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3, 3605 (2009)
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Quatro são as forças aerodinâmicas fundamentais no vôo dos mais pesados que o ar: a tração, o arrasto, o
peso e a sustentação. Neste artigo é mostrado como Alberto Santos Dumont, o célebre pioneiro brasileiro da
aviação, conseguiu criar, a partir de um artefato mais leve que o ar - o balão dirigı́vel - o primeiro avião funcional
da história, trabalhando unicamente com essas forças.
Palavras-chave: Alberto Santos Dumont, forças aerodinâmicas, dirigı́vel, avião.
The fundamental aerodynamics forces in the heavier-than-air flight are four: thrust, drag, weight and lift.
This article shows how Alberto Santos Dumont, the great Brazilian aviation pioneer, managed to create, starting
from a lighter-than-air craft-the dirigible balloon - the first successful airplane in history, working only with those
forces.
Keywords: Alberto Santos Dumont, aerodynamics forces, dirigible balloon, airplane.
mas ultrapassou em dez minutos o tempo limite es- princı́pio requer uma combinação de ma-
tipulado para a prova [2]. No dia 8 do mês seguinte, teriais mais leves que o ar por tais deslo-
tentando o prêmio novamente, acabou por chocar a cado, à aviação, a qual envolve uma com-
aeronave contra um prédio; embora o balão haja ex- binação mais pesada que o ar. Em reali-
plodido e ficado completamente destruı́do, o piloto es- dade, no dirigı́vel, tal como, por exemplo,
capou incólume do acidente [3]. E no dia 19 de outubro no meu N ◦ 6, ambos os princı́pios são usa-
de 1901, com um novo balão motorizado, o N ◦ 6, ele dos. O balão, com a forma de um fuso,
finalmente executou a prova, amealhando o cobiçado medindo 33 metros de comprimento e 6 me-
prêmio (Fig. 1). Tornou-se reconhecido internacional- tros de diâmetro no meio, é mais pesado
mente como o maior aeronauta do mundo e o inventor que o ar, pois não se levanta, por si só,
da primeira máquina voadora eficiente [4]. Os adeptos quando a hélice está parada. Meu dirigı́vel
do mais leve que o ar comemoraram: a façanha repre- nada mais é que uma espécie de avião tubu-
sentava uma vitória retumbante sobre os partidários do lar, em cuja construção entra hidrogênio sob
mais pesado - pelo menos, aparentemente. pressão, que mantém tensa sua vasta su-
perfı́cie, com um mı́nimo de peso de materi-
ais. Uso o hidrogênio como parte constitu-
inte do avião tubular para garantir a rigidez
de seu tecido, em vez de uma armação
sólida, que não produziria, no momento, o
mesmo efeito sem a maior dificuldade. Pela
mesma razão, para certas peças do meca-
nismo, que não demandam as qualidades
de resistência do aço, eu uso o alumı́nio
que, depois do hidrogênio, é a mais leve
substância conhecida pela indústria. Ainda
pela mesma razão também, com o objetivo
constante de diminuir o peso do mecanismo,
adotei, como parte essencial da armação re-
forçada que suporta a gôndola e o aero-
nauta, uma combinação de peças de pinho,
unidas por tiras metálicas tão finas que pe-
sam quase nada. Assim pude construir, na
forma tubular, o único avião que jamais teve
êxito em levantar a si próprio e a seu aero-
nauta, enquanto permanecia na condição de
mais pesado que o ar. Apenas uns 20 quilo-
gramas são sustentados pela ação dinâmica
da hélice. [5]
