica de impressão acaba se
assemelhando à da gravura. É o que acontece também nos procedimentos de
editoração eletrônica, em que a página inteira, muitas vezes já com inserção de
ilustrações, é montada no computador e visualizada no monitor para, depois, gerar
saída (output) em papel (do qual se obtém fotolito), em laserfilme (que substitui o
fotolito) ou, diretamente, em fotolito (Martins[2] 1996, pp. 255 ss.; Araújo 1986, pp.
350 ss.; Burns et alii 1990, p. 10 ss.).

Vale, por fim, mencionar uma invenção importante, por Aldo Manúcio (ou
Aldus Manutius), que tornaria mais fácil a circulação do livro: o formato “portátil” do
livro, “isto é, que se pode levar de um lado a outro, livros como são feitos até hoje, e
não no formato antigo, de mesa” (Nestrovski 1995).4 Paralelamente, desenvolveram-
se outros elementos e partes do livro, tal qual se conhece hoje: página de rosto,
numeração de páginas, disposição do texto em linha corrida etc. (Febvre e Martin
1992, pp. 117 ss.).

Tinta sobre papel

O leitor atento terá percebido que até agora não se propôs nenhuma definição
de livro – muito menos de livro didático e paradidático. Talvez tenha também
reparado que isso não lhe acarretou nenhuma dificuldade na representação do objeto
que está sendo visado. Por sinal, nenhum dos estudos consultados sobre a história do
livro preocupa-se em defini-lo de antemão. Livro é um desses raros objetos em que o
conceito e a representação imediata parecem coincidir. Mas talvez seja necessário
agora precisar alguns tópicos, reiterando algumas questões já formuladas.

Toma-se aqui por livro um objeto material, geralmente confeccionado em


papel, sobre o qual aderem letras e outras figuras desenhadas a tinta, segundo uma
técnica denominada impressão, cuja invenção data do século XV; esse objeto produz-
se segundo um processo de trabalho bem definido e aparece primordialmente como
mercadoria, mesmo que as intenções de seus artífices sejam de outra ordem que não a
84

mercantil.5 Esse rude materialismo é necessário para dissipar de vez as ilusões


platônicas, que, acima, já foram objeto de crítica.

Livro não são meramente idéias, sentimentos, imagens, sensações,


significações que o texto possa representar. Nem tampouco é o texto em abstrato. Pois
esse texto, de que as pessoas normalmente vêem apenas idéias, sentimentos, imagens
etc. é constituído de letras (confeccionadas com tinta sobre papel) segundo uma
família de tipo (ou face de tipo ou fonte), que lhes dá homogeneidade. Uma família de
tipo compreende todas as letras do alfabeto em caixa alta (maiúscula) e caixa baixa
(minúscula),6 todos os numerais e todos os sinais como vírgula, ponto, aspas, hífen,
travessão etc. – e isso em vários tamanhos (corpos) e estilos (redondo ou normal,
itálico, negrito, sublinhado, VERSAL-VERSALETE etc.). Basicamente, há duas grandes
famílias de tipo: as serifadas (isto é, com serifa, que são pequenos traços horizontais
que se colocam nas extremidades das letras) e as sem-serifa.7

Quadro 4.1
Letras serifadas e sem-serifa

Letras com serifa Letras sem-serifa


(ex: Times New Roman) (ex: Ariel)
AaBbCcDdEeFfGgHhIiJjKkLlMmNnOoPpQq AaBbCcDdEeFfGgHhIiJjKkLlMmNnOoPpQqRr
RrSsTtUuVvWwXxYyZz 1234567890 SsTtUuVvWwXxYyZz 1234567890

Normalmente, os tipos serifados são usados para textos mais longos por causarem
menos fadiga aos olhos do que os sem-serifa. Por isso, é comum o corpo do texto ser
composto em letras serifadas e os títulos e as legendas, mais curtas, em letras sem-
serifa – embora tal solução, por demais convencional, repugne aos artistas gráficos.
Pesquisas sobre legibilidade, como as apontadas no Capítulo 2, procuraram
consolidar cientificamente um padrão tipográfico na confecção de livro. A esse
respeito, afirma um artigo transcrito em Tecnologia Educacional:

4. A respeito da invenção de Aldo Manúcio, ver também: McMurtrie (1982), pp. 226 ss.; Martins(2)
(1996), pp. 202 ss.; e Febvre e Martin (1992), p. 137.
5. O fato de nos países do chamado “socialismo real” os livros serem (ou terem sido) distribuídos
gratuitamente ou a preços exíguos não abole esse caráter de mercadoria: constituem apenas casos de
mercadoria com preço subsidiado.
6. Caixa alta e caixa baixa têm esses nomes porque, na tipografia propriamente dita, os tipos
correspondentes a letras maiúsculas eram dispostos em caixas situadas acima das que continham as
letras minúsculas.
85

Graças as [sic] pesquisas realizadas neste setor [tipográfico], hoje em


dia sabe-se que os tipos entre 8 e 12 pontos de altura possibilitam uma
legibilidade quase equivalente, e que, com tipos menores, a rapidez da
leitura cai de 5 a 10%.8 Por outro lado, o uso de tipos muito grandes,
[sic] gera uma maior lentidão e um maior cansaço.
O segundo elemento a considerar é a forma do tipo. [...]
[...]
Estudos rigorosos permitem hoje estabelecer uma hierarquia de tipos.
Assim, os “enfeitados” não são rapidamente legíveis e, por isso, seu
uso deve ser muito limitado (título, sub-título ou no máximo parágrafos
curtos). Os tipos gordos produzem uma impressão desagradável ao
olho do leitor que, inicialmente, distingue apenas uma massa uniforme
e precisa fazer um esforço maior para ler. Também deve ter seu uso
racionado.
Durante muitos anos o tipo itálico foi o preferido dos editores, mas
pesquisas recentes demostraram que é um tipo lido menos rapidamente
do que o romano (-5 palavras por minuto) e, sobretudo, dá ao leitor a
impressão de uma leitura difícil. Finalmente, os textos compostos em
maiúsculas são unanimemente condenados. Sua leitura é 15 a 20 %
mais lenta do que a dos textos em minúsculos romanos. [Valorização
do livro didático, Tecnologia Educacional, n° 28, mai./jun. 1979,
p. 20].9

Numa vertente mais semiológica, Otoni (1985), comparando livros didáticos


da França e do Brasil sobre o mesmo assunto (no caso, as estações do ano), afirma a
importância do uso do negrito segundo um padrão bem definido. No livro brasileiro, a
utilização do negrito não parece obedecer a nenhum critério racional; no francês, ao
contrário, o negrito serve para realçar o conceito, quando uma palavra assume
exatamente a importância de um conceito:

Aqui se faz referência ao inverno e ao verão, que não estão em negrito,


para explicar a desigualdade do dia e da noite. Essa desigualdade por
sua vez vai explicar o inverno e o verão na outra parte e então vão
aparecer em negrito.
[p. 102; grifos do autor, em vez de negrito.]

A tinta sobre o papel não forma apenas as letras que compõem o texto. Otoni
(1985), expondo a concepção de “texto como imagem”, distingue três elementos que
constituem, no livro, a relação entre o lingüístico e o icônico:

7. Araújo (1986), idiossincraticamente, grafa “cerifa”.


8. Ponto é a menor unidade tipográfica, e a altura de um tipo em pontos denomina-se corpo. Assim,
corpo 8, por exemplo, equivale a 8 pontos de altura.
9. A revista não indica o nome do autor, afirmando laconicamente em nota de rodapé: “Texto extraído
do periódico Direct, da Agence de Cooperation Culturelle et Technique, de fevereiro de 1975” (p. 18).
86

 o texto, contínuo, que constitui o elemento propriamente


lingüístico;
 o paratexto, que sendo também elemento lingüístico não faz parte
do texto (título, notas, referências bibliográficas etc.);
 o cotexto, formado de elementos não-lingüísticos (quadros,
esquemas, figuras, fotos etc.) [p. 99.]

Medeiros et alii (1995), por sua vez, afirmam que um livro

[...] é constituído de elementos externos e internos. Os elementos


externos compreendem: capa, verso da capa (segunda capa), terceira
capa, quarta capa, lombada e orelha; os internos são constituídos de
elementos pré-textuais, textuais e pós-textuais. Os elementos internos
são também conhecidos como miolo ou corpo.
[...]
Os elementos pré-textuais são constituídos de olho (falsa folha de
rosto), verso do olho, frontispício (folha de rosto) e verso do
frontispício (verso da folha de rosto), dedicatória, epígrafe, sumário
(enumeração das principais divisões do livro, como partes, capítulos,
itens, subitens), apresentação (optativa), prefácio, listas de ilustrações,
de siglas e de abreviaturas.
[...]
Os elementos pós-textuais compreendem: notas, referências
bibliográficas, notas explicativas, bibliografia (lista de obras
recomendadas pelo autor), apêndices. São, ainda, elementos pós-
textuais o glossário (relação de palavras pouco conhecidas, usadas na
obra; devem vir acompanhadas de definição) e os índices onomástico
(de nomes) e remissivo. Finalmente, não são destituídos de interesse o
colofão (indicação do impressor, endereço, local e data), o encarte
(impresso fora de paginação, que às vezes é colocado solto num livro) e
a errata. [pp. 17, 19 e 28-29.]

Os elementos textuais constituem propriamente o texto do livro (ou “corpo do texto”),


parte de que o autor é o principal responsável. É preciso lembrar que a parte gráfica
também compreende, além das ilustrações, gráficos etc., elementos como número da
página, cabeçalho (texto colocado no alto página contendo, geralmente, o título do
livro, o do capítulo ou o nome do autor), fios (linhas finas), tarjas (linhas grossas) etc.

Quadro 4.2
Exemplo de fio e tarja

Fio:
Tarja: Pode haver texto dentro
87

Trabalhos

Segundo Oliveira et alii (1984, pp. 77 ss.), a produção de um livro


compreende as etapas de preparação, composição, preparação das matrizes,10 e a
impressão. As duas primeiras constituem as atividades editoriais, que também
monitoram as demais. De acordo com Medeiros et alii (1995), o departamento
editorial de uma editora têm como atribuições:

 Selecionar novos autores.


 Selecionar originais.
 Avaliar projetos de livros e originais.
 Editorar.
 Contatar o departamento de desenhos, projetos e produção.
 Determinar formato do livro.
 Estabelecer prazos para princípio e término do livro.
 Negociar direitos autorais, assinar contrato de uma obra.
 Contatar departamento de marketing e promoção para
estabelecimento de políticas a serem incrementadas. [p. 31.]

Para desenvolver tais atividades, o departamento editorial divide-se em: diretor


editorial, coordenador editorial, editorador ou editor de texto (pp. 31 ss.). Medeiros et
alii situam fora dessa estrutura o departamento de desenhos, projetos e produção, que
executa a “arte” do produto, a revisão do texto e o encaminhamento do material para
fotolito e impressão (pp. 35-36). Na realidade, há várias maneiras de descrever e
denominar mesmas funções. Afirmam, por exemplo, Burns et alii (1990):

Mesmo que haja apenas uma pessoa produzindo o documento, as


responsabilidades envolvidas podem ser divididas conceitualmente
entre os seguintes papéis:
 O Editor
 O Redator-Chefe
 Os Autores
 O Projetista
 O Ilustrador e Fotógrafo
 O Leitor Especialista
 O Editor de Texto
 O Gerente de Produção
 O Revisor de Provas
 O Editor de Especificações
 O Compositor

10.Aqui, Oliveira et alii (1984) mencionam o uso de celofane para preparação de matrizes (p. 78), o
que é altamente improvável: como se sabe, celofane é bastante sensível à umidade, que a deixa
enrugada; ora, impressão, mesmo em tecnologias eletrostáticas, implica sempre umidade da tinta.
Talvez tenha havido confusão com acetato ou laserfilme.
88

 O Artista de Layout
 O Fotógrafo
 O Impressor
 O Encadernador
 O Distribuidor. [p. 24.]

As denominações e o organograma podem sofrer muitas variações, mas as


atividades editoriais seguem um padrão mais ou menos constante, cujo núcleo é a
editoração. Nessa fase, o texto original, uma vez aprovado, passa por uma série de
tratamentos. O primeiro deles é o copidesque11 ou edição de texto, que pode consistir
simplesmente na revisão ortográfica e gramatical do texto e na sua adequação às
convenções editoriais da editora até uma intervenção mais drástica tanto no estilo
quanto no próprio conteúdo. Esclarecem Medeiros et alii (1995):

Copidescar é dar nova redação a um texto com o objetivo de publicá-


lo. O trabalho de copidescagem implica adequação do texto às
convenções e normas editoriais. Envolve uma formalização textual,
correção gramatical e reescritura do texto. [p. 34, nota.]

Segundo Araújo (1986), o grau dessa intervenção a que o texto original é submetido é
maior quando se tratar de “ensaio ou congêneres”:

Neste caso, avulta a função do editor-de-texto, mormente ao tratar-se


de obra colegiada (vários autores em uma mesma obra) ou de coleções
(vários títulos sob um mesmo tema ou fio condutor), quando se torna
indispensável dar unidade ao trabalho. [p. 59.]

Uma das “artes” do copidesque é saber apreender o estilo do autor e imitá-lo:

O trabalho sobre o original não pode alterar muito esse componente


básico do autor a que se chama ‘estilo’. Desde logo, por conseguinte,
convém reconhecer os elementos intrínsecos da forma com que se
apresenta o texto, vale dizer, a própria estrutura das orações, sua
concatenação, seu ritmo, sua fluência, seu efeito, sua correção, seu
estilo enfim. Nessa medida, a liberdade do editor, seu limite de ação, é
exíguo, mas essa liberdade existe e deve ser usada. [Araújo 1986,
p. 61.]

Cabe também ao copidesque negociar com o autor a extirpação do texto de certos


vícios de linguagem que se arraigaram no vernáculo. Algumas editoras chegam a
produzir um manual com o index dessas expressões condenadas, a começar pelo

11. Do inglês copydesk. Copidesque designa tanto a tarefa como o seu executor.
89

indefectível “a(o) nível de” (Unesp 1994, p. 11; O Estado de S.Paulo 1990, p. 56;
Folha de S.Paulo 1992, p. 53).
Um requisito fundamental em copidesque é a capacidade de perceber que algo
está errado no texto e saber buscar soluções: pressentir falha numa série de dados,
imaginar se não haveria termo em português para certo topônimo (por exemplo,
Anvers = Antuérpia) etc. Muitas vezes, copidesque também inclui corte ou acréscimo
de palavras, frases ou trechos inteiros para adequar o texto às normas editoriais – e às
vezes à “simples” questão de paginação: eliminar, por exemplo, duas linhas que
ocupam uma página inteira. Não à toa, essa é a fase em que se geram os principais
atritos e mal-entendidos entre o autor e a editora – como ficou patente no “caso
Jobson-Piletti”. Em outras palavras, é no e pelo copidesque que inúmeras obras são
a(du)lteradas. Não se pode, porém, menosprezar os casos em que o copidesque
participa da “melhoria” do original, tornando-o aceitável aos padrões estilísticos (e até
mesmo lingüísticos) vigentes.

Um pequeno exemplo é ilustrativo. A coleção História: assim caminha a


humanidade, da Editora do Brasil em Minas Gerais,12 com volumes para 5a, 6a, 7a e 8a
séries, é uma obra coletiva: seus autores são Virgínia Trindade Valadares, Vanise
Ribeiro, Sebastião Martins. Em seu “Livro do Professor” há “Considerações Gerais”,
assinado por “Os autores”, em cujo texto se lê: “tenho certeza [...]”. A um copidesque
não teria escapado esse caso ímpar de “singular majestático”. Do mesmo modo, ele
provavelmente teria percebido o absurdo de uma legenda como esta, a respeito de
pinturas rupestres: “A arte foi a primeira forma de comunicação do homem” – como
se, os homens, antes de pintar, não tivessem tentado a comunicação mediante gestos e
grunhidos ou, talvez, até mesmo a fala!

O que se denomina normalização do texto pode ser realizado pelo copidesque,


mas há editoras que contratam profissional especializado nessa tarefa, que é a de
prestar atenção em aspectos do texto que quase ninguém leva em consideração: grafia
de valores numéricos, por extenso ou com numerais; utilização de letras maíusculas e
minúsculas; referências bibliográficas e citações; uso e grafia de siglas; confecção de
tabelas e sua identificação; uso de travessão (há dois tamanhos: — e –) e hífen (-); etc.

12. Embora não se disponha de dados sobre esta editora, parece tratar-se de uma espécie de filial da
Editora do Brasil, sediada em São Paulo.
90

Esse é, pois, um trabalho que não interfere em absoluto no conteúdo, mas tão somente
na sua apresentação gráfica.

A revisão muitas vezes é confundida com copidesque – é comum autores


inexperientes contratar serviços de “revisão” imaginando estar requisitando
copidesque. Ambas as modalidades de preparação do texto podem até mesmo
colaborar mutuamente, mas formalmente constituem atividades bem distintas. A
revisão deve prestar mais atenção à ortografia e não ao sentido do texto. Pode-se dizer
que o copidesque cuida da redação, ao passo que a revisão lida com a datilografia (ou,
modernamente, digitação) e a composição.

O que se entende hoje por “revisão”, numa editora, é a pura e simples


revisão tipográfica ou revisão de provas (a revisão do original, sua
normalização ortográfica e tipográfica correm por conta do editor-de-
texto), tarefa aliás deveras importante, apesar de mal paga [...]. [...]
Por sua própria função, constitui rematada tolice subestimar o revisor.
Dele se exige algo mais que simples alfabetização [...]; na realidade,
requer-se um bom conhecimento normativo da língua, extrema
capacidade de concentração, perícia suficiente para distinguir as
principais famílias e fontes de tipos, perfeito domínio da maior
quantidade possível dos signos com os quais assinala, nas provas,
aquilo que discrepa do original, além de razoável cultura geral para não
cometer, ele mesmo, determinados erros (por exemplo, mandar
substituir “mercedários” por “mercenários”, “românico” por
“romântico” e assim por diante). Dadas as subcondições de trabalho
destinadas no Brasil ao revisor, sejamos justos: ele convive com seu
eterno fantasma, o erro, faz o que pode e quase sempre fá-lo bem.
[Araújo 1986, p. 390.]

Não basta, portanto, ser exímio conhecedor do vernáculo; é preciso ter olhar treinado
para descobrir erros. Assim, uma professora do Departamento de Literatura da
Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista (Unesp),
responsável pela “revisão dos textos” dos cadernos do “Programa de Qualificação do
Ensino de História no 1o Grau”, não conseguiu identificar um erro tão primário como
a vírgula separando o sujeito do predicado, por exemplo, na seguinte frase: “Para os
escravos, que durante muitos séculos foram forçados e acostumados a trabalhar e a
obedecer, esses novos valores difundidos pelo homem branco, [sic] não serviam”.13

13.A frase encontra-se no Caderno 6, do referido Programa, à página 22, e não é um caso isolado. A
respeito do Programa de Qualificação do Ensino de História no 1o Grau, desenvolvido por uma equipe
de professores da Unesp em convênio com a Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP)
da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, ver Martins(1) (1996), pp. 91 ss.
91

Por causa da natureza desse ofício, há editoras que distribuem páginas soltas
entre os revisores exatamente para forçá-los a não se envolverem com o sentido do
texto, mas tão somente com as letras. Pela mesma razão, é conveniente que o
copidesque e a revisão de um texto sejam executados por pessoas diferentes, mesmo
que um determinado profissional tenha habilidade para realizar ambas as tarefas. O
autor é a pessoa menos indicada para fazer tanto o copidesque como a revisão: sua
leitura quase sempre consiste em rememorar o que sabe que havia escrito e quase
nunca em enxergar as letras, as palavras e as frases distribuídas sobre o papel. No
Brasil, é comum realizarem-se duas revisões por obra, mas Araújo (1986) considera
que “três ou quatro seriam o mínimo aceitável” e que “há trabalhos que [...] exigiriam
até oito ou dez revisões” (p. 390).

Dependendo da complexidade gráfica de um livro, o responsável pela


editoração (editor, editor assistente, editorador, redator-chefe etc.) deve trabalhar em
maior ou menor sintonia com o responsável pelo projeto gráfico (chefe de arte,
projetista etc.). Se o livro não possuir ilustrações e for constituído de texto corrido,
esse contato pode ser quase nulo, bastando que a área responsável pelo texto indique
onde começa e onde termina cada capítulo e cada seção. Se, ao contrário, o livro
contiver ilustrações, gráficos, suas respectivas legendas e boxes (quadros com texto
destacando um aspecto do texto principal), a editoria de texto e a de arte devem
trabalhar praticamente na mesma prancheta (ou computador) confeccionando uma a
uma as páginas.

A diagramação e a paginação devem obedecer a padrões estabelecidos pelo


projetista (ou chefe de arte, editor de arte etc.) em dois níveis: o padrão da editora
(que, se bem sucedido, faz com que a apresentação do livro em si já identifique a
editora), e, subordinado a esse, o da coleção ou do próprio livro. Segundo Burns et alii
(1990), o

[...] projetista determina como serão as páginas acabadas: tamanho do


papel e orientação, margens e estrutura básica da grade.14 O projetista
também especifica as faces de tipo, tamanhos e estilos a ser usados no
documento, e também pode especificar tratamentos para todas as
ilustrações. [p. 27.]

14. Grade é a estrutura básica da página de uma publicação.


92

A “arte” (como são chamados tanto essa área como quem nela trabalha) deve
distribuir o texto composto e as ilustrações pelas páginas de acordo com tais padrões,
levando também em conta que o número de páginas não pode ser muito (ou, conforme
o caso, nenhum pouco) diferente do planejado. Até meados dos anos 80,
aproximadamente, esse processo era feito à mão, colando-se o texto composto (em
papel fotográfico) e as ilustrações em um papel cartão (diagrama); mas com a
introdução das técnicas de editoração eletrônica a composição e a paginação
condensaram-se em um único processo. A inserção de elementos como fios, tarjas e
numeração das páginas também pode ser feita pelo computador. Além disso,
dependendo do recurso utilizado e da qualidade de arte-final desejada, é possível obter
o fotolito (ou equivalente) diretamente de equipamentos conectados ao computador.
O material assim produzido é enviado à fotomecânica (caso seja necessário o
fotolito) e à gráfica e passa por processos de impressão, refilamento (corte) e
acabamento. Empacotados, os livros são encaminhados à distribuição e à divulgação.

Todas essas fases, desde a entrega dos originais pelo autor até a impressão,
constituem um processo demorado. Segundo os cálculos de Medeiros et alii (1995), a

[...] produção de um livro geralmente compreende: 30 a 60 dias nas


mãos de consultores (avaliadores), 30 a 60 dias para editoração
(processo que compreende revisão gramatical, do estilo, marcações
tipológicas, divisões capitulares, digitação, confecção de sumário,
índices, uniformização de legendas de quadros, tabelas, figuras,
ilustrações, gráficos, normalização bibliográfica e de notas de rodapé);
e 75 a 120 dias nas mãos do supervisor de produção, juntamente com
sua equipe (seu trabalho compreende marcações tipológicas, escolha de
corpo tipográfico, digitação, produção de provas e revisão delas).
Geralmente, um livro de 320 páginas (texto corrido, composição
simples) leva pelo menos 120 dias para ser composto e impresso.
[...]
Portanto, entre a data do recebimento do original e a publicação,
trabalhando-se sem interrupção, despende-se entre 135 e 240 dias. A
publicação de um livro traduzido implica maiores custos e maior
dispêndio de tempo. [pp. 142-143.]

Evidentemente, há casos em que o livro é produzido em cerca de 10 dias, mas isso só


ocorre com best-sellers com previsão de lançamento mundial simultâneo. Como se
verá adiante, o tempo de produção de livro didático é bem maior.
93

Didáticos: peculiaridades

A produção dos livros didáticos e paradidáticos não foge a esse esquema. Isso
é confirmado por um texto intitulado “Você sabe como se faz um livro?”, impresso no
verso de um material promocional da editora Ática – um calendário de mesa –,
enviado a seus clientes no final de 1993:

As pessoas em geral imaginam que uma editora simplesmente


providencia a impressão de um original enviado por um autor,
transformando-o em livro.
Na verdade, o texto, antes da impressão, percorre um longo trajeto, que
se inicia quando do recebimento de um original.
[...]
Aprovado o original, segue-se o processo de negociação dos direitos do
autor, e a assinatura do contrato.
Inicia-se aqui o trabalho de edição propriamente dito, em que o editor e
sua equipe discutem com o autor (ou autores) sugerindo mudanças,
acréscimos, supressões, correções.
[...]
Encerrada essa fase, inicia-se o processo de preparação dos originais.
Eles são submetidos a um tratamento que os aperfeiçoa no que se refere
à forma e ao conteúdo.
Quanto à forma, procura-se padronizar o texto de acordo com as
normas da editora, além de limpá-lo de incorreções gramaticais. [...]
Quanto ao conteúdo, trata-se de eliminar erros conceituais e de
informação, evitar incoerências e até absurdos que qualquer autor, por
melhor que seja, comete.
Quando se conclui o trabalho de preparação dos originais, ele é enviado
ao Departamento de Arte, que se encarrega da programação visual do
livro. Aí se decide, por exemplo, como será a capa, que cores terá, que
tipos e tamanhos de letras, come se distribuirá o texto e as ilustrações
na página, qual o formato mais adequado etc.
Depois de sair do Departamento de Arte, os originais são
encaminhados para a Composição. Os textos são compostos e os
originais, juntamente com o material composto, enviados para o
Departamento de revisão, onde se faz o cotejamento da versão original
com o texto composto, para eliminar possíveis discrepâncias entre um e
outro. Cabe à Revisão detectar também possíveis falhas que passaram
despercebidas ao profissional que fez a preparação.
O cotejamento dos originais costuma ser feito em duas ou mais
instâncias, as correções pedidas voltam para a Composição, e
finalmente o material composto é encaminhado ao Departamento de
Arte, que monta cuidadosamente página a página, distribuindo os
textos e ilustrações de acordo com o projeto gráfico – trabalho
chamado de arte-final.
A arte-final é encaminhada para o fotolito, que providenciará provas e
filmes limpos da capa e do livro propriamente dito.
Essas provas são novamente revistas e o material montado vai para a
gráfica. Dos filmes, preparam-se as matrizes em chapas metálicas
trabalhadas quimicamente, a partir das quais o livro é finalmente
impresso.
94

Esse processo [...] não se dá sempre da forma como descrevemos aqui.


[...] Muitas vezes, por exemplo, encomenda-se um original e o autor
recebe um adiantamento sobre os direitos autorais que receberá quando
o livro já estiver publicado. Muitíssimas obras costumam ser traduzidas
de línguas estrangeiras, e nesse caso é necessário comprar os direitos
de publicação das editoras estrangeiras, contratar tradutores e
eventualmente revisores técnicos.
[...]
Essa complexidade da indústria cultural trouxe várias especializações:
Editor, Consultor técnico (ou didático), Tradutor, Coordenador de
edição, Assistente editorial, Editor de texto, Redator, Preparador de
texto, Pesquisador iconográfico, Revisor, Editor de arte, Coordenador
gráfico, Diagramador, Arte-finalista, Ilustrador, Fotógrafo, Digitador,
Capista etc.
[...]
Esperamos que cada um, após essas informações, encare o livro com
um olhar diferente.15

A editora Atual, num texto intitulado “Como se faz um livro”, de Vitória


Rodrigues da Silva (editora de Ciências Humanas), incluído em uma publicação
promocional, também descreve o mesmo processo, enfatizando, porém, a produção de
livro didático e, no caso, uma obra em particular – História: Cotidiano e
Mentalidades, em quatro volumes, de Ricardo Dreguer e Eliete Toledo:

Textos didáticos são geralmente escritos em regime de co-autoria. A


empreitada é pesada, longa, e por isso a troca de idéias entre os
parceiros de redação ajuda na realização da tarefa. Nunca são feitas
menos de duas versões de cada capítulo, mesmo quando se está
elaborando apenas o projeto a ser apresentado a um editor, o que exige
um esforço intelectual e até mesmo físico, além da disciplina
profissional. [...]
[...] A partir da entrega dos originais, tem início uma longa linha de
produção, com cronograma definido e rigoroso. O editor, principal
responsável pelo processo de produção do livro, faz a primeira das
muitas leituras. Ele também encaminha o texto para leituras críticas,
realizadas sempre por professores da área de que trata o livro, que
atuam em sala de aula, vivenciando os problemas cotidianos da prática
pedagógica, tanto em escolas públicas como privadas. [...]
Terminadas essas leituras, discutidas as opiniões, nova reformulação
dos originais é feita. O texto poderá ser modificado ainda várias vezes,
incorporando os apontamentos de outros leitores e do editor.
Faz-se, então a preparação de texto, realizando o trabalho de aplicação
de normas lingüísticas e editoriais ao original para que ele comece a
ganhar fisionomias de livro. Para a realização dessa tarefa é necessário
que antes uma equipe tenha desenvolvido o projeto gráfico, no qual são
definidos desde o formato do livro e tamanho das margens até os tipos

15. Trechos deste texto é idêntico à “Apresentação”, por José Bantim Duarte (diretor editorial da Ática),
para a obra de Pinto (1993).
95

e tamanho de letras, vinhetas, aberturas de capítulo e a forma de


apresentação das ilustrações.
No caso de História: Cotidiano e Mentalidades, o projeto gráfico – que
envolveu três profissionais em sua idealização e execução – previa uma
mobilidade de composição bastante grande, pois as imagens poderiam
ser inseridas em qualquer lugar, posto que deveriam acompanhar o
texto, permitindo a leitura simultânea de ambas. Por isso,
paralelamente à redação, foi feita a pesquisa iconográfica recorrendo-se
a várias fontes, [...] de tal forma que a proposta dos autores pudesse se
concretizar.
[...]
De posse do guia de imagens e do texto preparado, começa a fase de
diagramação. Freqüentemente, pode-se compor todo o texto escrito,
inserindo-se as imagens depois. Nessa coleção isso não ocorreu, porque
as imagens tinham uma relação tão estreita com o texto, que foi preciso
fazer a composição simultaneamente [...]. Terminada essa etapa, o
chefe de arte faz uma avaliação da diagramação, aprovando-a ou
solicitando alterações.
A capa é produzida paralelamente. [...]
Tem-se o esboço do livro. Agora é a hora da revisão, que faz uma
checagem extremamente minuciosa para identificar todos os eventuais
erros. O texto é conferido ponto a ponto em diversas etapas de
produção. Os autores participam desse trabalho, pois sempre há riscos
de escapar algum erro. A diagramação incorpora as anotações,
chamadas de emendas, realizadas por revisores, assistentes e autores. O
trabalho é repetido várias vezes, até que se tenha a aprovação final.
Terminado esse processo, o trabalho é então enviado para confecção de
fotolitos, que sofrerão outra prova de revisão, conferindo legendas,
texto, imagens, etc.
Toda essa produção, desde a redação dos originais, pode levar dois,
três, quatro anos. Em alguns casos dura ainda mais tempo. E, por sua
complexidade, nunca envolve menos do que vinte profissionais,
diretamente ligados à confecção do livro, como se pode conferir na
ficha técnica da obra.
Chega a fase de impressão [...]. [...]
O livro está pronto. A etapa que se inicia é a da divulgação e
distribuição. Outro batalhão de profissionais, agora do Brasil inteiro, é
acionado para fazer com que os professores tomem conhecimento dos
lançamentos e demais publicações da editora.

Esses dois textos publicitários, produzidos pela principal editora de livros


didáticos e paradidáticos no Brasil e sua concorrente, servem para confirmar o que foi
descrito a respeito do processo de produção do livro em sua fase propriamente
editorial, isto é, antes de “descer para a gráfica”. Além disso, o segundo texto indica
que há, na produção de livros didáticos, certa peculiaridade: ao exaltar o “esforço
intelectual e até mesmo físico” dos autores de livros didáticos, geralmente escritos em
co-autoria e reformulados várias vezes, a Atual também insinua que esses autores nem
sempre têm experiência no ramo – e que isso não é importante. Numa entrevista, Jiro
96

Takahashi, então da editora Ática, revela alguns dos critérios para recrutamento de
autores:

Por exemplo, um professor que é líder no seu bairro. O divulgador da


editora chega e pergunta se ele não quer escrever um livro. Ele estimula
o “cara” a escrever. O divulgador procura também localizar edições
regionais mimeografados. Tem professor, por exemplo, que está
descontente com os livros em geral e resolve fazer seu próprio material
e mimeografar para seus alunos. O divulgador então bate papo com o
professor e pergunta se pode levar aquele material para a editora. Cada
editora, das grandes, tem de 50 a 80 divulgadores correndo o Brasil
inteiro, permanentemente. O divulgador tem dois tipos de prêmio, um
pela quantidade de originais, mesmo que nem todos sejam aproveitadas
e outro por original aprovado... então eles correm atrás para não cair
nas mãos de outras editoras. [Apud Oliveira et alii 1984, p. 75.]

Em outras palavras, o que se exige do autor do livro didático não é exatamente


a qualidade de ter boa redação; há toda uma linha de montagem editorial que elimina
(ou ao menos reduz) as eventuais deficiências. É o que também Medeiros et alii
(1995), deixa entrever:

Para tranqüilidade dos autores de livros didáticos, as grandes editoras


dispõem de um departamento de editoração (copidescagem) que presta
auxílio aos que são iniciantes, ou aos que pedem colaboração. [p. 43.]

À medida que reduz a margem de autonomia do autor em relação a seu texto,


aumenta, inversamente, a do editor. Após mencionar as dificuldades do editor diante
de “textos ditos literários, em que a liberdade do autor em fraturar o bom
comportamento da gramática é praticamente ilimitada”, Araújo (1986) conclui:

Tais problemas não devem ocorrer com textos didático-científicos,


onde a informação constitui o elemento preponderante. Neste caso, o
escrito pode e deve sofrer as alterações necessárias a fim de evitar-lhe
asperezas, dubiedades, erros ou simplesmente imperfeições estilísticas
menores. Semelhante revisão, portanto, tem de efetivar-se sob o velho
enunciado de Boileau: “o que se concebe bem se enuncia claramente, /
e as palavras para dizê-lo chegam facilmente” (L’art poétique, I).
Nessas circunstâncias, a faixa torna-se ampla, e vai desde a recusa de
um original, por sua total obscuridade (o que, infelizmente, não é tão
raro como se desejaria), à sua padronização literária, caso este em que
o enunciado de Boileu será a única bússola do editor-de-texto. [pp. 61-
61.]

Ao autor cabe seguir outras recomendações:


97

Um livro-texto tem exigências específicas. Deve ser elaborado com o


objetivo de servir de material didático, procurando facilitar a
aprendizagem e subsidiar o magistério. Exige, portanto, que o
programa estabelecido pela Secretaria da Educação ou algum órgão do
Ministério da Educação e Cultura seja cumprido à risca, ou que o
programa de uma faculdade relevante seja levado em conta. Um livro
incompleto tem sérios problemas de adoção e acaba como encalhe.
Refletir sobre a realidade da educação no país é tarefa da qual não
podem eximir-se autor e editor.
A exigência do mercado nos últimos tempos tem sido pela verificação
da aprendizagem logo após cada capítulo. Os exercícios escolares
variam desde a revisão vocabular, questões sobre o capítulo, estudo de
casos, até uma pesquisa extraclasse.
Essa atividade deve ser elaborada ao término de cada capítulo,
desaconselhando-se fazê-la ao fim da redação do texto. Isto evitará
esquecimento de uma questão importante que se deveria fazer para a
aprendizagem de pontos relevantes.
A parte dos exercícios é tão importante quanto a da teoria ou texto
propriamente dito. Muitos professores avaliam um material escolar pela
quantidade e qualidade dos exercícios que o autor apresenta. Se
possível, os exercícios devem ser testados antes de se mandar imprimi-
los, e devem ser de real valor para o ensino. Daí a necessidade de
prepará-los com todo o cuidado, apoiando-se sempre no texto e tendo
presente a capacidade do educando.
[...]
Em caso de livro didático, o editor poderá requisitar um manual do
professor. Esse trabalho é desenvolvido paralelamente à redação do
original. Fazê-lo depois é correr o risco de elaborar um texto distante
daquilo que se escreveu. Enquanto se redigem os exercícios ou
atividades estudantis, faz-se o quadro de respostas, o gabarito
propriamente dito. Se o tipo de questões propostas exige redação de
algumas linhas, elas devem ser escritas enquanto o autor está às voltas
com a teoria.
[...]
Há outros esclarecimentos que são oportunos: um título pode ser
constituído por: (a) um volume de texto com exercícios (recomendável)
e um manual do professor (total: dois volumes); (b) um livro de texto,
um de exercícios (desaconselhável) e um manual do professor (total:
três volumes).
Alguns autores sugerem a colocação do gabarito de respostas no final
do livro, mas esse é um procedimento antididático. No caso de um livro
de matemática ou de áreas afins, pode-se colocar uma chave de
respostas, mas jamais a solução do problema. [pp. 43, 44-45 e 51.]

Pesquisas psicopedagógicas também identificaram alguns aspectos para os


quais a edição de livros didáticos devem prestar atenção, a começar pela legibilidade.
De acordo com Pfromm Netto et alii (1974), a legibilidade refere-se, em primeiro
lugar, à qualidade da visão obtida pela relação adequada entre letra e papel (p. 37). A
legibilidade também deve supor a “inteligibilidade do texto”, sobre o que “algumas
generalizações podem ser feitas”:
98

a) apenas quatro elementos estilísticos podem ser relacionados à


dificuldade para a leitura e são distintos entre si: quantidade de
palavras diferentes, estrutura do período, densidade das idéias e
interesse humano;
b) o critério que mais tem sido usado é da quantidade de palavras,
que implica na [sic] diversidade de palavras empregadas e na
dificuldade de cada uma;
c) há uma relação significativa entre a estrutura do período e a
dificuldade para a compreensão – períodos longos, com orações
subordinadas e muitas conjunções, são menos inteligíveis;
d) o interesse humano do texto pode ser medido pelo número de
pronomes pessoais e nomes de pessoas. Orações escritas em
forma pessoal ou em forma de diálogo com o leitor ajudam a
aumentar o interesse humano. [p. 40.]

Legibilidade também se refere à organização do texto, para o que se deve levar


em conta um “fenômeno estudado pela Psicologia” – “os efeitos da posição serial na
aprendizagem”:

Esse fenômeno consiste na dificuldade de aprendizagem e de retenção


dos trechos centrais de um capítulo ou de uma lição quando
comparados com a facilidade com que se aprende e se retém os trechos
iniciais e finais desse mesmo capítulo ou trecho – ainda que a
complexidade do conteúdo se mantenha constante, ao longo do texto.
Essa dificuldade depende apenas da posição central. [...] Para atenuar
esse fator negativo intrínseco à organização de um texto, os autores dos
livros podem apresentar os pontos mais difíceis no início ou final dos
parágrafos, lições ou capítulos, reduzindo, assim os efeitos da posição
serial. [p. 41.]

Por isso, muitos livros apresentam “sínteses, conclusões e sumários [...] ao fim ou no
início de cada capítulo ou unidade” (p. 38). Muitas pesquisas também indicam que

[...] a incorporação de perguntas de vários tipos dentro (e não apenas no


final) das lições e capítulos aumentam significativamente a
compreensão e a aprendizagem. [p. 41.]

Do mesmo modo, as ilustrações – “fotografias, desenhos, gráficos, diagramas”


– devem ser examinadas não apenas na sua função informativa, mas também como
“um dos recursos mais poderosos para aumentar o interesse, a compreensão, a
aprendizagem e a retenção por parte dos alunos” (p. 42). Não se deve, porém, deixar-
se iludir com a profusão de cores em um livro didático: as pesquisas mostram que o
elemento que mais desperta interesse numa representação colorida não é exatamente a
cor, mas o realismo, o sentido de profundidade e perspectiva presente nos seres e
objetos ilustrados, assim como a funcionalidade das mesmas. (p. 42) Todas essas
99

considerações resumem-se em tópicos que constituem a “sabedoria gráfica” para


confecção do livro didático:

1. O planejamento e o formato são determinados pelo assunto


tratado.
2. O livro deve ser programado, em termos gráficos, de forma a
facilitar a leitura e compreensão.
3. A melhor política a seguir no planejamento gráfico é a
simplicidade.
4. Não há vantagem em se programar graficamente cada página do
livro. Deve haver uma certa continuidade e ritmo natural no uso
dos caracteres e espaços tipográficos.
5. A forma deve obedecer a sua função. Por isso, quem planeja o
livro deve procurar compreender o assunto tratado.
6. Os tipos ornamentais não devem ser usados genericamente, mas
apenas em lugares certos.
7. Um livro muito bem planejado e executado não deve esconder
um texto medíocre.
8. Apenas a legibilidade não garante o livro bem planejado e
executado.
9. O planejamento de um livro deve ser sinônimo de arranjo
harmonioso de papel, encadernação, ilustração, caracteres e
espaços tipográficos e... preço. [p. 36.]

Também Molina (1987) sistematiza uma série de pesquisas sobre a relação


entre texto e aprendizagem. Assim, nos Capítulos 2 e 3, examina a eficácia de
atividades sugeridas pelo texto (em particular, em livros que adotam o procedimento
da instrução programada); a diferença entre identificação (ou discriminação) e
compreensão; a estrutura do conteúdo de livro didático (que segundo o “modelo de
Meyer”, estaria subdividida em estrutura de nível superior, as macroproposições e as
microproposições); a relação entre organização (semântica e sintática) do texto e
retenção e compreensão do conteúdo; a relação entre estilo do texto (narrativo,
expositivo ou descritivo) e a retenção; e a adequação dos textos (tanto em seu aspecto
de legibilidade quanto no de inteligibilidade) a seu público-alvo, estudante e professor
(pp. 31 ss.). Da exposição dessas pesquisas resulta uma série de recomendações:

Com base no que foi visto [...], parece razoável concluir que é possível
elaborar textos didáticos mais adequados, desde que sejam levados em
consideração os resultados até agora realizados a respeito. [...]
Melhorar um texto, aumentando as possibilidades de aprendizagem a
partir de sua leitura, deveria ser, portanto, preocupação dos redatores e
editores de textos didáticos, de tal forma que se aumentasse a confiança
do professor na escolha de livros ou textos avulsos a serem utilizados
em aula. [p. 91.]
100

Além disso, Molina propõe uma série de “estratégias auxiliares do texto” – pré-testes,
sumários (ou resumos do conteúdo), organizadores prévios e questões adjuntas (pp. 92
ss.) – sobre as quais há várias pesquisas, cujos resultados poderiam ser levados em
conta quando da confecção de livros didáticos.

Definições

Pode-se enfim sugerir uma tentativa de definição de livro didático,


complementando as já existentes. Oliveira et alii (1984), por exemplo, propõem:

Para facilitar a discussão, assumimos a definição de Richaudeau [...],


ligeiramente modificada, segundo o qual “o livro didático será
entendido como um material impresso, estruturado, destinado ou
adequado a ser utilizado num processo de aprendizagem ou formação.”
[p. 11.]

Segundo Moreira Leite (1980), o

[...] livro didático é a tentativa de condensar e simplificar num espaço


mínimo e portátil o que se teria necessidade de conhecer e utilizar na
atividade escolar. [p. 9.]

Takahashi (1980), após ressaltar o duplo aspecto do livro didático como agente
cultural e mercadoria (p. 21), observa:

[...] o livro didático é um instrumento auxiliar do professor e do aluno


no processo de aprendizagem, veiculando o conteúdo da disciplina, de
acordo com uma determinada metodologia. [p. 23.]

