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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

FCLAR- FACULDADE DE CIÊNCIAS E LETRAS

CIÊNCIAS SOCIAIS (NOTURNO)

FICHAMENTO BASEADO NA OBRA: “DA NECESSIDADE À LIBERDADE:

UMA NOTA SOBRE AS PROPOSTAS DE DIDEROT E

CONDORCET PARA O ENSINO SUPERIOR”

PIETRA DA CRUZ BERGHE

2018
PIOZZI, Patrizia. “Da Necessidade À Liberdade: Uma Nota Sobre As Propostas
De Diderot e Condorcet para o Ensino Superior. Campinas. Educ. Soc, Especial
2004.

Nesse fichamento será apontada a análise a respeito das propostas sobre


universidade pública de Diderot e Condorcet, no século XVIII, exercidas por Patrícia
Piozzi.

A princípio, Piozzi aborda o Plano da universidade de Diderot, caracterizado


pelo ensino superior a todos, partindo de um ensino médio denominado faculdade
das artes para se atingir as faculdades de medicina, jurisprudência e teologia. Tendo
o Estado como responsável por proporcionar ensino àqueles que não podem arcar
com o custo de uma educação familiar, doméstica.

Neste modelo, a educação deve ser igual para todos, expansiva, e uma vez
que isto se dá, os 'talentos' são encontrados com mais facilidade pois estão
concentrados nas famílias de classe mais inferior, que são a maior parte da nação.
Piozzi faz comparações em que distância Diderot do ideal de John Locke que
explicita a igualdade natural dos indivíduos, dotados de razão e construtores de sua
propriedade, fundamentando a legítima desigualdade entre eles, o que de forma
mais embasada dão origem a ascensão social pela meritocracia.

Retrocedendo a época medieval, a autora apresenta ainda as 'escolas de


trabalho' como um início da sociedade mercantil, destinadas aos filhos dos pobres,
indigentes: "[...] crianças entre 3 e 14 anos seriam forçadas a aprender habilidades
manuais, confeccionando suas próprias roupas e recebendo, em troca, pão, água e, no
inverno, se necessário, um pouco de mingau quente." (PIOZZI, p. 659). O único estudo,
de fato, seria o da religião que tinha como auxílio os castigos, que formariam uma
pessoa severa com seus hábitos, habilidoso e consequentemente zeloso com a sua
profissão. Embasados na ignorância, alienação e no terror, obedientes aos másters.

Retomando aos princípios de Diderot, Piozzi, trará a análise da escola de


artes do dito autor que critica o ensino como algo que nada se ensina sobre o
mundo real, já que aborda temáticas envolvendo, filosofia de Aristóteles, retórica,
línguas mortas, ou seja, nada mecânico, que propicie conhecimento da vida
humana, como ciências da natureza.
Desse modo, Diderot propõe uma modernização voltada para um ensino mais
adequado para a atividade profissional, mecanizada focalizando produções e trocas,
em andamento já na sua época. Será necessário então, o estudo de ciências com
caráter de aprimorar as áreas socioeconômicas e política da nação.
Ainda nesta perspectiva que se distancia cada vez mais do liberalismo de Locke,
Piozzi retrata que em Diderot, a universalização do ensino, voltada para uma
diversificação profissional e habilidade dos trabalhadores, está, em contrapartida
com a legitimação das desigualdades e domínio de Locke. Diderot traz uma
desigualdade natural dos talentos: “[...] Diderot trata da progressão dos estudos, para
que o esforço e o talento de cada estudante sejam o critério exclusivo para a promoção às
classes e aos degraus superiores da instituição. Mesmo a referência aos fatores “externos”
ao processo escolar, originários das determinações socioeconômicas, sugere a substância
classista e elitista de seu ideal “meritocrático”.” (PIOZZI, p. 661)

Em sequência, a autora apresenta a visão de Roberto Romano que vê uma


política pública nos planos de Diderot e Condorcet, em que o Estado é o
responsável pela instrução técnica e científica da população. Nesta passagem,
Piozzi expõe seu entendimento de que as ciências da natureza, em um primeiro
momento dos estudos, não foca em uma instrução técnica para fortalecer as
habilidades operativas, mas se volta para a compreensão das leis que governam os
cosmos físicos e moral, afim de não apenas exemplificar a vida real, mas sim,
civilizar, formar indivíduos críticos, analíticos. Um exemplo se dá com a geometria:
"Ao colocar a geometria, necessária a "todas as condições da vida, desde a mais elevada
até a última das artes mecânicas”, na base do ensino, o diretor da Enciclopédia aponta,
também, para sua importância filosófica e política, definindo-a como “a lima silenciosa de
todos os pré-conceitos populares” (Diderot, 2000, p. 289-292). Essencial à formação do
julgamento racional e, portanto, à luta contra a ignorância e a superstição, prepara o
caminho para o estudo da lógica e da crítica, pelo qual os jovens aprendem a submeter a
exame todas as autoridades, inclusive as da razão e dos fatos. ” (PIOZZI, p. 662)