Figura 1 - Em 19 de outubro de 1901, a bordo do N ◦ 6, Santos
Dumont circula a Torre Eiffel e comprova ao mundo a dirigibi-
Não era a primeira vez que o inventor brasileiro brin-
lidade dos balões! (Fonte: Musée de l’Air et de l’Espace / le cava com a classificação das máquinas voadoras. No
Bourget). dia 20 de setembro de 1898, data em que, devido a uma
contı́nua perda de hidrogênio, caiu com o seu primeiro
3. Mais leve ou mais pesado? dirigı́vel, o N ◦ 1, ele explicou desta forma aos jornalis-
tas como escapou da morte certa:
Em junho de 1902 Santos Dumont surpreendeu a to-
A descida efetuava-se com a velocidade de
dos ao publicar, na revista estadunidense North Ame-
4 a 5 m/s. Ter-me-ia sido fatal, se eu
rican Review, um artigo no qual revelava que o que
não tivesse tido a presença de espı́rito de
vinha fazendo até então era na verdade aviação, e não
dizer aos passantes espontaneamente sus-
aerostação! Afirmava ser um erro crer-se que o navio
pensos ao cabo pendente como um ver-
aéreo, por ser cheio com um gás, era mais leve do que
dadeiro cacho humano, que puxassem o
o ar, e esclarecia que os seus dirigı́veis, carregados de
cabo na direção oposta à do vento. Graças
lastro (sacos de areia), não podiam erguer-se no espaço
a essa manobra, diminuiu a velocidade da
pela ação exclusiva do hidrogênio, sendo o complemento
queda, evitando assim a maior violência
da força necessária fornecido pelo propulsor. Dizia ele:
do choque. Variei desse modo o meu di-
As pessoas erram ao opor sistematicamente, vertimento: subi num balão e desci numa
como o fazem sem refletir, aerostação, cujo pipa. [6]
Como Santos Dumont inventou o avião 3605-3
Figura 6 - O vôo de 60 metros de Alberto Santos Dumont, em 23 de outubro de 1906, no campo de provas de Bagatelle (Paris, França)
(Fonte: Musée de l’Air et de l’Espace / le Bourget).
[5] Alberto Santos Dumont, Airships and flying machines, L’Aérophile. Aéroclub de France, Paris, 14◦ ano,
North American Review. University of Northern Iowa, n◦ 7, jul. 1906, p. 167-169.
Cedar Falls, v. 174, n◦ 547, jun. 1902, p. 722-723.
[12] Plus lourd ou plus léger que l’air. Les Sports, sexta-
[6] Emmanuel AImé, L’Aérophile. Portraits d’aeronautes feira, 24 ago. 1906.
contemporains. Aéroclub de France, Paris, 9◦ ano, n◦ 4,
[13] A. de Masfrand, L’essor de Santos Dumont,
abr. 1901, p. 76.
L’Aérophile. Aéroclub de France, Paris, 14◦ ano,
[7] Les concours d’aviation. L’Aérophile. Aéroclub de n◦ 9, set. 1906, p. 194.
France, Paris, 12◦ ano, n◦ 10, out. 1904, p. 224-225.
[14] P. Lissarrague, Une étude systématique sur le XIV
[8] A. Nicolleau, Un nouveau racer aérien. L’Aérophile. bis de Santos Dumont: histoire du XIV bis original.
Aéroclub de France, Paris, 13◦ ano, n◦ 4, abr. 1905, Pégase. Musée de l’Air et de l’Espace, Paris, n◦ 31,
p. 87. set. 1983, p. 7.
[9] A. Nicolleau, Le Santos Dumont XIV à Trouville, [15] Capitaine Ferber, Le deuxième envolée de Santos Du-
L’Aérophile. Aéroclub de France, Paris, 13◦ ano, n◦ 9, mont. L’Aérophile. Aéroclub de France, Paris, 14◦ ano,
set. 1905, p. 200-201. n◦ 10, out. 1906, p. 245.
[10] Chez Santos Dumont, Les sports, sexta-feira, 20 jul. [16] Alberto Santos Dumont, Airships and flying machines,
1906. North American Review. University of Northern Iowa,
[11] Marius Degoul, L’aeroplane Santos Dumont, Cedar Falls, v. CLXXIV, n◦ 547, jun. 1902, p. 725.