Em suma, o livro didático deve ser produzido em adequação a parâmetros que


se imagina constitutivos de um instrumento auxiliar do processo de ensino e
aprendizagem. Isso implica uma série de critérios já apontadas: conteúdo adequado ao
currículo, legibilidade e inteligibilidade apropriados ao público-alvo; subdivisão da
obra em partes, como texto propriamente dito, boxes, resumos, glossário, bibliografia,
atividades e exercícios etc., segundo uma estrutura de organização adequada à
aprendizagem; e, sobretudo, subordinação do estilo do texto e da arte gráfica a esse
objetivo de servir de instrumento auxiliar de ensino/aprendizagem. O grande
problema, ao menos no Brasil, refere-se à definição daquele elemento de que tudo o
mais depende: o público-alvo. Diz Takahashi (1980):
101

Dentro de toda essa variabilidade de fatores, constatamos, como uma


característica peculiar e constante do livro didático no Brasil, o fato de
ele ser dirigido ao aluno e escolhido pelo professor. A consciência
dessa dupla destinação está sendo tão importante que vem
determinando as principais mudanças do livro didático nesses últimos
anos. Em outras palavras, do ponto de vista do mercado, o
conhecimento das exigências e das expectativas dos professores passa a
ser vital. São as exigências e as expectativas dos professores que vão
determinar aos Autores e às Editoras a valorização deste ou daquele
fator, durante todo o processo de editoração, desde a seleção dos
originais até o tipo de comercialização a ser utilizado. [p. 22.]

Como se verá, essa dualidade do público-alvo acarreta incertezas e indefinições em


autores e editores: como fazer livro adequado ao aluno, mas que seduza também o
professor?
Costuma-se, ao menos no Brasil, produzir um volume para cada série de uma
disciplina e incluir, nos exemplares distribuídos aos professores, em anexo ou em
separata, o chamado “Livro do Professor”. Estes podem ser uma mera coleção de
respostas às questões propostas no livro-texto correspondente – uma verdadeira “cola”
do professor –, mas podem também conter textos em que se explicitam a metodologia
adotada, sugestões de atividades, modos de utilização da obra etc. No Brasil há
também livros acompanhados de “Caderno de Atividades”, mas como a FAE não
adquire essa publicação em separado, a tendência é a de incorporá-lo no próprio livro-
texto. Por sinal, os livros que a FAE compra são edições adaptadas: geralmente, o
papel da capa é de qualidade inferior ao utilizado na edição vendida nas livrarias e
livros consumíveis têm de ser convertidos em não-consumíveis.

Talvez já seja o momento de também procurar definir os chamados livros


“paradidáticos”. Segundo Yasuda e Teixeira (1995), “são consideradas paradidáticas
as obras produzidas para o mercado escolar sem as características funcionais e de
composição do manual didático” (p. 145). Por sinal, esses livros não precisam
obedecer a todos os requisitos exigidos para os didáticos porque, do ponto de vista do
sistema de ensino e de órgãos que o regulamenta, essa categoria de livro inexiste.
Além disso, essa é uma invenção tipicamente brasileira: não que em outros países não
existam livros que possam ser considerados “paradididáticos”, mas falta-lhes o nome.
Um mito de origem explica o nascimento dessa modalidade editorial:

Reza a lenda que o termo paradidático foi cunhado pelo saudoso


Professor Anderson Fernandes Dias, diretor-presidente da Editora
Ática, no início da década de 70. Afinal, foi a Ática que criou a
102

primeira coleção de alcance nacional destinada a apoiar, aprofundar,


fazer digerir a disciplina muitas vezes aridamente exposta no livro
didático. [Lecionare, ano 1, n° 1, set./1993, p. 9.]

Essa coleção foi “Para Gostar de Ler”, então dirigida pelo editor Jiro
Takahashi, que, segundo Zamboni (1991) teria sido o próprio responsável pela
denominação “paradidático”, “lançada numa política de ‘marketing’ com finalidade
comercial” (p. 11). Jaime Pinsky, diretor da Contexto, com extenso catálogo de
paradidáticos, confirma esse aspecto mercadológico:

Do ponto de vista das editoras, paradidático é uma concepção


comercial e não intelectual. Então, não interessa se é Machado de
Assis, se é dicionário, se é não-sei-o-quê, o que interessa é o sistema de
circulação. Os editores leram Marx, se não leram entenderam mesmo
sem ler, quer dizer, eles sabem o que define realmente o produto é a
possibilidade de circulação desse produto. Então, se esse produto
circula como paradidático – ou como diriam vocês, acadêmicos,
“enquanto” paradidático –, ele é um paradidático. Ele pode ser um
romance, pode ser um ensaio, pode ser qualquer coisa; então, essa é a
definição de paradidático nos meios editoriais. Então é muito fácil, não
tem absolutamente nenhuma dificuldade nessa definição. Ora, há certos
temas que o livro didático não dá conta, e você precisa, às vezes,
verticalizar alguns temas. Então, esse foi o objetivo.

Mas se é na circulação que o paradidático define-se como tal, essa circulação


tem de ser estimulada. Mais prosaicamente, é preciso constituir mercado para esse
produto – já que o Estado não assegura sua compra –, tornando-os necessários,
imprescindíveis. É preciso mostrar que os livros didáticos não bastam; é preciso
fomentar a necessidade de “verticalização do tema”. Analisando o boom dos
paradidáticos a partir dos meados da década de 80, afirmam Schapochnik e Hansen
(1993):

Atualmente parece haver um consenso sobre os limites e desventuras


do uso exclusivo do livro didático como instrumento pedagógico.
Todavia este quadro é bastante recente.
Na sua grande maioria, os livros didáticos se apresentam com [sic] uma
reiteração dos programas e sugestões curriculares dos órgãos oficiais
[...]. Seu caráter conservador não é dado apenas por reproduzir a
perspectiva oficial, mas sobretudo por apresentar o saber como algo
pronto, acabado e definido previamente. Nesse caso, conhecimento e
autoridade aparecem como pares indissociáveis que anulam qualquer
possibilidade de conflito entre leituras divergentes inerentes à
construção do saber, induzindo os alunos a uma postura passiva.
Ancorando-se em uma cronologia estéril, reforçando nomes e temas
canônicos e criando uma falsa idéia de totalidade, os livros didáticos
103

firmaram alguns pressupostos explicativos (como por exemplo


causalidade, objetividade etc.) que atualmente parecem ter perdido seu
vigor.
[...]
A crítica dos livros didáticos e a renovação do processo de ensino e
aprendizagem parecem ter contribuído para a proliferação das coleções
de livros paradidáticos, constituindo-se em uma nova alternativa para
aqueles profissionais interessados em reavaliar seu cotidiano nas salas
de aula. [p. 8]

Livros paradidáticos talvez sejam isso: livros que, sem apresentar


características próprias dos didáticos (seriação, conteúdo segundo um currículo oficial
ou não etc.), são adotados no processo de ensino e aprendizagem nas escolas, seja
como material de consulta do professor, seja como material de pesquisa e de apoio às
atividades do educando, por causa da carência existente em relação a esses
materiais. Essa carência pode também ser produzida e fomentada pela crítica
sistemática, justa ou não, dos livros didáticos. Quem participou de programas de
qualificação de professores de 1o e 2o graus sabe da angústia que estes experimentam
a cada reiteração da crítica do livro didático. Ao verem reduzidos a nada os livros que
haviam adotado, eles se sentem cada vez mais ignorantes, incompetentes e inseguros.
Falta de tempo e de dinheiro (e, em certos casos, do próprio hábito de leitura) tornam-
se a única barreira para que esses professores se transformem em consumidores
contumazes de livros paradidáticos.

Em suma, o que define os livros paradidáticos é o seu uso como material que
complementa (ou mesmo substitui) os livros didáticos. Tal complementação (ou
substituição) passa a ser considerada como desejável, na medida em que se imagina
que os livros didáticos por si sejam insuficientes ou até mesmo nocivos. A carência de
paradidáticos e desqualificação dos didáticos são faces da mesma moeda. A área de
História e assemelhados, que lida com temas da atualidade, é particularmente propícia
para fomentar essas carências. Mas os paradidáticos podem proliferar em qualquer
área: como todo assunto é, em tese, verticalizável, o seu temário é inesgotável. A
crítica, também freqüente, de que o livro didático traz verdades “prontas e acabadas”
abre brechas para lançamento, por uma mesma editora, de paradidáticos sobre o
mesmo tema, a título de “confronto de idéias”.

Segundo Zamboni (1991), os paradidáticos servem também para preencher a


capacidade ociosa das editoras provocada pela sazonalidade do livro didático. De
104

resto, o custo de sua produção é baixo se comparado com o dos didáticos (p. 12).16 A
produção de um paradidático é relativamente simples e muitas vezes o seu texto
assume caráter jornalístico. Não à toa, muitos jornalistas, acostumados a redigir
laudas e laudas por dia e num estilo acordado previamente, são convocados para
escrever esses livros. O custo também se reduz na medida em que os paradidáticos são
concebidos como coleção, com um mesmo projeto gráfico para todos os títulos.
Muitas dessas coleções constituem-se de “enlatados”, isto é, obras de origem
estrangeira que são compradas com o fotolito, dispensando assim todos os trabalhos
referentes à pesquisa iconográfica, diagramação e arte final, bastando substituir no
espaço correspondente o texto original pelo texto traduzido. Com os enlatados, a
editora economiza o tempo de produção, os direitos de utilização da iconografia (já
embutidos no “pacote” adquirido à editora cedente) e grande parte da edição de arte.

16. Zamboni (1991) explica a redução dos custos pela “mudança da concepção da mancha gráfica, na
qualidade de papel e no tamanho das letras” (p.12). Convém observar que essas mudanças não podem
ser generalizadas; há coleções de paradidáticos muito sofisticadas, a ponto de seus críticos reclamarem,
como se viu, do uso de artifícios gráficos para seduzir o consumidor.
Capítulo 5
Livros e editoras

Para efeitos da presente pesquisa, cadastraram-se 2.117 livros didáticos e


paradidáticos em circulação em 1995. Evidentemente, tal quantia é irrisória se comparada
com os 13.104 títulos que a pesquisa da CBL/Fundação João Pinheiro aponta como
produção daquele ano (Capítulo 2), mas esse universo permite algumas avaliações não
inteiramente desprovidas de interesse. Por categoria, como mostra a Tabela 5.1, são 1.269
livros didáticos e 677 livros paradidáticos, além de 171 livros classificados como
“Alfabetização” e “Preparação para alfabetização”. 1 Como era de se esperar, o maior
número dos livros didáticos assim como dos paradidáticos destina-se ao público do 1° grau:
são 1.091 didáticos e 420 paradidáticos, totalizando 1.155 livros, aos quais se somam 27
livros (10 didáticos e 17 paradidáticos) que podem ser utilizados tanto na pré-escola como
nos primeiras séries do 1o grau.

1 Como já se afirmou na Introdução, muitos livros de literatura infantil são classificados nessas categorias e,
efetivamente, são utilizados com finalidades de alfabetização. Desse grupo heterogêneo de livros, é muito
difícil distinguir os didáticos dos paradidáticos.
Tabela 5.1
Livros didáticos e paradidáticos por grau
Brasil
1995

Área/disciplina Pré Pré Pré/1* Pré/1* 1° g. 1° g. 1/2** 1/2** 2° g. 2° g. Total Total Total
(did.) (par.) (did.) (par.) (did.) (par.) (did.) (par.) (did.) (par.) (did.) (par.)
Biologia 0 0 0 0 0 0 0 0 18 12 18 12 30
Ciências 0 0 0 0 116 54 0 3 0 12 116 69 185
Desenho geométrico 0 0 0 0 9 0 0 0 0 0 9 0 9
Educação artística 0 3 0 13 20 26 0 0 1 1 21 43 64
Educação moral e cívica 0 0 0 0 2 0 0 0 0 0 2 0 2
Ensino religioso 2 0 0 0 2 36 5 5 0 19 9 60 69
Estudos sociais 1 0 0 0 102 37 0 1 0 0 97 38 141
Filosofia 0 0 0 0 0 0 0 0 3 0 3 0 3
Física 0 0 0 0 0 0 0 0 10 0 10 0 10
Física/Química 0 0 0 0 0 0 0 0 4 0 4 0 4
Geografia 0 0 0 0 54 5 2 12 10 10 66 26 93
História 0 0 0 0 64 134 3 44 12 60 79 238 317
Inglês 1 0 0 0 9 15 0 0 5 10 15 25 40
Matemática 8 0 7 3 216 35 0 0 20 0 251 38 289
Multidisciplinar*** 1 8 0 0 79 58 0 1 0 2 80 69 149
Orientação educacional 0 0 0 0 0 0 0 0 0 10 0 10 10
OSPB 0 0 0 0 2 0 1 0 1 0 4 0 4
Português 0 0 3 1 416 20 2 0 40 3 461 24 485
Química 0 0 0 0 0 0 0 0 17 0 17 0 17
Sociologia 0 0 0 0 0 0 0 0 1 24 1 24 25
Total 12 11 10 17 1.091 420 13 66 142 163 1262 676 1946
Preparação para alfabetização e Alfabetização 171
TOTAL 2.117
* Pré/1: livros destinados à pré-escola e às primeiras séries do 1o grau.
** 1/2: livros destinados às últimas séries do 1o grau e às primeiras séries do 2o grau.
*** Multidisciplinar: livros cujo conteúdo abrange áreas e disciplinas diferentes.
107

Por áreas/disciplinas, o maior número concentra-se na de Português (485


livros); vêm em seguida os livros de História (317) e de Matemática (289). História,
no entanto, se somada a áreas afins (Estudos Sociais, Sociologia, Geografia, OSPB e
Educação Moral e Cívica), torna-se majoritária, com 582 livros. Considerando-se
apenas os didáticos, o perfil da concentração por áreas/disciplinas sofre uma
alteração: Português em primeiro lugar com 461 livros e, depois, Matemática com
251; História, com apenas 79 livros, cede lugar a Ciências (116) e a Estudos Sociais
(97). Em compensação, História encontra-se em primeiro lugar absoluto entre os
paradidáticos (238 livros), bem distante do segundo lugar (Ciências e
Multidisciplinar, ambos com 69 livros cada).
De acordo com os dados do Sindicato Nacional de Editores de Livros (SNEL),
citados por Oliveira et alii (1984), havia em 1982, “cerca de 30 editoras
especializadas na área de literatura didática e paradidática, num total de 400 editoras
existentes no país” (p. 83). Segundo Freitag et alii (1993), “somente dez dessas
editoras controlam mais de 92% da produção consumida pelo Estado” (p. 58). Embora
não haja informações precisas sobre as editoras que são fornecedoras do Estado – o
Relatório da FAE relaciona-as uma única vez, em 1987 (Höfling 1993, p. 118) –, a
situação de concentração da produção de livros didáticos e paradidáticos é bastante
evidente e já se esboçava nas pesquisas realizadas por Leia, resumidas na Tabela 2.3.
Os dados de 1995 confirmam a persistência dessa tendência, como se pode observar
na Tabela 5.2.

Tabela 5.2
Dez primeiras editoras em número
de livros didáticos e paradidáticos
Brasil – 1995

Editora Local Alfabetização e Didáticos Paradidáticos Total


Preparação para
alfabetização
Ática São Paulo 7 206 90 303
Moderna São Paulo 12 126 118 256
Scipione São Paulo 13 171 89 273
Editora do Brasil São Paulo 18 222 6 246
FTD São Paulo 24 70 84 182
IBEP São Paulo 8 93 0 101
Atual São Paulo 1 21 75 97
Melhoramentos São Paulo 13 10 63 86
Lê B. Horizonte 0 16 38 54
Arco-Íris Curitiba 0 42 0 42
TOTAL 1.640
108

É bem provável que na realidade outras editoras ocupem os últimos lugares da


tabela acima, que, como já se alertou, foi construída com base num universo bastante
limitado. Em todo caso, os primeiros colocados certamente são mesmo essas editoras,
talvez com ligeiras variações de lugar. E, por outros dados já apresentados, não é
improvável que a tabela espelhe o alto grau de concentração do setor editorial: de um
total de cerca de três mil editoras em todo o país, segundo as estimativas da Fundação
Biblioteca Nacional (1994), apenas dez editoras, a grande maioria sediada em São
Paulo, responsabilizam-se por quase 80% de toda a produção de livros didáticos e
paradidáticos aqui considerada.1 A verificar, portanto, o já anunciado deslocamento
no mercado editorial dos livros didáticos e paradidáticos, conforme indicado no
capítulo anterior.

Definição de um padrão

Dessas dez editoras, a editora Ática sozinha é responsável por quase 15% do
total de livros analisados.2 Criada em 1965, a Ática originou-se da Sociedade Editora
do Santa Inês Ltda., setor do Curso de Madureza Santa Inês criado para imprimir as
apostilas e que se tornara empresa independente (Editora Ática 1996, p. 159). Hoje a
Ática está sediada num prédio próprio de cinco andares, com um auditório no térreo
para cursos destinados aos professores e conta, em 1996, com cerca de 450
funcionários, dos quais uns 80 trabalham diretamente na área editorial (texto e arte).
João Guizzo, já como gerente editorial da Ática, explica que a editora ampliou
seu mercado, introduzindo novidades:

Olha, essa inovação no livro didático foi muito na forma de apresentar


os conteúdos – tanto o texto, a linguagem, quanto a visualização
gráfica. Então, a Ática quebrou aquela forma tradicional do livro

1 Aqui não está em questão a tiragem de cada livro, um dos segredos que o editor brasileiro costuma
guardar a sete chaves. A respeito, diz Jaime Pinsky, da Contexto:
Nessa área, eu acho que tem um ranço antigo, um ranço pré-capitalista ainda. E as
pessoas não dizem números, como se fosse uma coisa meio mágica: se eu digo
número eu dou azar ou se eu digo número meu adversário vai saber.
2. No levantamento de dados aqui apresentado, o número de livros da Ática obviamente está
subestimado. De acordo com Zamboni (1991), a Ática “lidera o mercado de publicações com
seiscentos e nove títulos, a partir de 1988. Segundo José Bantin, seu diretor editorial, a empresa está
atingindo a marca dos mil e oitocentos títulos em catálogo, espera chegar a dois mil e cem em 1991 e
manter a atual liderança em publicações, através do investimento nos livros didáticos para jovens e em
textos de leitura extra classe” (pp. 14-15). Convém lembrar, porém, que os números mencionados por
Zamboni incluem também os livros que não são didáticos ou paradidáticos.
109

didático, que era um livro formal, um livro pesado, muitas vezes com
capa dura, com poucas ilustrações, ilustrações assim muito na base de
fotografias ou esquemas muito sérios. Aliás, poucos livros eram assim
coloridos; basicamente só os livros de Geografia eram coloridos. A
Ática inovou lançando livros com uma linguagem muito mais informal,
mais leve, mais rápida, uma linguagem mais comunicativa, uma
comunicação direta com o aluno; livros com conteúdo também mais
leve, menos pesado, conteúdo mais simples, mais acessível ao aluno e,
por outro lado, uma visualização gráfica muito mais alegre, mais
variada, mais atraente, introduzindo até a história em quadrinhos, essa
comunicação direta com o garoto, fazendo livros coloridos, livro com
quatro cores praticamente em todas as áreas, em História, Geografia,
Ciências, Matemática. Então isso modificou muito o perfil do livro.
E o professor que ingressava no magistério na época, década de 60..., já
grandes levas de professores vinham de classes menos privilegiadas,
aquele professor diferente do professor antigo – que era visto assim
como um elemento privilegiado socialmente, economicamente –; esse
professor novo que entrava era oriundo de uma classe média média,
classe média baixa; esse professor não tinha qualificação profissional
formal do professor antigo. Esse professor então se adaptou muito bem
a esse tipo de livro que inovou tanto. A Ática, nesse sentido, foi uma
pioneira.
Por outro lado, ela inovou também lançando o livro chamado
consumível, o livro em que o aluno tem espaço para escrever, ele
estuda e faz os exercícios no próprio livro, escreve tudo no próprio
livro. E outra grande inovação foi – isso tirado muito do modelo
americano de livro didático – de oferecer ao professor o exemplar dele
com todas as respostas preparadas. Então, o professor passou a ter um
elemento extremamente prático: o professor de Matemática não precisa
perder horas em casa preparando aulas, resolvendo todas as contas, os
problemas: todos os exercícios que ele vai passar, ele tem já tudo
prontinho no livro. Professor adorou esse tipo de livro e adotou em
massa. Foi assim um estouro, os livros, alguns livros chegavam a ter
assim edições de 400, 500 mil exemplares. Isso naquela época, década
de 60, 70. Espantava até os gerentes de gráfica, que ficavam na dúvida
se a ordem de serviço estava certa ou não.

O pioneiro, “que daria uma virada decisiva no panorama do livro didático


brasileiro”, foi Estudo dirigido de português, de Reinaldo Mathias Ferreira:

Utilizando jogos, quadrinhos, ilustrações coloridas e textos elaborados


especialmente para atrair o interesse do aluno, a série tornou mais
dinâmico o aprendizado da língua. Essas novidades mais o “livro do
professor” [...] fizeram com que a iniciativa derrubasse os títulos
tradicionais do mercado e estabelecesse um novo padrão para os livros
escolares. [Editora Ática 1996, p. 160.]

A justificativa para inauguração da “disneylância pedagógica” – como seria


condenado esse padrão – passa, portanto, pela constatação do surgimento de um
amplo mercado formado por professores considerados “despreparados”, o que não
110

deixa de implicar um certo perfil do aluno, imaginário ou real. Os paradidáticos


também supõem esse público. Indagado sobre a “invenção” do paradidático pela
Ática, responde João Guizzo:

Existe um tipo de paradidático que foi a Ática realmente que inventou,


que é o chamado paradidático de cunho ficcional, na área de História.
A coleção “Cotidiano na História” foi criada na Ática..., a coleção foi
trazida para a empresa por um grupo de professores de História, que
sugeriu essa forma de enfoque, uma história calcada no momento
histórico, mas uma história ficcional, simulando personagens da época,
caracterizados de acordo com a época e a ação se passando em torno de
fatos da época, fatos concretos. O primeiro título publicado nesse
sentido foi O engenho colonial. Essa fórmula obteve muito sucesso e
nós a utilizamos em outras áreas também, na área de Geografia,
Ciências e Matemática, com muito sucesso.
Esse tipo de paradidático a Ática realmente lançou, inventou, mas antes
disso, a Ática já tinha lançado com grande sucesso os paradidáticos
para reforçar, para apoiar a área de Português. Então a Ática lançou a
linha de literatura brasileira clássica, de autores de domínio público, em
edições muito simples, muito baratas: Inocência, Iracema, O Guarani,
Machado de Assis e todos esses livros. E lançou o texto integral,
rigorosamente cotejado com as edições originais da Biblioteca
Nacional. Também o grande segredo foi que esses livros, esses textos
integrais foram acompanhados de um caderno com suplementos de
atividades para o aluno fazer, com uma orientação metodológica
didática para o professor, além do que o professor passou a receber
também esse suplemento de atividades com todas as respostas prontas.
Esse fato, aliado ao preço bem acessível, tornou essa linha paradidática
um grande sucesso.

O engenho colonial, também analisado por Glezer (1984) e Zamboni (1991), é


assinado por Luiz Alexandre Teixeira Jr., pseudônimo sob o qual se reúnem Antonio
Augusto da Costa Faria, Antonio Mendes Jr., Edgard Luiz de Barros e Ricardo
Maranhão. Segundo Zamboni (1991), o livro, antes de ser lançado comercialmente,
“foi usado como teste em escolas particulares e públicas de São Paulo” (p. 26). À
época do lançamento, o livro – e as demais obras da coleção – destacou-se pelo
formato então pouco usual (20,3 cm x 27,5 cm), grande demais para uma publicação
“séria”. De certo modo, ele se assemelhava a livro infantil, impressão que era
confirmada pela farta distribuição de ilustração – não há nenhuma página que não seja
ilustrada, nem mesmo a do expediente –, pelo uso de corpo grande de letra (algo entre
corpo 12 e 14) e pelo reduzido número de páginas (32 páginas de miolo), que é
constante em toda a coleção.
111

Em tal projeto constrói-se uma imagem do público-alvo: nem criança, mas


ainda longe de ser adulto, uma fase peculiar da vida, que na década de 90 iria receber
o nome de “teen”. Prossegue João Guizzo:

E na esteira disso, a editora passou a lançar autores novos, para atender


à faixa de 5ª a 8ª série – essa é uma faixa que não tem muita condição
de ler os clássicos de literatura brasileira. Esses clássicos são mais lidos
no 2o grau. Para as séries finais do 1o grau, a editora criou a série
“Vaga-lume”, que foi também uma série de grande sucesso e continua
até hoje, porque foram contratados escritores – escritores brasileiros,
alguns escritores novos – que passaram a escrever histórias simples,
com enredo assim muito atraente, mas muito simples, muito acessível
para o aluno dessa faixa etária, assim, aluno de 10, 11 anos.

Esse público-alvo existe efetivamente ou é pura invenção mercadológica? Os críticos


da “disneylândia pedagógica” certamente acreditam na tese da invenção, mas o fato é
que não há pesquisas consistentes a respeito disponíveis (a não ser as encomendadas
pelas agências publicitárias), muito menos sobre efeitos dessa “disneylândia” no
processo de ensino/aprendizagem.

Fórmula alternativa

Uma das principais críticas em relação à coleção “O Cotidiano da História” e


similares, referia-se exatamente ao recurso da narrativa ficcional. Não seria à toa que
um material promocional de uma editora concorrente (Atual), divulgando uma
coleção de didáticos de História (História – cotidiano e mentalidades, de Ricardo
Dreguer e Eliete Toledo), anunciasse: “O cotidiano sem falsos romances e
caricaturas”.3 Por sinal, o catálogo da Atual conta com coleções de paradidáticos, que
seguem um padrão diferente do da Ática, mesmo porque destinado a um público
diferente: estudantes de 2o grau. Como convém ao que se imagina ser um público do
2o grau, esse padrão é sóbrio. O formato é convencional, de um livro comum (em
torno de 13,7 cm x 20,7 cm), o que já limita as possibilidades de diagramação e de
arte. Salvo engano (e exceção) não há uso de cores nas páginas internas e a tipologia
também obedece ao tradicional corpo 10 (ou 11). O caráter paradidático desses livros

3.Em forma de revista, esse material promocional contém vários artigos, entre os quais o mencionado,
assinado por Elvira de Oliveira. Professores universitários – Laura de Mello e Souza e Circe M. F.
Bittencourt – também assinam artigos, como que dando chancela acadêmica à coleção, embora não
façam nenhuma menção explícita a ela.
112

é conferido por exercícios ou temas de reflexão no final da obra, além de cronologia,


sugestões de leitura e, em certas coleções, entrevista com o autor e suplemento de
atividades. Ao que parece, esse padrão, adotado por várias editoras, foi disseminado
por Jaime Pinsky (da editora Contexto), que coordenou na editora Global a coleção
“História Popular”; depois, na Atual, a “Discutindo a História” em co-edição com a
Editora da Unicamp; e, na Contexto, a “Repensando a História”. Ele mesmo relata
(um tanto irritado com a insinuação de que essas entrevistas com o autor eram
forjados pela editora):

Quando eu bolei a minha coleção na Global, que foi anterior a


“Repensando a História”, que foi evidentemente bem anterior ao
Engenho colonial [da Ática], a idéia do paradidático era simples. Eu
pensei do ponto de vista intelectual: ora, há certos temas que o livro
didático não dá conta e você precisa, às vezes, verticalizar alguns
temas. Então, esse foi o objetivo.
Agora, a entrevista [com o autor] tinha uma função sim. A função era
desmitificar – é desmitificar, não desmistificar – o autor. O autor
sempre aparecia como o Autor. Nós estamos falando de quase 20 anos
atrás. Então, a idéia era de que o autor era o Autor. E, às vezes, nem era
Autor, era o Livro: porque ele foi escrito por um ente e se estava
impresso era Verdade Absoluta. Nós estamos falando de um tempo em
que imprimir não era uma coisa que qualquer pessoa podia no seu
computadorzinho pessoal. Era uma coisa muito mais complicada. O
nome aparecer em letra de forma era um acontecimento. Esse
imaginário também é muito interessante de se perceber. Então, qual é a
idéia da gente? É mostrar que o autor é um ser humano e,
conseqüentemente, é um ser humano que tem cotidiano. Nós
insistíamos muito nas perguntas; em todas as questões havia uma
pergunta: o que você faz?, qual o seu hobby? O negócio era sério, nós
fazíamos, sim, as perguntas. E o indivíduo tinha que se virar para
responder. E, às vezes, perguntas provocativas. É claro que em alguns
casos, a gente dava liberdade para o autor: “Olha, se você acha que tem
alguma pergunta especial importante, você faz e responde”. Mas nós
nos reservávamos sempre o direito de publicar ou não as respostas
deles e até de editar as respostas deles, até de alterar a pergunta feita. E
havia uma pessoa que fazia as perguntas, até para tentar tirar alguma
coisa de humano do indivíduo.
E o tal do questionário no final a gente acabou achando que não era
uma coisa boa, não. Tanto que aqui na Contexto a gente faz sugestões
de trabalho, uma coisa mais aberta. Aquilo lá a gente achou que ficou
algo muito fechado.

Padrões de livro didático

Nos livros propriamente didáticos é mais difícil estabelecer um padrão, mesmo


porque cada grupo de livros correspondentes às séries dos graus de ensino tem seu
113

conceito próprio, que define desde o conteúdo até o projeto gráfico. Em todo caso, um
livro didático deve obedecer a todos os requisitos já apontados no capítulo anterior.
Mais ainda, a existência do livro do professor é quase obrigatória, uma vez que ela faz
parte dos critérios de avaliação da FAE, como foi visto no Capítulo 3. A FAE, como
se viu, também faz exigências em relação a “aspectos gráfico-editoriais”, indicando
como devem ser a “capa, a folha de rosto e seu verso”, que

devem conter título, autoria, série, editora, local, data, edição, dados
sobre os autores e ficha catalográfica. O sumário deve permitir a rápida
localização da informação.
[MEC/SEF/CENPEC 1996, p. 12.]

Os critérios de avaliação chegam ao requinte de definir a cor do texto:

O texto principal deve ser impresso em preto. Títulos e subtítulos


devem ser apresentados numa estrutura hierarquizada evidenciada por
recursos gráficos. [...]
[...]
É desejável que textos mais longos sejam apresentados de forma a não
desencorajar a leitura, lançando-se mão de recursos de descanso visual.
As ilustrações são elementos de maior importância, devendo auxiliar a
compreensão e enriquecer a leitura do texto. [...]
É importante que o livro recorra a diferentes linguagens visuais.
Ilustração de caráter científico devem indicar a proporção dos objetos
ou seres representados. Mapas devem trazer legenda dentro das
convenções cartográficas, indicar orientação e escala e apresentar
limites definidos.
Gráficos e tabelas devem ser acompanhados de títulos, fonte e data.
Todas as ilustrações devem ser acompanhadas dos respectivos créditos.
[pp. 12-13.]

Antes que os profetas da heteronomia da história do livro didático retomem sua


pregação, convém lembrar, em primeiro lugar, que essas exigências constituem
apenas critérios de avaliação dos livros pela FAE e não imposições obrigatórias e, em
segundo lugar, que esses aspectos da apresentação do livro são antes padrões já
consolidados nas editoras, pelo menos nas que mantém grau desejável de
profissionalismo. A exigência de créditos das ilustrações, por exemplo, é um item que
só não é cumprido pelas editoras com baixo grau de profissionalismo e que têm o
hábito de “piratear” a iconografia. Assim, é muito mais factível que a própria FAE
tenha aprendido das editoras como formular critérios de avaliação de uma edição. Em
todo caso, não deixa de ser interessante constatar que o Estado acabara por ratificar
114

um certo padrão de qualidade gráfica e editorial, a despeito daqueles que parecem


preferir livros feios e cheios de erros de edição.
Como esses critérios materializam-se numa edição efetiva? Os quatro livros da
série ALP. Análise, linguagem e pensamento, de Maria Fernandes Cócco e Marco
Antonio Hailler, editados pela FTD, e todos eles na lista de recomendação da FAE
(MEC/SEF/CENPEC 1996), podem servir de exemplo.4 Em todos os quatro livros, o
corpo do texto é composto com tipos grandes (corpo 14 ou maior), quase todos não-
serifados, o que lhe confere certa leveza, mas em trechos onde não haja muita
concentração de letras. O restante do espaço das páginas são grafismos – tarjas que
imitam papel rasgado indicando seções dos capítulos, letras de diversas fontes e
tamanhos variados espalhadas na ilustração, inclusive para compor títulos – e
ilustrações em traços ágeis como cartoon, quando não fotos ou reproduções. São
livros bonitos, com projeto gráfico extremamente arrojado. Resta, porém, verificar
como os usuários desses livros, alunos das primeiras quatro séries do 1o grau, lêem
todas essas letras, espalhadas no corpo do texto e nas ilustrações, numa profusão de
fontes e tamanhos. A questão não deixa de ter seu interesse numa obra como essa, que
tem como subtítulo “Um trabalho de Linguagem numa proposta socioconstrutivista”.
A editora de arte da coleção, Rosiane Oliveira Silva, tem a convicção de que o estilo
adotado não dificulta a comunicação: “Você precisa trabalhar um pouco com
grafismo, porque a criança absorve, muitas vezes, muito melhor do que a gente, que é
adulto”.
O caso de Matemática ao vivo (1a série do 1o grau), de Imenes, Jakubo e
Lellis,5 editado pela Scipione, e recomendada pela FAE (MEC/SEF/CENPEC 1996),
é bem diferente, embora também ostente como epíteto: “Para uma aprendizagem
construtivista”. Não é uma obra que possa ser considerada bonita – embora esse
adjetivo seja por demais subjetiva. A diagramação é bem convencional, e cada página
demarca o espaço limítrofe: o assunto, ao contrário da série anterior, não transborda
para a página oposta, e o olhar é dirigido de modo a deslocar-se da direita para a
esquerda; a esse movimento sobrepõe a direção mais abrangente de cima para baixo.

4 Os livros da série aqui analisados apresentam uma estrutura característica de livro consumível.
Provavelmente os que a FAE recomenda não são esses, mas uma versão adaptada, que geralmente
resume-se na supressão de espaços a serem preenchidos pelo aluno, sem alteração da paginação. Nesse
caso, porém, é difícil imaginar como se fez a supressão de espaços e linhas pontilhadas que chegam
quase a ocupar páginas inteiras.
115

Por sinal, o movimento desse olhar é conduzido por tarjas que dividem o espaço da
página, induzindo os movimentos horizontal e vertical. O desenvolvimento dos temas
se faz basicamente com o recurso de imagens – caricaturas que se poderiam
classificar como “popular”. Nesse caso também se trata de indagar se tal projeto é
funcional no processo de ensino/aprendizagem.

Estratégia da transparência

Ao que parece, as editoras estão cada vez mais preocupadas com essas
questões – ou com o interesse que o público possa ter dessas questões. Elas explicam,
como se viu, o processo de produção do livro em seus materiais promocionais;
também mostram, com flechas e outros recursos gráficos, as partes de que se compõe
uma página do livro que publicam. O efeito dessa publicidade talvez seja a idéia de
que cada página é cuidadosamente planejada e executada, de modo “profissional” e
não “empírica” (ou “amadorística”).
A Ática, por exemplo, procura dirigir o olhar do seu cliente, mostrando como
se organizam as páginas dos livros de História e de Geografia da editora,
identificando-lhes as partes que, mediante recursos de diagramação, constituem
unidades de “conteúdo”. Para isso, a editora produziu um material publicitário em que
mostra as páginas dos livros de suas coleções, indicando as seções que as compõem:,
acompanhadas de pequenas explicações,

Todos os livros desta coleção [“O Cotidiano da História”] apresentam:


Conteúdo histórico transmitido por meio de texto ficcional.
Ilustrações intimamente ligadas ao assunto desenvolvido.
Cronologia da época.
Textos de apoio nos volumes de História do Brasil e o ensaio Uma
Visão da História nos volumes de História Geral, aprofundando as
informações sobre o tema.
Bibliografia fundamental relativa ao assunto e acessível ao leitor.
Suplemento de Atividades contendo exercícios especialmente criados
para desenvolver a visão crítica do aluno.

No caso da coleção “Viagem pela Geografia” (também da Ática), as partes são:

Conteúdo geográfico apresentado por meio de texto ficcional, com


ilustrações que destacam momentos importantes do enredo.

5 Respectivamente, Luiz Márcio Imenes, José Jakubovic (Jakubo) e Marcelo Lellis.


116

Síntese geográfica que sistematiza e aprofunda o tema tratado, com


fotos coloridas, atuais e informativas.
Textos de apoio que complementam o assunto abordado.
Suplemento de Atividades contendo exercícios que permitam a
análise crítica do aluno.
Sugestões didáticas para o professor.

O procedimento da Atual é idêntica: em seu material publicitário, apresenta


uma dupla de páginas aberta de História –cotidiano e mentalidades; setas apontam-
lhe as partes e textos explicitam:

Presença de mapas em todos os capítulos garantindo o aprofundamento


do trabalho cartográfico com os alunos.
Aberturas destacam as partes internas de cada capítulo que facilitam a
compreensão do texto.
Projeto gráfico inovador torna o livro visualmente agradável e
interessante. Páginas cuidadosamente diagramadas, [sic] garantem
equilíbrio entre texto e imagens.
Subtítulos que buscam despertar o interesse pela leitura e sintetizar o
conteúdo.
Trabalho integrado entre imagem e texto escrito, superando a idéia de
ilustração e permitindo uma maior motivação para a leitura.
Em média, cada volume possui cerca de 150 imagens, ocupando
sempre posições destacadas.
Exercícios propostos ao final do capítulo.
Boxes aproximando o aluno das principais polêmicas dos historiadores
em torno da construção do conhecimento histórico.

Essas indicações não deveriam ser necessárias. O ideal de boa diagramação é o


de não ser perceptível: ela existe para que o texto vá fluindo, como se o leitor
estivesse diante da pureza mesma das idéias, sem o constrangimento da materialidade
da página. Das duas uma (ou ambas): ou a diagramação é tão rebuscada que se requer
elucidação ou, então, mercadologicamente é vantajoso tratar o público como um par,
um companheiro do trabalho editorial com quem se compartilha uma solução feliz de
lay-out. Seja como for, as razões comerciais da opção por essa estratégia publicitária
são praticamente insondáveis. Pode ser uma simples questão de modismo, uma
tendência entre os publicitários de conferir “transparência” (e, “portanto”,
credibilidade) ao produto, revelando-lhe especificações técnicas, fases de sua
produção e outras informações que, por sinal, não têm muita (ou nenhuma) utilidade
para o consumidor.
As “Casas do Professor”, que as grandes editoras de livros didáticos mantêm
nas principais cidades do país, também servem para tratar o cliente como um parceiro.
117

Nessas “casas”– a nomenclatura varia conforme a editora – o professor, que busca


amostras grátis dos livros que possam vir a adotar em suas aulas, recebe atendimento
personalizado. Há diferenças de tratamento (e da quantidade de livros oferecidos a
título de “cortesia”) entre professores da rede pública e da particular. Se o professor
ocupar algum cargo hierarquicamente superior – por exemplo, o de coordenador –
poderá receber, além dos livros da disciplina, alguns de áreas afins ou mesmo
paradidáticos. As “casas” mantêm até mesmo cadastros indicando em qual linha
didático–pedagógica cada cliente trabalha.
Além disso, as “casas” têm propiciado ocasião – muitas vezes única – para
reciclagem e atualização do professor. Diz um material promocional da editora
Scipione:

[...] vale destacar as Casas do Professor, que atuam também como


filiais e têm no Auditório H, em São Paulo, criado para oferecer aos
educadores um atendimento diferenciado, sua função mais apreciada e
que melhor corresponde às necessidades e expectativas de quem as
procura.
Nesse espaço, onde são discutidos temas educacionais que promovem a
reciclagem profissional e o levantamento de críticas e sugestões de toda
a sua produção editorial, os encontros são sempre produtivos e
possibilitam a interação e troca de informações entre os participantes.
A realização de 75 encontros (entre março e novembro de 92), com a
participação de 3.300 professores, comprova o sucesso dessa iniciativa
[...]. Este ano [1993], já foram realizados 17 encontros (entre março e
maio) com a presença de 264 professores. O projeto Autor na Casa,
uma variante do Auditório H [...], é o espaço aberto nas filiais da
Scipione. Na Casa do Professor, em Campinas, essa experiência já
realizou 13 encontros entre março e maio, com participação de 130
professores.

Da mesma maneira, a Moderna promove os Encontros de Professores e Autores da


Editora Moderna (Epaem), em que autores ministram palestras sobre assuntos de sua
especialidade. Em 1993, a Atual enviou aos professores cadastrados em Campinas
(Estado de São Paulo) convite para cursos gratuitos sobre temas ligados ao ensino de
História, Física, Português, Geografia, Matemática e Inglês, ministrados por
especialistas ou autores da própria editora. Outras editoras, como a Ática e a FTD,
também investem nesse contato com os professores. Wilma Silveira Rosa de Moura,
da Ática, explica como funcionam os cursos da Ática:

Em geral, os cursos são montados em função de lançar os produtos.


Então, a gente faz uma coleção nova, então o departamento de eventos
faz mala direta, anuncia nas escolas que vai haver um curso sobre..., em
118

geral, os cursos não são sobre os livros. Os cursos são de reciclagem


mesmo; são sobre assuntos escolares. Daí as pessoas se inscrevem.
Sempre existe uma taxa de inscrição; as vagas são limitadas. Nesses
cursos, o professor faz uma avaliação, daí vem uma parte de sugestão
para outros cursos. Dependendo da recorrência dessas sugestões,
montam-se outros cursos com autores nossos ou de fora. A Ática tem
equipe de monitores que não são autores, mas que dão esses cursos
pelo Brasil afora. Eles montaram realmente uma equipe que está
funcionando. E começou bem assim mesmo, para implementar os
lançamentos e acabou assim, uma prestação de serviço. E o professor
conta com isso, cobra da editora isso. As editoras estão muito mais
empenhadas na formação dos professores do que os órgãos..., as
Secretarias. Estão fazendo muito mais.
Eu não sou capaz de dizer números para você, mas no ano passado a
Ática deu uma quantidade de cursos absurda. Absurda! Fizemos uma
pesquisa junto com os professores no ano passado para saber..., ver a
imagem da editora e o que eles esperavam; eles acham que a obrigação
da editora é isso aí. E a editora assumiu como um papel dela.
Agora mesmo eu estava vendo o programa do mês inteiro: 150
[eventos]... Agora, o auditório é novo..., começou a funcionar, acho que
no fim do ano passado. Então, até o ano passado, eles alugavam esse
hotel aí do lado. No hotel, com coffeebreak legal, professor que foi
sempre maltratado, né? Gente, você perguntava para ele “o que mais
gostou do curso?”. “O café. Café com bolachinha e suco, que
maravilha!” – porque ele se sentia bem tratado, bem respeitado. Foi
bem interessante. E, veja, na medida em que você faz esses cursos,
você está..., claro que está divulgando seu material, mas você está
contribuindo para que as pessoas fiquem mais bem informadas. Eu
quero que fiquem mais críticas. Então, é uma coisa de dupla-mão. Você
está realmente prestando um serviço e você está recebendo em casa,
gente que vai valorizar o seu trabalho. Vai ver, você trabalha sério e
vão olhar o seu produto com mais carinho, com mais cuidado.

Não se deve também esquecer a infinidade de materiais publicitários com que as


editoras inundam as caixas de correio de tempos em tempos – muitos deles
verdadeiras revistas, agendas e calendários – por sinal, bastante úteis.
Capítulo 6
Profissionais de edição

O Sindicato dos Empregados em Empresas Editoras de Livros e Publicações


Culturais de São Paulo (SEEL) é um pequeno sindicato, como é pequena a categoria
que representa. Em 1995, no Brasil inteiro havia 20.630 empregados no setor
editorial, além de 11.145 contratados em caráter temporário, segundo os dados da
Câmara Brasileira do Livro. Na base do SEEL, que é a cidade de São Paulo (Estado
de São Paulo), há aproximadamente 300 editoras em que trabalham cerca de 4,5 mil
empregados, dos quais mais ou menos 20% são sindicalizados. Em 1996, o piso
salarial, antes da negociação com o sindicato patronal, em setembro, era de R$ 220,00
(O Original. Órgão de divulgação do Sindicato dos Empregados em Empresas
Editoras de Livros e Publicações Culturais de São Paulo. Agosto de 1996).