O plano de Diderot em Piozzi, além do que já foi dito, se encaminha a uma


crítica a mercantilização da profissão médica, e uma observação a jurisprudência de
que é necessário ser vigilante para a promoção dos magistrados não fazendo com
que estes sejam incapazes não sobressaindo a ciência e os bons costumes. O
ensino teológico, por sua vez, exercendo um poder de neutralização com relação ao
ensino religioso e também o colocando em submissão ao Estado, tem o papel de
instruir padres com a ciência e tolerância, pacificando-os. Por último àqueles
denominados 'homens de gênio', filósofos e poetas, só têm espaço em uma
sociedade em que 'os outros trabalhem', ou seja, que a instrução pública já é
implantada, diferente disso não há leitores para suas obras e as nações
continuariam ignorantes. Neste ponto, Piozzi, em sua visão, expõe que relações
construídas nessa instrução pública, apresenta uma ultrapassagem nos limites da
habilitação para o mercado, e até mesmo o aproveitamento dos talentos em prol do
bem de todos "[...] em direção à expansão das trocas intelectuais livres e ao refinamento
geral dos espíritos." (PIOZZI, p.663). Dessa forma, as partes da educação pública,
com o tempo, vista como desnecessárias, serão importantes, assim “[...] a
diversificação dos estudos, “ao abarcar muitos objetos ao mesmo tempo”, tende a extinguir
a desigualdade dos talentos em favor de sua diferença e complementaridade. “No curso da
jornada de estudos, se cada aluno exibir sua aptidão natural, não haverá nenhum que
guarde constantemente a superioridade, e eles terão todos um motivo de se estimar
reciprocamente” (idem, ibid p. 387) ” (PIOZZI, p. 663-664)

Partindo para Condorcet, que visa também o acesso dos cidadãos, sem
restrições, a todos os graus do ensino, com uma educação pública laica, Piozzi
realça uma continuidade da ruptura entre os enciclopedistas (Diderot) e os
revolucionários.
Em Condorcet a administração pública é dada aos instruídos, ou seja, a
soberania é popular constituída em oposição aos interesses mercantis.
As faculdades de jurisprudência e teologia, diferente de Diderot, são excluídas por
Condorcet que tem em vista que o monopólio destes por especialistas permite o
domínio sobre os homens dados como comuns. Para ele, o ensino religioso doutrina
e cega os profissionais que agem pela fé; o ensino de direito, cria castas de
conhecedores das leis e constituições, o que não permite assembleias eleitas e
julgadas pelo povo. Neste cerne, Condorcet busca reduzir as desigualdades sociais
indo para além do âmbito educacional, mas analisando também as desigualdades
econômicas e de instrução, "[...] creditando a perspectiva de sua diminuição menos ao
crescimento “espontâneo” do comércio e da indústria que à implementação de políticas
públicas de incentivo aos pequenos produtores e de proteção aos mais fracos, sobretudo
crianças, velhos e mulheres desamparados das classes populares, numa antevisão do que
no século XX se efetivaria como Estado de Bem-Estar Social." (PIOZZI, p.666-667).
Assim, é necessária uma reforma econômica e social, para que o ensino público
superior se torne para todos, universal.

Piozzi, parte para a diferenciação entre o pequeno número de pensadores e


inventores da sociedade de ciências e artes e o grande número dos profissionais do
ensino, "[...] não configura, porém, duas “classes” de homens essencialmente distintos e
incomunicáveis, à medida que o princípio teórico unificador do percurso escolar se efetiva
pela metamorfose da linguagem culta que, sem perder “o rigor e a precisão do sentido
filosófico” (Condorcet, 1994, p. 122), adquire a simplicidade e clareza da língua “vulgar”."
(PIOZZI, p. 668). Posto isso, a razão é colocada como popular de propriedade da
nação inteira.

A autora finaliza com uma análise ente o passado e atualidade que cabe aqui
exemplificar com o trecho correspondente : "A ousadia do pensar, na busca de meios
para encurtar o enorme espaço ainda existente entre o mundo atual e a era luminosa da
razão, traduz-se em propostas concretas: políticas capazes de corrigir as enormes injustiças
sociais ainda presentes na República nascida da revolução. Se me permitirem usar uma
expressão anacrônica, gostaria de finalizar dizendo que, nesta época tão marcada pela
contra-revolução, a ousadia do pensar e do agir continua viva nas correntes de opinião e
nas lutas das populações que, mundo afora, denunciam e combatem os crimes e as
mentiras dos poderosos. Na universidade, aqueles que se engajam, por meio de pesquisas
rigorosas e intransigentes, de experimentações inovadoras no campo da cultura e da arte, a
investigar e debater todos “os interesses humanos mais amplos”, contribuem, dessa forma,
a manter o sentido que os iluministas e os revolucionários de 1789 atribuíam ao saber e
ensino “superiores”, recolocando-os na trilha da utopia e do “progresso dos espíritos
humanos”." (PIOZZI, p.673-674).

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