Reorganização do trabalho

Além da sempiterna questão salarial, o sindicato enfrenta o processo crescente


da chamada “terceirização” dos serviços editoriais, que também provoca redução
salarial. José Olavio Dutra, diretor do SEEL, afirma:

Houve crescimento [da categoria], sim, apesar de mudanças violentas


nas grandes editoras, principalmente em termos do perfil das editoras.
Elas, muitas, desativaram departamentos específicos, tipo departamento
de editorial, departamento de revisão, departamento de artes. A grande
maioria terceirizou, mas em termos numéricos a categoria acabou se
mantendo e até crescendo, porque surgiram muitas pequenas editoras.
Esse próprio processo de terceirização deu origem a um grande número
de pequenas empresas, que num primeiro momento eram prestadoras
de serviço, mas num segundo momento se transformaram em pequenas
120

empresas, em pequenas editoras mesmo, começaram a produzir o seu


próprio produto e colocar na praça. Então, em termos numéricos a
categoria até cresceu. Agora – é importante levantar esta questão –,
talvez não tenha crescido em termos de profissionais específicos da
área, mas em termos numéricos no geral. Por exemplo, no setor
promocional, setor de vendas, setor administrativo, principalmente,
cresceu muito o número de funcionários.

Esse processo de terceirização foi propiciada pela informatização. Ricardo Yorio,


presidente do SEEL, explica:

Com a entrada da informatização nas empresas, aumentou o número de


terceirização, porque algumas pessoas se informatizaram, criaram seus
próprios escritórios dentro de casa e estão hoje prestando serviços para
as editoras. Então o impacto que teve a informatização dentro das
editoras foi mais nesse nível. Quem se informatizou acabou
terceirizando o trabalho, se desligando das empresas para prestar
serviços depois para a mesma empresa da qual ele era empregado.

Além disso, a informatização também acarretou certa desestabilização na


estrutura do emprego, como esclarece Rosi Meire Ortega, também da diretoria do
SEEL:

Os que já entendiam de computador, mas não entendiam da área,


acabaram pegando o lugar dos que trabalhavam na área. Eram pessoas
que não tinham formação na arte, mas conheciam bem o computador.
Então o que aconteceu? Eles queriam pessoas que conheciam, que
sabiam lidar com a máquina, e dispensaram aqueles que estavam antes
para pegar pessoas novas fora da área.
Nós éramos diagramadores; no máximo existiam diagramadores e
assistentes de arte. Agora não, agora são operadores, digitadores e
fazem tudo a mesma coisa; são todos diagramadores. Aí uns te chamam
de diagramador, outros de operador de editoração, digitador...
paginador... Então cada empresa dá um nome e aí confunde e dificulta;
[isso serve para estabelecer diferentes] faixas salariais e diminuição
salarial, principalmente.

Além dessa desestruturação das carreiras e funções, a categoria e o sindicato


têm de concorrer com os trabalhadores temporários – os freelancers ou “frilas” –, mas
numa situação bastante ambígua, pois esses concorrentes são, em geral, companheiros
da própria categoria. José Olavio Dutra, no entanto, esclarece que os “frilas” já não
são muitos:

Hoje tem muito pouco. Hoje, existe o freelancer, mas é como se


fosse..., tem uma nova cara que é essa cara da terceirização. O
freelancer teve duas fases. Você sabe que havia feelancer que inclusive
cumpria carga horária dentro da própria empresa. Hoje, esse tipo de
121

freelancer [o chamado “frila fixo”], que tem que cumprir carga horária,
praticamente acabou. Como todos os processos relacionados com
freelancer, ele ganhava – o Sindicato ganhou todos até hoje, todos –,
isto é, as empresas tiveram que pagar todos os encargos sociais desses
cidadãos, então as próprias empresas hoje não querem mais esse tipo de
freelancer. Então, como é o freelancer hoje? O freelancer hoje ou é um
cara terceirizado, que tem uma empresinha, que presta serviços para
empresa, ou é o cara que leva o serviço para fazer em casa... e recebe
com nome de outra pessoa.
É difícil o sindicato assumir uma posição de ser contra o freelancer. É
claro que no íntimo a gente é contra, porque a gente quer que todo
funcionário tenha algum vínculo, porque a gente acha importante o
trabalhador ter vínculo. Agora se você sair por aí falando contra o
freelancer, você vai jogar o corpo contra você. Isso aí é uma realidade
que é antiga, a gente encontra uma dificuldade muito grande para
organizar os freelancers. Se já existe dificuldade em organizar a
categoria que tem vínculo, os que trabalham na categoria, os que não
têm vínculo é muito, muito mais difícil ainda. E ele quer ser livre, isso
é que é problema.

O SEEL não tem estimativas sobre o número de trabalhadores no setor de


livros didáticos e paradidáticos, mas José Olavio Dutra acredita que constituam a
maioria da categoria:

Hoje se você pegar a nossa categoria..., as oito maiores empresas –


Saraiva, Moderna, Atual, Ática, Scipione, FTD... –, a linha editorial
delas, o básico, é de didáticos. Então, se você pegar em termos do
número de funcionários dessas oito maiores empresas que trabalham
com didáticos, isso representa 70% da categoria.
Isso aponta também para uma coisa chamada controle do próprio
mercado. Por exemplo, quando você vai discutir salário, reajuste
salarial, antecipação salarial, você tem o grupo de didáticos que tem o
controle total do mercado até nesse campo, do campo da negociação.
Antes de uma empresa dar uma reposição salarial, um aumento
qualquer, eles discutem entre eles nesse grupo de didáticos, isto é, eles
trabalham em comum acordo entre eles. Então eles têm uma força
violenta, eles têm o controle do mercado.
Por outro lado, o profissional que trabalha numa empresa pequena, ele
tem grande interesse em ir trabalhar numa empresa de didáticos, porque
ali ele tem muito mais potencial até de aprendizado. O profissional é
mais valorizado e tem muito mais chance de aprendizado.

Trajetórias

Esses profissionais da área editorial, ao menos os entrevistados, fizeram


faculdade, mas nunca ou quase nunca exerceram a profissão para a qual foram
formados. Por caminhos diversos chegaram ao editorial, quase sempre iniciando a
122

carreira em funções subalternas. Aqui, um rápido relato de trajetórias, das quais a


mais destoante é a de Jaime Pinsky, que é professor universitário aposentado, autor de
livros paradidáticos, editor e dono da editora Contexto, especializada em livros
didáticos e paradidáticos.

 João Guizzo, da Ática:

Bom, aqui na Ática eu comecei como redator em 75. Entrei via anúncio
de jornal, que pedia um copy [copidesque], copy de didáticos, e como
eu tinha experiência de trabalho em texto, eu era redator, então eu me
candidatei e fui admitido, como redator, em 1975.
Eu sou formado em Letras e em Ciências Sociais. Me formei nesses
dois cursos, Ciências Sociais na USP, de modo que esses cursos me
deram uma base boa para esse trabalho que eu faço: o curso de Letras
me habilitando no trabalho com texto e o curso de Ciências Sociais
porque ele dá uma base cultural ampla muito boa, ao mesmo tempo
uma base teórica e uma base informativa muito ampla, muito boa, para
esse tipo de trabalho. Comecei dessa forma e, dentro da Ática, logo
depois de um ano de trabalho, mais ou menos, passei a coordenar uma
pequena equipe de profissionais de texto – também redatores que
passaram a trabalhar em texto, fazer o copy de textos didáticos. Hoje a
equipe é um pouco maior, são 25 pessoas comigo.
Então, eu acompanhei bastante esse crescimento da empresa – se bem
que um pouco, assim, como crescimento de um filho, porque quando o
filho vai crescendo, quem nota que o filho cresceu são os outros. Assim
também na Ática: ela foi crescendo, crescendo, aumentando e eu aqui
dentro. Lógico, de vez em quando, se eu páro para fazer um balanço, eu
me dou conta desse crescimento, mas no dia-a-dia a gente não observa.
Então, ela foi crescendo nesse sentido, foi crescendo. Eu, pessoalmente,
de redator passei a assistente editorial, depois a assessor e, finalmente,
a gerente, que é o cargo que tenho hoje.

 Isabel Simões, da Ática:

Eu comecei a trabalhar muito cedo, com 16 anos, como secretária,


datilógrafa, enfim um trabalho administrativo. Entrei na Editora Abril1
como secretária do diretor comercial dos fascículos. E eu fazia Ciências
Sociais, nessa época, 69, então eu fiquei interessadíssima pelo trabalho
de redação – que, aliás era o que sempre quis fazer. Sou daquelas que
desde o ginásio fazia boas redações. Então, eu fazia Ciências Sociais,
porque gostava, porque era o que me interessava, mas não tinha
nenhum interesse em trabalhar com Ciências Sociais. Fui fazer
Ciências Sociais como muita gente foi fazer na década de 60, para
entender o mundo. Mas aí, trabalhando na Abril, logo que surgiu a
oportunidade, eu conversei com o Pedro Paulo [Poppovic, então diretor

1 Trata-se, na verdade, de Abril Cultural, que editava livros em forma de fascículos. A Editora Abril é
uma empresa jornalística, que concentra sua produção basicamente na área de revistas.
123

da Abril] e pedi uma oportunidade na redação. Aí eu passei a


pesquisadora, um tempão, fiz um monte de fascículos. Depois eu passei
a redigir, a ser redatora.
Daí eu saí da Abril em 76 e vim para a Ática como redatora. Saí da
Abril de medo de ser mandada embora, tinha esses “passaralhos”
horrorosos; eu não podia ficar sem emprego de jeito nenhum, morria de
medo de perder emprego. Então, quando anunciaram que haveria uma
outra demissão, fiquei com muito medo. E o João Guizzo, que era meu
colega de faculdade, me ligou dizendo que havia uma vaga de redator.
Daí eu vim fazer o teste e entrei como redatora aqui.
Nesse começo de 76, o editorial da Ática eram duas pessoas ou três, era
o João e eu, depois entrou a Wilma [Silveira Rosa de Moura], depois, o
Zeca. Durante dez anos o editorial de didáticos – com exceção da parte
de Português, que sempre foi meio à parte – era João, que era editor-
chefe. A Wilma, o Zeca e eu fazíamos todo o resto do trabalho
editorial. A gente fazia não só a redação como coordenava as coleções
– desde que o original chegava na Ática, desde que era assinado o
contrato, até a revisão de heliográfica, até o fim. A gente trabalhava
com free-lancer também; eventualmente, passava o trabalho de
redação.

 Wilma Silveira Rosa de Moura, da Ática:

A minha formação acadêmica é Filosofia. Filosofia e Pedagogia. Eu


venho do interior, de Sorocaba. E comecei a minha vida editorial na
Editora Abril, na revisão – Editora Abril, lá na [Avenida] Marginal. Na
Abril eu fiquei quatro anos. Trabalhei inicialmente na revisão. Depois
passei a preparadora de textos. Depois eu fiz um trabalho que acho que
nem existe mais, chamava “acerto de textos”: eu fazia caber os textos
no espaço que existia para eles. Então, a minha especialidade era
aumentar e diminuir os textos para caber na diagramação. Fiquei lá
quatro anos e saí de lá quando me ofereceram um cargo que não me
interessava absolutamente: era para chefiar o departamento em que eu
trabalhava. Eu queria me descansar do texto. Daí, surgiu uma chance
aqui na Ática para redação. Fiz o teste e acabei vindo para cá. Isso faz
vinte anos. Em outubro eu completo esses vinte anos.
Daí, eu fiquei aqui como redatora, trabalhando com 5a a 8a série – eu
não mexia nada com 1a a 4a – e com colegial. Em todas a áreas, né? A
gente trabalhava, não tínhamos uma área de atuação específica. Éramos
poucos, era o João Guizzo, a Isabel e eu, e havia um rapaz que fazia
mais caderno de atividade, trabalhava com muito livro, era estagiário.
Depois entrou mais uma pessoa, e durante muito tempo a redação da
Ática foi isso. Foram três pessoas e o João Guizzo. E fiquei nessa
trabalhando com essa faixa de idade, como redatora, por dez anos.
Depois disso, passei para edição de texto com a área de 1a a 4a, mas
sem que a área fosse da minha responsabilidade independente. Eu era
ligada ao João Guizzo, mas era eu que tocava essa parte de 1a a 4a. E há
seis anos por aí, fiquei com o meu departamento, independente.
A Ática, no começo do editorial, era muito..., era uma situação assim
de boa vontade, mas ninguém tinha experiência com livro didático –
todos nós tínhamos vindo da Abril. E o tipo de material que a gente
trabalhava era fascículo, era outra coisa. E a gente pegou um começo
124

do livro didático que estava saindo daquela fase primeira, em que havia
Autores, os medalhões, havia praticamente o livro único... Nós
pegamos o livro didático quando estava passando para aquela fase mais
variada, mais diversificada, mas ainda um livro de qualidade muito
baixa, um livro com uma atenção muito voltada para estudo dirigido,
uma coisa muito... pouco, digamos, que mexia pouco com o aluno, que
mexia pouco com o professor e que tinha uma qualidade gráfica ruim.
Mas o negócio foi expandindo, as vendas foram aumentando, muitas
editoras trabalhando com... Havia uma concorrência muito grande. A
concorrência obriga a melhorar. Você tem que ser melhor para manter a
condição conquistada. E a Ática foi se postando em primeiro lugar e
éramos nós que fazíamos os livros da Ática! Então, não tínhamos mais
condições de só aquele grupo pequeno fazer tudo. Aí começamos a
pedir que contratassem outras pessoas, não tínhamos mais condição de
a gente pegar de cabo a rabo. Começou a entrar gente para fazer
pesquisa, para nos fornecer material, e é com isso que os departamentos
foram, de uma certa forma, se diferenciando, formando departamentos
específicos.

 Sandra Almeida, da Ática

Sou editora de línguas, na verdade eu lido com didáticos e


paradidáticos. Eu fiz a USP [Universidade de São Paulo], de 1974 a 77,
área de Letras, Português, e na seqüência fiz pós-graduação na
Unicamp [Universidade Estadual de Campinas], em Teoria Literária.
Depois também vim a fazer Filosofia na USP, porque eu achei que
serviria para preencher..., digamos assim, para ter mais informações a
respeito da arte, cultura, essas coisas todas. Logo depois que terminei a
universidade, Letras, eu comecei a dar aulas, aulas na periferia, numa
escola pública de 1o grau. Dei aula de Português, fui coordenadora da
área de Português. Então comecei a fazer leituras críticas, apreciações
para Leia Livros, para jornais desse tipo, para jornal, revista.
[Falha na gravação ou na fita não permite escutar o trecho sobre seu
ingresso na Ática, mas basicamente ela disse que sua trajetória foi
atípica, pois entrou já em cargo de chefia.]

 Lizânias de Souza Lima, da FTD:

Eu sou editor responsável pela área de Geografia e História do 2o grau,


de livros didáticos e paradidáticos. Como eu cheguei aqui? Bom, eu
estudei História e... fiz pós-graduação de História e dei muito tempo de
aula. Fui indicado para esse emprego, já havia feito alguns freelances
para editoras – freelancer como analista de originais, basicamente. E
através desses trabalhos é que tive o primeiro contato com editoras. Eu
fiz o contato, recomendado pelo meu próprio orientador, que disse que
estavam contratando aqui na FTD. Vim, fui aceito, comecei a trabalhar
e estou trabalhando até hoje. Isso está fazendo dez anos.
Entrei como redator. Depois fui para editor-assistente e depois para
editor-sênior. Sempre na área de História e Geografia. Só que antes eu
125

trabalhei, também, com o 1o grau. Eu pegava desde o pré-primário,


vamos dizer assim, até o 2o grau. Depois a área foi desdobrada em três
níveis: de 1a a 4a série, de 5a a 8a série e 2o grau. Nesse desdobramento
eu fiquei com o 2o grau.

 Helena de Brito, da FTD:

Eu sou editora-assistente, encarregada de edição de livros de 1a a 4a


série, de Língua Portuguesa. Eu fiz Letras na USP e era professora de
Língua Portuguesa. Fui trabalhar na Editora Abril [na verdade, Abril
Cultural] como assessora pedagógica do Programa Alfa. Entrei no
Projeto Alfa através de uma amiga que estava trabalhando com a Lia.
Eu trabalhava na rede particular e professor da rede particular tem uma
rotatividade no trabalho fantástico. É muito difícil você ter professor
que trabalhe cinco, seis, sete anos no mesmo colégio. São raros os
colégios que mantêm os seus professores. Eles estão sempre reciclando,
reciclando. Aí, eu perdi o emprego, fui mandada embora junto com
todo o corpo docente da escola em que eu trabalhava. Isso, a situação
estava..., a crise estava começando, né? Foi em 83, 84, por aí. Começou
a ficar difícil porque eu comecei a trabalhar já não era jovem e eles
estavam dando preferência para professor jovem. Aí, essa amiga que já
trabalhava lá na Casa Alfa, que era assessora da Lia, me chamou para
trabalhar com eles. Eu tive todo um treinamento para conhecer o
Programa, o trabalho que era feito pela Casa Alfa, para poder dar
treinamento e assessoria para as professoras – professora primária, de
1a a 4a série, do Programa.
Em Pedagogia..., era mais autodidata, porque a gente lia muito, a gente
discutia muito a respeito de Educação nessa época. Quer dizer, a
discussão sobre Educação era uma coisa que estava em pauta para
todos os professores sérios e comprometidos com o seu trabalho. Então
a gente lia muito, tinha grupos de estudo, tinha propostas, fazia parte do
Sindicato dos Professores – ou melhor, não era nem do sindicato, era da
ala anti-situação do sindicato, era um movimento de oposição. Havia
muito essa discussão no meio dos professores. Os professores estavam
muito preocupados com os rumos da Educação; enfim, com o que
estava sendo feito na Educação. Quando eu entrei na Casa Alfa o meu
treinamento foi mais específico em relação ao Alfa do que em relação à
Pedagogia, porque em relação à Pedagogia a gente tinha toda uma
formação – de leitura e de discussão – não formal, mas tinha.
Nesse trabalho na Abril, a gente dava treinamento para os professores,
para eles usarem esse material, que era o Programa Alfa, e depois fazia
o acompanhamento com os professores, discutindo com eles problemas
que surgissem nesse meio tempo na aplicação do material e outras
dúvidas que aparecessem pelo caminho. Nesse trabalho eu tive
oportunidade de conhecer muitas professoras por esse Brasil afora. A
gente atendia a quase todos os Estados que compravam o Programa. E
esse era um Programa caro, e era comprado pelos livreiros. Então, a
gente teve contato com muitas professoras. Aí, a Abril meio que fechou
a Casa Alfa. Sobraram eu, a Maristela e mais algumas pessoas. O
governo deixou de comprar – não sei muito bem o que aconteceu. Aí
acabei sobrando lá na redação, fecharam o resto da Casa Alfa, e eu
acabei “caindo” lá na redação, meio por acaso.
126

Antes disso, para aproveitar o pessoal que estava ali na Casa Alfa, o
Barros, que era um dos diretores naquela época, resolveu reeditar o
Vestibular – o Novo Vestibular – e me encarregou de tomar conta
disso. E foi um banho, porque eu não sabia nada na área editorial. Eu
tinha experiência pedagógica, eu não sabia como que era a edição, eu
não sabia quais eram os processos. O pessoal se divertia muito às
minhas custas, né? Porque falavam: “forca” – que forca o quê?! Essas
coisas que eu não tinha a menor idéia do que fosse. “Couchê” eu
achava que era “touché”.2 Foi um pega para capar mesmo. E o pessoal
que trabalhava nessa área, nessa época, me ensinou muito. E depois do
Novo Vestibular, veio a reedição do Literatura Comentada, que eu
também coordenei. Isto também foi..., reedição foi feita toda pelo
Pedro Paulo, pela PPP,3 mas coordenação e aprovação, essas coisas, eu
que fazia. Aí, o pessoal da Abril foi despedido, aquele mundaréu de
gente para fora. E eu liguei para a Cecília, que é a nossa editora-chefe,
para marcar uma entrevista, e ela ficou bastante interessada no meu
perfil, nesse conhecimento dos professores, nesse treinamento que
havia dado e nessa experiência, pequena que fosse, na área editorial.
Aí, comecei a trabalhar aqui.

 Rosiane Oliveira Silva, da FTD:

Bom, eu tenho formação em 3o grau, eu fiz Belas-Artes com


especialização em desenho. E durante a época em que eu estudava,
sempre prestei serviço para agências, na área de arte gráfica. Porque
como eu fiz Artes Plásticas, desenho em Artes Plásticas, então a
maneira de sobreviver, mesmo como estudante ainda na época, era
trabalhar com arte gráfica. A partir daí acabei me profissionalizando
mais nas artes gráficas do que nas artes plásticas, pela situação
econômica do país, e do mundo até, em relação à arte. Eu mudei para
São Paulo há oito anos – sou de Belo Horizonte –, e tinha trabalho já
fazendo ilustrações para livros didáticos. Eu cheguei e trabalhei um
tempo como ilustradora, até ir trabalhar em editora. Trabalhei antes na
editora Saraiva e depois vim aqui para FTD e continuo trabalhando
aqui. Então, é basicamente isso.

 Jaime Pinsky, da Contexto

Quando eu estava em Assis, na Faculdade de Assis, que faz parte da


atual Unesp [Universidade Estadual Paulista] (não era ainda Unesp, era
um instituto isolado), a Comissão Editorial que havia na faculdade
elegeu um trabalho meu, uma pesquisa minha para ser publicada. Não
havia uma editora, mas havia publicações da Faculdade, e esse livro ia
ser publicado pela editora, na gráfica Revista dos Tribunais. Só que
alguns problemas surgiram na elaboração, na produção do livro:
especificamente um problema que o revisor corrigia toda vez e eu

2 Forca é o final de um parágrafo que fica “sobrando” no alto de uma página. Couchê é tipo de papel.
3 Empresa de serviços editoriais, fundada por Pedro Paulo Poppovic, antigo diretor da Abril Cultural.
127

consertava a correção dele, foi muito curioso. Ele não aceitava a idéia
do nomarca do Egito, que é o dirigente do nomos; para ele quem dirigia
é monarca. Então, depois de cinco revisões, ele corrigindo o nomarca e
eu corrigindo o monarca, então pediram para eu vir a São Paulo para
ver as coisas. Eu cheguei a São Paulo e mostrei muito interesse por
aquela coisa editorial, achei muito bonito aquilo tudo, muito
interessante, muito fascinante, e a pessoa que cuidava da gráfica disse
que ele estava abrindo uma pequena editora e se eu não queira ajudá-lo
a montar, se eu tinha algum livro. No ínterim, eu estava terminando de
produzir, intelectualmente, um trabalho chamado Cem textos de
História Antiga, que se transformou num clássico. Eu, então, disse que
sim, que embora a Difel tivesse interesse em publicar aquele livro, eu
daria a ele. Aí, ele pegou o livro e depois perguntou se eu não queria
ajudá-lo também a montar. E, de repente, me vi como uma espécie de
editor da editora Hucitec. Só que a Hucitec era muito interessante do
ponto de vista intelectual, mas o dono dela e outra pessoa não eram
corretas. Não pagavam direitos autorais, não pagavam duplicatas,
criavam mil problemas, e eu acabei me afastando.
Mas ficou uma profunda vontade de mexer na área editorial, porque eu
sentia uma profunda insatisfação no meu trabalho intelectual da
universidade, achando que havia uma defasagem excessiva entre aquilo
que nós chamaríamos de “produção do saber” na universidade e, de
outro lado, a própria circulação do saber. Então, parecia que nós
estávamos de fato fechado numa torre de marfim, distantes de todo
mundo, produzindo um saber inteligente, e nós olhávamos aqueles
produtos que eram utilizados no 1o e no 2o graus com profundo
desprezo. Eu achava que a gente tinha que fazer uma aproximação, que
sem chegar nas bases a nossa produção intelectual perdia um pouco seu
sentido e que, por outro lado, sem o auxílio da universidade as escolas
médias teriam muita dificuldade de sobreviver – como de fato acabou
acontecendo.
Então, eu comecei a me aproximar, eu comecei a tentar escrever
algumas coisas para um público mais amplo. Deixei de escrever coisas
mais acadêmicas, digamos assim, e fiz uma mudança muito grande
quando publiquei o meu Escravidão no Brasil, que foi um livro que
hoje em dia é chamado de paradidático. Com isso, algumas editoras me
convidaram para ajudá-los a montar projetos. Aí, eu passei a sugerir
projetos também. Então, eu criei a coleção “História Popular”, da
Global. Posteriormente, criei a coleção “Discutindo a História” na
Atual. Ajudei o Caio Graco [Prado] a montar os projetos dele na
Brasiliense. Aí, com experiências nessas editoras a mosca editorial me
pegou de vez.
Eu já era professor universitário, acadêmico típico, mas, ao mesmo
tempo, eu passei a me dedicar bastante a meus textos e a textos de
terceiros e a bolar projetos. Em 1984, acredito, ou 1983, não me lembro
exatamente, o reitor da Unicamp, José de Aristodemo Pinotti, resolveu
criar uma editora da universidade e pediu para um professor para que
ele tentasse montar alguma coisa. E aí me pediram para fazer parte do
Conselho Editorial para montar a editora, e na dinâmica do grupo eu
acabei sendo indicado como primeiro diretor-executivo da editora. E na
Editora da Unicamp uma das linhas que eu procurei manter, contra
todos os projetos de outras editoras acadêmicas até então, era dar
atenção a um livro didático, porque com aquele potencial fantástico da
Unicamp era impossível que a gente não pudesse produzir coisas
128

interessantes. E propus, e conseguimos algumas coisas interessantes até


em termos de material didático para o ensino superior. Que dizer,
estimulamos os professores de Medicina para produção de livros e
textos de boa qualidade, não simples apostilas. Estimulamos gente da
área de Tecnologia de Alimentos, e começamos a ter livros voltados
para o ensino.
Nessa altura do campeonato, no decorrer da segunda metade dos anos
80, eu comecei a ficar assim muito desapontado com o meu trabalho na
universidade. Quer dizer, eu achava muito simpático o meu trabalho,
alguma aceitação, uma respeitabilidade, uma auréola de
respeitabilidade, mas achei que o meu trabalho estava muito distante
daquilo que eu queria tocar, que era mexer mesmo no processo
educativo. Que dizer, eu queria fazer o saber circular. Então, quando
houve uma mudança política na Unicamp, houve um novo reitor e eu
saí da editora, então com um grupo de amigos nós resolvemos abrir a
editora Contexto. E a editora Contexto saiu realmente com este
objetivo: de promover a circulação do saber, que é exatamente o nosso
lema. É mais ou menos essa a minha trajetória.

Dos originais ao livro

A rotina desses trabalhadores consiste em seguir, quase sem variação, as fases


de produção do livro descritas no capítulo anterior. Segundo Isabel Simões os
procedimentos são os seguintes:

Então, os originais chegam. Eles são avaliados em primeiro lugar pela


gerência editorial, que diz se o original tem possibilidade ou não.
Então, digamos, o original de História para o 1° grau chegou e o João
[Guizzo] diz assim: “Mas um não serve, precisamos de quatro
[volumes, um por série]”. Entra em contato com o autor, ele está
disposto a fazer, ele já tem o material. Muito bem, vale a pena investir.
O autor faz, os originais chegam. São passados para o editor-assistente,
que vai cuidar dessa coleção, ela entra no cronograma. Uma conversa
com o João e editor-assistente, eles decidem, estabelecem a cara do
livro, o projeto. Daí, o editor-assistente e o João, eles vêem que
trabalho é necessário naquele original. Agora é feita a leitura crítica
daquele livro. Depois, vamos ter que completar esse original. Esse
original está longo demais, está mal escrito, precisa de um redator,
vários redatores, o autor não fez o mapa, não fez o esquema. Entramos
em contato com quem faz isso. E o trabalho editorial se desenvolve daí
por diante no bate-bola com o livro.
Então, o livro é submetido a todas as tarefas, que são necessárias dentro
da redação, preparação – copy e preparação até o texto ficar
redondinho. Copy e preparação são separados. Porque o copy é muito
profundo, é a redação. A preparação é a padronização, mesmo aquele
copyzinho de leve na última leitura. Pesquisa de textos adicionais,
boxes, complementos. Sugestões de leitura. Trabalhos em classe. Livro
do professor. Exercícios. Essas pesquisas de textos adicionais,
dependendo do autor, do tipo de autor, e do tempo que ele tiver
disponível – e quando for fácil conseguir isso dele, a gente pede que ele
129

faça. Ele faz e daí volta novamente para nós copidescar, ou isso pode
ser dado para freelancer, mas muito freqüentemente é feito pelo
próprio pessoal daqui. Daí se faz a pesquisa iconográfica, a pesquisa
cartográfica, se houver. O autor manda, se não manda a gente faz ou
então pede para alguém fazer.
Tendo esse original prontinho com tudo – isso demora: coleções com
quatro volumes com quatro cadernos demoram dois ou três anos.
Porque é muito longo mesmo. Aí vai para a produção de arte, faz-se o
projeto gráfico; em geral o projeto gráfico é feito a partir do texto e não
ao contrário, a não ser os livros paradidáticos, que já têm um projeto
que foi feito no início. Na arte é mais ou menos a mesma coisa que se
faz na redação. Quer dizer, há os editores de arte, os auxiliares, faz-se o
trabalho de projeto, de diagramação – agora é tudo eletrônico. Depois
fotolito, depois gráfica: em geral, um ano de trabalho nessa etapa.

Na FTD, o processo descrito por Helena de Brito é, na prática, idêntico:

Eu recebo os originais que nos chegam. Analiso esses originais. Se a


gente percebe que eles têm um brilho, coerência, consistência, então a
gente faz uma análise mais profunda, sugerindo modificações,
sugerindo linhas que não foram abordadas. Manda de volta para o
autor, o autor refaz esse original, envia para gente de novo. Se for o
caso, a gente repete o processo, volta para o autor de novo, ele envia
para gente. Em alguns casos, a gente percebe que nem sempre os
autores conseguem passar daquilo que eles deram. Então, a gente faz as
modificações necessárias, faz os acertos necessários, e manda para o
autor para ver se ele concorda ou não com aquilo. Nesses casos em que
a gente percebe que o autor não tem condições de ir além daquilo que
ele já deu, no geral eles aceitam, porque eles percebem que melhora,
mas não são capazes de fazer por eles mesmos.
A partir daí a gente faz a edição. Então, linguagem, melhora um
exercício ou outro, manda para o pessoal de preparação, que faz
normalização, a padronização do texto. A gente determina, por
exemplo, subordinação de títulos e divisão, essas coisas todas. Aí, vai
para nossa arte, aqui. E o pessoal da arte, então, faz um projeto, traz, a
gente discute o projeto, se está de acordo, se não está de acordo, se
cabe ou se não cabe, e daí eles tocam para frente. No caso de 1a a 4a
série, a gente faz análise das ilustrações, também. Bom, aí o livro fica
pronto, a gente dá uma espiada na diagramação. Aí, volta para revisão
para ver se não passou pastel [erro], se não passou coisas
incompreensíveis que, nesse meio tempo, a gente tenha deixado passar.
Aí, filme, ciano4 e vai para frente.

O ciclo completo de maturação, como esclareceu Isabel Simões, é


extremamente demorado. Fala a respeito Lizânias de Souza Lima:

O espaço médio entre a chegada de um original e o momento em que


ele vai para gráfica imprimir, a gente podia calcular em um ano e meio.

4 Ciano = prova cianográfica, isto é, uma prova do livro feita em cor azul (cian) para a última revisão,
antes da impressão.
130

A coleção de 5a a 8a série, nunca menos de dois anos. O trabalho


editorial, então, é o trabalho que mais demanda tempo para editora. E o
tempo que menos ocupa uma editora é o momento da impressão e
montagem do livro. Então, o período maior da elaboração e produção
de um livro – além, logicamente, da parte do autor em escrever – ele
vai bem uns dois anos.

Na área de Wilma Silveira Rosa de Moura não é diferente:

No meu caso, eu tenho, em geral, planejamento para dois anos. Então,


assim, este ano [1996], eu já estou pensando nas coisas que eu vou
fazer para 99 e para 98. Atualmente, a gente faz o planejamento junto
com o departamento comercial. A gente faz uma avaliação anual das
vendas. Vê o que aconteceu. Vê a nossa posição no mercado perto dos
concorrentes. Tenta descobrir o que no concorrente deu certo que
ocupou nosso espaço, ou que abriu um espaço novo, tenta criar os
nossos espaços, mas também ocupar o espaço deles.

Na Contexto não há espaço físico em que caiba tantas atividades. Mas essa foi
a opção tomada, explica Jaime Pinsky:

Nós temos uma estrutura mínima, nós terceirizamos tudo nessa editora,
não temos nem revisores aqui dentro da editora, ninguém. Então, temos
normas de revisão, normas de copidesque; enfim, temos normas
escritas que são orientações para as pessoas que trabalham com a gente.
Essa é a primeira diferença substancial [em relação às grandes
editoras]. Com isso, nós eliminamos custos fixos e deixamos de ter a
necessidade que as grandes editoras têm de produzir x novidades por
ano. O ano passado [1995], por exemplo, não produzimos quase nada.
E acertamos. Diminuímos os nossos estoques etc. Quer dizer, nós
temos o controle sobre o conjunto de coisas muito maior, desde a
produção intelectual até a circulação final, a gente tem um controle
muito grande, os contatos são muito próximos. Embora a editora seja
um pouco maior do que ela aparenta, ela é pequena ainda, é uma
editora pequena. E isso me permite uma vantagem comparativa:
pessoalmente eu leio todos os originais, sem exceção. Quer dizer,
aquilo que aconteceu lá na Ática, no livro do Jobson, não tem
absolutamente nenhum perigo de acontecer aqui. Pessoalmente eu faço
questão, eu leio tudo. Eu gosto de fazer isso. Eu leio todos os originais
do que a gente publica. Eu não leio todos os originais que chegam. A
gente recebe os originais, manda fazer leitura; enfim, aquela coisa toda.
O resto, o sistema de produção é idêntico.

O editor diante do autor

Ao que parece, não há regra para recrutar autor. Os originais chegam à mesa
do editor de várias maneiras. Como João Guizzo explica:
131

Ao se falar em livro didático há o problema de autoria, problema de


encontrar autores capacitados, autores em condições de produzir
material bom, material sério, material de qualidade. Esse é um
problema..., um dos maiores problemas que nós enfrentamos. Os
autores são recrutados, vamos dizer assim, de maneira até certo ponto
aleatória, como aparece, através do conhecimento que a gente tem, via
consultoria que se faz com ele – um bom consultor, um bom leitor
crítico, ele acaba se tornando autor, acaba normalmente sendo
convidado para escrever. E alguns aparecem na editora oferecendo
material que rascunharam, que elaboraram, perguntam se poderiam
publicar, e a gente orienta e assim acabam se tornando autores.

Muitos originais chegam por correspondência, afirma Helena de Brito:

As pessoas ligam e querem mostrar o material. Ou então enviam pelo


correio. Ou no caso de não morarem aqui em São Paulo e serem de
outros Estados, elas entram em contado com as filiais, com os
divulgadores, e entregam para eles. E é bastante material. Há épocas
em que a gente fica com quantidade de originais para análise tão grande
que tem que dar uma parada e analisar tudo para botar em dia. Mas às
vezes a gente encomenda também. Quando a gente quer uma obra com
tais e tais características que o mercado está precisando, a gente já tem
os autores.

Segundo Lizânias Souza de Lima, alguns desses autores por encomenda podem até
ser remunerados previamente:

Outra origem do original – origem do original é bom, né? – é quando a


editora elabora internamente um projeto editorial, e com base nesse
projeto ela tenta encontrar os autores que seriam capazes de executar o
projeto. Sendo assim, a editora, às vezes, é obrigada até a contratar
temporariamente o autor. Contratar entre aspas, quer dizer, adiantar
dinheiro, para que o autor execute esse trabalho. Isso é quando o
projeto é feito pela editora e se vai atrás do autor com o projeto pronto.

A quantidade de originais recusados é bastante elevado, diz João Guizzo:

Olha, de cada dez originais, didáticos, tipicamente didáticos, se um é


publicado é muito. Porque nós recebemos muito material para ser
publicado, mas que não interessa para gente. Mas se a gente percebe
que num desses materiais existe por trás um talento, uma grande
cabeça, alguém realmente capaz de produzir uma coisa boa, a gente
redireciona esse talento para o objetivo que a gente quer, para produção
de um texto didático.

Por que “não interessa”? Segundo Helena de Brito – que trabalha com livros de
Português, sempre contendo textos para leitura – muitos originais são inadequados:
132

A gente não aceita adaptação de textos, porque eu nunca encontrei uma


adaptação bem feita – a não ser pelo próprio autor do texto que adapta
ou outro escritor de literatura que tenha feito a adaptação, mas no geral
são... E outra coisa que a gente não aceita são os cortes de textos, quer
dizer, vai recortando o texto até ele ficar pequenininho, tirando um
monte de partes. Chega a acontecer de mudar o ponto de vista do texto.
Isso a gente tem muito cuidado, com adequação de linguagem,
adequação de temas e essas preocupações de, claro, não haver
preconceito.
Não conter informações erradas, também, é uma preocupação que a
gente tem – informações erradas não só da área de Línguas, mas de
outras áreas. Uma coisa que acontece com bastante freqüência – pelo
menos nos originais que eu analiso – são informações erradas de
Ecologia, de Biologia, de História. Por exemplo, as crianças estão
sempre mandando cartas para o prefeito, para o governador, para
resolver um problema de lei. Então, tem que chamar a atenção de que
não é bem o Executivo que vai cuidar disso, é o Legislativo. Aqueles
textos horrorosos em que o passarinho cai do ninho, a criança vai lá
bota no ninho: isso é mentira! Se a criança, se qualquer ser humano,
puser a mão num passarinho ou no ovo, e botar no ninho de novo,
acaba, acabou, não tem mais passarinho, nem mais mãe de passarinho,
nem coisa nenhuma! Isso é besteira, é bobagem! Então, essas coisas
que aparece, a gente está sempre ligado, para não ter informação
errada. Não pode! Não pode, mesmo!
Uma outra preocupação que eu tenho, que é bastante grande: de repente
apareceu uma onda ecológica, né? Então, fala-se do desmatamento da
Amazônia, da queimada da Amazônia. Criança de 1a a 4a série não tem
a menor interferência nisso. É você trazer para ela uma angústia com a
qual ela não pode lidar. Você tem que tratar a ecologia no nível da
criança. Tá certo que tem queimada, sim. Mas não vá perguntar para ela
o que ela vai fazer a respeito da queimada. Nada, coitada! Não vai fazer
nada! O que ela pode fazer é não desperdiçar papel, não desperdiçar
lápis. Enfim, qual é a atitude efetiva que uma criança de 1a a 4a série
pode ter em relação ao meio ambiente? Não adianta só jogar o
problema ecológico sem dar um encaminhamento possível – ou enviar
uma carta ou visitar o SOS Mata Atlântica, conhecer o trabalho, fazer
uma pesquisa. Enfim, uma coisa mais consistente, que não fique só no
“falamos disso”. Falar não resolve nada, especialmente porque é muito
grande para criança de 1a a 4a série. E só traz angústia. E se traz
angústia, ela afasta direitinho.

Evidentemente, a relação entre o autor e o editor é marcada por muitas


tensões. É ainda Helena de Brito que narra:

Se é autor de primeiro livro é difícil, sim. É difícil porque é muito


difícil receber crítica ao seu texto, ao seu trabalho escrito, e o professor
de Língua Portuguesa acha que sabe escrever. Então, quando ele recebe
uma crítica à sua linguagem, ele fica muito doído, e dói mesmo. E dói
mesmo! Até a gente se acostumar e criar calo, dói muito. Então, esse
primeiro contato tem que ser muito cuidadoso, porque se a crítica
passar do ponto, a gente consegue é bloquear e ele não escreve mais.
Não vai nem para frente nem para trás. Então, tem que ser muito
133

delicado, muito cuidadoso, porque a gente pode frustar um autor que,


se for devagarzinho dá um excelente autor.
Quem está escrevendo se envolve muito, e aí falta o distanciamento
para perceber problema de seqüência, problema de estrutura. Então,
essa é análise que a gente faz, nesse primeiro momento, para chamar
atenção para essas coisas. E se é um autor antigo, que já tem dois ou
três livros publicados com a gente, a coisa é mais rápida, porque a
gente pode ser mais objetivo, mais brusco, mais seco. E o trabalho flui
melhor. Mas se é autor de primeira viagem, tem que ser muito
devagarzinho, e aí a coisa é mais lenta.

A respeito da relação com os autores, Lizânias de Souza Lima chega a propor


uma curiosa equação:

A minha experiência ensinou o seguinte: geralmente o autor bom, ele


dá mais problema de você mexer no texto dele do que o mau autor.
Vamos entender, aqui, o que a gente chama de bom autor e mau autor.
Bom autor significa o seguinte: o autor que tem muita personalidade; o
texto é muito pessoal. Quer dizer, ele produziu... Porque no livro
didático há muita imitação. Se um livro fizer sucesso no mercado, o
outro tenta fazer na mesma linha. Então, às vezes, você tem um texto,
não saiu das entranhas do autor, ele saiu mais como a tentativa de você
colocar um livro no mercado que fizesse sucesso. Então, você mexe no
livro desse tipo de autor e, como o livro não é um filho dele, que ele
ama, estima, você mexe e ele não acha ruim. Porque você está,
inclusive, dizendo: “Olha, isso aqui o professor vai achar ruim”. E o
autor, quando o texto surgiu das entranhas dele, ele fala: “O professor
vai achar ruim, dane-se o professor. Eu acho isso, eu quero que... Não
admito que seja diferente disso”. Então, geralmente o autor, quando
tem muita originalidade, geralmente é mais cioso da forma original do
seu texto, Então, às vezes, ele briga por uma palavra. Os outros, não.
Os outros já deixam você reescreve o livro e acham que está bom – e
assume a paternidade do livro sem muito problema.

Apesar de tudo, o que os editores constatam é o surgimento, gradativo, de uma


consciência profissional por parte dos autores. Afirma Isabel Simões:

Cada vez mais – agora que já se foram 20 anos dessa política [editorial]
– já há uma série de autores que estão acostumados, que já estão
melhor entrosados com essa forma de trabalhar. Há maior
profissionalização do autor.

João Guizzo concorda:

Eu acho que há uma evolução sim. Há autores que a gente nota que vão
evoluindo, vão se aperfeiçoando e, depois de alguns anos, se dedicam
praticamente a essa tarefa de produzir, de reformular, reciclar material,
readaptar e manter o material sempre vivo, sempre atualizado.
134

Bem entendido: maior profissionalização do autor não significa que haja cada vez
mais textos intocáveis. O copidesque continua sendo uma exigência se se pretende
que os livros de uma coleção sigam um padrão homogêneo. Profissionalização do
autor então significa maior conhecimento e aceitação, por parte do autor, dos
procedimentos editoriais, que, por sinal, estão especificados no contrato. Explica
Isabel Simões:

Em geral, os autores sabem, isso é condição para assinar um contrato:


que o original deles vai ser trabalhado pelo editorial e que o editorial
vai mexer na linguagem, isso sim, e que eles vão ser exigidos para
trabalhos adicionais. Isso está em contrato e nos contatos preliminares.
Então, eles vêm para cá sabendo disso. Agora, como isso é feito é bate-
bola diário, e nós temos desde autores que não criam problema
nenhum, que são extremamente disponíveis, que entendem bem o
processo, que conversa mesmo..., que é uma decisão de duas mãos, um
diálogo; até aqueles que criam caso e que aí a gente toma as medidas...,
toma as decisões que vão aparecendo.

Profissionalização do editorial

Profissionalização é um processo pelo qual passaram também os trabalhadores


em editoras. Sandra Almeida analisa:

A situação mudou. Entra o fator tecnológico... Acho que de modo geral


mudou. Você tem uma preocupação maior com prazos, uma
preocupação maior de chegar ao mercado em tempo, porque chegar
com produto maravilhoso fora do tempo você não vai ter condição de
venda. Eu diria assim profissionalizou-se mais. Hoje se pensa de um
modo bastante conseqüente: antes a gente muitas vezes tomava um
posicionamento muito nefelibata, muito fora do..., nas nuvens
completamente; agora se tem realmente uma preocupação mais com
mercado, uma preocupação maior com prazos, com tudo isso.

Wilma Silveira Rosa de Moura relembra a época em que começou a trabalhar


com os didáticos:

Os autores eram ainda muito inexperientes. E a gente começou, então, a


mexer com esses materiais. O nosso trabalho era um trabalho de
refazer. O que fazíamos aqui era pegar um original e transformar num
outro livro e mostrar para o autor uma outra coisa que não era aquilo
que ele tinha feito. Isso nos trouxe experiências fantásticas e problemas
homéricos também. Porque nós começamos num grupo em que texto
realmente não era problema. A gente era capaz de escrever qualquer
coisa – e isso foi a Abril que nos treinou. A gente trabalhava assim: a
135

gente fazia aquele copy, reescrevia o material, propunha uma nova


estrutura, propunha material para complementar o trabalho e pesquisa.

De acordo com João Guizzo, a Ática foi pioneira em introduzir copidesque na


produção de livros didáticos:

Eu acho que a Ática teve também o mérito de inovar no sentido de


introduzir o chamado copidesque, a figura do copidesque, a figura do
profissional do texto, que retrabalha o texto do autor, que procura fazer
com que o texto do autor, a linguagem seja adequada do ponto de vista
não só de correção gramatical, mas do estilo de comunicação, que ela
seja adequada ao aluno, ao público-alvo. E a Ática é que introduziu
esse elemento na linha de produção do livro. E desses tempos pioneiros
para cá houve apenas um aperfeiçoamento desse processo, porque o
copy continua, ele continua existindo, tendo um papel preponderante.

Guizzo também constata a profissionalização no cuidado com as ilustrações:

Houve uma complexificação, porque passou a ter peso importante o


profissional, por exemplo, de pesquisa iconográfica. Hoje temos aqui o
profissional que faz só pesquisa iconográfica, que se encarrega de
buscar, de pesquisar, buscar e comprar materiais iconográficos –
basicamente fotos, ilustrações – para serem utilizados nos livros
didáticos. O trabalho de preparação do original também, lógico,
evoluiu muito; ele evoluiu porque passou-se a fazer uma edição de
texto muito bem cuidado, paralelamente uma edição de imagem, em
paralelo uma edição de mapas, uma edição cartográfica.

Um possível índice para verificar o grau de profissionalização pela qual


passou a produção editorial é a leitura do expediente – parte do livro geralmente
situada no início, antes mesmo do sumário, na página par (lado esquerdo), em que são
relacionados os nomes de todas as pessoas que participaram da produção daquele
livro e suas respectivas funções; muitos denominam erroneamente de “crédito”. Pode-
se constatar então a extrema diversificação de cargos e funções e a variedade do
pessoal neles envolvido. Eis alguns exemplos de expediente, tomados ao acaso,
apenas transcrevendo os cargos e as funções mencionados:

Português: leitura e expressão (6ª série), de Cristina M. Bassi e Márcia


Leite (Atual): Editora; editora de campo; coordenadora editorial;
chefe de preparação de texto e revisão; preparação de texto;
revisão; chefe de arte; coordenadora de arte; assistente de arte;
diagramação; gerente de produção; produção gráfica; projeto
gráfico; ilustração; capa; composição; e fotolito

Atlas. História do Brasil, de Flavio de Campos e Miriam Dolhnikoff


(Scipione): Diretores; gerência editorial; responsabilidade edito-
136

rial; assistência editorial; gerência de produção; revisão (chefia;


assistência; preparação; e revisão); arte (chefia; coordenação,
assistência; capa; miolo; ilustração; cartografia; e pesquisa
iconográfica); coordenação de produção; composição e arte-final
(coordenação geral; coordenação de arte-final; composição; e
arte-final); e impressão e acabamento.

Sartre: é proibido proibir (col. Prazer em Conhecer), de Fernando José


de Almeida (FDT): Coordenação editorial; setor de Filosofia;
coordenação de revisão; edição de arte e projeto gráfico;
produção e diagramação; capa; ilustração; coordenação de arte-
final; arte-final; e assistente de produção.

Matemática. Volume 1 - Versão Beta, de Edwaldo Bianchini e Herval


Paccola (Moderna): coordenação editorial; preparação do texto;
revisão; edição de arte; capa (inclui crédito da foto); pesquisa
iconográfica; ilustrações; editoração eletrônica e fotolitos;
coordenação do PCP [?].

Os incas (col. Povos do Passado), de C. A. Burland: Tradução;


adaptação para a edição brasileira; editor; diagramação;
ilustradores; consultora; consultoria para a edição brasileira; e
fotografia.

Este último livro é um “enlatado” e, vê-se na capa, foi selecionado “para o Programa
Sala de Leitura/Bibliotecas Escolares. FAE/INL”. No caso, o profissionalismo da
editora – mas não necessariamente a competência – mede-se pela presença (ao menos
no expediente) de uma pessoa encarregada de “adaptação para a edição brasileira”, o
que inclui a verificação da existência ou não de “similares nacionais” para topônimos,
obras citadas etc., além da alteração de trechos do texto que façam referência a
situações e hábitos do cotidiano do país em que o livro foi originalmente produzido e
que possam ser incompreensíveis para o “leitor médio” brasileiro.
Expedientes de dois livros da mesma coleção, publicados em tempos
diferentes, fornecem um exemplo da evolução da profissionalização. O Renascimento,
de Nicolau Sevcenko, faz parte da coleção “Discutindo a História”, da Atual, e foi
publicado em 1985 (na época, em co-edição com a Editora da Unicamp). Em seu
expediente aparecem apenas os nomes dos responsáveis pela capa, fotos e mapas. A
obra O Apartheid, de Marta Maria Lopes, da mesma coleção, já é de 1990, e o
expediente é bem mais volumoso: editor; assistentes editoriais; preparação de texto;
revisão; diagramação; arte; produção gráfica; projeto gráfico; fotos; mapas;
composição; fotolito. Não que não tivesse havido na edição de 1985 preparação de
texto, revisão, diagramação etc., mesmo porque essas atividades são intrínsecas à
137

produção de qualquer impresso. A diferença de uma edição para outra é a


conscientização, por parte da editora, de que essas funções e o nome dos responsáveis
por elas deveriam constar do expediente – o que é também um sintoma da
profissionalização. Por fim, é sinal de profissionalismo a inclusão, no expediente ou
em seções apropriadas, de referências às obras alheias citadas, do crédito das fotos e
ilustrações e do nome de seus autores etc., ou seja, a menção a todos, literalmente
todos, que direta ou indiretamente tiveram participação na execução de um livro.

Uma cultura profissional

Outro indício da profissionalização do editorial de livros didáticos e


paradidáticos é a edição de arte – o que faz desses livros a “disneylândia pedagógica”.
Wilma Silveira Rosa de Moura faz relato sobre a integração que foi se construindo
entre a editoria de texto e a de arte:

A arte era separada. Nós tínhamos dois departamentos de arte isolados.


Era uma maneira muito horrorosa, horrorosa mesmo! A gente fazia um
original. Você imaginava quem era o seu público, imaginava para quem
era o seu livro, pensava numa cara para ele, fazia todo o texto pensando
naquilo e mandava para o departamento de arte. Daí, você ia ver esse
livro pronto, na hora de liberar a arte-final, com todas as ilustrações
prontas, com o projeto gráfico... Imagina que discutir um projeto
gráfico..., mas nunca que passava pela cabeça! Os artistas eram Os
Artistas, eram os iluminados e nós não entendíamos nada dessa área e
só criticávamos, também. Quer dizer, não havia..., mas eram meio
cultivadas essas coisas... E a gente tinha surpresas, de vez em quando
você tinha surpresas, às vezes, agradáveis, às vezes, desagradáveis.
Faz muito pouco tempo que a gente trabalha de uma maneira mais
orgânica, que vê o livro de uma maneira mais inteira. Há alguns anos,
ainda existia o departamento de arte separado, mas a gente já discutia
projeto gráfico, pelo menos, a gente soltava alguns palpites quanto ao
tipo de ilustração, traços, caminhos da cara que a gente queria ter. A
gente trabalhando de uma maneira realmente participativa, e que o
editor passou a ser responsável pelo material que ele editou, está
fazendo dois anos. É a segunda programação que nós estamos
fechando, em que a gente realmente é responsável pelo material editado
na Ática. Antigamente, a gente ainda podia se arriscar. Hoje em dia,
claro, às vezes, as coisas acabam não dando certo. Mas muito menos
espaço para essas tentativas e erros. Você tem que acertar, a gente é
cobrado para aquilo. Muito cobrado.

A edição de arte nos livros didáticos, deixou de ser mera “arte”, enfeite só para
embelezar o produto – ao menos para alguns profissionais do setor. Rosiane Oliveira
Silva, editora de arte da FTD, explica:
138

Eu tenho sempre um encontro com o autor, para saber qual é a


expectativa dele com essa obra. Essa reunião é sempre junto com o
editor-assistente, que trabalhou o texto, a edição do livro. Então, eles já
me passam uma boa parte do que trata a obra. E aí eu vou folheando,
sabendo quais são as seções do livro, qual é o nível de ritmo, de
repetição, como elas acontecem. O texto, a questão do peso de cada
texto, quando é um texto de leitura oral, de leitura escrita, entendeu?
Então, a gente toma conhecimento da estrutura e, conforme a
necessidade, eu vou lendo para saber do que se trata.
Da pré-escola à 4a série é uma linguagem mais infantil mesmo, porque
eles ainda têm entre três e dez anos. Então, você tem que adequar o
visual à expectativa deles. É tentar mesmo, porque é impossível você
chegar na expectativa do outro, principalmente criança, porque eu acho
que o mundo deles é ainda muito mais livre do que o da gente. Da 5a a
8a, que é com adolescente, então é essa coisa de tentar mesmo adequar
a isso, à expectativa, ao modo adolescente. Então, é uma expectativa
mais do comportamento, que é uma coisa que você observa na rua, na
escola, no convívio que você tem com essa faixa etária. E o 2o grau que
é aquele que já está quase se tornando um adulto, então não dá para
você ter a mesma linguagem de uma 5a, 6a, 7a série. A 8a já fica mais ou
menos nessa passagem entre 1o e 2o grau. O de nível secundário eu
nunca trabalhei.
Por exemplo, a tipologia. Ela diferencia muito, porque da 1a a 4a você
tem que usar um pouco maior. Uma letra mais limpa. Geralmente ela
não tem serifa, porque eles ainda tem dificuldade de leitura,
principalmente na 1a e 2a série. Então, a letra, quanto mais redonda, o
acesso à leitura é mais rápido, é mais ágil. De 5a a 8a, você pode já
sofisticar mais um pouco, em termos de tipologia, o corpo vai ser
menor porque eles já têm uma leitura mais corrente, não têm tanta
dificuldade da assimilação do ler, como da 1a a 4a.
As ilustrações também, assim..., da 1a a 4a elas são mais infantis
mesmo, embora não precisa ser uma leitura do bonequinho, como é
muito habitual. E os ilustradores, quando a gente senta para discutir,
são esses os valores colocados: “Olha, a criança aqui tem sete anos...”.
Como, então, fazer um desenho para esse tipo de livro? E aí também
tem que levar em conta se é um livro mais conservador, se é um outro
método mais ousado, diferenciado, ou não. O texto também implica
muito.
Na cor, de 1a a 4a a noção deles de cor ainda é muito primária, ainda
está muito centrada dentro do amarelo, azul e vermelho, sabe? E já de
5a a 8a você já enxerga um pouquinho mais. Não que não use,
entendeu? De 1a a 4a usa, sim, várias complementares, mas pode usar a
primária e vários outros recursos. Há o preto e o branco também, isso
chega a acontecer muito e eles visualizam muita cor na escala de cinza.
E aí, também, torna uma coisa gradativa. Geralmente, o segundo grau é
assim: ou você trabalha com a cor, sem parâmetro, ou um preto e
branco também, mas aí já é uma forma um pouco mais sofisticada, no
sentido do adulto.
A tarja, até que ponto ela facilita ou dificulta a leitura? Então, de 1a a 4a
você usa muito menos. De 5a a 8a você já usa mais. E no segundo grau
você já usa não só a tarja, mas você usa muito mais boxes, porque eles
são capazes já, quer dizer, já que são adultos; então, você vai lendo e
assimilando. De 1a a 4a o box é uma coisa muito rara, geralmente é uma
página que vai ao longo da mancha da página, para ter uma leitura mais
139

eficiente, mais ágil, que elas entendam melhor. Porque se você coloca
tudo muito partidinho vai tornar muito difícil.

Tais noções, no entanto, não se aplicam indiscriminadamente para cada faixa


etária. Dependendo da disciplina a que se refere o livro, toda a arte tem de ser
repensada. Explica Rosiane Oliveira Silva:

Por exemplo, você fala de uma barata. Quando você ilustra um texto
que conta da barata, essa barata pode ter a fama que você imagina que
ela tem. Agora em Ciências, não. Ela só pode ser uma barata: ela tem
que ter as perninhas tal qual a barata, ela tem que ter a cor da barata.
Matemática, por exemplo: difícil para mim, eu acho difícil trabalhar,
colocar o visual. Como a gente ainda está muito viciado, de que em
Matemática é dois e dois e pronto, então, qualquer coisa que você faça
a mais já não pode. Mas eu acho que isso é uma questão pessoal,
profissional, porque têm outras pessoas que já adoram fazer
Matemática, Física, Química, que trabalham com mil fórmulas.

A subordinação da arte aos objetivos de ensino e aprendizagem não é uma


tarefa exclusiva da editoria de arte, mas faz parte da preocupação do próprio editor,
como havia afirmado Wilma Silveira Rosa de Moura. Helena de Brito também sabe
que tipo de ilustração é apropriada para cada faixa etária:

No caso de 1a a 4a série, a gente faz análise das ilustrações, também. É


aquela história de figuras partidas: criança de 1a série nem sempre
entende metade da figura, pedaço de gente como eu chamo: bota um
joelho lá, uma unha, criança não sabe o que é isso, não. Uma bota para
dizer que é a perna, que é uma pessoa – não, criança não entende isso.
A gente acompanha muito de perto para ver também se não há
preconceitos nestas ilustrações, porque já no texto a gente tira tudo
isso. Então, preconceito contra mulher... – e eu estou numa batalha
particular e isolada, me parece, em relação a preconceito contra as
pessoas de idade. São sempre caquéticas, são sempre esquecidas, são
sempre meio idiotas, né? Então, essa é uma batalha..., mulher, negro,
enfim, esses preconceitos, que, de repente, aparecem na ilustração e
que você tem que estar muito atento..., mulher de avental, chinelinho,
avó com aquela cara de caquética, o avô mesmo com cara de caricatura,
sabe? Aí, a gente tem que tomar muito cuidado mesmo. Essa diferença
entre menino e menina, predeterminar quais são as preferências de um
e de outro, ou seja, a menina de boneca, e o menino de bola; a menina
na cozinha, e o menino fora. Por quê? Essas coisas mudaram faz muito
tempo, né? Não refletem a realidade.
Uma outra preocupação que a gente tem é em relação a..., é uma coisa
engraçada: aparecem as famílias estabelecidas, pai, mãe, avô, avó e os
filhos. Tudo muito direitinho, o que também não reflete a realidade.
Muito pelo contrário. E acaba criando problema em sala de aula,
porque a criança que não tem aquela família-padrão que é apresentada,
ela fica muito mal. Ela sente porque, afinal de contas, família é assim.
Não, não é. Não é, não! Família é qualquer grupo que conviva e que
140

cuide um do outro e da criança! Enfim, essa preocupação a gente tem


muito, para retirar esse tipo de coisa.
Outra batalha particular minha, também, é fazer com que a criança
tenha espaço para escrever. A minha letra é enorme e eu não consigo
escrever em formulário nenhum e em nada dessas coisas prontas, sabe?
Não cabe, não cabe! Então essa preocupação de deixar espaço para
criança, essa é uma preocupação que eu tenho também.

Também Lizânias de Souza Lima:

A ilustração..., por exemplo, se você coloca daqui para cima [da cintura
para cima], criança pequena não entende isso. Ela pensa que ele é
aleijado. Então, você tem que colocar as pessoas inteiras. Então, a
caricatura, por exemplo, é um humor muito refinado. Não adianta você
colocar para criança. Ela não entende. Então, os livros têm que ser
cuidados nesse nível. A ilustração tem que estar muito clara. Ela não
pode estar..., por exemplo, sugerir para criança: “você fala isso, ela
continua”. Para criança pequena não adianta.
Ou então exercício em que o enunciado começa numa página e vai na
outra. Não pode! O exercício começa na página e tem que terminar
aqui, para criança pequena. O tamanho da linha de escrever: tem que
deixar uma paginona assim. Inclusive, para pré-primário, tem que usar
[papel de] 90 gramas. Não adianta, tem que usar 90 gramas: não tem
essa de ele escrever só levezinho, se ele quiser, mete o lapisão mesmo.
Então, existe toda essa coisa que precisa ver, que as editoras foram
adquirindo aos poucos.

Todos esses conhecimentos, ao que parece, fazem parte de uma certa cultura
profissional. Em outras palavras, eles não foram adquiridos de um modo
“acadêmico”, pela leitura, por exemplo, de obras de psicopedagogia sobre legibilidade
e inteligibilidade. Não constituem ciência, mas um savoir-faire. Rosiane Oliveira
Silva afirma que esse saber foi se formando mediante “tentativa-e-erro”. E acrescenta:

E trabalhando. Muitas vezes essas estatísticas que eles dão: “Olha, o


livro está sendo muito aceito assim, assim...”. Ou análise de
profissionais, que trabalham direto com as crianças, que dão um
retorno: “Olha, foi bem aceito por isso, por isso...” ou “não foi bem
aceito, por isso, por isso..., questionaram o livro”. Geralmente, de 1a a
4a o retorno é de muito mais dados visuais do que de texto. E de 5a a 8a
já é..., eles falam da imagem, mas falam muito do texto, também. Se
gostam ou não. Agora, a criança tem o texto, mas o visual é uma coisa
que conta muito.

Sandra Almeida também confirma a hipótese de uma cultura profissional própria,


embora não descarte a possibilidade de que na origem tenha havido leituras e estudos
de natureza mais científica:
141

Quase todos nossos artistas gráficos se preocupam, por exemplo, em


colocar os materiais, na página direita acima ou abaixo, quer dizer, a
página da esquerda você reserva para outras coisas. Você coloca
ilustração na da esquerda... Isso já esta meio absorvido por uma cultura
editorial, hoje isso já é meio regra, um editor já está meio que sabendo
disso, isso é meio bê-a-bá. Quer dizer, a leitura [de obras científicas]
ficou por tabela incorporada.

Lizânias de Souza Lima, ao contrário, diz que fez estudos específicos, mas não
fornece muitos detalhes e logo muda de assunto:

Há uma pessoa chamada Paulo Bernardo, que é da Universidade


Federal de Belo Horizonte, que trabalhou para gente muito tempo. E a
gente leu as obras dele, em que ele fala tudo isso: porque que tem que
ser o corpo tal, uso de cores etc. A gente, na medida do possível, a
gente tenta manter uma consultoria – porque, antes, a nossa consultoria
era mais professor, era quase mais uma pesquisa de mercado. Vamos
supor: três professores, os três gostaram; e a gente percebeu que não
adianta só gostou ou não gostou. Quer dizer, você precisa também ter a
análise de um especialista.

Isabel Simões reforça a idéia de uma cultura consolidada, que pode até mesmo
ter tido origem em livros, mas que ninguém mais lê:

Tamanho do corpo para leitura, cor de papel, tipo – isso é uma tradição
antiga. Quer dizer, mesmo quando não havia grupos editoriais, só havia
o editor, o seu autor e a revisão, já havia um certo consenso. E há uma
literatura internacional sobre isso: textos corridos para você ler tem que
ser corpo serifado, pequenos textos podem ser sem serifa. Existem
estudos, sim..., mas são tão antigos e tão consensuais que ninguém mais
cita. Livro de curso primário tem que ter letra grande, as crianças não
conseguem ler letras pequenas – isso há estudos, mas são velhos. Ou
seja, há um consenso, há um conhecimento que já existe no meio; há
uma cultura que já indica essas coisas.

Paixão e orgulho

Outro aspecto dessa cultura é a paixão e o orgulho pela profissão. Rosiane


Oliveira Silva faz de todos os momentos de sua vida o prolongamento de seu ofício:

É uma coisa da criação mesmo, em que você vai pensando. Ela não tem
um limite, por exemplo, eu sento aqui e vou pensar só aqui. Não, sabe?
Eu vou embora, eu posso estar fazendo outra coisa, eu saio na rua,
qualquer imagem que eu vejo vai ser um estalo. Então, é um acréscimo
ou não. É uma coisa que vai acontecendo. E aí, como você vai
pensando sobre, você também tem o lado seletivo, você vai
142

selecionando o que é interessante, que é o lado prático acontecendo, ou


você vai jogando fora.

Sandra Almeida diz que a sua relação com o autor não é profissional –
entendera “profissional” no sentido de “formal”, “burocrático”. Por isso, exclama:

Fazer livros é uma coisa muito apaixonante. O Jacó Guinsburg colocou


no livro Editando o Editor uma coisa muito bonita, que é: o editor, ele
faz aquilo com paixão. Eu acredito nisso, que ainda mexer com livro é
fruto de muito carinho, de muito, muito..., mas não é nem carinho:
carinho é uma coisa que não tem... Espera, eu vou achar um termo mais
correto...
Existe uma postura em relação ao livro de quem tem fé e que vai...,
quase todo mundo da equipe editorial tem fé e aposta no livro. Então,
são pessoas profundamente envolvidas com aquilo lá. Isso é uma
garantia em relação às pessoas que eu conheço, que são editores de
texto ou mesmo pessoas que fazem projeto gráfico do livro,
ilustradores, e todo mundo naquela ânsia de fazer o melhor. Isso é
muito bonito, quer dizer, você sempre está procurando fazer o melhor.
Então, sai tudo isso [briga], mas eu acho que é uma briga com amor.
Os autores também, eles têm consciência disso! Eu até brinco: a gente
faz um percurso inteiro, e volta para o ponto inicial: “E aí, vamos fazer
um outro livro?”. Daí começa tudo de novo, essa fase de,
metaforicamente, flerte, namoro, noivado, casamento, desquite; e daí
começa tudo de novo: flerte, namoro... e aí volta tudo de novo.

Wilma Silveira Rosa de Moura conta a sua experiência de ter assumido a área
de 1 a 4a séries do 1o grau:
a

É, eu me esforcei muito quando me chamaram para mexer com 1a a 4a,


não era uma área com que eu tinha intimidade, era... Porque minha
cabeça estava muito mais para lidar com material de colégio. Eu
gostava para caramba. Era sempre muito motivo de trabalho. Gosto
muito. Sou uma pessoa realmente envolvida. A minha experiência com
material de criança era aquilo, mais nada. E o fato de ter tido
Pedagogia, né? Porque a minha ligação com a Educação foi sempre
muito grande, trabalhava na escola, eu ia à aula. Daí, foi até por isso
que eu acabei mudando de caminho.
Eu acho que se repete em qualquer lugar, aqui dentro, fora, o que se faz
com o professor de 1a a 4a. Existe uma desvalorização tão grande de 1a
a 4a série, parece que é uma coisa meio morta. O professor é
desvalorizado, o curso é. Na editora, a editoria é uma editoria
considerada menor, com material mais fácil. Então, eu hesitei muito:
gente do céu! O que que eu vou fazer? O que eu vou fazer aqui com
esse tipo de material? Vou emburrecer, não vou ter nem o que ler de
interessante! Mas também era um desafio legal porque eu ia mudar de
editor de texto para ser editor de área. E desafio é uma coisa gostosa
para quem tem 50 anos, né? Aí, eu vou, vou tentar, vou ver o que que
dá.
Foi então que eu descobri o que é a importância do livro de 1a a 4a, o
quanto é difícil fazer um didático de 1a a 4a, o quanto era muito mais
143

fácil mexer com material, mesmo escolher material, para pessoa que
tem tipo de formação semelhante à minha. Quando eu caí no mundo do
livro da criança foi uma outra realidade. Uma realidade muito
interessante. Gosto para caramba. Sou uma pessoa que tem um
envolvimento com o trabalho; até um certo ponto eu gostaria que fosse
um pouco mais equilibrado. Acabo fazendo disso assim, meio que a
minha vida, né?

O didático no livro

Em relação ao texto ou “conteúdo” e os anexos que compõem o livro didático


(caderno de atividades e livro do professor), há algum acompanhamento de
especialistas em Educação? Como a preocupação didática é introduzida? Segundo
Sandra Almeida,

de n modos. Primeiro ponto: nós temos colaboradores que dão aula – e


aí entra particular, Estado, prefeitura. Quer dizer, não é uma coisa que a
gente tira do espaço. Segundo ponto – e isso é uma coisa que eu
gostaria muito que você colocasse na entrevista: antigamente, havia
cursos que eram dados pelas universidades para aperfeiçoamento de
professores; hoje, quem está fazendo muito isso são as editoras.
Existem cursos com lotação cheia, porque as editoras estão dando
cursos muito bons, com professores da USP, da Unicamp, da Unesp, e
com autores, muitos deles autores da casa. Então, tanto estamos
preocupados com esse aspecto pedagógico que a gente está em contato
o tempo inteiro com o professor, quer dizer, não é uma abstração para a
editora Ática. E a editora procura estar sempre sabendo o que está
acontecendo nos órgãos [de governo].

Para João Guizzo, quem determina o aspecto didático dos livros é o próprio autor,

porque o autor é que normalmente está em sala de aula; ele tem mais
contato, ele sabe mais. Então nessa parte da adequação do conteúdo à
faixa etária, a série em que o aluno está, a gente se baseia muito na
experiência do professor, nas pessoas que a gente consulta e no
trabalho do autor mesmo. Já o profissional do texto não pode interferir
muito, ele interefere mais na formulação, no tipo de linguagem usado.

Lizânias de Souza Lima fala em consultores e analistas que dão a chancela


pedagógica, mas também fala em pessoas da própria editora que “formação
pedagógica e experiência”:

Nós temos consultores, pedimos para analistas analisarem. Sempre


procuramos fazer uma análise assim: pegamos um indivíduo que tem
um conhecimento teórico grande e pedimos para professores. O
professor, embora não saiba dizer porque não gosta daquilo, mas ele
144

diz “gosto” ou “não gosto”, “ah, eu acho que isso não dá certo”, e é
esse professor que vai escolher o livro. O analista conhece Pedagogia e
vai dizer: “Olha, esse livro, tem um problema aqui de seqüência, ele
pula daqui para cá, depois ele volta. Na verdade, tinha que ser o
contrário”. Ou: “criança dessa idade não consegue fazer esse
raciocínio”. E internamente nós temos pessoas que também têm
formação pedagógica, que têm uma certa experiência. Então elas falam:
“Olha, esse texto aqui, para 1a série, só o fato de ter três páginas – 1a
série, o aluno está aprendendo a ler, ele soletra ainda –, eu não posso
dar um texto de três páginas”. Não posso dar um texto em que está
cheio de aposto. Ou que tenha um período com cinco frases. Por
exemplo, textos para 1a série, textos de leitura complementar para 1a
série: procura-se nunca usar com “l”, porque o aluno está aprendendo
isso ainda. Para quem é alfabetizado pelo método silábico, o pla, ple,
pli, plo, plu, ou o pra, pre... ele vai ver lá depois. Então, você cria uns
textinhos em que não aparece esse tipo de sílaba. Depois, você vai criar
outro textinho lá na frente que já aparece..., quer dizer, isso para quem
adota esse método. Agora, o construtivista diz que não, que você tem
que enfiar qualquer palavra, que o problema é o sentido geral. No meu
caso, é bem mais cômodo. Eu estou no 2o grau, os problemas são mais
de conteúdo, de clareza, de coerência. Não há mais esse problema de
idade. Supõe-se que o aluno já está no lógico-abstrato.
Outro problema é de sacrificar o conteúdo em função da clareza. Vou
te dar um exemplo simples: estamos há muito tempo a falar da divisão,
que as pessoas não são iguais na sociedade, explicar o que é sociedade
e classe social. Classe é um conceito muito difícil e nós colocamos
“pobre” e “rico”, porque pobre e rico é uma coisa que, intuitivamente, a
criança sabe. Depois, tentamos concretizar um pouquinho mais esse
“pobre” e “rico”. Geralmente os “pobres” são empregados. Os “ricos”
geralmente são industriais, fazendeiros e tal – para aproximar mais um
pouquinho de classe. Quer dizer, entre a precisão do conceito e o
didático... Ou você vai explicar o que é um município. Se você quiser
dar uma definição muito política, de acordo com a Ciência Política,
você não consegue explicar. No entanto, é o que consta no programa de
3a série, às vezes, até de 2a série. Então, a explicação que você vai dar
do que é um município, ela tem que ser distorcida em função do
didático, porque a criança não vai entender a concepção política de
município. Se eu fizesse o currículo talvez tirasse isso da 2a série. Mas
se está na 2a série e tem que colocar porque está no currículo, então
você vai fazer um esforço muito grande: vai usar muita imagem, a
imagem que ele vai ter de município vai ser mais espacial, você vai
mostrar no mapa, vai ser mais situacional do que propriamente a noção
de hierarquia de poderes. Então, é uma loucura isso. Aí os caras vêm e
falam: “Está errado!”. É, sim, mas você diria isso de que jeito? Então, a
crítica do livro didático, muitas são fundadas, porque são coisas mal
feitas. E outras são só uma questão de não saber diferenciar o que é um
conceito elaborado cientificamente e o que é um livro didático.

Isabel Simões também aponta para a figura de colaboradores que dão suporte
pedagógico.

De 5ª a 8ª e o 2o grau, isso está um pouco menos formalizado, mas há


sempre. Quer dizer, há leituras críticas feitas por professores, há o
145

acompanhamento..., nesse material, nesse trabalho de copy, de material


adicional, recorre-se muito a professor para fazer isso.

Mediação do mercado

Mas Isabel Simões prossegue:

Agora, na minha visão, isso é permeado pelo mercado mesmo. Quer


dizer, a preocupação mesma com o ensino ou com a pedagogia, ela é
intermediada pelo mercado: o que tem possibilidade de ser aceita, o que
poderá entrar sendo novo e o que não poderá. Todas as outras
preocupações que existem, elas são permeadas pelo mercado.
Agora, o que se tem é aquela coisa que a gente já sabia: os profissionais
que trabalham diretamente com o material, eles são mais preocupados
com a qualidade desse material, com o que esse material vai
proporcionar ao aluno ou ao ensino, do que os profissionais que estão
mais afastados da própria feitura: gerentes ou comercial. Então, uma
preocupação da qualidade do livro mesmo e que vai além da
expectativa de mercado – ela está na cabeça de cada profissional que
trabalha com esse material, e isso posso dar testemunho pessoal e
testemunho de observação. Há na Ática uma grande preocupação com a
qualidade do material. A qualidade de informação, a acessibilidade do
aluno, o fato de ser um material que o aluno vai ler com proveito e
prazer – isso é uma profunda preocupação dos profissionais. É uma
preocupação da empresa intermediada pelo mercado.

Todos esses profissionais, que têm muito orgulho do que fazem, a ponto de
muitas vezes se identificar completamente com a empresa, ser-lhe porta-voz, não são,
porém, visionários românticos. Têm a plena consciência de que também prestam
tributo ao deus-mercado, ao qual o seu trabalho está subordinado. A empresa não se
filia a nenhuma ideologia ou corrente pedagógica; ou melhor, o mercado é sua
ideologia. Se lançam vários livros didáticos de uma mesma disciplina para as mesmas
séries é porque há nichos de mercado para cada coleção. É indústria cultural, sim.
Mas esses trabalhadores também acham que essa caracterização não pode
desqualificar automaticamente o seu trabalho e o fruto do seu trabalho. Perguntado se
a Ática tem uma concepção educacional própria, João Guizzo responde de imediato:

Não, isso não. Realmente, o pensamento educacional, a ideologia, a


metodologia – isso tudo tem que atender à necessidade do mercado. A
gente procura ter diversas coleções em cada área, diversas coleções.
Assim, por exemplo, um livro com uma visão um pouco mais
tradicional, um livro com uma visão mais avançada, mais crítica, assim
por diante. Então, se você tem três, quatro, cinco coleções, a área está
146

praticamente atendida, desde que se tenha uma venda boa, porque se eu


tenho três coleções, mas nenhuma vende, então tem espaço para outras.

Para Helena de Brito, a resposta também não é diferente:

Há aqueles [livros] que são mais tradicionais, há os menos tradicionais


e agora, recentemente, há os que estão trabalhando na linha
construtivista. O que a gente tenta fazer é atender ao mercado, né?
Então, há os livros mais “fortes” – como se dizia na nossa época, “esse
livro é forte, essa escola é forte” –, uma exigência mais séria, mais
exigente em relação ao conhecimento gramatical, mesmo; outro mais
solto, mais brincadeiras, mais desafios para criança. E a gente está
agora com um livro publicado, que, no começo a gente sabia que não ia
ter um público muito grande, mas que está aumentando o público dele,
que é o ALP, que é linha construtivista, que está atendendo a uma
demanda do mercado agora. Pelo menos uma grande parte do mercado
está muito preocupado com isso e não existe material nem livro
didático, e os professores são..., não estão formados para isso, mesmo.
É uma questão de formação do professor, mesmo. Nesses livros é...,
meio que suprem muito pouquinho essa carência do professor. Quer
dizer, o livro didático está cumprindo uma função que não é do livro
didático, vamos e venhamos, né? Mas que, enfim..., a gente está
atendendo o mercado mesmo.

Lizânias de Souza Lima chega a apontar para a necessidade, do ponto de vista do


ensino mesmo, de vários tipos de livro:

Há alguns livros, por exemplo, que em algumas escolas a gente nem


divulga. Porque a gente sabe que é um livro muito simples, muito
bitolado, que lá a coordenadora vai dizer: “Não. Isso aqui é muito
bitolado, muito decoreba”. Mas, ao mesmo tempo, você vai lá no
interior do Nordeste, a professora quer exatamente aquele, que ela só
sabe trabalhar assim: ela quer respostinha, ela quer tudo certinho, ela
não quer problema, né? Então, é uma coisa bem bitolada. Mas é isso
que elas sabem fazer. Então, você sabe que esse livro vai vender mais
no Nordeste. Pegue Minas Gerais, cheio de teoria e tudo, esse livro não
adianta, né? Não vai vender. Então, existe coisa que você sabe que
pedagogicamente é ruim, mas o professor só sabe trabalhar com aquele
livro. E não adianta você querer, como agora, o governo está fazendo
avaliação de qualidade: não adianta você impor um método para o
professor que ele não sabe usar. Vai ficar pior a emenda que o soneto.
É melhor um livro que ele consiga se mover com ele do que um livro
que ele não entende. Ele não entende o método, não entende a proposta.

Wilma Silveira Rosa de Moura vai além e afirma que o fato de certos livros
atenderem a um mercado mais convencional, mas bem amplo, possibilita realizar
edições de obras mais arrojadas:
147

Na verdade, o que eu tento é ter dentro da minha linha de produtos,


livros que contemplem as necessidades das linhas pedagógicas que
estão em voga. Então, por exemplo, eu tenho materiais de linha
bastante tradicional, apresentação de conteúdo pronto para ser
memorizado, que é o que sempre se fez. São os livros que realmente
encontram boa vendagem no mercado. Paralelamente, nesses mesmos
livros, a gente tem agregado a esses materiais complementos
pedagógicos que tentam dar para o professor..., dar um espaço para
pessoa que sabe trabalhar de uma maneira mais aberta, que sabe
trabalhar de uma maneira mais pessoal. Então, estamos com uma
coleção grandona do ano passado, para todas as áreas. Ela tem 40
volumes, com quatro áreas, com a versão consumível e não-consumível
para 3a e 4a série, com caderno de atividades, com materiais
complementares. Então, a gente colocou, por exemplo, maquetes para o
aluno montar nos Estudos Sociais; umas fichas de pesquisa em que
aparecia o mapa do Brasil, uma região em destaque, naquela região um
Estado e no verso da fichinha, então, os dados específicos sobre aquele
Estado: população, área, atividades econômicas, rios, relevos. É um
kitzinho para o aluno fazer... Fizemos um jogo de palavras em
Português para criança ir montando, montando frases, montando textos.
Ou seja, o professor que quisesse, ele podia sair do livro. E ele sai
fazendo coisas paralelas. Isso é uma postura nossa, veja, o autor acabou
não trazendo isso, nós fizemos e nossos autores concordaram,
assumiram e a gente agregou, então, à coleção.
Ao mesmo tempo eu tenho, por exemplo, material de Português..., eu
tenho certeza que é o material de Língua Portuguesa mais avançado dos
livros publicados hoje. Nós fizemos um lançamento, o ano passado, de
um material chamado Buscando a escrita, que é de uma autora que
trabalha no Laboratório de Pesquisa de Línguas lá da USP, e é
orientadora no [Colégio] Galileu Galilei. Ela conseguiu aquilo que eu
achava que era impossível, que é fazer um livro com essa orientação: o
livro não tem uma única resposta. O livro não tem um nada, um único
dado contra. Ele trabalha com ortografia na base da estatística. A
criança, ela trabalha assim..., cada criança traz dez palavras com uma
determinada característica. Os professores na classe acabam ficando
com um rol de 400 palavras com a mesma característica e podem
analisar a ocorrência de um determinado fenômeno na língua, quantas
vezes aquilo, para ver a regularidade, procurar a regra. Então, é um
material assim... É uma coisa louca! Mas é belíssimo o trabalho. Eu sei
que é um trabalho para meia dúzia. Um trabalho que assim..., muita
gente vai adorar. A crítica vai só tecer elogios, mas na hora de vender,
eu sei que vai vender para um número muito reduzido de escola. Mas
vale a pena, nós temos que bancar esse tipo de coisa. Tem que existir
esse tipo de material. Isso em Língua Portuguesa a gente já conseguiu
fazer. Nós temos um material numa linha – não é tão radical –, assim,
semelhante, na área de Matemática, que tem pouco exercício. Ele não é
reconhecido como tal pelo professor, porque ele não consegue
trabalhar.
Nós temos livros de diversos destinos. O que eu quero fazer? O que eu
tenho que fazer? Como a Ática é uma editora que vende muito, ela
pode. As coleções que vendem bem podem bancar as coleções que a
gente sabe que vai ter prejuízo. Então, a gente faz. Quer dizer, o que a
gente está querendo fazer? É oferecer material para todo o tipo de
professores, contribuir para que cada vez mais professores conheçam
148

materiais diferenciados e possam até passar a trabalhar de uma outra


forma. Agora, a gente sabe que isso ainda é para um número muito
reduzido.
E um agravante: todos esses livros, nós temos que fazer consumível.
Porque o nosso comprador pontencial, mais seguro, mais direto é a
escola particular. A escola particular não pensa em livro não-
consumível. E esses livros se eu for fazer não-consumível, ele morre.
Por exemplo, um livro de Ciências: ele é todo montado em cima de
jogos. Como é que eu vou fazer jogos que sejam para fazer no caderno?
Não dá. Não tem nem como fazer. Então, é uma contradição dos órgãos
do governo, que exigem livros não-consumíveis para poder um aluno
reaproveitar no começo do ano. Que eu acho também uma coisa
horrorosa: o aluno não tem nem direito de ter o objeto dele, né? Pôxa,
um negocinho tão barato, o Estado paga um real, um real e meio, não
pode dar para criança, tem que passar para o menino que vem o ano
que vem. Aquele livro todo cheio de orelha, um livro feio, rasurado. É
um absurdo essa exigência de recuperação, de reutilização do livro. E
na hora que eles vão fazer avaliação, dizem: “Ah, os exercícios são
muito repetitivos...” A gente não tem saída. Não tem saída. O material
não-consumível é aquilo mesmo. É pergunta e resposta. É pesquisa.
Quando você manda fazer pesquisa, você tem que supor que o
professor tem de onde pesquisar. Não adianta você mandar fazer
pesquisa do nada. Não existe material de referência ao alcance do livro
de 1a a 4a. Não existe enciclopédia, revista, publicação que a criança vá
lá e entenda, que ela leia e ela traga a resposta. É difícil, é raríssimo. É
muito difícil obter esse material. Você tem que tomar cuidado na hora
de pedir pesquisa. Você fica se debatendo com essas duas coisas.

Crítica da crítica

O desabafo de Wilma Silveira Rosa de Moura é uma queixa de todos:5 sentem-


se profundamente injustiçados por críticas que consideram levianas. Jaime Pinsky, ele
mesmo autor de obra sobre livro didático, é bem taxativo.

Bem, eu conheço alguns livros muito interessantes escritos a respeito


de livro didático. Há uns trabalhos bem tecnicistas a respeito de livro
didático e que são, a meu ver, bastante superados hoje em dia. Mas eu
acho que falta muita coisa a respeito do livro didático. Acho que
escrever sobre livro didático exigiria, em primeiro lugar, um certo
conhecimento do sistema de produção do livro didático, e as pessoas
tem um profundo desconhecimento a respeito disso. Em segundo lugar,
um conhecimento da realidade de sala de aula também.
Freqüentemente, eu vejo as pessoas escrevendo sobre o livro didático e
discutindo qual é o livro didático certo, bom, ideal. E são reflexões tão
ridículas, eu gostaria de usar esta palavra mesmo, são ridículas! Porque
são totalmente descoladas da realidade e quando outras pessoas fazem
críticas – “Escuta, suas observações são deslocadas da realidade” –,

5 Todos, isto é, todos aqueles a quem foi perguntado sobre as críticas ao livro didático.
149

eles dizem: “Não, eu tenho que analisar o que seria bom, eu não tenho
que dizer que Silvio Santos é bom só porque é o que o pessoal assiste”.
Eu já vi argumentos deste tipo de intelectuais relativamente
prestigiados.

Isabel Simões também acha que muitas das críticas nada tem a ver com a realidade.

Bom, em geral, a gente tende a livrar o nosso trabalho; diz assim:


“Olha, eu fiz um trabalho extremamente honesto, o melhor que era
possível nas circunstâncias que eu tinha” – e isso nos tranqüiliza. A
gente tem mesmo uma visão muito boa de nós mesmos, do nosso
trabalho. A gente acha que..., tudo bem, era o que dava para fazer nas
circunstâncias que tínhamos, o mercado exigia isso, a editora queria
este livro, o melhor que nós pudemos fazer com certeza nós fizemos.
Eu acho que profissionais como nós, da Ática, que somos de fato
profissionais, que temos alta conta sobre si, a gente encara bem do
ponto de vista pessoal. Agora, em geral, críticas acadêmicas são menos
bem-vistas. Tendemos a achar que os acadêmicos estão longe e falam
de alunos ideais e de um país ideal e que não tem nada a ver com a
realidade, com exceções.

Sandra Almeida procura ser mais tolerante e avisa:

Eu acho muito bom o fato de a gente estar conversando sobre isso,


porque não se tem idéia de que as editoras têm uma equipe de gente
pensante, muitos deles, eu diria uma boa parcela, a maioria até, saídos
da USP, Unicamp, Unesp, quer dizer, com nível. Porque muitas vezes a
gente percebe a Universidade com olhar..., como se a gente tivesse só
um enfoque muito ruim, ou dentro de uma orientação muito aquém do
esperado. Eu creio que não. Eu acho que, cada vez mais, a gente está
mais próxima da Universidade, procurando estar mais junto para poder
fazer um material melhor, em conjunto com a Universidade, em
conjunto com os professores, com tudo isso.

Mas num outro momento, não se contém:

Agora, outra coisa que eu acho importante salientar é o seguinte:


muitas vezes, se fala muito mal a respeito de obras didáticas, e o que é
visto se contrapondo a isso? “Ah, o meu material é um material que eu
mesma faço”. Mas geralmente é xerox deslavado: eu pego e xeroco um
pouquinho daqui, um pouquinho de lá... Isso quer dizer que na verdade
é um roubo, um roubo em relação ao autor. Então, eu quis falar
especificamente isso, porque existe essa coisa de ser contra o livro
didático e às vezes não se colocando nada no lugar, se fazendo uma
coisa absolutamente destrutiva. Acho que existem livros e livros,
editoras e editoras, e acho que isso cabe ao professor, enquanto
responsável pelo que ele está adotando, esse papel de saber escolher,
saber se informar.
150

A crítica do livro didático não sabe o que é livro didático, opina Lizânias de
Souza Lima:

A discussão do livro didático no Brasil é muito desfocada, porque o


indivíduo critica o livro didático pelo conteúdo. E criticar o livro
didático pelo conteúdo é criticar aquilo que ele tem de mais frágil.
Então, vou dar um exemplo aqui na área de História. Nós podemos
pegar qualquer assunto. Vamos pegar, por exemplo, Roma Antiga. A
bibliografia sobre Roma Antiga é uma coisa assustadora, são milhões
de páginas. Você tem uma quantidade de documentos, de textos
historiográficos e de visões, de interpretações e de discussões entre os
historiadores. E essa complexidade você não consegue trazer para o
livro didático de maneira nenhuma. Então, escrever um livro didático é
fazer uma escolha. Tudo isso que eu conheço de Roma e todo esse
problema, vou simplificar. Eu vou reduzir às coisas muito consensuais.
Além disso, vou ainda ter que “didatizar” a linguagem. Então,
logicamente, se eu pegar pelo critério da produção historiográfica, a
cada linha eu posso dizer que não é aquilo. Claro, é óbvio!
Agora, eu acho que o livro didático teria que ser julgado pela sua
característica essencial, que é o seu caráter didático. Se ele consegue
colocar as coisas com clareza, se tem um encadeamento, se respeita a
maturidade do aluno. Um aluno de oito anos é incapaz de fazer
abstrações, ele é incapaz de fazer múltiplas relações, se você chama a
atenção dele para o espaço ele esquece o tempo, se chama para o tempo
ele esquece o espaço. Então, às vezes, o indivíduo que não tem essa
vivência pedagógica, didática, pensa: “Eu sei História, então para dar
aula eu preciso saber mais nada”. No entanto, não é assim. É mais
importante, talvez, um professor que não tenha um conhecimento tão
profundo – sempre é bom que ele tenha, talvez é até essencial que tenha
–, mas, às vezes, um professor que não tenha nem tanto conhecimento
assim, mas ele tem uma boa didática, uma boa maneira de expor, ele
tem um conhecimento principalmente da psicologia da criança, as
etapas de desenvolvimento mental dela, ele acaba tendo mais sucesso
do que um que tenha, talvez, títulos etc. e tal. No entanto, as críticas ao
livro didático no Brasil pega pelo conteúdo, que é o lugar mais fácil.
Pelo conteúdo, qualquer livro aqui eu posso dizer que está certo ou
errado: “Ora, imagina, isso aqui não é assim”. Lógico que não é assim,
nós estamos sabendo, também! Só que você tem oito páginas e você vai
falar para uma criança de 5a série.
E, às vezes, escrevo o livro me dirigindo quase que ao professor. E o
professor também embarca nessa. Ele gosta do livro, ele adota. Depois,
o livro cai na mão do aluno e o aluno que tem que ler aquilo não
entende. Quer dizer, como é que o livro vai para sala? Então, esse livro
aqui para o aluno é inútil.

Um desabafo

Este capítulo se encerra com um desabafo de Wilma Silveira Rosa de Moura:


151

Na verdade, os livros para o Estado, a gente não pode fazer um material


muito elaborado, muito sofisticado pedagogicamente falando. E você
tem que pensar que o nosso cliente é professor. Na verdade, quem vai
usar o livro é aluno, mas quem escolhe o livro é o professor. Então, a
gente tenta fazer um livro que o professor reconheça como recurso de
aula para ele. Professor de Estado é um professor mais mal preparado.
É um professor muitas vezes leigo. Numa escola particular você jamais
vai encontrar um professor leigo. Na escola pública você encontra aos
quilos. Por quê? Com o salário que pagam, graças a Deus se encontrar
alguém que queira dar aula. Então, não podemos fazer para escola
pública um material que dê trabalho para o professor, que implique
preparação de aula, pesquisa além do livro. Porque ele não tem onde,
não tem recursos, não tem formação para isso. A gente tem que fazer
livros mais mastigadinhos, com a aula prontinha do começo ao fim, que
tenha a estratégia já indicada para o professor saber o que fazer. Porque
se o professor não tiver outro lugar para aprender, ele aprende no livro.
Com um professor de escola particular – salvo exceções –, você não
precisa fazer isso, porque a própria escola seleciona esse professor pelo
próprio salário que paga. Então, infelizmente, é isso que acontece
mesmo.
Mas o que a gente faz? Nós respondemos ao mercado que temos aí. A
editora é comercial, o papel dela não é realmente sair preocupada com a
formação de professores e manter o nível do ensino. Eu tenho essa
preocupação com o ensino. A editora quer vender o produto. Então,
qual é o meu desafio principal? Fazer livro bom e prudente. Mas foi um
desafio meu, da minha turma. Quer dizer, é um objetivo que a gente
tem, não fazer livro porcaria. Não tem que fazer livro barato, no sentido
de vagabundo. Agora, o que está acontecendo é que existe uma
dicotomia imensa entre os avaliadores de livros do Estado, as
comissões..., entre o que esse pessoal quer e a escola que está aí. Eles
estão fazendo um catálogo, onde vão todos os livros recomendados. As
pessoas que fazem parte dessas comissões são pessoas da academia, em
geral; então, são pessoas que têm um conhecimento da matéria, um
conhecimento importante, respeitável e necessário. Mas, na minha
opinião, não são pessoas com qualificação suficiente, porque elas não
têm a prática, não sentam em sala de aula, como sendo professor.
Então, ela tem uma visão idealizada da escola, a escola que deveria ser.
Mas nós não estamos trabalhando com escola que deveria, estamos com
a escola que existe. Então, eu estava conversando com uma pessoa que
fez parte da comissão de Estudos Sociais, e estava contando das
grandes discussões sobre o conceito de tempo em Kant, analisando o
livro de Estudos Sociais de 1a e 2a série. Gente! Pelo amor de Deus!
Tudo perda de tempo. Vamos conversar coisas mais... Está sendo paga
pelo Estado aquela conversa lá, sabe? Vamos conversar coisas... É uma
falta de noção do que é a escola. Quer dizer, não adianta. Você tem que
ter um livro para o professor que está ali. O professor tem que
reconhecer no livro que cai na mão dele coisas com que ele possa
trabalhar.
Agora, eu acho assim: o que o governo está fazendo com o livro, ele
está achando um bode expiatório para o trabalho que ele não fez.
Porque é muito fácil você dizer que o livro é que não tem. Os livros
vão melhorar à medida que os professores forem melhorando.
Vou contar uma historinha interessante. Nós participamos de uma
licitação do Projeto Nordeste, que houve no ano passado, para material
152

que foi vendido em nove Estados. Foram comprados livro de


Português, de Matemática e de Estudo Sociais, de 1a a 4a série; foi o
Banco Mundial que financiou. Então, o Banco Mundial colocou
algumas regras. Agora, veja: quando o Banco Mundial entra, as regras
são diferentes de quando entra só a FAE. Então, o Banco Mundial
permite que você apresente um material consumível para 1a e 2a série;
para 3a e a 4a tem que ser não-consumível. Quando entra a FAE, de 2a
série também tem que ser não-consumível. Então, quando você faz um
material que serve para o Banco Mundial, não serve para a FAE. Então,
já começam aí os problemas. Aí, você escreve os materiais, vai lá para
as equipes de análise. Então, voltam os seus livros rejeitados. E daí
você pega a ficha de avaliação e vai ver esses critérios com que o seu
material foi reprovado. Então, você percebe que o mesmo livro, por
uma equipe de avaliadores, passa em todos os quesitos e por uma outra
equipe, repete em todos. Qual é a objetividade desses critérios de
avaliação? Por exemplo, a Língua Portuguesa: para Língua Portuguesa
você examina o número de textos, quantidade de textos. É um número
de textos que define o livro ou como esses textos são trabalhados? Ou
quando você pega, por exemplo, tamanho dos textos, adequados e
inadequados para faixa etária. Qual é o tamanho adequado? O texto
pode ser desse tamaninho e absolutamente hermético. E eu pego um
texto grandão, um conto de fada que a criança já conhece, já faz parte
da historinha dela, alguém ajuda a ler, ela lê aquilo numa boa, super-
interessada. Quer dizer, o tamanho do texto não quer dizer nada. Mas o
livro é reprovado porque eles dizem lá: quantidade de textos
insuficiente, textos grandes demais para faixa etária, não-sei-mais-o-
quê! Se o livro tem quatro pontos negativos, você nem passa para os
positivos. Então, o pessoal nem vai ver o que o livro tinha de bom.
Porque ele já é eliminado em alguns critérios. Então, os critérios não
são bem definidos. Eu gostaria que viessem critérios muito bem
definidos em que você pudesse realmente encontrar ali parâmetros para
se basear. E que essas análises não fossem de proibição – que é uma
coisa absolutamente antidemocrática. Quem não está na sala de aula,
não sabe a dificuldade que o professor tem para se basear. Não sabe
que tipo de criança ele encontra. Não sabe que tipo de dificuldade ele
tem com o tipo de material que está na mão dele. E dizem para ele: “Ó,
você pode usar este livro e mais quatro, o resto dos livros não presta” –
gente, é ele que tem que ver isso! É ele que tem que saber o que ele vai
usar. Agora, você pode ampará-lo, dando para ele: “Olha, quando você
for analisar, pense nisso, veja isso, veja aquilo, veja aquilo outro”.
Faça..., dê a esse professor a possibilidade de ele fazer o livro e ter um
bom conteúdo. E deixa ele escolher o material que ele quiser. Por que
isso? Que tutela é essa? Eu acho o fim, sabe? Um absurdo! Eu acho que
é um..., ninguém respeita o professor nesse país. Ninguém. O Estado,
inclusive. Não estou querendo professor bobo, que não sabe escolher e
que pega qualquer porcaria. Não quero professor bobo. Quero professor
bom. Acho que a única pessoa que pode julgar se o livro é bom ou se é
ruim é quem vai usar. Quem está na academia, está a milênios de
distância do livro.
E, olha, tem mais Estou cansada de convidar gente da academia para
fazer livro didático. Cansada. Ninguém topa. Vai dizer que “livro
didático não é importante nesse país”, “não faço porque não acredito
em livro didático”. Gente, há lugar nesse país, em que o único livro que
chega é o didático. Então, o alcance é muito mais..., em termos de
153

status é muito mais legal você publicar uma tese. Mas em termos de
trabalho, em termos de alcance social, você fazer um livro didático é
outra história. Você está participando da formação dessa moçada, dessa
criançada. Agora, é duro você se expor, porque é fácil você criticar o
livro; quero ver escrever. Então, isso eu fico muito irritada. A gente
está aqui, a gente está exposta. A gente está aqui levando bordoada de
tudo quanto é lado. E querendo arranjar gente boa para fazer o texto.
Agora, se não me aparecem autores à altura, eu tenho que trabalhar
com os autores que eu tenho. Eu tenho que trabalhar com aquilo que
chega, melhorando naquilo que eu posso, interferindo. O que a gente
tenta fazer? A gente tenta fazer os livros, os mais honestos possíveis,
dentro da proposta que chega. Às vezes, a gente percebe que o livro
tem um potencial, que o autor..., e que se você conversar um
pouquinho, ele vai por um caminho mais interessante. A gente tenta
isso e já tivemos coisas muito interessantes. Muito interessantes. Não é
fácil. Realmente não é fácil. Eu tenho uma consciência muito clara de
qual é a nossa função aqui: fazer livros que vendam e que sejam bons.
Eu quero..., realmente tento fazer livros serem bons. Mas eu tenho a
impressão de que o pessoal que faz as análises não é sério. Um pessoal
que só quer saber de ganhar dinheiro, que não está nem aí, que não
acha qualquer coisa. Um pessoal que nunca acompanhou um trabalho
editorial, que não tem a menor idéia de que para fazer um livro didático
como esse, que eles rejeitam em cinco minutos, a gente demora uns
dois anos para fazer, trabalhando duro.
Capítulo 7
Autor: professor no texto

Jiro Takahashi, ex-Ática e fundador da editora Estação Liberdade comenta:

livro didático não dá prestígio para o autor, mas dá dinheiro. Um autor


razoavelmente bem-sucedido já está muito bem economicamente. Ele não
tem investimentos a fazer. Só o seu tempo. Depois disso, tudo é lucro.
[Apud Oliveira et alii 1984, p. 74.]

Por isso, segundo Oliveira et alii (1984), o “autor é uma peça na engrenagem e acaba por
ganhar muito dinheiro quando faz a máquina editorial funcionar bem” (p. 74). Talvez
rico, mas desprestigiado, o autor aparece para muitos críticos do livro didático como
traidor, que vendeu a alma e a Educação no Brasil para a indústria cultural, para o
capitalismo, para o projeto de dominação burguesa etc. Mesmo que não seja assim, há,
segundo Oliveira et alii (1984), uma

distância que separa a prática da confecção dos livros dos ideais


pedagógicos do que seria um livro enquanto material de instrução
planejado segundo alguns princípios que fizeram sucesso ou que foram
cientificamente comprovados como importantes componentes do processo
de aprendizagem. Ora predomina a obra de autor individual, com seu
“Ibope” garantido e sua experiência inegável, mas sem os conhecimentos
pedagógicos considerados adequados; ora domina a máquina editorial,
com seu conhecimento profundo do mercado e suas características, mas
pouco ou nada ligados aos problemas básicos da efetividade pedagógica.
[p. 75.]

Mas quem são esses autores, de quem se faz uma condenação tão genérica quanto
moralista? Embora sem pretender quebrar o sigilo bancário de ninguém, talvez fosse
interessante averiguar melhor o perfil dessas pessoas, levando em conta também que essas
condenações foram levantadas em outras épocas.
155

Autoras, autores

O universo aqui considerado de livros didáticos e paradidáticos compreende 2.117


livros (Capítulo 5). Para que esse volume de livros viesse a público, 860 pessoas,
identificadas por seus nomes ou pseudônimos, desenvolveram o esforço de escrever: são
os autores. É bem possível que o número de autores seja ligeiramente diferente: não se
levaram em consideração autores não-identificados ou indicados apenas com um vago
“vários autores”, “outros”, “outra” e “outro” (nestes últimos casos ao menos fica-se
sabendo o gênero). Além disso, não se pode descartar a possibilidade de dois nomes
diferentes (por exemplo, com uma inicial a mais) referirem-se à mesma pessoa.
Desses 860 autores, 383 são do sexo masculino; 397, do sexo feminino; e 80, sem
identificação – grupo que se compõe de nomes comuns a dois gêneros, prenomes
identificados apenas com as iniciais ou identificação apenas pelo sobrenome, nomes
estrangeiros (e também brasileiros) cujo gênero não é imediatamente óbvio, além de
autores coletivos ou institucionais. O equilíbrio entre o número de autoras (mulheres) e o
de autores (homens) dissipa-se quando se verifica o número de ocorrências de cada grupo
nesses 2.117 livros. Enquanto as mulheres são responsáveis por 1.545 ocorrências, os
homens o são por 1.132 e os sem-identificação, por 377. Observe-se que, aqui,
“ocorrência” não se refere ao livro, pois muitos livros têm mais de um autor; nem
tampouco refere-se ao autor, já que várias pessoas são autoras de mais de um livro. O
número de livros com apenas um autor é de 1.371; 517 livros têm dois autores; 175 livros,
três autores; 13 livros, quatro autores; e um livro, cinco autores; além de 40 livros dos
quais não se conhece o número de autores.
Alguns autores são extremamente polivalentes e prolíferos, com muitos títulos em
catálogo. O Quadro 7.1 apresenta a relação dos autores com dez livros ou mais e as
áreas/disciplinas a que correspondem seus livros.
156

Quadro 4-1
Autores com mais de dez livros didáticos
e paradidáticos publicados
Brasil
1995

N° livros Autor Área


37 Passos, Lucina Ciências, Multidisciplinar
32 Carvalho, André História, Ciências, Estudos Sociais, Português
32 Souza, Joanita Português, Matemática, Ciências, Estudos Sociais,
Multidisciplinar
27 Nahum, Erdna Perugine Alfabetização, Português, Matemática, Estudos Sociais,
Geografia, Multidisciplinar
24 Marote, D’Olim Português, Matemática, Estudos Sociais,
Multidisciplinar
24 Sargentim, Hermínio Alfabetização, Português
23 Giovanni, José Ruy Matemática
22 Editorial Ática* História, OSPB, Geografia.
22 Rocha, Ruth Alfabetização, Matemática, Educação Artística,
Ciências, Multidisciplinar
21 Passos, Célia Alfabetização, Português, Matemática, Ciências,
Estudos Sociais, Multidisciplinar
21 Teixeira, Mara Suplicy Vieira Alfabetização, Matemática
20 Claudius Alfabetização
20 Machado, Ana Maria Alfabetização
18 Amos, Eduardo Inglês
18 Martins, Elisabeth Prescher Inglês
17 Braido, Eunice Alfabetização, Educação Artística
17 Silva, Zeneida Alfabetização, Português, Matemática, Estudos Sociais,
Multidisciplinar
17 Vargas, Rosilda Português, Matemática, Ciências, Estudos Sociais
16 Jakubo (Jakubovic), José Matemática
16 Lellis, Marcelo Cestari Matemática
16 Moraes, Lídia Maria de Português, Matemática, Multidisciplinar
16 Persuhn, Janice J. Português, Multidisciplinar
15 Maranhão, Miriam Português
15 Martins, Gerusa Português
14 Soares, José Luis Ciências, Física/Química, Biologia, Multidisciplinar
14 Branco, Samuel Murgel Ciências, Geografia, Multidisciplinar
14 Chiquillo, Ana Maria C. Matemática
14 Prado, Ignez B. de Almeida português, matemática
13 Giannini, Eloisa B. Português
13 Vissoto Matemática
157

12 Araújo, Rosi Olga de Ciências


12 Correia, Maria Emilia Português, Matemática, Multidisciplinar
12 Chaves, Marta Português, Matemática, Ciências
12 Fonseca, Albani Português, Matemática, Ciências
12 Galhardi, Mauro Português, Matemática, Multidisciplinar
12 Imenes, Luiz Márcio Matemática
12 Martos, Cloder Rivas Português, Multidisciplinar
12 Oliveira, Maria do Carmo Português, Matemática
12 Pereira, Terezinha de Melo Português, Matemática, Multidisciplinar
12 Rocha, Ana Paula Português, Matemática, Ciências
12 Sarli, Eny Garcia Alfabetização, Português, Ensino Religioso, Matemática
12 Sarli, Esther Alfabetização, Português, Ensino Religioso, Matemática
11 Adas, Melhem Geografia e OSPB
11 Brassolotto, Mercedes Geografia, História, Estudos Sociais
11 Portela, Fernando Geografia
10 Moura, Francisco Português
10 Porto, Cristina Alfabetização
10 Silva, Francisco de Assis História
* Obras feitas pela equipe do editorial da Ática.

O que ressalta de imediato é a fecundidade dos autores polivalentes de 1a a 4a


série do 1o grau, produzindo vários livros nas mais diversas áreas e disciplinas. Muitos
livros de alfabetização são de autores de livros infantis, com os quais não raramente se
confundem. Esse é o caso, por exemplo, das obras de Ruth Rocha, ela mesma uma
experiente editora de livros e fascículos.
Desses autores polivalentes multidisciplinares, André Carvalho é talvez o mais
prolixo. Ele sozinho preenche boa parte do catálogo dos paradidáticos da editora Lê, de
Belo Horizonte (MG), e sua produção abrange temas históricos com ênfase nas questões
sociais (Reforma Agrária, Racismo, Subdesenvolvimento, Direitos da Mulher e Poder são
alguns de seus títulos), mas também faz incursões no terreno da arte (Arte e Cinema) ou
das Ciências (Astronomia, Drogas e Doenças Venéreas).
Enquanto uns são polivalentes, outros são altamente especializados, escrevendo
sempre sobre e para a mesma área/disciplina e para as mesmas séries. Francisco de Assis
Silva, por exemplo, é autor de uma coleção de dois livros intitulados História do Brasil,
para 1ª série, e uma outra de dois livros intitulados História do Brasil – Colônia e
História do Brasil – Império e República, todos para o 1° grau. Da mesma forma, ele
158

escreveu duas coleções de História Geral para o 1° grau: a que é formado por dois livros
intitulados História geral e a que se compõe dos livros História geral – Antiga e
Medieval e História geral – Moderna e Contemporânea. Também escreveu, para o 2°
grau, dois livros denominados História do Brasil. José Ruy Giovanni é autor de várias
coleções de livros intitulados A conquista da matemática, algumas das quais em parceria
com seu filho José Ruy Giovanni Jr. Biologia merece exposições variadas por José Luis
Soares, em duas coleções, da Scipione, para o 2° grau. A primeira é formada por:
 Biologia básica. Volume 1. Células/tecidos/embriologia;
 Biologia básica. Volume 2. Seres vivos/estruturas/funções; e
 Biologia básica. Volume 3. Genética/evolução/ecologia.

A segunda compõe-se de:


 Biologia. Volume 1. Biologia molecular/citologia/histologia;
 Biologia. Volume 2. Funções vitais/embriologia/genética; e
 Biologia. Volume 3. Seres vivos/evolução/ecologia.

Por fim, como que a resumir tudo isso, o autor também publicou pela Scipione o livro
Biologia. Volume único, para o 2° grau.

Os prestigiados

Setores intelectuais universitários costumam torcer o nariz para essa capacidade


de escrever sobre temas diversos ou, inversamente, de escrever várias vezes sobre um
mesmo tema. Eis a prova do comercialismo inescrupuloso desses autores, que vendem
alma à indústria cultural!
Há, porém, outro grupo de autores de livros didáticos e paradidáticos a quem se
dedica um tratamento todo especial. Esses autores têm lugar assegurado na coluna social
acadêmica e o lançamento de seus livros torna-se ocasião para talk-shows na TV e
resenhas em jornais e revistas. Não são exatamente profissionais da área: raramente
cumprem os prazos ou o tamanho do texto acordado com o editor. O filósofo francês
Gérard Lebrun entregou à editora Brasiliense os originais de uma biografia de Pascal tão
grande que não restou outra alternativa senão diminuir o corpo do texto de 11 para 9
pontos – e isso numa coleção (“Encanto Radical”) em que se exigia estrito cumprimento
do tamanho do texto, cerca de 90 laudas e, em todo caso, nunca acima de 100.1 O grande

1.A obra em questão é Gérard Lebrun, Blaise Pascal. Voltas, desvios e reviravoltas, São Paulo, Brasiliense
(col. Encanto Radical n° 26), 1983. Mesmo composto em corpo 9, o livro tem 132 páginas (mais quatro de
publicidade), cerca de 20 páginas a mais do que o padrão da coleção.
159

sucesso de Marilena Chaui, O que é ideologia – da coleção “Primeiros Passos”, que pode
ser considerada um dos ancestrais dos paradidáticos –, também da Brasiliense, não ficou
tão grande como o de Lebrun, mas a obra ali anunciada, da mesma autora, O que é
repressão sexual, teve de ser publicada como um livro “comum”, tamanho normal
(14 cm x 20,5 cm), com 235 páginas, sob o título de Repressão sexual: essa nossa
(des)conhecida, em 1984, quatro anos após o anúncio.
A menção a esses autores não vem por acaso. Em julho de 1982, a revista IstoÉ,
anunciando o lançamento “nos próximos meses” (sic!) do “livrinho sobre repressão
sexual”, comentou a respeito da participação desses intelectuais nesse mercado então
considerado muito “comercial”, ou seja, sujo:

[...] os primeiros a protestar contra o livrinho pioneiro [O que é ideologia]


foram os próprios alunos de Marilena [Chaui]. Achavam o fim da picada
uma filósofa se misturar com literatura de divulgação. “Eles me diziam”,
conta Chaui, “que eu tinha que escrever livros como os de Lebrun”. [...]
Semanas depois, os inflamados aspirantes a filósofos se acalmaram.
Aterrissava mais um título da coleção Primeiros Passos, O Que É Poder.
Assinado por Gérard Lebrun.
[IstoÉ, 21/7/1982, p. 57.]2

As comportas estavam abertas. Desde então, altas personalidades do mundo


acadêmico têm cada vez mais freqüentado os catálogos de livros didáticos e
paradidáticos. O historiador Carlos Guilherme Mota tem em seu currículo vários
paradidáticos de História (A descoberta da América, Revolução Francesa, Tiradentes e a
Inconfidência Mineira etc., pela Ática) e didáticos (História moderna e contemporânea e
História & Civilização, este em co-autoria com Adriana Lopes, ambos pela editora
Moderna). Maria de Lourdes Janotti (A Primeira Grande Guerra, da Atual), Emir Sader
(A transição do Brasil e Cuba, Chile, Nicarágua, da Atual), Maurício Tragtenberg (A
Revolução Russa, da Atual, e Reflexões sobre o socialismo, da Moderna), Nicolau
Sevcenko (O Renascimento, da Atual), José Goldenberg (Energia nuclear: vale a pena?,
da Scipione), Evaldo Vieira (A República brasileira – 1964-1984, da Moderna), Paul
Singer (A formação da classe operária, da Atual, e O capitalismo, da Moderna), Helieth
Saffioti (O poder do macho, da Moderna) e Antonio Joaquim Severino (Filosofia, da
Cortez Editora) são alguns dos autores do meio universitário que também se aventuraram
nesse mercado.

2. A respeito do impacto de O que é ideologia, que teria vendido em pouco mais de um ano cerca de 120 mil
exemplares, ver Hallewell (1985 p. 556).
160

Nele estão também presentes personalidades de outros meios, notadamente


jornalistas e escritores: Jacob Gorender (O fim da URSS, da Atual), Marcos Rey
(Proclamação da República, da Ática), Clóvis Rossi (Contra-revolução na América
Latina, da Atual), Moacyr Sciliar (Sonhos Tropicais, da Companhia das Letras), José
Arbex Jr. (A outra América, da Moderna) e Flávio Gikovate (Drogas, da Moderna). A
maioria desses livros são paradidáticos e seus temas, como se pode observar pelos títulos,
procuram valer-se das especialidades de cada autor. Vale a pena observar que a grande
maioria dos temas refere-se a questões históricas e políticas, principalmente sobre a
atualidade. Esse é um grande filão dos paradidáticos que, por suas características
editoriais, podem abordar temas que levariam anos para serem abordados num livro
didático. Não à toa, jornalistas são freqüentemente convocados para escrever sobre esses
temas de atualidade.
Esses autores ilustres acabaram se acomodando ao processo de produção dos
livros didáticos e paradidáticos. Os dois livros da coleção História & Civilização (O
mundo antigo e medieval e O mundo moderno e contemporâneo), de Carlos Guilherme
Mota e Adriana Lopes, embora tivesse valido aos autores uma entrevista no prestigiado
talk-show de TV, o Jô Onze e Meia, seguem o padrão consagrado de livro didático, com
suas seções, divisão de capítulos em hierarquias de intertítulos, fartas ilustrações,
vinhetas, tarjas, boxes. Maria Lúcia de Arruda Aranha, autora de livro didático de
Filosofia e coordenadora da coleção “Logos”, da Moderna, orgulhava-se em sua
entrevista de que conseguira de Marilena Chaui um texto sobre Espinosa que, impresso,
resultaria num livro de tamanho padrão, com apenas 112 páginas!
Mas a própria Marilena Chaui é também autora de um Convite à filosofia, da
Ática, uma portentosa obra de 440 páginas (formato 17 cm x 24 cm), que, por mais que
tenha aparência de livro didático, com ilustrações, vinhetas, atividades etc., dificilmente
chegará às salas de aula, ao menos nas salas freqüentadas pelo seu suposto público-alvo:
estudante de 2o grau. Quando pós-graduandos em Ciências Humanas apressam-se a
adquirir tal livro, deve estar havendo algum mal-entendido...
Esse é também o caso de História do Brasil, da Edusp, que recebeu o Prêmio
Jabuti 1995 de Melhor Livro Didático de 1° e 2° graus. Seu autor é Bóris Fausto,
renomado historiador da Universidade de São Paulo, autor de importantes livros da
história do Brasil contemporâneo. A obra é sóbria e em suas mais de 500 páginas não há
seções habituais de atividades, muito menos o livro do professor. Nem tampouco há,
certamente, nenhuma “disneylândia pedagógica”, mas talvez caiba perguntar se há algo
ali realmente “pedagógico”. Sabe-se, no entanto, que a obra, embora não conste da
161

bibliografia dos cursos, é recomendado na pós-graduação em Educação da PUC-SP, para


alunos que tenham pouca noção de história do Brasil.
Luiz Roncari, em Literatura brasileira (1995), também da Edusp, diz no início de
suas 640 páginas:

Para a realização deste livro recebemos uma única solicitação: a de que,


tendo em vista o material de ensino existente, tentássemos mudar o
paradigma do livro didático. [...]
Para a sua concepção partimos de uma pergunta bem simples que fizemos
a nós mesmos: em que livro gostaríamos de ter estudado a literatura
brasileira? Foi esse livro que tentamos escrever. [...]
[...]
Pensávamos esse livro no Brasil, onde a educação vive uma situação
crítica [...]. [...] Portanto não poderíamos ater-nos a ela, trabalhar num
livro para o presente e participar de uma situação que devíamos combater
e fazer todos os esforços para superar. A nossa saída foi pensar num livro
para o futuro, em que talvez seu melhor de tempo de vigência fosse o
futuro. [pp. 13-14.]

Após esta citação, o livro já retornou à estante onde aguardará o leitor do futuro.3
Os autores profissionais, no entanto, não podem aguardar pela revolução que
tirará sua poesia não do passado, mas do futuro. Porque vivem uma situação de mercado –
sua atividade não é diletante, mas é ganha-pão! – não podem se dar ao luxo de pensar
num livro em que gostariam de ter estudado. Seu público é real e presente. Afirma
Gilberto Cotrim, presidente da Abrale (gestão 1996/1988), ao narrar sua trajetória como
autor de livros didáticos de História:

Um problema que eu diria que é básico é produzir um material que não


agrade apenas a você mesmo, que eu acho que isso depende de um certo
profissionalismo. Você não pode adivinhar simplesmente o que contenta
uma pessoa, o outro. Quem seria esse outro? No meu caso, esse outro é o
aluno em sala de aula e o professor. O livro, quando você produz..., você
não produz para um gueto. Você produz tentando atingir um aluno médio,
um aluno médio brasileiro.

3. O mesmo autor, que nos anos 70 participara com Antonio Mendes Jr. e Ricardo Maranhão, da elaboração
de Brasil História. Texto e consulta, um “quase-didático” da Brasiliense, apresentou um balanço dessa
experiência em 1979, durante a 31a Reunião Anual da SBPC, realizada em Fortaleza (Roncari 1980). Ali ele
reconheceu que a obra, ao pretender apresentar uma abordagem que fosse alternativa à história “oficial”,
“patrioteira e hagiográfica” (p. 46), acabou por “se fechar numa compreensão um tanto quanto acabada da
história” (p. 48). Mas essas limitações eram “limites [...] em boa parte dados por uma conjuntura à qual ele [o
livro] se prendeu muito estreitamente. Fizemos um livro de oposição, o que não é um mal em si mesmo, mas
de uma oposição que procurava apenas os pontos em comum, que na maior parte se definiam pela negativa,
pelo contra, mas que ainda não discutia suas diferenças internas e nem suas divergências” (pp. 47-48).
Roncari talvez quisesse dizer que aquela coleção ainda não constituía o livro para futuro. Mas certamente era
um livro do presente, com todas os vícios que isso pudesse acarretar.
162

Percursos

Todos os autores entrevistados são, de certa forma, profissionais. Têm estrutura


adequada para desenvolver seu trabalho, o que inclui, muitas vezes, escritório próprio fora
de sua residência, com telefone, fax, computador, biblioteca e até funcionário. Todos já
foram professores de 1o ou de 2o grau, em escolas particulares ou em redes públicas. A
maioria deles tem a firme convicção de que sem essa experiência jamais poderiam
elaborar um material didático. Mas, alerta Gilberto Cotrim, não basta ter sido bom
professor:

Eu conheci muitos professores que são excelentes transmissores de


conhecimentos pela via oral, a partir da exposição oral, mas que não
conseguem materializar aquilo num texto escrito. Sistematizar num texto
escrito, com ordenação lógica, mantendo um lado coloquial da linguagem
e sem abusar desse coloquial não tem nada a ver com a transmissão oral. O
livro é texto. Conversando com um colega autor, quando dava algum
problema de texto, ele dizia: “Aí, eu quis dizer tal coisa”. E aí a gente
falava para ele: “Mas você não vai poder estar junto com o livro para
complementar a informação”. O livro tem que dizer por si próprio. O autor
é professor no texto.

 Francisco Marto Moura, área de Português

Eu fiz Letras na USP, terminei em 1972. Comecei a dar aula no primeiro


ano na periferia de Osasco [Estado de São Paulo]. Trabalhei muito tempo
com colégios estaduais. Depois, eu fui trabalhar no supletivo. Gostei muito
dessa experiência no curso supletivo do Santa Cruz, que era uma escola
experimental, que exigiu muito em termos de elaboração de material.
Trabalhei em escolas particulares e em cursinho pré-vestibular, no Anglo-
Latino, no curso Politécnico. Trabalhei, também, no 3o grau na Ibero-
Americana. E voltei depois para o 2o grau e me encontro afastado de
escola secundária há cinco anos.
É interessante a minha trajetória. Eu fui trabalhar no Santa Cruz com o Jiro
Takahashi, que era editor de livros didáticos. Nós discutimos muito a
questão do livro, a produção do material. Nessa época ele me convidou
para fazer leitura crítica. Durante dois anos e meio eu fiz leitura crítica de
livro de Português. Depois de um determinado tempo ele me propôs:
“Chegou a hora de você escrever o material. Já que você criticou durante
muito tempo, então que tal você produzir o material?”. E eu estava meio
descontente com o material que havia. E estava também já acostumado a
preparar material para o cursinho, o Anglo-Latino. E foi aí que eu convidei
o Carlos [Emílio] Faraco, que tinha feito..., era colega de faculdade, a
gente tinha uma série de idéias, discutia muito produção de material. Foi aí
que a gente começou escrever, em 1977, 78; o nosso primeiro material foi
publicado em fevereiro de 1979. Levei dois anos para escrever e o material
foi publicado em 79, que foi Comunicação e Língua Portuguesa, material
de 5a a 8a série, pela editora Ática.
163

 Gilberto Cotrim, área de História

Eu sou professor de História, formado pela USP. Anteriormente, fiz curso


de Direito, pela FMU [Faculdades Metropolitanas Unidas], depois
encontrei o meu campo de trabalho na História. E já trabalhava dentro de
editora, como copidesque, que é uma espécie de redator. E gostei desse
tipo de trabalho, de lidar com a divulgação de conhecimentos, dessa
possibilidade de você levar conhecimentos a um público maior do que
aquele do especialista. E aí comecei a escrever: fui convidado pelo editor a
produzir uma tentativa de primeiro texto didático na área de História. E a
coisa foi indo.
De uma maneira geral, eu tenho um percurso muito diferente da maioria
dos colegas autores. Por quê? Porque eles começam, em geral, como
professor em sala de aula. E um professor relativamente bem-sucedido na
sala de aula, produzem o seu material de ensino, uma apostila, alguma
coisa. Levam essa apostila para o editor. Eu tive um percurso diferente: eu
já trabalhava em editora, eu já era um redator. E aí eu comecei a produzir
meu primeiro material. Depois eu fui dar aula. Terminando o curso, dei
cinco anos de aula, lecionei 1o e 2o grau. Mas eu não vim da sala de aula
para a editora; eu já estava na editora. Nessa época em que fui dar aula, o
livro estava em elaboração. Para mim foi ótimo dar aula, foi no início da
minha produção, ainda em originais, e eu dentro da sala de aula. Quando
eu ainda dava aula é que o meu primeiro livro veio ser publicado. Ainda
tive a oportunidade de lecionar com o livro impresso na mesma escola.
Na editora eu adquiri um conhecimento técnico do que a editora quer. Eu
estava do outro lado do balcão. Então, eu tinha uma certa noção das
exigências editoriais, da dificuldade..., da própria forma de apresentação
de um trabalho. Eu acho que consegui vencer devido a esse trabalho de ser
redator, de ter trabalhado com outros livros, conversando com autor.

 Elian Alabi Lucci, área de Geografia e Estudos Sociais

Eu sou formado em Geografia pela PUC [Pontifícia Universidade


Católica], de São Paulo, e sou autodidata em História. Saí da PUC e fui
lecionar no Colégio São Luiz. Em seguida, voltei para PUC como
professor da Faculdade de Economia. E como professor da PUC, eu
preparei um curso apostilado de Geografia Econômica que, em 1972, se
transformou num livro, Geografia econômica para o 3o grau, que chegou
até a oitava edição, e que não caminhou porque não tive mais tempo de
atualizá-lo. No Colégio São Luiz, onde lecionei, um aluno levou um
caderno que eu exigia dos alunos, muito bem-feito de Geografia, para a
editora Saraiva. Isso em 1971. O editor gostou, disse-me que dali sairia um
livro e se eu tinha idéia de trabalhar no campo editorial. Aí eu preparei do
caderno o primeiro livro. O caderno – que eu exigia dos alunos com
desenhos, com diagramas, com mapas muito bem-feitos, com textos –
basicamente foi o esqueleto da obra. Aí do caderno, eu acrescentei mais
uma boa parte de material novo, e o livro saiu junto com esse livro de 3o
grau de Geografia Econômica. E, assim, em 72 eu lancei dois livros. Um
Geografia para 5a série e o Geografia Econômica para o 3o grau. Os dois
livros obtiveram sucesso e eu fui convidado para fazer o segundo volume
da coleção de Geografia, que seria o Geografia Regional. Eu fiz o segundo
volume e em 73 eu já tinha dois volumes de Geografia, um para 5a e um
para 6a, e já estava na segunda ou terceira edição do Geografia
Econômica, que passou a ser adotado em inúmeras faculdades do Brasil
inteiro. Foi muito bem recebido no Brasil todo. E depois, em 73, eu lancei
164

mais dois livros completando a coleção Geografia da Saraiva, 5a, 6a, 7a e


8 a.
A partir daí, eu lancei uma coleção de História. Eu já lecionava História.
Aliás, comecei lecionando primeiro História, em 1964, para depois vir a
lecionar Geografia. Como autodidata em História, e tido uma boa carga de
História no curso de Geografia da PUC, eu tinha habilitação para lecionar
História. Então, escrevi. E saí em 74 com quatro volumes de História, que
também tiveram uma ótima receptividade. E pronto: aí, vieram convite
para que escrevêssemos Educação Moral e Cívica, Organização Social e
Política do Brasil e uma coleção Estudos Sociais de 1a a 4a. Isso, ao longo
de dois, três anos. Chegamos em 77, 78, eu já tinha publicadas as coleções
Geografia, História e uma de Estudos Sociais de 1a a 4a, mais o Geografia
Econômica do 3o grau, mais um livro de OSPB e um de Educação Moral e
Cívica. Então, a editora passou a me pedir cada vez mais originais, eu fui
diminuindo o número das minhas aulas, mas permanecendo no magistério.
Leciono até hoje, continuo no magistério, trinta e tantos anos no
magistério. Mas, diminuí a carga de aulas para me dedicar ao livro, porque
a partir daí foram surgindo os convites para viagens, palestras, cursos.

 José Ruy Giovanni, área de Matemática

Nasci em Rio Claro, cidade do interior de São Paulo, cursei lá 1o grau; 2o


grau aqui [em São Paulo] no [Colégio] Mackenzie. E sou licenciado em
Matemática pela PUC de São Paulo. Durante um bom período da minha
vida – praticamente 22 anos, 23 até – eu trabalhei tanto na escola oficial
como na escola particular. Trabalhei em três colégios estaduais – na época
valia a pena trabalhar – e fui professor do Colégio Arquidiocesano de São
Paulo e do Colégio Cristo Rei. São escolas particulares, escolas católicas.
Em 1975, nós recebemos um convite da editora FTD para fazer um livro
sobre Matemática – o Arquidiocesano é um colégio marista e a FTD é
ligado aos maristas. Atendendo a esse convite, procuramos colocar a nossa
experiência dentro do livro, ou seja, procurar transformar o livro numa
aula. O primeiro trabalho realmente foi difícil, porque numa aula você diz,
você usa alguns termos que depois você não pode usar no livro. Mas, de
uma forma geral, nós conseguimos fazer uma linguagem que atendesse
principalmente o aluno. Ou seja, o livro, dentro da nossa concepção, ele
não pode atender só o professor. Ele tem que atender principalmente o
aluno. Então, se você usa uma linguagem simples, sem que seja errada –
uma linguagem, portanto, cientificamente correta –, você tem o grande
objetivo do livro que é justamente esse. Então, minha trajetória começou
dessa forma, ou seja, colocando nos livros a experiência de sala de aula, e,
graças a Deus, obtive relativo sucesso.
O primeiro livro foi simplesmente Matemática – de 5a a 8a série do 1o
grau. Esse foi o primeiro livro. Dentro do ponto de vista da época, era um
livro até relativamente avançado. Hoje, sabemos que é um livro tradicional
– claro, dentro do novo ponto de vista do ensino da Matemática. A partir
daí, fomos criando novas coleções, 1a a 4a, pré-escola, 2o grau, e hoje
temos uma gama muito grande de coleções, claro que procurando sempre
dar um passo de forma a dar ao professor, que hoje tem muita dificuldade
em reciclagem, essas coisas todas, dar ao professor as novas tendências do
ensino da Matemática, mas com o cuidado bastante grande de não quebrar
a perna. Então, a gente procura aos poucos ir colocando o professor dentro
das tendências do ensino da Matemática, e sempre com uma visão: atender
à leitura do aluno, ou seja, fazer com que o aluno seja capaz, se ele faltar
numa aula, ou duas ou três, de Matemática, se ele ler aquilo que está no
livro, ele consegue entender aquela parte da Matemática que está faltando.
165

 Luiz Márcio Pereira Imenes, área de Matemática

Eu fiz o curso de Engenharia Civil na Escola Politécnica da USP e ainda


estudante comecei a lecionar, fui me envolvendo com a Educação e fui
percebendo que o meu negócio não era Engenharia. Na época eu fazia
também o curso de Matemática na USP, mas tive que optar e optei pela
Engenharia. No fim, eu nunca exerci a Engenharia. Eu fiquei lecionando.
Lecionei 1o, 2o e 3o grau, em curso pré-vestibular durante muito tempo e,
posteriormente, fiz o mestrado em Educação Matemática na Unesp, em
Rio Claro. Então, minha formação acadêmica é essa.
Agora, quanto à trajetória que me levou a autoria de livros, é mais ou
menos a seguinte: todo professor prepara suas aulas, faz as notas de aula,
isso vira uma apostila. No cursinho a gente sempre trabalhou com
apostilas. E o primeiro convite para publicar foi em 1972, 73, por aí. Veio
da Editora Abril4 para fazer o Abril Vestibular. Depois desse trabalho, nós
[Imenes, José Jakubovic (Jakubo) e Marcelo Lellis] fomos convidados
pela editora Moderna para fazer uma obra para 2o grau, e foi nessa época,
por volta de 72, 73, 74, por aí, que nós três vivemos um processo muito
interessante de reflexão sobre a formação que nós tínhamos recebido. Foi
aí que a gente se deu conta de que a Matemática tinha história. Isso foi
modificando a nossa prática na sala de aula. Foi modificando as nossas
apostilas, e a culminância desse processo foi uma obra que nós publicamos
em 78, 79, pela editora Moderna, chamada Matemática aplicada, em três
volumes e mais os três livros do professor. Essa obra foi um grande
sucesso de crítica, mas foi também um grande fracasso comercial. Teve
uma única edição e depois de 10 anos a editora se desinteressou em
publicar novamente a obra. Mas ela foi uma contribuição que nós demos
para..., nessa época o ensino de Matemática aqui no Brasil estava muito
marcado pela Matemática Moderna. E, no entanto, a visão que a gente
dava era muito diferente, com muitas aplicações da Matemática, com
muita história da Matemática, mostrando a Matemática em construção,
inovando no currículo, inclusive, no currículo de 2o grau. Bom, depois
disso o trabalho seguinte, em 1981, foi o Telecurso primeiro grau. E o
Telecurso já foi um desdobramento do Matemática Aplicada. Fizemos, os
três também, o livro e trabalhamos nos programas de televisão. O trabalho
seguinte foi na continuação desse, Telecurso segundo grau.
Depois disso, eu já estava fazendo a pós-graduação. Eu estava trabalhando
com Nilson José Machado, num colégio, e trocando idéias, – o Nilson já
era autor também – falei de uma coleção de livros na época editada pela
União Soviética, edições populares de Matemática, são os paradidáticos de
Matemática. E a gente dizia: “Não temos nada parecido aqui no Brasil
para 1o grau”. Começamos a trocar idéias sobre isso, o Nilson levou essa
proposta para editora Scipione, que gostou da idéia, nos deu espaço, e em
1986, dois ou três anos depois disso começado, lançamos aquela coleção
“Vivendo a Matemática”, coleção paradidática que hoje tem 15 volumes,
com vários autores. Foi um trabalho também gostoso de fazer. E aí uma
coisa vai puxando a outra. Quer dizer, desse trabalho fui me dando conta
de como o ensino tradicional de Matemática está rigidamente preso a um
modelo de apresentação da Matemática – esse foi o tema da minha tese –,
um modelo formal, euclidiano, de apresentação da Matemática, que
determina o currículo, o livro didático, a apostila do professor, a visão que
ele tem de Matemática. E aí eu me dei conta de que no Matemática
Aplicada, feito anos antes, a gente tinha rompido com essas coisas meio no
peito e na raça, quer dizer, sem fundamentação teórica, sem... foi uma

4. Na verdade, Abril Cultural.


166

coisa meio de impulso. E aí passou a ser um desafio fazer um trabalho


semelhante para 1o o grau. Jakubo, Lellis e eu fizemos esse trabalho para
1a a 4a série. O livro foi publicado em 1992 e, em seguida, Lellis e eu –
Jakubo não quis participar desse trabalho (e veio a falecer) – completamos
esse trabalho para 5a a 8a série. No meio disso, fizemos uma outra série
paradidática, na editora Atual, chamada “Pra que Serve Matemática?”,
sempre movidos pelo desejo de modificar o ensino de Matemática.

 Maria Lúcia de Arruda Aranha, área de Filosofia

Eu fiz Filosofia na PUC, São Bento, aqui em São Paulo, de 60 a 63, e


comecei a dar aula inicialmente na escola pública e depois na escola
particular. Não comecei dando Filosofia, não. Comecei dando aulas de
História, até que consegui aula de Filosofia. Então, comecei na escola
pública. Mas, como era antes da reforma de 1971, era assim: a professora
titular dava aula de Filosofia no clássico e eu dava aula no científico. É
nesse momento que, eu acho, comecei a realmente preparar um curso de
Filosofia – e com a orientação da professora titular, sabe? Eu acho que foi
assim importantíssimo esse contato com uma professora já experiente e
que teve a generosidade de me fornecer até fichamentos que ela usava em
sala de aula. Depois veio a famigerada lei 5.692 em 71, e a Filosofia saiu
do mapa. Então, nesse meio tempo, eu dei aula de Psicologia naqueles
cursos profissionalizantes. E depois fiquei encostada mesmo, na
biblioteca, porque eu era estável no serviço público. E aí eu desisti da
escola pública e fui para escola particular e dei aula em boas escolas de
São Paulo, que mantiveram o curso de Filosofia, apesar estar extinto, no
Colégio Palmares e depois no Galileu Galilei. E era bem essa idéia de que
a gente estava desobedecendo a lei, fazíamos questão mesmo de manter o
curso de Filosofia. Eu dei aula no Palmares de 75 a 79. Depois de 80 a 86,
eu dei aula no Galileu, onde tínhamos Filosofia nos três anos do colegial.
Era uma maravilha, porque eu começava no primeiro ano, quase que com
um trabalho de leitura de texto, quer dizer, era aprender a ler –
compreensão, interpretação, problematização –, e só no segundo semestre
do primeiro ano e depois no segundo é que realmente eu entrava em
Filosofia. Então, o que aconteceu? Nesse período que eu dei aula, eu
preparei, sem saber que estava preparando, o meu livro. Porque não só eu
entrava em contato com professores de outras áreas, mas já via quais eram
as necessidades para trabalhar com os pressupostos desses professores,
acho que fazia o papel mesmo que a Filosofia deve fazer, que é essa busca
da interdisciplinaridade e da fundamentação teórica dos pressupostos de
cada ciência, de cada fazer. Até que, em 84, eu fui convidada para
apresentar um projeto para uma editora de São Paulo. Vou até contar qual,
não era a Moderna, não. Foi a Atual. Aí, eu convidei uma amiga minha, a
Maria Helena [Pires Martins], que tinha trabalhado também no Galileu
dando aula de Estética. Ela também é formada em Filosofia e nós fizemos
um pequeno projeto que não foi aceito. A argumentação foi de que o nosso
projeto era pessoal demais e não atenderia o público que se visava atender
com o livro didático.
Em 82, Filosofia passou a ser optativa. Então, começou a surgir o interesse
das editoras para publicar. O que é que a gente tinha em livro didático de
Filosofia? Quase nada. Bom, aí ficamos com o nosso projetinho, quer
dizer, enfiamos a viola no saco e ficamos bem quieto. Até que avisaram
que a Moderna estava procurando um autor para Filosofia. Aí,
167

apresentamos o nosso projeto, eles confiaram na idéia e fomos


desenvolver esse trabalho.
O que foi preciso fazer nesse momento? Na verdade, foi desenterrar tudo
que eu tinha de texto, que tinha sido resultado do trabalho daqueles longos
anos. E um pouco mais, porque eu tive que montar uma estrutura e rechear
onde havia vácuos e fazer esse livro. O que aconteceu? Nós fizemos um
livro absolutamente novo, que era uma idéia de não começar pela História
da Filosofia. Quer dizer, desenvolver temas e aí, sim, nesses temas fazer a
abordagem da História da Filosofia. E como o tempo todo eu trabalhei em
escola particular, em que tinha que ter uma preocupação muito grande de
atrair a atenção dos alunos, no final o livro apresenta um interesse muito
grande. As pessoas gostam de ler. Isso eu digo assim, sem falsa modéstia,
porque eu acho que a gente abriu realmente um caminho, para fazer um
livro que fosse minimamente interessante. Até porque a gente tinha que
convencer o aluno de que Filosofia é uma coisa boa, interessante e
importante. Então, a primeira versão do Filosofando saiu em 86, como
resultado de um trabalho longo em sala de aula. Acho que foi mais de um
ano que a gente levou escrevendo.

 Marcelo Lellis, área de Matemática

A minha formação é de bacharel em Matemática, pela USP. Comecei a dar


aulas e fazer pós-graduação, mas aí acabei ficando só com as aulas e muito
interessado em ver como é que se podia aprender Matemática de uma
maneira razoavelmente simples, vendo que os alunos normalmente tinham
os mais sérios problemas. E aí, nessas tentativas de ensinar Matemática, eu
acabei escrevendo apostilas e outras coisas assim, e no fim acabei sendo
convidado por um outro colega para escrever um livro didático, porque a
gente acreditava que poderia expor Matemática de uma maneira que todo
mundo aprendesse. Isso não é uma ilusão, claro. Daí começamos a
escrever livros, e eu acabei, nos últimos cinco anos, ficando só em função
de livros, quer dizer, ganhando a vida a partir do que eu escrevo, só. No
momento é assim.
Ah, isso foi nos anos 70, começo dos anos 70. Eu dava aula no 1o grau, no
2o grau e no 3o grau também. Eu também trabalhava como coordenador de
Matemática de um colégio, que tinha de 1a a 8a série. Então, deu para ter
um conhecimento dos alunos e do aprendizado deles numa faixa bastante
ampla, um espectro bastante amplo, uma faixa etária bastante ampla. E no
outro colégio eu trabalhava com o 2o grau e trabalhava numa faculdade
particular, então dava para ter uma visão global do aprendizado de
Matemática das pessoas. Inclusive da rede pública: quando era estudante,
fui professor na rede estadual. Também era professor no noturno, a
maioria dos meus alunos eram operários que trabalhavam durante o dia.
Olha, é fantástico quando você é um novato, eu tinha 20 anos naquela
época, e eu dava a mesma aula de Matemática para o pessoal que estava
no noturno da rede pública e para o pessoal da rede particular, que eram
estudantes de 13 anos, e eu não percebia que eram diferentes! Quer dizer,
no começo eu não sabia que eram diferentes as apreensões, a maneira de
encarar, a utilizar o sentido que a Matemática tinha. Agora eu sei, mas eu
não percebia. Incrível, isso me assombra.
Então a gente começou a escrever já tendo um acordo com a editora e até
com algum adiantamento, porque o Jakubo [José Jaukobovic] era uma
pessoa conhecida no meio, foi professor de cursinho muito tempo etc.
Então, o que facilitou foi ter esse adiantamento da editora, que permitiu
escrever. Se bem que na mesma época ainda trabalhava no colégio e na
168

[Fundação] Roberto Marinho, fazia os roteiros de Matemática [para


Telecurso 1o grau]. Tinha bastante trabalho.
Agora, quando a gente começou a escrever o livro, nós planejamos – mas
a editora também forçou – que a gente fizesse alguma coisa próxima do
tradicional, e não... A gente não teve total liberdade para colocar as nossas
idéias, porque eles tinham medo de não vender. Mesmo assim, a gente fez
uma coisa tão distante do tradicional que no fim o livro não foi editado por
aquela editora. A gente teve que sair de lá com o livro, e uma outra editora
comprou os direitos e editou o livro. A experiência foi assim: havia
prazos, a gente desrespeitou todos, porque não conseguia escrever nos
prazos. A gente escrevia que nem um louco, horas e horas. Sei lá, levou
quatro anos para fazer. Havia coisa que a gente escrevia, refazia, refazia,
refazia. E havia momentos em que..., coisas da Matemática elementar, que
a gente conhecia bem e dava aula bem, na hora de escrever... O escrever
possibilitou uma reflexão sobre aquilo e a gente viu que nada daquilo
estava claro. Nem para nós, nem para os alunos, nem para os professores,
nem para ninguém! Ninguém sabia direito o que era aquilo, o que
significava, para que servia etc. Então, houve momentos em que a gente
tinha que refletir, discutir, dias e dias, para ver que partido tomar, o que
fazer. No fim, a gente pode dizer que pessoalmente, do ponto de vista
psicológico, foi um pequeno inferno escrever esse livro. Foi muito
doloroso e o resultado foi igualmente doloroso, porque quando ele foi
editado, ele era um objeto feíssimo, o que dificultava a leitura... Então, a
gente jogou quatro anos de trabalho numa coisa que não satisfez, não pelas
idéias, até as idéias eram até boas, não é um livro ruim, mas é...
Do ponto de vista do editor, ele tem medo de perder dinheiro. Ele faz um
grande investimento num livro e não quer que esse livro seja..., vire
estoque e depois seja picado. Então, esse tipo de conflito é normal e o
editor não é vilão por causa disso. Além do mais, no nosso caso o editor
dava um adiantamento, e esses autores recebiam esse adiantamento e
desrespeitavam todos os prazos, porque não conseguiam entregar nos
prazos. O editor ficava alarmado com isso também. Eu não acho que o
editor estivesse errado em reclamar, em haver esse conflito. Esse conflito é
inevitável. Então, faz parte das coisas. Nenhum dos lados é vilão por causa
disso, não. Quando a gente tirou o livro de lá, o adiantamento foi
devolvido. A outra editora devolveu. E depois nós devolvemos para outra
editora com os direitos autorais, e houve correção. Mas se a outra editora
não tivesse tido lucros, ela teria perdido esse dinheiro.

Autor diante do editor

Editora não é gráfica que imprime o texto que o autor entrega. Mexerá no texto,
exigirá reformulações, fará adaptações e estabelecerá cláusulas e obrigações. O autor será
autor porque nunca mais deixará de reescrever o seu texto. Relembra Francisco Moura:

No início foi muito difícil, porque eu achava que ia apresentar o material e


esse material seria aceito totalmente, não haveria necessidade de mexer,
em poucos meses esse material estaria pronto. Eu não tinha a mínima idéia
do que era fazer um livro. Eu achava que era simples, como eu acho que a
grande maioria dos professores pensa. Mesmo professores universitários
não têm noção do trabalho que isso representa. Por exemplo, quando eu
entreguei o livro, achei que o meu trabalho tinha acabado. Qual não foi a
169

minha surpresa, o trabalho que eu tive depois, com discussão com editor,
trocar unidades inteiras. Muitas vezes é aí que começa o verdadeiro
trabalho, é no pingue-pongue, vai e volta, de uma leitura crítica para
perceber inadequação de linguagem; a gente tem que reescrever; cortes em
função do número de páginas; pequenas alterações – isso demora. O
primeiro livro de 5a série foi escrito três vezes. Nós fizemos um primeiro
material extremamente difícil, inadequado, segundo o editor e alguns
professores. O segundo material ficou, digamos, extremamente facilitado;
nós chegamos num material mais adequado numa terceira vez. É, então,
um trabalho muito demorado, que a maioria do pessoal ignora. E eu
percebi a importância, por exemplo, de um assessor editorial, de um
editor, do revisor. A gente tinha a pretensão de que não deixava escapar
nada, que isso era tudo muito tranqüilo – e não é. Então, foi um longo, um
longo aprendizado.

Para Maria Lúcia de Arruda Aranha esse aprendizado significou tornar-se mais
consciente dos problemas e dos vícios de linguagem:

A gente não tem idéia disso, né? A gente não sabe, por exemplo, o que é
um trabalho do preparador, que é um trabalho que eu respeito muitíssimo
– é lógico, quando a gente pega um bom preparador. Porque o bom
preparador tem que ser suficientemente generoso para saber que tem que
contribuir para o texto ficar mais claro, mas que não pode estar querendo
ocupar o lugar do autor. Eu já encontrei gente desse tipo, de querer
reescrever o meu texto.
As alterações [no primeiro livro] foram só de linguagem, por exemplo, em
trechos poucos claros ou quando havia vícios de linguagem oral. Isso é
muito típico de quem..., de professores escrevendo o seu primeiro livro.
Então, eram ajustes que foram, assim, bastante benéficos e que me
ajudaram, inclusive, a aprender um pouco mais a escrever. Uma coisa que
ficou muito clara desde o início é que a gente não podia fazer parágrafos
longos demais; então, se você olhar os parágrafos sempre são curtos. Uma
preocupação para ver se o sujeito não estava oculto..., uma preocupação
em não fazer frases arrevesadas, que comecem pelo complemento... E uma
preocupação na exposição do mais concreto para o abstrato. Nunca
começar de chofre com conceitos que possam assustar os alunos, mas
sempre ir chegando neles até para eles verem que precisam usar os
conceitos e que existe um rigor no uso desses conceitos. Mas partindo, de
certa forma, do universo deles. Então, esse cuidado com a linguagem a
gente colocou realmente como imprescindível para o trabalho.

Já Luiz Imenes passou por editora que praticamente era quase uma gráfica. E ressalta o
amadurecimento do setor editorial e o aprendizado mútuo, do autor e da editora, cuja
relação é muitas vezes conflituosa:

Como eu disse, as primeiras coisas que eu publiquei foram as minhas


apostilas. E apostila sai da mão do autor para a gráfica, ela não passa por
uma edição. A primeira vez que eu vivi o processo de edição, ou melhor,
que eu tomei conhecimento do processo, da existência desse processo, foi
com o Telecurso. Porque o Matemática Aplicada que nós fizemos pela
Moderna, ele não teve edição. A editora Moderna na época era uma
casinha, uma coisa pequena, estava nascendo, e ninguém acho que sabia
muito bem como se fazia livro. De modo que o que nós escrevemos foi
170

publicado, houve uma revisão de português e nada mais. Isso não é edição.
No Telecurso houve uma edição, só que quem participou da edição não fui
eu, foi o Jakubo. Então, eu não vivi esse processo. Eu fui viver esse
processo de edição de uma obra em 86, 87, com a coleção Vivendo a
Matemática. Lá é que eu comecei a despertar para isso. Alguns dos
volumes da edição fora reescritos sete, oito vezes. É claro que a gente
como autor, reage sempre com um pé atrás quando alguém quer mexer no
texto da gente. Só que com o tempo você vai aprendendo que essa
intervenção, desde que seja séria, competente, de uma outra pessoa na sua
obra, e desde que você não saia do lado, desde que você esteja
participando disso o tempo inteiro, essa intervenção, ela enriquece a obra,
ela é necessária, e eu acredito que é a verdadeira fórmula para se produzir
um texto. Hoje, eu..., esse processo se inverteu, quer dizer, se há anos atrás
eu reagia quando alguém queria meter a colher no meu mingau, hoje é ao
contrário, eu tenho perfeita consciência de que não devo publicar
absolutamente mais coisa alguma sem passar por esse processo de edição.
Agora, isso não dá para generalizar. A gente nota que quem não tem essa
prática reage como eu reagia também. Em suma, tem muita briga entre
autor e editor.
Então, esse é um processo de amadurecimento, que eu acho que é um
processo de amadurecimento do setor. Você vê que a coisa é recíproca, os
técnicos de edição tem que conhecer qual é a sua participação no processo.
Eles não são autores, eles não podem ser autores e eu não posso ser editor.
É aprender a trabalhar em equipe, aprender a trabalhar em conjunto,
entender as razões do outro. Por que ele sugere que eu modifique esse
texto? Por que essa ilustração aqui não cabe? Por que esse tipo de
linguagem – seja ela a linguagem da ilustração, a linguagem do texto – por
que ela não está adequada? Essas questões todas a gente vai aprendendo.
Agora, as editoras estão aprendendo aos poucos que o mercado vai se
tornando mais exigente. Elas vão formando suas equipes também. Eu vejo
como as coisas mudaram, hoje você tem pessoas nas editoras que sabem
fazer esse trabalho. Quando eu comecei não se investia. Naquela época,
editora era gráfica. Editora não editava, editora imprimia, rodava.
Em tudo que eu fiz até hoje, eu consigo me reconhecer. Em tudo. Não tive
nenhuma experiência negativa nesse ponto. Agora, é preciso ponderar o
seguinte: às vezes, o autor briga para estar presente no processo e não
consegue. Ele é alijado do processo. Isso eu estou falando de casos que eu
conheço. Mas nem sempre ele faz questão de participar do processo
também. Às vezes, ele entrega o original e depois quer ver a obra pronta e
não quer saber, não participa de revisão e tal. Eu acho que uma condição
para a gente se reconhecer na obra é você entender o que é edição.
Respeitar esse trabalho, apoiar esse trabalho e estar junto dele o tempo
inteiro. Isso dá um trabalho. Ontem, saí da editora às 10 horas da noite,
porque eu estava revendo um capítulo do livro da 5a série. Primeira prova.
E aí você tem que ter uma atenção, fazer as contas de novo, conferir
gabarito, ler palavra por palavra, porque apesar de ter passado pela
revisão, escapa, sempre escapa alguma coisa. É terrível. Então, acho que
para conseguir isso não é de graça. Dá muito trabalho para você se
reconhecer na obra, e outra: acho que para o autor se reconhecer na obra é
preciso de fato que seja uma obra, está certo? É preciso que ela tenha algo
de novo, que tenha uma proposta, que tenha uma continuação. Se é mais
uma, se é para fazer mais uma.... bom, então, eu não vou me reconhecer
nunca, porque é igual àquelas que já existem. São erros também que se
cometem com freqüência.
171

A dificuldade de traduzir em linguagem escrita – e impressa – o que se costuma


dizer em linguagem oral é o que ressalta José Ruy Giovanni, que também descreve os
passos da edição depois que um original é entregue:

No princípio era difícil. Numa aula você usa uma determinada linguagem
para atender aquele instante, uma pergunta do aluno. No livro, essa
linguagem às vezes você não pode usar. Você usa na aula uma imagem
que para o aluno naquele instante tem um certo valor..., de aprendizagem.
Só que essa imagem você não pode colocar no livro, porque às vezes ela
não é cientificamente correta. A imagem só serve para aquele instante.
Aqui na FTD temos mais ou menos um procedimento assim: nós fazemos
a nossa parte que seria a parte inicial, que é fazer os originais. Feitos os
originais, eles são levados para o editorial; no caso o editorial de
Matemática, onde temos um grupo de especialistas que vão examinar.
Além disso, o editorial de Matemática costuma passar esse livro para
professores que estejam na ativa, justamente para que eles sintam, para
fazer uma crítica, uma análise, se o livro não está muito distante da
realidade. Então é preciso colocar o pé no chão. Além disso, nós temos
uma equipe que monta, faz a montagem do livro, um projeto. Esse projeto
é discutido com o autor, o autor dá suas sugestões. Às vezes, há conflito
entre o artista que faz o projeto e o autor que queria uma outra coisa, mas
sempre procura-se chegar a um denominador comum. E depois as próprias
ilustrações, que são muito importantes – eu considero que o livro tem que
ter uma ilustração séria. Embora possa haver ilustrações que sejam
infantis, mesmo essas ilustrações devem mostrar um caráter de seriedade,
porque a Matemática é uma matéria séria. Além disso, as ilustrações não
podem ser colocadas, jogadas à toa no livro, sem que elas digam nada com
aquilo que está no conteúdo. Então, aqui da FTD, nós examinamos todas
as ilustrações, o autor faz as indicações de fotografias, inclusive. Às vezes,
o próprio autor, quando ele tem assim uma fotografia mais específica, o
próprio autor tira as fotos. E depois, então, cada colocação no livro é
analisado não só pelo autor, mas também pelo departamento de arte para
que a gente veja se aquela ilustração, aquela fotografia, diz respeito, está
boa e assim por diante. Então, é todo um trabalho em equipe, na realidade.
Hoje não é só escrever, colocar no papel, entregar e esquecer. Não, é todo
um trabalho de acompanhamento para mostrar justamente a seriedade
desse trabalho.

Para além das palavras

Também Luiz Imenes ressalta a necessidade de acompanhar todo o trabalho de


arte, embora confesse dificuldades em lidar com ilustração, em utilizar a imagem como
texto e não apenas decoração:

Há um ponto aí que acho que é crítico nessa história: como diz a Sílvia
Magaldi [que dirigiu o Telecurso], “nós todos somos da geração
Gutenberg, fomos formados na palavra impressa”. E as coisas hoje não são
assim, quer dizer, a imagem tem uma força fantástica. E aí, como é que eu
faço – no meu caso, um texto de Matemática – como é que eu uso a
imagem como texto? Eu não aprendi a fazer isso, eu estou aprendendo e
172

estou aprendendo graças aos meus colegas que entendem disso, que
entendem de programação visual, de linguagem gráfica, que sabem fazer
história em quadrinhos.
Eu vou falar de duas experiências, uma nesse trabalho que a gente está
produzindo agora. Essa relação do autor com arte, ela está, nesse caso,
sendo intermediada pela editora. Nós fizemos um guia para cada ilustração
da obra. Nesse guia a gente coloca todas as características da ilustração, o
que ela deve contemplar, como é que a figura dever ser. Bom, no caso de
uma obra de Matemática, boa parte das ilustrações é técnica; então, aí não
tem nem muito o que inventar, são figuras geométricas. Agora, há uma
outra parte de figuras, digamos, técnicas em que há espaço para criação, a
gente pede a criação deles, do ilustrador. Você dá as determinadas
características que ele tem que contemplar e, contempladas as
características, então ele deve ser criativo, bolar uma coisa interessante.
Por exemplo, para reproduzir a solução de um aluno com um problema
qualquer, a gente, às vezes, usa história em quadrinhos, humor inteligente,
educativo. Aí é fundamental a criação do artista. Aí é o espaço de ele criar.
Então, isso está sendo... nesse trabalho está sendo conduzido dessa forma.
Agora, a outra experiência que a gente teve na relação com a arte, foi na
coleção “Pra que Serve Matemática?”. Ela tem uma equipe de ilustradores:
Paulo Tenente – é relativamente conhecido, trabalhou na Abril –, o
Cláudio Atílio e a Cecília [Iwashita]. Bom, cada uma dessas ilustrações foi
discutida com a equipe, os três autores, mais os três ilustradores,
discutindo cada uma dessas ilustrações. Quer dizer, no original da gente
havia uma indicação do que a gente queria, e sentávamos, conversávamos
sobre o que a gente desejava. Então, esse foi um trabalho em que não
houve intermediação.

Marcelo Lellis completa as informações de Luiz Imenes, seu parceiro, a respeito da arte
do livro que tinham acabado de concluir:

Na diagramação, foi feita uma coisa para modificar mesmo a leitura. A


proposta de leitura do livro é diferente. Como é um livro para
adolescentes, ele funciona assim, a coisa mais parecida em termos de
leitura, é a de antigo “Príncipe Valente”, que é um gibi. Na versão antiga,
o “Príncipe Valente” não tinha balões, tinha texto e figura, texto e figura.
E o livro funciona assim, é para ser lido texto e figura. Figura também é
para ser lida. Então, primeiro foi feita uma estrutura de texto e imagem que
torna a aparência gráfica do livro diferente, porque é obrigatório que a
imagem esteja naquele local. A imagem não ilustra, a imagem é texto.
Então, ela tem que estar numa seqüência absolutamente precisa, de modo
que você tem que diagramar página por página. E o autor teve que
colaborar na diagramação. Todas as páginas tiveram que ser revisadas. É
um inferno.

Parcerias

Não é rara a co-autoria em livros didáticos. Seja qual for o tipo de divisão de
trabalho estabelecido entre parceiros, um aspecto da co-autoria é valorizado por todos: a
crítica mútua e constante. Maria Lúcia de Arruda Aranha descreve o sistema que adota:
173

Com a Maria Helena, a gente realmente fez uma divisão de tarefa, porque
a Maria Helena dá aula aqui, dá aula na ECA [Escola de Comunicação e
Artes, da USP], mas ela mora em Campinas [interior de São Paulo]. E a
gente tem contato, mas não é um contato muito freqüente. Então,
dividimos tarefas: ela tinha as unidades que ela tinha que trabalhar, eu
tinha outras. Aí, a gente trocava idéias em função dessa estrutura inicial do
livro, de como ele haveria de ser montado em cada capítulo, quais os
critérios que norteariam o nosso trabalho. E depois a gente fazia
individualmente e trocava os capítulos feitos. Então, eu lia o que ela fazia,
ela lia o que eu fazia e, em função das nossas críticas, a gente ia
retrabalhando. Eu acho que a gente tinha muita afinidade anterior, pelo
fato de já ter trabalhado junto na escola, né? Em duas escolas, porque ela
trabalhou também no Palmares e depois no Galileu. E aí o livro era feito
assim, não era tão a quatro mãos. Quer dizer, ela tocava uma partitura e eu,
outra.

No caso da parceria entre Luiz Imenes, Marcelo Lellis e José Jakubo, a co-autoria é um
procedimento mais meticuloso e complexo, cheio de regras implícitas. A palavra de
ordem é reescrever, reescrever, reescrever. É Lellis quem explica:

No nosso caso, trata-se de um escrever e os outros dois criticarem. E aí um


dos outros reescrevia. Nós nunca fizemos assim: cada um escreve um
pedaço e seja o que Deus quiser. Era sempre uma escrita a seis mãos
mesmo. Às vezes, um tinha o direito de passar a limpo o final, mas sempre
o outro já tinha escrito, já tinha lido a crítica. Por exemplo, agora eu estou
escrevendo para o Imenes, né? É um trabalho calmo, tranqüilo, a gente se
suporta, as críticas são bem aceitas. Ele aceita as minhas e vice-versa. Vai
tudo bem. Com Jakubo, não Aconteciam brigas que eram um inferno. Era
terrível. Nós não deixamos de ser amigos, apesar das brigas.
É muito difícil escrever um livro solitariamente, porque é necessária a
crítica. A crítica é fundamental para você melhorar o livro. Então, eu não
me sinto capaz de escrever um livro de Matemática sozinho, porque para
eu criticar, preciso de seis meses de distanciamento. Então, eu tenho que
escrever, depois deixar seis meses, depois criticar, e aí eu levaria dez anos
para fazer um livro. Eu acho melhor escrever com um parceiro que critique
e vice-versa. E eu fico muito alarmado quando o parceiro começa a não
criticar. Aí, a gente pára, tem uma conversa e fala: “Não é possível, tem
que haver crítica. Não é possível que eu esteja escrevendo bem desde a
primeira vez”. É fundamental isso.
Para fazer um novo livro, a gente faz uma reunião. Cada um vai dando
idéias, vai sendo anotadas as idéias. O Imenes é organizado nisso. Então, a
gente senta e fala qualquer coisa, na base do brain storm, tudo vai sendo
anotado. Depois a gente tem uma segunda reunião com essas idéias já
mais pensadas e a gente tenta estabelecer um roteiro do livro. Depois, a
gente ainda tem reuniões – quando dá tempo, quando os prazos não
apertam – para cada capítulo. Porque aí a gente estabelece o roteiro do
capítulo, aí sai uma coisa minuciosa, precisa. O capítulo escrito com o
roteiro fica muito mais fácil. Só que, às vezes, na hora de escrever, você se
toca que o roteiro não funciona logicamente. Então você escreve de outra
maneira. Mas, às vezes, o roteiro funciona e é só o trabalho mecânico de
escrever. E a gente escreve bem, diga-se de passagem. Aí é só o outro
criticar. Agora, eu digo que a gente tem facilidade para redigir, mas isso
não quer dizer que o texto saia bom da primeira vez. O texto só sai bom se
depois ele for reescrito, reescrito, criticado etc. Então, eu acho que textos
bons são aqueles que são reescritos, reescritos e criticados.
174

Comprovando a fama de organizado, Luiz Imenes chega a mostrar um caderno em que


todas as discussões estão anotadas – uma espécie de diário de bordo:

Eu vou me referir a esse último trabalho que a gente fez e que vai estar
publicado agora em agosto [de 1996]. Essa obra, eu comecei a pensar em
1988. Eu tenho um caderno aqui..., início desse trabalho..., me enganei
[folheia o caderno]: “11 de agosto de 87 A Matemática de 5a a 8a série”, e
tinha um título que eu tinha posto Matemática e Vida, que acabou virando
nome de uma coleção da editora Ática. Nessa época eu estava sozinho;
posteriormente, eu retomei isso com o Marcelo [Lellis]. Aí, sim, em 88.
Aqui estão... idéias para o título..., características da obra – são anotações
assim completamente desordenadas. Tempestade mental mesmo..., você
vai botando coisas no papel, as idéias importantes, o currículo básico da
nova proposta curricular da Cenp [Coordenadoria de Estudos e Normas
Pedagógicas, da Secretaria do Estado da Educação de São Paulo], que na
época era nova. Temas por série, “importante valorizar Matemática e
Arte”, “Matemática e Física”, “o livro precisa trabalhar para facilitar o
trabalho do professor e do aluno”... Aqui tem um monte de anotações..., eu
nem sei mais a ordem dessas páginas, porque eu ia para trás, voltava. Aí,
entrou o Jakubo, depois deu uma série de erros. Aí, já é 93. Bom, esse é
um registro desse trabalho.

José Ruy Giovanni já teve vários parceiros, mas agora trabalha com seu filho,
José Ruy Giovanni Jr. Para ele a identidade de pensamento é fundamental para o sucesso
da parceria:

Antes de mais nada, é preciso que os dois tenham o mesmo pensamento, a


mesma filosofia de trabalho. Hoje, nada se faz sozinho, é preciso que haja
realmente um trabalho em conjunto. Quando você quer fazer a coisa
sozinho, às vezes você cai do cavalo. Então, é preciso, antes de mais nada,
que você tenha alguém que diga para você que esta idéia ultrapassa
alguma coisa, ou falta alguma coisa, assim como você pode dizer para ele.
Com o meu filho, nós..., talvez seja eu que dê a parte mais científica e o
meu filho, a parte pedagógica, embora tenhamos a mesma idéia. Mas para
mim ele foi realmente um alento novo, porque ele traz idéias novas. Você
sabe, à medida que a idade vai passando, a sua criatividade vai diminuindo
queira ou não queira, você vai diminuindo o ritmo de criatividade. E o
meu filho trouxe isso. E como ele é professor de Matemática – e,
inclusive, acho que ele é novo, – então, acho que ele deve se manter ainda
na sala de aula porque a sala de aula é o maior laboratório que você pode
fazer, para que você possa fazer uma boa aula. Então, a co-autoria hoje eu
acho importante. É uma questão de você ganhar tempo, é uma questão de
você ter uma boa visão. Só que você precisa respeitar muito a idéia do
outro. Você precisa respeitar as sugestões. Não precisa acatar, mas
respeitar, assim como ele deve respeitar.
Eu já tive uma co-autoria com um professor da universidade, da Unesp, e
eu dizia para ele: “Isso eu acho que está muito além do aluno de nível
médio”. Porque eu não posso escrever um livro para dois geniozinhos da
sala. Eu tenho que escrever para aquele aluno médio. Mas ele me dizia:
“Não, eu preciso fazer isso porque é importante”. Bom, é importante, mas
não é a hora, né? E ele não respeitou muito as minhas idéias e a minha
experiência vivenciada no ensino de grau médio. Ele procurou colocar
muito mais uma idéia da universidade. Resultado: realmente foi o único
175

livro meu que não deu certo. Foi realmente uma decepção. É um livro
excelente em termos de idéias, de conteúdo, é um livro excelente. Então,
esse livro é chamado de “livro muleta”, ou seja, o professor usa sempre
que ele precisa, para tirar dúvidas. Mas ele usa embaixo do braço. Ele não
adota para o aluno, porque o aluno não vai saber, está muito além da
capacidade do nosso aluno médio. Talvez há 20 anos ele tivesse sido uma
beleza. Mas, hoje, dentro da realidade nossa em que você vê, por exemplo,
Norte e Nordeste com quase 70% de professores leigos... Então, dentro
dessa realidade foi um livro que realmente é muito bom para prateleira,
para consulta, mas não é bom para aula.

Francisco Moura forma co-autoria com Carlos Faraco. O princípio da parceria é o


mesmo, isto é, crítica mútua para aprimorar o livro:

Eu acho que é muito bom trabalhar em dupla. Gosto bastante, apesar de


ser bastante difícil. Há uma série de discussões, de conflitos, mas o
trabalho é sempre rico, porque planejamos em conjunto. Então, discutimos
o tipo de livro, o tipo de texto, nós traçamos um planejamento bem
rigoroso do trabalho. A partir daí, há divisão. No caso do 1o grau, nós
dividimos exatamente assim: um faz da primeira unidade até a oitava, e o
outro faz da nona até a décima sexta. É evidente que cada unidade passa
pelo crivo do outro, e nessa hora há muita discussão. Às vezes, cria-se até
um impasse. Mas sempre é muito interessante, porque um tem grandes
idéias e tem mais dificuldades em colocar estas idéias em prática; o outro
já tem uma visão bastante pragmática, né?! E isso a gente percebe que
oscila: muitas vezes eu tenho uma visão bastante acadêmica, teórica, e o
Carlos [Faraco], não; em outros momentos, ele está passando essa visão.
Não que um seja necessariamente assim, ou o outro, assado. Na época que
eu estava fazendo pós-graduação, me chamou muita atenção porque eu
tinha muita dificuldade, meu texto era muito pouco acessível. Então, a
gente tem que reescrever... Então, é muito interessante você sempre ter a
visão do outro, o olhar do outro, embora seja bastante difícil.
O primeiro material, a gente escreveu junto na editora. A gente dava
pouquíssimas aulas e ficava o dia todo na editora escrevendo. Fizemos isto
durante dois anos. A gente fazia a divisão de trabalho..., então, toda hora,
um terminava um texto, o outro já lia. E isso foi ficando difícil. Cada um
tem um ritmo, cada um trabalha na sua casa, no seu escritório, e a gente
tem um momento para discussão do material, que é feito em geral depois
de cada unidade, ou de duas, três unidades. Jamais a gente faz metade de
um livro e passa para o outro ler. As discussões são feitas durante o
processo de trabalho. É interessante notar que as pessoas não percebem se
quem fez a primeira unidade sou eu, ou a quinta unidade é o Carlos e
assim por diante.
No 2o grau, o Carlos se responsabiliza mais pela parte de literatura e eu
pela parte de língua, redação e gramática – no 1o grau não há divisão desse
tipo. Só que os textos são escolhidos em conjunto. Nós escolhemos todos
os textos, cada texto é submetido à aprovação do outro. Sempre! Sempre!
E é a parte mais difícil: é essa a parte inicial, a escolha de textos. A gente
faz sempre... esse é o primeiro trabalho: começa pela seleção, que leva
mais tempo.
176

Quem é o leitor?

Para quem o autor escreve? Como ele imagina que o seu livro será utilizado? Da
definição dessas questões depende a elaboração de propostas propriamente didáticas do
livro. Gilberto Cotrim imagina um perfil do “público médio”, em que a figura do
professor – ou professora, como faz questão de ressaltar – adquire contornos mais
precisos:

A experiência da sala de aula, no processo de fazer o livro, é muito


importante. É muito importante porque você tem o aluno na sua frente.
Sempre tomando cuidado em não querer generalizar aquele aluno que você
tem para o seu público do livro. Por exemplo, eu lecionei durante cinco
anos: fiz três anos em escola noturna e depois peguei o aluno diurno. Mas
é totalmente diferente! Os meus livros, eles não são voltados propriamente
para escola noturna. Então, eu não poderia nivelar meu livro pelo tipo de
dificuldade que meus alunos apresentaram.
O que é esse público médio, o aluno médio? É complicado. Como eu não
tenho pesquisa, eu construo dentro de mim, pela minha vivência, como ser
humano, o leitor imaginário. E é um leitor duplo: um leitor-professor, que
é o primeiro, que vai me ler, que vai..., e o leitor-aluno. Eu escrevo para
essa professora – começa por aí, é uma professora, não é um professor...
Esta professora tem alguns gostos, tem uma classe social, tem um tipo de
saber, tem um tipo de expectativa de vida, tem um tipo de indignação. Eu
escrevo para essa pessoa. Ela envelhece, enquanto eu vou envelhecendo
também. Ela era mais nova, quando eu era mais novo. Agora ela está um
pouco mais velha. Pois, a professora de História para quem eu escrevo,
luta pela emancipação cultural. Ela é uma pessoa que acredita na
possibilidade de uma emancipação cultural, mas ela não é uma professora
militante, de nenhuma facção política. Ela acredita na cidadania, mas é
uma pessoa meio calada. Ela é meio, é meio..., ela faz parte dessa maioria
meio silenciosa da população, que revela sua cidadania no seu exercício
profissional. Ela não está ligada, por exemplo, a um partido – isso é muito
importante para mim. Então, no meu livro todo, estou muito preocupado
com a opressão do povo brasileiro, com a crítica das elites, mas eu não
tinjo meu livro de sangue, no sentido de externar de uma forma, assim,
mais ácida a minha indignação com as coisas. Como diz Hobsbawm, o
historiador deve estar mais preocupado em compreender o passado do que
em julgá-lo. Eu acho que quando você procura compreender, você
esclarece um pouco, sobrando espaço para o posicionamento do professor
em sala de aula.
Esse professor não é de elite, é uma pessoa que trabalha, que vive com
alguma dificuldade, mas faz parte de uma classe média brasileira. Ele é um
bom professor. Esse bom professor, às vezes dá aula na boa escola
particular e também na estadual, na escola municipal. Há muito professor
que ora dá numa escola, ora dá na outra. Recentemente, dei uma palestra
para professores lá de Tatuí e eram professores que vêm dessas chamadas
escolas-padrão, do Estado. São pessoas altamente competentes,
gabaritadas, conhecem a História, compram livros. Ih! Não tem dinheiro
para comprar muito, mas tem pelo menos os livros básicos, fora livro
didático. Eu caracterizo esse professor como leitor de uma Veja, que lê um
jornal matutino. Enfim, é um professor que, eu diria, faz parte da chamada
opinião pública nacional; tem essa opinião. E é para ele que eu escrevo.
177

O aluno-leitor é o jovem de hoje, né? É um jovem de classe média,


também – não a média alta, mas a média média. Isso tem implicações
práticas, por exemplo, o acesso às tecnologias. É um jovem que sabe, por
exemplo, o que é computador. Esse jovem tem essas características da
rebeldia do adolescente, mas ele está preocupado em estudar. Ele tem o
mito, entre aspas, de que a escola é importante na ascensão social. Ele
cultiva isso dentro de si. Eu escrevo para um jovem que quer aprender. Eu
não escrevo para um jovem que está totalmente desestimulado, ou seja,
aquele que precisaria da motivação prévia para aprender. Eu não sei fazer
esse trabalho. O meu livro não faz esse trabalho. Não sei como seria
motivar o aluno da classe popular que não..., falta família, falta estrutura
básica..., e convencê-lo de que é importante aprender a ler, escrever e
contar. O meu jovem já sabe que isso é mais ou menos importante. Então,
o meu livro não faz esse trabalho prévio. Isso já me poupa, por exemplo,
um trabalho meio árduo na linguagem. Eu uso uma linguagem já mais
elaborada, posso me soltar um pouquinho mais em termos de vocabulário.
Então, é mais ou menos esse jovem, que é o jovem da minha experiência.

Para José Ruy Giovanni, ele faz livro “para o Brasil”. Mas ele tem a plena
consciência de que esse “todo” é bastante segmentado e, por isso, diversifica a sua
produção, pensando principalmente nos professores que vão adotar seus livros:

Bom, hoje, em Matemática, existe uma corrente chamada corrente


progressista. Existe uma outra corrente, que é uma..., são os professores
mais antigos, são os mais tradicionais dentro daquela apresentação do
ensino da Matemática. Não há diferença nos conceitos, nas definições.
Apenas na apresentação. A primeira diz assim: “A história da Matemática
é algo motivador para o aluno”. Então, você fala alguma coisa sobre
história da Matemática; usa material pedagógico; usa a geometria como
elemento de criatividade. A outra, diz assim: “Não. Não ensinamos isso.
Isso é bobagem. Material pedagógico não tem nada a ver..., eu posso usar,
mas não tem nada a ver com Matemática”. Então, existe um público, hoje,
que são os professores, que estabelecem os objetivos. Então, justamente a
gente procura cobrir estas duas partes fazendo algumas edições diferentes,
sempre dentro daquela visão: seriedade no trabalho. Como a gente escreve
livro para o Brasil todo e não para um segmento, só para uma determinada
escola ou só para um determinado pensamento, a gente precisa pôr essa
seriedade e fazer com que o professor tenha a oportunidade de escolher.
Isso é uma questão não só necessária para que o professor tenha obras
boas nas duas linhas, mas é também uma coisa comercial, porque a editora
não pode jogar fora um público que é grande.
Outra coisa: há muita discriminação com relação às escolas oficiais. Outro
dia mesmo, uma professora de um colégio particular me disse assim: “O
senhor faz livro para escola particular ou para escola do Estado?”. Eu
digo: “Eu faço livro para o Brasil. A aula que a senhora dá na escola
particular é diferente da aula que a senhora dá no Estado? Se a senhora me
disser que sim, a senhora está fazendo uma discriminação que é odiosa”.
Então, a gente procura inclusive fazer um livro que, para o aluno, seja
mais barato. Ou seja: nós temos uma coleção de três volumes para o 2o
grau; temos uma outra chamada De olho no vestibular, com toda a matéria
dos vestibulares, em seis livros; e procuramos fazer um livro com todo o
conteúdo de 2o grau, de forma que o aluno compre o livro na 1a série vá
com ele até a 3a. Não é um livro mais “fraco”, não, mas é um livro, de
seiscentas e tantas páginas, direcionado mais para a escola pública. Então,
178

um dos objetivos nossos é esse: não é baratear o livro, é baratear o custo


para o aluno.

Propostas didáticas

Como os autores fazem adequação, agora não editorial, mas didática de seus
textos visando esse público? Ao que parece, do mesmo modo que entre os editores, há na
maioria autores entrevistados um savoir-faire implícito, não formalizado, que decorre da
experiência pessoal de sala de aula e de feedback fornecido pelos professores e alunos que
utilizam seus livros. Por exemplo, Maria Lúcia de Arruda Aranha:

Quando a gente se propôs a escrever o livro, eu parti desses diversos


programas que trabalhei em sala de aula. E eu ficava muito preocupada
quando ia escrever um capítulo, pensando em como isso ia ser lido. Então,
eu sempre estava pensando na minha classe virtual, quer dizer, como é que
eu estava diante de uma classe lendo um determinado texto. Acho que essa
preocupação já fazia parte dessa experiência didática mesmo. Quando eu,
por exemplo, pegava um livro para procurar um texto para levar para os
meus alunos, eu lia esse texto imaginando se eles iam entender ou não. E,
às vezes, descartava textos que eram bastante interessantes, mas que sabia
que iam ser difíceis demais. Foi em função dessa experiência é que pensei
o meu escrever. Podia ser que eu não conseguisse atingir esse objetivo. Eu
acho que consegui. É bem verdade que o Filosofando não é um livro que
atinja todo tipo de classe. A gente sabe que os alunos das escolas públicas
geralmente têm muita dificuldade com o Filosofando e que ele é usado em
escolas particulares boas e também muito usado nos cursos básicos de 3o
grau.
Quando a gente foi fazer a revisão, para fazer uma segunda edição do
Filosofando, é lógico que havia toda a nossa experiência do uso do próprio
livro em sala de aula. Mas fizemos também um questionário..., a editora
distribuiu um questionário para professores que tinham usado o
Filosofando e fizemos diversas perguntas para poder avaliar o uso. E entre
as questões que nos auxiliaram a refazer o Filosofando, vieram outras que
nos fizeram pensar na elaboração de outro livro, que foi o Temas de
Filosofia. Por quê? Porque a gente sabia que nas classes que tinham maior
dificuldade, eles não conseguiam ler o Filosofando. E que também havia o
problema de preço; então um livro menor seria mais barato. E também a
questão da... quer dizer, essa questão psicológica de o aluno comprar um
livro muito grande e usar só alguns capítulos. Se o livro é menor ele usa
mais: ele fica com a sensação de que não jogou dinheiro fora. Então, a
gente fez o Temas justamente pensando no livro mais fácil que o
Filosofando.

José Ruy Giovanni também apóia-se muito no feedback dos professores. Além
disso, realiza pesquisas sobre a utilização de seus livros in loco:
Nós procuramos sempre conversar com os professores e aplicamos as
nossas idéias nas escolas nos diversos níveis. Então, por exemplo, o meu
filho trabalha numa escola de nível “A”, que é o Lourenço Castanho. Lá
ele aplica as idéias, temos os resultados, avaliamos. Eu tenho amigos que
179

trabalham em escola, vamos supor, de nível “B”; outros, de nível “C”,


escola de periferia. Veja bem, não é que a gente faz diferença no tipo de
escola. É preciso que a gente faça a adequação do conteúdo do livro ao
nível médio. Então, temos amigos, graças a Deus, que permitem que nós
apliquemos as nossas idéias, que nós assistamos às aulas, que nós
possamos recolher elementos de forma que esses dados sejam importantes
na elaboração do nosso trabalho pedagógico. Então, veja bem, se você
perguntar: “É um trabalho cientificamente estatístico?”. Eu digo não. É um
trabalho de intuição, certo? A gente faz por intuição, por assistir aula a
gente sente o grau de dificuldade. Então, agora nós vamos pensar numa
outra maneira. Vamos tentar jogar isso de uma outra forma, vamos
apresentar de uma outra forma, justamente para que o aluno tenha a
oportunidade de crescer. Então, isso eu acho fundamental hoje na
elaboração pedagógica de um livro. Fazer levantamento de coisas que
prejudique o aluno, que fazem com que ele tenha uma certa aversão pela
Matemática. Não é isso que a gente quer. A gente quer que o aluno goste
da Matemática. Então, é preciso que o livro dê para ele todos os meios, em
uma linguagem simples, para ele poder chegar à situação mais difícil e
resolver. Então, uma graduação de dificuldade, isso é muito importante.

Elian Alabi Lucci baseia-se no feeling do professor e em obras teóricas:

Há um pouco de feeling, porque eu leciono. Não deixei o magistério. Falo


com professores de todo o país. Mas também há o embasamento teórico.
Eu me lembro que quando comecei, eu tive por embasamento teórico um
livro da Fundação Getúlio Vargas, chamado O ensino pela competência.
Então há um embasamento teórico. E de certa forma, um pouco do feeling
do professor, também, né? Conversando com seus colegas, ainda
permanecendo em sala de aula, você vai sentindo, percebendo quais são os
níveis de mudanças que o mercado vai exigindo para você direcionar seu
trabalho.

Francisco Moura também diz que a experiência de sala de aula é fundamental,


ainda que o aspecto teórico não deva ser ignorado:

O primeiro fator é a vivência mesmo em sala de aula. Tanto o Carlos como


eu trabalhamos há muito tempo: como eu falei, tive experiência de 1o grau
em escola estadual, 1o grau em escola particular, 2o grau em escola
particular, cursinho pré-vestibular e 3o grau. Então, é incorreta a afirmação
de muita gente que fala: “Os autores nem entraram em sala de aula e vão
escrevendo material”. Não é verdade! No nosso caso, trabalhamos em
todos os níveis. E o que motivou a escrita foi, inclusive, um
descontentamento com o material existente. Então, nós tomamos o
cuidado de fazer adequação para o aluno e para o professor. Sabemos
muito bem que o livro serve de material, não é apenas material de apoio, o
livro ensina muitos professores; professores que não têm acesso cultural.
Então, nós temos que ter esse cuidado. É uma linguagem adequada para o
professor, mas também adequada para o aluno. Nós elaboramos, nós
redigimos de tal forma que o aluno possa entender o material por ele
mesmo. Isso acontece muito. Eu me lembro muito bem do primeiro
material: nós distribuímos para vários colegas que aplicaram esse material
em escola da prefeitura, escola do Estado, escola particular. Nós fizemos
enquetes com vários alunos, com vários professores, antes de ser impresso,
de ser entregue à editora. Nós sempre tomamos esse cuidado. Quer dizer, é
180

uma pesquisa, que é feita junto com alunos e professores. Isso nós
continuamos fazendo, além da nossa experiência em sala de aula, que eu
acho fundamental.
É evidente que há um embasamento teórico, também. Mas isso não ocupa
o primeiro lugar, quer dizer, em nenhum momento nós procuramos
adequar o nosso material a uma teoria construtivista, por exemplo, ou a
uma outra teoria x ou y. Quer dizer, o que importa é uma análise de
mercado do que o professor está precisando, do que o aluno realmente
gosta, mas que tenha também um certo desafio. A gente sempre procura
inovar, o que aconteceu, por exemplo, com o nosso primeiro material, de
5a a 8a série. Eu acho que nós exageramos um pouco no desafio. Foi um
material que foi bem aceito pela academia, pelos professores também, mas
não vendeu muito. Por quê? Porque nós resolvemos inovar e inovamos
demais para a época, por exemplo, abolindo análise sintática na 5a e na 6a
série. Daí a gente percebeu que tem de haver uma dose de inovação, mas
tem que tomar muito cuidado. E isso é muito difícil de fazer. Quer dizer, a
gente procura sempre fazer material que seja adequado, mas com
conteúdo.

Luiz Imenes e Marcelo Lellis distinguem-se dos demais entrevistados por


participarem de um movimento que faz reflexão exatamente sobre ensino de Matemática.
Quase militante, Imenes explica, não deixando do lado a diferença de postura entre autor
e editora sobre a questão didática nos livros:

Um livro, salvo exceções, nasce da cabeça de um autor, que é um


professor. O livro é o retrato da aula que ele dá – não estamos falando de
livros feitos sob encomenda, que numericamente não é maioria. O que está
no papel é o que está na cabeça do autor. Então, a maneira como ele..., a
postura..., a visão que ele tem de aprendizagem, a sua linha pedagógica, a
sua relação com o conhecimento, a maneira como ele enxerga Matemática,
se ele vê a Matemática como um conhecimento pronto e acabado que cai
do céu, a obra dele reflete isso. Se ele vê a Matemática como um
conhecimento historicamente construído que se reconstrói agora em cada
criança, a obra dele reflete isso. Em geral, eu diria que a obra é fiel ao
autor, quer dizer, o que está lá é o que ele pensa.
Os meus professores de Matemática freqüentemente me perguntam: “Mas
por que os livros de Matemática trazem tanta álgebra na 7a série?”. Porque
os autores são professores, está certo? Convém lembrar que quando a
Cenp lançou a proposta curricular, em 85, ela ficou em discussão na rede
durante dois ou três anos. A proposta da equipe da Cenp era tirar as
equações irracionais e biquadradas da 7a e 8a série; os professores não
deixaram.. Por quê? Porque, pô!, a gente foi formado com esse modelo,
esse troço está enraizado na gente, e a gente pode ser professor, pode ser
autor, pode ser diretor da escola ou técnico que está na Secretaria da
Educação, o modelo é o mesmo. Então, a linha, a linha pedagógica..., acho
que sai da cabeça do autor.
Agora, as editoras, elas não! Vou te dar um exemplo: a palavra da moda é
construtivismo. Aí, o que a editora faz? Se o que vende é construtivismo,
então, vamos começar a fazer coisa construtivista. Bom, algumas editoras
vão atrás de pessoas que de fato tenham uma proposta de aprendizagem
que, se não é construtivista, atenta para construção do conhecimento que
faz a criança. Então, a editora vai atrás. Outras vezes, a obra é maquiada,
quer dizer, pega-se uma obra tradicional, dá uma maquiadazinha nela,
coloca umas pitadinhas lá e diz que ela é construtivista. Agora, isso as
181

editoras fazem e as escolas também fazem. E os professores, às vezes,


fazem. Ele lê uma orelha de livro, entendeu que ser construtivista é não
adotar livro, é trabalhar com material concreto, então, ele pega, enche a
classe de sucata e virou construtivista. Esses equívocos estão presentes no
livro, na aula, em currículo. E no livro não é diferente. O livro reflete bem
o que se passa com a nossa Educação.

Imenes também explica sobre o movimento de que faz parte:

Eu preciso fazer um esclarecimento: o trabalho que a gente está fazendo,


sem fugir da responsabilidade que nos cabe como autores, se tem algum
mérito, é o de estar sintonizado com um movimento muito grande de
mudanças do ensino da Matemática, que é um movimento internacional.
Então, esse trabalho todo que a gente vem fazendo como autor é muito
sintonizado com esse movimento e a motivação é a seguinte: há um fosso
muito grande, uma distância muito grande entre todas as conquistas desse
movimento e a prática da sala de aula. O ensino tradicional continua
massacrando as crianças na 3a, 4a e 5a série, por exemplo, com o ensino de
frações. E o professor massacra não porque ele queira, mas porque ele já
aprendeu assim, está acostumado a ensinar assim, não percebe que está
massacrando muitas vezes. E, no entanto, hoje já se tem muita clareza a
respeito de quais são as dificuldades na aprendizagem de frações e quais
são as alternativas para isso. Isso tudo está solucionado. Só que o
professor não conhece, né? E uma das formas de fazer isso chegar até a
sala de aula é através do livro didático. Ele tem uma importância muito
grande. Freqüentemente é o único instrumento de trabalho do professor.
Eu não acredito que a gente possa fazer a revolução da educação através
do livro didático, mas acredito que essa contribuição possa ser
significativa para evolução.

Marcelo Lellis fornece mais elementos sobre esse movimento, que é internacional
e multidisciplinar, e mostra como isso está presente em seu trabalho:

Há um embasamento teórico [no nosso trabalho]. Primeiro, no caso da


Matemática, existe uma pesquisa, que nos últimos 25 anos ampliou-se
muito, ela se intensificou muito. Essa pesquisa ocorre em todos os
departamentos de Pedagogia, de Psicologia Cognitiva e, especificamente,
de Ensino de Matemática em diversas universidades, mundo afora. Então,
estamos em contato com isso, porque a gente recebe publicações de vários
locais, lê, acompanha. Quer dizer, nos últimos tempos a produção em
termos de ensino de Matemática tem sido muito vasta, e a gente está a par
da maior parte dessa produção. Então, isso já é uma base.
Uma segunda base é uma reflexão pessoal sobre cada conceito de
Matemática e aí a gente tem percebido coisas e elaborado idéias que são
muito originais.
E o terceiro elemento é o seguinte: toda a vez que a gente tem uma idéia
original, que a gente não vê confirmada por pesquisa que já tenha sido
feita, então a gente vai atrás de algumas crianças para discutir com elas,
para ver como elas aprenderiam. Então, há momentos assim no livro –
pena que você não seja de Matemática, da área... Mas, por exemplo, existe
em Matemática uma forma de resolver problemas – não sei se a gente pode
qualificar assim – chamada “regra de três composta”, um método de
resolver um certo tipo de problema. Quando a gente estava escrevendo o
manual, a gente falou que existe um método tradicional de resolver, existe
182

um outro que a gente propõe, baseado na nossa reflexão, e a gente falou


que uma criança..., um aluno de 8a série pode chegar a uma proposta dela.
E aí o meu parceiro perguntou: “Mas pode como? Qual seria o caminho
que o adolescente ia escolher?”. Eu efetivamente não sabia, não tinha
esses dados, nunca vi uma pesquisa assim. Aí, a gente foi pegar alguns
problemas e dar para adolescentes que nunca tinham aprendido o assunto,
para ver como eles resolveriam. Então a gente percebeu que muitos
problemas têm uma mecânica..., os adolescentes têm um caminho próprio,
os que nunca viram o assunto, têm um caminho que estatisticamente é o
mais freqüente. Então, foi aquele que a gente mostrou para o professor:
“Seus alunos podem escolher possivelmente esse caminho, mas faça a
experiência para ver”. Então, sempre tem uma pesquisa em torno.

Como toda essa preocupação com o ensino de Matemática transforma-se em


livro? Marcelo Lellis procura esclarecer:

Nesse último livro, a gente escreveu um livro que possa ser usado – e, na
verdade, só possa ser usado por um professor que esteja de acordo com
essas idéias, também. O livro determina o tipo de atividade e o tipo de
aula. É claro que ele dá liberdade para o professor criar, mas o professor
tem que estar em comunhão com essas idéias; senão, o livro não vai ser
um livro útil para ele. Agora, como isso foi operacionalizado no livro é
complicado explicar, porque foram uma série de detalhes técnicos. Por
exemplo, é um livro de Matemática que contém interpretação de texto, o
que é uma raridade. Para falar a verdade, o texto do livro de Matemática
nunca é usado pelo aluno. Mas nesse, se o professor resolver fazer
interpretação de texto, então, o aluno vai ter que ler o texto. Também é um
livro que propõe jogos, ações e coisas assim. Então, o livro, realmente, é
para quem é da turma, para quem acredita nesse tipo de ensino. Ele não é
uma lista de conteúdos.
Também foi estabelecido uma clara distinção entre texto e exercícios,
porque é fundamental que o texto seja lido; então, o texto tem que ser
grande, amplo. O exercício tem que ter outro corpo, para ficar bem claro a
separação. Tradicionalmente, no livro de Matemática somente os
exercícios eram usados. No nosso tem que ser usado o texto, porque os
exercícios se referem ao texto, tem uma parte que o ensino está no texto e
na interpretação de texto. Então, a diagramação do livro dependeu
inteiramente dessa proposta pedagógica, quer dizer, a proposta pedagógica
está implementada pelo livro mesmo, o livro é o tal instrumento que a
gente quer. Ele não contém apenas os exercícios, não contém apenas
idéias; ele é um objeto cuja organização, cuja construção está de acordo
com as idéias que a gente pretendia. Essa concepção a gente adotou para
garantir que o livro fosse utilizado totalmente. Para que ele fosse mesmo
instrumento de trabalho. É claro que ele não precisa ser o único, mas você
não pode usar o livro como se usava antigamente: “Façam os exercícios” e
acabou. Esse livro é um objeto obrigatório para ser usado.

Profissionalização do setor

A maior editora do setor didático e paradidático, a Ática, começou como gráfica


de “rodar” apostilas. Muitos autores iniciaram sua carreira produzindo apostilas.
183

Achavam que fazer livro era imprimir um texto na gráfica – e era isso mesmo, como
lembram Luiz Imenes ou Jaime Pinsky (Capítulo 6). Desse tempo para cá, o que mudou,
na percepção dos autores? Gilberto Cotrim dá o seu depoimento:

Eu tenho sentido uma preocupação constante dos autores, dos


profissionais envolvidos no processo de produção, com este objeto que a
gente está falando aqui, que é o livro didático. Essa preocupação nasce de
várias vertentes: uma delas acho que foi a crítica ao livro didático, a crítica
universitária ao livro didático e a crítica da imprensa ao livro didático. Na
década de 70, 80, isso foi intenso. Permanece ainda de forma esparsa nos
dia de hoje. Essa crítica produziu um resultado dentro das editoras, dos
departamentos editoriais das editoras. Isso se revela num maior cuidado,
um cuidado realmente grande com o produto, pelo menos nas editoras que
eu conheço – cuidados que se refletem em aspectos como a tipografia, a
cartografia, a revisão. O zelo que o autor e a editora observam nas leituras
críticas, que consistem nesse processo de parecer que os professores dão
sobre o livro. Eu diria que..., eu compro muito livro didático espanhol,
argentino, francês. E eu digo com conhecimento de causa que o nosso
livro didático, hoje, é tão bom quanto o livro espanhol, tão bom quanto o
melhor livro argentino, o melhor livro francês. Nós não atingimos ainda de
uma forma generalizada uma qualidade tão grande no papel. Nós não
fazemos impressão no papel couchê. Talvez não tenhamos ainda uma
qualidade de produção gráfica tão boa quanto a do livro francês ou do
livro espanhol. Mas do ponto de vista de metodologia, de linguagem, de
adequação curricular, de variedade de produção, nós temos um livro
didático tão bom quanto o livro de primeiro mundo.
Além disso, eu tenho sentido um grau de profissionalização muito grande
da equipe que lida com livro didático. Eu diria que hoje nós estamos
constituindo um setor profissional de pessoas especializadas com a
produção do material didático. Pessoas tarimbadas, que estão voltadas para
as formas de aprendizado, que lêem, que acompanham a produção
pedagógica das diversas áreas. Por exemplo, o que se fez aí no campo da
alfabetização é uma verdadeira revolução. E eu sinto que o pessoal que
trabalha com alfabetização nas editoras são pessoas extremamente
especializadas, que lêem tudo que está rolando, fazem cursos de
treinamentos sobre Emília Ferreiro, sobre Piaget. Da mesma maneira, no
campo da História: por exemplo, a minha subeditora faz mestrado na USP,
em campos relacionados com a produção historiográfica. Então, as
editoras procuraram se cercar de profissionais com competência técnica
acadêmica para trazer subsídios ao autor e tudo mais. Por exemplo, a
iconografia dos meus livros: é feita por um profissional altamente
qualificado. Está terminando o doutorado na Unicamp, justamente na área
da fotografia. Ele pesquisa a fotografia histórica. No passado, quem fazia a
pesquisa iconográfica? O de História era o mesmo que pesquisava para o
livro de Ciência, às vezes, para o livro de Desenho. Os livros da década de
70, se você tinha que colocar Napoleão, colocava sempre aquele mesmo
Napoleão com a mão aqui sob o casaco, aquele Napoleão típico, ou
Napoleão de caricatura. Hoje, você, por exemplo, pega os meus livros, tem
uma pesquisa séria, diferente, procurando..., de acordo com a linha do
livro. Quer dizer, não há incompatibilidade entre a imagem e o texto.
E por quê? Por que houve essa evolução? Eu acho que em grande parte
produto de uma consciência de que Educação é uma coisa séria. Que o
livro didático tem uma penetração muito intensa nas escolas. É um dos
instrumentos do ensino, mas ele se tornou um instrumento muito
184

importante, porque o professor deixou muitas vezes de ser reciclado.


Então, o livro é um recurso que é apresentado também ao professor.

Rotina de trabalho

Parte dessa estrutura altamente profissionalizada, ao autor não resta muita


alternativa a não ser estabelecer uma rotina de trabalho. Mesmo que não “batam ponto”,
sua atividade não é mais um “bico”. Marcelo Lellis considera-se desorganizado, o que
não impede de consolidar uma rotina de trabalho:

Eu sou uma pessoa muito desorganizada e com alguns problemas de


saúde. Então, é uma coisa completamente... Por exemplo, quando você
chegou eu estava trabalhando numa coisa lá no computador, mas estava
trabalhando de uma maneira totalmente desorganizada. Uma hora
levantava, saía, dei uma volta com a cachorra, voltava para o computador.
Então, a manhã toda vai se passar numa desordem desse tipo. Depois, à
tarde, aí eu trabalho mais rigorosamente. Mas, quando chega uma certa
hora eu vou ficar muito cansado. Bom, à tarde, hoje, eu vou trabalhar com
o Imenes. Não vou trabalhar sozinho. A gente faz sempre isso, vai discutir
o que está sendo feito, aí é mais fácil, eu não me disperso. Mas quando
chega de noite e olho a produção do dia e vejo que foi muito pouca, aí eu
trabalho à noite também. Eu trabalho no fim de semana por causa disso.
Então, a minha mulher... Bom, então..., a rotina talvez seja trabalhar todos
os dias.

Maria Lúcia de Arruda Aranha tem um verdadeiro cronograma de trabalho:

Eu levanto, mais ou menos, umas 7h00, 7h30, e até tomar café, ler jornal
etc..., eu começo, sento no computador umas 9h00, 9h15 da manhã. Aí, eu
trabalho o dia inteiro. Quer dizer, eu páro um pouquinho para almoçar e
retorno. No fim do dia, 17h30, 18h00, eu dou uma paradinha para banho,
um lanche, uma distração qualquer. Às vezes, ainda compulsivamente eu
retorno ao serviço e fico até umas nove [21h]. E aí é a hora que começa o
movimento em casa, que chega marido, filho, e aí a gente vai jantar. Todo
dia! Isso é interrompido por algumas atividades domésticas, por exemplo,
sair para ir ao supermercado, fazer uma ou outra compra de emergência. Ir
à editora. Geralmente eu vou à editora por causa da coleção [“Logos”], eu
vou a cada dez dias, mais ou menos. Também faço outros serviços para
editora, eu faço muita leitura crítica para paradidáticos de outras coleções
da Moderna. Eles têm uma coleção chamada “Polêmica”, eu faço muita
leitura crítica. E eles estão lançando uma nova coleção, e eu não só
coordenei dois desses livrinhos, como fiz todos os encartes dos dez livros
dessa coleção que estão lançando.
Aula, faz dois anos que eu parei, já me aposentei. Então é só escrever. Mas
não sobra tempo para nada, para nada, porque eu estou com cinco livros
escritos, cinco livros didáticos para Moderna: Filosofando, Temas de
filosofia, Filosofia da educação, História da educação e Maquiavel. O
Maquiavel é paradidático. Esse eu não vou precisar mexer tão cedo,
espero. Mas os outros, eu já refiz o Filosofando, terminei esse ano a
revisão do Filosofia da Educação e do História da Educação, e agora vou
185

recomeçar a revisão do Temas. Então, é assim: eu acabo a revisão de um e


já chegou a hora de fazer a revisão do outro, porque a revisão eles pedem
num espaço de pelo menos seis anos. E como demora..., por exemplo,
agora eu estou começando a revisão do Temas, já foi feita a leitura crítica,
já mandamos os tais dos questionários para quatro Estados para ver dos
professores que usaram o livro que observações eles podem nos fazer. E
eu devo entregar até julho, agosto [de 1997], mais ou menos, para ficar um
ano na preparação e na revisão e sair em agosto de 98, para ser usado em
99, no ano letivo de 99. Aí, na hora que eu estiver entregando esse,
certamente alguém vai falar: “Olha, precisa fazer a revisão de sei-lá-o-
quê”. Daí eu reluto um pouco. Às vezes, eu espero mais um ano, porque
em Filosofia o livro não fica tão velho, assim, tão rapidamente. Mas eles
acham que o livro começa a vender menos porque o professor se cansa dos
textos, da abordagem; então, a gente tem que mexer.
Fazer texto é de uma..., eu não queria usar essa palavra – tirania – porque a
palavra tirania é tão horrível, mas a hora que começa realmente a escrever
a gente é possuído de tal forma pelo texto, que não sobra muito espaço
para atividades normais da vida. Essa fase de escrever o Filosofando foi
assim muito, muito pesada, porque, além de eu estar ocupada com as
aulas, o tempo que eu dispunha para escrever sempre tinha que ser um
tempo grande. Por exemplo, quando eu tinha um dia inteiro para escrever,
começava de manhã, mas o “carro” começava a andar lá pelo meio-dia, e
aí eu não podia parar às duas horas da tarde. Eu tinha que continuar sob
pena de perder tudo que eu já tinha pensado desde o início da manhã. E aí
quando chegava sete horas, oito horas da noite, também eu não podia
parar, porque eu estava no fechamento de um capítulo. Havia dias, assim,
de eu trabalhar 14 horas por dia, e terminar o dia absolutamente zonza.
Então, essa atividade exige muito da gente. Tanto é que quando eu tenho
que entrar num novo livro, ou então numa revisão, que essa daí também é
outra cruz de quem escreve livro didático, eu reluto um pouco. Porque eu
sei que a hora em que eu começo eu vou sacrificar um monte de outras
coisas na minha vida, inclusive o lazer e o contato com as pessoas da
família, os amigos.

Diretor e professor de um curso de redação, Francisco Moura também tem uma


agenda semanal definida com bastante rigor:

Eu não leciono mais em escola regular. Eu tenho um curso, aqui, de


redação. Trabalho com alunos de 2o grau, com adultos e eu dou muitos
cursos para professores do Brasil inteiro. Então, eu continuo tendo uma
noção até melhor do que se eu tivesse só numa escola. Eu reservo
normalmente três dias por semana para escrever e dois dias para aula.
Então, por exemplo, eu dou aula aqui quarta, quinta. O dia todo eu
concentro as minhas aulas aqui. E escrevo na terça e na sexta, leio e
pesquiso. Normalmente eu estou reformulando, lendo material – porque eu
tenho que ter esse tempo todo para leitura de material teórico. Então, no
momento, eu estou reformulando e lendo algumas teorias que têm saído a
respeito do ensino, teses. Então, é isso que eu tenho feito.
No momento não estou escrevendo nenhum material novo. Mas a
reformulação é feita de cinco anos em cinco anos. O material fica no
mercado cinco anos. Em geral, o pedido de reformulação vem da editora.
O critério básico que eles alegam é que o material didático envelhece com
muita facilidade. Principalmente o de Português, em que a gente utiliza
textos – textos informativos, textos de jornais, de revistas. Mesmo os
textos literários parece que os professores se cansam de trabalhar com o
186

mesmo texto. E há, segundo os editores, há uma queda de vendas a partir


do quarto ano. Então, esse é o critério básico: há uma queda na venda e os
professores já se cansam de trabalhar com o mesmo material; então, a
gente começa a perceber a necessidade de trocar textos. O que a gente faz?
Conversa com a editora, conversa com professores que estão utilizando
material..., a gente pede leitura crítica para professores da rede pública, da
rede particular e professores do 3o grau, e a partir dessas leituras, dessas
pesquisas a gente reformula.
O que acontece normalmente? A gente troca 40% dos textos (essa é a
média), a gente mexe com exercícios, acrescenta exercícios, altera também
a questão teórica. E, muitas vezes, a gente tem muita dificuldade em
reformular porque o livro..., às vezes, é um novo livro, né? É essa
dificuldade que a gente tem porque a editora normalmente não quer um
novo livro. Ela quer exatamente o mesmo livro, reformulado apenas. No
nosso caso, nós temos muita dificuldade para fazer uma reformulação que
não altere muito o livro. Tanto é que acaba fazendo livros que são novos
em muitos aspectos.
Temos a sexta-feira para reuniões na editora, ou para reunião com o Carlos
[Faraco] que é o meu co-autor. E viagens eu tenho feito, em geral, na
segunda-feira. Eu tenho evitado excessos de viagens como aconteceu no
ano passado [1995], que dificultou bastante o meu próprio trabalho como
autor. Esse ano eu limitei bastante, e conversando com o pessoal da
editora a gente conseguiu estabelecer um cronograma de atividades menos
rígido, para eu poder viajar, escrever e dar as minhas aulas. Mas é evidente
que o trabalho de autoria ainda fica muito para fim de semana, férias,
feriado. Então, a gente dificilmente tem férias. Você acaba tendo que
escrever nesses períodos.

A rotina de Gilberto Cotrim já prevê espera em filas de bancos. Mas também não
é muito diferente de seus colegas:

Eu reservo para escrever meio período da minha atividade. Todo dia.


Então, tirando..., porque eu tenho outras atividades, alguma coisa da
minha vida privada, ir num banco. Agora eu reservo ao livro pelo menos
quatro, cinco horas por dia. E eu divido, então, em períodos de estudo e
períodos de escrita. Para escrever, você tem que estudar. E isso é uma
coisa importante de ser dita. Exige uma profissionalização, essa coisa de
você escrever constantemente o livro. Você tem que estar estudando. Você
tem que estar lendo o que está saindo aí. Eu preciso ler esses livros. Eu
preciso sentar e ler. Eu trabalho muito com jornais, artigo de jornais, artigo
de revistas. Então, eu preciso ir de vez em quando à Biblioteca da Câmara
Municipal de São Paulo e ficar lá uma tarde inteira, lendo o que me
interessa, tirando xerox. Eu sou um caçador de textos vinculados à minha
atividade. Então, eu preciso estudar, eu preciso caçar coisas novas e
preciso escrever. Então, eu divido o meu tempo sempre fazendo isso.
E escrever livro é reescrever. Então, eu vivo reescrevendo os meus livros
constantemente. Eu não tenho muitos livros em quantidade; de vez em
quando eu solto uma nova edição de alguma coisa. Então, eu estou sempre
reescrevendo as minhas coisas. E é impressionante como esse processo é
brutal, é de uma..., porque você reescreve e percebe que ali o texto
precisava ser mais enxuto. Você percebe também, por exemplo, eu escrevi
a..., sei lá, um texto em 1980. Agora estou constatando isso. Eu estou
revendo esse texto. Então, eu sinto uma alteração do vocabulário em 13
anos. Palavras que não se usa mais e que se usava. Então, eu começo a
achar meu livro antigo em linguagem. Eu estou fazendo um trabalho todo
187

de reescrita, porque eu passei a usar uma linguagem diferente, que é


reflexo do que eu ouço e vejo.
Como também na História você vai percebendo as novidades temáticas:
existem temas que estavam esquecidos, aí começam a ser revisitados, não
é? Faz parte desse processo, quando digo que fico procurando textos e
outras coisas. Eu procuro ler o que as autoridades educacionais estão
pensando sobre o ensino. Isso implica você ler currículos escolares, o que
o MEC está produzindo em termos de parâmetros curriculares. Você
precisa se abastecer dessas coisas todas. Leio muito também, demais, o
que a universidade está apontando em termos de algumas pesquisas,
algumas tendências. O vestibular também nos dá certas... É um trabalho de
realimentação. Eu sei que o vestibular usa muito livro didático para
elaborar questões. E, por outro lado, o autor lê muito o que o vestibular
coloca para ver se está dentro das coisas. É um trabalho de alimentação e
retroalimentação das coisas, né? Então, se de repente eu percebo que a
Fuvest ou a Unicamp está muito interessada em questões relacionadas a...,
sei lá, movimento messiânico no Brasil, eu tenho que ver como é que está
o meu livro, se ele está dando conta dessas questões.

Cursos

Gilberto Cotrim prossegue na descrição de sua rotina para lançar um novo tema:
Ah! Outra coisa: acho que toma muito tempo, isso é uma novidade da
rotina de trabalho do autor: são os cursos que o autor dá. Isso começou a
se tornar muito intenso de quatro anos para cá: faz parte do trabalho do
autor, treinar professores. Não basta ele escrever um livro. Isso não está no
contrato. Então, é uma coisa curiosa. O direito autoral, hoje, remunera
também os cursos que o autor dá. São cursos – antigamente a gente dizia
que eram palestras –, mas não são palestras, são cursos. Cursos de dois,
três dias com um grupo de professores. E eu tenho sentido, cada vez mais,
que esses cursos não têm um caráter assim, de propaganda do livro.
Alguns autores fazem propaganda do livro, mas há um bom segmento que
não faz propaganda. Eles dão cursos sobre aspectos da matéria que eles
julgam conhecer mais, ou se interessam mais. Então, há um caráter de
treinamento de conteúdos e também, muitos autores, dependendo da sua
experiência, fazem treinamentos também na área de prática do ensino.
Trazem técnicas pedagógicas para o professor associadas à sua matéria,
que eles acabam desenvolvendo, aprendendo, propondo em suas
atividades. Isso tem sido muito intenso. É muito comum ao autor no
segundo semestre, que é um período mais dedicado a esses cursos, ficar
semanas fora de casa, viajando pelo Brasil, ou dentro de São Paulo
mesmo. Interrompe a sua atividade de escrita. E ele não recebe. Não
recebe! Uma coisa hiper-excepcional, às vezes, é uma entidade que te
convidou pagar uma coisa meio simbólica para você. Mas, não, isso não é
regra. Isso já ficou uma prática sedimentada, as delegacias de ensino, as
escolas falam: “Adotamos o livro do autor tal, mas gostaríamos que o
autor viesse aqui para falar um pouco do seu trabalho para o corpo de
professores que vão trabalhar com o livro”. E ele vai lá, fica dois, três dias,
explicando um pouco do que ele pensa sobre Educação; às vezes os temas
são propostos pelos próprios convidados.
188

Francisco Moura conta como os autores transformaram-se em colaboradores da


rede de ensino público:

A maioria dos cursos é agendada pela editora. Mas há casos de


convocação de algumas Secretarias de Educação e de universidades.
Houve um ano – acho que foi em 94 – que eu percorri praticamente todos
os núcleos de ensino da capital dando cursos. Eles tinham um dia por
semana para reciclagem; então, eu dava esse curso quase que
semanalmente. E aí não foi programado pela editora. A própria Secretaria
de Educação que me chamava. Eu já fui ao Paraná, por exemplo, também
a convite de Secretaria. Londrina, Curitiba..., até Santarém, Pará. E a
pedido da Secretaria. Mas eu acho que o que predomina mesmo é a
atividade agendada pela editora.

Para Elian Alabi Lucci, os cursos são a ocasião para ouvir a opinião dos
professores sobre os livros que produz:

Eu corro o Brasil dando cursos e palestras e ouço o professor, que diz:


“Olha, professor, a última edição do seu livro, senhor fez em duas colunas.
Nós não gostamos, o aluno tem dificuldade, fica uma maçaroca na
página”. Então, nós trazemos isso em consideração, quando a gente vai
produzir o livro.
E essas viagens fazem parte da atividade do autor, porque há uma
curiosidade muito grande em saber quem é o autor, como ele pensa, até se
ele existe de verdade, se já faleceu ou não. E, depois, há uma carência, do
ponto de vista didático-metodológico dos professores, que o Estado em si,
a Secretaria não consegue suprir. Então, a gente com a nossa bagagem
didático-pedagógica, com trinta e tantos anos de magistério, acaba sendo
solicitado para dar cursos de atualização metodológica, didática, de
enriquecimento de conhecimento. Eu dou um curso de oito horas, de
Metodologia do Ensino. Então, realmente tenho sempre o auditório cheio,
porque é ministrado gratuitamente, não é? A gente se dispõe a fazer isso,
uma parte, às vezes, custeada pela Secretaria, ou por um órgão ou por uma
delegacia, uma parte até pela própria editora, que tem o nosso livro. Mas é
um trabalho cansativo, é um trabalho que exige de nós uma preparação
muito grande, um texto para acompanhar o curso. E isso exige da gente
bastante, mas a gente faz com carinho, porque no fim eu sou professor
também, sei das deficiências, das dificuldades que o professor tem para
trabalhar hoje em sala de aula.
Nós fazemos isso graciosamente! Há autores que estão pleiteando receber
por hora-aula alguma ajuda, alguma coisa, porque isso tem um custo para
nós. Mas é gracioso o nosso trabalho, a nossa participação. É assim quase
como uma obrigação porque a gente sempre tem de ser grato ao professor
que nos adota – e mesmo ao que não nos adota, que é colega apenas de
trabalho, vamos lá para auxiliá-lo nesse aspecto. Você pega uma escola
técnica federal, por exemplo, de Maceió, que nos convida para dar cursos.
Ela arca com a estadia,. A editora arca com a passagem e mais nada. Nós,
na verdade, temos que preparar o curso, preparar as apostilas. São dois
dias de curso, oito ou dezesseis horas-aulas, ou, às vezes, até trinta e duas
horas-aulas. Sem nenhuma remuneração. Nada. Nada. Apenas para
divulgar o nosso trabalho, nossa experiência e contribuir com o colega
professor, que nós somos professores na verdade.
189

Luiz Imenes viaja constantemente e gosta de manter contato com seu público.
Mas se queixa da incompreensão de que é vítima por parte dos intelectuais universitários:

Há um aspecto da divulgação em que os autores estão sendo


gradativamente mais envolvidos. Uma escola, Divino Salvador, eu estou
indo amanhã, ela me ligou agora pouco. Eles estão trabalhando com a
coleção e estão com dificuldades. Então, pediram para eu ir lá, estou lindo
lá. Aí não é apenas uma divulgação, na medida em que a obra já está
adotada. É, digamos, um trabalho de orientação mesmo, orientação
pedagógica. Às vezes, eu vou a uma delegacia de ensino, a uma escola, a
um congresso, levado pela editora. Por exemplo, esse congresso que me
ligaram agora da Bahia que vai ter em Ilhéus, na Bahia, eles estão
procurando patrocínio da editora. Então, a editora banca a ida do autor e,
claro, eu estou lá para divulgar o meu trabalho. A editora está me levando
lá e isso é explícito. É curioso, porque isso freqüentemente é mal visto,
sobretudo pela academia, pela universidade. Eu acho um absurdo, está
certo? Ao contrário, você devia cobrar pelo autor que não se expõe,
porque o cara que publicou e não dá a cara, esse tem que ser cobrado, né?
Então, o autor participa, sim, da divulgação e participa muito. Eu gosto
muito de conversar com os divulgadores, porque eles estão nas escolas,
eles ouvem os professores: “Não, esse livro eu não adoto porque tem
muita geometria. Esse livro eu não adoto porque tem pouco exercício”.
Isso é uma informação, é um feedback importante para gente. Então, eu
faço questão absoluta de estar em contato com os divulgadores, de saber o
que está rolando, o que os professores estão achando, de estar indo junto
com o divulgador, junto com ele resolver o problema.

Maria Lúcia de Arruda Aranha decidiu que não vai mais participar dos cursos::

De início, eu viajei muito. Fui para o Pará, fui para Mato Grosso, para o
interior de São Paulo, para Brasília, para Vitória. Mas, de repente, eu
comecei a me recusar a ir, primeiro, porque era muito penoso para mim.
Eu, apesar de ter sido professora anos e anos e anos, eu não gosto de
platéia. Eu gosto do meu trabalhinho aqui no escritório e sem muitas
movimentações. E depois eu fiquei me questionando se valia a pena
mesmo fazer esse tipo de trabalho, parece-me que o professor de Filosofia
não precisa tanto dessa tutela. Então, o que acontecia? Eu ia para essas
palestras sem saber muito bem qual era o público que eu ia encontrar. Às
vezes, acontecia de ser aluno de faculdade. Às vezes, era aluno de 2o grau.
Às vezes, era professor de faculdade. Então, é uma situação muito difícil,
porque se você vai preparar alguma coisa, você tem que saber qual é o seu
público. E eu fui um pouco a esse tipo de trabalho e fui ficando mais
quietinha no meu canto. Eu não gosto...
A editora não obriga. Os professores que vão, sentem-se na obrigação.
Mas sabe o que eu acho que é o problema? Há uma disputa muito grande
de vendas, né? Há uma competição muito grande. Pode ser que em
Filosofia venha haver, mas ela não é o filé mingon das editoras. Um livro
de Filosofia vende muitíssimo menos do que um de Português, de
Matemática. Então, eles não me obrigam a isso.

A história de José Ruy Giovanni é bem diferente. Ele é um desses raros autores
que a editora contrata como se fosse funcionário. Também por isso, ele está disponível
para viajar e participa de muitos cursos:
190

Nós começamos a fazer o livro em 1974, 75, e em 76 o livro foi para as


ruas, ou seja, foi para as escolas. Então, nós tivemos uma venda bastante
razoável, na época, o primeiro livro. No segundo ano, nós quase
triplicamos a venda. Então, a editora começou um processo que hoje se
utiliza muito, mas que fomos os primeiros praticamente a introduzir isso: o
acompanhamento ao professor. Ou seja, as escolas nos convidavam e nós
íamos lá para falar sobre a nossa filosofia de trabalho, sobre a parte
pedagógica nossa, como é que nós tínhamos feito isso no livro, como é
que o livro podia ser usado, quais eram os recursos que o professor tinha
para usar o livro. Então, esse trabalho começou a exigir de nós um tempo
maior.
Então, um dia, em 1979, eu sou convidado pelo Ministério da Educação
para dar um curso em Roraima. Um curso de 120 horas para os professores
de Roraima. Eu fui e passei vinte e tantos dias. Eu não podia dispensar
esse convite. Era um convite muito honroso. Para a própria editora, era um
marketing muito grande. Com isso, naturalmente, as minhas aulas no
Arquidiocesano ficaram prejudicadas. Eu dava aula, ainda.
Posteriormente, o segundo semestre foi muito atingido justamente por
isso: o Nordeste passou a nos convidar para falar. Então, fizemos uma
visita ao Nordeste. Isso também exigiu um tempo maior, e as minhas
aulas, cada dia mais, ficavam prejudicadas lá no Arquidiocesano.
Então, eu entrei em entendimento com a direção da FTD: “Olha, ou eu
fico dando aula, sem poder viajar, ou então vocês me pagam o salário que
eu tenho lá no colégio e eu fico na FTD, fazendo os meus livros”. É mais
rápido, mais ágil e, ao mesmo tempo, tenho o espaço necessário para
viajar, né? E assim começou a minha vida na FTD. Foi em 1979. Eu era
contratado pelo Arquidiocesano, ganhava pelo número de aulas no
Arquidiocesano, mas para prestar serviço na FTD – até o instante em que
vi que não era possível, que eu não voltaria mais para o Arquidiocesano.
Eu fiquei três anos nessa condição.
Aí, na realidade, começou a minha profissionalização. A editora observou
que isso trazia para ela um benefício. Então, ela começou a buscar alguns
autores, que já tinham livros pela FTD, para trabalharem aqui. São os
chamados “autores internos”. Hoje, é muito comum as outras editoras
profissionalizarem seus autores, mas não exatamente como a FTD faz: eles
fazem um pagamento adiantado para alguns autores escreverem livros,
para que o autor deixe de lecionar. Não é o meu caso. Eu tenho salário
como funcionário da editora FTD e tenho os direitos autorais que são à
parte. Então, a FTD achou que, com isso, ela ganharia. Eu ganharia
também, não perderia, era uma profissionalização do autor, ou seja, o
autor seria um elemento que está dentro da editora para viagens etc. E
essas viagens são pagas pela editora. A não ser quando o convite parte, por
exemplo, de uma Secretaria do Estado. Quando eu fui a Roraima, o
próprio MEC pagou tudo. Mas a maior parte realmente é paga pela
editora, porque muitas vezes é o atendimento a uma determinada escola.

Profissão: autor

A tendência é, portanto, os autores se profissionalizarem: a rotina de trabalho


associada a esses cursos impelem o autor a abandonar outros afazeres. Mas é possível
viver condignamente apenas sendo autor? Comenta a respeito Francisco Moura:
191

Hoje em dia, no nosso caso, depois de 15 anos com um livro bem colocado
no mercado, dá para viver como autor, sim. Eu acho que eu poderia dizer
que hoje posso viver só como autor. Mas depois de quase 15, 16 anos de
trabalho.

Elian Alabi Lucci considera-se “semiprofissional”. Mantém uma boa estrutura de


trabalho para dedicar-se a seus afazeres, mas queixa-se da sua remuneração:

Eu sou quase um autor profissionalizado. Quer dizer, hoje grande parte do


meu trabalho eu dedico ao livro. Tenho minhas aulas, de 1o e 2o grau, mas
bem poucas. Então, quase que eu sou um semiprofissional do livro,
praticamente.
A vida de autor profissional é de muita leitura, de muita pesquisa sobre
vários aspectos e muitas entrevistas. No meu caso, Geografia, eu tenho que
sair a campo para pesquisar, para entrevistar pessoas. Então, o nosso
tempo é todo empregado hoje nisso. Hoje, no meu trabalho eu viajo,
fotografo, entrevisto, pesquiso. Vou buscar um conhecimento mais
concreto da realidade. Talvez por isso que a gente tenha mais
receptividade com as nossas coleções. Então, isso exige um autor quase
profissional. Este escritório, eu aluguei para essa atividade, para ter um
pouco de sossego. Chego aqui, tenho uma biblioteca aqui em cima, pego o
livro e fico aqui tranqüilo, depois que eu volto das viagens. E vou
trabalhando o original aqui.
Do ponto de vista da remuneração, olha, não é tão compensatório, não,
viu? Já foi melhor. Hoje, as editoras tentam pagar o menor direito autoral,
cobram do autor que ele pague uma parcela, sei lá, de um revisor, de
alguém mais como um auxiliar técnico. Há editoras que pedem para o
autor pagar o desenhista, o ilustrador. Então, hoje há coisas que acabam
sendo solicitadas a nós. É o caso de venda para o governo, que diminui o
nosso direito autoral, o direito autoral é reduzido em função do preço que
o governo paga no livro. Isso tudo, hoje, afeta bastante o trabalho do autor.
Por isso que a gente tem que dar aula, continuar dando aula. Ter alguma
outra fonte de renda, também, porque no fundo as nossas receitas são
anuais. Você acaba recebendo o direito autoral uma vez por ano. Então, se
você não tiver, no dia-a-dia, umas aulas que você dê, que é uma fonte de
receita, só com direito autoral fica um pouco complicado para você
administrar o teu fluxo mensal de despesas.

Maria Lúcia de Arruda Aranha confessa que como autora conquistou


independência:

Eu não diria, assim, que é como esses meus colegas de Português,


Matemática etc., mas dá perfeitamente viver como autora. Se eu for pensar
no que era a minha situação quando eu ganhava só como professora, e que
daí eu tinha uma dependência absoluta do meu marido, e aí a gente pode
até lembrar do nosso prefeito Maluf – não foi ele quem falou: “As
professoras não ganham mal, elas são malcasadas”? E aí com o trabalho
dos livros e com a editoria dá para se pensar numa independência.

Luiz Imenes explica que na verdade vive de antecipação dos direitos autorais:
192

O meu rendimento básico vem desse trabalho com livro didático. Eu não
estou vivendo de direitos autorais, estou vivendo da antecipação de
direitos autorais. Isso funciona assim: as obras que estão publicadas me
rendem um tanto que é insuficiente para eu viver bem. A editora me
antecipa o direito autoral, que é maior do que essa receita, de tal modo que
todo mês eu tenho um saldo negativo que vem se acumulando, que eu
espero pagar com a próxima obra que eu organizar. O esquema está sendo
assim. Eu não me orgulho disso não. Eu gostaria de estar vivendo de
direitos autorais. O dia que eu conseguir isso eu vou ficar feliz. Além
desse trabalho com a autoria de livro, eu faço um monte de outros
trabalhos que tem alguma relação com livro. O autor quando dá a sua obra
a público, ele passa a ter um compromisso com esse público. Então, a
gente é muito solicitado para ir às escolas. E esse trabalho a gente faz sem
remuneração, quase sempre. Além disso, eu estou trabalhando também
com educação à distância. Continuo nessa área, e estava até recentemente
com o Projeto TV-Escola. Além disso, na PUC de Campinas eu tenho
participado regularmente de um curso de especialização em Educação em
Matemática e dado aula nesse curso há cinco anos. Esse vai ser o quinto
ano. Então, isso eu tenho feito muito. Agora, sem o vínculo empregatício,
eu sou autônomo.
Bom, do ponto de vista pessoal, eu custei muito, relutei muito a assumir
esse trabalho com o profissionalismo que eu dedico a ele hoje. Porque é
inseguro, porque você conhece meia dúzia de pessoas que vivem de
direitos autorais nesse país, porque a gente sabe que existe uma disputa de
mercado muito grande, que você vai estar no meio disso. Por outro lado,
eu vinha publicando, e publicando como? Você escreve de madrugada,
sábado, não tira férias, quer dizer, num esquema nada profissional.
Sacrificando um monte de outras coisas. E a coisa chegou a um ponto que
eu tive que tomar uma decisão: ou desisto de fazer isso ou se eu quiser
continuar, para fazer direito as condições têm que ser outras. E como eu
gosto desse trabalho e acho que ele é uma contribuição significativa, eu
arrisquei. Agora, confesso que pessoalmente é uma coisa bastante
incômoda, porque tenho uma dívida com a editora. Não perco o sono
porque não é uma dívida bancária, mas isso incomoda. Estou com 51 anos
e não dá para brincar.
Por outro lado, trabalhar em casa foi um aprendizado também. A
autonomia é muito boa, mas..., se você não tomar cuidado, você dança. É
preciso aprender a trabalhar em casa, a família se educar para isso. Eu
estou aqui, mas eu não estou de férias, eu não posso ir à feira, eu estou
trabalhando. É uma coisa difícil. O que fazer? Eu melhorei muito, mas
ainda não está legal, tenho que trabalhar sábado e domingo, tenho que
educar a família com isso. Então, digamos que esse é o lado pessoal da
coisa. Ainda outro lado pessoal: esse é um trabalho que tem uma dimensão
angustiante, são quatro anos para você produzir uma coisa e vê-la
publicada. Tem sido assim. O paradidático você vê o filho nascer mais
depressa, dois anos, três anos no máximo. A coleção [de didáticos], não.
Ela tem que nascer..., os quadrigêmeos nascem juntos, né? Então, é
angustiante, é um processo muito longo. Agora que eu estou chegando na
reta final desse de 5a a 8a, vai dando uma ansiedade, você quer ver o livro
pronto. É um parto. Isso gera bastante ansiedade.

Para Marcelo Lellis, a profissionalização como autor melhorou em parte o seu


padrão de vida. Mas reclama que se sente muito isolado:
193

Nos últimos cinco anos, deu para viver como autor profissional. Em parte,
porque a editora me adiantou. Durante bastante tempo ela me pagava
salário – não salário, ela me pagava um adiantamento de direitos autorais.
Ela já recuperou tudo. Esse ano, por exemplo, foi o primeiro ano que eu
fiquei quite com a editora, quase o ano inteiro. E, agora, no fim do ano,
acabou meu dinheiro, eles outra vez me deram adiantamento. Então, deu
para viver e deu para viver um pouco melhor do que como professor.
Porque como professor eu não só tinha horários rígidos, mas estava no fim
de semana corrigindo prova. Agora, eu estou no fim de semana
escrevendo, mas tudo bem, há fim de semana em que eu não escrevo. Lá,
se eu não corrigisse a prova seria uma tragédia. Eu também ganho mais,
ganho um terço a mais do que como professor. Porque eu era um professor
que ganhava acima da média, trabalhando em colégio particular etc. Mas
eu ganho um pouco mais ainda como autor.
Problemas que enfrento como autor..., olha, especificamente, no meu caso,
porque eu tenho uma pesquisa que é muito sofisticada em relação à massa
dos professores, então, o problema que eu tenho é um certo tipo de
isolamento, uma dificuldade de dialogar. E esse isolamento me atinge do
ponto de vista emocional, porque há poucos autores e poucos professores
com os quais eu posso dialogar no mesmo plano. A não ser nos congressos
de Educação Matemática. Mas, aí, também eu sou uma pessoa isolada,
porque eu sou o autor e não... um acadêmico. Porque os acadêmicos estão
lá no grupo e eles têm uma pesquisa. Eu tenho o mesmo nível de
conhecimento deles e posso dialogar com eles. Mas, infelizmente, eu sou
um autor e isso cria alguns problemas. Agora, junto a outros autores e
junto ao professorado de uma maneira geral, eu me sinto pouco fora do
mundo, pouco isolado. Quando uma professora me pede como ensinar
divisão, eu sei perfeitamente como responder, mas é que eu não posso
passar para essa professora em dez minutos, porque envolve..., não é só
problema técnico, é toda uma atitude dela que tem que estar de acordo, e é
muito difícil responder, então, essas perguntas num nível honesto, sem
fazer supersimplificação da coisa. É bem difícil isso. Às vezes, eu me sinto
muito isolado, eu me sinto chateado de enfrentar essas coisas e não poder
dar as respostas de uma maneira completa, também. Porque se eu
simplifico muito eu estou sendo desonesto, mas se eu não simplifico eu me
torno incompreensível. Complicado isso.

Triangulação autor, editora e governo

Congregando essas inquietações, essas ansiedades, esses problemas comuns,


fundou-se em setembro de 1992, a Associação Brasileira dos Autores de Livros
Educativos (Abrale). O primeiro presidente foi José Ruy Giovanni, em 1992/1994. A
gestão de 1994/1996 foi presidida por Luiz Imenes, a quem sucederia Gilberto Cotrim
(1996/1998). Segundo um folheto da entidade, publicado durante a segunda gestão, a
Abrale tornou-se

reconhecida como o canal de participação dos autores junto a entidades


como a ABDR (Associação Brasileira de Direitos Reprográficos), FAE
(Fundação de Assistência ao Estudante), MEC (Ministério da Educação),
194

Poder Legislativo, Abrelivos (Associação Brasileira dos Editores de


Livros), CBL (Câmara Brasileira do Livro) etc.
[Bem-vindo à Abrale! s.d.]

De fato, segundo Gilberto Cotrim, uma das principais tarefas da Abrale é efetivar a
“triangulação autor, editora e governo”.
Em 1995, a Abrale desencadeou uma ofensiva em relação à FAE, reivindicando
participação na definição da política de aquisição dos livros didáticos. Em 17 de março
daquele ano, o presidente da FAE reuniu-se com a diretoria da Abrale e assegurou que a
comunicação entre os autores e o governo estava oficialmente aberta. Em assembléia, a
Abrale então aprovou um documento intitulado Propostas da Abrale para a melhoria da
qualidade do livro didático, que seria encaminhado à FAE em 14/6/1995. A Abrale
começou a freqüentar reuniões em Brasília, como a mesa-redonda “Como melhorar a
escolha do livro didático”, realizada em 20/6/1995, quando a entidade colocou-se à
disposição para colaborar na confecção do Guia do professor, que orientaria os docentes
na escolha dos livros a serem adquiridos pela FAE.
A interlocução e até mesmo a parceria com o governo pareciam estar asseguradas.
Em 4/3/1996, em nova reunião, a FAE reafirmou que a Abrale seria informada sobre cada
etapa do processo da aquisição dos livros pelo PNLD.
Com a palavra, o então presidente da Abrale, Luiz Imenes para comentar essa
questão e as demais lutas da entidade e da categoria:

Em 92, um grupo de autores conseguiu dar o pontapé inicial e a Abrale foi


criada em setembro de 92, com 25 autores, um grupo pequeno. Depois de
dois anos éramos quase 100, e agora com quatro anos de existência está
com cerca de 200 associados. Bem, a primeira tarefa da Abrale, foi criar
um clima de confiança, de cooperação entre os autores para que os nossos
problemas fossem trazidos à tona. Por exemplo, eu não sabia como é que
eram as formas de pagamento das demais editoras. A gente não sabia quais
são as porcentagens de direitos autorais que elas pagam. Se elas pagavam
correção monetária nos direitos autorais. Então, conversando sobre isso, a
gente foi percebendo que os problemas são mais ou menos os mesmos.
Fizemos alguns progressos nesse sentido. As porcentagens variam, mas
não é muito. Elas estão mais ou menos na seguinte faixa: as editoras
quando falam do custo do livro, elas creditam 10% para pagamento dos
autores. Mas 10% é exceção. Eu tenho 10% nessa coleção do paradidático
e na outra também. E só. Essa daqui os três autores recebem 4%, um terço
de 4% para cada um. Na coleção de quinta a oitava é 6% e no segundo
grau 8%, no nosso caso. Bom, dando a público essas informações, a gente
conseguiu que algumas editoras, aquelas que eram as piores, dessem uma
melhorada nesses acertos.
Bem, a Abrale nasceu dessa forma e as suas bandeiras de luta eram
inicialmente essas: a valorização do autor, o reconhecimento dos direitos
autorais. Mas a gente encontrou muita dificuldade nos três primeiros anos
em travar diálogo com os editores e com o MEC. Por que o MEC? Porque
195

o MEC é um grande comprador de livros didáticos. Hoje, ele é o maior


comprador de livros do mundo. Não há instituição que compre 110
milhões de livros. Não se tem notícia disso. A gente encontrou muita
dificuldade em travar esse diálogo. Até que, em fevereiro de 95, quando o
MEC anunciou os cinco pontos que ele considerava prioritário para
Educação, e um desses cinco pontos era a melhoria da qualidade do livro
didático, a Abrale soube tirar proveito desse fato, da seguinte maneira: nós
imediatamente comunicamos ao MEC que, como autores, nós
concordávamos, sim, em melhorar a qualidade do livro, e como somos
responsáveis pelo que escrevemos assumíamos a parcela de
responsabilidade que nos compete nisso. Quinze dias depois, eu não tinha
recebido nenhum retorno desse fax, comecei caçar o fax em Brasília.
Para encurtar a história, um mês depois, eu estava muito irritado porque
não tinha tido retorno nenhum e aí tive uma atitude meio drástica:
comuniquei-me com o contato máximo que eu tinha lá, que sabia onde
esse fax tinha parado e perguntei se a coisa era de brincadeira ou era para
valer. Porque a gente tinha acreditado, pensando no diálogo. Agora, se era
de mentirinha, que avisasse, que eu parava de telefonar. Cinco minutos
depois, o presidente da FAE ligou, dizendo: “Você tem toda razão de estar
bravo porque não tiveram retorno, mas a correria não permitiu. Estou indo
para São Paulo a semana que vem”. Tivemos uma reunião e nessa ele
falou: “Agora eu quero as propostas de você para melhorar o livro”. E, daí,
saiu esse documento, foram três meses de discussão com os autores, foi
um documento tirado em assembléia, contendo as propostas da Abrale
para melhorar a qualidade do livro didático. Aqui há vários pontos em que
a gente focaliza o problema do livro por vários ângulos e dá várias
sugestões, na visão da gente, que são essenciais para tentar melhorar o
livro. A gente parte de alguns princípios, os “Princípios da Abrale”.
Primeiro, é que “a observação dos preceitos democráticos exige que na
avaliação do livro respeite-se o pluralismo de tendências e enfoques
pedagógicos, bem como de posições ideológicas”. O outro é “o respeito à
dignidade profissional exige que a livre escolha da obra seja atributo do
professor”. E o terceiro princípio é que nós, autores, nos entendemos como
educadores: somos educadores, não somos nenhuma outra categoria. Nos
cobrem como tal! Esse documento foi muito bem recebido. E, a partir daí,
a gente passou a fazer parte dessa discussão toda do processo de avaliação
do livro didático.
A partir daí, também conseguimos estabelecer diálogo com os editores. A
partir do momento em que eles perceberam que não podiam avaliar o livro
para valer, perceberam que não poderiam estar nisso sem a gente. Então, aí
começamos travar diálogo com as entidades das editoras, a Abrelivros e a
Câmara Brasileira de Livros. Claro que nem todos os interesses de autores
e editores são antagônicos, nem todos são também comuns. Na questão
dos direitos autorais é claro que a gente diverge deles. E, aí, estamos
brigando para que isso melhore. Essa questão da prestação de contas, a
gente conseguiu melhorar bastante. Agora, um ponto que é um grande nó,
é grande caixa preta, é a questão do controle sobre as vendas. Esse é um
ponto que a gente está se preparando para poder avançar. Há no Congresso
Nacional um projeto lei que obriga a editora a numerar as obras, como, de
fato, já valia antigamente. Só que a gente tem muita dúvida se esse
processo é eficaz. O que é preciso é haver um controle sobre o número de
exemplares vendidos.
Agora, os problemas se fossem só esse, eu até estava satisfeito. Hoje, todo
mundo que está nesse meio tem problemas muito maiores trazidos pela
disseminação dos meios de reprodução. Isso vale para livro, xerox,
software, para o CD, para tudo. Para vídeo. E sobre isso há uma outra
entidade, eu participo dela, também, da diretoria da ABDR, Associação
196

Brasileira de Direitos Reprográficos, em que os autores também têm uma


participação bastante significativa, em que a gente vem tentando encontrar
os meios de atacar esse problema, um problema mundial. Outros países
avançaram muito nisso. Não se trata de você impedir a reprografia, trata-se
de disciplinar. É comum você chegar numa escola e o professor me dizer:
“Olha, professor recebi esse livro, a editora me mandou, eu gostei demais,
ele é tão bom que eu xeroquei e distribuí para os alunos”. É em tom de
elogio que ele está falando isso, ele não tem a mínima noção do que ele
está fazendo. A gente vive na cultura da pirataria e essas coisas passam a
ser normais.
Agora uma coisa que eu..., é que no momento essa questão da avaliação
[dos livros didáticos] está sendo a mais urgente. E as coisas são..., eu acho
que essa é uma semana decisiva... E na semana passada, a gente entrou em
contato com o MEC porque sabia que a avaliação não estava andando, mas
ficou garantido para essa semana que seríamos chamados pelo MEC para
estar recebendo essas avaliações. Agora, tem algumas coisas que eu não
vou poder dizer a você, porque não são dados oficiais, mas existem
algumas notícias correndo que, se forem verdadeiras, elas são
preocupantes.

Esta entrevista foi concedida em 7/5/1996. Na semana seguinte o MEC


convocaria os representantes das editoras e dos autores para comunicar sumariamente que
foram constatados livros com “erros”, tomando o cuidado, antes, de vazar algumas
informações para a imprensa.
Epílogo

O texto de Cervantes e o de Menard são


verbalmente idênticos, mas o segundo é quase
infinitamente mais rico. (...)
Constitui uma revelação cotejar o Dom
Quixote de Menard com o de Cervantes. Este,
por exemplo, escreveu (...):
... a verdade, cuja mãe é a história, êmulo do
tempo, depósito das ações, testemunha do
passado, exemplo e aviso do presente,
advertência do futuro.
Redigida no século XVII, redigida pelo
“engenho leigo”, Cervantes, essa enumeração
é um mero elogio retórico da história. Menard,
em compensação, escreve:
... a verdade, cuja mãe é a história, êmulo do
tempo, depósito das ações, testemunha do
passado, exemplo e aviso do presente,
advertência do futuro.
A história, mãe da verdade; a idéia é
espantosa. Menard, contemporâneo de
William James, não define a história como
uma indagação da realidade, mas como sua
origem. A verdade histórica, para ele, não é o
que sucedeu; é o que pensamos que sucedeu.
As cláusulas finais — exemplo e aviso do
presente, advertência do futuro — são
descaradamente pragmáticas.
(Jorge Luis Borges)

Houve outrora um editor de livros que havia sido jornalista. O seu mote
preferido era: “Paciência, Veja errou”. Ele não entendeu jamais que, ao contrário de
jornal ou revista, que envelhecem tão logo sejam lidos, o livro tem a durabilidade da
estante. Também não conseguiu nunca perceber que as pessoas não costumam
adquirir edições sucessivas de um mesmo livro em que poderiam ver erratas – “Veja
200

errou” – referentes às edições anteriores. Mais do que isso, foi incapaz de


compreender que a qualidade do livro está em sua consistência, que não
necessariamente coincide com o sensacional, exótico, bizarro. Por isso, ao se deparar
com um texto sobre Sócrates (o ateniense) em que a sua morte era descrita secamente,
não titubeou e “balhornizou”: “Baseia-se, esta última acusação [corromper a
juventude], no fato de Sócrates não esconder seus hábitos homossexuais (um
comportamento não proibido e até comum na época)”. Quando o redator, indignado,
foi reclamar da surpreendente “correção”, alertando que além de mentirosa a frase não
fazia menor sentido – como condenar alguém por uma prática que não era proibido?!
–, o editor limitou-se a esboçar um sorriso amarelo e murmurar: “Paciência, Veja
errou”.
A parábola talvez sirva para compreender melhor o “affaire Jobson-Piletti”, de
que se falou na Introdução. Mylton Severiano da Silva, o bravo combatente
Myltainho da imprensa alternativa, é um veterano jornalista e, como tal, está
acostumado a produzir laudas e mais laudas em instantes, “costurando” com seu texto
em estilo nervoso informações que copia de um press-release, dados que “chupa” de
uma obscura publicação estrangeira, transcrição (sem aspas) de trechos de livros. A
rápida perecibilidade da sua mídia assegura a impunidade dessas apropriações e, em
todo caso, há sempre o recurso de “Veja errou”. Competentíssimo em seu ofício, o
Myltainho, no entanto, como grande parte dos jornalistas, não entende muito bem o
que é fazer livro: para ele é mesma coisa que fazer jornal. Recebeu um pacote com
livros e apostilas do editor, que lhe disse: “Esse material é nosso, pode usar à
vontade”. Esse “nosso” tem significado diferente para um editor de livro e para um
jornalista. Para o editor de livro, o possessivo serve para indicar que aquele material
pode ser usado à vontade, mas como referência. Para o jornalista é um sinal verde
para cópia. E ele copiou – provavelmente o texto “plagiado” pareceu-lhe melhor, mais
ágil, do que os trechos que descartou do livro original. Quem sabe se no final das
contas o “plágio” não resultou em um bom livro?
Convém também observar que esses “plágios” são bem mais freqüentes do que
são denunciados. Quem já teve a paciência de cotejar verbetes sobre um mesmo
assunto em enciclopédias diferentes sabe que é até possível traçar a árvore
genealógica das sucessivas cópias. Até mesmo os erros se perpetuam saltando de uma
publicação para outra. Também no respeitável mundo acadêmico são freqüentes
201

artigos de uma publicação serem reciclados para aproveitamento numa outra – basta
comparar os artigos “El mundo como representación” e “Introdução. Por uma
sociologia das práticas culturais”, ambos de Roger Chartier (1991 e 1990),
mencionados na Bibliografia. Se se preferir um similar nacional, há, como mostra
Martins(1) (1996, pp. 81 e 83), uma surpreendente coincidência de palavras entre
trecho da tese de doutorado de Teresa Roserley Neubauer da Silva, de 1988, e de um
artigo, de 1986, escrito por uma equipe da Cenp, que ela então dirigia. Também há
um caso extravagante de um livro, originalmente uma tese de livre-docência, em que
trechos inteiros (algo em torno de três páginas) foram copiadas para páginas adiante
do mesmo livro!
Por fim, resta lembrar que trabalhando como “frila” o interesse do jornalista
Myltainho era produzir o máximo de laudas possível no mínimo de tempo. É por
essas que Wilma Silveira Rosa de Moura, editora da Ática, prefere não trabalhar com
freelancer:

Eu trabalho bastante com freelancer, mas é bastante relativo. Tudo que


eu puder fazer internamente eu faço, porque a qualidade é outra.
Aconteceu muito, pessoas que eu conhecia o trabalho fora daqui. São
pessoas realmente legais, que trabalham bem. Mas quando passam para
condição de freelancer a coisa muda de figura. Porque a pessoa não
está identificada com aquele trabalho. Ela tem que te dar uma resposta
rápida. Ela tem que atender a vários lugares ao mesmo tempo. Então,
ela fica assim de trabalho. A responsabilidade é muito menor, porque
ela entrega e vai embora. Faz um trabalho meio alienado.

O que na verdade todo esse episódio revela é o profundo amadorismo dos


procedimentos envolvidos – e esse é o ponto que realmente interessa aqui. Ao menos
atento dos leitores não terá escapado a insistência com que se abordou, ao longo
destas páginas, o tema da profissionalização dos trabalhadores em livros didáticos,
editores e autores. Anos a fio, literalmente, eles se debruçam sobre um mesmo
material. O autor escreve, reescreve, reescreve e reescreve. Tomado de uma perversa
obstinação, só repousa quando flagrar aquele mínimo deslize, conceitual ou
tipográfico, escondido no emaranhado das letras. O revisor faz dessa obstinação sua
razão de ser. O copidesque persegue a perfeição do estilo, plenamente consciente, de
antemão, de que O Texto não existe a não ser nas abstrações acadêmicas. E os artistas
gráficos podem se entreter à exaustão falando de papel, letra, cor e mancha. Mal o
livro chega da gráfica – ou mesmo antes – o autor invade a sala de aula de um amigo
202

ou reúne os adolescentes do condomínio para experimentar a eficácia da obra. E se


põe a reescrever. Gilberto Cotrim, durante a entrevista, comparou duas edições de
uma mesma obra sua para mostrar as alterações que foram introduzidas. A edição
mais nova tinha acabado de ser lançada, mas o exemplar do autor estava bastante
rabiscado e anotado – uma nova versão já estava sendo preparada. Os autores também
lêem obras de colegas-concorrentes; dizem ler trabalhos universitários para se
atualizarem. O mesmo Cotrim afirma que acompanha a evolução dos livros didáticos
espanhóis, franceses e argentinos.
Enquanto isso, o professor Jobson Arruda declara não ler jamais livros
didáticos. Certamente ele não tem nenhuma culpa nesse incidente, mas ele não é
profissional. Do mesmo modo, o jornalista Mylton Severiano da Silva, em matéria de
livro didático não é profissional: não se faz numa tacada o copidesque de um livro
didático, ainda mais uma fusão de duas obras: não é mesma coisa que fazer matéria
para Veja. E João Guizzo, profissionalíssimo editor, um dos pilares da Ática e um dos
artífices da rotina de produção profissional de livros didáticos, ao menos nesse
episódio comportou-se de modo assustadoramente amadorístico: ele sabe que não é
assim que se faz.
No fundo, nada disso tem importância, a não ser por uma questão pontual: o
episódio do “plágio” não serve de peça de acusação contra a indústria cultural, como
os seus detratores gostariam que tivesse sido. O caso não revela a natureza
essencialmente corrompida dessa indústria; apenas mostra o que acontece quando não
se trabalha direito. O livro didático ruim, mal cuidado, cheio de erros e preconceitos,
ocorre não por causa da indústria cultural, mas onde ela falha. A busca do lucro não
tem como corolário necessário um produto ruim. Muito menos um sistema de ensino
que faz minguar a dignidade do professor, como pretende Ezequiel Theodoro da Silva
(1996):

Costumo esclarecer que à perda crescente da dignidade do professor


brasileiro contrapõe-se o lucro indiscutível e estrondoso das editoras de
livros didáticos. [p. 11.]

Nesse artigo, em que apenas faz desfilar os velhos chavões – “manuais à Disney”,
“mecanização da mente e a passividade diante de atividades de estudo” etc.–, o autor
procura justificar a falta de análises mais palpáveis:
203

A natureza polêmica e espinhosa do assunto levou-me à adoção de um


estilo não-acadêmico, sem citações ou referências de apoio para
sustentar as minha afirmações. A argumentação por mim privilegiada
seguiu a linha da experiência docente (27 anos de magistério em todos
os níveis de ensino, da 1a série do 1o grau ao 4o ano da universidade) e
das agruras vividas, sendo (ou tentando ser) professor “de verdade”
dentro de escolas públicas marcadas por privações crescentes. [p. 14.]

Nesse comovente currículo, o autor apenas esqueceu-se de acrescentar que também


fora (ao menos à época da publicação do artigo) secretário da Educação do município
de Campinas (São Paulo), responsável (no plano local, é verdade) por uma política
educacional que pode ou não contribuir para a “perda crescente da dignidade do
professor brasileiro”.
A crítica do livro didático deve-se situar numa outra ordem. Como diz
Lizânias de Souza Lima, editor da FTD:

Eu teria uma última coisa a dizer: que a grande distorção, que não vai
se resolver agora e está há muito tempo se estendendo, é o produto
cultural ser regido pelas leis de mercado.

As leis do mercado reinam soberanas exatamente porque ocuparam o espaço deixado


pelo o vazio de política cultural e educacional. O professor perde a dignidade não
porque as editoras têm lucro, mas porque faltam políticas que restituam dignidade ao
professor. Se o professor torna-se prisioneiro do fetichismo da mercadoria do livro
didático, sem condições de criticá-lo, é porque a qualificação desse professor deixou
há muito de ser prioridade da política educacional, que chega a delegar às editoras e
aos autores a realização de cursos de capacitação dos professores. Em suma, toda essa
discussão sobre o lucro das editoras não passa de diversionismo.
Uma discussão mais frutífera sobre o livro didático deve recolocá-lo onde
sempre esteve, isto é, aquém das leituras que a fiscalização da ortodoxia exige. Como
se queixavam editores e autores, não faz sentido ler um livro didático buscando nele a
última contribuição da Ciência à humanidade. Não adianta tampouco reclamar que
nele os conteúdos se petrificam, impossibilitando a reflexão crítica. Qualquer texto,
por mais malabarismo dialético que possa executar, acaba se cristalizando em tinta e
papel: afinal, livro é coisa. O que se faz com coisa é uma outra história.
Talvez o mais atento dos leitores não tenha dessa vez percebido, mas ao longo
destas páginas as palavras “ler” e “leitura” foram sendo gradativamente substituídas
por “usar” e “uso”. Assim fizeram os entrevistados, assim também fez o
204

escrevinhador desta tese. Pois, a rigor, livro didático não é para ser lido como se lê um
tratado científico – postura adotada por muitos críticos de conteúdo dos livros
didáticos. Livro didático é para usar: ser carregado à escola; ser aberto; ser rabiscado
(não, isso não pode, o livro não pode ser consumível!); ser dobrado; ser lido em voz
alta em alguns trechos e em outros, em silêncio; ser copiado (não se pode consumi-
lo!); ser transportado de volta à casa; ser aberto de novo; ser “estudado”. Raros livros
didáticos, a não ser aqueles intrincados produzidos por Imenes e Lellis, são
efetivamente lidos de cabo a rabo, do mesmo modo que ninguém lê um dicionário ou
uma enciclopédia de A a Z – à exceção, é claro, daquela japonesa ninja que salvou
James Bond.
Define Lajolo (1996), num artigo significativamente intitulado “Livro
didático: um (quase) manual de usuário”:

Didático, então, é o livro que vai ser utilizado em aulas e cursos, que
provavelmente foi escrito, editado, vendido e comprado, tendo em vista
essa utilização escolar e sistemática. [...]
[...]
Assim, para ser considerado didático, um livro precisa ser usado, de
forma sistemática, no ensino-aprendizagem de um determinado objeto
do conhecimento humano, geralmente já consolidado como disciplina
escolar. Além disso, o livro didático caracteriza-se ainda por ser
passível de uso na situação específica da escola, isto é, do aprendizado
coletivo e orientado por um professor. [pp. 4-5.]

Objeto para ser usado, livro didático implica não uma relação direta e imediata
do aluno e do professor com o conteúdo, esse mundo platônico de formas inteligíveis,
mas antes atividades, práticas e fazeres, numa situação efetiva de ensino e
aprendizagem. Nunes (1992) e Cordeiro (1994) já alertavam para essas questões,
como foi indicado na Introdução e no Capítulo 1, respectivamente. Também
Bittencourt (1993) dedica todo um capítulo da sua tese a esse tema:

[...] buscamos identificar os leitores na sala de aula, situando


professores e alunos diante do livro, no ato de apreensão do texto,
entendendo este espaço como um lugar de conflito. [p. 289.]

A tal abordagem repugna a abstração. “Ler” não é um ação unívoca e monossêmica,


mas vários atos:

O livro didático foi construído para que a leitura se realizasse de duas


formas. O primeiro momento era mediado pelo professor, o agente
organizador da leitura em grupo. Os alunos deveriam ler em voz alta,
205

na sala de aula, dividindo a leitura com seus companheiros de classe.


[...]
A seqüência de leitura do livro didático, ou a etapa seguinte da leitura,
levava-o a partilhar uma prática erudita e individualizada. O aluno teria
que “privatizar” sua leitura, lendo individualmente para decorar textos
ou realizar os exercícios pedagógicos ou outras formas de fixação da
leitura.
“Escutar ler” foi outra prática freqüente na sala de aula. O professor lia
para seus alunos. [...]
[Bittencourt 1993, p. 319.]

Não se deve abstrair nem tampouco a mobília que serve de suporte material dessas
leituras (p. 321).
Seguindo essa sinalização, abre-se assim um terreno inteiro a ser explorado: o
das práticas de uso dos livros didáticos. Esse é o tema que a presente tese, na sua
conclusão e como sua pequena contribuição, coloca à disposição de quem queira nele
se aventurar.
Bibliografia

1. Fontes

1.1. Entrevistas:
Elian Alabi Lucci Autor (Geografia e E. Sociais) 12/12/1997
Francisco Moura Autor (Português) 16/12/1996
Gilberto Cotrim Autor (História) 16/121996
Helena de Brito Editor (FTD) 2/12/1996
Isabel Simões Editor (Ática) 2/5/1996
Jaime Pinsky Editor (Contexto) 24/9/1996
João Guizzo Editor (Ática) 2/5/1996
José Olavio Dutra SEEL 19/9/1996
José Ruy Giovanni Autor (Matemática) 2/12/1996
Lizânias de Souza Lima Editor (FTD) 20/11/1996
Luiz Imenes Autor (Matemática) 2/5/1996
Marcelo Lellis Autor (Matemática) 16/12/1996
Maria Lúcia de Arruda Aranha Autor (Filosofia) 16/12/1996
Neri E. Stein SEEL 19/9/1996
Ricardo Yorio SEEL 19/9/1996
Rosi Meire M. Ortega SEEL 19/9/1996
Rosiane Oliveira Silva Editor (FTD) 2/12/1996
Sandra Almeida Editor (Ática) 6/5/1996
Wilma Silveira Rosa de Moura Editor (Ática) 6/5/1996
1.2. Periódicos
ALMANAQUE ABRIL.
BOLETIM INFORMATIVO ABRALE / BOLETIM DA ABRALE / INFORMATIVO ABRALE.
FOLHA DE S.PAULO.
ISTOÉ.
207

LEIA LIVROS / LEIA.


LECIONARE.
O ESTADO DE S.PAULO.
O ORIGINAL – Órgão de divulgação do Sindicato dos Empregados em Empresas Editoras de Livros e
Publicações Culturais de São Paulo.
VEJA.

1.3. Catálogos, folhetos, material publicitário


ATUAL EDITORA.
CALLIS EDITORA.
CASA PUBLICADORA BRASILEIRA.
COMPANHIA MELHORAMENTOS DE SÃO PAULO.
EDITORA AO LIVRO TÉCNICO.
EDITORA ÁTICA.
EDITORA AUGUSTUS.
EDITORA BRAGA.
EDITORA CONTEXTO.
EDITORA DO BRASIL.
EDITORA FTD.
EDITORA HARBRA.
EDITORA MODERNA.
EDITORA RIDEEL.
EDITORA SARAIVA.
EDITORA SCIPIONE.
FORMATO.
GLOBAL EDITORA.

1.4. Documentos avulsos

ABRALE
s.d. Bem-vindo à Abrale!

_________
1995 Propostas da Abrale para a melhoria da qualidade do livro didático.
Encaminhadas à FAE em 14 de junho de 1995.
208

_________
1996 Melhoria da qualidade do livro didático. Considerações sobre o estágio atual do
processo de avaliação. Documento da Abrale encaminhado à FAE/SEF/MEC em
29 de maio de 1996.

CÂMARA BRASILEIRA DO LIVRO


s.d. Tabelas.

_________
1996 Bienal do Livro teve faturamento de 84,2 milhões de dólares.

MEC/FAE (?)
s.d. Requisitos obrigatórios para os livros didáticos do Nordeste.

PARANÁ (ESTADO)/SEED
1994 Concorrência UCP/SEED n° 001/94.

1.5. Livros didáticos e paradidáticos

ALMEIDA, Fernando José de


1988 Sartre: é proibido proibir. São Paulo, FTD. (col. “Prazer em Conhecer”).

BASSI, Cristina M.; e LEITE, Márcia


1992 Português: leitura e expressão. São Paulo, Atual. 4 vol. Ed. renovada.

BIANCHINI, Edwaldo; e PACCOLA, Herval


1995 Matemática. São Paulo, Moderna. 4. vol. 2a ed. rev. e ampl.

BURLAND, C. A.
1992 Os incas. São Paulo, Melhoramentos. 2a ed. rev. e ampl. (col. “Povos do
Passado”).

CAMPOS, Flavio DE; e DOLHNIKOFF, Miriam


1993 Atlas. História do Brasil. São Paulo, Scipione.

CHAUI, Marilena
1995 Convite à filosofia. São Paulo, Ática.

CÓCCO, Maria Fernandes; e HAILER, Marco Antonio


1995 ALP. Análise, linguagem e pensamento. São Paulo, FTD. 4 vol. Ed. renovada.

DREGUER, Ricardo; e TOLEDO, Eliete


1995 História. Cotidiano e mentalidades. São Paulo, Atual. 4 vol.

FAUSTO, Bóris
1995 História do Brasil. São Paulo, Edusp.
209

IMENES, Luiz Márcio; JAKUBO (Jakubovic) José; e LELLIS, Marcelo


1995 Matmática ao vivo. São Paulo, Scipione. 4 vol. 5a ed.

LOPES, Marta Maria


1990 O apartheid. São Paulo, Atual.

RONCARI, Luiz
1995 Literatura brasileira. São Paulo, Edusp.

SEVCENKO, Nicolau
1985 O renascimento. São Paulo / Campinas, Atual / Unicamp. 2a ed.

TEIXEIRA JR., Luiz Alexandre


1986 O engenho colonial. São Paulo, Ática. 4a ed. (col. “O Cotidiano da História”).

1.6. Livros

MEC/SEF/FAE/CENPEC
1996 Guia de livros didáticos de 1a a 4a séries. MEC/SEF/FAE/CENPEC.

MINISTÉRIO DA CULTURA/FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL


1994 Catálogo dos editores brasileiros. Rio de Janeiro, Ministério da
Cultura/Fundação Biblioteca Nacional.

UNICAMP. BIBLIOTECA CENTRAL, Serviço de Informação sobre Livro Didático


1989 O que sabemos sobre livro didático. Catálogo analítico. Campinas, Unicamp.

UNICAMP. NÚCLEO DE ESTUDOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS


1988 Brasil 1986. Relatório sobre a situação social do País. Campinas, NEPP-
Unicamp.

_________
1989 Brasil 1987. Relatório sobre a situação social do País. Campinas, NEPP-
Unicamp.

1.7. Outras mídias

EDITORA NOBEL
CBP (Catálogo Brasileiro de Publicações) Eletrônico.

COMPANHIA MELHORAMENTOS DE SÃO PAULO. Homepage: http://www. melhoramentos.com.br.

FOLHA DE S.PAULO
1996 CD-ROM Folha. São Paulo, Folha de S.Paulo.
210

FOLHA DE S.PAULO. Homepage: http://www.uol.com.br.

EDITORA ÁTICA. Homepage: http://www.atica.com.br.

EDITORA FTD. Homepage: http://www.ftd.com.br.

EDITORA MODERNA. Homepage: http://www.moderna.com.br.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Homepage: http://www. ibge.gov.br.

O ESTADO DE S.PAULO. Homepage: http://www.estado.com.br.

MINISTÉRIO DA CULTURA/FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL


s.d. CD-ROM ISBN. Rio de Janeiro, Ministério da Cultura/Fundação Biblioteca
Nacional.

2. Obras gerais

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1986 A indústria cultural. In: Cohn, Gabriel (org.) Theodor W. Adorno. Sociologia. São
Paulo, Ática.

_________; e HORKHEIMER, Max


1971 Dialéctica del iluminismo. Buenos Aires, SUR.

ALMEIDA, Marta Assis de et alii


1992 Ênio Silveira. São Paulo, Edusp/Com-Arte (Editando o Editor, 3).

ANDRADE, Olímpio de Souza


1978 O livro brasileiro: desde 1920. 2ª ed. rev. atual. e aum. Rio de Janeiro/Brasília,
Cátedra/INL.

CABRINI, Conceição A.; e GUEDES, Maria do Carmo


1991 Flávio Aderaldo. São Paulo, Edusp (Editando o editor, 2).

CHARTIER, Roger
s.d. Do livro à leitura. Tradução de Maria Auxiliadora Cavazotti e Lígia Regina Klein
(xerox).

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1990 A história cultural. Entre práticas e representações. Lisboa/Rio de Janeiro,
Difel/Bertrand Brasil.

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1991 El mundo como representación. Historia Social, nº 10, pp. 163-175.
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1994 A ordem dos livros. Brasília, UnB.

_________; e ROCHE, Daniel.


1976 O livro: uma mudança de perspectiva, in Le Goff, Jacques; e Nora, Pierre (org.).
História: novos objetos. Rio de Janeiro, Francisco Alves, pp. 99-115.

CHAUI, Marilena
1978 A ideologia acima de qualquer suspeita. Almanaque 7.

CORDEIRO, Jaime Francisco Parreira


1994 A História no centro do debate: da crítica do ensino ao ensino crítico. As
propostas de renovação do ensino de história nas décadas de setenta e de oitenta.
São Paulo. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo.

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1987 Boemia literária e revolução. O submundo das letras no Antigo Regime. São
Paulo, Compahia das Letras.

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1990 O beijo de Lamourette. Mídia, cultura e revolução. São Paulo, Companhia das
Letras.

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1992 Edição e sedição. O universo da literatura clandestina no século XVIII. São
Paulo, Companhia das Letras.

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1996 O Iluminismo como negócio. História da publicação da Enciclopédia. 1775-
1800. São Paulo, Companhia das Letras.

DAVIS, Natalie Zemon


1990 O povo e a palavra impressa, in Davis, Natalie Zemon. Culturas do povo.
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1992 O aparecimento do livro. São Paulo, UNESP/Hucitec.

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1993 Caminhos da história ensinada. Campinas, Papirus.
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Associados (Polêmicas do Nosso Tempo, 26).

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1989 Mitos, emblemas, sinais. São Paulo, Companhia das Letras.

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1996 A construção da proposta curricular de História da CENP no período de 1986 a
1992: confrontos e conflitos. Campinas. Dissertação (Mestrado em Educação) –
Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas.

MARTINS(2), Wilson
1996 A palavra escrita. História do livro, da imprensa e da biblioteca. São Paulo,
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1982 O livro. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian.

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1994 A editora como crítica. Folha de S.Paulo, 12/6/1994 (caderno “Mais!”)

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1995 Exposição celebra o inventor do livro. Folha de S.Paulo, 12/6/1995.

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1993 Du texte au livre, les avatars du sens. Paris, Nathan.
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Paulo. Tese (Doutorado em História) — Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
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assinava com o sobrenome Nosella.)

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1983 A manipulação da história no ensino e nos meios de comunicação. São Paulo,
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1986 A construção do livro. Princípios da técnica de editoração. Rio de
Janeiro/Brasília, Nova Fronteira/INL.

BURNS, Diane et alii


1990 Desktop publishing. Técnicas de editoração eletrônica. Rio de Janeiro, Campus.

COLLARO, Antonio Celso


1987 Projeto gráfico. Teoria e prática da diagramação. São Paulo, Summus.
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ECO, Umberto
1986 Como se faz uma tese. 3ª ed. São Paulo, Perspectiva.

EDITORA ABRIL
1990 Manual de estilo. Editora Abril. Rio de Janeiro, Nova Fronteira.

FOLHA DE S.PAULO
1992 Novo manual da redação. São Paulo, Folha de S.Paulo.

HOLLTZ, Matthew
1990 Dominando o Ventura. Rio de Janeiro, LTC.

HOUAISS, Antônio
1967 Elementos de bibliologia. Rio de Janeiro, INL, 2 vol.

KOTAIT, Ivani
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MAGALHÃES, Aluísio et alii


1981 Editoração hoje. 2ª ed. Rio de Janeiro, FGV.

MEDEIROS, João Bosco et alii


1995 Manual de redação e revisão. São Paulo, Atlas.

O ESTADO DE S.PAULO
1990 Manual de redação e estilo. São Paulo, O Estado de S.Paulo.

PINTO, Ildete Oliveira


1993 O livro: manual de preparação e revisão. São Paulo, Ática.

SILVA, Rafael Souza


1985 Diagramação. O planejamento visual gráfico na comunicação impressa. 2ª ed.
São Paulo, Summus.

UNESP. Coordenadoria Geral de Biliotecas, Editora UNESP


1994 Normas para publicações da UNESP. 2ª ed., São Paulo, UNESP, 4 v., v. 3.
Preparação e revisão dos textos.

UNIVERSITY OF CHICAGO
1969 A manual of style. 12ª ed. Chicago, The University of Chicago Press.

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